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Antropologia com parentes: "Você fica falando como se não fosse da família!". 1 Ana Clara Damásio PPGAS Universidade Federal de Goiás [email protected] Em pesquisa de campo realizada no primeiro semestre de 2019 em Canto do Buriti-PI me deparo com uma surpresa, a de decidir fazer campo com os “parentes”. Esse não era o roteiro inicial da pesquisa sobre curso de vida e envelhecimento em cidades pequenas. O interessante é o “Outro”, o de fora de casa, o distante e o do “outro” lado do oceano. O que os de dentro de casa teriam à oferecer para a pesquisa? Foi assim que em meio ao campo e virando a pessoa que teria que “tomar de conta” da minha avó, percebi que as de dentro de casa também poderiam ser interlocutoras, ou melhor, parentes-interlocutoras. Entretanto, estranhamentos éticos, metodológicos, teóricos e morais emergiram. Afinal, eu não fui ensinada a fazer a pesquisa com os de dentro de casa como “objetos” de interesse, mas e quando eu estou no centro desse “outro”? Na dualidade “eu” e o “outro” ou o “Nós” x “Eles”, a pesquisa com parentes na verdade embaralha e dissolve, em alguma medida, essa dicotomia. Por vezes estou trabalhando com o “nós”, por vezes, através de dinâmicas de estranhamentos e afastamentos poderia estar trabalhando com “eles” e “os outros”. Eu nem me dissolvia absolutamente na similitude/proximidade/ do “nós”, nem me associava totalmente com a diferença do “outro/eles”, esse jogo dependia das circunstâncias e de questões conjunturais. Assim, esse artigo pretende discutir as implicações de fazer pesquisa com parentes que “expiam”, “ajudam” e tem “direitos” sobre as histórias contadas e escritas. Essa também é uma antropologia de aproximação e não necessariamente de distanciamento, sendo a proposta última e primeira a proposição de novas categorias analíticas para a metodologia antropológica. Palavras-Chave: Antropologia com Parentes, Etnografia, Metodologia 1 Trabalho apresentado na 32ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 30 de outubro e 06 de novembro de 2020.

Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

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Antropologia com parentes: "Você fica falando como se não fosse da família!".1

Ana Clara Damásio

PPGAS – Universidade Federal de Goiás

[email protected]

Em pesquisa de campo realizada no primeiro semestre de 2019 em Canto do Buriti-PI me

deparo com uma surpresa, a de decidir fazer campo com os “parentes”. Esse não era o

roteiro inicial da pesquisa sobre curso de vida e envelhecimento em cidades pequenas. O

interessante é o “Outro”, o de fora de casa, o distante e o do “outro” lado do oceano. O

que os de dentro de casa teriam à oferecer para a pesquisa? Foi assim que em meio ao

campo e virando a pessoa que teria que “tomar de conta” da minha avó, percebi que as de

dentro de casa também poderiam ser interlocutoras, ou melhor, parentes-interlocutoras.

Entretanto, estranhamentos éticos, metodológicos, teóricos e morais emergiram. Afinal,

eu não fui ensinada a fazer a pesquisa com os de dentro de casa como “objetos” de

interesse, mas e quando eu estou no centro desse “outro”? Na dualidade “eu” e o “outro”

ou o “Nós” x “Eles”, a pesquisa com parentes na verdade embaralha e dissolve, em

alguma medida, essa dicotomia. Por vezes estou trabalhando com o “nós”, por vezes,

através de dinâmicas de estranhamentos e afastamentos poderia estar trabalhando com

“eles” e “os outros”. Eu nem me dissolvia absolutamente na similitude/proximidade/ do

“nós”, nem me associava totalmente com a diferença do “outro/eles”, esse jogo dependia

das circunstâncias e de questões conjunturais. Assim, esse artigo pretende discutir as

implicações de fazer pesquisa com parentes que “expiam”, “ajudam” e tem “direitos”

sobre as histórias contadas e escritas. Essa também é uma antropologia de aproximação e

não necessariamente de distanciamento, sendo a proposta última e primeira a proposição

de novas categorias analíticas para a metodologia antropológica.

Palavras-Chave: Antropologia com Parentes, Etnografia, Metodologia

1 Trabalho apresentado na 32ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 30 de outubro e 06 de novembro de 2020.

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Notas Introdutórias

Esse artigo buscará discutir minha entrada em campo e os dilemas teóricos,

metodológicos e pessoais que estavam embrincados em pesquisar com e sobre parentes

em Canto do Buriti – Pi, local no qual realizei campo durante três meses na casa da minha

avó materna. Entretanto, talvez sintam que algumas vezes o texto que escrevo transita

entre o conforto e o desconforto. Isso se deve ao fato de eu lidar com histórias que também

são minha, compõe a minha trajetória como indivíduo e algumas vezes me extrapolam,

mas como sempre há um começo nas histórias, esse será guiado pelo primeiro dia em

Canto do Buriti-PI, meu primeiro processo de tentar entender o que ocorria, assim como

conhecer os dilemas que envolviam estar entre parentes e uma pesquisa de cunho

antropológico.

Anoiteceu. Eu havia superado o calor inicial que caiu sobre mim assim que

chegamos aqui em Canto do Buriti, entretanto eu já estava no meu segundo banho. Minha

avó estava sentada na sua cadeira de corda vendo a novela das nove enquanto fumava seu

cachimbo. Na viagem de Brasília para cá ela pareceu um pouco ansiosa, mas nesse

momento o contentamento que emanava através do seu riso era quase contagiante. Me

vesti, jantamos e ela voltou para a mesma posição. Foi então que recebi uma ligação

telefônica da minha mãe. Após indagar sobre como tinha sido nossa viagem, como estava

a casa da minha avó, como ela estava se sentindo, veio a pergunta que eu tanto temia:

“Sua avó já banhou? ”. Eu procurei calmamente responder a minha mãe, pois sabia que

minha avó estava ouvindo nossa conversa, apesar de ainda olhar para a TV. “Ainda não”,

respondi. E nesse momento todo o conflito que eu tentava evitar emergiu: “Não acredito

que mãe não tomou banho ainda, mas não se preocupe com isso, vou ligar pra sua tia falar

com ela pra mandar mãe tomar banho”.

Minha mãe desligou o telefone e aguardei a próxima ligação. Era minha tia

Regina, a mesma que cuidava da minha avó desde que ela teve que sair de Canto do Buriti

e ir para o mundo. Os motivos ficarão explícitos mais à frente. Atendi no segundo toque.

Cumprimentei minha tia e ela fez novamente a mesma pergunta: “Mãe banhou,

Clarinha?”. Mais uma vez respondi de forma sucinta: “Não, tia.”. Rapidamente minha tia

resmungou e pediu que eu passasse o telefone para minha avó, mas pedindo para que eu

o colocasse no viva-voz, pois assim minha avó conseguiria ouvir a conversa com o áudio

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em um volume maior, o que facilitaria sua comunicação. A conversa das duas se

desenrolou com amigáveis risadas dos dois lados, perguntas da minha tia sobre nossa

viagem e se alguém havia ido nos visitar. Porém, acompanhei a mudança na expressão da

minha avó quando a pergunta anteriormente dirigida a mim foi feita por minha tia a ela,

“Tomou banho, mãe?”. “Cuida da tua vida, Regina”, respondeu a última rispidamente. A

discussão foi aumentando e meu incômodo também. Foi então que minha tia disse: “Mãe,

você disse que ia tomar banho. Não dá trabalho pra Clarinha que ela tá aí para fazer o

trabalho dela. A Ana [mãe da pesquisadora] sai daqui para te buscar num pé e volta no

outro”.

Minha avó que possui um extenso vocabulário de xingamentos os proferiu para

minha tia e por fim disse: “Vocês não mandam em mim!”. Se livrando do telefone e o

entregando para mim, continuei a conversa com minha tia. “Fica de olho se ela vai banhar,

Clarinha. É que as vezes ela só molha o cabelo para dizer que banhou, mas não banhou.

Vê se no cano sai água com sabão. Depois você diz”. Assim, nos despedimos e desliguei

o telefone. Pouco depois do final da novela das nove minha avó foi até seu quarto, pegou

sua toalha, alguns itens de banho e foi para o banheiro. Olhei para o cano que despejava

água com sabão no quintal dos fundos e de acordo com as dicas da minha tia, ela

realmente tinha banhado. A água com sabão escorria abundante. Mais tarde tanto minha

mãe quanto minha tia mandaram mensagens no WhatsApp2 perguntando se minha avó

havia banhado, confirmei para as duas que sim. Ana era minha mãe, Clarinha é a que

autora que vos escreve, o “trabalho” era o realizar uma pesquisa etnográfica acerca do

envelhecimento em Canto do Buriti, cidade com pouco mais de vinte mil habitantes

localizada ao sul do Piauí. Já a ameaça à minha avó era sua constante possível volta a

Brasília, caso descumprisse as regras e combinados feitos com minha mãe e minha tia

quando ainda estava em Brasília. Mas vamos voltar um pouquinho antes, logo após ao

banho da minha avó.

Ao se sentar na cadeira de corda da sala ela percebeu que eu havia dito/confirmado

[nesse caso as palavras podem ser bonitas, mas o efeito era o mesmo] que ela não havia

banhado, minha avó então começou a verbalizar sua irritação: “Essa casa é minha”,

“Ninguém manda em mim”, “Eu não tô nem aí! ”. Já falei que minha avó tem um vasto

2 WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones. Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e documentos em PDF, além de fazer ligações grátis por meio de uma conexão com a internet.

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repertório de palavrões? Minha irritação foi mais uma vez aumentando ao ponto de eu

pegar o telefone, ligar novamente para a minha mãe e dizer ainda na frente da minha avó

que: “Eu não sei como lidar com essa situação. Vocês querem que eu policie minha avó?

Mas eu não vim aqui para isso. Eu vim fazer uma pesquisa e agora estou no meio de toda

essa confusão por causa de um banho?”. Minha mãe pediu que eu me acalmasse e ao

encerrar a ligação resolvi ir para um dos quartos que havia sido designado para mim

durante minha estadia ali para tentar descansar e me acalmar. Como foi que eu me meti

nessa situação?

A cena acima se trata de um contexto em que se pode acompanhar através da

minha narrativa um imbróglio que mobiliza imagens e concepções sobre velhice, higiene,

autonomia, individualidade e as disputas sobre o controle do sujeito velho. Parecia haver

nas intervenções da minha mãe, tia e minha, uma espécie de pedagogização prescritiva

do asseio que procurava “tornar dócil” o corpo velho da minha avó sob ameaças de

intervenção. Processo o qual minha avó parecia resistir através da birra, xingamentos,

silêncio ou fortes declarações em que acionava ter criado a todas e todos que nesses

momentos tentavam gerenciar a sua vida. Assim, episódios como esses apontam os

interstícios, fragilidades e vulnerabilidades das possibilidades de autonomia e gestão de

si, no caso da minha avó. É interessante também, pois as práticas e controle não incidem

somente sobre minha avó, mas sobre mim também, a partir de uma espécie de matriz de

expectativas e prescrições intergeracionais na qual minha mãe e tia Regina incidiam e

agiam uma sobre a outra, mas também sobre mim e minha avó (e de todas nós sobre ela).

O poder circula e constitui agenciamentos, constrangimentos e sujeitos nas tramas do

parentesco: filha, mãe, avó, tia, expectativas, obrigações, roteiros. Parente nesse texto é

como denomino todo familiar que possuia alguma relação consaguínea para comigo.

Dessa forma, nesses momentos de conflito algumas vezes minha avó conseguia

resistir as prescrições e passar até três dias sem tomar banho, já em outros momentos ela

acabava cedendo. Todas as envolvidas nesse processo pareciam saber como e quando

ceder as pressões que eram exercidas e as vontades que eram suprimidas. Minha avó em

um momento em que ficou sabendo que minha bisavó Rebinha se recusava a comer

durante nossa estadia em Canto do Buriti afirmou: “Rebinha não pode ser bruta assim.

Tem que saber conviver. Não dá pra fazer só as vontades dela senão vai acabar só”. Essa

frase me dizia muito sobre como minha avó também pensava sua relação com suas filhas

e comigo, era preciso saber “conviver” mesmo em meio aos conflitos, mas também fazer

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um cálculo para que não se tornasse uma pessoa bruta, pois isso poderia incorrer em um

afastamento dos demais e em uma possível solidão.

A decisão de ir a Canto do Buriti surgiu em meio a um contexto político-

econômico onde a perspectiva dos cortes de bolsas e falta de financiamento eram

possibilidades. Resolvi por esses motivos realizar a pesquisa em uma cidade em que eu

já tivesse onde morar. Assim, Canto do Buriti emergiu como lugar onde minha avó

possuía uma casa, assim como minha tia Itamar, irmã da minha avó. Inicialmente eu iria

ficar sozinha na casa da minha avó, mas meses antes de eu ir à campo no primeiro

semestre de 2019 sua casa havia sido arrombada e roubada. Com o peso da insegurança

acerca de ser uma estrangeira na cidade vivendo sozinha em uma casa [isso se associa

intimamente ao fato de eu ser mulher], surgiu a ideia em conjunto com minha mãe e

minha tia Regina de que eu levasse minha avó para “passar um tempo na casa dela”

enquanto eu pesquisava sobre envelhecimento na cidade. Minha avó já estava a quatro

anos em Brasília, desde a última vez que minha mãe havia tentado morar em Canto do

Buriti para ficar com minha avó. Em que momento minha avó também virou parte da

minha pesquisa? Longe de Canto do Buriti, da minha avó e lembrando desse primeiro dia

em campo algumas questões emergiram nesse momento de escrever. Devo confessar que

minha escrita em relação ao meu campo ficou travada por um bom tempo e nem tenho

plena consciência [se é que alguma vez a temos] se ela está destravada no momento. Essa

trava ocorreu pelo medo de deixar explícito a ocorrência de episódios como o acima

descrito. Porque eu tinha medo de demarcar que fazer pesquisa com os parentes era uma

relação também conflituosa?

Geralmente delegamos as reclamações, incongruências, eventos que nos escapam

aos nossos diários de campo [as vezes os higienizamos também], pois estamos em busca

de recorrências e não de incongruências. O que seria dos “Argonautas do Pacífico

Ocidental” se Malinowski (1971 [1922]) não conseguisse criar uma ideia de unidade

textual? Se ele não tivesse usado um eulirico onipresente e quase onisciente? Eis que

surge o “Um diário no Sentido Estrito do Termo” de Malinowski (1997 [1967]) que é

publicado após sua morte por sua então viúva e também antropóloga. Ali, somos guiados

por um outro tipo de fascinação. Somos expostos a um pesquisador que tem saudade de

casa, possui acessos de raiva, que escreve para dar ordem ao mundo ao seu redor,

demonstrou sua ambição, também comunicou seus preconceitos da forma mais explícita

e aterradora possível.

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Quando lemos o primeiro texto somos expostos a descrições que chegam a ser

sensoriais, sentimos a luz do sol, o cheiro do mar, nos afastamos lentamente da nossa casa

até que entramos nas Ilhas Trombriandesas. Então conhecemos, de algum modo, os

trobriandeses, o Kula, somos tomadas pela narrativa. Estamos saindo de casa, indo para

longe, para o outro lado do oceano, para o desconhecido. Essa é a imagem que habita

nossa cabeça nos primeiros anos de socilização dentro da antropologia. Recordo de um

dia de festejo de Santo Expedito, em Canto do Buriti, em que fui com tia Itamar em uma

paróquia próxima ao bairro da minha avó. Ali, uma amiga sua a questionou acerca de

quem eu era. Tia Itamar afirmou que eu era sua sobrinha e também “Neta da Nita!”. Sua

amiga sorriu e afirmou: “Ah, então tá voltando para as origens, né!”. Eu havia esquecido,

após tanto viver no mundo e em constantes mudanças espaciais, que eu possuía uma

origem. Como viram, com o “de perto”, o de casa, pode ocorrer conflitos abertos e

expectativas outras para as quais eu não esperava no sentido estrito do termo de um

pesquisador clássico que, justamente por eu ser da família, surgiam. Eu estava fazendo o

caminho inverso ao qual os antropólogos são socializados academicamente a fazer. Não

estava indo pra lá, estava voltando para dentro. Além disso, quando falo de casa, não me

refiro aqui no sentido de uma Antropologia feita nacionalmente. Como virão, me dirijo a

uma de mais de perto ainda.

A intenção, entretanto, não é colocar as duas obras citadas acima lado a lado e

afirmar que uma é mais verdadeira que a outra. São duas escritas, duas ficções, duas

reduções de mundo. Minha intenção é outra. Pensar o lugar do diário de campo, do

conflito e da diferença dentro dos nossos textos. Pensar todas as questões anteriores é

voltar a discussão de escrita e posicionalidade. Em campo escutamos, observamos,

fazemos um caderno de campo, posteriormente escrevemos nosso diário de campo, em

seguida analisamos nossos dados e enfim escrevemos e reescrevemos um texto quantas

vezes forem necessárias [ou, é claro, até quando o prazo permitir].

É preciso falar então do instrumento que me ajudava a dar ordem ao mundo

pesquisado. Esse é o clássico instrumento de pesquisa utilizado em campo, o diário de

campo. Era nele que me apegava para colocar o mundo dos conflitos, descobertas sobre

a família, segredos, sobre meu recorte de pesquisa e tema em um plano congelado. Geertz

(1988, p.19-20) chama a atenção que a “prática etnográfica” está cunhada justamente na

“descrição densa”, essa última, o objeto da etnografia. Nessa acepção, pude me apegar às

descrições dos meus diários de campo e quanto ao que aqui seria escrito [principalmente

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ao que vim a descobrir sobre minha família] ter um consolo em suas palavras de que o

dado etnográfico é a “construção das construções de outras pessoas” e que o etnógrafo

tem o papel de “primeiro apreender e depois apresentar” em um plano discursivo.

No entanto, são inúmeros os processos de higienização do conflito e das

inconstâncias que fazemos dentro dos nossos textos. São também os constantes

apagamentos que fazemos de nós dentro dos textos que escrevemos. Lembro agora de um

amigo que cursava doutorado em um prestigioso curso de Antropologia aqui no Brasil

que publicou em uma rede social: “Quando eu morrer, queimem meus diários de campo!”.

Ele, obviamente, havia lido os diários de campo de Malinowski. Mas a minha

posicionalidade em campo tornava esse movimento um pouco difícil. Eu era a neta, a

filha, a sobrinha, mas também era a pesquisadora e a fotógrafa.

As pesquisas antropológicas mais clássicas são feitas longe, com o diferente, com

o outro, com aquele cujo caráter “exótico” contrastaria radicalmente com o “eu" narrador,

mas quando comecei a realizá-la com parentes, foram essas questões que emergiram. Eu

estava fazendo literalmente Antropologia “em casa”? Se sim, que questões são levantadas

com os conceitos que cunhamos para o fazer etnográfico? Onde fica a autoridade

etnográfica? Onde fica a alteridade? Como se reconfiguraria o debate sobre a relação

entre estranhamento do “familiar” e o tornar familiar o que é estranho de que tanto fala

Gilberto Velho (1980)? Creio que meu campo em algum sentido esgarçava, aprofundava,

radicalizava e torcia os limites de um certo debate sobre o fazer antropológico no Brasil

entre o “mato" e o “esfalto" de que falava Mariza Correa (2011). Ademais, o lá ao qual

me refiro é um outro que não nos é literalmente o familiar.

Onde fica o limite da ética do que é compartilhado e publicado em um texto de

alguém que é parte do grupo? Queimar meus diários de campo e nisso, todos os conflitos

em campo com a família, seria também queimar as histórias de família que eu passavei a

conhecer e a produzir em processo. Queimar seria similar a queimar um álbum de

fotografias de minha família. Seria um atentato ao nosso coletivo (família) e a minha

individualidade e subjetividade. Então ao escrever sobre minhas parentes, eu acabava

também tendo que contar histórias que diziam respeito a mim. Não havia, como percebi,

uma forma de me retirar do texto e era necessário deixe-me ser “afetada” (FAVRET-

SAADA, 2005) não apenas em termos emocionais pelo campo [que ao meu ver é um

caminho indissociável entre viver, estar no mundo e fazer pesquisa], mas também no que

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dizia respeito à escrita do meu próprio texto, minha forma de pensar o campo enquanto

parente e a teoria antropológica vigente.

“Se um interlocutor oferecer um café em campo você aceita!”

Negar o café era negar a relação. Era decidir não trocar com o interlocutor. Esses

eram alguns dos ensinamentos que essa frase transmitia e que foi por mim escutada ainda

na graduação durante uma aula de Métodos e Técnicas Antropológicas. Essa frase tinha

muito a dizer sobre como concebemos e somos ensinadas a entender nossa relação em

campo com nossas interlocutoras. Mas essa frase não me preparava para a pesquisa que

realizei, pois se aplicada a não parentes ela fazia todo o sentido em campo. O pesquisado

é o outro, o que não conheço, o que não me é próximo e, principalmente, o que não faz

parte do meu grupo, que estou então tentando conhecê-lo e traduzi-lo. Mas e quando a

relação de parentesco é também a relação de interlocução? Nosso papel enquanto

pesquisadoras é estabelecer relações, dialogar com pessoas, experenciar. Porém, e quando

a pesquisadora já tem relações em campo consanguíneas e poder falar: “Não gosto desse

café, vó?”. As implicações éticas, de pesquisa e metodológicas são matizadas.

Contemporaneamente a forma “politicamente” adequada de chamar as pessoas

com quem pesquisamos indica isso: interlocutora. A interlocutora é aquela com quem

dialogamos, trocamos, conversamos. A pesquisa de campo é feita então em um

movimento cíclico de trocas [escutas, palavras, folhas, gestos, sons, afetações múltiplas]

contínuas por um determinado período de tempo com um grupo que não conhecemos e

que nos é estranho, por vezes muito diferente das nossas origens. Há também a ideia de

aceitar o que nossas interlocutoras nos oferecem. Quando chegamos em campo nem todas

escolhem ou concordam em conversar conosco, mas algumas pessoas se aproximam e

por algum tipo de afinidade, interesse, afeto, acabam resolvendo ficar e conversar.

Minha família e meus parentes não tinha a opção de me ignorar, pois eu estava

dentro das relações de parentesco e trocas, mas elas podiam certamente editar quais

versões das histórias que iriam me contar ou não. Existiram outras discussões com minha

avó, minha mãe e tia Itamar ainda em campo, mas em nenhum momento elas deixaram

de falar comigo, de serem as principais interlocutoras dos meus textos e isso também fez

Page 9: Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

com que a pesquisa fosse possível. Em muitos sentidos, foram os conflitos e discordâncias

de opiniões que fizeram a pesquisa, mas apesar dos pesares elas não foram embora. Foi o

grupo, a parente, a de perto, a do lado de cá do oceano (e de dentro de casa), a próxima

ao "self" que fizeram também com que uma pesquisa antropológica ocorresse. Foram os

momentos de conflitos em campo que faziam com que questões que pareciam ser

“normais” e “cotidianas” pudessem ser tencionadas por mim e meus posicionamentos e

fazer com que assim, práticas reflexivas sobre os costumes locais pudessem surgir. O

parentesco me dava certa liberdade para ser uma agente que causava fricções em campo.

Em relativa consonância com as ponderações críticas dos estudos pós-coloniais,

dos estudos subalternos, dos estudos feministas na (e em relação à) antropologia

constituindo alteridades radicais - diferentemente de conceber no coração da “disciplina"

a ideia do exame “do Outro” e da “alteridade radical”, o meu empreendimento está na

verdade muito mais próximo de uma antropologia do próximo, do semelhante, de uma

similitude imediata. Entretanto, ressalto que essa proximidade e similitude não eram

onipresentes e não impediam a existência de estranhamentos, espantos e incômodos

momentâneos e circunstanciais frente a determinadas lógicas, ordens e relacionalidades

familiares em campo as quais eu não estava habituada em Brasília, tendo sido criada no

mundo (o mundo é tudo o que não é Canto do Buriti).

Felizmente as relações de parentesco seguiram mais fortes que nunca graças

também à pesquisa, pois além de passar a conhecê-las enquanto pesquisadora pude

também conhecê-las enquanto alguém que fazia parte daquele grupo, por mais que nunca

houvesse convivido com ele. Isso era resultado de uma família nuclear que foi para o

mundo. “Ir para o mundo” era como Tia Itamar e minha avó se referiam a migração dos

membros da família nos anos 60/70, principalmente para São Paulo. As mulheres que

migraram trabalhavam na maior parte das vezes como empregadas domésticas e os

homens como trabalhadores da construção civil. Minha Tia Itamar foi a primeira da

família a “ir pro mundo” e lá acomodou muitos parentes nesse novo mundo que lá ela

construía. Como me disse tia Itamar em uma das muitas conversas que tivemos na varanda

da sua casa em Canto do Buriti: “Eu fui a ponte!”.

Talvez minhas parentes não pudessem fechar a porta na minha cara, pois o

parentesco criava relações de direitos e obrigações. Ao negar dialogar comigo (enquanto

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neta, filha, sobrinha e pesquisadora) estariam também negando nossa relação, nosso

parentesco, nossas potenciais trocas futuras. Não só em relação a mim, mas em relação a

outros membros imediatos da minha família a mim relacionados, meu pai, minha mãe,

etc. Entretanto, como já deixei explicito, minha família acabou virando a pesquisa, muito

embora essa não fosse minha intenção inicial. Quando ainda desenhava a ida a campo eu

havia excluído minha família como interlocutora de antemão. Tia Itamar que havia

voltado para Canto do Buriti e tinha mais de 60 anos era a minha entrada em campo,

não a pessoa com a qual eu permaneceria. No meu plano ela me apresentaria a outras

mulheres na cidade, às ruas da cidade, aos meus parentes que nunca conheci. Minha

família se resumia a ser a porta de entrada para outras. Com os primeiros dias em campo

percebi que não poderia me ausentar muito do espaço doméstico e esses são os

desdobramentos de alguém que não sabia fazer o cálculo do tomar de conta. O que o

tomar de conta da minha avó reverberaria no meu trabalho ali?

Além disso, me tornei uma das “responsáveis” pelo “policiamento” e o

controle/disciplinamento da minha avó de certa maneira. O que ao mesmo tempo também

me propiciava inesperadamente indícios, para minha análise de certos dilemas e

problemáticas do envelhecer naquela cidade. Isso, por exemplo, entremeado aos fluxos

de idas e vindas da minha avó e do restante dos meus parentes entre as origens e o mundo,

entre desejos de ampla autonomia da minha avó [e depois, em outros termos, da minha

bisavó] e as interferências da minha mãe, tia e minha mesmo… Inadvertidamente eu em

campo junto à minha família, abri espaço para analisar e compreender dinâmicas por

outros caminhos.

O tomar de conta e o costume

As visitas de outros parentes e conhecidos da minha avó eram intensas nas

primeiras semanas. Minha avó era a anfitriã, mas eu era quem fazia o café para quem se

achegava, oferecia algum lanche, preenchia o vazio quando o assunto parecia acabar,

tomava de conta da minha avó. Garantir que ela tomasse banho, comesse, pegasse sol,

que não ficasse no escuro do quarto nos seus dias menos auspiciosos. Antes de ir à campo

eu ponderei com minha mãe a minha vontade de não levar a minha avó, o que foi lido

pela mesma como uma posição “egoísta” minha não só para com minha avó, mas também

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para com a família. Assim, eu sabia que levar e cuidar da minha avó faria com que eu

tivesse muitas outras atribuições além a da pesquisa. Acabei então me tornando uma

“cuidadora” [tomadora de conta] inesperada e em certo sentido “obrigada” [aqui em

relação à obrigação para com a família]. Essa ponderação pode contribuir para refletir, a

partir da perspectiva da antropóloga, sobre a posicionalidade de outras mulheres como

minha tia, minha mãe e tantas outras que apesar de não estarem confortáveis ou

ambicionarem um papel de “cuidadora”, acabam tendo que executá-lo. Isso me mobiliza

e minhas parentes-interlocutoras [e meu campo, é claro) de maneiras particulares,

produzindo uma experiência etnográfica idiossincrática. Acabei indo a campo, afinal, e o

campo me constituiu também como cuidadora, mesmo sem eu me dar conta disso em um

primeiro momento.

Preciso falar primeiro que tipo de relação eu possuía anteriormente ao campo com

essas mulheres, minhas parentes, as quais passei também a chamar, em outra âmbito, de

parentes-interlocutoras. Interlocutoras por ainda me serem entranhas em muitos níveis e

ser preciso então colocar-me em papel de tentar estranhá-las ao mesmo tempo em que eu

era a elas. Os estranhamentos são em campo de muito níves. E “parentes” por serem parte

da minha família materna, por serem as mesmas mulheres responsáveis por trocas de

palavras, afetos, comidas, ideias, cenas e por sermos do “mesmo sangue”. Essa relação

entre parente-interlocutora se apresenta muito mais como uma relação biviária e porosa,

do que dividida entre o “Nós” e o “Eles”.

E por isso outros dilemas éticos são levantados também para além da relação

parentes-pesquisadora. Minha avó, por exemplo, sempre foi uma pessoa que estava muito

distante, nos vimos no máximo quatro vezes durante as férias, ao longo dos meus vinte e

cinco anos de vida. Já com tia Itamar era uma relação mais distante ainda, pois eu a havia

visto umas duas vezes ao longo de nossas vidas [pelo menos que eu me lembre]. As

conversas, por outro lado, eram mais presentes ao longo dos anos. Existia uma

obrigatoriedade de que sempre que minha mãe estivesse ao telefone eu tomasse a

“benção” da minha avó e perguntasse como a mesma estava. Depois dessas duas

colocações eu nada mais tinha a dizer e geralmente me despedia. Eu não sabia quem era

minha avó, não havia intimidade, o que falar, apenas uma espécie de ato compulsório

regido pelos laços sanguíneos e pela vontade da minha mãe. Nesse sentido, minha avó

me era estranha em muitos níveis, mas quem é tão de perto ao ponto de nunca ser

estranhado?

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Nossa ida para Canto do Buriti foi guiada por um constante ajuste de tentar

(re)conhecer uma a outra, saber com que tom falar, como perguntar, como não discutir.

Aprendi também que a pesquisa com parentes-interlocutoras tornava a máxima do:“ se

um interlocutor oferecer um café em campo você aceita!”, algo flexível. Eu poderia

aceitar um café, mas ao mesmo tempo colocar leite, pois eu havia feito a compra da casa

essa semana. Ou poderia ser eu a que faria o café e a que o ofereceria a outras pessoas.

Eu também poderia não aceitar café nenhum e perguntar a Tia Itamar se eu poderia fazer

um suco de goiaba que peguei no quintal da minha avó. Tia Itamar poderia, como veio a

fazer, me contar que não gostava de suco goiaba e mesmo assim me acompanhar em uma

conversa na varanda e num café. A administração do café se mostrava bem mais flexível

no meu campo…

Retornemos um pouco à ideia de tomar de conta. Ainda em 2016 uma das netas

da minha avó foi convencê-la a vir para Brasília fazer um tratamento médico. Entretanto,

foi em 2017 que uma de suas filhas mais velhas, minha mãe, vivendo em Brasília, recebeu

uma ligação de uma vizinha de minha avó, que à época morava na rua, a qual afirmou:

“Vocês [filhos e filhas] precisam tomar de conta”. Com esse alerta e apenas um

telefonema, minha mãe descobriu que a casa da minha avó estava sendo frequentada por

pessoas “estranhas”. Ela ligou para uma tia em São Paulo, que ligou para outra tia, a qual

comunicou meu tio e logo todos e todas estavam sabendo do telefonema e de seu conteúdo

em pouco tempo.

Descobriram que minha avó estava “magra”, que não cozinhava mais para si, que

não tinha mais dinheiro no banco, que sua aposentadoria estava “sendo roubada por sabe

Deus quem”, que fizeram um empréstimo no nome da minha avó, que a casa estava

“imunda”, que ela estava “bebendo muito” e algumas vizinhas chegaram a contar que

“Anita tava passando fome”. Foi nesse momento que as filhas-mulher da minha avó

resolveram tomar de conta. Mas esse tomar de conta exigia um cálculo de quem voltaria

para tomar de conta, já que minha avó se recusava a sair de sua casa. Os três filhos-

homens nem ao menos entravam no cálculo dos parentes de quem poderia assumir minha

avó.

Eis que a tarefa ficou entre as quatro filhas-mulher decidirem. As filhas-mulher

eram como nominavam as pessoas nascidas do sexo feminino de um casal heterossexual

em Canto do Buriti. Ser uma filha-mulher nesse contexto inclui uma carga de direitos e

deveres totalmente diferentes daquelas do filho-homem. O aspecto mais marcante dessa

Page 13: Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

relação, entretanto, é definidamente a expectativa do tomar de conta que os pais que

caíram pra idade colocavam sobre essas filhas-mulher. Ademais, tomar conta, cair pra

idade e a filhas-mulher são categorias êmicas indissociáveis, além de relacionais. Assim,

criam uma espécie de gramática específica e local para o entrelaçamento de relações de

gênero, reciprocidade, cuidado, envelhecimento e relações intergeracionais. Deste modo,

nas primeiras semanas de campo, além de perceber que eu ficaria muitas horas do dia

restrita ao âmbito doméstico devido ao tomar de conta algumas visitas chegavam à casa

da minha avó enquanto eu ainda estava de pijama. Eu então corria para o quarto trocar de

roupa. Afinal, quando as pessoas sabiam que alguém estava preparado para receber visitas

em Canto do Buriti?

Percebi que minha avó, ao acordar, abria a "porta dos fundos" e só depois de trocar

de roupa e pentear os cabelos abria a "porta da rua". E tais nomes não eram por acaso.

Quando ela não queria receber visitas cedo ela apenas abria a "porta dos fundos". Nesse

sentido, abrir a "porta da rua" significava estar disposta a dialogar, puxar papo, convidar

para entrar, observar quem vai e vem (e também ser observado pelas pessoas que passam

pela rua). Sabendo disso, eu não ficava mais de pijama quando a "porta da rua" estava

aberta e procurava deixá-la aberta o máximo possível durante o dia para possíveis visitas

e diálogos.

Tais interações são características sobretudo de cidades pequenas e encore nas

ponderações apontadas por DaMatta (1997) em “A casa e a rua”, onde os espaços não

podem ser lidos apenas como espaços geográficos, mas tambem como espaços

sociológicos, entidades morais, “esferas de ação social, províncias éticas dotadas de

positividade, domínios culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de

despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas

e inspiradas” p.8. Entretanto, DaMatta aponta a varanda como espaço competente a casa.

Aqui, pincelo a varanda como espaço não competente a casa e tampouco a rua, mas que

pode ser lido como espaço moral biviário e regulatório das relações entre as pessoas em

algumas cidade pequenas. Levando então em consideração muitas vezes que em algumas

cidades do interior brasileiro a rua pode estar literalmente na porta de casa, justamente

pela ausência de muros. A calçada é que opera então como um espaço delimitador entre

a transição do público e do privado, podendo ser acessado pelo morador em frente a essa

calçada como espaço privado em alguns momentos do dia como por qualquer outro

pedestre. Ela pode ser utilizada seja para deixar um carro em algum período do dia ou

Page 14: Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

acomodar uma cadeira de alguém que queira papear. Entretanto, em Canto do Buriti não

havia uma delimitação rígida como a calçada que demarcava onde a rua começava e

terminava.

Eu, como neta-mulher e consequentemente a que teria que tomar de conta da

minha avó acabei me vendo presa a varanda. Percebi que naquele contexto de pesquisa,

por mais que eu me apresentasse como alguém que estivesse realizando uma pesquisa, as

expectativas em relação a mim seriam da ordem de alguém que é uma parente. Assumindo

então essa posição, quando eu não estava dentro de casa fazendo algum serviço doméstico

estava sentada na varanda. Durante uma noite de campo em que lá me encontrava

escrevendo meu diário de campo ouvi duas vizinhas que estavam em pé, na esquina,

dizerem uma à outra: “O que você acha que elas [duas mulheres que moravam na rua,

mas na esquina oposta] fazem ali sentada o dia inteiro? Elas ficam cuidando da vida

alheia”. Sorri ao ouvir esse comentário, pois lembrei do livro da Cláudia Fonseca (2000,

p. 45) no qual ela apontava que:“ Ninguém se considera fofoqueiro, mas todo mundo

concorda em dizer que há fofoca constantemente na vizinhança”. Embora ninguém

assuma que “cuida da vida alheia”, todo mundo acaba sabendo “da vida alheia”. Após

essas visitas que poderiam ser rápidas ou se alongar por toda a tarde as palavras não se

encerravam quando as visitas iam embora, pois era o momento da minha avó tecer

comentários sobre a conversa recente, o que achava dos “assuntos” que chegavam e nesse

momento se iniciava a nossa conversa.

E foi em um desses diálogos de varanda entremeandos ao tomar de conta

intrinseco a minha condição de mulher e parente que percebi minha avó como uma

espécie de tradutora das nossas conversas com as visitas e parentes. Ela sabia os

parentescos das pessoas que nos visitavam, seus antigos desafetos, suas conquistas, como

eram e como vieram a ser sob sua perspectiva ao longo dos seus, na época do campo, 73

anos. Assim, não há fórmulas para a pesquisa de campo, tampouco sabemos os caminhos

e desenhos que nossas pesquisas terão, pois são as relações em campo que fazem nossas

pesquisas e foi assim que minha avó veio a ser também parte de minha pesquisa.

Os dados etnográficos não existem na realidade, eles só existem - e se posso dizer,

eclodem - na relação, pois o exercício etnográfico é o artesanal processo do sentido criado

no momento da relação. Todos os “dados” etnográfico aqui existentes só ganharam

sentido no momento em que percebi que meus parentes também eram minha pesquisa.

Caso isso não ocorresse, outro desenho teria ocorrido e minha família viraria apenas o

Page 15: Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

pano de fundo de uma pesquisa outra. Nesse sentido, a intencionalidade de que algo vire

uma pesquisa é, em alguma medida, que faz com que uma investigação ocorra.

Fazer uma “etnografia de varanda” - embora, é claro, muito distinta das pesquisas

“de varanda ou de gabinete” feitas por antropólogos pré-malinowskianos - em Canto do

Buriti me proporcionava uma relação diferente das que eu aprendi a desenvolver em

Brasília, mais especificamente na Guariroba-Ceilândia/DF durante a pesquisa de

graduação. Na Guariroba era especificamente o tipo de pesquisa que via nas etnografias

clássicas. Um grupo de mulheres que me eram desconhecidas, estranhas e que eu tentava

compreender (DAMÁSIO, 2016). O nós/elas era uma barreira sentida como mais sólida,

mas artificial onde eu poderia acionar o que chamo de “modo pesquisadora”. Esse “modo

pesquisadora” era construído por sair da minha casa, ir até as interlocutoras e, no

momento de trânsito do “aqui” para o "lá", ligar a chave de alguém que buscava

categorias, ordem, recorrências e até ingenuamente alguma “verdade”.

Os momentos em que as pesquisas ocorriam estavam bem delineados e separados,

mas na casa da minha avó não era assim. Não havia uma chave que eu poderia ligar e

desligar, por exemplo, quando estávamos comendo e quando eu estava fazendo pesquisa.

Não havia um limite rígido na hora em que eu medicava minha avó enquanto neta e um

outro momento em que me atentava para como seu corpo funcionava com os mesmos

medicamentos como pesquisadora. Os limites entre pesquisa/não-pesquisa ficavam

confusos. A questão deveria ser, então, rever o que eu considerava etnografia. Etnografia,

como Geertz (1989b) apontava, poderia ser compreendida como uma “descrição densa”,

mas não era apenas esse uso de etnografia que eu poderia dar a esse campo de casa.

Ademais, como poderão observar mais a frente, a “descrição densa” foi um componente

importantíssimo para que eu desse alguma ordem aos momentos em que eu não sabia ao

certo se realizava uma pesquisa de cunho etnográfico ou não. Assim, tudo acabava

entrando para os diários de campo. Algumas coisas demoram a fazer sentido e é por isso

que uma descrição vasta e densa nos resguarda para o momento de análise dos dados

posterior ao campo.

Entretanto, é a etnografia lida nos parâmetros de Mariza Peirano (2014, p.42) que

melhor se aplica a antropologia feita em (na minha) casa por algumas questões. Como a

autora ponderava, as definições de uma etnografia que não é dada pelas clássicas “grandes

travessias” ficavam dependendo da: “potencialidade de estranhamento, do insólito da

experiência, da necessidade de examinar por que alguns eventos, vividos ou observados,

Page 16: Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

nos surpreendem”. É nesse sentido de ser surpreendida ainda no sentido e vivido com

parentes de/em casa que eu me apegava ao meu recorte em campo, o “envelhecimento”.

Esse, aguçava meu olhar para essas cenas especificas em campo e não a todas que eu

vivia com meus parentes,

Minhas parentes eram minha “pesquisa viva”, dentro de casa, vinte e quatro horas

por dia e sete vezes por semana. Eu não era uma pesquisadora “romântica” e tampouco

uma “espiã” [como Geertz (1989c) lucidamente debateu sobre toda a problemática em

torno da palavra “nativa”], havia o reconhecimento de que ali, em Canto do Buriti, era

onde estava a minha origem. Além disso, se reconhecia também que o “sangue bom da

família” [como dito por uma senhora que conhecia minha avó Anita] também corria por

minhas veias. Em algum nível a afirmação de Peirano (Ibid.) de que:“ e é assim que nos

tornamos agentes na etnografia, não apenas como investigadores, mas

nativos/etnógrafos”, ganha contornos específicos com a presente pesquisa.

Eu não era uma “nativa/etnógrafa” apenas por realizar uma pesquisa dentro do

meu país ou com pessoas próximas, mas com o componente de alguém que possuía o

“sangue” dessa família, assim como o sobrenome, o costume, por exemplo, passado

através de minha mãe de saber umedecer a goma para fazer o beiju ou o cuscuz. Ademais,

a antropologia fazia com que eu me deslocasse, me afastasse e conseguisse olhar os

estranhamentos que eu sentia com um caráter analítico. Nesse sentido, a etnografia, a

teoria e a antropologia faziam com que eu conseguisse me distanciar dessa mesma família

que eu tentava me aproximar e entender.

O conhecimento antropológico fazia então com que eu operasse com a constante

chave de tentar me distanciar, tentar criar um outro artificial, uma fronteira, como se dessa

forma eu pudesse operar em um nível mais “objetivo” e “científico” antropologicamente.

É na instituição de uma distância que muitas pesquisas são feitas, na construção de um

estranho, de um outro artificial e “fictício”. Entretanto, foi nos jogos de aproximação e

no reconhecimento da semelhança que escrevi e compus esse texto. Há muitas

aproximações de muitos níveis, assim como de similaridades e simetrias. Há também,

porém, as assimetrias que nem mesmo uma antropologia em casa consegue escapar.

Tendo isso em mente, o caderno de campo ficava aberto o dia todo e enquanto

conversava com minha avó e lhe fazia perguntas, algumas anotações ocorriam durante o

almoço, entre uma garfada e outra. Com o passar dos dias o caderno de campo virou uma

Page 17: Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

figura cotidiana em nossas conversas, assim como a presença da câmera. Eu então criava

o costume de ficar nas varandas à tarde e pelas manhãs como uma forma de resfriar o

corpo, já que dentro de casa o calor da tarde tornava quase insuportável a sua habitação,

mas também era um momento de troca com todos que iam e viam pela rua. A varanda era

em espaço de transição significativo entre a casa a rua, entre o público e o privado, entre

os parentes e os não-parentes.

Aprendi com as varandas de Canto do Buriti que permanecer nesse espaço de

transição me mostrava que o público e o privado não estavam tão separados assim, mas

que eram espaços que se perpassavam muito mais por uma porosidade do que por uma

delimitação rígida. As pessoas que passavam na rua e que eram mais conhecidas às vezes

eram convidadas para entrar para casa, dependendo da disposição da minha avó para a

conversa ou da pessoa convidada. Os parentes eram sempre chamados para entrar para

casa e era quase inaceitável e ofensivo que ficassem conversando na rua. Já os

desconhecidos eram mantidos, sem dúvidas, do portão para fora. A “etnografia da

varanda” me proporcionava conhecer as relações de proximidade e distanciamento.

Seguindo a rotina da minha avó aprendi a sentar também nas varandas para escrever meus

Diários de Campo durante as tardes e parte das noites enquanto ela ocasionalmente

fumava seu cachimbo.

É com isso que após refletir sobre questões metodológicas e éticas, retomo aqui

os trânsitos de minha avó entre Brasília e Canto do Buriti. Minha mãe foi quem tomou a

decisão de ir para Canto do Buriti tentar tomar de conta da minha avó e ficou com a

mesma por volta de quatro meses na cidade. Entretanto, ela não consegiu se acostumar

ao ritmo de vida da cidade. Em suas palavras, morar em Canto do Buriti era “se enterrar

lá e esperar a morte chegar”. Quando cheguei em Canto do Buriti com minha avó para a

pesquisa, percebi que o local possuía uma outra temporalidade e formas de lidar com o

contidiano: o ritmo e a estrutura de uma cidade de 20 mil habitantes.

Minha mãe saiu muito moça de Canto do Buriti para São Paulo, isso ainda no

início dos anos de 1980. Foi em São Paulo onde criou o costume de um ritmo de vida

composto por ônibus, grandes deslocamentos diários, a morar no local de trabalho, pela

correria. Era uma outra temporalidade. Tia Itamar, entretanto, foi a primeira mulher da

família a ir para São Paulo trabalhar como doméstica nos anos de 1960. Ela e minha mãe

foram mulheres que perderam o costume com muitas coisas relacionadas a Canto do

Buriti e aprenderam o costume de São Paulo. O não costume com Canto do Buriti fez com

Page 18: Antropologia com parentes: Você fica falando como se não

que minha mãe não conseguisse viver na pequena cidade e lá tomar de conta da minha

avó.

O costume, como elas colocavam, estava ligado a saber-viver em determinado

lugar. Tia Itamar, por exemplo, não tinha mais o costume de usar o fósforo para acender

o fogão na casa de minha avó em Canto do Buriti. Isso, porque em São Paulo seu fogão

era elétrico. Já Rosa [uma amiga de tia Itamar], por sua vez, me disse: ”Acordo bem cedo,

antes do sol, é costume ainda de São Paulo". Tia Itamar afirmava que: "Eu me acostumei

com o calor daqui", mas ao mesmo tempo comentou que: “Esqueci como faz esse bolinho

frito, perdi o costume de muita coisa daqui (Canto do Buriti)”. Já meu Tio Carlinho que

vivia em Canto do Buriti e de lá nunca saiu para morar em outra cidade, me disse após

um dia em que fui vê-lo aboiar seu gado que: "Quem não tem costume (de aboiar) acha

que é besteira, mas não é não.". Mal sabia meu tio que aquele momento dele tocando o

gado foi uma das cenas mais marcantes que já vi na vida.

O costume é um fenômeno ligado ao saber-fazer e saber-viver em determinado

lugar, mas também o de saber se “acostumar” com os costumes locais e a se

“desacostumar” com outros. Havia coisas que apenas o costume com/em São Paulo

poderia dar, assim como ocorria em Canto do Buriti. O costume, como uma categoria

local, ao mesmo tempo é algo que se aprende, adquire, mas que também se perde. Há

então pessoas que tem/adquirem costume com comidas, bichos, cidades, pessoas, afetos,

coisas e tempos. O dilema de Tia Itamar e Rosa era regido por terem muito moças saído

de Canto do Buriti e terem ido para São Paulo. Nisso, terem adquirido o costume de São

Paulo, voltarem para Canto do Buriti e não terem mais o costume do lugar em que

pretendiam viver o restante das suas vidas. Não são apenas as parentes-interlocutoras e

interlocutoras que precisam entender, aprender e, eventualmente, “desaprender”, mas a

pesquisadora também se encontra constantemente envolvida nesses imbrincamentos de

aprendizados. Por ter sido socializada nos costumes de Brasília, da “cidade grande”, eu

poderia desestabilizar outros costumes locais produzidos pelos deslocamentos vividos

com minhas concepções e ideias “modernas demais”, como dizia minha avó em um

momento em que afirmei que talvez nunca viesse a me casar.

Dito isso, no que tange às práticas do aprender e desaprender os costumes eu

cozinhava todo dia para mim e minha avó. Procurava comprar alimentos dos produtores

locais como feijão, leite, mandioca, milho, manteiga de garrafa, doce de buriti, umbu. Ao

começar a descascar a mandioca, certa vez, em uma quarta feira, pouco antes das onze

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horas da manhã, sou interpelada por a minha avó enquanto esta passava pela cozinha:

"Não é assim que descasca". "Há jeito certo de descascar mandioca?", perguntei. Ela

pegou a faca e disse: "Mandioca é outra coisa. Isso é macaxeira. É assim ó. A casca sai

toda. É só puxar. Ela fica lisinha assim e não fica com parte dura pra cozinhar".

Eu estava pinicando o tubérculo, de acordo com ela. Observei de perto. Mandioca

seria ainda o tubérculo que faria mal à saúde, como ela me contou mais tarde, seria a

mandioca braba. Já a macaxeira seria o tubérculo pronto para o consumo. Minha avó

fazia uma incisão reta com a lâmina da faca na casca e puxava suavemente fazendo sair

as lascas inteiras. Ela terminou de limpar três macaxeiras em menos de dois minutos.

Existiam técnicas certas, em sua visão, para lidar com esses alimentos. Queimando o

feijão de corda, por exemplo, o qual eu nunca havia manejado, aprendi que ele tem um

cozimento muito rápido. Enquanto minha avó observava, dizia: "É assim mesmo,

acontece". Eu, não tinha o costume. Esse aprender a fazer e passar a ter costume, me

converteeu facilmente em uma condição de “aprendiz”. Ademais, não é constantemente

essa a posição que o antropólogo tem em campo? A de alguém que tenta entender,

compreender, para depois escrever? Tentar aprender constantemente como a vida é feita?

E também como é vivida e continuada? Aprende a ter ou a pelo menos compreender o

costume?

Notas nunca conclusivas

Uma possível conlcusão nesse artigo seria imprecisa, pois o tempo arbitrário do

campo não contempla a presente pesquisa. O campo não fecha, não termina, pois esse é

um campo-em-processo-de-vida. Minhas parentes-interlocutoras continuam comigo

mesmo após a saída do campo e sendo matérias de reflexão que percorrerão também toda

a minha existência. Além disso, pesquisar a família sempre foi tema dentro da

antropologia, mas quando passamos a pensar o família do pesquisador como passível de

interesse antropológico, ainda é trabalhar em um contexto um pouco nublado. Além disso,

a nossa família é o espaço de dentro de casa, do privado, dos segredos, do que não levamos

para a rua e devemos manter resguardado da expiação pública (GOMES & MENEZES.

2008).

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Entretanto, descobri que em campo há um espaço não apenas físico, mas também

imagético, chamado varanda. A varanda é o espaço de transição entre a rua e a casa. É na

varanda em que mensuramos o que vai ser levado de um espaço para o outro. É onde

pensamos até onde podemos ir no momento de escrever sobre nossa família, sobre nossos

segredos. Se por um lado o antropólogo deve apresentar certa ética em não comprometer

a população pesquisada com a divulgação de dados que possam vir a colocar o grupo

estudado em situação de vulnerabilidade, por outro lado é a mesma ética e lógica que usei

para a pesquisa entre minhas parentes-interlocutoras, aliados ao costume aprendido com

os parentes [inclusive o de tentar realizar uma pesquisa entre eles] e ao tomar de conta da

minha avó que vieram a ser partes constituintes da metodologia de pesquisa.

Esse artigo buscou matizar como seria executar uma antropologia com

aproximações e não necessariamente tendo o distanciamento como prerrogativa de

pesquisa. Aproximação das origens, das interlocutoras, do reconhecimento imediato e

necessário. Ao mesmo tempo, o leitor pôde acompanhar os dilemas e conflitos que

envolviam o fazer pesquisa dentro da minha própria família. Sejam pelos conflitos ligados

ao parentesco que faziam com que as barreiras de autoridade e alteridade fossem

marcadas, ou pelas dificuldades que envolviam olhar a minha trajetória e de toda minha

família e apreender como eu também era composta por ancestralidades, caminhos

longínquos, histórias que se perderam pelo caminho, pessoas que não são mais lembradas,

sofrimentos que as vezes eu não gostaria de ter conhecimento e lágrimas derramas por

pessoas que nunca vi. Ademais, como colocou Greg Reck (1983) em “Narrative

anthropology”, o pesquisador pode sempre tentar mascarar os rostos humanos e histórias

contadas como “dados”, mas o que se revela para quem está disposto a ver, são processos

de transformações íntimas e acrescento, biográficos e identitários.

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Referências Bibliográficas:

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