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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ANTROPOLOGIA SEMÍTICA. UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DA PERÍCOPE DE DT 6,1-9, COM APROXIMAÇÃO AO VOCÁBULO LEV. Por Rogério de Fábris Orientador Prof. Dr. José Ademar Kaefer Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião para a obtenção do grau de mestre. São Bernardo do Campo, 2014

ANTROPOLOGIA SEMÍTICA. UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DA …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/296/1/Rogerio de Fabris.pdf · Antropologia cristã I. Título CDD 233 . A dissertação

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ANTROPOLOGIA SEMÍTICA. UMA ANÁLISE

EXEGÉTICA DA PERÍCOPE DE DT 6,1-9, COM

APROXIMAÇÃO AO VOCÁBULO LEV.

Por

Rogério de Fábris

Orientador

Prof. Dr. José Ademar Kaefer

Dissertação apresentada em cumprimento às

exigências do Programa de Pós-Graduação em

Ciências da Religião para a obtenção do grau de

mestre.

São Bernardo do Campo, 2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

F84a Fabris, Rógerio de

Antropologia semítica : uma análise exegética da perícope de Dt. 6,

1-9, com aproximação ao vocábulo lev / Rógerio de Fabris. São Bernardo

do Campo, 2014.

232fls.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Metodista de São Paulo,

Faculdade de Humanidades e Direito, curso de Pós-Graduação em

Ciências da Religião.

Orientação: José Ademar Kaefer

1. Bíblia hebraica 2. Antropologia cristã I. Título

CDD 233

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A dissertação de mestrado sob o título: “Antropologia Semítica. Uma Análise

Exegética da Perícope de Dt 6,1-9, com aproximação ao vocábulo lev”,

elaborada por Rogério de Fábris, foi apresentada e aprovada em 25 de Março

de 2014, perante banca examinadora composta por Dr. José Ademar Kaefer

(Presidente/UMESP), Dr. Tércio Machado Siqueira (Titular/UMESP) e

Antônio Carlos Frizzo (Titular/ITESP).

__________________________________________

Prof. Dr. José Ademar Kaefer

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Literatura e Religião no Mundo Bíblico

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus e ao nosso Senhor Jesus Cristo pela saúde, disposição, e pela

vida que prossegue.

Agradeço aos meus familiares pelo apoio e compreensão. Ao meu pai, Carlos Alberto de

Fábris e minha mãe Marly Mendes de Fábris.

Ao meu primeiro orientador, falecido, Dr. Milton Schwantes, ao meu segundo orientador Dr.

Cláudio de Oliveira Ribeiro, e ao atual orientador Dr. José Ademar Kaefer.

Ao professor Dr. Tércio Machado Siqueira, Dr. Paulo Roberto Garcia, Dr. Rui de Souza

Jozgrilberg, e à todos que apoiaram o meu ingresso. Agradeço à Sirley Antoni, à senhora Ana

Fonseca e Dr. Jung Mo Sung. Ao Dr. Rainer Kessler (Philipps-Universität Marburg).

Aos amigos que contribuíram de alguma forma, seja através de diálogos, sugestões, e debates

dialéticos a respeito do tema, dentre eles: Thiago de Menezes Machado, Fernando Marques,

Marlene Duarte, Jorge Steban “Bolívia”, Vitor Chaves, Helder Kanaschiro, Eufrásio Torquato

de Araújo Junior, e à todos os amigos discentes que de forma direta ou indireta contribuíram

para a pesquisa. Ao amigo Sérgio Claudio Rocha Duarte, à turma de 2011 do período de

graduação em teologia, pelo apoio, pois sem o mesmo não teríamos ingressado no programa

de Pós-Graduação.

Por fim, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela

bonificação da bolsa de estudos.

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FABRIS, Rogério de. Antropologia Semítica: Uma Análise Exegética da Perícope de Dt 6,1-

9, com aproximação ao vocábulo lev “coração”. São Bernardo do Campo: Universidade

Metodista de São Paulo, 2014 (Dissertação de Mestrado). 232 fo.

RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto de investigação o vocábulo lev na perícope de Dt 6,1-9.

Este vocábulo também é utilizado em várias partes do Antigo Testamento. Assim a pesquisa

também faz um levantamento deste uso na perspectiva de diversos autores. No primeiro

capítulo se apresentam os blocos que constituem a moldura do livro do Deuteronômio com o

objetivo de identificarmos o contexto maior onde encontra-se a perícope de Dt 6,1-9. No

segundo capítulo partimos de uma análise exegética da perícope ressaltando os vários

aspectos da linguagem, como estilo literário, gênero literário, e análise de conteúdo. Nesta

parte também consta uma análise das realidades concretas subjacentes à produção do texto,

como assento histórico, contexto social, político e ideológico. No terceiro capítulo apresenta-

se o amplo campo semântico do vocábulo lev no Antigo Testamento na perspectiva de

diversos autores. Tal delineação tem por objetivo explorar a polissemia do vocábulo, e assim

neutralizá-la, buscando o sentido mais apropriado do vocábulo para a perícope de Dt 6,1-9.

Palavras-chave: Bíblia Hebraica – Exegese – Antropologia – Deuteronômio –

Lev.

Esta pesquisa foi realizada com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior).

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FABRIS, Rogério de. Antropologia Semítica: Uma Análise Exegética da Perícope de Dt 6,1-

9, com aproximação ao vocábulo lev “coração”. São Bernardo do Campo: Universidade

Metodista de São Paulo, 2014 (Dissertação de Mestrado). 232 fo.

ABSTRACT

This research aims to research the word lev in the passage from Deuteronomy 6,1-9. This

word is also used in various parts of the Old Testament. Thus the research also suggests a set

of this use in view of various authors. The first chapter presents the blocks that constitute the

frame of the book of Deuteronomy with the aim of identifying where the larger context is the

pericope of Dt 6,1-9. In the second chapter we start from an exegetical analysis of the

pericope highlighting the various aspects of language , such as writing style, literary genre,

and content analysis. This part also contains a detailed analysis of the underlying text

production realities, as historical seat, social, political and ideological. The third chapter

presents the broad semantic field of the word lev in the Old Testament from the perspective of

several authors. Such delineation aims to explore the polysemy of the word, and thus

neutralize it, seeking the best sense of the word for the pericope of Dt 6,1-9.

Key words: Hebrew Bible – Exegesis – Anthropology – Deuteronomium – Lev.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

Deuteronômio: Origem, Formação, Moldura e Mensagem ...................................................... 14

1. Da Lei Reformatória ao Esboço Constitucional do Novo Israel Pós-Exílico. A História

Literária e Legal do Dt e de suas Fontes ............................................................................... 15

2. Deuteronômio e os contratos neoassírios ...................................................................... 16

2.1. Estrutura do código da aliança: .................................................................................. 21

2.2. Estrutura do Deuteronômio pré-exílico: .................................................................... 21

3. A Moldura do livro ........................................................................................................ 22

4. Continuidade e Novo Começo: a localização histórica ................................................. 36

4.1. Questões centrais das exposições anteriores .............................................................. 40

5. Vocabulário, sistema de palavras-chave, e expressões recorrentes do deuteronomista no

Deuteronômio ....................................................................................................................... 42

5.1. Resumo: Uma breve síntese das palavras-chave e expressões recorrentes: .............. 74

5.2. Sinopse dos discursos do divino YHWH no Deuteronômio ...................................... 81

CAPÍTULO II

Análise Literária de Dt 6,1-9. ................................................................................................... 88

Introdução ............................................................................................................................. 89

1. Texto Massorético. Deuteronômio 6,1-9. ...................................................................... 90

1.1. Tradução literal: ......................................................................................................... 90

1.2. Crítica Textual ........................................................................................................... 91

1.3. Delimitação do texto .................................................................................................. 97

1.4. Estrutura do texto ....................................................................................................... 98

1.4.1. Comentando a estrutura:......................................................................................... 98

1.5. Coesão do texto ........................................................................................................ 101

1.5.1. Introdução............................................................................................................. 101

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1.5.2. Comentário sobre a Coesão da Perícope: ............................................................. 103

1.6. Estilo literário .......................................................................................................... 106

1.7. Gênero literário ........................................................................................................ 107

2. Estudo do Conteúdo com Análise Semântica. (Nível Diacrônico) ............................. 110

2.1. Semântica (análise de vocábulos) ............................................................................ 124

2.2. Resumo: ................................................................................................................... 144

3. Análise do Contexto Histórico (Macro-Estrutura) ...................................................... 152

3.1. Local, Data, e Contexto ........................................................................................... 152

CAPÍTULO III

Uma Análise do vocábulo lev no Antigo Testamento ............................................................ 158

1. Delineação do campo significativo do vocábulo lev no Antigo Testamento. ............. 159

1.1. Delineação do vocábulo lev na antropologia de Hans Walter Wolff ....................... 162

1.2. O vocábulo lev definido por vários autores: ............................................................ 188

1.3. Outras abordagens acerca do significado de lev: ..................................................... 189

1.3.1. Sentido físico: (coração, órgão ou víscera) .......................................................... 189

1.3.2. Sujeito de sintomas (impressão física, medicina popular; o predicado costuma ser

metafórico): ......................................................................................................................... 189

1.3.3. Por metonímia: ..................................................................................................... 189

1.3.4. Sentido figurado: .................................................................................................. 190

1.3.5. Sede da vida consciente: ...................................................................................... 190

1.3.6. Memória ............................................................................................................... 190

1.3.7. Imaginação, fantasia: ............................................................................................ 190

1.3.8. Órgão da Atenção: ................................................................................................ 190

1.3.9. Inteligência, entendimento, juízo, razão, compreensão: ...................................... 192

1.3.10. Atividade, exercício de pensar: ............................................................................ 192

1.3.11. Capacidade: .......................................................................................................... 193

1.3.12. Vontade, desejo, decisão: ..................................................................................... 193

1.3.13. Sentimentos, emoções, paixões: ........................................................................... 193

1.3.14. Atitudes, sentimentos: .......................................................................................... 194

1.3.15. Atitudes nas relações com Deus e como os seres humanos: ................................ 195

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1.3.16. Consciência e Mentalidade: ................................................................................. 195

1.3.17. Em paralelo com outros órgãos e membros: ........................................................ 196

2. Uma análise (aproximação) do vocábulo lev no Deuteronômio.................................. 196

3. Hermenêutica ............................................................................................................... 212

3.1. O contexto sócio-econômico e político da América Latina marcado pela ausência do

lev (coração). ...................................................................................................................... 212

3.2. Medicina e Pastoral da Saúde .................................................................................. 214

3.2.1. Contexto sociocultural.......................................................................................... 219

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 223

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 229

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INTRODUÇÃO

A proposta de realizar um trabalho sobre o livro do Deuteronômio com

aproximação ao vocábulo lev é fruto de uma pesquisa realizada durante o curso de

graduação em teologia na UMESP nos anos de 2008-2011.

Durante o período de graduação na referida instituição, elaboramos o trabalho de

conclusão de curso (TCC) sob o título: “Antropologia Semítica. O Ser Humano no

Antigo Testamento. Uma Análise do Campo Semântico dos Vocábulos Antropológicos

Fundamentais da Bíblia Hebraica”.

Nesse período foram objetos desta pesquisa determinadas palavras do hebraico

bíblico relacionadas aos órgãos do ser humano, aos membros do seu corpo, e às suas

características como um todo. Partindo de diversos conceitos particulares elaboramos

uma linguística-bíblico-antropológica onde palavras como nefesh, ruah, basar e lev nos

auxiliaram para que tivéssemos uma visão mais holística e integrada de ser humano na

Bíblia Hebraica. Nesta pesquisa foi dada ênfase ao autor Hans Walter Wolff1 em

diálogo com outros autores.

No final do ano de 2011 apresentamos um projeto de mestrado ao Dr. Milton

Schwantes seguindo a mesma proposta, buscando um suposto aprofundamento da

mesma. Sob a orientação do docente decidimos fazer uma delimitação da pesquisa com

o objetivo de adquirirmos mais familiaridade com a exegese bíblica. Sob a orientação de

Milton Schwantes escolhemos uma perícope para ser analisada a partir desta perspectiva

1 WOLFF, Walter, Hans. Antropologia do Antigo Testamento. Edições Loyola, São Paulo, 1983.

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antropológica com aproximação do vocábulo escolhido, a saber, “lev”, palavra

comumente traduzida por “coração”.

Alguns critérios influenciaram na escolha desse vocábulo. Dentre eles o número

de ocorrências e a relevância teológica do vocábulo no AT.

Outro fator determinante na sua escolha foi a influência do método teológico

latino-americano que nos orienta a utilizar o coração e não apenas a cabeça na tarefa do

fazer, elaborar teologia. Tal enunciado é explícito no método ver-julgar e agir.

Dentro desta perspectiva analisamos a condição humana em nosso contexto

latino americano em alguns setores da sociedade e entendemos que o nosso contexto é

marcado pela ausência do coração, seja no campo político, sócio-econômico, e também

no campo da saúde e educação.

Não pretendemos nessa pesquisa fazer uma análise rigorosa de diferentes autores

do sistema teológico latino-americano, expondo seus limites, porém, apenas queremos

tomar a “pauta” do método, que é a dimensão teológico-profética da teologia da

libertação, que denuncia as injustiças sociais e pessoais do contexto da América Latina

marcado pela ausência do lev. Mas, antes disso, iremos nos ater a uma análise exegética

da perícope de Dt 6,1-9 com aproximação do vocábulo lev.

Todo texto da Bíblia Hebraica passou por um longo período de transmissão oral,

desde a sua composição até a sua redação e editoração. Reconstruir a história completa

de uma unidade literária, desde a sua origem e desenvolvimento no estágio oral, até a

sua composição, redação e canonização não é tarefa simples.

Perícope ou unidade literária é um texto bíblico onde se encontra uma unidade

de sentido, significado, com início meio e fim claramente demarcados.

Cada texto ou perícope tem seu lugar vivencial ou sitz im leben. Foi escrito em

determinada época, por determinado movimento, com certas ênfases, pois surge das

realidades concretas. Não é uma composição literária abstrata, mas é um clamor, uma

realidade vivenciada seja por um indivíduo, seja por determinados grupos ou

movimentos. Uma perícope pode pertencer a vários autores ou várias épocas pelo fato

de ter passado por processos de revisões, interpretações, releituras e adaptações em sua

trajetória.

Pelo menos três tarefas serão realizadas no exercício da abordagem da unidade

literária ou perícope de Dt 6,1-9 a ser investigada na presente pesquisa: Primeiro

verificaremos se há estreitas relações entre o texto-perícope e o texto que lhe precede e

o que lhe sucede. Justifica-se identificar o início da perícope no versículo que decidimos

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iniciá-lo? Há sequência interna entre uma frase e outra ou existem rupturas literárias que

deixam entender que são duas perícopes justa-postas? Onde se encontra o final da

unidade literária? Estamos corretos em identificar o final da perícope no versículo que

pensamos ser o final? Estes critérios serão analisados e identificados através da análise

da coesão e coerência.

Outro fator importante a ser considerado na presente pesquisa é a identificação

do gênero literário. Será necessário identificar o gênero literário. A perícope pode ser

uma narrativa, um dito profético, oráculo, um salmo de lamentação individual ou

coletivo, uma oração individual ou litúrgica, um provérbio, poesia, etc.

Após estes passos teremos que identificar a datação, a época em que o texto foi

fixado por escrito, assim teremos uma noção do momento histórico e das realidades

concretas subjacentes à produção do texto.

No tocante à teologia, a unicidade de YHWH deve ser guardada no coração ou

os mandamentos se referem às leis do código deuteronômico que virão após? Será que

existe relação entre guardar a unicidade de YHWH e consequentemente guardar as leis

referentes ao código de Dt 12-26? Tais leis estão integradas? A nossa perícope foi

colocada dentro de um bloco maior propositalmente conforme afirmam alguns

exegetas? Amar a Deus de todo o coração, conforme afirma a nossa unidade literária de

Dt 6,1-9, implicaria em guardar as leis do Dt 12-26, visto que tal estrutura se encontra

estreitamente vinculada ao amor ao próximo, ao estrangeiro, à viúva, ao jornaleiro e a

todo o projeto social que promove a preservação da vida?

O vocábulo comumente traduzido por “coração” refere-se ao “órgão”,

“coração”? Quais os distintos significados do vocábulo que formam o campo semântico

do mesmo?

Como último passo do procedimento exegético iremos fazer uma aproximação

do vocábulo lev no intuito de analisarmos o sentido antropológico-teológico do mesmo.

Este preceito acerca da guarda dos mandamentos no coração é considerado um

querígma, um dos pontos teológicos centrais da Bíblia Hebraica, e, por isso, será

também objeto de nossa investigação.

No capítulo I da pesquisa iremos elaborar um quadro geral das estruturas que

compõe o livro do Dt. O objetivo desta primeira análise é de averiguar as unidades que

formam o conjunto do livro do Dt e particularmente abrangem a nossa perícope.

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12

O autor que nos auxiliará nesse procedimento é Georg Braulik2, entre outros.

Ainda no capítulo I nos propomos a fazer uma exposição de determinadas

palavras-chave e expressões recorrentes que aparecem no livro do Deuteronômio.

Palavras como mitsvah, hoq, mishpatym, tsvah, lev, néfesh, eretz, entre outras, ocorrem

com muita frequência no desenrolar do texto de Deuteronômio, sendo que inúmeras

vezes estas palavras-chave se encontram relacionadas entre si.

Podemos até afirmar e posterioremente iremos voltar nesse assunto, é que, tais

expressões permanecem o tempo todo “orbitando”, no livro. No entanto quando um

objeto orbita, orbita em torno de algo.

No caso do Deuteronômio iremos demonstrar que estas expressões e palavras-

chave não foram utilizadas pelo deuteronomista sem critérios, antes orbitam sempre em

torno de um centro. Por “centro”, entendemos não um lugar espacial, um foco, uma

bússola. Falamos de centro no sentido de “orientação teológica”.

No capítulo II iremos analisar exegéticamente a perícope de Dt 6.1-9.

Seguiremos prioritariamente os passos do método histórico-crítico, sem nos ater

exclusivamente a ele, conforme estudado em sala de aula nas disciplinas referentes à

área de Literatura e Religião no Mundo Bíblico.

Iniciaremos com a tradução literal do texto hebraico massorético e com a

decodificação do aparato crítico da BHS no intuito de analisarmos a história da

transmissão do texto, o que chamamos na exegese de crítica textual.

Em seguida daremos os próximos passos como: identificação dos elementos de

coesão e coerência, análise literária, estrutura da perícope, análise semântica, contexto

sócio-econômico, atualização ou hermenêutica.

No capítulo III da pesquisa iremos fazer uma aproximação ao vocábulo lev

através de uma análise de ocorrências do vocábulo conforme exposto no AT. O autor

que nos auxiliará nesse projeto é Hans Walter Wolff.

A fim de justificar metodologicamente tal procedimento trabalharemos com o

conceito de polissemia, no sentido de que, partindo do pressuposto que um vocábulo

possui um amplo campo de significações, só podemos encontrar o sentido apropriado do

mesmo intensificando a sua polissemia, investigando o seu amplo campo de

significações. Tendo feito isso, faremos o movimento contrário de neutralização da

2 ZENGER, Erich; BRAULIK, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola,

2003.

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polissemia com o objetivo de nos aproximarmos de um sentido mais apropriado do

vocábulo para a nossa perícope.

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CAPÍTULO I

DEUTERONÔMIO

ORIGEM, FORMAÇÃO, MOLDURA E MENSAGEM

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15

1. Da Lei Reformatória ao Esboço Constitucional do Novo Israel

Pós-Exílico. A História Literária e Legal do Dt e de suas

Fontes3

O ponto de partida da pesquisa sobre o Dt nos séculos XIX e XX foi a

descoberta de W. M. L de Wette (1805) de que um Dt primitivo não podia ter sido

escrito no tempo de Moisés ou da monarquia primitiva, mas apenas no contexto da

reforma cúltica do rei Josias em 622/621 a. C.

Por isso, no século XIX reconheceu-se que a moldura do Dt (1-11; 27-34) à

diferença da Lei (12-26), possui várias camadas literárias. Ela foi colocada

posteriormente, secundariamente ao redor do Deuteronômio primitivo, de modo que o

código Deuteronômico não foi redigido por Moisés e também não estava absolutamente

vinculado a Moisés e à Montanha de Deus e à terra de Moab.

Depois de muitos debates sobre a hipótese de D. Wette, no inicio do século XX,

e depois de uma controvérsia sobre datação antiga ou tardia do Dt, reinou na pesquisa

do Dt uma certa calma. Isto se deu também por causa da tese de Martin Noth (1943) de

uma obra historiográfica deuteronomista que se estenderia de Dt 1 até 2 Reis 25.

Discutia-se, então, a pergunta da integração redacional do Deuteronômio nessa obra

historiográfica deuteronomista.

O Dt 1-3 foi considerado a introdução à obra historiográfica deuteronomista, de

modo que surgia a pergunta pela relação entre o Dt pré-deuteronomista em Dt 4-34 e as

várias camadas literárias da obra historiográfica deuteronomista.

H. D. Preuss (1982) reconheceu a ampla parcela exílica deuteronomista que Dt

4-34 tinha no Dt, mas não conseguiu demonstrar alguma correlação entre a história do

Dt e as camadas da obra historiográfica deuteronomista que fosse além do livro de

Josué.

Antes da integração em contextos literários mais amplos do que o Pentateuco, o

Dt permaneceu um elemento alheio aos livros de juízes até 2 Reis.

3 OTTO, Eckart. A Lei de Moisés. Edições Loyola. Tradução Monika Ottermann. São Paulo. 2011. 236 p.

O texto que descrevemos é parte da obra do autor referido. Decidimos mantê-lo na forma original devido

a sua importância.

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16

Dessa maneira apareceu na agenda a pergunta por um Dt pós-deuteronomista

como parte do Pentateuco, pois um tetrateuco dos livros do Gênesis até Números

permaneceria um torso que não tem uma conclusão em Números 36.

2. Deuteronômio e os contratos neoassírios

Os novos impulsos da pesquisa sobre o Dt também tem seus impulsos e

interesses pelo reconhecimento de que o Dt adotou no fim da época pré-exílica tradições

da ideologia real neoasssíria.

Imprecações de juramento de lealdade que o rei neoassírio Assaradon exigia dos

grandes do seu império, entre os quais se deve supor o rei Manassés, teriam sido

recebidas em Dt 28.

Após a morte prematura de seu filho mais velho e de sua esposa, de seu ataque

fracassado contra o Egito e da constante piora de sua doença, Assaradon reuniu em 672

a. C. os notáveis do Império Assírio e dos povos que possuíam vínculos contratuais com

a Assíria, entre eles também Judá.

Assaradon exigiu deles um juramento em favor de Assurbanipal e seu irmão

Shamash-Shum-Ukin como príncipes herdeiros do império assírio e do Império

Babilônico que estava sob o domínio da Assíria.

O juramento exigia a lealdade absoluta em relação a esses príncipes herdeiros,

para garantirem a passagem, e a manutenção do governo depois da morte de Assaradon

e, dessa forma, a continuidade do Império Assírio.

A semelhança entre o juramento de lealdade de Assaradon e Dt 28 só pode ser

explicada através de uma análise da recepção.

Por meio da comparação de documentos do antigo Oriente é possível comprovar

que as diferenças entre o juramento de lealdade de Assaradon e o Dt 28 estão na faixa

daquilo que se deve esperar em traduções de textos da Antiguidade.

Os juramentos de lealdade neoassírios remontam a juramentos de funcionários

hititas.

O juramento de lealdade de Assaradon foi recebido não apenas em Dt 28, mas

também em Dt 13, no tempo neoassírio-josiânico.

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17

Dessa maneira a história literária do Dt encontrou fora do ambiente da hipótese

de De Wette, um novo enfoque. Ele indica a época entre 672 a.C., ou seja, a redação do

juramento de lealdade de Assaradon, e 612 a.C., ou seja, o caso do império Neoassírio.

Sua recepção antes de 672 a.C. é impossível e depois de 612 é improvável, pois o

gênero literário neoassírio do juramento de lealdade não é mais comprovado nos tempos

babilônico e persa.

Na pergunta pela origem do Dt 12-16, a pesquisa encontrou uma nova hipótese.

Eckart Otto afirma que a lei pré-exílica do Dt (12-26) é uma releitura do Código

da Aliança (Ex 20,24-23,12).

Nesse processo receberam-se em Dt 12 não apenas as sentenças legais

individuais, por exemplo, a Lei do Altar no Código da Aliança.

A reformulação do Código da Aliança no Dt foi desencadeada pela reforma

cúltica do rei Josias (2 Rs 23).

Nos juramentos de lealdade neoassírios, a exigência do “amor”, que designa a

atitude da lealdade política absoluta, pode ser vinculada à fórmula de que se deve amar

ao imperador como a si mesmo, relaciona-se com o Estado, representado pelo rei.

À diferença disso, o aspecto singular e revolucionário do Dt é o desvinculamento

desta exigência do Estado e sua transferência para o Deus de Israel (apesar de que no

pós exílio não tem mais estado, e o poder é administrado pelo templo, em nome de

YHWH). Por isso a abertura do Dt já nomeia sua temática fundamental: a singularidade

de YHWH, a quem se dirige a lealdade absoluta e indivisa e de quem vem tudo que se

pode esperar de uma divindade, ou seja, exige a lealdade incondicional a esta divindade.

Esta exigência de lealdade é amplamente desenvolvida no Dt 13, 2-12, de modo

que ela emoldura a lei da centralização do culto (Dt 12, 13-27) como a lei principal do

programa legal.

Dessa maneira o Dt expressa, já na abertura, sua polêmica subversiva contra a

ideologia imperial assíria contemporânea. Não se pode aguardar, esperar o bem estar e a

segurança de Israel do Estado assírio e do deus imperial dele, Assur, mas

exclusivamente de seu deus YHWH.

A lei deuteronomista desenvolveu por meio de um programa de solidariedade

fraternal, desdobrado como a interpretação do Código da Aliança, a maneira de como

este bem estar deve ser realizado por Israel conforme a vontade de Deus. Deste modo, o

Dt possui uma perspectiva dupla, ou seja, de uma preservação da identidade religiosa

para fora e de um fortalecimento da comunidade para dentro.

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18

Que o primeiro aspecto é novo em relação ao Código da Aliança mostra a

estrutura do Dt na comparação com o Código da Aliança como o texto interpretado,

pois o “shema Israel” e o juramento de lealdade a YHWH em Dt 13 e Dt 28 são textos

que vão além da estrutura recebida do Código da Aliança. Por isso vamos nos voltar

para a recepção subversiva da tradição assíria no Dt, que está a serviço da identidade

religiosa de Judá, ou seja, a manutenção da religião de Javé.

Desde o século VIII depois da sublevação fracassada do rei judaíta Ezequias

contra os assírios em 701 a.C., o reino de Judá estava sob a dominação do Império

Assírio.

A força da resistência contra a dominação assíria mostra-se na tentativa

desesperada de Judá de libertar-se militarmente sob a liderança de Ezequias.

Após a derrota de Ezequias, não havia mais como pensar numa revolta, ou

revolução militar, pois desde a campanha muito bem sucedida de Assaradon contra o

Egito, um ano depois do juramento de lealdade em 672 a.C., o imperador assírio reinava

sobre todo o crescente fértil do Oriente. A resistência poderia se realizar somente

através da pena, e ela se cristalizou no Dt.

O grande impacto da ideologia imperial, religiosamente motivada, mostra-se na

forte resistência que ela provocou entre intelectuais judaítas, por exemplo, no cântico de

agradecimento (Is 8,23b-9,6) que vincula a libertação de Judá e de Israel do jugo assírio

à subida do rei Josias, como criança legalmente incapaz, de apenas oito anos de idade

no ano de 639 a.C. Mostra-se também no Sl 72 o hino de coroação de Josias, bem como

nos salmos régios pré-exílicos tardios 2 e 89 que recebem motivos assírios de modo

subversivo.

Estes textos pertencem a esta época de declínio do império neoassírio, que

segundo Milton Schwantes possuía capacidade opressiva aperfeiçoada, porém, como

sistema de províncias e administração, não funcionava muito bem.

Os assírios eram sanguinários e costumavam enumerar os massacres feitos pelos

seus exércitos vencedores. Mas quem mata dessa maneira acaba liquidando o seu

próprio futuro. Povo massacrado já não é explorável. Este foi o motivo do declínio dos

assírios. Quando chegam ao limite dos massacres, já não tem o que explorar e chega-se

ao limite de seu tempo de dominação. A conquista do Egito é por sua vez o começo do

seu rápido declínio, afirma Milton Schwantes.4

4 SCHWANTES, Milton. Breve História de Israel. Editora Oikos, São Leopoldo, 2008. p. 39.

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Pertencem também a essa época do declínio do império assírio, a recepção

subversiva pelo Deuteronômio de um dos textos centrais da ideologia imperial assíria, o

juramento de lealdade ao rei Assaradon de 672 a.C.

Este texto era importante para Judá, pois entre os grandes do Império Assírio

que tinham que prestar esse juramento, provavelmente estava também o rei judaíta

Manassés. Portanto um exemplar desse texto, na língua acádica ou aramaica, deve ter

existido também no arquivo do palácio de Jerusalém.

O juramento do rei judaíta, conforme esse texto, provocava a pergunta não só

acerca da identidade política judaíta, mas também acerca da sua identidade religiosa,

pois o juramento era prestado sob invocação das divindades assírias.

O juramento de lealdade assírio de 672 a.C., convoca à lealdade absoluta ao rei e

ao sucessor designado:

Se escutares uma palavra ruim, inadequada, má, que não é boa

para Assurbanipal, o rei da Assíria, vosso senhor, quer esta

palavra esteja na boca de seu inimigo, quer na boca de seu

amigo, ou na boca de seus irmãos, seus tios, seus primos, ou

da sua família, descendentes da casa de seu pai, ou na boca de

vossos irmãos, filhos e filhas, ou na boca de um profeta, ou

algum solicitador da palavra divina ou na boca de qualquer ser

humano, então vós não a ocultareis, mas vireis até

Assurbanipal, o príncipe herdeiro da casa sucessora, o filho de

Assaradon, o rei da Assíria, e a denunciareis. 5

A obrigação de denunciar oficialmente toda forma de crítica ao rei e ao príncipe

herdeiro possui acréscimos em outra parte do documento:

Se alguém vos noticiar de levantamento, rebelião para matar,

assassinar, eliminar Assurbanipal, o príncipe herdeiro da casa

sucessora, o filho de Assaradon, o rei da Assíria, vosso senhor,

que vos submeteu em favor de si ao julgamento de lealdade, e

se vós escutardes isso da boca de alguém, então agarrareis os

autores da rebelião e os levareis até Assurbanipal, o príncipe

herdeiro da casa sucessora. Se fordes capazes de agarrá-los, de

matá-los, então os agarrareis, os matareis, aniquilareis o seu

nome e sua descendência do país. Se não fordes capazes de

5 OTTO, Eckart. A Lei de Moisés. p. 134.

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agarrá-los, de matá-los, então o relatareis a Assurbanipal, o

príncipe herdeiro da casa sucessora, e o apoiareis para matar e

para agarrar, matar os autores de rebeliões, para aniquilar o

seu nome e a sua descendência do país.6

O rei como imagem e semelhança de Deus e instrumento da missão divina de

pôr limites ao caos no mundo, precisava ser protegido a qualquer preço da rebelião

como expressão do caos contrário à criação.

Outro detalhe a ser considerado é que, a camada literária básica do Dt 13, 2-10

recebeu na segunda metade do século VII o juramento de lealdade de Assaradon e o

ampliou por motivos do documento mencionado acima. O lugar do imperador assírio e

de seu príncipe e herdeiro foi ocupado pelo deus judaíta YHWH que também impunha a

exigência de lealdade absoluta conforme o texto abaixo:

Se surgir em teu meio um extático ou um incubante (?) que te

diz: “Vamos seguir outros deuses e serví-los”, não o ouças.

Esse extático deverá ser morto, pois pregou uma alta traição

contra Yhwh. Se teu irmão, filho de teu pai, ou filho de tua

mãe, ou teu filho, ou tua filha ou a mulher do teu coração ou

teu amigo, a quem amas como a ti mesmo te seduzir às

escondidas dizendo: “vamos e serviremos a outros deuses”, tu

não o seguirás e não o ouvirás. Não terás piedade dele e não o

esconderás. Pelo contrário, deverá mata-lo (Dt 13, 2, 4, 6).7

Com a transferência da exigência da lealdade para o deus judaíta YHWH, a

recepção subversiva do juramento assírio de lealdade tira do imperador assírio e do

poder hegemônico sobre Judá, o direito de exigir lealdade absoluta, pois esta cabe ao

deus de Judá.

Conforme mostra em Dt 28 as imprecações do juramento assírio de lealdade,

igualmente recebidas, a exigência divina de lealdade em Dt 13 é também confirmada

por juramento. A confissão da singularidade de YHWH e a exigência da lealdade

absoluta com todo o coração e toda a força em Dt 6 e em Dt 13, 2-12, são a moldura em

torno da lei da centralização do culto em Dt 12, 13-27, que é uma centralização do

sacrifício.

6 Idem. p. 134.

7 Idem. p. 135.

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Os autores do Dt não querem ficar para trás em relação à religião da Assíria,

pois a veneração ao deus Assur também se encontrava num local centralizado.

O deus Assur ficava no centro da procissão da festa do Ano Novo.

Animados pela reforma do rei Josias os autores do Dt decretaram uma

centralização dos sacrifícios de YHWH em Judá.

Os autores do Dt procuraram criar um projeto onde o povo encontraria sua

identidade por meio das liturgias em comum e não pelo poder das instituições estatais

representados na pessoa do rei.8

Abaixo segue as estruturas do Códigos da Aliança e do Dt apresentadas por

Eckart Otto:

2.1. Estrutura do Código da Aliança:9

Lei do Altar Ex 20, 24-26

Direito social de privilégio: Ex 21, 2-11 (moldura teológica)

Ordem legal: Ex 21, 12-17

Ex 21, 18-32

Ex 21, 33 – 22, 14

Ex 22, 15-16

Ex 22, 17-19

Ex 22, 20-26. 28-29

Ordem Judicial: Ex 23, 1-3

Ex 23, 4-5

Ex 23, 6-8

Direito social de privilégio: Ex 23, 10-12 (moldura teológica)

2.2. Estrutura do Deuteronômio pré-exílico:10

8 Tal afirmação do autor Eckart Otto não nos parece convincente, visto que, o rei Josias e os que estão

com ele, se utilizam de métodos semelhantes aos métodos assíros oprimindo as aldeias do interior. 9 Idem. p. 129.

10 Idem. p. 130.

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22

Lei principal: Dt 12, 13-27

Exigência de lealdade: Dt 13, 2-12

Direito social do privilégio: Dt 14, 22-15, 23

Ordem das festas: Dt 16, 1-17

Ordem judicial: Dt 16, 18 - 18, 5

Ordem legal: Dt 19, 2-13

Dt 19, 15 - 21, 23

Dt 22, 1-12

Dt 22, 13-29

Dt 23, 16-26

Dt 24, 1-4

Dt 24, 6 - 25, 4

Dt 25, 5-10

Dt 25, 11-12

Dt 26, 2 – 13

Imprecações: Dt 28, (15). 20-44

3. A Moldura do livro

Segundo George Braulik11

, o Dt se apresenta como narrativa dos acontecimentos

do dia da morte de Moisés (32,50; 34,5).

É o primeiro dia do décimo primeiro mês do ano 40 depois da saída do Egito

(1,3; 32,48), e liturgicamente é também o primeiro dia da preparação para a Páscoa em

Canaã (Js 5,10).

O narrador do livro, entretanto, via de regra, apenas constatava que Moisés teria

dito algumas palavras. A maior parte da história relatada é apresentada por Moisés.

Sob a matriz da narrativa básica do livro transparece outra forma literária

abrangente: o Dt como coletânea de discursos. São as últimas palavras de Moisés, pois

11

BRAULIK, George. ZENGER, Erich; 2003. p. 97.

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somente nos capítulos 31 e 34 ocorrem discursos de Deus. De certo modo estes

discursos são na verdade discursos de despedida de Moisés em forma de testamento.

Os textos arquivados foram providos de quatro títulos, que especificam a

“categoria textual” dos documentos que lhe são incorporados: “Palavras” (1,1), “Torá”

(4,44), “Palavras de berit “aliança” (28,69), “bênçãos” (33,1). A esses títulos

acrescentam-se observações sobre a forma da apresentação, os endereçados e as

condições de origem, além de uma ou várias introduções ao discurso.

Esse sistema de títulos estrutura o livro em quatro partes. Somente as passagens

sobre a morte de Moisés em 32,48-52 e 34 não são abrangidas por meio dele.

Se tratando da moldura do Deuteronômio o autor clássico na matéria, Gerhard

Von Rad estruturou o livro em quatro partes:

1) Exposição histórica dos acontecimentos do Sinai e parênese (1-11)

2) Proclamação da Lei (12-26)

3) Obrigação da aliança (26,16-19)

4) Benção e Maldição (27-28)

De forma um pouco distinta apesar de algumas semelhanças, Eckart Otto afirma

que, entre a interpretação do Decálogo em Dt 5 e da Torá sinaítica em Dt 12-26, Moisés

inicia uma nova parênese da Lei que abrange os capítulos 6-11 cujo centro é a

inculcação da exigência de exclusividade já contida no decálogo acerca da proibição de

outras divindades e proibição de imagens.

Outros autores definem a moldura do livro a partir de critérios distintos. Para

Juan Louis Ska12

a estrutura do livro do Deuteronômio gravita em torno de quatro

títulos semelhantes em sua construção e conteúdo:

1,1: Estas são as palavras que Moisés dirigiu a todo Israel, além do Jordão...

4,44: Esta é a lei que Moisés transmitiu aos filhos de Israel...

28,69: Eis as palavras da aliança que YHWH ordenou a Moisés concluir com os filhos

de Israel...

33,1: Esta é a benção que Moisés, o homem de Deus, concedeu aos filhos de Israel,

antes de morrer...

12 SKA, Louis, Juan. Introdução à Leitura do Pentateuco. Edições Loyola, São Paulo. 2003. p. 54.

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Para Meredith G. Kline13

o Deuteronômio é uma unidade. O referido autor

também afirma que a estrutura do Deuteronômio é semelhante aos antigos tratados de

suserania, seguindo o mesmo padrão. O seu esboço do livro é apresentado abaixo:

1. Preâmbulo: O mediador da aliança, 1,1-5.

2. O prólogo histórico; a história da aliança, 1,6-4,49.

3. As estipulações da aliança: avida sob a aliança

a. O grande mandamento, 5,1-11,32

b. Mandamentos subsidiários 12,1-26,19.

4. As sanções da aliança: ratificação da aliança, bênçãos e maldições e voto de

confirmação da aliança, 27,1-30.20.

5. Disposições dinásticas: continuidade da aliança, 31,1-34,12.

Segundo Werner H. Schmidt, o Deuteronômio é formado pelos discursos de

despedida de Moisés14

. Esta homilia de Moisés dirigida ao povo é estruturada tendo

como núcleo a estrutura (Dt 12-26) cercada por uma moldura interior (5-11; 27-28) e

outra exterior (1-4; 29-30) de discursos, enquanto os capítulos finais (31-34) interligam

o cântico (32) e a bênção (33) de Moisés, como também informações sobre a

investidura de Josué (34), além de outros temas. Assim podemos visualizar a grosso

modo, a estrutura do Dt:15

I. (Dt 12-26)

II. (5-11) (27-28)

III. (1-4) (29-30) (31-34)

Segundo o autor referido anteriormente, a estrutura do Deuteronômio possui

semelhanças com o Código da Aliança (Ex 20.24).

13

THOMPSON, J.A. Deuteronômio. Introdução e Comentário. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,

São Paulo, 1982. p. 17-18. 14 SCHMIDT, H, Werner. A Fé do Antigo Testamento. Tradução: Vilmar Schneider. São Leopoldo, RS,

Editora Sinodal, 2004. p.118.

15 Idem. p. 119.

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A lei deuteronômica inicia com instruções que se referem ao local de culto, neste

caso a distinção em relação ao Código da Aliança se dá por meio da centralização do

culto (Dt 12-26). No meio (16-18) um bloco se refere às autoridades, como o rei e os

profetas, o que lembra o livro de Jeremias (21-23). Na terceira e última parte se

mesclam vários temas.

É importante notarmos que a maioria dos autores reconhecem a estrutura do Dt

12-26 bem demarcada, de forma coesa formando uma unidade com começo, meio e fim,

e no debate atual há unimidade acerca disso entre grande parte dos exegetas.

Abaixo segue a estrutura do livro do Dt proposta por Georg Braulik:16

(1-4) Retrospectiva sobre a caminhada do Horeb até Bet-Pegor (1,6-3,29); Parênese

sobre as possibilidades e os perigos na terra da promessa

(5-28) Legitimação histórica da legislação no Horeb e parênese do mandamento

principal da adoração exclusiva à Javé (5,11)

Leis singulares (12,1-26,16)

Ata da celebração de uma aliança/acordo (26,17-19)

(27) Incumbências para o tempo depois da travessia do Jordão

(28) Bênção e maldição

(29-32) Notas de como agir com a aliança (29-30)

Instalação de Josué (31)

Cântico de Moisés (32)

(33) Bênção de Moisés

(34) Morte de Moisés

A estrutura dos capítulos 5-28 pode ser comparada à de alguns códices e leis do

Antigo Oriente Próximo:17

Códice de Hamurabi Lei Deuteronômica

Prólogo 5-11 Prólogo

16

BRAULIK, George. ZENGER, Erich; 2003. p. 98. 17

Idem, p. 98.

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Leis

Epílogo (com benção e maldição)

12-26 Corpo de leis

28 Epílogo (benção e maldição)

Nesse esquema os versos 26,17-19 não possuem nenhuma função, mas apenas

constituem uma transição.

O cap. 27 não contém leis válidas para sempre, contudo no contexto de um ritual

futuro, contrapõe ao decálogo do início dos caps. 5-26 o “Dodecálogo de Siquém”

(27,15-26) como contraponto no final das leis.

Um códice trata de leis variadas que regulam a vida toda. De fato, anuncia-se a

promulgação de huqqim umishpatim “leis e preceitos legais”, em 4,45; 6,1;12,1.

Em 26,16 declara-se que elas terminam. Em 5-11 elas obtêm uma

fundamentação introdutória. E nos caps. 12-26 são expostas. Um sistema de moldura

em 5,1; 11,32; 12,1; 26,16 sublinha esse esquema. Com um sistema de moldura

comparável o trecho final é estruturado em bênção e maldição, por meio de misvot

“mandamentos” em 28,1.13 e 28,15.45.

No próprio corpo de leis podem ser distinguidos, sobretudo, três blocos:

12,2-16,17 Direito privilegiado de Javé (direito

litúrgico entremeado de regulamentações

sociais)

16,18-18,22 Projeto de constituição para Israel (leis

sobre cargos concebidos com subdivisão

de poderes)

19-25 Direito penal e civil (de conteúdo diverso)

26,1-15 Apêndice litúrgico

O corpo de leis singulares que forma esses blocos são sistematizados de acordo

com princípios que eram comuns em outras codificações legais do Antigo Oriente

Próximo, mas obviamente estranhos a uma moderna disposição de leis.

Outra característica a ser destacada é o fato de todo material ser organizado,

estruturado segundo áreas de assuntos.

É característico estruturar o material legal desta forma, por exemplo, 12,4-28;

13,2-19; conectar as áreas consecutivas por meio de casos limítrofes, como, por

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27

exemplo, 12,29-31; contrapor caso e caso oposto (19,1-10; 11-13); alinhar as leis

segundo a posição social das pessoas envolvidas (22,13-29) ou segundo a sequência

cronológica de acontecimentos (16,1-17).

Em qualquer parte pode acontecer que seja feita uma inserção motivada por

palavras chave ou associação de pensamentos, a fim de tratar de uma questão de

maneira mais completa possível num só lugar. Depois de tais digressões volta-se ao

tema principal. Esses princípios de organização servem à memorização.

Mais que no Antigo Oriente Próximo, em geral, forma-se no Dt uma unidade

retórica de grupos inteiros de leis por meio de diferentes técnicas estilísticas, como

concatenação de tópicos, molduras, esquema A-B e estrutura palindrômica (composição

circular). Isso talvez tenha a ver com o fato de que, como “lei de aliança”, esses textos

destinavam-se a ser proferidos em público (31,9-13) e recitados constantemente na

família (6,6).

A Torá de 5-28 pode ser entendida a partir da forma de um texto de aliança, ou

seja, de um contrato, assim como também se pode trocar a designação dos caps 5-28

como sefer hatorah, “livro da torá” por sefer haberit “livro da aliança”, no contexto do

Dt, quando o contexto trata do estabelecimento de uma aliança (2Rs 22s.). Para um

contrato interessa sobretudo, assegurar a lealdade diante do parceiro.18

Como modelo entra a hipótese do tipo de documento “hitita” de contratos com

vassalos. Seu esquema básico e a correspondência em Dt são:19

Contratos hititas com vassalos Parte central do Dt

Preâmbulo

Prólogo histórico

Declaração fundamental

Determinações detalhadas

Lista de divindades como testemunhas

contratuais

Bênção e maldição

5-11 Prólogo histórico e Declaração

fundamental

12-26 Determinações detalhadas

28 Bênção e maldição

O preâmbulo e a lista de divindades-testemunhas ficaram fora no Dt, cada qual

por razões próprias.

18

Idem. p. 99. 19

Idem. p. 100.

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28

É importante atentarmos que o esquema de contrato com vassalos também pode

ser encontrado em blocos menores de textos, a saber, na forma redacional de 5-8 e 9-11

(e fora da Torah em 4 e 29s.

O trecho 26,17-19 interpreta expressamente os caps. 5-28 como documento de

contrato. O texto fala de duas mensagens, de duas declarações, em forma espelhada, por

parte de Javé e também por parte de Israel.

Elas correspondem antes a concepções de contratos paritários. Os dois

compromissos próprios são realizados publicamente nas declarações de 27,1 para Israel

e 27,9 para Javé. Também faz parte desse “contrato de aliança” o ato simbólico de

passar entre animais cortados ao meio. (29,11).

Como narrativa de um único dia e como composição de discursos em quatro

partes com ênfase na “Torá” de Moisés, o Dt é consistente em si mesmo.

Em contrapartida, a designação Deuteronômio, ou seja, “segunda Lei”, aponta

para a relação (e diferenças) desse livro final do pentateuco para com os corpos de leis

(e narrativas) dos livros precedentes. O papel de Josué e dos reis (Js 8,32; Dt 17,18)

revela ao mesmo tempo que o Dt está intensamente direcionado para os subsequentes

“profetas anteriores” do cânon hebraico. Portanto, deve ser lido dentro desse nexo

literário amplo. Isso vale no âmbito do texto canônico, mas de igual modo para a

história do surgimento. Isso porque, na época em que foi redigido, o Dt recorreu a

textos já existentes do Pentateuco e dos livros históricos, concedendo-lhes nesse

processo suas próprias ênfases e interpretações de máxima autoridade, vindas da boca

do maior de todos os profetas, que estava às portas da morte (Dt 34,10).

No tocante ao surgimento, o complexo sistema de afirmações do Deuteronômio

canônico somente pode ser compreendido a partir da profundidade histórica. No entanto

há concepções muito divergentes entre os estudiosos da Bíblia com relação ao processo

de formação do livro segundo o autor. Sequer existe unanimidade sobre os critérios de

diferenciação, que valem para uma crítica literária e redacional.

Outro fator que permanece como enigma é saber se as ênfases teológicas, ou

kerígmas distintos, difíceis de se ajuntarem, revelam distintas camadas.

A indagação que permanece é a seguinte: podemos através do conteúdo, situar o

texto historicamente e socialmente?

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Algumas concepções iniciais são mencionadas quando se elaboram teorias sobre

a formação do Dt:20

a) Na interpelação de Israel há troca de número: uma vez

Moisés diz “tú”, depois ele retorna ao “vós”. A interpelação

no singular e no plural pode até alternar diversas vezes na

mesma frase. Será que esse fato indica diversas camadas de

modo que por exemplo, ao Deuteronomio que originariamente

estava no singular foram acrescentados trechos no plural e

esses novamente foram complementados por partes no

singular? Contudo, ainda que isso fosse o caso em certas

partes antigas do Dt, não seria possível que autores posteriores

tenham considerado a mescla de número como estilo típico do

Dt e teria o imitado em seus próprios textos, de modo que

apesar da alternância de número, não se descobrem, nesse

caso, camadas diferentes? A troca de número poderia, então,

ter sido útil, por exemplo, para destacar retoricamente pontos

altos temáticos ou assinalar subdivisões, como por exemplo

em Dt 4,1-40.

b) As palavras-chave teológicas não estão distribuídas de

forma homogênea pelo livro. Será que esse fato revela que no

Dt foram ajuntados textos da mais variada origem? Nesse caso

a estilística linguística seria um bom auxílio. Porém, não seria

possível que camadas posteriores retomassem as formulações

típicas de camadas mais antigas, de maneira que as divisas se

dissipam no uso linguístico?

c) Nos capítulos 12-26 há varias formas de leis: leis

apodícticas, casuísticas, com introdução aos mandamentos por

meio de memórias históricas, como por exemplo, 12,29-31; ou

com determinadas fórmulas como “extirparás o mal do teu

meio”, no caso de 13,6. Será que originalmente elas pertencem

a coleções separadas e formalmente uniformes de leis, ou já

era possível desde sempre que essas formas coexistissem de

forma mescladas?

d) acaso existem concepções teológicas distintas, “querigmas”

diferentes, impossíveis de juntar e, por isso, indicadoras de

camadas diferentes? Porém até que ponto é possível situar um

texto histórica e socialmente somente a partir do conteúdo?

Segundo Georg Braulik, quando se elaboram teorias sobre a formação do Dt,

pode-se trabalhar com diferentes concepções iniciais:21

Deve-se contar com relativamente poucos processos de

redação ou com longo processo de ampliações e comentários?

Muito depende da questão de em que medida se espera

consistência lógica de uma literatura do tipo do Dt e em que

proporção se pode contar com uma solução jurídico-

interpetativa de aparentes contradições já por ocasião da

formulação, solução expressa unicamente por meio de uma

20

Idem. p. 101. 21

Idem, p. 101.

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composição sistemática. Será que já tiveram em circulação

diversas edições paralelas da lei do Dt, unificadas

posteriormente, Acaso foram reunidos por redatores diferentes

blocos de texto como defende, por exemplo, Martin Noth

4,44-33,20 foram ampliados pela obra historiográfica

deuteronomista com 1-3 (4) e 31 34? Existia um texto básico,

ao qual foram acrescentadas novas ampliações e interpretações

legais (hoje há uma predileção maior por essas “redações

continuadas”. Portanto, retornam os tipos básicos dos modelos

do Pentateuco: hipóteses do documento básico, dos

fragmentos e dos complementos. As inseguranças

metodológicas associam-se não raro a uma despreocupação

dos exegetas diante da LXX e da versão samaritana no que

concerne à crítica textual. Além disso, existem ainda poucas

investigações sincrônicas dos textos legais do Dt. É provável

que o Dt tenha sido sistematizado juridicamente e polido

linguisticamente num tipo de redação final. Apesar de grandes

incertezas e de uma multidão de teorias sobre o Dt, foram

feitas, durante a elaboração delas, numerosas observações de

valor duradouro, bem como vem crescendo entre alguns um

certo consenso.

Por exemplo, com frequência cada vez maior conta-se com o

fato de que não somente nos capítulos da moldura (1-4 e 29-

32), mas também nas partes centrais se encontram implicações

e revisões deuteronomistas da época pós- josianica,

relacionadas com diversas edições da Dtrg (obra

historiográfica deuteronomista) pelo menos uma história dos

reis até Josias, anterior ao exílio, e uma re-edição da época do

exílio. Nesse aspecto se entrelaçam as investigações do Dt e

de Dtr. Supondo que tenha existido uma primeira edição pré-

exílica da Dtr, os capítulos 1-3 e boa parte de 29-31 (32)?

Poderiam fazer parte dela. Se o Dt original foi escrito no estilo

do discurso de Javé, também se pode presumir que, quando a

lei do Dt foi introduzida nessa descrição histórica como

discurso de Moisés, ela também foi descrita numa dimensão

histórica. Nas próprias leis foram instaladas indicações

encobertas da história posterior, como por exemplo 12, 8; 25,

17-19. Da mesma forma, os retrospectos históricos nos

capítulos 5 e 9 dificilmente seriam cabíveis antes dessa

primeira edição da história Dtr. A primeira edição exílica da

história Dtr deve ter contido trechos consideráveis dos

capítulos 28 e 29, mas igualmente o sistema de crítica aos reis,

na legislação dos cargos, em sua versão existente agora nos

capítulos 16,18-18,22. Do tempo final do exílio deve ser o

trecho 4,1-40, bem como considerável parte dos caps. 7-9 e

30. É presumível que a redação do material coletado nos caps.

19-25 tenha se dado somente em época posterior ao exílio.

Queremos ressaltar para o leitor, que o nosso enfoque na análise acima se

resume numa uma tentativa de identificar os pressupostos que influenciaram o

deuteonomista no empreendimento de organização dos conteúdos do Deuteronômio.

Entendemos a partir da exposição dos autores que o livro possui um bloco centralizado,

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a saber, a estrutura que abrange os capítulos 5-28. Inserido dentro da mesma se encontra

o Código Deuteronômico que abarca os capítulos 12-26. No tocante a tais afirmações há

unanimidade entre muitos exegetas. Queremos ressaltar este aspecto para o leitor, o

nosso enfoque na análise acima é uma tentativa de identificar os pressupostos que

influenciaram o deuteronomista no seu empreendimento de organização das

regulamentações, dos incisos do Deuteronômio. Entendemos a partir da exposição dos

autores que o livro possui um bloco centralizado, a saber, a estrutura que abrange os

capítulos 5-28. Inserido dentro da mesma se encontra o código deteronômico que abarca

os capítulos 12-26. Lembrando que tal forma de estruturação remonta aos contratos do

Antigo Oriente Próximo. Queremos deixar evidente ao leitor a nossa hipótese: O livro

do Deuteronômio possui uma estrutura concêntrica. Tal formulação não é

particularidade de Israel. São heranças, modelos, conforme as estruturas de contratos do

antigo Oriente, organizados possivelmente de forma a auxiliarem na busca rápida dos

incisos e preceitos, nos arquivos e na memória. No quadro abaixo apresentaremos ainda

a estrutura que compõe o blocos do livro do Dt na perspectiva de Duane Christhensen22

,

para que o leitor observe de forma demonstrativa o modelo concêntrico utilizado pelo

deuteronomista. Na sequência iremos expor o bloco que compõe a estrutura de 1-11 e as

unidade literárias menores que o compõe. Desta forma o leitor poderá notar que estas

estruturas ou unidades literárias menores também seguem o modelo concêntrico, onde

todos os elementos do texto orbitam em torno de um centro teológico elaborado pelo

redator deuteronomista:

A - O quadro externo: Parte I - Um olhar para trás (1-3).

B - O quadro interno: Part I – A grande peroração (4-11).

C - O núcleo central – Pacto, estipulações (12-26).

B' – QUADRO INTERIOR : Parte II - A Cerimônia de Aliança (27-30).

A ' - O quadro externo: Part II - Um olhar em frente (31-34).

1-3 QUADRO EXTERIOR. Parte I - Um olhar para trás:

1,1- 6a A - Inscrição: Deuteronômio em Nuce.

1,1- 6b- 8 B - Convocação para entrar na terra prometida.

1,9-18 C - Organização do povo para a vida na terra.

1,19-2,1 D - (Guerra profana de Israel).

2,2-25 E - A marcha para conquista.

2,26-3,11 D’ - YHWH e a guerra santa.

3,12-17 C '- Distribuição da terra na Transjordânia.

22

CHRISTHENSEN, Duane, L. Apud LOHFINK, Norbert. Das Deuteronomium. Entstehung, Gestalt

und Botschaft. Leuven: Leuven University Press: Peeters, 1985. p.135-144.

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3,18-22 B '- Convocação para tomada da terra prometida.

3,23-29 A ' - Transição: A partir de Moisés para Josué.

31-34 QUADRO EXTERIOR. Part II - Um olhar em frente.

31,1-6 A - De Moisés a Josué: O que YHWH vai fazer.

31,7-23 B- Moisés e Josué: a Torá é a canção.

31,24-29 C- A Torá como Testemunha.

31,30 D - Moisés recita as palavras da canção.

32,1-43 E - O cântico de Moisés.

32,44 D ' - Moisés falou as palavras da canção.

32,45-47 C '- A Torá como Testemunha.

32,38-34,6 B '- Moisés e YHWH: a morte de Moisés.

34,7-12 A ' - De Moisés a Josué: O que Moisés fez.

Dt 1,19 - 2,1 ISRAEL DA GUERRA PROFANA

1,19 a - Relato sobre uma viagem: fomos de Horebe à Cades barnéia.

1,20 b- Relatório: Você chegou a terra prometida.

1,21 c- Convocação para possuir a terra.

1,22 d- Pecado de Israel : Eles pedem Spies.

1,23-24 e- Relatório: Enviei espiões.

1,25-28 f- Relatório dos espiões e rebelião de Israel.

1) Espiões: Será que é um Deus terra?

2) murmuração e rebelião de Israel.

3) Espiões: As pessoas são mais fortes do que nós.

1,29-31 g – Convocação: Sem medo.

1,32-36 f ' - Rebelião de Israel e Julgamento de YHWH

1) Relatório de Moisés : falta de confiança de Israel

2) de YHWH Julgamento: Adiamento da Conquista

3) Relatório de Moisés : A Exceção de Caleb

1,37-39 e’ - Relatório: YHWH estava com raiva de mim

1,40-41 d' - Pecado de Israel : eles confessam mas Act Presumptuosly

1,42 c' - Convocação. Não Luta pela Terra

1,43-44 b' - Relatório: Você não conseguiu entrar na terra

1,45-2,1 a’ - Um aviso de Viagem: Saímos de Cades para o Monte Seir

E - 2,2-25 A marcha para a conquista:

2,2- 4a a - Convocação para seguir em direção ao norte.

2,4 b – 6 b - Convocação para não lidar com os filhos de Esaú.

2,7 c - Um olhar para trás: O Êxodo.

2,8-9a d - A viagem, notas e aviso para não lidar com Moabe.

2,9 b-11 e - Os Emins foram desalojados pelos filhos de Ló.

2,12 e' – Os horeus foram desalojados pelos filhos de Esaú.

2,13-15 d’ - Convocação para atravessar o Zerede.

2,16-18 c' - A olhar em frente: A Conquista

2,19-23 b' – Aviso: Não lidar com os filhos de Ammin.

2,24-25 a’ - Uma Convocação: Não Atravesse a Arnon.

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D ' 2,26 - 3,11 YHWH DA GUERRA SANTA

2,26-30 a - Anedota sobre Siom: Recusa do pedido de salvo-conduto.

2,31-36 b - A conquista de Heshbom.

1) A derrota de Siom.

2) O Reino de Siom Dedicado a destruição naquele tempo.

c - 2,37-3,1 - Anúncio de Viagens: na direção à Basã

contra Og.

3,2 c' - Convocação para não temer Og.

3,3-10 b' Conquista de Basã.

1) A derrota de Og no momento.

2) O Reino de Og dedicado a destruição.

3) Relato de Conquista na Transjordânia.

3,11 a' - Anedota sobre Og: o último dos “refains”.

4-11 O quadro interno: Parte I – A grande peroração:

4,1-40 A - E agora, ó Israel, obedeça os mandamentos de YHWH.

4,41-43 B - Moisés separou da árvore (levítico) cidades de refúgio.

4,44-6,3 C- Esta é a Torá - As dez palavras.

6,4-7,11 D - Ouve, ó Israel, YHWH é o nosso Deus - só YHWH.

7,12-8,20 E - Quando você obedece você será abençoado. Quando

você desobedecer você será destruído.

9,1-29 D ' - Ouve, ó Israel, você está prestes a atravessar o Jordão.

10,1-7 C '- Naquele tempo YHWH falou as dez palavras.

10,8-11 B '- Naquele tempo YHWH definir uma parte da tribo de Levi.

11,12-11,25 A ' - E agora, ó Israel, o que YHWH lhe pede?

A - E agora, ó Israel, cumpra OS MANDAMENTOS DE YHWH (Dt 4,1-40)

4,1-4 a – Mantenha os mandamentos de YHWH para viver na terra.

4,4-8 b – A singularidade de Israel, demonstrada em sua Torah.

4,9-10 c – Tenha cuidado para não esquecer o que aconteceu em

Horebe.

4,11-15 d – Tenha cuidado para não esquecer o que aconteceu em

Horebe.

4,16-19 e – Pacto e estipulações - emitidas em Horebe.

4,20 f – Nenhuma imagem ou divindades astrais.

4,21 f’ – O Êxodo fez o povo herança de YHWH.

4,22-24 e’ – A conquista faz a terra ser herança de Israel.

4,25-27 d’ – Não há imagens. YHWH é um Deus ciumento.

4,28-34 c’ – Pacto amaldiçoa - em vigor na Terra.

4,35-39 b’ – YHWH não vai esquecer o seu pacto com os seus pais.

4,40 a’ – A singularidade de YHWH, como mostrado no Êxodo.

Mantenha os mandamentos de YHWH para viver na terra.

C - ESTA É A TORAH - Dez Palavras (Dt 4,44-6,3)

4,44-48 a - Esta é a Torah.

5,1-3 b - HOJE: Ouve, ó Israel , a lei.

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5,4-5 c - YHWH falou do meio do fogo.

5,6-7 d – Mandamento I: Não respeitar outros deuses.

5,8-10 e - Mandamento II: Idolatria Proibida.

5,11 f - Mandamento III: Honrar o nome YHWH.

5,12-15 g - Mandamento IV: Mantenha o sábado.

5,16 f ' - Mandamento V: honrar seus pais.

5,17-21 e ' - Mandamentos VI- X: Moralidade Ética.

5,22 d ' - Resumo : Não há outras palavras.

5,23-31 c ' - YHWH falou do meio do fogo.

5,32-33 b '- HOJE : Tenha o cuidado de guardar os mandamentos de

YHWH .6,1-3 a '- Este é o mandamento.

D – OUVE Ó ISRAEL, YHWH é nosso Deus e vocês um povo santo (Dt 6,4-

7,11)

6,4-9 a – Só YHWH é o nosso Deus. Devem amá-lo mantendo suas

palavras.

6,10-15 b - Quando YHWH lhe conduzir para a terra, tome cuidado

para não esquecer ou ele vai destruí-lo.

6,16-19 c - Um olhar para trás: Êxodo - Conquista

6,20-25 c ' – Um olhar para frente: Pós - Conquista.

7,1-6 b '- YHWH dá a seus inimigos para você destruí-los ou então

YHWH vai destruí-lo.

7,7-11 a'- o amor de YHWH para você é a sua maneira de manter sua

palavra/ juramento a vossos pais, de modo a manter a ordem.

E - Quando você obedece você é abençoado; quando você esquece e desobedece

VOCÊ SERÁ DESTRUÍDO (Dt 7,12-8,20).

7,12-16 a- Quando você obedecer essas leis você será abençoado na

terra, mas você deve destruir todos esses povos.

7,17-24 b - Não tenha medo deles. YHWH vai entrega-los para

que você possa destruí-los.

7,25-26 c - Um olhar Avançado: Destrua os seus deuses ou será

destruído.

8,1 d - Tenha o cuidado de manter todo o

mandamento que você pode, para possuir a terra.

8,2-5 c ' - Um olhar para trás: Lembre-se de disciplina de

YHWH esses 40 anos.

8,6-10 b '- Mantenha os mandamentos de YHWH e louva-o pela

boa terra que Ele lhe deu.

8,11-20 a'- Se você se esquecer de YHWH e dos mandamentos será

destruído.

D ' - OUVE, Ó ISRAEL, você está prestes a atravessar o Jordão (Dt 9,1-29).

9,1-3 a - YHWH está cruzando o rio Jordão como sua vanguarda para

ajudar você a destruir as nações.

9,4-6 b - Não é por causa da tua justiça que YHWH está fazendo isso,

pois tu és povo de dura cerviz.

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9,7-10 c - Você se rebelou constantemente no deserto, enquanto eu

estava na montanha para receber as duas tábuas de pedra.

9,11-12 d - Enquanto estava na montanha YHWH me disse que

vocês tinham feito uma imagem de gesso.

9,13-14 d' - Como YHWH colocou: “Este povo tem dura cerviz

- fique para trás, enquanto irei destruí-los”.

9,15-21 c' - Quando eu vim para baixo e vi o bezerro, eu quebrei as

tábuas, intercedeu por você e Arão, e esmagou a imagem ao pó.

9,22-24 b'- Você se rebelou e outra vez no deserto, desde que eu

conheci você.

9,25-29 a' – Eu (Moisés) argumentei com YHWH: Não destrua o teu povo

para que não manchar sua reputação, porque são sua herança.

A' - E AGORA Ó ISRAEL, o que o seu YHWH requer de ti? (Dt 10,12-11,25)

10,12-15 a – Tema YHWH e guarde seus mandamentos. Ele escolheu

você.

10,16-19 b – Circuncidai os vossos corações e amai o estrangeiro.

10,20-11,1 c - Temam YHWH e guardem os seus mandamentos, pois

Ele tem vos abençoado.

11,2-7 d - Um olhar para trás: Seus olhos viram o que

YHWH fez.

11,8-9 e - Manter todos os mandamentos que você

pode para possuir a terra e permanecer nela.

11,10-12 d ' - Um olhar para frente: Os olhos de YHWH

estão sobre a terra para abençoá-la.

11,13-15 c' - Se guardardes os meus mandamentos, eu te abençoará

em sua terra.

11,16-21 b'- Não sirvam outros deuses, e guardem as minhas palavras

para permanecerem na terra.

11,22-25 a'- Se você observar cuidadosamente estes mandamentos, YHWH

irá desapropriar nações e dar-lhe toda a terra.

Queremos ressaltar mais uma vez que, não somente os blocos maiores que

compõem o livro do Deuteronômio possuem estrutura concêntrica, ou seja, uma

estrutura que emoldura um núcleo, um elemento central. Unidades literárias menores

também são compostas por elementos que estão sempre orbitando entorno de um centro

teológico.

Nos esquemas acima demonstramos o quadro apresentado por Christensen da

estrutura do Dt 1-11, para que o leitor tenha uma noção do quadro concêntrico e

centralizado apresentado pelo deuteronomista que, conforme abordamos anteriormente,

remonta às estruturas de documentos e contratos do antigo Oriente.

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Queremos deixar evidente ao leitor que, apresentamos o quadro acima dando

ênfase ao modelo centralizado, ou “concêntrico”, apresentado pelo redator.

Entendemos que no livro do Dt tal esquema predomina. Pode ser um artifício

pedagógico utilizado na época, que facilita a memorização.

De forma resumida afirmamos o seguinte: A apresentação do quadro do Dt 1-11

nesta parte da pesquisa é importante por dois motivos: Primeiro porque o leitor poderá

notar que as unidades literárias menores do Dt também são compostas a partir de uma

estrutura concêntrica. Segundo, porque através desta apresentação nos aproximamos da

perícope que será objeto de análise exegética no próximo capítulo. Desta forma estamos

afunilando, fazendo um movimento de fora para dentro, em direção à unidade literária

que iremos ainda analisar.

4. Continuidade e Novo Começo: a localização histórica

Segundo Frank Crüsemann,23

o código de leis de Dt 12-26 é uma reformulação

da vontade de Deus através de um livro de leis. Isto se dá pela mudança das

circunstâncias que exigem alterações.24

Este fenômeno já se encontra no Código da Aliança, onde são notórias e

evidentes as marcas de complementação mais recente, ou seja, de atualizações.

No Deuteronômio se encontram múltiplos sinais de atualizações, revisões, e

releituras. Uma nova codificação possui significado radical, um corte profundo. A

alteração de um código de leis está vinculada a uma mudança profunda e significativa,

ou seja, a uma realidade concreta que inspira a reformulação das leis.

Lembrando que a constituição da Alemanha foi reformulada com o fim do

terceiro Reich e da segunda guerra mundial, mas que, com a anexação da Alemanha

Oriental, não deu lugar a uma nova interpretação, constituição.

23

CRÜSEMANN, Frank. A Torá. Teologia e História Social da Lei do Antigo Testamento. Editora

Vozes, São Paulo. p. 283. 24

A descrição a seguir baseada no autor Frank Crüsemann se concentra nos problemas do Código

Deuteronômico (Dt 12-26). As demais partes do livro do Deuteronômio, bem como seus muitos

problemas trabalhados pelos pesquisadores, só serão mencionados na medida em que forem necessários

para uma compreensão correta da Lei.

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Mas, por que em Israel as possibilidades de complementação e ampliação não

foram suficientes? Portanto entende-se que esta pergunta serve de fio condutor para as

pesquisas do Deuteronômio.

Ampliação, complementação, e explicação, são os fatores que relacionam o

código deuteronômico com o Código da Aliança.

Fazendo uma análise comparativa entre o Código da Aliança e o Código

Deuteronômico concluímos que o material mais recente foi elaborado com a intenção de

substituir o mais antigo.

Os traços decisivos que são peculiares no Código da Aliança em relação aos

códigos de leis do antigo Oriente são ampliados pelo Dt, isto é, pelo menos em parte são

preservados, porém ampliados.

No conjunto se apresenta como o mandamento do Deus de Israel, porém, no Dt é

apresentado de maneira nova, transmitido por Moisés.

O centro é a adoração única à YHWH, o primeiro mandamento que ocupa lugar

central. Diversas tradições são conservadas, reunidas em um só texto: ética, religião,

direito e culto.

De forma geral podemos encontrar semelhanças da Lei Deuteronômica com o

Código da Aliança, como no início, em (Dt 12) encontramos uma lei referente ao altar

com prescrições relacionadas aos sacrifícios legítimos e a presença divina, sendo que no

final há declarações de bênção e maldição (Dt 27-28) que de certa forma correspondem

ao apêndice do Código da Aliança (Ex 23,20).

Algumas leis são repetidas sofrendo determinadas alterações. Podemos

identificar como uma das alterações a lei sobre os escravos (15, 12).

Outro exemplo é um calendário com as mesmas festas contidas no Código da

Aliança. Podemos encontrar também regras sobre a conduta diante de um tribunal (16,

19) que se repetem no Dt, porém, com pequenas variações em relação ao Código da

Aliança.

Esta constatação nos faz concluir que não se trata de uma complementação e sim

de uma substituição do Código da Aliança. Não há perspectiva de outra concepção

senão a de um novo começo.

Tal novo começo assume as decisões básicas, bem como uma boa parte do

direito material anterior. Somente no contexto de formação do Pentateuco como um

todo os dois códigos de leis foram integrados em uma única unidade literária.

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Por outro, lado podemos encontrar alterações, inovações, quando comparamos

os dois códigos. No Dt o discurso é colocado na boca de Moisés e não de Deus.

Desta forma, a intenção teria sido de remontar a um passado longínquo a fim de

camuflar uma reformulação atual, no presente. As leis referentes ao direito e segurança

dos fracos em termos sociais e jurídicos, são no Dt reformuladas de maneira bem mais

detalhadas.

Um fator que distingue o Dt do Código da Aliança é a radicalização da

centralização do culto expressa no Dt, diferente do Ex 20,24 que autoriza o culto nos

lugares onde Deus havia determinado.

Partes importantes do Código da Aliança são abreviados no Dt, no entanto as

determinações em relação a segurança dos fracos são ampliadas e a elas se acrescentam

determinações detalhadas do direito familiar e sexual, como da virgindade (Dt 22,13) e

do novo casamento (24,1).

Encontramos também regulamentações amplas na parte central de Dt 16,18-

20,20, onde trata-se de instituições como monarquia, direito, sacerdócio, profecia e

guerra, isto é, uma esfera mais abrangente que não encontra-se no Código da Aliança

nem no direito oriental antigo, porém existem afirmações de que apenas encontramos

tais formulações em constituições da época moderna.

A relação entre os dois corpos legais encontra-se diante de outro problema, visto

que o dia do descanso que possui um papel central em Ex 34,21 e é considerado uma

das pilastras do Código da Aliança, falta completamente do Deuteronômio. Este aparece

apenas como um dos mandamentos do decálogo em Dt 5,12.

A partir de agora iremos abordar uma nova perspectiva, uma interpretação que

nos abre um mundo novo. Esta nova perspectiva refere-se às reflexões teológicas sobre

a lei. Estas leis encontram-se nos caps. 6-11 e 30s e não possuem correspondente no

Código da Aliança. Aqui encontramos uma “linguagem teológica nova”.

Neste ensejo encontramos uma terminologia que determina toda a teologia

orientada pela Bíblia. O sentido dos mandamentos é relacionado com a história do povo

que foi liberto do Egito. A doação da terra e a eleição também encontram sentido nos

mandamentos que possibilitam a permanência junto a esse Deus.

O código deuteronômico abrange conteúdos como unicidade de Deus,

integralidade do amor a Ele, e todos os acontecimentos da vida deste povo que foi

escolhido por Deus. Juntamente a dádiva da Torá se mostra como o amor de Deus

expresso em mandamentos da vida.

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Para alguns autores a Torá é o centro, a união entre Deus e o seu povo que toma

forma no intuito de preservar e concretizar tal relacionamento que promove a liberdade.

Como em tudo isto se trata de ampliação, de extensa complementação do

conteúdo e de reflexões teológicas novas, em que só em poucos casos acontecem

correções maiores, a maioria destes passos também poderia ser entendida como revisão

literária do Código da Aliança.

Por isso, a comparação do conteúdo não pode responder à pergunta pela razão da

nova redação. A verdadeira razão não pode estar no conteúdo.

A pergunta pelo motivo da nova redação da história da lei no Deuteronômio, em

comparação como o Código da Aliança, deve ser feita e respondida dentro do próprio

Deuteronômio, especialmente tendo em vista os múltiplos traços e indicações de

ampliação e complementação. Muitas gerações se empenharam no Deuteronômio.

Atualmente não se questiona a hipótese de o termos em forma deuteronomista, isto é,

tardia ou exílica. É reconhecido que os cap. 1-3 estão ligados à obra histórica de Js e

2Rs e à inserção do Deuteronômio nesta obra. O Dt 4 mostra estar muito próximo da

teologia exílica e pós-exílica, especialmente do Deutero-Isaías.

Nos dias atuais também se afirma a existência se acréscimos posteriores em

passagens de Dt 5-11 e 12-26. Isso se afirma até de capítulos inteiros como Dt 5.

Outro exemplo são as determinações constitucionais em 16,18-18,22. Em outros

capítulos podemos encontrar complementos. Justamente pelo fato de não se poder

duvidar dos múltiplos traços de redação, é necessário inquirir a razão e o motivo de uma

nova codificação. O que não podemos esquecer é a afirmação de que certamente os

redatores conheciam o Código da Aliança e o tinham diante de si.

Através de nossas leituras podemos mencionar como fator importante, as teses

de Georg Braulik.

Baseado em trabalhos mais antigos ele entende que o Código Deuteronômico, na

redação final que temos em mãos, está estruturado de forma análoga aos mandamentos

do decálogo.

Os princípios estruturais que caracterizam as antigas leis orientais e o Código da

Aliança, também são encontrados aqui.

É certo que o Dt 12-26 não se baseia apenas nos dez mandamentos. Existem sim

correspondências, porém de clareza variada e gerais.

Por fim, duas situações aparentemente contraditórias tem importância especial

para a compreensão. Por um lado, praticamente em cada trecho do código há indícios

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claros de redação e ampliação. Crescimento, complementação, narrativas explicativas

foram encontradas pelos pesquisadores em muitos lugares, mesmo que não concordem

sempre entre si. Haverá muitos exemplos para mostrar. Por outro lado, as determinações

legais se encaixam formando um conjunto de regras como uma obra legal fechada e

praticamente livre de questionamento.

Apesar dos múltiplos indícios de redação, o código foi concebido e elaborado

juridicamente como unidade. A suposição de que houve acréscimos aleatórios, até

exagerados, e trabalhos editoriais provenientes de épocas históricas diferentes ou de

grupos divergentes, não está muito de acordo com esta constatação.

No tocante ao questionamento acerca de quando e em que circunstancias foi

elaborado este novo trabalho jurídico na história de Israel, Frank Crüsemann afirma

existir duas posições básicas na pesquisa atual25

. A primeira é a tese clássica acerca de

uma datação um pouco antes do exílio. A outra tese que tem ganhado peso afirma uma

datação exílica, ou seja, a obra foi produzida num período tardio. Alguns afirmam até

fases históricas posteriores ao exílio.

Quando se busca explicações para elaboração de um novo código, esta

perspectiva faz muito sentido, visto que o exílio representa uma profunda

descontinuidade na história jurídica. A partir desta perspectiva uma nova codificação é

provável e porque não dizer até esperada? Frank Crüsemann26

analisa os argumentos em

favor de tal iniciativa, porém deixa evidente que tal fundamentação se situa ainda dentro

do campo das hipóteses, apenas para segmentos literários e não de forma abrangente e

detalhada.

4.1. Questões centrais das exposições anteriores

Os quadros e molduras do Deuteronômio mencionados acima nos fornecem

alguns assuntos centrais e relevantes para uma melhor compreensão da perícope de Dt

6, 1-9. Conforme afirmamos anteriormente, o livro do Deuteronômio é composto de

diversos blocos e estruturas.

Dentro de uma macro-narrativa podemos encontrar micro-narrativas. Assim

ocorre por exemplo com a estrutura que abrange os capítulos 5-28. Dentro desta

25

Idem. p. 293. 26

Idem. p. 293.

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moldura encontra-se o Código Deuteronômico (12-26) que é considerado por muitos

exegetas o centro do livro, pois dentro deste bloco há uma coerência interna, ou seja,

pode-se identificar, começo, meio e fim.

A estrutura que precede Código Deuteronômico (12-26) é composta pelos

capítulos 5-11.

A nossa perícope se encontra dentro deste bloco, ou seja, é um texto que

precede, está para fora do Código Deuteronômico (12-26) porém aponta, sinaliza para

dentro dele.

A exposição das leis, que começa no capítulo 12 do livro (exceção feita à

situação particular do decálogo), é precedida pelos relatos feitos por Moisés. Sua função

é dupla, em relação às leis. Por um lado, Moisés relembra os acontecimentos passados,

convoca a memória do povo antes de fazê-lo ouvir as leis.

A Lei só é enunciada contra o pano de fundo de uma memória do passado: esta é

a estrutura fundamental da aliança. O ato da aliança é primeiramente relembrar o

passado, e depois enunciar a Lei.

Podemos perceber que o livro do Deuteronômio é construído sobre a estrutura da

aliança, no interior do discurso de Moisés. Mas essa rememoração do passado é feita

por Moisés, que, relembra o povo acerca de suas infidelidades em relação aos

acontecimentos do Sinai.

No livro do Dt nos deparamos com uma segunda escuta dos relatos do itinerário

entre o Sinai e as planícies de Moab. Narrar uma segunda vez é contar evocando o

sentido profundo, é dar importância aos acontecimentos que se narra, que neste caso se

trata de uma história de infidelidade.

As Leis do Deuteronômio aparecem então como uma segunda chance em relação

ao momento do Sinai-Horebe, contado no Êxodo. Talvez o livro proponha uma segunda

chance de se recuperar da queda da infidelidade.

Percebemos que a trama narrativa não é mais a mesma, pois não desempenha o

mesmo papel após o enunciado do código de leis. Não é mais Moisés quem narra, no

interior de seu discurso, mas o narrador deuteronomista. E porque este já não fala mais

do passado, mas do que se passa “hoje”.

No final do livro do capítulo 27-34, faz o relato da celebração da aliança, de um

lado, e da morte de Moisés de outro.

O décimo oitavo ano do rei Josias, o enunciado da Lei faz parte da celebração da

aliança. Deixa transparecer um modelo pós-exílico.

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O Deuteronômio define a posição das leis afirmando uma articulação da Lei e da

História. A Lei é associada à História de duas maneiras: Uma voltada para o passado e a

outra para o futuro.

A Lei não pode ser enunciada sem que antes seja rememorada a História, tudo o

que aconteceu antes “do hoje”, desta enunciação. Há sempre uma história que precede a

Lei, em relação a qual esta última toma posição. E é a razão pela qual a Lei, inaugura

uma História, ela é posta como ponto de partida, ou referência, um critério de

discernimento de História que acontecerá.

A Lei apresentada no Deuteronômio por Moisés, nas planícies de Moab, é posta

como ponto de referência para a História de Israel na terra prometida, aquela que será

narrada a partir do livro de Josué até o final do livro dos Reis.

A articulação da Lei e da História é uma originalidade do livro do

Deuteronômio. É a aliança que religa a Lei a uma História passada, e através da

celebração da aliança inaugura-se um futuro.

5. Vocabulário, sistema de palavras-chave, e expressões

recorrentes do deuteronomista no Deuteronômio

Fazendo uma leitura do livro do Deuteronômio o leitor fica convencido de que

há certa uniformidade de estilo que caracteriza o livro.

Ainda que o leitor se depare com os capítulos considerados pelos exegetas sendo

de fontes distintas, o mesmo estilo encontra-se evidente. Não apenas no que tange às

características estruturais do livro, mas também pela unidade estilística, pela

simplicidade, fraseologia, e caráter retórico. Não queremos afirmar que as expressões

recorrentes são mencionadas exclusivamente no livro do Deuteronômio.

O que queremos aqui evidenciar é a combinação, a articulação pela qual estas

expressões se apresentam, bem com a estrutura e o ritmo das sentenças.

Queremos deixar evidente que, o fato de tais expressões ocorrerem em outras

partes do Antigo Testamento, principalmente nos livros históricos, tal fenômeno textual

já tem sido explicado pelos exegetas. Isso ocorre com base na explicação de que os

autores dos livros de Josué à 2 Reis foram influenciados pelo estilo deuteronômico, o

que denominamos de mão deuteronomista, ou obra historiográfica deuteronomista.

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O nosso objetivo nessa parte da pesquisa é de fazer um levantamento dos textos

onde aparecem tais expressões que constituem esse vocabulário.

Alguns especialistas se dedicaram a fazerem listas destas expressões que

ocorrem no Deuteronômio e em outros textos da Bíblia Hebraica.

No decorrer da nossa exposição contaremos com o auxílio de alguns autores.

Estaremos fazendo menção de alguns textos do Deuteronômio comentando

algumas das consideradas expressões e palavras-chave.

A linguagem do Dt é prosa artística de

alto nível retórico. Ela se caracteriza

pelo ritmo ondeante de períodos bem

longos, que se estendem além de frases

secundárias intercaladas. Conhece um

tipo de métrica de prosa, trabalha com

quantidade de palavras equilibradas

entre si, expressões fixas e frequentes

assonâncias. Dessa maneira se produz a

impressão de harmonia e solenidade,

com força sugestiva. Repetições de

tópicos e sistemas de palavras-chave

estruturam os diversos blocos de textos e

os conectam uns com os outros.

Motivações e fundamentações prendem

a atenção do ouvinte. Argumenta-se com

extrema racionalidade. Os temas

teológicos centrais são mantidos na

memória por meio de fórmulas sempre

recorrentes.27

O livro do Dt é constituído por um sistema de palavras chave que preenchem o

livro, e no decorrer da narrativa vão ocorrendo repetidas vezes.

No entanto o autor referido não faz menção de tais expressões, pelo menos no

que tange à obra a qual tivemos acesso.

Tal empreendimento caberá a nós, através de uma análise destas palavras-chave

que ocorrem nas estruturas do livro com suas respectivas ênfases teológicas. Já que

afirmamos que estas expressões se repetem e fazem uma espécie de entorno à vários

temas teológicos, o nosso objetivo será de analisar se estas expressões aparecem

também em nossa perícope.

Acima podemos observar que estas expressões se referem à memória. No

desenrolar das narrativas algumas fórmulas aparecem “orbitando”, dando moldura

teológica às estruturas do livro, aos diversos blocos.

27

ZENGER, Erich; BRAULIK, Georg. 2003. p. 102-103.

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Palavras como mitsvah, hoq, shapat, tsva, lamad, asah, etc, são palavras-chaves

que vão se repetindo e indicando de forma específica as ordenanças.

Nesta análise queremos apenas abordar alguns diferentes textos onde aparecem

estas palavras-chave.

Um dos principais objetivos desta análise é o exercício da leitura do texto bíblico

e a averiguação de tais palavras que norteiam o livro estabelecendo entre si relações,

isto é, ligadas umas às outras por uma cadeia de significados teológicos específicos

conforme veremos mais adiante.

Identificamo-as como palavras-chave pela estreita relação que estabelecem com

o conteúdo do texto do Dt como um todo. As palavras-chave devem estabelecer um

contato muito íntimo com o conteúdo do texto. Estas devem apontar para um tema

considerado central.

Procuramos dar uma ênfase à exposição das palavras-chaves que ocorrem com

frequência dentro do bloco de texto que vai dos capítulos 1-11. Tal procedimento é

justificado por nossa parte pela necessidade de delimitação.

Mais adiante faremos menção de algumas referencias que se utilizam das

palavras-chave que se encontram fora desta estrutura de Dt 1-11.

Podemos perceber que a perícope do capítulo 6 se encontra no centro do bloco,

precedida pelos cinco capítulos que iniciam o livro e procedida por cinco capítulos que

dão desfecho ao bloco. Ou seja, no centro do bloco de 1-11 encontra-se a perícope de Dt

6. Os capítulos 1-5 a precedem, e os blocos de 7-11 a sucedem.

Dt 1,1:

‘hv,mo rB<ÜDI rv,’a] ~yrIªb'D>h; hL,aeä laeêr"f.yI-lK'-la, Estas são as palavras que Moisés falou a todo o Israel...

Este verso é considerado o cabeçalho, o que encabeça, que dá início ao discurso

de Moisés, uma espécie de nota introdutória. Aqui o redator deuteronomista se utiliza da

expressão ~yrIªb'D>h; ha-devarim, que em hebraico é o título do livro do Deuteronômio:

Devarim, “Palavras”. A expressão ~yrIªb'D>h; hL,aeä estas as palavras, são dirigidas para

laeêr"f.yI-lK'-la, para, em direção à “todo Israel”. É importante frisarmos isso, essa

convocação de Moisés para que “todo Israel” escute as palavras, pois mais adiante

retornaremos, a abordar essa questão.

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Ao tratarmos dos mandamentos e de como

Israel elaborou teológicamente a revelação

da vontade de Javé, convém falarmos do

Deuteronômio, pois em parte alguma Israel

expressou tão metódica e completamente o

sentido que atribuia aos mandamentos e à

situação única em que fora colocado pela

revelação da vontade de Javé. Mas é preciso

ter em mente que o Dt não é a interpretação

da vontade de Javé senão para uma época

precisa, e do ponto de vista histórico,

bastante tardia. Um grande número de coisas

devem ter sido ditas e reformuladas.28

1,3:

hW"ôci rv,’a] lkoK.û laeêr"f.yI ynEåB.-la, ‘hv,mo rB<ÜDI `~h,(lea] Atßao hw"±hy>

Moisés falou aos filhos de Israel, conforme a tudo o que o SENHOR lhe mandara

acerca deles.

A expressão acima `~h,(lea] Atßao hw"±hy> hW "ôci rv,’a] lkoK.û conforme tudo o que

Senhor YHWH lhe mandara, ocorre muitas vezes e possui aspecto teológico relevante.

Atentemos para a valorização do “tudo”, da noção de totalidade, sempre reivindicada

pelo redator deuteronomista em relação aos seus ouvintes e nesse caso atribuindo a

noção à fidelidade de Moisés em relação à transmissão de tudo aquilo que Deus havia

lhe ordenado falar.

1,5:

hv,êmo lyaiäAh ba'_Am #r<a,äB. !DEßr>Y:h; rb,[eîB.

`rmo*ale taZOàh; hr"îATh;-ta, raE±Be

Além do Jordão, na terra de Moabe, começou Moisés a declarar esta lei, dizendo:

Acima a expressão hr"îATh;-ta, esta Lei, é entendida por nós como a expressão

que abrange os demais conceitos substantivados que serão utilizados para se referir à

esta Lei.

1,6:

rmo=ale brEäxoB. WnyleÞae rB<ïDI Wnyhe²l{a/ hw"ôhy>

28

RAD, Von, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. vol 1, Editora ASTE, São Paulo,

Brasil, 1974. p. 221-222.

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O SENHOR nosso Deus nos falou em Horebe, dizendo:

A expressão o Senhor nosso Deus, aparece com frequência, o nosso Deus é

mencionado pelo redator deuteronomista como Wnyhe²l{a/ hw"ôhy> e nesse caso podemos de

início identificar indícios de certa reivindicação do redator deuteronomista em relação à

prioridade a ser dada à religião conhecida pelos exegetas como Javista.

1,8

Wvår>W WaBo… #r<a'_h'-ta, ~k,ÞynEp.li yTit;în" hae²r>

~k,øytebo’a]l; hw"hy>û [B;äv.nI rv<åa] #r<a'êh'-ta,

Eis que tenho posto esta terra diante de vós; entrai e possuí a terra que o SENHOR

jurou a vossos pais...

A expressão a terra que jurou o Senhor YHWH a vossos pais aparece em muitas

ocorrências e abrange dentro da mesma a palavra-chave #r<a'êh'-ta a terra, ou

“terra”, pois aqui no caso ela ocorre precedida pelo h' a (artigo definido) e pelo (sinal

do objeto direto). A expressão eretz “terra”, ou “a terra” #r<a'êh'-ta é mencionada

com muita frequência no desenrolar do livro do Deuteronômio e possui ênfase na posse

da mesma como “herança”.

1,9: rmo=ale awhiÞh; t[eîB' ~k,êlea] rm:åaow"

E no mesmo tempo eu vos falei, dizendo:

Podemos notar a preocupação do redator deuteronomista em se utilizar de

termos que expressam e se relacionam com “palavras”, “ditos”, ou “dizer”, “falar”. No

desenrolar do livro o redator vai aprofundando esta exposição porém ao mesmo tempo

vai mantendo expressões como no caso das expressões ~k,êlea] rm:åaow e rmo=ale

“dizendo”.

1,18:

taeî awhi_h; t[eäB' ~k,Þt.a, hW<ïc;a]w"

`!Wf)[]T; rv<ïa] ~yrIßb'D>h;-lK'

Assim naquele tempo vos ordenei todas as palavras que havíeis de fazer...

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Novamente a ideia de totalidade ocorre, agora através da expressão ~yrIßb'D>h;-

lK' todas as palavras.A expressão !Wf)[]T; taasún “fazer” ocorre no sentido de fazer

conforme tudo o que YHWH ordenara. A mesma expressão fazer, ou “fez” é muito

utilizada pelo redator deuteronomista nos livros históricos se referindo à conduta dos

reis: “fez o que era retos aos olhos de YHWH”, ou “fez o que era mal aos olhos de

YHWH”.

1,19:

. WnyheÞl{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa]K;

Conforme o SENHOR nosso Deus nos ordenara...

No decorrer do livro o deuteronomista vai preenchendo o conteúdo com as

expressões recorrentes voltadas à obediência, a tudo àquilo que Moisés teria a dizer por

parte do Deus nomeado de forma enfática pelo deuteronomista: WnyheÞl{a/ hw"ïhy

YHWH é o nosso Deus!

1,21:

^yn<ßp'l. ^yh,²l{a/ hw"ôhy> !t;’n" haer>

%l'ê ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; vrEª hleä[] #r<a'_h'-ta,

`tx'(Te-la;w> ar"ÞyTi-la;

Eis aqui o SENHOR teu Deus tem posto esta terra diante de ti; sobe, toma posse dela,

como te falou o SENHOR Deus de teus pais; não temas, e não te assustes.

O tema da #r<a'_h'-ta, “da terra” é frequente. Esta é sempre relacionada com

YHWH. Às vezes a terra é dádiva, às vezes é fruto da obediência no Deuteronômio, mas

entendemos que mesmo quando colocada dentro de uma relação causa-efeito, ela pode

ser entendida como dádiva. A terra fora prometida por Deus aos pais, isto é, o Deus de

vossos pais ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> .

1,34:

@coàq.YIw: ~k,_yrEb.DI lAqå-ta, hw"ßhy> [m;îv.YIw:

`rmo*ale [b;îV'YIw:

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Ouvindo, pois, o SENHOR a voz das vossas palavras, indignou-se, e jurou,

dizendo:

A palavra “ouvir” que ocorre no verso acima, porém na forma [m;îv.YIw: “e

ouvindo” é vista por muitos exegetas como elemento central na teologia do livro do

Deuteronômio. Muitas vezes a expressão aparece se referindo à importância de Israel

ouvir as palavras de Javé. Nesse caso YHWH é quem ouve as palavras do povo. Aqui

não iremos aprofundar a questão, visto que tal vocábulo aparece na nossa perícope e

mais adiante será analisada com mais afinco. Mas é digna de nota tal palavra e

certamente faz parte do conjunto de palavras-chave que compõem a ilustre obra do

deuteronomista, mais especificamente o livro do Deuteronômio. É para isso que

queremos chamar a atenção do leitor. As palavras e expressões vão se relacionando no

decorrer do Deuteronômio. É importante ressaltarmos a ocorrência de certas palavras no

livro, porém estamos atento não somente a isso, mas queremos entender como se dá o

desenvolvimento, o encadeamento das mesmas, isto é, compreender como tais

expressões se relacionam.

1,42:

“ hw"÷hy> rm,aYO“w

E disse-me o SENHOR:

Esta expressão é recorrente não apenas no livro do Deuteronômio. A ênfase da

expressão hw"÷hy> rm,aYO“w: vayomér YHWH, e disse YHWH está na fonte dos oráculos

proféticos e talvez utilizada como fórmula pelo redator deuteronomista. Nesse caso a

palavra é dita por YHWH por intermédio de Moisés. Em outros casos a expressão é

posta na boca de alguma autoridade competente, como por exemplo o próprio redator de

Gn 12,1: YHWH ordenou a Abraão que saísse de sua terra. No capítulo 2,2 do

Deuteronômio a expressão ocorre da seguinte forma: `rmo*ale yl;îae hw"ßhy> rm,aYOðw:

vayomér YHWH Elay Lemór, então YHWH me falou dizendo...

Outra expressão recorrente no livro do Deuteronômio é [B;îv.nI “jurou’. Às

vezes a expressão aparece se referindo ao juramento que YHWH fez aos pais, por outro

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lado a mesma expressão ocorre com o sufixo pronominal na segunda pessoa do plural,

“para vós”, em Dt 2,14: `~h,(l' hw"ßhy> [B;îv.nI rv<±a]K; conforme jurou YHWH para vós...

3,18:

hw"åhy> rmo=ale awhiÞh; t[eîB' ~k,êt.a, wc;äa]w"

#r<a'Ûh'-ta, ~k,øl' !t;’n" ~k,ªyhel{a/

E no mesmo tempo vos ordenei, dizendo: O SENHOR vosso Deus vos deu esta terra...

A palavra terra conforme já afirmamos é muito utilizada pelo

deuteronomista. Nesse caso específico ela aparece como graça, dádiva através da

expressão acima: #r<a'Ûh'-ta, ~k,øl' !t;’n" vos deu esta terra...

3,25:

hb'êAJh; #r<a'äh'-ta, ‘ha,r>a,w> aN"©-hr"B.[.a,

Rogo-te que me deixes passar, para que veja esta boa terra

A palavra terra nesse versículo vem acompanhada pela qualidade de “boa terra”.

A expressão hb'êAJh; #r<a'äh'-ta et haáretz hatováh, “a terra boa”, desse verso,

é muito importante para a teologia do Deuteronômio. Visto que alguns autores

entendem que o redator está diante de uma terra que a conhece, ainda que a expressão

esteja colocada na boca de Moisés. Nesse caso ao mesmo tempo que “Moisés” conhece,

por se referir à ela como hb'êAJh; #r<a'äh' “ a terra boa”, ele também deseja entrar nela,

ou seja, quem narra, ou coloca na boca de Moisés parece não estar dentro da boa terra

ainda. Tal afirmação não tomada de forma geral obviamente, pode auxiliar o estudante,

pesquisador a encontrar o ambiente vivencial do Deuteornômio.

4,1:

‘~yQixuh;(-la, [m;Ûv. laeªr"f.yI hT'ä[;w>

![;m;äl. tAf+[]l; ~k,Þt.a, dMeîl;m. yki²nOa'( rv<ôa] ~yjiêP'v.Mih;-la,w>

yheîl{a/ hw"±hy> rv<ôa] #r<a'êh'-ta, ~T,äv.rIywI) ‘~t,ab'W Wy©x.Ti(

`~k,(l' !tEïnO ~k,Þyteboa]

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50

Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino, para os

cumprirdes; para que vivais, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR Deus de

vossos pais vos dá.

A expressão que ocorre no início laeªr"f.yI hT'ä[;w> indica conexão, o textos está

costurado com os assuntos tratados anteriormente. É uma expressão recorrente

preparatória para o apelo a ouvir e obedecer, como se alguém pronunciasse: “agora pois,

à luz dos atos libertadores de Deus, vocês deverão obedecer os teus mandamentos” (Dt

10,12).

A partir do capítulo 4,1 as expressões relacionadas com a Lei passam a ser

mencionadas através de alguns substantivos, como: ~yjiêP'v.Mi juízos e ‘~yQixuh; ( os

estatutos.

Desta forma o deuteronomista amplia o seu vocabulário para se referir às leis.

Estas começam aparecer agrupadas dando caráter de uniformidade ao livro. Ou seja, o

redator deuteronomista quer chamar atenção dos seus ouvintes através desse recurso

retórico, através de repetições de fórmulas e expressões-chave que facilitam a

compreensão do livro como um todo unificado e coerente. O que entendemos através

desse recurso retórico é a tentiva de argumentação voltada para a memória.

Por um lado o redator se utiliza de alguns substantivos para se referir às leis, por

outro lado tais expressões são fixas, para facilitação dos ouvintes. São substantivadas

para o texto não se tornar monótono, mas também são fixas para não se perderem na

memória dos destinatários do deuteronomista. Seria como um autor escrever algo sobre

um assunto se utilizando de algumas variáveis de expressão para não ser redundante,

porém mantendo sempre a uniformidade do texto.

O que importa para o deuteronomista é a relevância teológica, é o cuidado em

instruir os seus ouvintes, é a preservação da memória, dos feitos de YHWH, é o

despertamento, é a parênese da observância, é o chamado de atenção para o favor

imerecido de YHWH “que vos tirou da casa dos escravos”, é a preservação da vida das

pessoas, que irão herdar a promessa feita ao pais.

O deuteronomista insistirá nas fórmulas no decorrer do livro, não se cansará em

alertar, em chamar a atenção de seus destinatários, e nós nessa pesquisa iremos

caminhar com ele.

4,2:

hW<åc;m. ‘ykinOa' rv<Üa] ‘rb'D"h;-l[; Wpsiªto al{å

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~k,êyhel{)a/ hw"åhy> ‘twOc.mi-ta, rmoªv.li WNM,_mi W[ßr>g>ti al{ïw> ~k,êt.a,

`~k,(t.a, hW<ïc;m. ykiÞnOa' rv<ïa]

Não acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis

os mandamentos do SENHOR vosso Deus, que eu vos mando.

A expressão: hw"åhy> ‘twOc.mi-ta, rmoªv.li para guardar os mandamentos do

Senhor YHWH, mais propriamente dito, a ênfase teológica no “guardar os

mandamentos”, é muito valorizada pelo redator deuteronmista, e aparecerá

constantemente no livro do Deuteronômio. Conforme o verso abaixo as palavras-chave

relacionadas com a Lei começam a se desenvolver, a crescer de forma cada vez mais

extensiva e ligada à outros elementos. Isto é, o vocabulário do deuteronomista vai

crescendo no que tange a expressões ligadas à Lei, porém estes vocábulos vão se

relacionando cada vez mais, tomando proporções maiores quanto ao número de

ocorrências e também se desenvolvendo no tocante aos elos de ligação entre si. No caso

do verso seguinte podemos observar que as palavras-chave aparecem de forma mais

unificadas, isto é, juntas. Os estatutos, os juízos, “decretou”, “mandou” YHWH para

fazer”, “cumprir”, “na terra”.

4,5:

~yjiêP'v.miW ‘~yQixu ~k,ªt.a, yTid>M;äli Ÿhaeär>

rv<ïa] #r<a'êh' br<q<åB. !Keê tAfå[]l; yh'_l{a/ hw"åhy> ynIW:ßci rv<ïa]K;

`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yaiîB' ~T,²a;

Vedes aqui vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o SENHOR meu

Deus; para que assim façais no meio da terra a qual ides a herdar.

Atentemos para esse fenômeno textual que ocorre no livro do Deuteronômio

como estratégia do redator deuteronomista que se preocupa muito com a condição dos

seus destinatários no tocante ao cumprimento, à obediência, a perseverança em guardar

os estatutos na terra que irão herdar. Parece monótono e cansativo, mas é isso mesmo

que nos chama a atenção.

O deuteronomista não faz nenhuma economia no que tange ao seu projeto

pedagógico de repetir, as palavras-chave, repetir advertendo, chamando a atenção dos

seus destinatários.

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As palavras-chave continuam orbitando, aparecendo conforme iremos ver

abaixo, mas agora relacionadas com a sabedoria e o entendimento:

4,6:

‘~k,t.m;k.x' awhiÛ yKiä è~t,yfi[]w: é~T,r>m;v.W

~yQIåxuh;-lK' tae… !W[ªm.v.yI rv<åa] ~yMi_[;h' ynEßy[el. ~k,êt.n:ybiäW

`hZ<)h; lAdßG"h; yAGðh; !Abên"w> ~k'äx'-~[; qr:… Wrªm.a'w> hL,aeêh'

Guardai-os pois, e cumpri-os, porque isso será a vossa sabedoria e o vosso

entendimento perante os olhos dos povos, que ouvirão todos estes estatutos, e dirão:

Este grande povo é nação sábia e entendida.

No caso acima podemos perceber que o êxito de Israel na terra está também

vinculado à “guarda dos mandamentos”, é~T,r>m;v.W e à gurda de “todos os estatutos”

~yQIåxuh;-lK' que estão intimamente entrelaçados à sabedoria. Isso será “a vossa

sabedoria” ‘~k,t.m;k.x' e o “vosso entendimento” ~k,êt.n:ybiäW perante os olhos dos

povos.

4,8:

~yjiÞP'v.miW ~yQIïxu Al±-rv,a] lAdêG" yAGæ ‘ymiW

`~AY*h; ~k,ÞynEp.li !tEïnO yki²nOa' rv<ôa] taZOëh; hr"äATh; ‘lkoK. ~qI+yDIc;

E que nação há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta Lei

que hoje ponho perante vós?

4,9:

daoªm. ^øv.p.n: rmo ’v.W •^l. rm,V'ähi qr:‡

^êb.b'äL.mi ‘WrWs’y"-!p,W ^yn<©y[e Waår"-rv,a] ~yrIøb'D>h;-ta, xK;’v.Ti-!P,

`^yn<)b' ynEïb.liw> ^yn<ßb'l. ~T'î[.d:Ahw> ^yY<+x; ymeäy> lKoß

Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, que não te esqueças

daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e não se apartem do teu coração todos os

dias da tua vida; e as farás saber a teus filhos, e aos filhos de teus filhos.

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Agora pediremos auxílio do autor Von Rad29

no tocante à sua opinião em

relação à exposição dos conteúdos teológicos que estão na base do pensamento do

redator deuteronomista no Deuteronômio:

Em todo o Dt vemos os pregadores

deuteromistas se esforçarem para tornar sensível

e simplificar, mediante uma motivação

fundamental a multiplicidade das expressões da

vontade de Javé que reclamam a obediência de

Israel.30

Percebemos a insistência do redator do Deuteronômio em relação à obediência.

Para isso ele vai desenvolvendo o seu vocabulário unificando palavras e termos

sinônimos em torno da Lei.

A obediência é guardar as palavras, os mandamentos, os estatutos e juízos. E a

posse da terra se encontra ora vonculada a essas condições.

Entendemos que as admoestações não se referem somente à tomada de posse da

terra, mas também à permanência na terra. Israel precisaria obedecer à YHWH

guardando as palavras, mandamentos, estatututos e juízos para possui a terra e se manter

nela com uma boa qualidade de vida.

4,10:

é ^yh,l{a/ hw"åhy> ynE“p.li T'd>m;ø[' rv,’a] ~Ay©

~[eÞmiv.a;w> ~['êh'-ta, ‘yli-lh,q.h; yl;ªae hw"÷hy> rmo’a/B, èbrExoB.

~heÛ rv,’a] ‘~ymiY"h;-lK' ytiªao ha'är>yIl. !Wdøm.l.yI rv,’a] yr"_b'D>-ta,

`!Wd)Mel;y> ~h,ÞynEB.-ta,w> hm'êd"a]h'ä-l[; ‘~yYIx;

O dia em que estiveste perante o SENHOR teu Deus em Horebe, quando o SENHOR me

disse: Ajunta-me este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, e aprendê-las-ão, para

me temerem todos os dias que na terra viverem, e as ensinarão a seus filhos...

Uma expressão recorrente no livro do Deuteronômio é ‘~ymiY"h;-lK' todos os

dias.

29

Idem. p. 221-232. 30

Idem. p. 226.

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A ideia de totalidade se repete nessa fórmula e também em outras como por

exemplo: laeêr"f.yI-lK la, “para todo Israel”, ~yQIåxuh;-lK' “todos os estatutos”, ^yY<+x;

ymeäy> lKoß todos os dias as tua vida, etc.

4,13:

‘~k,t.a, hW"Üci rv,’a] AtªyrIB.-ta, ~k,øl' dGE“Y:w:

`~ynI)b'a] tAxïlu ynEßv.-l[; ~beêT.k.YIw:) ~yrI+b'D>h; tr<f,Þ[] tAfê[]l;

Então vos anunciou ele a sua aliança que vos ordenou cumprir, os dez mandamentos, e

os escreveu em duas tábuas de pedra.

Uma palavra importante na teologia do deuteronomista é a palavra aliança. No

versículo acima ela aparece acompanhada pelo sinal do objeto direto AtªyrIB.-ta “a

sua aliança”.

É importante considerarmos nesse passo a passo da nossa leitura do

Deuteronômio alguns fatores: Conforme podemos perceber as expressões vão

crescendo, digo, as palavras que aparecem de forma mais recorrentes. Elas foram

“aparecendo aos poucos”, como uma semente que vai crescendo, se desenvolvendo,

criando forma, raízes, tronco e assim por diante. Não estamos afirmando que tais

palavras são muitas, pelo contrário, vamos recordar mais uma vez que falamos de

expressões-chave, e palavras recorrentes que vão sempre orbitando. Esse fator

primeiramente deixa entender que o livro não foi escrito da noite para o dia, antes

passou por um longo processo de desenvolvimento até chegar em sua forma final.

Quando pensamos em forma final também consideramos a hipótese de que, o

deuteronomista organizou, foi reunindo as expressões unificando-as, formando um

grupo de palavras talvez já existentes em documentos antigos ou não. Mas de qualquer

forma percebemos que o Deuteronômio ajunta, unifica entorno de um centro várias

tradições.

4,14:

dMeäl;l. awhiêh; t[eäB' ‘hw"hy> hW"Üci ytiúaow>

~T,²a; rv<ïa] #r<a'§B' ~t'êao ~k,ät.fo[]l; ~yji_P'v.miW ~yQIßxu ~k,êt.a,

`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o

Também o SENHOR me ordenou ao mesmo tempo que vos ensinasse estatutos e juízos,

para que os cumprísseis na terra a qual passais a possuir.

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A referência aos estatutos e ordenanças faz o povo relembrar a experiência do

Êxodo. YHWH fez conhecidas suas palavras ao seu povo, no entanto não se revelou em

forma física. Entendemos que através das fórmulas que se apresentam costuradas aos

eventos do passado YHWH queria instruir Israel acerca da impossibilidade de Deus ser

representado fisicamente. Através desses ensinamentos YHWH queria separar Israel dos

cananeus. A forma com que YHWH se apresentou, ou se manifestou a Israel era algo

que o mesmo jamais poderia deixar cair no esquecimento, por isso o deuteronomista se

utiliza de recursos retóricos, de fórmulas fxas recorrentes na narração.

As leis no decorrer do livro vão sendo descritas, mas algumas tradições ligadas à

eventos históricos estão sempre sendo rememoradas juntamente com as fórmulas

exortativas que reclamam, que advertem os destinatários no tocante à audição concreta,

obediente.

4,15: ~k,_ytevop.n:l. daoßm. ~T,îr>m;v.nIw>

Guardai, pois, com diligência as vossas almas... A audição concreta vinculada à decisão obediente da guarda dos mandamentos

às vezes parece junto com o termo antropológico néfesh. Nesse caso a palavra é dirigida

à sede dos anseios e desejos. Às vezes o termo é compreendido como “cobiça”, e nesse

caso o deuteronomista adverte os seus destinatários no tocante a esse aspecto da vida

humana. A sede dos anseios e desejos não deve se voltar às práticas cananéias. Por isso

o deuteronomista recorre a esses recursos antropológicos no intuito de alertar os seus

destinatários, conforme prossegue no verso mencionado a seguir:

4,29:

`^v<)p.n:-lk'b.W ^ßb.b'l.-lk'B. WNv,êr>d>ti yKiä...

...quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma

Neste verso o deuteronomista utiliza o vocábulo néfesh juntamente, em paralelo

com o vocábulo lev, palavra comumente traduzida por coração. Nesse caso é obvio que

a recitação dos termos antropológicos de forma paralela deixa entender que o

deuteronomista se refere a setores distintos da vida humana. Com mais afinco

analisaremos o vocábulo lev nos capítulos 2 e 3.

No decorrer de sua narração o deuteronomista agora, mais uma vez, lembra

Israel de que o mesmo não viu YHWH mas ouviu a sua voz, do meio do fogo. Podemos

entender que a insistência do deuteronomista na utilização da fórmula recorrente tem

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por objetivo lembrar Israel acerca dos estatutos referentes à proibição de imagens e

representações:

4,36:

%ATïmi T'[.m;Þv' wyr"îb'd>W

`vae(h'

...e ouviste as suas palavras do meio do fogo.

4,39:

è^b,b'l.-la, ét'boveh]w: ~AY©h; T'ä[.d:y"w>

Por isso hoje saberás, e refletirás no teu coração...

Para o deuteronomista o coração é a sede dos pensamentos, da reflexão, da

memória. Nesse caso utiliza-se da expressão ét'boveh]w e refletirás, e pensarás, da raiz

hachav, pensar, que no caso seria “pensar no coração”.

O coração é um setor da vida humana considerado central na teologia

deuteronomista.

4,40:

rv,’a] wyt'ªwOc.mi-ta,w> wyQ"åxu-ta, T'úr>m;v'w>

![;m;’l.W ^yr<_x]a; ^yn<ßb'l.W ^êl. bj;äyyI ‘rv,a] ~AYëh; ‘^W>c;m. ykiÛnOa'

^ßl. !tEïnO ^yh,²l{a/ hw"ôhy> rv,’a] hm'êd"a]h'ä-l[; ‘~ymiy" %yrIÜa]T;

`~ymi(Y"h;-lK'

E guardarás os seus estatutos e os seus mandamentos, que te ordeno hoje para que te

vá bem a ti, e a teus filhos depois de ti, e para que prolongues os dias na terra que o

SENHOR teu Deus te dá para todo o sempre.

As palavras-chave em destaque são recorrentes, permanecem orbitando em torno

das molduras que abrangem os blocos e as perícopes do Dt. Elas se relacionam entre si

às vezes relacionadas com termos antropológicos, inclusive lev, que é o objeto de nossa

análise.

Justificando aqui a utilização de palavras chave no DT. São palavras que

aparecem de reforma recorrente, estatutos, juízos, mandamentos, preceitos, concerto,

palavras, terra, lev "coração", "guardar", davar, devarim, palavras. Elas ficam

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"orbitando" no decorrer do livro sendo inseridas de forma gradual e permanecem

sempre entorno daquilo que é central... Ouve Israel!

5,1:

rm,aYOæw: èlaer"f.yI-lK'-la, éhv,mo ar"äq.YIw:

yki²nOa' rv<ôa] ~yjiêP'v.Mih;-ta,w> ~yQIåxuh;-ta, ‘laer"f.yI [m;Ûv. ~h,ªlea]

`~t'(fo[]l; ~T,Þr>m;v.W ~t'êao ~T,äd>m;l.W ~AY=h; ~k,ÞynEz>a'B. rbEïDo

E chamou Moisés a todo o Israel, e disse-lhes: Ouve, ó Israel, os estatutos e juízos que

hoje vos falo aos ouvidos; e aprendê-los-eis, e guardá-los-eis, para os cumprir. Não

com nossos pais fez o SENHOR esta aliança, mas conosco, todos os que hoje aqui

estamos vivos.

5,3:

tyrIåB.h;-ta, hw"ßhy> tr:îK' Wnyteêboa]-ta, al{å

`~yYI)x; WnL'îKu ~AYàh; hpo± hL,aeî Wnx.n:“a] WnT'ªai yKiä taZO=h;

Não com nossos pais fez o SENHOR esta aliança, mas conosco, todos os que hoje aqui

estamos vivos;

As palavras da aliança são agora vistas com ênfase na expressão ~AYàh; muito

recorrente no livro do Deuteronômio. Israel hoje é interpelado a acatar a aliança. O

deuteronomista dá ênfase para o hayom mas sempre articulando o hoje com os eventos

históricos-salvíficos e tradicionais do passado. O deuteronomista quer que Israel faça

uma aliança hoje, porém sempre remomorando os feitos de YHWH no passado. Assim

com YHWH foi com Israel no passado, será no presente. Israel agora deverá guardar a

aliança, os mandamentos para que tenha um futuro promissor na boa terra que YHWH

jurou vos dar por herança.

5,22:

hw"“hy> •rB,DI hL,ae‡h' ~yrIåb'D>h;-ta,(

Estas palavras falou o SENHOR...

A expressão ~yrIåb'D>h é de suma importância, pois é o título do livro devarim,

“palavras”. Essa fórmula que o deuteronomista utiliza para intitulação do livro ocorre

conforme vimos no início do capítulo 1 como encabeçando a seção. Ela foi dirigida a

todo o Israel e de forma recorrente aparece no livro. O redator aqui nesse caso utiliza da

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forma referindo-se à YHWH como o autor das palavras. No início do livro a expressão

ocorre com referência a Moisés, porém o mesmo como porta-voz de YHWH.

No texto abaixo as palavras são colocadas na boca de YHWH pelo

deuteronomista que procura atingir os seus destinatários. O narrador expressa o seu

desejo, o seu projeto centralizador e unificado com a noção de totalidade articulada com

expressões referentes à guarda dos mandamentos. Reclama, reivindica a entrega total do

lev e os desdobramentos de tal entrega no cotidiano, através da expressão ~ymi_Y"h;-lK'

todos os dias:

5,29:

ha'îr>yIl. ~h,ªl' hz<÷ ~b'’b'l. •hy"h'w> !Te‡yI-ymi(

~ymi_Y"h;-lK' yt;ÞwOc.mi-lK'-ta, rmoðv.liw> yti²ao

Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem, e guardassem todos os

meus mandamentos todos os dias...

5,31:

^yl,ªae hr"äB.d:a]w: èydIM'[i dmoå[] éhPo hT'ªa;w>

Wfå['w> ~dE_M.l;T. rv<åa] ~yjiÞP'v.Mih;w> ~yQIïxuh;w> hw"±c.Mih;-lK' taeó

`HT'(v.rIl. ~h,Þl' !tEïnO yki²nOa' rv<ôa] #r<a'êb'

Tu, porém, fica-te aqui comigo, para que eu a ti te diga todos os mandamentos, e

estatutos, e juízos, que tu lhes hás de ensinar, para que cumpram na terra que eu lhes

darei para possuí-la.

O citado estilo deuteronomico caracterizado

pela infatigável repetição de fórmulas típicas, é

do princípio ao fim uma interprelação que

exorta, reclama o compromisso e conjura

afetuosamente. Do ponto de vista de sua forma

é a única pregação de despedida de Moisés a

Israel. Supõe a seguinte situação: Israel no

Sinai, chamado Horebe no Deuteronomio, só

recebeu o Decálogo, mas Moisés recebeu

muito mais de Javé, recebeu “toda a lei” (kol

hammitzvâh Dt 5,31) para cuja recepção Israel

não estava preparado pois não podia mais

escutar Javé. Mas a revelação completa divina

foi revelada na terra de Moab por Moisés antes

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de sua morte, vistp que só deveria entrar em

rigor como regra de vida depois que o povo

entrasse na terra de Canaã (Dt 4,45; 5,27;

31,9). O próprio Dt se considera uma revelação

sinaítica ampliada. Só num apendice posterior

desliga-se um pouco dos acontecimentos do

Sinai imaginando uma aliança na terra de

Moabe (Dt 28,69). Mas mesmo sobre esse

aspecto é a revelação de Javé a Moisés sobre o

Sinai.31

No tocante à expressão acima utilizada por Von Rad, a saber “repetição de

fórmulas”, atentemos para o detalhe observado pelo mesmo acerca da expressão kol

hamitzvâh, a saber, “todos os mandamentos” hw"±c.Mih;-lK' juntamente com as

palavras-chave muito recorrentes: ~yjiÞP'v.Mih;w> ~yQIïxuh;w> e os estatutos e os juízos,

ligadas ao lK' todo, vocábulo este que marca presença muito forte na teologia

deuteronomista, pois refere-se à totalidade, um dos pontos centrais da teologia do

Deuteronômio.

5,33:

~k,²yhel{a/ hw"ôhy> hW"÷ci rv,’a] %r<D<ªh;-lk'B.

~ymiêy" ~T,äk.r:a]h;w> ~k,êl' bAjåw> ‘!Wyx.Ti( ![;m;Ûl. Wkle_Te ~k,Þt.a,

`!Wv)r"yTi( rv<ïa] #r<a'ÞB'

Andareis em todo o caminho que vos manda o SENHOR vosso Deus, para que vivais e

bem vos suceda, e prolongueis os dias na terra que haveis de possuir.

As palavras-chave como mandamento, estatuto, juízo e as parêneses acerca da

obediência seguem estabelecendo uma relação de proximidade com o tema da terra.

Conforme falamos anteriormente o deuteronomista descreve a posse da terra como

dádiva, mas dádiva sempre acompanhada, seguida da exortação no tocante à guarda dos

estatutos e juízos de YHWH. Isso poderemos notar em várias passagens, como por

exemplo os versos 17-18 à seguir:

6,17a:

hw"åhy> twOàc.mi-ta, !Wrêm.v.Ti rAmæv'

31

Idem. p. 222.

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Diligentemente guardareis os mandamentos do SENHOR...

6,17b

`%W")ci rv<ïa] wyQ"ßxuw> wyt'îdo[ew>

...os seus testemunhos e seus estatutos, que te tem mandado.

6,18:

‘![;m;’l. hw"+hy> ynEåy[eB. bAJßh;w> rv"ïY"h; t'yfi²['w>

hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] hb'êJoh; #r<a'äh'-ta, ‘T'v.r;y")w> t'ab'ªW %l'ê bj;yyIå

`^yt,(boa]l;

E farás o que é reto e bom aos olhos do SENHOR, para que bem te suceda, e entres, e

possuas a boa terra, sobre a qual o SENHOR jurou a teus pais;

O deuteronomista nessa passagem traz a parênese da exortação seguida de uma

qualidade que acompanha a terra, a saber hb'êJoh; #r<a'äh'-ta a terra boa. A expressão

ocorre muitas vezes para que Israel recorde das dificuldades de outrora. O Egito é

descrito pelo deuteronomista como casa dos escravos, o deserto como lugar terrível,

mas a Canaã é descrita como hb'êJoh; #r<a'äh'-ta terra boa.

O narrador se utiliza destes contrastes a fim de atingir, influenciar na decisão dos

destinatários por YHWH. Os destinatários do deuteronomista tinham que ter

consciência do passado, mas precisavam no presente olhar para o futuro promissor na

terra boa que fora prometida aos pais. Para o deuteronomista a única forma de Israel

adentrar na terra boa, terra essa completamente distinta da casa da servidão e do deserto

terrível é pelo viés da observância, da guarda diligente dos mandamentos.

Nestas passagens podemos perceber como o encadeamento das palavras-chave

pressupõe intenções teológicas no pensamento do narrador. Egito, deserto,

mandamentos, estatutos, juízos, ordenanças, terra boa, passado, presente, fututo estão

sempre em relação. YHWH é senhor de todas as coisas, inclusive do tempo.

6,20:

tdoª[eh' hm'ä rmo=ale rx"ßm' ±n>bi ^ïl.a'v.yI-yKi(

`~k,(t.a, WnyheÞl{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa] ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;(w>

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Quando teu filho te perguntar, pelo tempo adiante, dizendo: Quais são os testemunhos,

e estatutos, e juízos que o SENHOR, nosso Deus, vos ordenou?

A resposta à pergunta dos filhos se volta para a relação entre mandamentos e

êxodo. A libertação da condição de escravos é o pré-requisito para a obediência, por

outro lado, guardar os mandamentos, estatutos e juízos implica em liberdade, e

qualidade de vida, conforme observa Frank Crüsemann:32

O Deuteronômio é dirigido a proprietários de

terra livres, e o tempo todo pressupõe sua

liberdade efetiva e real. Isto acontece, por um

lado, no discurso de Moisés depois da libertação

do Egito. Mas é também, sistemática e

explicitamente a pressuposição e o sentido de

todas as leis. Isso fica claro especialmente em Dt

6,20, um texto que segue o shemá Israel

fundamental (6,4) com sua ênfase na unidade de

Deus com a qual todas as forças humanas devem

estar relacionadas.33

6,24:

~yQIåxuh;-lK'-ta, ‘tAf[]l; hw"©hy> WnWEåc;y>w:

~ymiêY"h;-lK' ‘Wnl'’ bAjïl. Wnyhe_l{a/ hw"åhy>-ta, ha'Þr>yIl. hL,aeêh'

`hZ<)h; ~AYðh;K. WnteÞYOx;l.

E o SENHOR nos ordenou que fizéssemos todos estes estatutos, para temermos ao

SENHOR, nosso Deus, para o nosso perpétuo bem, para nos guardar em vida, como no

dia de hoje.

O narrador utilza-se de inúmeras vezes da expressão ~yQIåxuh;-lK'-ta, ‘tAf[]l

para fazer todos os estatutos...O leitor poderá perceber que o deuteronomista associa tal

reivindicação expressa na noção de totalidade conforme já abordamos no decorrer do

trabalho com a noção de recompensa através da expressão ~ymiêY"h;-lK' ‘Wnl'’ bAjïl.

para o nosso bem todos os dias... Até mesmo a vida é colocada dentro desta cadeia de

expressões como recompensa da obediência às ordenanças e estatutos.

6,25:

32

CRÜSEMANN, Frank. A Torá. Teologia e História Social da Lei do Antigo Testamento. Editora

Vozes, São Paulo. 2002, 599 p. 33

CRÜSEMANN, Frank. 2002, p. 307.

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tAfø[]l; rmo’v.nI-yKi( WnL'_-hy<h.Ti( hq"ßd"c.W

`WnW")ci rv<ïa]K; WnyheÞl{a/ hw"ïhy> ynE±p.li taZO©h; hw"åc.Mih;-lK'-ta,

E será para nós justiça, quando tivermos cuidado de fazer todos estes mandamentos

perante o SENHOR, nosso Deus, como nos tem ordenado.

Através da expressão recorrente hw"åc.Mih;-lK'-ta, tAfø[]l para fazer todos os

mandamentos, ordenanças, o deuteronomista associa promete em nome de YHWH que

a justiça será estabelecida na vida do israelita obediente.

Quanto a essa teologia deuteronomista muito baseada na relação causa-efeito

nós não entraremos no mérito da questão. Achamos conveniente nos ater às

características literárias, as questões de estilo do narrador. Queremos através dessa

análise apenas fazer ressalva aquilo que identificamos como relevante para o redator. É

certo que o deuteronomista traz consigo algumas premissas, alguns interesses

particulares de cunho político e ideológico, porém que não serão abordados aqui.

Entendemos a questão da teologia deuteronomista muito baseada na relação causa-efeito

já resolvida do ponto de vista de uma análise canônica, ou seja, embasada na leitura de

outros livros da Bíblia Hebraica. O que nos interessa aqui é a investigação das palavras-

chave recorrentes na redação deuteronomista para uma melhor compreensão do projeto

deuteronômico. O deuteronomista continua utilizando destas reivindicações

relacionadas à guarda de todos os mandamentos implementados por seu projeto:

7,11

~yQIåxuh;¥-ta,w> hw"÷c.Mih;-ta, T'’r>m;v'w>

`~t'(Af[]l; ~AYàh; ^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] ~yjiªP'v.Mih;-ta,w>

Guarda, pois, os mandamentos, e os estatutos, e os juízos que hoje te mando fazer.

8,1:

~AYàh; ±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hw"©c.Mih;-lK'

~T,äv.rIywI) ‘~t,ab'W ~t,ªybir>W !Wy÷x.Ti( ![;m;’l. tAf+[]l; !Wråm.v.Ti

`~k,(yteboa]l; hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta,

Todos os mandamentos que hoje vos ordeno guardareis para os fazer, para que vivais,

e vos multipliqueis, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR jurou a vossos pais.

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O projeto deeuteronômico é legitimado pelo redator deuteronomista utilizando o

nome YHWH ou às vezes utilizando a expressão ^yh,_l{a/ hw"åhy> conforme segue abaixo

um exemplo:

8,6:

tk,l,îl' ^yh,_l{a/ hw"åhy> twOàc.mi-ta, T'êr>m;v'äw>

`At*ao ha'îr>yIl.W wyk'Þr"d>Bi

E guarda os mandamentos do SENHOR, teu Deus, para o temeres e andares nos seus

caminhos.

8,11:

^yh,_l{a/ hw"åhy>-ta, xK;Þv.Ti-!P, ^êl. rm,V'ähi

^ßW>c;m. ykiînOa' rv<±a] wyt'êQoxuw> wyj'äP'v.miW ‘wyt'wOc.mi rmoÝv. yTi’l.bil.

`~AY*h;

Guarda-te para que te não esqueças do SENHOR, teu Deus, não guardando os seus

mandamentos, e os seus juízos, e os seus estatutos, que hoje te ordeno;

Advertencia do versiculo 17 acerca da soberba do coração. Podemos perceber

um enfoque diferente do uso do vocabulo antropológico lev relacionado com os

mandamentos. Nesse caso se trata do orgulho, da altivez do coração que não reconhece

os feitos de Javé.

9,1:

!DEêr>Y:h;-ta, ‘~AYh; rbEÜ[o hT'’a; laeªr"f.yI [m;äv.

tl{ïdoG> ~yrI±[' &'M<+mi ~ymiÞcu[]w: ~yliîdoG> ~yIëAG tv,r<äl' ‘abol'

`~yIm")V'B; troßcub.W

Ouve, ó Israel, hoje, passarás o Jordão, para entrares a possuir nações maiores e mais

fortes do que tu; cidades grandes e muradas até aos céus;

Algumas fórmulas continuam aparecendo de forma recorrente como: Lembra-te,

e não te esqueças (Dt 9.7); E YHWH me disse...(9.12); Falou-me mais YHWH dizendo

(9.13).

10,1:

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hw"åhy> rm:ôa' awhiøh; t[e’B'

Naquele mesmo tempo, me disse o SENHOR:

10,4:

tae… !AvªarIh' bT'äk.MiK; txoøLuh;-l[;( bTo’k.YIw:

vaeÞh' %ATïmi rh"±B' ~k,îylea] hw"“hy> •rB,DI rv<åa] ~yrIêb'D>h; tr<f,ä[]

`yl'(ae hw"ßhy> ~nEïT.YIw: lh'_Q'h; ~AyæB.

Então, escreveu o SENHOR nas tábuas, conforme a primeira escritura, os dez

mandamentos, que o SENHOR vos falara no dia da congregação, no monte, do meio do

fogo; e o SENHOR mas deu a mim.

10,1:

[S;Þm;l. %lEï ~Wq± yl;êae ‘hw"hy> rm,aYOÝw:

~t'Þboa]l; yTi[.B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta, Wvår.yI)w> ‘Wabo’y"w> ~['_h' ynEåp.li

`~h,(l' tteîl'

Porém o SENHOR me disse: Levanta-te, põe-te a caminho diante do povo, para que

entre e possua a terra que jurei a seus pais dar-lhes.

O redator deuteronomista possui uma característica que o torna peculiar. Esta

peculiaridade se encontra no seu vocabulário. Ele sempre retoma as expressões e

palavras-chave que possui em seu acervo. O redator deuteronomista no decorrer do

texto vai tecendo os fios. Ele prossegue costurando-os, às vezes retomando elementos

mencionados outrora, porém de forma mais agrupada conforme o texto abaixo:

10,12:

laeÞvo ^yh,êl{a/ hw"åhy> hm'… laeêr"f.yI ‘hT'[;w>

tk,l,Ûl' ^yh,øl{a/ hw"“hy>-ta, ha'r>yIl.û-~ai yKiä %M"+[ime

^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘dbo[]l;(w> Atêao hb'äh]a;l.W ‘wyk'r"D>-lk'B.

`^v<)p.n:-lk'b.W ßb.b'l.-lk'B.

Agora, pois, ó Israel, que é o que o SENHOR, teu Deus, pede de ti, senão que temas o

SENHOR, teu Deus, e que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao

SENHOR, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma;

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O vocabulário típico deuteronomista permanece retomando elementos outrora

mencionados, mas agora relacionados com outros elementos. A exemplo disso podemos

notar a relação que o redator estabelece acima entre as expressões: “amar”, “servir”,

“andar”, e novamente a noção de totalidade, expressa através do vocábulo kol

aglutinado à palavra “caminho”, wyk'r"D>-lk'B. todos os seus caminhos. Junto com tais

expressões o deuteronomista faz o fechamento da exortação novamente com a ideia de

totalidade expressa nas dimensões corpóreas do ser humano através da seguinte

fórmula: `^v<)p.n:-lk'b.W ^ßb.b'l.-lk'B. de todo o teu coração e com toda a tua vida.

Talvez o estilo do deuteronomista que se utiliza de repetições cause

estranhamento por parte do leitor pelo fato de que, a expressão já fora utilizada pelo

redator na perícope de Dt 6. De fato o deuteronomista já a utilizou, porém não se cansa

de retomá-la no intuito de aconselhar o povo. A maneira com que toma os vocábulos é

um aspecto a ser considerado, pois os retoma de forma mais agrupada, e por motivações

teológicas. Ou seja, em algumas passagens se utiliza desse recurso para dar ênfase

àquilo que está sendo exposto. Outro aspecto que pode ser considerado é uma tentativa

por parte do deuteronomista de fazer com que o texto mantenha um certo padrão de

unidade. Isso porque no desenrolar da narrativa as leis mudam, mas o vocabulário

utilizado nas passagens exortativas permanecem. A relação do ser humano com YHWH

é sempre vista na relação com a guarda dos mandamentos, dos estatutos e juízos. Estes

são muitas vezes colocados como condicionamentos em relação à posse da terra que por

outro lado é considerada dádiva de YHWH. Esta forma de exposição possui esse

aspecto dialético. O Isrelita tem que obedecer, mas obedecendo não pode se esquecer

que era escravo, que YHWH o libertou do Egito. Por isso a preocupação do

deuteronomista no tocante ao “guardar” as ordenanças e mandamentos. O israelita é

convocado a guardar sem se esquecer dos benefícios outrora recebidos:

10,13:

wyt'êQoxu-ta,w> ‘hw"hy> twOÝc.mi-ta, rmoúv.li

`%l") bAjßl. ~AY=h; ^ßW>c;m. ykiînOa' rv<±a]

para guardares os mandamentos do SENHOR e os seus estatutos, que hoje te ordeno,

para o teu bem?

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A insistência na repetição de fórmulas e expressões fixas podem ser uma tentiva

por parte do redator de manter a unidade do livro conforme mencionamos

anteriormente.

O redator agrupou diversas tradições, jurídicas e cultuais no livro do

Deuteronômio e no desvendar dos diversos assuntos ele retoma a importância da

observância do que se tem mencionado. E esse método é sempre motivado por um

interesse teológico, de unificar, de reivindicar o todo do ser humano na sua relação com

Deus e com o próximo. Não podemos nos esquecer que o deuteronomista direciona o

seu discurso a um grupo, ou seja, ele conhece pelo menos parcialmente os seus

destinatários e por motivações próprias desenvolve todo esse afresco esquemático para

instrução das pessoas. Abaixo percebemos a retomada dos elementos do capítulo 6:

11,1:

T'är>m;v'w> ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw>

`~ymi(Y"h;-lK' wyt'ÞwOc.miW wyj'²P'v.miW wyt'óQoxuw> ATªr>m;v.mi

Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, e guardarás a sua observância, e os seus estatutos,

e os seus juízos, e os seus mandamentos, todos os dias.

A preocupação do deuteronomista se volta para a importância da guarda dos

mandamentos e estatutos ~ymi(Y"h;-lK' todos os dias. Esse alerta, essa preocupação não é

em vão. Israel andou por algum tempo afastado dessa unidade reivindicada pelo redator

que agora insiste com ela. A ênfase dada a expressão “todos os dias” tem suas razões na

história, de um povo que por muitas vezes não deu conta de perseverar, de permanecer

na observância de “tudo” que YHWH havia ordenado. Por isso agora o tempo “todo”

YHWH interpretado pelo deuteronomista pede às pessoas a totalidade, a unidade, a

veneração ao único num único lugar, com um só lev indivisível, com uma só néfesh,

com todas as posses, num lugar único o qual seria escolhido por YHWH. Conforme

vemos abaixo a tradição do êxodo aparece com ênfase na redação. Isso porque a

reivindicação por parte de YHWH não quer ser legalista. As exortações querem lembrar

os israelitas que o ponto de partida é o amor de YHWH para com Israel, ainda que haja

um condicionamento em relação à posse da terra o que sobrepões a tudo isso é a grande

oferta da salvação. Os númerosos imperativos são explicações do mandamento do amor

por YHWH e de apego exclusivo a ele.

11,2:

rv<Üa] ~k,ªynEB.-ta, al{å ŸyKiä è~AYh; é~T,[.d:ywI)

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~k,_yhel{a/ hw"åhy> rs:ßWm-ta, Waêr"-al{ rv<åa]w: ‘W[d>y"-al{)

`hy")WjN>h; A[ßroz>W hq'êz"x]h; ‘Ady"-ta, Al§d>G"-ta,

E hoje sabereis que falo, não com vossos filhos, que o não sabem e não viram a

instrução do SENHOR, vosso Deus, a sua grandeza, a sua mão forte, e o seu braço

estendido;

11,8:

ykiînOa' rv<±a] hw"ëc.Mih;-lK'-ta, ‘~T,r>m;v.W

rv<ïa] #r<a'êh'-ta, ~T,äv.rIywI) ‘~t,ab'W Wqªz>x,T, ![;m;äl. ~AY=h; ßW>c;m.

`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o ~T,²a;

Guardai, pois, todos os mandamentos que eu vos ordeno hoje, para que vos esforceis, e

entreis, e possuais a terra que passais a possuir;

11,9:

rv,a] hm'êd"a]h'ä-l[; ‘~ymiy" WkyrIÜa]T; ![;m;’l.W

bl'Þx' tb;îz" #r<a,² ~['_r>z:l.W ~h,Þl' tteîl' ~k,²yteboa]l; hw"ôhy> [B;’v.nI

s `vb'(d>W

.e para que prolongueis os dias na terra que o SENHOR jurou a vossos pais dá-la a

eles e à sua semente, terra que mana leite e mel.

11,13:

rv<ôa] yt;êwOc.mi-la, ‘W[m.v.Ti [:moÜv'-~ai hy"©h'w>

‘~k,yhel{)a/ hw"Ühy>-ta, hb'úh]a;l. ~AY=h; ~k,Þt.a, hW<ïc;m. yki²nOa'

`~k,(v.p.n:-lk'b.W ~k,Þb.b;l.-lk'B. Adêb.['l.W

E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje te ordeno, de

amar o SENHOR, teu Deus, e de o servir de todo o teu coração e de toda a tua alma.

11,14:

hr<äAy ATß[iB. ~k,²c.r>a;-rj:)m. yTiót;n"w>

`^r<)h'c.yIw> ^ßv.royti(w> ^n<ëg"d> T'äp.s;a'w> vAq+l.m;W

Então, darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que

recolhas o teu cereal, e o teu mosto, e o teu azeite.

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11,18:

~k,Þb.b;l.-l[; hL,aeê yr:äb'D>-ta, ‘~T,m.f;w>

tpoßj'Ajl. Wyðh'w> ~k,êd>y<-l[; ‘tAal. ~t'Ûao ~T,’r>v;q.W ~k,_v.p.n:-l[;(w>

`~k,(ynEy[e !yBeî

Ponde, pois, estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma, e atai-as por

sinal na vossa mão, para que estejam por testeiras entre os vossos olhos;

11,20:

`^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tAzðWzm.-l[; ~T'²b.t;k.W

e escreve-as nos umbrais de tua casa e nas tuas

portas,

11,22:

hw"åc.Mih;-lK'-ta, !Wrøm.v.Ti rmo’v'-~ai •yKi

hw"ôhy>-ta, hb'úh]a;l. Ht'_fo[]l; ~k,Þt.a, hW<ïc;m. yki²nOa' rv<ôa] taZO©h;

`Ab*-hq'b.d"l.W wyk'Þr"D>-lk'B. tk,l,îl' ~k,²yhel{a/

Porque, se diligentemente guardardes todos estes mandamentos que vos ordeno para os

guardardes, amando o SENHOR, vosso Deus, andando em todos os seus caminhos, e a

ele vos achegardes,

De agora em diante iremos apenas fazer algumas resslavas de assuntos

recorrentes e importantes de forma mais resumida, visto que nessa análise delimitamos

a nossa pesquisa nos atendo aos capítulos que abrangem a estrutura de 1-11 por conta da

necessidade de limitarmos a averiguação para não incorrermos num projeto muito

amplo sem profundidade.

Agora se inicia o bloco de textos denominado Código Deuteronômico. O leitor

poderá notar que o deuteronomista encabeça o código agrupando várias palavras-chave

mencionadas em nossa leitura anteriormente. O redator reúne as expressões no verso

que dá abertura à seção para desenrolar os assuntos posteriores:

12,1:

!Wråm.v.Ti rv<åa] é~yjiP'v.Mih;w> ~yQIåxuh;¥ hL,aeû

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HT'_v.rIl. ßl. ^yt,²boa] yheól{a/ hw"÷hy> !t;’n" •rv,a] #r<a'§B' ètAf[]l;

`hm'(d"a]h'-l[; ~yYIßx; ~T,îa;-rv,a] ~ymiêY"h;-lK'

Estes são os estatutos e os juízos que tereis cuidado em fazer na terra que vos deu o

SENHOR, Deus de vossos pais, para a possuirdes todos os dias que viverdes sobre a

terra.

Podemos notar o encadeamento utilizado pelo deuteronomista de início, no

bloco denominado de Código Deuteronômico. Pelo menos sete expressões-chave se

encontram aqui no início do capítulo 12 conforme listamos abaixo:

1. ~yQIåxuh;¥ os estatutos

2. ~yjiP'v.Mih;w e os juízos

3. !Wråm.v.Ti tereis cuidado(guardareis)

4. ètAf[]l em fazer, para fazer

5. #r<a'§B' na terra

6. ^yt,²boa] yheól{a/ hw"÷hy> SENHOR, Deus de vossos pais

7. ~ymiêY"h;-lK' todos os dias

No inicio do Código Deuteronômico

se encontra a exigência de um lugar

de culto unificado (Dt 12). Todos os

sacrífícios, ofertas devem de culto

devem ser trazidos para o único

santuário, aquele lugar que YHWH

escolheu. Esta é sem dúvida, uma das

intervenções mais profundas na

história do culto israelita, com

consequências incalculáveis. A

libertação do abate profano, a

separação de culto e religião e, com

isto, a forma de judaísmo e

cristianismo, tudo parte daqui.34

Conforme observamos acima Israel deveria ser unificado nas questões cultuais.

A guarda dos mandamentos no que se refere à advertecia do início do capítulo 12 reflete

esta ideia. Estes mandamentos estão sob a mira, o foco do centro do deuteronômio 6,4

que reinvindica de Israel o amor de todo o lev coração, isto é, YHWH requer sempre a

34

Idem. p. 311.

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totalidade, e nesse caso observamos os desdobramentos, ou mehor, a “extensão”, os

ramos do tronco que é o shemá inclusive na prática cultual. O culto deveria ser apenas

um, centralizado. Vejamos o que diz Crüsemann a esse respeito:

A centralização do culto é a forma

que o Deuteronômio dá ao

primeiro mandamento. É verdade

que a unidade de culto nunca é

justificada diretamente pela

unidade de Deus. Mesmo assim,

não se pode duvidar da conexão; a

questão só é como ela deve ser

vista. A fórmula de Dt 6,4: YHWH

nosso Deus é o único YHWH, em

sua indeterminação e

multiplicidade de sentido

gramatical e de conteúdo, entre

outras coisas, também pode ser

entendida como defesa contra o

polijavismo, como é comprovado

em fórmulas como “YHWH de

Dã”, “YHWH de Temã”, e

“YHWH de Samaria”. O único

YHWH está somente ligado ao

único santuário.35

A obediência aos mandamentos no Deuteronômio é um dos pré-requisitos para a

bênção. Mais uma vez podemos notar a intercalação de exortações e mandamentos

divinos. Isso é bem característico do narrador deuteronomista. Israel irá bem na terra

que YHWH jurou aos pais, desde que guarde, e ouça e faça conforme todas as palavras

que YHWH ordenou:

12,28:

hL,aeêh' ~yrIåb'D>h;-lK' tae… T'ª[.m;v'w> rmoæv.

Guarda e ouve todas estas palavras

13,18:

‘rmov.li ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘lAqB. [m;ªv.ti yKiä

rv'êY"h; ‘tAf[]l; ~AY=h; ^ßW>c;m. ykiînOa' rv<±a] wyt'êwOc.mi-lK'-ta,

`^yh,(l{a/ hw"ïhy> ynEßy[eB.

35

Idem. 311-312.

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Quando ouvires a voz do SENHOR, teu Deus, para guardares todos os seus

mandamentos, que hoje te ordeno, para fazeres o que for reto aos olhos do SENHOR,

teu Deus.

As exortações voltam constantemente ao tema da separação entre Israel e os

outros povos. Esta exigência é formulada nas leis (Dt 13,2-6; 9-12; 13-19; 17,2-7; 18,9-

13).

15,5:

hw"åhy> lAqßB. [m;êv.Ti [;Amåv'-~ai qr:…

ykiînOa' rv<±a] taZOëh; hw"åc.Mih;-lK'-ta, ‘tAf[]l; rmoÝv.li ^yh,_l{a/

`~AY*h; ^ßW>c;m.

Se somente ouvires diligentemente a voz do SENHOR, teu Deus, para cuidares em fazer

todos estes mandamentos que hoje te ordeno;

15,15:

~yIr:êc.mi #r<a,äB. ‘t'yyI’h' db,[,Û yKiä T'ªr>k;z"w>

hZ<ßh; rb"ïD"h;-ta, ±W>c;m. ykiónOa' !Keú-l[; ^yh,_l{a/ hw"åhy> ßD>p.YIw:)

`~AY*h;

E lembrar-te-às que foste servo na terrado Egito, e de que o Senhor teu Deus te

resgatou, pelo que te ordeno esta coisa hoje.

O fato de que os mandamentos

deuteronômicos se aplicam aos que foram

libertados no êxodo é retomado no livro

em muitas passagens e contextos bem

diferentes. No Código da Aliança

recordava-se a condição de estrangeiros

no Egito (Ex 22,20; 23,9). Agora o

enfoque está sempre em acabar com a

condição de escravos. Este é o argumento

nas leis sobre a escravidão ou para

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proteção de estrangeiros e fracos (Dt

15,15).36

16,18:

^yr<ê['v.-lk'B. ‘^l.-!T,Ti( ~yrIªj.vo)w> ~yjiäp.vo

~['Þh'-ta, Wjïp.v'w> ^yj,_b'v.li ^ßl. !tEïnO ^yh,²l{a/ hw "ôhy> rv,’a]

`qd<c,(-jP;v.mi

Juízes e oficiais porás em todas as tuas portas que o SENHOR, teu Deus, te der entre as

tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça.

16,19:

~ynI+P' ryKiÞt; al{ï jP'êv.mi hJ,ät;-al{

yrEîb.DI @LEßs;ywI) ~ymiêk'x] ynEåy[e ‘rWE[;y> dx;Voªh; yKiä dx;voê xQ:åti-al{w>

`~qI)yDIc;

Não torcerás o juízo, não farás acepção de pessoas, nem tomarás suborno, porquanto o

suborno cega os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos.

16,20:

T'äv.r:y"w> ‘hy<x.Ti( ![;m;Ûl. @Do=r>Ti qd<c,Þ qd<c,î

`%l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] #r<a'êh'-ta,

A justiça, somente a justiça seguirás, para que vivas e possuas em herança a terra que

te dará o SENHOR, teu Deus.

O projeto do deuteronomista deveria ser comprido à risca. Os vocábulos e

expressões chaves são utilizados no verso abaixo pelo narrador pressupondo um

modelo, um projeto, um trabalho prévio, um planejamento. Tudo deveria ser feito

conforme a administração oficial solicitava:

17,11:

^WrªAy rv<åa] hr"øATh; yPi’-l[;

rb"±D"h;-!mi rWsªt' al{å hf,_[]T; ^ßl. Wrïm.ayO-rv,a] jP'²v.Mih;-l[;w>

`lamo)f.W !ymiîy" ^ßl. Wd)yGIïy:-rv,a] 36

Idem. p. 307-308.

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Conforme o mandado da lei que te ensinarem e conforme o juízo que te disserem, farás;

da palavra que te anunciarem te não desviarás, nem para a direita nem para a

esquerda.

As palavras-chave aparecem às vezes acompanhadas pela preposição l[;

“conforme”. A expressão hr"øATh; yPi’-l[; e também a expressão jP'²v.Mih;-l[;w>

legitimam a afirmação de que havia uma administração, uma elite, um grupo oficial que

regia a lei seguida de prescrições pautadas na teologia deuteronomista e na fé javista.

Abaixo o deuteronomista com sua proposta de reforma dirige sua admoestação ao rei. O

redator sabe dos riscos e das limitações de um governo humano. Por isso ele se utiliza

das mesmas expressões e advertências.

O rei para o deuteronomista deveria exercer o seu regime com os pressupostos

do Código Deuteronômico. Para o deuteronomista a noção de totalidade que era

reivindicada do povo era também cobrada dos reis. Não poderia haver distorção no

juízo. A lei como um todo era válida para todos. O Deuteronomista deixa nítido que o

rei deveria agradar à YHWH, o Deus único do Dt 6:

17,19:

wyY"+x; ymeäy>-lK' Abß ar"q"ïw> AMê[i ht'äy>h'w>

yrEúb.DI-lK'-ta,( rmov.liû wyh'êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘ha'r>yIl. dm;ªl.yI ![;m;äl.

`~t'(fo[]l; hL,aeÞh' ~yQIïxuh;-ta,w> taZO°h; hr"îATh;

E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer ao

SENHOR, seu Deus, para guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para

fazê-los.

O leitor poderá notar que o rei deveria guardar hr"îATh; yrEúb.DI-lK'-ta,( rmov.liû

“todas as palavras desta lei”... E no verso a seguir ocorre o lev do Dt 6 para

advertência ao rei no tocante au cuidado com a lei:

17,20:

rWsï yTi²l.bil.W wyx'êa,me( ‘Abb'l.-~Wr yTiÛl.bil.

AT±k.l;m.m;-l[; ~ymióy" %yrI’a]y: •![;m;l. lwamo+f.W !ymiäy" hw"ßc.Mih;-!mi

`lae(r"f.yI br<q<ïB. wyn"ßb'W aWhï

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Para que o seu coração não se levante sobre os seus irmãos e não se aparte do

mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; para que prolongue os dias no

seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel.

18,19:

yr:êb'D>-la, ‘[m;v.yI-al{) rv<Üa] ‘vyaih' hy"©h'w>

`AM*[ime vroïd>a, ykiÞnOa' ymi_v.Bi rBEßd:y> rv<ïa]

E será que qualquer que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, eu

o requererei dele.

Na expressão acima o redator deuteronomista recorre à ameaça. Conforme

abordamos anteriormente quando apresentamos a moldura e formação do livro, tais

pressupostos tinham como base os tratados seculares de susserania. Outras passagens

que fazem menção de palavras recorrentes mencionadas anteriormente são: 27,1,3,10;

28,9,13; 29,1,9; 30,14,16; 31,12; 32,1,2, etc.

5.1. Resumo: Uma breve síntese das palavras-chave e

expressões recorrentes:

M. Weinfeld,37

tem sido um dos autores que preparou uma lista com o objetivo

de caracterizar o vocabulário do deuteronomista no livro do Deuteronômio e suas

respectivas expressões recorrentes. Com o auxílio do referido autor apresentamos esta

síntese que nos servirá como um resumo dos assuntos tratados nessa parte.

Abaixo segue a lista de palavras e expressões uitlizadas pelo narrador

deuteronomista:

1. Ouve Israel! (5,1; 6,4; 9,1; 20,3). ex: 6,4: lae_r"f.yI [m;Þv.

2. Servir a YHWH (6,13; 10,12; etc). ex: 10,12: ^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘dbo[]l;(w>

3. Temer a YHWH (5,29) : yt;ÞwOc.mi-lK'-ta, rmoðv.liw> yti²ao ha'îr>yIl.

4. Apegar-se a YHWH (4,4; 10,20; 11,22).

37

THOMPSON, J.A. Deuteronômio. Introdução e Comentário. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,

São Paulo, 1982. p. 31-34.

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5. Andar nos caminhos de YHWH (5,33; 8,6; 10,12; 11,22).

wyk'Þr"d>Bi tk,l,îl' ^yh,_l{a/ hw"åhy> twOàc.mi-ta, T'êr>m;v'äw>

6. Fazer o que é reto aos olhos de YHWH (6,8; 12,25; 13,18). 12,25:

`hw")hy> ynEïy[eB. rv"ßY"h; hf,î[]t;-yKi(

7. Guardar/cumprir os mandamentos/estatutos/juízos/testemunhos/as palavras

desta lei. Estas expressões são recorrentes no decorrer da narração do

deuteronomista.

8. Estatutos e ordenanças (4,1,5,8; 5,1; 11,32; 12,1; 26,16).

Ex: 11,32: ~yji_P'v.Mih;-ta,w> ~yQIßxuh;¥-lK' taeî tAfê[]l; ~T,är>m;v.W

O deuteronomista utiliza também expressões fixas para se referir à rebelião

contra YHWH e contra a aliança. Lembrando que, a linguagem é semelhante aos

tratados do Antigo Oriente próximo:

1. Fazer aquilo que é mal aos olhos de YHWH (4,25; 9,18;17,31,29).

Ex: 9,18: hw"ßhy> ynEïy[eB. [r:²h' tAfï[]l;

2. Proceder corruptamente (4,16,25; 31,29).

Ex: 4,25: ^yh,Þl{a/-hw")hy> ynEïy[eB. [r:²h' ~t,îyfi[]w:

3. Provocar a ira de YHWH (4,25; 9,7,18; 31,29).

Muitas expressões referem-se à deuses estranhos e à idolatria:

1. Seguir após outros deuses (6,14;11,28; 13,2).

ex: 6,14: ~yrI+xea] ~yhiäl{a/ yrEÞx]a; !Wkêl.te( al{å

2. Servir, adorar outros deuses (7,4; 11,16; 13,2,6,13; 17,3; 28,14).

ex: 7,4: ~yhiäl{a/ Wdßb.['w> yr:êx]a;me

3. Idolatria como abominação (7,25,26; 13,14; 17,4; 18,9).

ex: 18,9: ~he(h' ~yIïAGh; tboß[]AtK. tAfê[]l; dm;äl.ti-al{

4. Uma abominação à YHWH teu Deus (7,25; 12,31; 17,1; 18,12; 22,5).

17,1: `aWh) ^yh,Þl{a/ hw"ïhy> tb;²[]At yKió

5. Referência a praticas cultuais de outras nações: queimar, fazer passar pelo fogo

filhos/filhas (12,31; 18,10); deuses que são obras das mãos de seres humanos

feitos de madeira e pedra (4,28; 27,15; 28,64).

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Há um número significativo de ocorrências que o deuteronomista utiliza para se

referir à centralização do culto:

1) O lugar que YHWH vosso Deus escolher (12,5,11,14,18,21,26; 14,23,24,25;

15,20). Ex: 12,5: ‘~k,yhel{)a/ hw"Ühy> rx;’b.yI-rv,a] ~AqúM'h;-la,

2) O lugar onde YHWH fara habitar o seu nome (12,5; 14,23; 26,2).

Ex: 26,2: `~v'( Amßv. !KEïv;l. ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘rx;b.yI rv<Üa] ~AqêM'h;-la,

Outras expressões recorrentes se referem ao êxodo com os feitos de YHWH e a

escolha de Israel por Deus:

1. redimir do Egito/casa da servidão (5,6; 6,12; 7,8; 8,14).

ex: 5,6: ~yIr:ßc.mi #r<a,îme ^yti²aceAh

2. Lembra-te que foste escravo na terra do Egito (5,15; 15,15; 16,12)

ex: 5,15: ~yIr:ëªc.mi #r<a,äB. Ÿ‘t'yyI’åh' db,[<Üî-yKiä T'ùªr>k;z"w>

3. YHWH escolheu Israel (4,37; 7,6; 10,15).

4. Para serdes seu povo próprio (4,20; 7,6; 14,2). ex: `hZ<)h; ~AYðK; hl'Þx]n: ~[;îl.

5. Seu povo precioso (7,6; 14,2; 26,18). ex: 26,18: hL'êgUs. ~[;äl. ‘

6. Um povo santo (7,6; 14,2; 26,19). ex: 7,6: vAdq' ~[;Û yKiä

7. Teu povo Israel ((21,8; 26,15). ex: 26,15: laeêr"f.yI-ta, ‘^M.[;-ta,(

8. Aliança (4,13,23; 5,2,) ex: 5,2: brE(xoB. tyrIßB. WnM'²[i tr:îK' Wnyheªl{a/ hw"åhy>

Há muitas expressões que o redator deuteronomista utiliza também para dar

ênfase na posse da terra como dádiva de YHWH:

1. A boa terra que YHWH teu Deus te dá como herança para a possuíres (4,21;

15,4; 19,10; 21,23; 24,4; 26,1).

`hl'(x]n: ^ßl. !tEïnO ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘rv,a] hb'êAJh; #r<a'äh '-la,

2. A terra que passas a possuir/possuir as nações/possuir a sua terra (4,1; 6,18;

7,1; 8,1). ex: 6,18: hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] hb'êJoh; #r<a'äh'-ta,

3. Possessão “yerussa” (2,5,9,12,19; 3,20). ex: 2,5: hV'ärUy>

4. Lançar fora as nações diante de ti (4,38; 7,1, etc). ex: 7,1: ~yBiär:-~yIAG* lv;än"w>

5. Jurar aos pais (1,8; 4,31; 6,10, etc). ^yt,²boa]l; [B;óv.nI

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6. A terra/o descanso/as cidades/ que YHWH teu (nosso, etc) Deus te/nos dá (1,20;

3,20; 4,1; 11,17; 12,9; 13,12; 15,7; 16,5; etc)

Algumas frases e expressões fixas se referem à lealdade da aliança:

1. Para que YHWH te abençoe (14,29; 23,20; 24,19). hw"åhy> ‘^k.r<b'y> ![;m;Ûl.

2. Para que prolongues os teus dias (4,26; 5,16; 32,47). ^ym,ªy" !kUåyrIa]y: Ÿ![;m;äl.

3. Abençoar toda obra das tuas mãos (2,7; 14,29). ^d<êy" hfeä[]m; ‘lkoB. ªk.r:Be

4. Para que te vá bem (4,40; 5,16; 6,3; 12,25, etc). %l'ê bj;yyIå ‘![;m;’l.W

5. Alegrar-se perante YHWH teu Deus ( 12,12; 16,11). èhw"åhy> éynEp.l i~T,ªx.m;f.W

6. Que hoje te ordeno (4,40; 6,6; 8,1; 13,18, etc). ~AYëh; ‘^W>c;m. ykiÛnOa' rv,’a]

7. Todo Israel (1,1; 5,1; 13,11; 21,21, etc). laeêr"f.yI-lK'

8. Tuas portas, ((12,12; 14,21; 15,7) `%l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] ^yr<ê['v.

Esta é uma lista resumida das palavras-chave e frases frequentes que ocorrem na

narração deuteronomista segundo o autor referido anteriormente. Tais expressões

caracterizam o estilo e o vocabulário do livro.

A frequência das expressões faz com que o livro seja considerado uma unidade

coesa, bem definida e elaborada. Diante da referida coesão e unidade do Deuteronômio

podemos afirmar que o livro passou pelo crivo de um laboroso processo redacional.

Conforme já afirmamos anteriormente estas expressões e palavras chave vão se

relacionando no decorrer da narração do deuteronomista sinalizando o centro do livro, o

primeiro mandamento, a saber, o shemá Israel!

O sistema de utilização de palavras-chave é uma das características do livro do

deuteronômio e da mão historiográfica deuteronomista.

Em diferentes contextos as palavras aparecem de forma recorrente sempre

fornecendo um sentido teológico.

É importante notarmos que náo se trata apenas de número de ocorrências, mas

de relevância teológica dentro da moldura do livro.

Tais palavras-chave muitas vezes aparecem relacionadas de forma intrínseca.

Por exemplo, a importância da guarda dos mandamentos se dá pelo fato de que Israel

precisa transmitir estas oredenanças aos filhos e aos filhos dos filhos para que a lei seja

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preservada. A guarda dos mandamentos está relacionada com a prática da justiça social.

Em todo sistema de jurisdição do Deuteronômio estes termos aparecem como forma de

lembretes. As leis mudam, variam, mas as palavras-chave no tocante à observância, à

guarda dos mandamentos, preceitos, juízos, e estatutos vão sempre se repetindo.

A obedencia à lei implica em tomada de posse da terra que YHWH jurou aos

pais.

As expressões chave se apresentam sempre orbitando no decorrer do livro. Elas

aparecem inúmeras vezes porém indicam um centro, que é o Shema Israel do Dt 6.

O movimento contrário ocorre pois, “ouvir”, “amar”, YHWH de todo o coração,

de toda a vida e com todas as posses, implica em atos concretos de justiça e

solidariedade ao próximo que são expressos de forma pormenorizada no decorrer do

livro, isto é, fora da perícope, porém sinalizados por ela.

No decorrer da exposição das leis no Deuteronômio as expressões chave

continuam fazendo o seu papel de interpelação. O texto foi construído a partir deste

esquema bem elaborado de palavras-chave.

Estas expressões ocorrem repetidas vezes talvez como um recurso que visa

facilitar a elaboração da redação final e/ou é um recurso didático que possui a intenção

de fazer com que os ouvintes guardem na memória tais instruções, ou seja, um projeto

de manutenção da tradição oral.

A disposição de fórmulas expressas através de exortação, preceitos,

mandamentos, estatutos, compromisso de aliança, anúncio de bençãos e maldições

formam um todo, porém tal unidade pode refletir uma liturgia, um desenrolar litúrgico

de solenidade da festa da renovação da aliança em Siquém.

No Deuteronômio fica evidente as dificuldades que Israel tinha de formular os

assuntos teológicos com os materiais que dispunha.

O quadro geral da obra do Deuteronomio é formulado no desenrolar de uma

liturgia, de uma celebração, de um ato de culto. O que caracteriza a obra como tal é a

memória dos acontecimentos concretos em forma de ritual litúrgico.

No entanto o conteúdo do livro possui caráter de exposição sistemática, e isso se

dá pelo fato da obra ser construida de forma coesa e equilibrada. O que o caracteriza

como tal é o estilo deuteronômico, que é único, pois Israel nunca criou uma obra

literária com tanta unidade de estilo e de vocabulário. Tal afirmação nos ajuda a

compreender com mais afinco a formulação coesa do Deuteronômio. Esse certamente

foi elaborado tendo em vista um a priori de um vocabulário constituído por palavras

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chaves e expressões recorrentes conforme já afirmamos. Queremos aqui dar ênfase à

esse aspecto da obra.

É importante frizar isso. Estamos voltados para o aspecto unitário da obra

literária, o sistema de vocábulos e fórmulas fixas sempre orbitando sob o foco de um

centro de forma agrupada. Esta questão da unidade e da coerência tem sido a grande

motivação de nossa análise.

Apesar do Deuteronomio se apresentar de forma coerente, homogenea e com

unidade teológica expressa principalmente com a utilização de palavras-chave e

expressões recorrentes principalmente no que tange à observancia e guarda dos

mandamentos, nenhum leitor, por mais ingenuo que seja, deixaria de identificar a

multiplicidade de pregações sobre os mais variados assuntos.

As mais diversas tradições históricas, cultuais, jurídicas convergiam para esses

elaboradores que certamente se utilizaram de materiais de diversas fontes para o preparo

do grande afresco esquemático.38

Ou seja, os diversos documentos e tradições existiam

de forma autonoma e independente, mas no Dt foram reunidos, agrupados e unificados.

Nós defendemos a hipótese de uma mão posterior que elaborou uma última

redação com o emprego de palavras-chave a fim de construir um vocabulário que

tivesse caráter de unidade.

A nossa atenção nessa pesquisa está voltada para esse aspecto da composição.

Portanto achamos importante evidenciar que, tal unidade provavelmente foi construída a

fim de dar coesão, unidade ao livro do Deuteronômio como um todo.

Entendemos também como um recurso didático para facilitar a guarda dos

mandamentos na memória, haja vista que tais vocábulos se repetem no decorrer do livro

e apontam para um centro. Não deixamos de reconhecer a diversidade de tradições e de

carcaterísticas tanto do ponto de vista da jurisdição como também das tradições

históricas, e das carcterísticas de culto, mas entendemos que o livro passou pelo crivo

de uma última redação que organizou, poliu o texto se utilizando das expressões

recorrentes referidas anteriormente.

Cada uma das ditas expressões recorrentes e palavras–chaves possuem

características peculiares, ainda que a composição como um todo se apresente como

unidade. Importante para esta caracteristica de unificação principalmente do que tange

às disposições jurídicas é a expressão “esta torah”. Tal expresão parece abarcar a

38

RAD, Von. 1986, p.223.

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totalidade das expressões recorrentes no tocante à disposição de leis, a saber, as palavras

chaves: mandamentos, estatutos, decretos e juízos, palavras, ouvir, guardar, coração,

aliança, terra, que se seguem no decorrer do livro. Entendemos que a expressão “esta

torah” é uma espécie de intitulação do corpo de leis que se apresenta no decorrer do

texto do Dt.

Os desígnios de Javé para com Israel passam a ser considerados em unidade

apesar da diversidade de conteúdo. Neste ensejo o Deuteronômio é um todo indivisível

cujas partes se ordenam umas às outras e em que o conjunto é indispensável para que

seja compreendida qualquer uma das peculiaridades.

As exortações deuteronomistas possuem um tom de ameaça no tocante a não

correpondência por parte de Israel à vocação de Javé.

Podemos perceber que as palavras-chave que orbitam em torno de um centro que

afirmamos ser a perícope de Dt 6 possuem caráter de exortações.

Pelo fato de aparecerem de forma contínua e repetidas vezes no desenrolar no

livro, afirmamos que as palavras-chaves e expressões recorrentes são indicadores,

sinalizadores, que estão continuamente apontando para o centro de um núcleo.

No Deuteronômio as expressões e palavras chave sempre estabelecem uma

ligação de causa e efeito entre a obediencia aos mandamentos e o cumprimento da

promessa feita aos pais, a saber a eretz tovah amplamente irrigada, cheia de culturas e

vinhas, e rica de tesouros mineirais. Haverá casas confortáveis e cheias de coisas boas, e

cidades prontas. Israel não precisará construir de igual forma quando eram escravos no

Egito.

Através dessas promoções podemos identificar o contexto dos ouvintes, a saber,

um grupo que fazia uma série de exigencias. Israel não teria mais problemas de

irrigação pois estará numa terra que Javé cuida e da qual não retira os olhos.

Este conjunto de expressões e palavras chaves sendo repetidas vezes

relembradas por nós na presente pesquisa era o principal tema da pregação

deuteronomista. É um elemento na lógica das advertencias e exortações. Israel deveria

corresponder à Javé no amor através da obediencia aos mandamentos, estatutos e juízos.

Trata-se de uma parenese, de um apelo à obediencia.

Veremos adiante no terceiro capítulo o quanto o deuteronomista apela para o

sentimento e o quanto se dirige ao lev, coração. Israel havia se distanciado dos estatutos

cultuais e dos mandamentos de Javé, por isso os deuteronomistas apelam o tempo todo à

aceitação íntima dos mandamentos. Israel deve pertencer à Javé pelo sentimento e pelo

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pensamento. É importante salientarmos que a vontade de Javé decompõe-se numa série

de mandamentos bem concretos a serem todos eles observados na prática. Mas todas

estas leis a serem obedecidas são colocadas como consequencia do amor à Deus de todo

o lev e de toda a néfesh. O amor a Deus vivenciado de forma integral teria os seus

desdobramentos na relação com o próximo e assim consequentemente na prática da

justiça social. É importante tornar evidente que estas obras de justiça são

desdobramentos do amor à Javé e não fruto da justiça de Israel por si mesmo. Tal

projeto tem como ponto de partida o amor de Deus para com Israel, que o escolheu, o

elegeu.

Nesta parte evidenciamos esses aspectos e características da narrativa

deuteronomista contida no livro do Deuteronômio.

Lembrando que ainda no primeiro capítulo analisamos o quadro dos diferentes

blocos que compõe o livro do Deuteronômio apresentado por diversos autores e

posteriormente fizemos um exame das palavras-chave recorrentes no livro, através de

uma exposição de textos onde as mesmas se apresentam.

Esses procedimentos são parte da pesquisa, pois contribuem para uma melhor

compreensão da nossa perícope no que tange ao aspecto sincrônico da análise, porém a

exegese não se limita a tais enfoques e procedimentos.

No próximo tópico faremos uma breve apresentação de um vocábulo que por

razões próprias necessita de uma abordagem à parte. Visto que o vocábulo também faz

parte do acervo de expressões recorrentes do deuteronomista apresentaremos uma lista

em forma de síntese de diversas ocorrências onde aparece uma das palavras mais

importantes do Deuteronômio, o centro do livro e da teologia, a saber, o nome do divino

YHWH.

5.2. Sinopse dos discursos do divino YHWH no

Deuteronômio

O livro de Deuteronômio contém várias passagens formuladas como palavras

“ditas por Deus”, ou “discursos divinos”.

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82

Segundo C. J. Labuschagne39

, de forma geral, estas palavras e expressões estão

distribuídas e caracterizadas como “fala do divino”. Dentro deste sistema organizado

pelo deuteronomista (assim concebemos) algumas expressões são caracterizadas como

“fórmulas introdutórias”.

Abaixo listamos as ocorrências (as expressões abaixo estão mescladas entre

fórmulas introdutórias e expressões caracterizadas como fala do divino que às vezes irão

aparecer isoladas do nome YHWH na apresentação) segundo C. J. Labuschagne40

, e

algumas inserções de nossa parte com o intuito de conduzir o leitor à familiaridade com

tais fórmulas introdutórias e expressões recorrentes:

1,21: %l'ê ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; 1,34a: hw"ßhy> [m;îv.YIw: 1,34b: rmo*ale [b;îV'YIw: @coàq.YIw: 1,35: ~k,(yteboa]l; tteÞl' yTi[.B;êv.nI rv<åa] hb'êAJh; #r<a'äh

1,37: rmo=ale ~k,Þl.l;g>Bi hw"ëhy> @N:åa;t.hi ‘yBi-~G: 1,41: Wnyhe_l{a/ hw"åhy> WnW"ßci-rv,a] lkoïK. 1,42: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 2,1: yl'_ae hw"ßhy> rB<ïDI rv<±a]K; 2,2: rmo*ale yl;îae hw"ßhy> rm,aYOðw: 2,9: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 2,14: ~h,(l' hw"ßhy> [B;îv.nI rv<±a]K; 2,17: rmo*ale yl;îae hw"ßhy> rBEïd:y>w: 2,31: yl;êae ‘hw"hy> rm,aYOÝw: 2,37: Wnyhe(l{a/ hw"ïhy> hW"ßci-rv,a] lkoïw> 3,2: ‘yl;ae hw"Ühy> rm,aYO“w: 3,3: Wnyheøl{a/ hw"“hy> •!TeYIw: 3,26a: hw"ïhy> rBe’[;t.YIw: 3,26b: ‘yl;ae hw"Ühy> rm,aYO“w:

4-11

4,5: yh'_l{a/ hw"åhy> ynIW:ßci rv<ïa]K; 4,10: yl;ªae hw"÷hy> rmo’a/B, è 4,12: vae_h' %ATåmi ~k,Þylea] hw"±hy> rBEôd:y>w: 4,13: tAfê[]l; ‘~k,t.a, hW"Üci rv,’a]

39

LABUSCHAGNE, C. J. Apud LOHFINK, Norbert. Das Deuteronomium. Entstehung, Gestalt und

Botschaft. Leuven: Leuven University Press: Peeters, 1985. p.111. 40

Idem p. 123-126.

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83

4,14: awhiêh; t[eäB' ‘hw"hy> hW"Üci ytiúaow> 4,15: vae(h' %ATïmi brEÞxoB. ~k,²ylea] hw"ôhy> rB,’DI ~Ay©B. 4,21: !DEêr>Y:h;-ta, ‘yrIb.[' yTiÛl.bil. [b;ªV'YIw: 4,23: ^yh,(l{a/ hw"ïhy> ^ßW>ci rv<ïa] lKoê 4,31: `~h,(l' [B;Þv.nI rv<ïa] ^yt,êboa] tyrIåB.-ta, 4,33: vae²h'-%ATmi rBEôd:m. ~yhiøl{a/ lAq’ 4,36: vae(h' %ATïmi T'[.m;Þv' wyr"îb'd>W 5,2: brE(xoB. tyrIßB. WnM'²[i tr:îK' Wnyheªl{a/ hw"åhy> 5,4: vae(h' %ATïmi rh"ßB' ~k,²M'[i hw"ôhy> rB,’DI 5,5: vaeêh' ynEåP.mi ‘~t,arEy> yKiÛ hw"+hy> rb:åD>-ta, 5,12: ^yh,(ªl{a/ hw"ïähy> Ÿ ßäW>ci rv<ïa]K; 5,15: ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘^W>ci !Keª-l[; 5,16a: %l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] hm'êd"a]h'( l[;

5,16b: ^yh,_l{a/ hw"åhy> ßW>ci rv<ïa]K; 5,22: vaeh' %ATÜmi rh'ªB' ~k,øl.h;q.-lK'-la, hw"“hy> •rB,DI 5,24a: ‘Wnyhe’l{a/ hw"Ühy> Wna'ør>h, !hEå Wrªm.aTow:

5,24b: `yx'(w" ~d"Þa'h'(-ta, ~yhi²l{a/ rBEôd:y>-yKi( 5,26: vae²h'-%ATmi rBEôd:m. ~yYI÷x; ~yhi’l{a/ •lAq

5,27a: Wnyhe_l{a/ hw"åhy> rm:ßayO rv<ïa]-lK' tae 5,27b: ^yl,Þae Wnyhe²l{a/ hw"ôhy> rBeød:y> rv,’a]-lK' •tae 5,28: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 5,31: hw"±c.Mih;-lK' taeó ^yl,ªae hr"äB.d:a]w: 5,32: ~k,_t.a, ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa]K; 5,33: ~k,Þt.a, ~k,²yhel{a/ hw"ôhy> hW"÷ci rv,’a] 6,1: ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa] 6,3: %l'ê ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K;

6,10: ^yt,²boa]l; [B;óv.nI rv,’a] #r<a'øh'-la, ^yh,ªl{a/ hw"åhy> 6,17: %W")ci rv<ïa] wyQ"ßxuw> wyt'îdo[ew> ~k,_yhel{a/ hw"åhy> 6,18: ^yt,(boa]l; hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] hb'êJoh; #r<a'äh'-ta, 6,19: hw")hy> rB<ïDI rv<ßa]K; 6,20: ~k,(t.a, WnyheÞl{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa] 6,23: Wnyte(boa]l; [B;Þv.nI rv<ïa] #r<a'êh'-ta, 6,24a: hw"©hy> WnWEåc;y>w: 6,24b: ‘Wnl'’ bAjïl. Wnyhe_l{a/ hw"åhy>-ta, ha'Þr>yIl. 6,25: WnW")ci rv<ïa]K; WnyheÞl{a/ hw"ïhy> 7,8: hw"±hy> aycióAh ~k,êyteboåa]l; ‘[B;v.nI rv<Üa] ‘h['buV.h;-ta, 7,12: ds,x,êh;-ta,w> ‘tyrIB.h;-ta,( ^ªl. ^yh,øl{a/ hw"“hy> •rm;v'w> 7,13: %l") tt,l'î ^yt,Þboa]l; [B;îv.nI-rv,a] hm'êd"a]h'¥ l[;…

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84

8,1: ~k,(yteboa]l; hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta, 8,18a: ^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘T'r>k;z")w> 8,18b: hZ<)h; ~AYðK; ^yt,Þboa]l; [B;îv.nI-rv,a] At±yrIB.-ta, 9,3a: ^yh,øl{a/ hw"“hy> •yKi ~AY©h; T'ä[.d:y"w> 9,3b: %l") hw"ßhy> rB<ïDI rv<±a]K; 9,5: ^yt,êboa]l; ‘hw"hy> [B;Ûv.nI rv,’a] rb'ªD"h;-ta, 9,10: vaeÞh' %ATïmi rh"±B' ~k,îM'[i hw"“hy> •rB,DI rv<åa] 9,12a: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 9,12b: ~tiêyWIci rv<åa] 9,13: rmo=ale yl;äae hw"ßhy> rm,aYOð 9,16: ~k,(t.a, hw"ßhy> hW"ïci-rv,a] 9,23: rmoêale ‘[:nE’r>B; vdEÛQ'mi ~k,ªt.a, hw"÷hy> x:l{’v.biW 9,25: `~k,(t.a, dymiîv.h;l. hw"ßhy> rm:ïa'-yKi(

9,28: ~h,_l' rB<åDI-rv,a] #r<a'Þh'-la, ~a'§ybih]l; hw"ëhy 10,1: yl;ªae hw"åhy> rm:ôa' 10,4: vaeÞh' %ATïmi rh"±B' ~k,îylea] hw"“hy> •rB,DI rv<åa] 10,5: `hw")hy> ynIW:ßci rv<ïa]K; 10,9: Al* ^yh,Þl{a/ hw"ïhy> rB<±DI rv<ïa]K; 10,11a: yl;êae ‘hw"hy> rm,aYOÝw: 10,11b: ~h,(l' tteîl' ~t'Þboa]l; yTi[.B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta, 11,9: ~k,²yteboa]l; hw"ôhy> [B;’v.nI •rv,a] hm'êd"a]h'ä-l[; 11,21: ~h,_l' tteäl' ~k,Þyteboa]l; hw"±hy> [B;óv.n I rv,’a] hm'êd"a]h'( l[;… 11,25: ~k,(l' rB<ïDI rv<ßa]K;

12-26

12,1: ^ßl. ^yt,²boa] yheól{a/ hw"÷hy> !t;’n" •rv,a] 12,20: è%l'-rB,DI rv<åa]K; é^l.Wb)G>-ta,( ^yh,îl{a/ hw"“hy> 13,6: ^yh,Þl{a/ hw"ïhy> ±W>ci rv<ôa] 13,18a: hw"÷hy> bWv’y" 13,18b: ^yt,(boa]l; [B;Þv.nI rv<ïa]K; 15,6: %l"+-rB,DI rv<ßa]K; ^êk.r:Be( ‘^yh,’l{a/ hw"Ühy>-yKi( 17,16: ~k,êl' rm:åa' ‘hw"hyw:) 18,2: Al)-rB,DI rv<ßa]K; Atêl'x]n: aWhå ‘hw"hy> wyx'_a, br<q<åB. 18,17: yl'_ae hw"ßhy> rm,aYOðw: 18,18: WNW<)c;a] rv<ïa]-lK' 18,20: rBeêd:l. ‘wytiyWIci-al{) rv<Üa] taeä 19,8a: ‘^yh,’l{a/ hw"Ühy> byxiúr>y:-~ai 19,8b: ^yt,_boa]l; [B;Þv.nI rv<ïa]K;

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19,8c: ^yt,(boa]l; tteîl' rB<ßDI rv<ïa] #r<a'êh'-lK'-ta, 20,17: ^yh,(l{a/ hw"ïhy> ßW>ci rv<ïa]K; 26,3: Wnl'( tt,l'î WnyteÞboa]l; hw"±hy> [B;óv.nI rv,’a] #r<a'êh'-la, 26,13a: ^yh,øl{a/ hw"“hy> •ynEp.li T'‡r>m;a'w> 26,13b: ynIt"+yWIci rv<åa] 26,14: nIt")yWIci rv<ïa] lkoßK. ytiyfi§[' yh'êl{a/ hw"åhy> ‘lAqB. 26,15: Wnyteêboa]l; ‘T'[.B;’v.nI rv<Üa]K; 26,16: ^ôW>c;m. ^yh,øl{a/ hw"“hy> hZ<©h; ~AYæh; 26,17: ~AY=h; T'r>m:ßa/h, hw"ïhy>-ta, 26,18: %l"+-rB,DI rv<ßa]K; 26,19: rBE)DI rv<ïa]K; ^yh,Þl{a/ hw"ïhyl; vdo±q'-~[;

27,1-31,13

27,3: %l") ^yt,Þboa]-yhe(l{a/ hw"ïhy> rB<±DI rv<ïa]K; vb;êd>W ‘bl'x' tb;Ûz" #r<a,ä 28,8a: hk'êr"B.h;-ta, ‘^T.ai hw"Ühy> wc;’y> 28,8b: %l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] #r<a'§B' ^êk.r:beäW 28,9: %l"+-[B;(v.nI) rv<ßa]K; vAdêq' ~[;äl. ‘Al hw"ïhy> ‘^m.yqi¥y> 28,11: %l") tt,l'î ^yt,Þboa]l; hw"±hy> [B;óv.nI rv,’a] hm'êd"a]h' l[;… 28,45: %W")ci rv<ïa] wyt'ÞQoxuw> wyt'îwOc.mi rmo°v.li ^yh,êl{a/ hw"åhy> 28,68: ^êl. yTi(r>m:åa' rv<åa] ‘%r<D<’B; ètAYnIa \B' é~yIr:c.mi Ÿhw"ïhy> ^’b.yvi(h/w<) 28,69: hv,ªmo-ta, hw"åhy> hW"ôci-rv,a] 29,12a: %l"+-rB,DI rv<ßa]K; 29,12b: bqo)[]y:l.W* qx'Þc.yIl. ~h'îr"b.a;l. ^yt,êboa]l; ‘[B;v.nI rv<Üa]k;w> 30,20a: AlßqoB. [:moïv.li ^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘hb'h]a;(l. 30,20b: ^yt,²boa]l; hw"ôhy> [B;’v.nI •rv,a] hm'ªd"a]h'-l[

31,2: yl;êae rm:åa' ‘hw"hyw:) 31,3: hw")hy> rB<ïDI rv<ßa]K; 31,7: ~h,_l' tteäl' ~t'Þboa]l; hw"±hy> [B;óv.nI rv,’a] #r<a'§h'-la,

31,14-34,12

31,14a: hv,ªmo-la, hw"÷hy> rm,aYO“w: 31,14b: WNW<+c;a]w 31,16: hv,êmo-la, ‘hw"hy> rm,aYOÝw: 31,20: wyt'ªboa]l; yTi[.B;äv.nI-rv,a] Ÿhm'äd"a]h'-la, 31,21: yTi[.B'(v.nI rv<ïa] #r<a'Þh'-la, 31,23a: !Wn©-!Bi [;vuäAhy>-ta, wc;úy>w: 31,23b: rm,aYOw: 31,23c: ~h,_l' yTi[.B;äv.nI-rv,a] #r<a'Þh'-la,

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32,20: rm,aYO©w: 32,26: yTir>m:ßa' 32,37: Ab* Wys'îx' rWcß Amyhe_l{a/ yaeä rm:ßa'w> 32,40: ~l'([ol. ykiÞnOa' yx;î yTir>m;§a'w> 32,48:rmo*ale hZ<ßh; ~AYðh; ~c,[,²B. hv,êmo-la, ‘hw"hy> rBEÜd:y>w: 33,27: rm,aYOðw: 34,4a: wyl'ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 34,4b: rmoêale ‘bqo[]y:l.W* qx'Ûc.yIl. ~h'’r"b.a;l. yTi[.B;v.nIû rv<åa] ‘#r<a'’h' tazO 34,9: `hv,(mo-ta, hw"ßhy> hW"ïci rv<±a]K;

A palavra hw"ßhy> YHWH faz parte da lista de vocábulos e expressões recorrentes

do livro do Deuteronômio que orbitam entorno de um centro, conforme já temos

abordado. É importante lembrarmos que a lista acima não se refere apenas a ocorrências

em que aparecem o nome UHWH, mas a discursos, palavras ditas por YHWH.

Entendemos que o grande número de ocorrências do nome YHWH no livro do

Deuteronômio empregado pelo narrador deuteronomista é parte de um projeto de

centralização. Tal projeto não esboça apenas uma tentativa de unificação do santuário,

de um local de culto, mas uma tentativa de unificar o próprio nome do divino.

Neste caso YHWH no projeto deuteronomista é considerado o Deus oficializado,

instituído, que agora deveria ser único, um. Provavelmente tal empreendimento tinha

por objetivo neutralizar a diversidade de nomes atribuídos a divindade pelo próprio

Israel em suas diferentes localidades de cultos, como também distinguir o deus de Israel

dos deuses dos cananeus.

Entendemos que o deuteronomista utiliza de forma recorrente o nome YHWH

como recurso didático, para que, este “emblema” agora seja familiarizado pelos seus

destinatários, isto é, para gravar o nome agora instituído nos ouvidos e no coração de

seus ouvintes.

É importante recordarmos que o livro do Deuteronômio possui um núcleo, uma

estrutura concêntrica, conforme abordamos anteriormente.

Os capítulos 5-28 para alguns especialistas é a parte central do livro, no entanto,

dentro desse bloco há uma estrutura bem definida e coesa, bem delimitada, que é o

código deuteronômico que abrange os capítulos 12-26.

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Nesta pesquisa nós entendemos que ainda dentro desse bloco central do

Deuteronômio existe um núcleo, que é a perícope de Dt 6, mais especificamente o v. 4:

Ouve Israel, hw"ßhy> YHWH é o nosso Deus, hw"ßhy> YHWH é um, único!

Concluímos tal abordagem identificando o termo hw"ßhy> YHWH como um

elemento central no livro do Deuteronômio. Obviamente que é visto relacionado com

outros elementos, expressões que orbitam no seu entorno, mas entendemos que, o

deuteronomista quer deixar evidente para o seus destinatários que o nome YHWH a

partir de então seria o nome único a ser venerado oficialmente, institucionalmente.

No próximo capítulo iremos voltar à atenção para a perícope de Dt 6,1-9.

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CAPÍTULO II

ANÁLISE LITERÁRIA DE DT 6,1-9.

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Introdução

Nesse capítulo iremos analisar a perícope de Dt 6,1-9, através dos passos

metodológicos do chamado método histórico crítico, porém sem nos prendermos

totalmente a ele. Durante esse processo onde diferentes passos e procedimentos serão

realizados investigaremos a perícope a partir de dois tipos de análise.

A primeira é a denominada análise sincrônica, onde iremos destacar os vários

aspectos da linguagem que se encontram na perícope.

Iniciaremos apresentando o texto massorético e uma tradução provisória.

Posteriormente daremos o próximo passo metodológico-exegético denominado

por crítica textual onde iremos estudar a história da transmissão do texto.

Através deste procedimento iremos constatar as alterações que alguns vocábulos

e expressões que sofreram alterações no decorrer da história, durante o processo longo

de transmissão do texto.

Tendo feito isso iremos fazer a delimitação da perícope procurando justificar o

suposto início, meio e fim, ou seja, a nossa perícope é uma unidade literária coesa? Ela

possui uma coesão interna determinada por um começo, um meio e um fim?

Após faremos a análise de coerência e coesão no que tange ao conteúdo do texto.

Iremos analisar a suposta relação entre as partes a fim de constatarmos se há coesão,

unidade, estreita relação entre os tecidos que formam o texto, o tecido.

Iremos também analisar a estrutura do texto, como este se encontra organizado,

montado, estruturado, construído.

Posteriormente investigaremos o texto dentro de uma perspectiva semântica

através de uma análise de conteúdo. Esta análise abrange o que chamamos de corte

diacrônico, ou análise diacrônica.

Dentro da parte denominada por semântica iremos apresentar uma seleção dos

principais vocábulos que compõem a perícope com o objetico de explorarmos a

polissemia dos mesmos, para depois neutralizá-la.

Ainda na análise denominada de dicrônica, ou diacronia, faremos um

levantamento de possíveis realidades concretas subjacentes à composição do texto.

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90

Esta análise busca reconstituir o contexto histórico, sócio-econômico,

ideológico, religioso, e político que faziam o entorno da situação concreta onde o texto

foi composto, produzido.

Todas estas ferramentas nos auxiliarão na tentativa de reconstituição das

realidades concretas que contribuíram para a composição da perícope e dos aspectos da

linguagem que remontam o sentido originário e teológico do texto, com ênfase no

vocábulo antropológico lev como objeto de nossa pesquisa.

1. Texto Massorético. Deuteronômio 6,1-9.41

rv<ïa] ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; tazOæw> 1 rv<ïa] #r<a'êB' tAfå[]l; ~k,_t.a, dMeäl;l. ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci

`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o ~T,²a; rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l. 2

^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta, `^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W

‘rv,a] tAfê[]l; T'är>m;v'w> ‘laer"f.yI T"Ü[.m;v'w> 3

yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; dao+m. !WBßr>Ti rv<ïa]w: êl. bj;äyyI p `vb'(d>W bl'Þx' tb;îz" #r<a,² %l'ê ‘^yt,’boa]

`dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv. 4 ^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> 5

`^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W ^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> 6

`^b<)b'l.-l[; ~AYàh; ^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> 7

`^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB. tpoßj'jol. Wyðh'w> ^d<+y"-l[; tAaßl. ~T'îr>v;q.W 8

`^yn<)y[e !yBeî s `^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tzOðWzm.-l[; ~T'²b.t;k.W 9

1.1. Tradução literal:

41

BiblieWork 7.

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1. E este o mandamento42

, os estatutos e os juízos que ordenou YHWH, vosso

Deus, ensinar para vós fazerdes na terra que vós passais ali para herdá-la.

2. Portanto, temerás a YHWH teu Deus para guardar todos os seus estatutos e seus

mandamentos que eu te ordeno tú, teu filho e o filho de teu filho todos os dias da

tua vida para que se prolonguem os teus dias.

3. E ouvirás Israel, e guardarás para fazerdes e que seja bom para ti para que te

multipliques muito conforme falou YHWH, Deus de seus pais, para ti na terra

que flui leite e mel.

4. Ouve Israel, YHWH é o nosso Deus, YHWH é um.

5. E amarás a YHWH teu Deus em/com todo o teu coração, e em/com toda a tua

vida e com toda a tua força/posse.

6. E estarão as palavras as estas que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.

7. E as inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em teu

andar no/pelo caminho, e em teu deitar-te e em teu levantar-te.

8. E as atarás como sinal sobre tua mão e estarão como sinais/bandas entre os teus

olhos.

9. E as escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas.

1.2. Crítica Textual

O método denominado por crítica textual é considerado um dos primeiros passos

de aproximação do texto na exegese. Não temos um original da Bíblia Hebraica. O que

temos é um grande número de cópias, manuscritos, códices e às vezes muito

fragmentários. As copias possuem grande número de variantes. Diante disso, qual seria

a tarefa desse método exegético?

Ao realizar a crítica textual temos acesso a uma história da transmissão do texto,

ou seja, uma história dos conflitos em torno da fixação do texto.

Sabemos que o texto utilizado pelas edições críticas da Bíblia Hebraica pertence

às famílias Ben Asher e Tiberíades.

Estas duas famílias conseguiram suplantar todos os demais grupos de

massoretas, pois o texto considerado oficial foi massoretizado por estas duas famílias.

42

Há uma discrepância gramatical na nossa tradução.

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92

Diante desse fato encontramos certa tensão. Por um lado respeitamos o texto

considerado o mais confiável, pois foi analisado e submetido pelo crivo de avaliação de

autoridades competentes. Por outro lado perguntamos: No tocante aos demais textos,

manuscritos, e códices, estes não tem importância? Por que então as edições críticas os

inserem no aparato crítico das edições críticas?

É certo que através desse método podemos investigar a história da transmissão

do texto, mas vale aqui ressaltar a necessidade de fazermos uma apreciação crítica sobre

isso. Nesse caso não basta apenas uma análise linguística, fonética, e semântica de

vocábulos, mas uma análise da história social do vocábulo, ou seja, como esse veio a ser

da forma com que se apresenta. A questão levantada seria a seguinte:

Por que da escolha diferente da grafia? Tal escolha reflete alianças políticas,

culturais? Tal escolha reflete a importação de um estilo estrangeiro ou o resgate de um

estilo nacional?

O texto utilizado é definido como analisado durante séculos por uma elite? Por

que chamar a elite de elite? Que tipo de influência de poder estas famílias ou elites

exercem? Política? Econômica? Culural? Religiosa? Todos estes fatores ao mesmo

tempo? Qual seria o perfil dessa elite? Se existe uma elite existe um povo, e qual seria

então o perfil do povo?

Conforme abordamos anteriormente as famílias Ben Acher e Tiberíades

detiveram o poder intelectual e cultural para que conseguissem suplantar os demais

grupos de massoretas. Mas quais seriam as formas de dominação destas elites, se é que

podemos falar nestes termos, Burocrática? Tradicional?

A forma de dominação tradicional tende a favorecer a permanência das antigas

tradições, do prestígio de uma família e do texto tradicional.

A forma de dominação burocrática possui relação com o progresso da ciência e

do conhecimento.

Uma possui um aspecto revolucionário por tentar abrir novos caminhos pela

ciência e a outra busca evitar o caos da revolução dos costumes e crenças, mantendo as

velhas tradições já bem conhecidas e aceitas.

Estes fatores são importantes serem considerados quando fazemos a crítica

textual, para entendermos a história da transmissão do texto, e o conflito dos grupos

envolvidos.

Nessa introdução queremos deixar evidente tais questões, porém deixaremos em

aberto, visto que fizemos opções, escolhas, e a nossa tradução tende a favorecer o texto

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do Códice de Lenigrado B19A, mas não queremos omitir tais perspectivas, como se a

nossa análise pautada no texto escolhido fosse absoluta em detrimento de outros códices

e manuscritos. Apenas queremos deixar evidente que, o texto possui um histórico de

transmissão e preservação, e que muitos grupos trabalharam durante séculos com afinco

para que tivéssemos acesso ao texto massoretizado, e agora as edições críticas nos dão a

oportunidade de através do aparato crítico termos conhecimento do árduo trabalho, da

contribuição de cada grupo.

No início do v. 1 há algumas distinções entre códices e manuscritos acerca dos

quais listamos abaixo:

Constatamos uma variante textual no códice manuscrito hebraico 9, em alguns

“poucos” manuscritos hebraicos medievais (de 3 à 10 manuscritos), na versão da

Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen, segundo a edição de J. Ziegler et alii,

Septuaginta: Vetus Testamentum Graecum auctoritate Societates Literarum Götingensis

editum (Gottingen, 1931 em diante) ou de acordo com a edição de A. Rahlfs,

Septuaginta: Id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes, 2 vols. (Stuttgart,

1935). Versão Síria Peshitta (séc. II), segundo as versões S.A. (Códice Ambrosiano, séc.

VI e VII, editado por A. M. Ceriani, Translatio Syra Pescitto Veteris Testamenti ex

Códice Ambrosiano sec. fere VI photholitographice edita (Milão, 1876 em diante), e

(Peshyta segundo a poliglota de Londres, vols. I-III, edição de B. Walton (Londres

1654-1657) utilizam a conjunção aglutinada ao artigo, “e os estatutos”.

Nos manuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet Qumran, na

região do mar morto, na Judéia em Israel, segundo Discoveries in the Judaean Desert

(DJD) , VOL. I (Oxford, 1960 em diante) encontra-se a expressão “e estatutos”...

No v. 2 constatamos em alguns manuscritos as seguintes variantes:

Nos nanuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet Qumran, na

região do mar morto, na Judéia em Israel, segundo Discoveries in the Judaean Desert

(DJD) , VOL. I (Oxford, 1960 em diante); consta a expressão “e estatutos” aglutinado a

conhjunção ao substantivo huqim. No caso do texto de códice de Leningrado que

utilizamos como base para a tradução, a mesma palavra é utilizada, porém acompanhada

apenas do artigo definido: ha-huquim.

No v. 2b encontramos em alguns textos as seguintes variações:

O Pentateuco Samaritano (séc. V a.C.), edição de A. F. von Gall, Der hebräische

Pentateuch der Samaritaner (Giesen, 1914-1918, reimpr. Berlim, 1966) omite o taw

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seguido da vogal qamets na palavra “huqotav” conforme o códice de Lenigrado B 19 A

que utilizamos como base.

No v. 2 ainda, manuscrito (s) hebraico (s) medieval (is) citado (s), segundo as

edições de B. Kennicott, Vetus Testamentum Hebraicum cum varriis lectionibus, vols.

I-II (Oxford, 1776-1780, reimpr. Hildesheim, 2003), de G. B. de Rossi, Variae

Lectiones Veteris Testamenti, ex imensa MMS. Editorum. Codicum Congerie haustae et

ad Samar. Textum, ad vetustiss. Versions, ad accuratiores sacrae criticae fonts ae leges

examinatae opera as studio Johannis Bern. De Rossi, vols. I-IV (Parma, 1784-1788,

reimpr. Amsterdã, 1969-1970), idem, Scholia Critica in Vetus Testamentum libros seu

supplementa ad varias sacri textos lectiones (Parma, 1978, reimpr. Amsterdã, 1969-

1970 e de C. D. Ginsburg, Textum Masoreticum accuratissime expressit et fontibus

Masorae Codicumque varie illustravit, vols. I-IV (Londres, 1908-1926, reimpr.

Jerusalém, 1970); Manuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet

Qumran, na região do mar morto, na Judéia em Israel, segundo Discoveries in the

Judaean Desert (DJD) , VOL. I (Oxford, 1960 em diante); Pentateuco samaritano,

Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen, segundo a edição de J. Ziegler et alii,

Septuaginta: Vetus Testamentum Graecum auctoritate Societates Literarum Götingensis

editum (Gottingen, 1931 em diante) ou de acordo com a edição de A. Rahlfs,

Septuaginta: Id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes, 2 vols. (Stuttgart,

1935) acrescenta-se a expressão hayom.

Ainda no verso 2d, a Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen, segundo a edição

de J. Ziegler et alii, Septuaginta: Vetus Testamentum Graecum auctoritate Societates

Literarum Götingensis editum (Gottingen, 1931 em diante) ou de acordo com a edição

de A. Rahlfs, Septuaginta: Id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes, 2

vols. (Stuttgart, 1935) acrescenta hayom, Vulgata (séc. IV-IV), segundo a edição do

mosteiro beneditino de S. Jeronimo, em Roma, Bíblia Sacra iuxta Latinam Vulgatam

versionem Abbatiae Pont. S. Hieronymi in Urbe O.S.B. editada por A. Gasquet et alii

(Roma, 1926 em diante) ou de acordo com a edição de M. Hetzenauer, Bíblia Sacra

Vulgate Editiones (1. Ed., Innsbruck, 1906; 2. Ed., Regensburg-Roma, 1911 e 3. Ed.,

Regensburg-Roma, 1929) utiliza a expressão no plural “e teus filhos e filhos de teus

filhos”

Constatamos algumas variantes também no v. 3.

Nos manuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet Qumran, na

região do mar morto, na Judéia em Israel, utiliza-se a expressão kaashér ao invés de

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ashér, e nesse caso seria “como que”. Nesse caso aderimos a expressão ashér conforme

o texto apresentado pela BHS.

No v. 3b constatatamos as seguintes alterações:

No Pentateuco Samaritano, Septuaginta e Vulgata, utiliza-se a expressão no

singular: “prolongues tú”.

No v. 3c manuscritos hebraicos encontrados em Hirbet Qumran, na região do

mar morto, na Judéia em Israel acrescenta um vaw e um hê na expressão

(). Esses acréscimos de letras em alguns vocábulos são muito comuns nos

manuscritos do mar morto e ocorrem por questões de distinção entre dialetos da mesma

língua.

3d: Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen coloca antes da palavra a expressão

dounai, Versão Síria Peshitta (séc. II) acrescenta dntl lk dare tibi (dar, oferecer, dar para

ti), sendo que no texto da Bíblia Hebraica Stuttgartensia ocorre “para ti”, e optamos por

essa versão em nossa tradução.

No v. 4a, a Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen (coloca, admite-se, várias

palavras).

No texto da Septuaginta há um acréscimo considerável no prenúncio deste verso,

e a questão do imperativo a IHWH surge depois. Nesse caso optamos pela versão

apresentada pela BHS (códice de Leningrado B19A).

No v. 7a o Pentateuco samaritano, Septuaginta, Septuaginta (texto grego da

Septuaginta baseado na recensão de Luciano de Antioquia), utiliza a expressão .

Nesse caso omite-se o sufixo pronominal que consta no Códice de Leningrado

B19 A na segunda pessoa, utilizando-se apenas a expressão “em casa”.

No caso do manuscrito baseado na recensão de Luciano de Antioquia a

expressão é colocada no plural “em casas”.

No caso do verso 7b o Pentateuco samaritano utiliza a expressão , ou seja, uma

preposição, e no caso resulta na expressão

“em teu andar”.

No v. 7c, poucos manuscritos hebraicos medievais (de 3 a 10), Pentateuco

samaritano, Vulgata (séc. IV-IV), segundo a edição do mosteiro beneditino de S.

Jeronimo em Roma, utilizam a expressão fazendo com que o sentido da palavra seja

“em teu deitar”.

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No v. 8a identificamos em muitos manuscritos hebraicos medievais, fragmentos

de códices hebraicos da Guenizá da sinagoga Bem Ezra, do Cairo (séc. V-IX), e o

pentateuco samaritano, utilização da expressão “tuas mãos”, omitindo a

preposição seguida de um maqqéf que ocorre no códice de Leningrado B 19 A.

No v. 9a, a versão da Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen (utiliza a

expressão no plural) “tuas casas”.

Ao decorrer do mesmo v. 9 na parte b, o Pentateuco samaritano, a Septuaginta

(Setenta/LXX) de Göttingen, e Versão Síria Peshitta (séc. II) utilizam a expressão no

plural “tuas casas”.

Ainda no v. 9c: há uma variante textual no códice manuscrito hebraico 69, entre

outros da edição de B. Kennnicott (Oxford, 1776-1780), que utilizam a expressão ou

seja, acrescenta-se um waw à palavra.

Na Septuaginta a expressão ocorre na segunda pessoa do plural, “e portões

teus”, e também na Vulgata (séc. IV-IV), segundo a edição do mosteiro beneditino de S.

Jeronimo em Roma.43

Podemos através da crítica textual analisar um pouco da história da transmissão

da nossa perícope, ou seja, como diferentes grupos transmitiram o texto.

Esta tarefa é importante, pois uma alteração pode modificar o sentido do texto.

No caso da nossa perícope, as distinções apresentadas pelos manuscritos e

códices são pequenas em relação ao Códice de Leningrado.

De fato, não percebemos alterações que poderiam mudar de forma radical o

sentido do texto que utilizamos como base para a nossa tradução. No entanto, pensamos

que a ênfase sobre essa conclusão talvez se encontre na possibilidade de levantarmos

algumas questões já feitas de início.

Se não houve alterações relevantes e somente modificações ultraminuciosas,

quais as razões que fazem um manuscrito ou códice na história da transmissão do texto

conseguir se impôr tanto em relação aos outros?

Se o sentido do texto não sofre modificações no decorrer de sua transmissão e

suas supostas alterações, então por que um códice, ou manuscrito prevalece sobre outro?

Por questões políticas? Ideológicas? Por questões tradicionais?

43

FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético: Guia

Introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. São Paulo: Vida Nova, 2008.

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Estas são algumas questões que podemos levantar no intuito de esclarecer ao

leitor que estes enfoques em seus limites, pedem outras ferramentas e outros tipos de

análise, que a exegese deve aplicar.

No decorrer do trabalho analisaremos a nossa perícope utilizando outros

enfoques e prespectivas, e outras ferramentas.

Mas desde já concluímos esta parte reafirmando a importância do método no

tocante à história da transmissão do texto e parabenizamos as versões críticas da Bíblia

Hebraica que nos dão acesso a essa história, como também trazem à tona os supostos

conflitos de grupos entorno da transmissão e fixação do texto.

1.3. Delimitação do texto

A perícope de Dt 6,1-9 possui uma estrutura bem definida e concisa.

O contexto maior em que se encontra a unidade literária corresponde aos

capítulos 5-28. Este bloco abrange três divisões: a primeira se estende dos capítulos 1-4,

a segunda abarca os capítulos 5-11, e a terceira abrange os capítulos 12-26.

A perícope de Dt 6,1-9 foi colocada dentro do bloco que se estende dos capítulos

5-11. Esta estrutura traz consigo o tema da legitimação histórica da legislação no

Horebe e a parênese sobre o mandamento principal de veneração exclusiva à YHWH, o

centro da perícope de Dt 6. A nossa perícope se encontra dentro deste bloco, ou seja, é

um texto que precede, está para fora do Código Deuteronômico (12-26) porém sinaliza

para dentro dele.

Entendemos a expressão no v.1: E este o (s) mandamento (s)... com duplo

aspecto.

O primeiro aspecto é a função de extensor, conectivo entre os assuntos tratados

anteriormente e o assunto que será discorrido posteriormente.

O segundo aspecto dessa expressão entendemos como fórmula introdutória. É

uma expressão preparatória para o apelo à audição dos itens elaborados pelo

deuteronomista que tem como centro o v. 4 ouve Israel! Por isso entendemos que a

perícope pode ter o seu início no local onde definimos.

O desfecho da unidade literária é o v. 9. Primeiro por que há uma ruptura, uma

mudança no tocante ao assunto que vem sido discorrido. Segundo porque, o fechamento

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da perícope é indicado, definido pelo trabalho dos massoretas que sinalizaram o final da

unidade literária na própria estrutura do texto. Sobre a costura do v.1 da perícope com o

v. 9 formando assim uma unidade coesa, tratremos no tópico a seguir onde iremos expor

a estrutura do texto.

1.4. Estrutura do texto

1a) E este o mandamento, os estatutos e os juízos que ordenou YHWH vosso Deus

ensinar para vós fazerdes na terra que vós passais alí para herdá-la.

2b) Portanto temerás a YHWH teu Deus para guardar todos os seus estatutos e

mandamentos que eu te ordeno tú, teu filho e o filho de teu filho todos os dias da tua

vida para que se prolonguem os teus dias.

3c) E ouvirás Israel, e guardarás para fazerdes e que seja bom para ti para

que te multipliques muito conforme falou YHWH Deus de seus pais para ti na terra que

flui leite e mel.

4-5d) Ouve Israel, YHWH é o nosso Deus, YHWH é um. E amarás a

YHWH teu Deus de todo o teu coração de toda a tua vida e com todas as tuas posses.

6c’) E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.

7b’) E às inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em

teu andar e pelo caminho, ao deitar e ao levantar.

8-9a’) E as atarás como sinal sobre tua mão e estarão como sinal entre os teus olhos. E

as escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas.

1.4.1. Comentando a estrutura:

Entendemos que a prícope de Dt 6,1-9 possui uma estrutura concêntrica, também

chamada de quiasmo.

Num texto quiásmico os fios do texto são entrelaçados tendo como condutor um

fio central, ou seja, os fios estão concatenados apontando para um centro conforme o

esquema abaixo:

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1a)

2b)

3c)

4-5d) 6c’)

7b’)

8-9a’)

Os elementos vão se cruzando, e esse centro é onde se encontra o cruzamento de

todos os fios. No caso do nosso texto de Dt 6,1-9 o centro onde se encontra esse

cruzamento dos fios concatenados são os versos 4-5:

`dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv.

^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw>

`^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W

Indicamos os versos 4-5 como o centro da perícope, isto é, o fio condutor dos

demais fios que se estendem formando o tecido do texto de Dt 6,1-9. Os demais

versículos emolduram, fazem uma espécie de entorno para os versos 4-5 que são

apontados como o centro do texto.

O verso 1 inicia com um waw conversivo indicando o tema dos

mandamentos,ou, o mandamento, estatutos e juízos ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih;

tazOæw.

Este vs. 1 entendemos como costurado com os versos 8-9: ^d<+y"-l[; tAaßl.

~T'îr>v;q.W

e as atarás como sinal na tua mão... v. 9: `^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tzOðWzm.-l[; ~T'²b.t;k e as

escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas...

O v. 2 está ligado ao v.7, pois ambos referem-se a importância da transmissão,

do ensino dos mandamentos aos filhos e aos filhos dos filhos:

rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l. 2 ^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta,

`^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W

Portanto, temerás a YHWH teu Deus para guardar todos os seus estatutos e

mandamentos que eu te ordeno tú, teu filho e o filho de teu filho todos os dias da tua

vida para que se prolonguem os teus dias.

^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> 7

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`^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB.

E as inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em teu andar

e pelo caminho, ao deitar e ao levantar.

Os vs. 3 e 6 estão costurados pelo mesmo ponto teológico que é a importância da

guarda dos mandamentos: o v. 3 inicia com a expressão: T'är>m;v'w> ‘laer"f.yI T"Ü[.m;v'w > e

ouvirás Israel e guardarás ... enquanto o v. 6 se apresenta pela expressão:

^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> `^b<)b'l.-l[; ~AYàh;

E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.

Os vs. 4-5 são apontados por nós como o centro da perícope, aquele que é a

razão de ser dos demais fios que estão entrelaçados a esse fio condutor. Todos os fios se

encontram unidos com um objetivo comum, permanecerem no foco do centro, do fio

condutor do texto-tecido que é o Shemá Israel.

Abaixo elaboramos um quadro que nos dá uma ideia do conjunto que forma a

estrutura concêntrica do Dt 6,1-9:

dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv.

^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> `^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W

4. Ouve Israel, YHWH é o nosso

Deus, YHWH é um.

5. E amarás a YHWH teu Deus de

todo o teu coração, de toda a tua vida e

com todas as tuas posses.

1. E este o mandamento, os

estatutos e os juízos que

ordenou YHWH, vosso Deus,

ensinar para vós fazerdes na

terra que vós passais alí para

herdá-la.

8. E as atarás como sinal sobre tua

mão e estarão como sinal entre os teus

olhos.

9. E as escreverás sobre os umbrais da

tua casa e nas tuas portas.

2. Portanto, temerás a YHWH teu Deus

para guardar todos os seus estatutos e

mandamentos que eu te ordeno tú, teu

filho e o filho de teu filho todos os dias

da tua vida para que se prolonguem os

teus dias.

7. E as inculcarás a teus filhos e

falarás delas em teu assentar, em tua

casa, em teu andar e pelo caminho, ao

deitar e ao levantar.

3. E ouvirás Israel, e guardarás para

fazerdes e que seja bom para ti para

que te multipliques muito conforme

falou YHWH, Deus de seus pais, para

ti na terra que flui leite e mel.

6. E estarão estas palavras que eu te

ordeno hoje sobre o teu coração.

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1.5. Coesão do texto44

1.5.1. Introdução

A coesão é entendida como a operação que responde, do ponto de

vista textual, pela organização das unidades lingüísticas do texto e pela

conservação/progressão das informações nele contidas.

Em outras palavras, a coesão retrata uma “amarração” entre as

várias partes do texto, ou seja, um entrelaçamento significativo entre

declarações e sentenças.

A fala e também o texto escrito não se constituem apenas numa

seqüência de palavras ou de frases. A sucessão de coisas ditas ou escritas

forma uma corrente que vai muito além da seqüencialidade. Em outras

palavras, quando falamos de coesão textual, fazemos referência aos

mecanismos linguísticos que permitem uma sequência lógica e semântica

entre as partes de um texto, sejam elas palavras, frases, parágrafos, etc.

Entre os elementos que garantem a coesão de um texto, temos: as

referências e as reiterações: Este tipo de coesão acontece quando um

termo faz referência a outro dentro do texto, quando reitera algo que já foi

dito antes ou quando uma palavra é substituída por outra que possui com

ela alguma relação semântica. Alguns destes termos só podem ser

compreendidos mediante estas relações com outros termos do texto, como

ocorre em casos de catáfora e anáfora.

As substituições lexicais (elementos que fazem a coesão lexical):

este tipo de coesão acontece quando um termo é substituído por outro

dentro do texto, estabelecendo com ele uma relação de sinonímia,

antonímia, hiponímia ou hiperonímia, ou mesmo quando há a repetição da

mesma unidade lexical (mesma palavra).

44 BIEZUS, Marly de Fátima Gonçalves Tavares. A coesão textual na tessitura do texto: a referenciação

como artifício de construção de objetos discursivos. Unioesp, 2008. p. 1-21. http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_marly_fatima_goncalves_tavares. A introdução referente aos pressupostos de coesão e coerência utiliza como fonte

o trabalho da autora referida.

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Os conectores (elementos que fazem a coesão interfrásica): Estes

elementos coesivos estabelecem as relações de dependência e ligação

entre os termos, ou seja, são conjunções, preposições. A correlação dos

verbos (coesão temporal e aspectual): consiste no emprego correto dos

aspectos e tempos verbais, ordenando assim os acontecimentos de uma

forma lógica e linear, que irá permitir a compreensão da sequência dos

mesmos. São os elementos coesivos de um texto que permitem o

encadeamento das ideias, as articulações e ligações entre suas diferentes

partes.

Podemos entender melhor a coerência compreendendo os seus três

princípios básicos:

1) Princípio da não contradição: em um texto não se pode ter situações ou

ideias que se contradizem entre si, ou seja, que quebram a lógica.

2) Princípio da não tautologia: tautologia é um vício de linguagem que

consiste na repetição de alguma ideia, utilizando palavras diferentes. Um

texto coerente precisa transmitir alguma informação, mas quando há

repetição excessiva de palavras ou termos, o texto corre o risco de não

conseguir transmitir a informação. Caso ele não construa uma informação

ou mensagem completa, então ele será incoerente.

3) Princípio da Relevância: Fragmentos de textos que falam de

assuntos diferentes, e que não se relacionam entre si, acabam tornando o

texto incoerente, mesmo que suas partes contenham certa coerência

individual. Sendo assim, a representação de ideias ou fatos não

relacionados entre si, fere o princípio da relevância, e trazem incoerência

ao texto.

Deste modo podemos compreender o seguinte: Os elementos

contidos no texto vão se desencadeando dentro de uma sequência lógica e

estruturada onde os vocábulos estabelecem entre si uma relação de

dependência mútua. O que sucede no decorrer do desenvolvimento das

ideias já fora anunciado anteriormente, fazendo com que o texto seja

“tecido”, um entrelaçamento de fios, um todo coeso, organizado, de forma

que os fios se encontrem amarrados a ponto de não poderem ser vistos

isoladamente.

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1.5.2. Comentário sobre a Coesão da Perícope:

O texto de Dt 6,1-9 trata-se de uma perícope que possui uma estrutura precisa e

bem definida. Há indicadores no texto que confirmam tal coesão. O tema central é a

unicidade de YHWH, a saber, o tema do javismo.

Eixos principais dão coesão ao texto a partir de repetições. Um dos elementos-

eixo da perícope refere-se à advertência no tocante a unicidade de Javé e da guarda dos

mandamentos, estatutos e juízos. Alguns verbos como “ouvir” e “guardar”, aparecem

com frequência no texto garantindo a coesão literária e teológica. Substantivos se

repetem justificando a centralidade teológica do tema do javismo, a saber, a fé no Deus

único que se expressa através da obediência.

A centralidade do tema possui um entorno composto por subtemas, que são

expressos através de substantivos e verbos que se referem à guarda dos mandamentos,

estatutos e juízos.45

É importante notarmos que o tema está no centro da perícope.

Os elementos coesivos que aparecem no início do texto movimentam-se em

direção à centralidade do tema que se encontra nos versos 5 e 6.

Os versos posteriores retomam os subtemas do inicio em relação à guarda dos

mandamentos que irão sinalizar o centro.

O desfecho sinaliza o centro em concordância com os indicadores que se

apresentam desde o início que também apontam para a centralidade do tema e da

perícope.

A expressão que ocorre no vers. 1: “E este o mandamento, os estatutos e os

juízos”, se encontra “amarrada” com a expressão que faz o desfecho da perícope no

vers. 9:“ E as escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas”. Os

mandamentos, estatutos e juízos deveriam ser fixados nos umbrais. Encontramos coesão

45

A construção de um texto se faz em torno de um assunto pontuado, um tema. Esse tema, de certa

forma, tem que ser referenciado até o fim do texto, mas será misturado a outros subtemas, que farão parte

das argumentações discursivas e que vão gravitando em volta do tema central. Dessa forma vai-se

mantendo o assunto no fio do discurso e compondo o texto, a “tessitura”. No caso da perícope de Dt 6.1-9

o tema central possui uma moldura em seu entorno. Os subtemas são referentes à guarda dos

mandamentos, estatutos, juízos, e ocorrem juntamente com os conceitos antropológicos e outros

indicadores de coesão como artigos, conjunções e os verbos “ouvir” e “guardar”, que gravitam em torno

do centro que é o tema do javismo, a unicidade de YHWH.

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104

através desta moldura. No desfecho da perícope retomam-se os elementos anunciados

desde o início.

O movimento de aproximação dos entornos para o centro continua. No vers. 8

“E as atarás”... refere-se às palavras, aos mandamentos e estatutos que foram

pronunciados no início. Estes se desenrolam no decorrer do texto como elementos de

progressão textual coesiva. Um exemplo é a palavra que ocorre no vers. 2: “para

guardar”.

O verbo indica a guarda dos mandamentos, estatutos e juízos que aparecem no

início da perícope, sendo que no desfecho os mesmos devem ser fixados nos umbrais

das portas, e no vers. 8 devem ser “como sinal sobre a tua mão” e “como sinal sobre os

teus olhos”. No vers. 7 os mandamentos, estatutos e juízos anunciados no início da

perícope, no vers. 1, posteriormente retomados no vers. 2 para serem guardados, são

ordenados para que sejam “inculcados aos filhos”.

Deste modo mais uma vez nos aproximamos ao centro da perícope através da

ligação dos termos com o vers. 3: “E ouvirás Israel e guardarás... Neste caso

encontramos mais alguns elementos de coesão na narrativa.

Marcas na progressão do enredo nos indicam que a perícope é bem estruturada.

Umas destas marcas é o entrelaçamento e a ordem das informações contidas no texto,

como também a sua progressão na ordem dos acontecimentos. Os indicadores de coesão

que fazem parte do desfecho e do índice no início da perícope estão conectados dentro

de uma estrutura lógica que propõe uma solução, uma saída, um desfecho para os

problemas enfrentados no passado e os desafios do futuro.

No vers. 6 os elementos de coesão aparecem, porém agora as palavras devem ser

fixadas “no coração”. Assim, nos aproximamos do centro da perícope conforme a nossa

proposta desde o primeiro capítulo desta pesquisa. Defendemos a hipótese de que o

centro do texto encontra-se nos versos 4 e 5.

A perícope possui coesão do ponto de vista de uma análise linguística-bíblico-

antropológica.46

46

O ser humano convocado a guardar os mandamentos é visto de forma integral na perícope de Dt 6.1-9.

Palavras como néfesh e lev demostram tal coesão antropológica por auxiliarem na descrição do ser

humano como um todo.

O narrador traz consigo estes pressupostos que remontam a antropologia semítica e o pensamento

estereométrico-sintético. Esse modo estereométrico-sintético de pensar determina o espaço vital do ser

humano mediante a citação de órgãos característicos, descrevendo desse modo a totalidade do ser

humano. Deste modo a concepção estereométrica-sintética pressupõe uma visão integrada, holística, ou

seja, uma visão de conjunto dos membros e órgãos do corpo humano, juntamente com suas funções e

características. O membro nesse caso é visto juntamente com a sua função. Deste modo quando se fala de

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O mandamento do amor a Deus colocado de forma imperativa através do shema

Israel remonta ao decálogo do capítulo 5 que traz consigo também a exigência do amor

ao próximo. O amor ao próximo não se restringe a uma abstração afetiva mas se

concretiza na prática da justiça e da solidariedade. Quem ama o próximo não furtará os

pertences do próximo e nem tomará a esposa do próximo por mulher. Amar ao próximo

é respeitar os seus próprios limites como também do seu irmão, o pobre. Desta forma

podemos identificar pontos de contato entre nossa perícope e o decálogo, ou seja,

situando o nosso texto num contexto mais amplo encontramos uma estrutura 5-28

delimitando o texto por uma espécie de moldura que envolve os relatos, imprimindo

também à nossa perícope características próprias e peculiares principalmente no tocante

aos vocábulos antropológicos.

Portanto podemos compreender a estrutura de Dt 6,1-9 como um tecido. Os fios

se encontram entrelaçados e amarrados dando coesão à tessitura como um todo. No

início da perícope a expressão “e estes” se encontra conectada aos “mandamentos” que

ocorrem juntamente com os artigos e conjunções, pois os mesmos aparecem aglutinados

através da expressão: “os mandamentos, os estatutos e os juízos”. Na sequencia toda o

desenrolar do tecido é mera continuidade tornando a sequencia dos eventos cada vez

mais amarrados. “Portanto”, “consequentemente”, “temerás ao YHWH teu Deus”, ou

seja, após ter acesso aos mandamentos os israelitas devem temer e guardar as

néfesh se pensa no órgão “garganta”, juntamente com a sua função, ou seja, “órgão da respiração”. Sendo

assim a vida como um todo se encontra na garganta “néfesh”. Do mesmo modo pensa-se no coração

juntamente com suas funções, logo a vida como um todo passa pelo coração e está comprometida com

ele. Tamanha importância estes vocábulos possuem no pensamento semita, que às vezes são trocados por

pronomes. Tanto néfesh como lev abarcam o ser humano em sua totalidade. Sobre o pensamento

estereométrico sintético conferir: WOLFF, Walter, Hans. Antropologia do Antigo Testamento. Edições

Loyola, São Paulo, 1983. A ilustre obra de Hans Walter Wolff possui como objetivo principal remontar a

visão holística de ser humano descrita no Antigo Testamento. Isso ocorre num período de desilusão com o

próprio ser humano, principalmente na Alemanha devido às atrocidades das grandes guerras,

especialmente (1914-1918). Neste período surge a crise seguida do questionamento do ser humano

acerca de si mesmo: O que vem a ser o ser humano? Porque o progresso das ciências e da técnica não nos

conduz unicamente à claridade, mas também nos lança sempre em trevas? Porque o abuso de

conhecimentos e métodos científicos tomam formas ameaçadoras, não só nas práticas das ciências

naturais, mas também nas chamadas ciências humanas? Porque pesquisas como a medicina, a química, a

farmácia, a psicologia e a teologia que proclamam a sua vocação humana começam a se esquecer do ser

humano? Oportunidades de lucro, primazia da razão e da técnica, o individualismo exacerbado, planos e

estatísticas desviam o olhar do ser humano moderno acerca de si mesmo. É importante destacar também

os acontecimentos e as atrocidades no nazismo. Durante e após os equívocos cometidos nesse período

alguns investigadores encontraram um meio de remontar uma antropologia a partir da Bíblia. O principal

teólogo a chamar a atenção para o lugar em que o ser humano poderia verdadeiramente ser compreendido

foi Karl Barth, referindo-se às escrituras do

Antigo e Novo Testamento. A Bíblia seria o lugar de encontro do ser humano com Deus, segundo Barth,

nesse período. O ser humano havia se tornado um enigma. Em todos os ramos do saber surgiram

pesquisas no intuito de investigar os conceitos antropológicos.

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prescrições que ainda serão anunciadas. “E ouvirás Israel”, e guardarás para cumprir...

Mais uma vez o narrador desperta a atenção dos seus ouvintes no intuito de orientá-los

com toda a diligência e o cuidado devido. Novamente os fatores de coesão aparecem

dando uma sequencia lógica. O israelita que ouvir e guardar para fazer tudo conforme

lhe será ordenado estará obedecendo e fazendo o bem a si mesmo, para que

“multipliques”, conforme falou YHWH Deus dos pais na terra que flui leite e mel. O

ouvir e guardar, a observância, e a obediência aos mandamentos no caso do

deuteronômio, são seguidas de uma recompensa. Mais uma vez os israelitas são

convocados a “ouvir”, no caso no vers. 4 onde o verbo aparece como indicador de

coesão, pois dá sequencia ao que consideramos um dos fatores teológicos relevantes na

nossa perícope, “o ouvir”, “o atentar para guardar os mandamentos”: Ouve Israel,

YHWH é o nosso Deus YHWH é um!

1.6. Estilo literário

Trata-se de uma narrativa. Em um texto narrativo encontramos alguns elementos

fundamentais como cenário, tempo, espaço, e o local onde se narra.

A narrativa possui uma estrutura e uma descrição de personagens que vivem ou

que irão viver uma situação. Faz parte da estrutura narrativa encadear os eventos de

forma em que haja um desfecho, uma proposta de solução para que os personagens

superem os desafios e os problemas enfrentados.

No caso da perícope de Dt 6 fica evidente esta estrutura seguida de tal proposta.

O narrador deuteronomista também se utiliza de técnicas na tentativa de criar

uma atmosfera que produza no leitor algum sentimento, ou no intuito de prender a sua

atenção através de um suspense. No caso da nossa perícope o narrador utiliza de

recursos narrativos a fim de prender a atenção do leitor e fazer com que o mesmo vá pra

diante e parta trás da pericope de Dt 6. 1-9. Para trás o narrador desloca a atenção do

leitor em direção à memória, isto é, os feitos de YHWH no Egito, e ao decálogo de Dt

5, e para frente sinaliza, para o cumprimento da promessa, a terra, conduzindo o leitor

para o código deuteronomico 12-26. O narrador não se utiliza obviamente da expressão

código deuteronomico mas pressupõe que adiante irá especificar o significado da guarda

dos mandamentos, estatutos e juízos de forma pormenorizada. A perícope de Dt 6,1-9 é

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uma narrativa em discurso direto cujo narrador é anônimo, isto é, ele narra de forma

direta as palavras de Moisés. A legitmimação de tal afirmação se encontra em Dt 1.1:

“Estas são as palavras que falou Moisés para todo Israel”... Na perícope de Dt 6 Moisés

e o seu público estão fora da terra prometida aguardando entrar nela. No caso do

narrador este também se encontra fora da terra, no exílio. Ambos aguardam pelo favor

de YHWH para tomarem posse da terra. A conquista da terra conforme abordamos

anteriormente é condicionada por alguns fatores, a saber, o amor ao Deus único

reivindicado pela religião javista. O amor deve se concretizar através da observância e

da guarda dos mandamentos.

1.7. Gênero literário

A expressão ouve Israel é composta por uma

cadeia de vários interativos que é o prefácio

dos sermões subsequentes com o objetivo de

chamar atenção à importância do assunto. As

palavras “Ouve Israel” são evidentemente

uma fórmula de estereótipo no

Deuteronômio. Sendo assim, a hipótese de

que essas cláusulas são meramente

ferramenta literária não pode ser aceita

facilmente, portanto devemos perguntar qual

a sua origem. Provavelmente se refere a

coisas tradicionais dos dias antigos da

adoração da assembleia ou das tribos.47

De início, queremos ressaltar a presença de alguns resquícios no texto que

deixam entender que, a perícope de Dt 6,1-9, possui aspecto poético e alguns traços

daquilo que se chama “paralelismo”, na literatura hebraica.

Quando falamos de paralelismo não há possibilidade de definirmos o conceito

apenas a partir dos três tipos de paralelismo, como sinonímico, sintético e antitético.

É tarefa muito difícil fazer o mapeamento destes três aspectos do paralelismo de

forma rígida. O verso hebraico possui muita liberdade. Varia entre poesia e prosa

ritmada bem como nas frequentes e imprevistas passagens da prosa à poesia e vice-

versa.

47

RAD, Von. Deuteronomy. Tradução de Dorothea Barton. Westminster Press Philadelphia, Pensylvania,

1966, p. 63

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108

No entanto entendemos que na perícope de Dt 6,1-9 podemos identificar alguns

aspectos de paralelismo denominado de sinonímico.

Há uma cuidadosa correspondência entre coisas e coisas, entre palavras e

palavras umas e outras perfeitamente medidas e correlatas.

A relação de sinonímia encontra-se nos versos alternados, correspondendo o v. 1

aos vs. 8-9, sendo que estes últimos exprimem o efeito do que se diz no v. 1.

O v. 7 é um reflexo, ou efeito do que se diz no v. 2, enquanto o v. 6 é também

efeito do que se afirma no v. 3.

Mas, a elegância do paralelismo sinonímico da perícope se concentra na

superposição do quiasmo. Superposição porque, constitui um centro, a saber, os vs. 4-5,

enquanto isso os demais versos surgem correspondendo-se entre eles entorno deste foco

que é o centro donde os vocábulos, expressões e palavras permanecem orbitando.

Portanto podemos levar aos vários entendimentos, de que a unidade literária

poderá vir acompanhada de alguns aspectos da poética hebraica. Uma das características

encontradas é a métrica com rima.

Exemplo v. 1:

~yjiêP'v.Mih;w ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; tazOæw>

~k,_t.a, dMeäl;l. ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa

~T,²a; rv<ïa] #r<a'êB' tAfå[]l;

`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o

A rima poderá existir como procedimento didático, ou seja, como forma de

facilitar o entendimento, o aprendizado, o armazenamento das informações na memória.

A poesia, o poema, o canto, são formas fáceis de serem arquivadas no

consciente/memória, pois a sonoridade é pressuposto para que as palavras se combinem

de forma simétrica conforme o exemplo acima através da expressão:

~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; ha-mitsvah ha-huquim we-ha-mishpatim...

Assim, a rítmica presente na perícope de Dt 6,1-9 remete-nos ao sentido didático

na apropriação do texto de forma hábil. Um exemplo de tal procedimento poder ser

demonstrado através da justaposição de expressões chaves que são encadeadas não

apenas pela significação, mas pela semelhança sonora conforme da expressão contida

no v. 2:

rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l.

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^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta,

`^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W

Podemos notar a métrica rítmica utilizada pelo redator deuteronomista através de

expressões que possuem terminações sonoras muito semelhantes.

O redator deuteronomista utiliza de repetições frequentes no tocante às

terminações de algumas palavras na forma gramatical de sufixo pronominal na segunda

pessoa do singular. Só no v. 2 aparecem seis vezes tais expressões acompanhadas por

sufixo pronominal conforme o esquema abaixo:

1. ^yh,ªl{a/

2. ^W<c;m.

3. ^ån>biW

4. ^ên>Bi-!b,W

5. ^yY<+x; ymeäy> lKoß

6. ^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W

Estes fatores podem remontar tantos às descrições das estruturas literárias

quanto legislativas das sociedades e culturas próximas daquela época.

A cláusula, a ordenança, o chamamento poderá não ser meramente literário,

podendo ser também parte de um ambiente de culto, de tradição oral, de ordenanças

legislativas.

Podemos considerar, a fórmula de estereótipo lae_r"f.yI [m;Þv. Ouve Israel! uma

designação prática do sistema método/didático daquele tempo, quer seja, o do direito

e/ou dos contratos hititas conforme abordagem anterior, no capítulo primeiro.

Em equiparação contextualizada desta última designação, poderíamos referir-nos

a legislação atual com seus artigos, parágrafos e incisos, organizados de forma

facilitadora para a guarda, para a busca na memória pelos operadores do direito, o que

facilita uma busca rápida e habilidosa nos arquivos imaginários.

No v. 5 o redator deuteronomista utiliza novamente a justaposição de expressões

com terminações semelhantes, porém nesse caso, utiliza suas ferramentas gramaticais

não apenas no intuito de cativar o lev (sentimento/racionalidade) de seus destinatários

através da sonoridade das expressões tiradas do seu acervo vocabular, mas no intuito de

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110

justapor termos antropológicos que descrevem a reivindicação da entrega total do ser

humano à YHWH:

^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw>

`^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W

Levantamos a hipótese de uma forma sistemática-metodológica-didática

caracterizada pela memorização de textos rítmicos, simétricos, poéticos. Não obstante, o

sistema de chamamento poderá fazer alusão ao cânon do Deuteronômio, à lei.

A fórmula Ouve Israel! poderá ser entendida como uma designação de cláusula,

um símbolo, uma forma de pensamento para designar a importância da lei na época.

No entanto, o escutar no pensamento semita possui sentido concreto. Escutar é

com o lev! Pois o lev é também o órgão da escuta!

2. Estudo do Conteúdo com Análise Semântica. (Nível

Diacrônico)

rv<ïa] ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; tazOæw> 6:1

rv<ïa] #r<a'êB' tAfå[]l; ~k,_t.a, dMeäl;l. ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci `HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o ~T,²a;

w> partícula de conjunção “e”.

hz< adjetivo, pronome, demonstrativo feminino singular.

h; partícula artigo o, a, os, as.

hw"c.mi substantivo feminino singular absoluto comum.

h; partícula artigo.

qxo substantivo masculino plural comum absoluto.

w> particular de conjunção “e”.

h; partícula artigo.

jP'v.mi substantivo masculino plural comum absoluto.

rv,a] pronome (partícula) relativo.

hwc verbo piel perfeito terceira pessoa do singular masculino.

hwhy nome próprio, substantivo, sem sexo, nenhum estado.

~yhil{a/ substantivo masculino plural comum, no caso, com sufixo pronominal segunda

pessoa do plural masculino.

l. partícula de preposição para, em direção à.

Dml verbo piel infinitivo construto aprender, ensinar.

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111

tae partícula do objeto direto marcado + sufixo segunda pessoa masculino plural

homônio.

l. partícula de preposição.

hf[ verbo qal infinitivo construto homônimo.

B. partícula de preposição.

h; partícula de artigo.

#r,a, substantivo comum feminino singular absoluto.

rv,a] partícula pronome relativo.

~T,a; pronome independente segunda pessoa masculino plural.

rb[ verbo qal particípio masculino plural homônimo absoluta.

~v' partícula de advérbio direcional.

l. partícula de preposição.

vry verbo no infinitivo qal construir sufixo terceira pessoa do singular feminino.

A unidade literária se inicia com a exposição de três substantivos cujos

significados são sinônimos. Mitsvah, hoq e mishpat se apresentam unidos e indicados

pelo demonstrativo zot que inicia o verso. Em seguida são precedidos pelo artigo

definido sendo que o vocábulo mishpat além do artigo, vem acompanhado de uma

conjunção “e”, ou vav conversivo. Optamos traduzir mitsvah por “mandamentos”, hoq

por “estatutos”, e mishpatim por “juízos”. Conforme afirmamos anteriormente há

unanimidade entre dicionários acerca da interpretação destes vocábulos como

sinônimos. Em parte concordamos, mas iremos fazer uma ressalva, uma distinção.

Entendemos a expressão mishpat, “juízos”, como relacionados às consequências da

observância ou não das mitsvot, “mandamentos”, expressos pelo Deuteronômio. Por

outro lado concordamos com certa unanimidade entre autores acerca dos vocábulos

terem sentido sinonímico. Ainda no mesmo verso pronome relativo asher aparece

precedendo um vocábulo importante que é o verbo tsvah que optamos traduzir como

“ordenou”, e em segundo plano “decretou”.

O nome YHWH refere-se ao nome de Deus.

Outro verbo importante é lmd que ocorre aqui nesse verso na forma piel e

optamos traduzir por “ensinar”. Este “ensinar” é procedido pela expressão etchém

indicando o local, sinalizando a palavra eretz traduzido por nós por “terra” no sentido

territorial.

rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l. 6:2

^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta, `^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W

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l. particular de preposição

ary verbo qal imperfeito segunda pessoa masculino singular

tae particular do objeto direto

hwhy nome de Deus, nome próprio sem sexo, nenhum número, de nenhum estado.

~yhil{a/ substantivo comum masculino aparece no texto com sufixo, construção plural

2 ª pessoa masculino singular.

l. particular de preposição.

rmv verbo qal infinitivo construto, “guardar”.

tae particular do objeto direto.

lKo substantivo comum construção singular masculino

hQ'xu substantivo comum feminino com sufixo, construção plural 3 ª pessoa masculino

singular.

w> particular de conjunção

hw"c.mi substantivo comum feminino com sufixo, construção plural 3ª pessoa masculino

singular.

rv,a] partícula relativa (pronome relativo).

ykinOa' pronome primeira pessoa singular independente.

hwc verbo piel particípio construção singular masculino sufixo 2 ª pessoa masculino

singular.

hT'a; pronome segunda pessoa independente masculino singular.

w> particular de conjunção “e”.

!Be substantivo comum masculino, aprece no texto com sufixo construção singular 2 ª

pessoa masculino singular homônimo.

w> particular de conjunção.

!Be substantivo comum masculino sufixo construção singular 2 ª pessoa masculino

singular homônimo.

lKo substantivo comum construção singular masculino.

~Ay substantivo masculino comum construção plural.

yx; substantivo comum com sufixo construção plural 2 ª pessoa singular masculino

homônimo.

w> particular de conjunção.

![;m;l. partícula de conjunção.

$ra verbo hiphil imperfeito 3 ª pessoa masculino plural

~Ay substantivo masculino comum construção plural.

O verso 2 inicia com o termo lemaan estabelecendo assim um elo de ligação

com o versículo anterior. Tal relação quer deixar evidente a sequencia textual.

O texto está sendo desenvolvido e o redator faz questão de utilizar este elo de

ligação entre o verso 1 e 2, isto é, como ponte no intuito de não deixar lacunas entre um

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113

hemistíquio e outro, ou seja, entre o que foi dito anteriormente e o que será

desenvolvido, anunciado posteriormente. Um vocábulo importante que ocorre no

versículo é o verbo shamar.

O verbo está vinculado teologicamente e linguisticamente aos substantivos hoq e

mitsvot. Notemos que tais vocábulos fazem parte das expressões e palavras-chaves que

norteiam o livro do Deuteronômio. Estas expressões e vocábulos ocupam um lugar

central na teologia deuteronomista. Os mandamentos deveriam ser guardados e

transmitidos aos filhos, e aos filhos dos filhos, para que os israelitas pudessem viver

bem na terra que passariam a herdá-la.

‘rv,a] tAfê[]l; T'är>m;v'w> ‘laer"f.yI T"Ü[.m;v'w> 6:3

yh eÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; dao+m. !WBßr>Ti rv<ïa]w: êl. bj;äyyI p `vb'(d>W bl'Þx' tb;îz" #r<a,² %l'ê ‘^yt,’boa]

w> particular de conjunção.

[mv verbo qal+waw consecutivo segunda pessoa perfeita masculino singular.

laer'f.yI nome próprio sem sexo, nenhum número, de nenhum estado.

w> particular de conjunção.

rmv verbo qal+waw consec segunda pessoa perfeita masculino singular

l. particular de preposição.

hf[ verbo qal infinitivo “fazer”.

rv,a] partícula relativa (pronome relativo).

bjy verbo qal imperfeito 3 ª pessoa masculino singular.

l. partícula de preposição + sufixo 2 ª pessoa masculino singular.

rv,a] partícula relativa (pronome relativo).

hbr verbo qal imperfeito segunda pessoa masculino plural.

daom. particula adverbial.

rv,a]K; : K. + rv,a]: preposição+pronome relativo.

rbd verbo piel perfeito 3 ª pessoa masculino singular homônimo.

hwhy nome divino.

~yhil{a/ substantivo comum construção plural masculino.

ba' substantivo comum masculino + sufixo construção plural 2 ª pessoa masculino

singular.

l. particular de preposição sufixo segunda pesssoa singular.

bwz verbo qal particípio construção singular feminino.

bl'x' substantivo comum masculino singular absoluto.

conjunção + substantivo comum masculino singular absoluto.

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114

“E ouvirás Israel” “e guardarás para fazer”.... O verbo aqui se apresenta na

forma verbo qal+waw consecutivo, ou seja, é precedido pala conjunção vaw no intuito

de estabelecer ligação com o a afirmação anterior do verso 2, dando uma sequência

lógica aos acontecimentos narrados. Israel deve ouvir e guardar para fazer...

Não bastaria somente ouvir, ou somente ouvir e guardar, mas fazer, exteriorizar

os mandamentos de YHWH em atos concretos de justiça. Esta era a condição para que

vivessem bem na terra que flui leite e mel.

`dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv. 6:4

[mv verbo qal imperativo masculino singular.

laer'f.yI nome próprio sem sexo nenhum número de nenhum estado.

hwhy nome do divino.

~yhil{a/ substantivo plural masculino.

hwhy nome do divino.

dx'a, cardeal numeral masculino absoluto singular.

O v. 4 inicia com o verbo shemá. Esta expressão verbal é considerada por muitos

exegetas o vocábulo mais importante da perícope. A palavra aparece no texto na forma

QAL como imperativo do verbo e é endereçada à Israel.

Ouça Israel , YHWH é nosso Deus , YHWH é ehad um! - Escuta Israel, YHWH

é nosso Deus , YHWH é um.

Linguisticamente falando pode-se justificar a

tradução: YHWH, nosso Deus, é um YHWH é

único, quer dizer um, ao qual não se poderia

dividir e diferente dos deuses e poderes, como

os baais de Tiro, Assor ou Siquém etc. Como

uma pessoa que reúne em si tudo o que um

israelita pensa que é próprio sobre Deus. Mas

também é possível outra tradução: YHWH é

nosso Deus, somente YHWH!, na qual teria

mais em conta a sua exclusividade diante das

demais divindades. É preciso ter a atenção

sobre a importância dos sinais cumpridos no

Egito para o conhecimento da singularidade de

Deus na literatura deuteronomista. Esta frase

remonta a época de Josias e conheceu várias

interpretações, mas em todo caso se

transformou na confissão básica do monoteísmo

absoluto. Com isso a unicidade de Deus se

transformou no artigo mais importante e

fundamental do conhecimento humano, não

somente do ponto de vista simplismente

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115

religioso, mas também do teológico e do

metafísico.48

Conforme afirmamos anteriormente, o verso 4 começa com o imperativo do

verbo. Israel é convidado a ouvir, Israel é convidado a ouvir em primeiro lugar, que

YHWH é ehad um (único).

Este convite liga o v. 4 ao v. 5. O próprio v. 5 é uma construção sintática em

conjunto com os versos 6-9 e, portanto, proporciona a ligação entre o primeiro convite e

o resto do texto. Podemos entender o preceito fundamental do v. 5 seguido pelos

indicadores de coesão por "meios" para viver esta confissão teológica.49

Shemá é um convite para agir conforme um projeto que possui uma fórmula

centralizadora na tentativa de refutar qualquer relação entre YHWH e os muitos

santuários locais. Tal fórmula é o pressuposto teológico fundamental para a

interpretação do Dt 4.1-9.

“Ouve Israel, Javé nosso Deus, Javé (é) único. E deves amar

Javé, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e

com toda a tua força.” Esta palavra sintetiza tematicamente a

intenção principal do Deuteronômio: doação indivisa ao único

Deus. Provavelmente não há outro livro do AT que, por um

lado, fale com tanta intensidade do amor de Deus e que, por

outro lado, convoque o ser humano em contínuas exortações

para que ame a Deus e se regozije com suas dádivas. O

Deuteronômio, considerado a segunda lei (sendo a primeira a

do Sinai) – o nome surgiu em razão da interpretação

equivocada do termo “cópia da lei” em Dt 17.18 – trata de

granjear a aprovação do povo para esta lei.50

A preocupação dos redatores deste versículo parece ter sido a de resumir em

poucas palavras a essência da teologia de Israel, e isso às vezes traz consigo a hipótese

de uma suposta origem puramente cultual e nesse caso teria mais o sentido de uma

confissão de fé.

Estamos portanto na presença de duas hipóteses usando exatamente a mesma

formulação, com uma diferença mínima na aparência, mas apenas na aparência.

Podemos ler: Ouça Israel, YHWH Deus é único! Podemos entender que estamos sem

dúvida, na presença de uma formulação monoteística com a rejeição absoluta de outros

deuses. Porém, estaríamos na presença de uma afirmação monoteística de Israel em

relação a si mesmo, em referência aos santuários locais? Nós temos que fazer uma

48

EICHRODT, Walter. Teologia do Antigo Testamento. Tradução: Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo:

Editora Hagnus, 2004, p. 198. 49 Jean- Lucien e David Borda Hamido vićSource : Vetus Testamentum , vol. 52, Fasc . 1 (Jan. 2002), p.

13-29, Published por: URL BRILLStable : http://www.jstor.org/stable/1585100. 50

SCHMIDT. H, Werner. Introdução ao Antigo Testamento. p. 119.

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escolha difícil, que pode ser resumida por esta pergunta: YHWH é único para a

exclusão de outras divindades ou único YHWH em relação à exclusão dos deuses

locais? Em outras palavras, o shemá , vai na direção de uma afirmação monoteística

exclusiva ou inclusiva?51

O autor levanta essa questão, essas duas hipóteses acerca da

intepretação desta passagem, porém entendemos que as duas opções são viáveis, visto

que o projeto centralizador poderia possuir o objetivo de desfazer os cultos locais e ao

mesmo tempo desconstruir a ideia de politeísmo. Mas veremos a seguir quais são as

contribuições de outros autores concernente à interpretação do shemá Israel.

Da mesma forma afirma Wolfram Herrmann52

, que do ponto de vista da sintaxe

e do estilo, a unidade tem inicio com o imperativo shemá, seguido do vocativo “Israel”.

O vocativo confere à fórmula caráter de invocação, chamado. Se o nome no

vocativo é o de YHWH a interpelação transforma-se em invocação ou súplica.

Em 6,4 o vocativo é o nome de Israel, e logo assume a forma de um convite.

Neste caso o convite é um apelo para que Israel ouça que o YHWH é uno (v. 4b).

Sobre a palavra mais importante da perícope, o autor referido afirma a

necessidade em interpretar o shemá em relação a várias partes do seu contexto, pois

alguns comentários podem auxiliar sobre o significado do shemá no seu contexto

histórico.

Alguns exegetas têm defendido a seguinte interpretação: "YHWH é um", isso

pelo fato de pesquisadores identificarem pontos de contato, com a afirmação de que, tal

unicidade refere-se ao movimento em direção a centralização e unificação do culto, no

tempo de Josias. Esta seria uma hipótese, afirma o autor.

Segundo J. Gerald53

o sentido tem o seu fundo comparativo na Mesopotâmia. No

início do primeiro milênio a.C. a questão religiosa para os babilônios foi constituída por

duas formas contrastantes, em duas metáforas para os deuses. Desta forma o surgimento

da afirmação possui este aspecto religioso de resposta de Israel a este ambiente de

confronto no tempo da composição do Deuteronômio.

51 Jean- Lucien e David Borda Hamido vićSource : Vetus Testamentum , vol. 52, Fasc . 1 (Jan. 2002), p.

13-29, Published por: URL BRILLStable : http://www.jstor.org/stable/1585100. 52

Wolfram HerrmannSource: Jahwe und des Menschen Liebe zu ihm zu Dtn. VI 4. Vetus Testamentum,

Vol. 50, Fasc. 1 (Jan., 2000), pp. 47-54, Published by: BRILLStable URL:

http://www.jstor.org/stable/1585533. 53 J. Gerald Janzen Source: Vetus Testamentum, Vol. 37, Fasc. 3 (Jul., 1987), pp. 280-300, Published by:

BRILLStable URL: http://www.jstor.org/stable/1517630.

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Israel só tem YHWH Deus como o Senhor e deve estar unicamente nele a sua

devoção. Alguns entendem a palavra como número e no sentido de "beleza única",

YHWH era único e incomparável, Ele é único no seu género e na sua natureza, quer

dizer, YHWH é uma personalidade não localmente diversa.

O Senhor é o único que realmente deve reinar como rei e verdadeira divindade.

Isso significa que não há negação de outros deuses, mas o fato de que Ele foi para Israel

, o único, onde as necessidades da vida somente Ele foi capaz de suprir.

Podemos interpretar da seguinte forma: Israel quer descrever a “personalidade”

de YHWH que também se aplica ao amor indiviso do seu povo. O mandamento do

amor em Deuteronômio ocupa um lugar central.

A ênfase na indivisibilidade do Senhor faz parte da teologia de quem devemos as

leis dos pregadores deuteronomistas.

Os produtores das jurisdições do Deuteronômio formularam as leis para que as

pessoas cumprissem o amor e o estabelecessem como base para a vida como um todo.

^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> 6:5

w> particula de conjunção.

bha verbo qal + waw consec segunda pessoa perfeita masculino singular.

tae partícula do objeto direto.

hwhy nome de Deus, próprio, sem sexo, nenhum número, de nenhum estado.

~yhil{a/ substantivo comum masculino sufixo construção plural 2 ª pessoa masculino

singular.

B. particula de preposição.

lKo substantivo comum masculino singular.

bb'le substantivo comum masculino+sufixo construção singular 2 ª pessoa masculino

singular.

w> partícula de conjunção.

B. partícula de preposição.

lKo substantivo comum masculino singular construto.

vp,n< substantivo comum feminino+sufixo construção na 2 ª pessoa masculino singular.

w> particular de conjunção.

B. partícula de preposição.

lKo substantivo comum masculino singular construto.

daom. particula adverbial+ sufixo 2 ª pessoa masculino singular.

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118

É importante explorar principalmente o conceito deuteronômico de coração, este

vocábulo é de suma importância para o desenho, a construção deste arquético corpóreo-

espacial.

A relação com Deus pode ser trabalhada nesta base, os "problemas do coração",

visto que por causa da conduta do coração, Israel pode ser levado à rejeição de YHWH .

A perspectiva espacial no coração desempenha uma dupla função. É um lugar

onde estarão “estas palavras", ou seja, podem ser colocadas no lev coração, e ao mesmo

tempo o lev está sujeito ao espaço, criando sínteses para formar outros conceitos

espaciais. A vontade de YHWH deve ser guardada no coração para aplicação num

espaço. Ela transcende o corpo pois deve ser aplicada dentro do espaço.

A compreensão do coração abrange esse lugar especial entendido por nós

também como “centro”, mas também se desdobrando em posturas físicas no espaço.

O principal mandamento do v. 5 está entrelaçado, ligado à afirmação anterior de

que YHWH é um.

Posteriormente no mesmo v. 5b a sequência da narrativa é composta por elos de

corrente, isto é, os conectores ligam-se uns aos outros. Três vezes no v.5 é afirmada a

expressão de totalidade através das preposições seguidas do kol (todo), do lev

“coração”, de toda a sua néfesh “vida”, e de todas as suas “posses”, meod.

A expressão de totalidade afirmada três vezes no v. 5 entende-se como um apelo

para que Israel se entregue de forma integral ao YHWH único. Tanto lev como néfesh e

meód são apresentados como sede do amor ao YHWH único. Semelhantemente os dois

pares de palavras assentado em tua casa /andando pelo caminho, ao deitar-te/ao

levantar-te em razão de sua construção em antítese, indicam toda a atividade humana de

forma holística e integral. Intimamente ligados estão as expressões precedentes que

referem-se às imagens visuais: sinal visível no punho e na fronte, nos umbrais das casas

e nas tuas portas. As mãos e os olhos devem associar-se à néfesh, a vida como um todo

e ao lev, coração. Deste modo o ser humano deve articular as faculdades internas do v.5

com as faculdades externa do v.8. Assim o ser humano como um todo, global, integrado

está acatando o imperativo do v. 4 Shemá Israel! A totalidade da pessoa desta forma

está comprometida com o amor indivisível de YHWH.

Entendemos que o ponto central, o eixo da perícope, se encontra nos versos 4-5.

Este é o ponto de encontro e de convergência entre os demais versos da unidade.

A afirmação chave da lei israelita quer possuir uma relação intrínseca com a

atitude chave do povo de Israel.

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As inúmeras ocorrências dos pronomes pessoais tem por objetivo alcançar a

pessoa no seu interior a fim de dar impulso e engajamento à ação concreta no exterior.

As fórmulas de totalidade do v.5 são posições análogas à das formas antitéticas

do v.7. De todo o teu lev implica em oposição à parte do lev e de toda a tua néfesh está

em oposição à parte da néfesh. No entanto a questão que permanece é se esses critérios

são válidos em relação ao nome de YHWH já que o imperativo shemá reivindica a

unicidade de YHWH. Seria YHWH múltiplo? No entanto quando se afirma que YHWH

é uno ou único afirma-se que ele não é divisível. Através dos conectivos que ligam os

versos 4-5 legitimamos a seguinte interpretação: Se YHWH é uno e indivisível, o amor

a Ele deve ser de forma única, sem reservas.54

Aqui no v. 5 conforme já abordamos anteriormente encontra-se uma lista de três

elementos onde pelo menos dois (lev e néfesh) se referem a conceitos antropológicos.

A primeira perspectiva de ação descreve a atitude de Israel para com Deus: "E

amarás

O Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a sua vida , e com todas

as tuas forças. Com três metáforas diferentes descreve-se este amor acerca do qual a

pessoa deve cultivar. Pessoa, inclui compreensão ( lev ), vitalidade, ( néfesh ) e

“extremo esforço”. Neste caso identificamos um caráter antropológico no texto. O ser

humano convocado a “ouvir” é visto de forma integrada, onde não apenas um setor da

vida humana é considerado, mas o todo. Entendemos que tal unidade ou visão

antropológica holística pressupõe desde o início o caráter único e indivisível de Javé, ou

seja, assim como Javé é um e indivisível, o ser humano israelita não poderia estar

dividido em relação à sua fé em YHWH. O Deus único e indivísivel requer dos

israelitas a mesma unidade.

Estes vocábulos possuem relação de ligação entre si. No v. 7 aparece uma outra

lista de quatro infinitivos temporais. Além disso, a preposição é usada várias vezes (v.

6. 8. 9.). Estes fenômenos do texto correspondem à unidade composicional do conteúdo.

A partir da análise do v. 6 a seguir, entraremos com mais afinco na averiguação da

relação espacial destes conceitos.

^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> 6:6

`^b<)b'l.-l[; ~AYàh;

54

Wolfram Herrmann Source: Jahweh und des Menschen Liebe zu ihm zu Dtn. VI 4. Vetus

Testamentum, Vol. 50, Fasc. 1 (Jan., 2000), pp. 47-54, Published by: BRILLStable URL:

http://www.jstor.org/stable/1585533.

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120

w> particular de conjunção.

hyh verbo qal+waw consec perfeito plural comum 3 ª pessoa.

h; particular de artigo.

rb'D' substantivo comum masculino plural absoluto.

h partícula de artigo.

hL,ae adjetivo tanto plural nenhum estado.

rv,a] pronome relativo.

ykinOa' singular comum pronome primeira pessoa independente.

hwc verbo piel particípio masculino singular construto sufixo 2 ª pessoa masculino

singular.

h; particular artigo.

~Ay substantivo comum masculino singular absoluto

l[; particular de preposição.

bb'le substantivo comum masculino com sufixo construção 2 ª pessoa singular.

De início precisamos compreender o seguinte: Em 6:4-9 conceitos essenciais de

espaço são introduzidos de forma conexa, e se trata de uma primeira síntese do espaço

de design para a próxima vida no país a ser herdado no futuro.

Segundo a autora Michaela Geinger55

, este projeto se combina com alguns

elementos-locais: casa, porta, e cidade, isso no que tange aos espaços territoriais.

A questão levantada no conceito de corpo e dimensão espacial ocorre aqui

também no v. 6, a saber, o coração. "E estarão estas palavras sobre o teu coração”.

Mas aqui no v. 6 o projeto estende-se aos espaços do corpo, abrangendo o lev,

“coração”, entrelaçado com o (v. 8), as “mãos” e os “olhos”. As áreas do corpo e os

edifícios estão em conexão na estrutura da perícope de Dt 6:4-9 e tecidas através da

expressão, "estas palavras”, pois juntos, eles funcionam como sinais que caracterizam

os respectivos conceitos de design interiores. Estes sinais são a resposta de Israel à auto-

concepção de Javé contida em Deuteronômio no v. 4 shemá Israel!

Por isso Moisés introduz a seção do discurso em 6:4-9 com a declaração

confessional: “O YHWH é a nossa Divindade ".

Os exemplos de metáforas corporais são, obviamente, um uso criativo da

linguagem, que tenta expressar a intensidade do comprometimento pessoal.56

Essa

intensidade pode ser descrita como uma resposta à intensidade do Senhor YHWH. Seria

talvez uma formulação semelhante à impressionante vontade de YHWHH expressa no

55

GEIGER, Michaela. Gottesräume. Beiträge zur Wissenschaft von Alten und Neuen Testament

(BWANT 183), Stuttgart. p. 141-150. 56

Idem p. 141-179.

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Pentateuco em relação ao cumprimento e ao pacto das promessas de YHWH feitas aos

Pais.

O desenvolvimento de conceitos espaciais só tem sido entendido quando

considerado num contexto de perseguição, como a história da morte do rabino Akiva

que quando foi executado, morreu com o Shemá em seus lábios.57

Podemos compreender que o comportamento fundado no coração implica em

posturas que geram consequências para o conceito de espaço. Esta relação é a

“chamada”, da expressão: “E estarão estas palavras em teu coração”, (6,6 ).

O coração é também o espaço do corpo, mas também surge, se move a partir da

ação no espaço criada pelo próprio lev, coração. A concepção deuteronomista de espaço

não para na fronteira do corpo. A capacidade do corpo é o pré-requisito para fazer a

concepção deuteronômica agir concretamente dentro de um espaço para a prática da

justiça.

O conceito deuteronômico de lev relacionado com o espaço é o ponto de partida

para uma maior movimentação concreta da expressão: "estas palavras".

A conexão do coração de alguém que se apropriou concretamente da expressão,

"estas palavras" tem por incumbência a efetivação da sua transferência para o espaço e

para a descendência (6,7).58

^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> 6:7

`^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB. w> particular de conjunção.

!nv verbo piel com waw consecutivo.

l. particular de preposição.

!Be substantivo comum construção plural com sufixo 2 ª pessoa masculino singular

w> partícula de conjunção.

rbd verbo piel + waw consecutivo segunda pessoa masculino singular.

B. partícula de preposição e sufixo 3 ª pessoa masculino plural.

B. particular de preposição.

bvy verbo qal + sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular

B. particular de preposição.

tyIB; substantivo comum sufixo construção masculino singular 2 ª pessoa masculino

singular homônimo.

w> partícula de conjunção.

B. particula de preposição.

57

Idem p. 141-179. 58

Idem p. 148-172.

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$lh verbo qal + sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular.

B. particular de preposição.

h; partícula de artigo.

%r,D, substantivo comum singular absoluto.

w> particular de conjunção.

B. particular de preposição.

bkv verbo qal sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular.

w> partícula de conjunção.

B. particular de preposição.

~wq verbo qal com sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular.

O amor à YHWH é visto em estreita relação com "estas palavras”. Todas as

seguintes são formas perfeitas, e consecutivos com "estas palavras”. Elas estarão “em

seu lev” (v. 6), e devem ser "inculcadas” (v. 7), ligadas a um sinal (v. 8) e "escritas” (v.

9).

No entanto, "estas palavras" é o tangível, o que torna evidente a forma da relação

do Senhor com Israel. O termo enfatiza a autoridade, legitimação nas palavras.

A resposta de Israel encontra-se em ouvir "essas palavras, "e em ação", agir

conforme essas palavras, e consequentemente você e sua descendência depois de ti para

sempre irá bem, porque você está fazendo o que é bom e razoável aos olhos do Senhor

YHWH teu Deus.

tpoßj'jol. Wyðh'w> ^d<+y"-l[; tAaßl. ~T'îr>v;q.W 6:8

`^yn<)y[e !yBeî

w> particula de conjunção.

rvq verbo qal com waw consecutivo perfeito + sufixo na terceira pessoa masculino

plural.

l. particula de preposição.

tAa substantivo comum tanto singular

l[; partícula de preposição.

dy" substantivo comum feminino+sufixo construção na 2 ª pessoa masculino singular

w> particula de conjunção

hyh verbo qal + waw consec perfeito plural comum 3 ª pessoa

l. particular de preposição

tApj'Aj substantivo comum feminino plural absoluto

!yIB; particular de preposição

!yI[; substantivo comum, construção dual, com sufixo 2 ª pessoa masculino singular.

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No v. 8 predominam as imagens visuais. O sinal deve ficar visível no punho e na

fronte. O espaço do corpo continua sendo preenchido no v. 8. As mãos e os olhos

devem associar-se ao lev e a néfesh. Desse modo simbolicamente o ser humano deveria

ser comprometido com as palavras de YHWH em todos os setores da sua vida. As

faculdades internas e externas deveriam estar associadas, isto é, a totalidade da pessoa

deveria estar comprometida com as palavras de YHWH. Podemos perceber a relação

muito próxima entre os versos que compõe a perícope, sendo que o próximo versículo já

inicia tendo como ponto de partida uma conjunção vaw, tamanha ligação que há entre os

versos desta perícope. Tal relação entre os conectores, vocábulos e expressões

permanecem sempre orbitando, mantendo-se sobre o foco, a mira, do centro da perícope

que são os vs. 4-5 iniciados pelo imperativo Shemá Israel!

`^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tzOðWzm.-l[; ~T'²b.t;k.W 6:9

w> particular de conjunção.

btk verbo qal waw consec segunda pessoa perfeita sufixo masculino singular terceira

pessoa do plural masculino.

l[; partícula de preposição.

hz"Wzm. substantivo comum construção plural feminino.

tyIB; substantivo comum com sufixo 2 ª pessoa masculino singular.

w> particula de conjunção.

B. particula de preposição.

r[;v; substantivo comum masculino, com sufixo construção plural 2 ª pessoa masculino

singular homônimo.

“E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas” (v. 9). Visto que a

expressão já inicia com uma conjunção indicando um elo de ligação entre os elementos

expostos no verso anterior e este. Novamente nos deparamos com a relação entre versos

que expressam sinais corporais v. 8 e sinais espaciais v. 9.

Esta passagem juntamente com o Dt 11,13-21 e Êx 13,1-10, 11-16, era escrita

em pequenos rolos e colocados em pequenos invólucros de couro atados à testa e ao

braço esquerdo quando o shemá era recitado. A origem dos filactérios se encontra nesse

texto. Os filactérios eram usados pelos judeus homens durante o período da oração

matutina, exceto aos sábados e dias de festa, que já eram sinais em si mesmos.

Posteriormente outra prática foi desenvolvida, a de colocar estas quatro passagens em

pequenos recipientes que eram afixados no portal de entrada da casa (mezuzá). Cópias

antigas de tais documentos foram encontrados nas cavernas de Qunran e em outros

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locais. As breves passagens eram sinais que representavam todo o conteúdo da lei, que

deveria ser ensinado e observado.

2.1. Semântica (análise de vocábulos)

Através da análise semântica (análise de vocábulos) iremos explorar o

aspecto polissêmico de alguns vocábulos da perícope de Dt 6,1-9.

O objetivo de tal análise é uma tentativa de delinear o amplo campo

significativo dos vocábulos, através da verificação dos diversos significados, em

diversos contextos, fazendo com que tal procedimento sinalize o sentido mais

apropriado do vocábulo para a nossa perícope, que é o objeto da nossa pesquisa.

Para isso iremos fazer dois movimentos, um de abertura dos diversos significados

através de uma breve análise de ocorrências de cada vocábulo, explorando

conforme mencionamos anteriormente a polissemia, isto é, os diversos sentidos de

cada vocábulo em diversos textos. Tendo feito isso utilizaremos o campo de

significação delineado fazendo outro movimento, um movimento contrário, que

visa neutralizar a polissemia, buscando um sentido, um significado mais

convincente para a perícope de Dt 6,1-9.

Definição de análise semântica: sema (sentido). Ciência que estuda a

significação das palavras e das sentenças. A palavra se divide em duas partes:

significante e significado.

O significante refere-se ao plano de expressão, isto é, a forma com que se

escreve, parte física, escrita, o som, a pronúncia, a parte sonora. Em cada

significante inserimos um plano de conteúdo, que é o significado. Para resumirmos

ao leitor de forma sintética vamos definir da seguinte forma: 1) significante: plano

de expressão; 2) significado: plano de conteúdo.

A soma do significante com o significado resulta em uma palavra. Ainda

falando de semântica é importante conhecermos alguns conceitos referentes a este

tipo de análise, e o primeiro é o conceito de polissemia.

Polissemia (poli: vários; sema: sentido) ocorre quando o plano de

expressão serve de base para mais de um plano de conteúdo, ou significado, isto é,

quando usamos o mesmo significante com alteração de significado.

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Para simplificar ainda mais ao leitor vamos definir o conceito de polissemia

como “palavra que possui vários significados”.

O que faz com que identifiquemos tal mudança de significação de uma

palavra é o contexto linguístico.

O contexto linguístico é uma unidade linguística de âmbito maior que

abrange uma unidade de âmbito menor.

O significado contextual pode ser explicado através da seguinte estrutura

básica: palavra-contexto da frase-contexto do parágrafo-contexto do texto.

Aprender analisar semanticamente uma estrutura implica em averiguar as várias

palavras do texto analisando-as nos seus diversos significados. Para identificarmos

o sentido de uma palavra devemos fazer dois tipos de movimento:

O primeiro é de intensificação da polissemia, isto é, uma análise dos

diversos sentidos de uma determinada palavra. Tendo feito isso poderemos fazer o

movimento contrário, de neutralização da polissemia, definindo um sentido

apenas, que se encaixe melhor ao texto que estamos analisando. Portanto dois

movimentos são necessários para uma analise semântica: Movimento do texto para

a palavra e movimento da palavra para o texto, como no caso da redação. Estes são

os dois movimentos que intensificam e neutralizam a polissemia.

hw"c.mi

Na definição de Milton Schwantes59

, a palavra possui o significado de: encargo,

mandamento, (resumo de todos os) mandamentos, direito, reivindicação.

qxo Parte, alvo, porção, tarefa, quantia, obrigação; reivindicação; limite, limitação,

lei, estatuto, costume, norma, prescrição, determinação.60

jP'v.mi

Sentença arbitral, arbítrio, sentença legal, decisão legal; pl. juízos, decretos,

processo legal, julgamento, controvérsia jurídica; direito, direito à; conformidade,

justiça.61

A palavra representa o significado mais correto daquilo que interpretamos como

governo. Seja o governo do ser humano pelo ser humano seja o governo da criação por

Deus. Cerca de 400 vezes o vocábulo é traduzido por justiça, porém tal tradução é

59

KIRST, Nelson; SCHWANTES, Milton. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. São

Leopoldo; Petrópolis: Sinodal-Vozes, 1987. p. 137. 60

Idem. p. 75. 61

Idem. p. 146.

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limitada visto que atualmente se faz distinção entre poder legislativo executivo e

judiciário no que diz respeito a cargos e funcionários. O substantivo mishpat pode ser

utilizado para designar quase qualquer aspecto de governo civil ou religioso. Iremos a

partir de agora delinear o campo de significação do vocábulo na tentativa de neutralizar

a polissemia do mesmo a fim de extrair um sentido que sinalize para nossa perícope. O

vocábulo pode designar: 1) o ato de decidir uma ação litigiosa levada a um magistrado

civil; 2) o local onde se decido uma ação litigiosa; 3) O processo litigioso é denominado

mishpat. Existem casos duvidosos dificultando a distinção entre os dois significados

mencionados anteriormente. Um exemplo é Is 3,14. A palavra litígio seria uma tradução

apropriada para essa categoria; 4) Um caso de litígio específico levado ao magistrado.

Salomão por exemplo pediu à Deus sabedoria pra poder “ouvir mishpat”, ou seja,

decidir sobre um caso específico trazido até ele (1 Rs 3,11); 5) Uma sentença ou decisão

dada por um magistrado. Este é um sentido bastate comum; 6) A época do julgamento,

pois deus há de trazer a juízo todas as obras; 7) Enfatiza-se o atributo de justiça em toda

a administração civil pessoal que é correta; 8) Mishpat como justiça, ou seja retidão

arraigada no caráter divino, deve ser utilizado como modular para o governo humano

em geral e nos processos judiciais no meio deles. Homens sábios falam do mishpat,

pensam por ele. Os magistrados justos fazem uso do mishpat no exercício do

julgamento. 9) Mishpat designa também uma determinação legal sendo frequentemente

usado em paralelo com tora e hoq como no caso da nossa perícope de Dt 6,1-9. As

determinações do pentateuco são mishpat (Lev 5,10; 9,16). Na verdade as

determinações individuais da lei mosaica são mishpat (Dt 33,10; 21,16).

hwc Ordenar, mandar, dirigir, nomear; proibir; dar ordens; encarregar; colocar em

ordem.62

A raiz designa a instrução de um pai para o filho (1Sm 17.20), de um

fazendeiro aos seus lavradores (Rt 2.9), de um rei para os seus servos (2 Sm 21.14). Tal

significação é reflexo de uma sociedade estruturada de tal forma em que as pessoas

tinham algumas responsabilidades diante de Javé no tocante ao direito de administrar (2

Sm 7.7). O líder tinha condições de administrar o povo (Js 1.9). Deus nomeou Josué

como sucessor de Moisés (Num 27.18). Quando Deus escolheu Davi para ser rei, Deus

62

ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce. Dicionario Internacional de Teologia

do Antigo Testamento. Tradução: Marcio Loureiro Redondo, Luiz Sayão, Carlos Osvaldo Pinto. São

Paulo. Edições Vida Nova, 1998. p. 1269-1270.

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127

ordenou-o de tal modo como “príncipe”do povo (1 Sm 13.14). Dicionário Internacional

de Teologia do AT.

O verbo aparece 485 vezes no AT em piel, 9 vezes no pual, e 181 vezes como

substantivo mitsvah. No caso do Dt onde encontrasse nossa perícope a forma verbal e

substantivada se encontram com frequência. Da mesma forma ocorre na literatura

deuteronomista ( swh piel: Dt 88 vezes, Ex 53x, Num 46x, Jos 43x, Jr 39x, Lv 33x, Gn

26x; mitsvah: Dt 43x, Sal 26x, [22 x somente no Sl 119], 2 Cr 19x, Neh 14x, 1 Re 12x,

Lv 10x, Prov 10x).

O verbo designa uma forma específica de falar, de um superior ao um

subalterno. Os superiores que mandam e ordenam são reis: (Gn 12, 20; 26,11; 45,19;

47,11; Ex 1,22; 5,6; 1 Sm 4,12; 9,11; 13,28; 18,5; 21,14; 1 Rs 2,43; 5,20; 2 Rs 11,5;

16,15; Jr 36,26; 37,21; Est 3,2; Esd 4,3; Pais de tribos, chefes de famílias: (Gn 18,19;

28,1; 49,33; 50,16; 1 Sm 17,20; Jr 35,6). Mães de família: (Gn 27,8; Rut 3,6). Irmãos (1

Sm 20,29); oficiais de exército (Jos 1,10; 3,3). Sacerdotes: (Lv 13,54; 14,4). Os

subalternos que recebem as ordens são: servos: (Gn 32,18; 50,2; Rt 2,9; Jr 32,13).

Filhos e soldados também são mencionados como subalternos à ordem nesse sentido. A

ordem e o mandato são atos de autoridade, porém ambos se distinguem, pois a ordem

produz uma ação única em uma situação determinada, e o mandato tem validez

permanente, é uma proibição.63

hwhy

O nome de Deus.64

Nome próprio de Deus vocalizado pelos massoretas. Discute-

se muito acerca da vocalização primitiva, a origem e o significado.65

O nome divino YHWH, suscita alguns problemas. Para Israel YHWH é apenas

um nome. Etimológicamente não é possível o alcance do sentido teológico que há nesse

nome. O nome divino aparece 6800 vezes por extenso. Vinte e cinco vezes como “yah”,

como também aparece em textos de Elefantina.66

Para o deuteronomista YHWH é único e todas as coisas devem ser dirigidas por

ele e para Ele. YHWH é único no tocante ao amor e devoção que reivindica do seu

povo, pedindo ao mesmo que se entregue de forma unitária, sem divisões, e sem

63

JENNI Tomo II p. 669. 64

SCHWANTES, 1987. p. 86. 65

ALONSO SCHÖKEL, Luís (ed.). Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997. p.

271. 66

RAD, Von, Gerhard. 1974. p. 30.

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128

reservas. Também é desenvolvido nesse contexto a teologia da centralização do culto,

ou seja, em um só lugar os israeliteas poderiam prestar culto.

Surgem as listas de animais impuros (Dt 14), o porco e o javali eram usados nos

cultos estrangeiros, dizem os textos de Ras-Shamra. Cozer o cabrito no leite era

“magia” e foi proibido pelo DT. O Deus único denominado YHWH requer entrega total

da pessoa. Em todas as dimenções da vida, até mesmo no tocante às questões

alimentícias. É nesse sentido teológico que o nome YHWH faz sentido e é empregado

pelo redator deuteronomista.

~yhil{a/ Plural deuses. Válido como singular, Deus.

67 A acepção da palavra mesmo na

forma plural refere-se a Deus com significado no singular.

Dml

Aprender, ensinar, ser instruído, versado, ter aprendido, ser treinado.

É uma das palavras que indicam no AT a ação de ensinar. Esse vocábulo traz a

ideia de treinar, bem como de educar. Pode se ver o aspecto de treinamento no termo

derivado malmed, traduzido por “aguilhada de boi”. Em Oséias 10,11 Efraim é ensinado

tal aqul uma bezerra o é pelo jugo e pela aguilhada. O ugarítico lmd significa

“aprender”, “ensinar”, e em acadico possui o sentido de aprender. O sentido principale

desse verbo é expresso no Sl 119. Neste salmo repete-se a palavra no refrão “ensina-me

os teus estatutos, os teus preceitos, os teus decretos os teus mandamentos, ou teus juízos

( 12, 26,64,66,68,108,124,135,171). A pedido do rei Josafá um grupo de homens saiu e

ensinou o livro da lei nas cidades de Judá (2 Cr 17,7). Embora o grego empregue duas

palavras distintas para aprender e ensinar, cada uma com contéudo, objetivo e métodos

próprios, o hebraico utiliza a mesma raiz para ambas as palavras, pois toda a didádica e

aprendizagem repousa em ultima instancia no temor de YHWH (Dt 4,10; 14,23; 17,19;

31,12,13). Aprender isso é acolher, se submeter a vontade de YHWH. Em outras

passagens os seres humanos são ensinados a guerrear (1 Cr 5,18). Às vezes são

ensinados por meio de um cântico (cabeçalho do Sl 60; Ct 3,8). Os profetas Miquéias e

Isaías antevêm uma época em que os seres humanos não mais aprenderão a guerrear

(4,3; Is 2,4).

Ninguém ensinou YHWH nem atuou como seu conselheiro (Is 40,14). Pelo

contrário, quem quer que saiba alguma coisa apredeu dele, a fonte de toda justiça e

verdade.68

67

ALONSO SCHÖKEL, Luís. 1997, p. 57.

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hf[ Na forma kal: fazer, manufaturar, trabalhar; pôr, colocar, transformar, fabricar,

aprontar, elaborar, preparar, realizar, executar, agir, intervir.

Na forma nifil: ser feito, preparado, concluído. No piel: comprimir, pressionar.69

#r,a, Segundo Milton Schwantes a palavra pode significar: terra, chão, solo, terreno,

pedaço de terra; território, país, a Terra.70

A expressão possui vários sentidos: Pode ocorrer como “Terra” no sentido

cosmológico, globo terrestre, continentes. Ocorre também como matéria: terra, pó,

argila, torrão. A palavra possui também um sentido politico: terra, território, país,

região. No sentido de agricultura pode significar: campo, terreno, terra de lavoura. No

caso do DT entendemos que a expressão possui aspecto determinativo de território,

país, região, e também no sentido de agricultura, visto que a terra é descrita como boa.71

Esta palavra ocorre aproximadamente 2400 vezes no AT. Os dois principais

sentidso da palavra são os mais importantes. Isto quer dizer que a expressão designa

“terra”, no sentido cosmológico, ou no sentido de uma designação territorial específica,

principalmente com referencia a terra de Israel. Quanto ao primeiro sentido somos

informados pelo texto de Gn 1 que Deus criou a terra. No tocante ao segundo

significado mais importante a palavra eretz designa um território particular. Aqui as

referencias à Palestina tomam um lugar significativo especial. As fronteiras dessa nova

terra prometida a Abraão e à sua semente são pela primeira vez mencionada em Gn

15.18. Esta terra pertence à YHWH.72

É sua herança, como também é considerada santa

pelo fato de YHWH te-la dado ao seu povo.73

68

ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 790-791

69

SCHWANTES, 1987. p. 189. 70

Idem. p. 18. 71

ALONSO SCHÖKEL, Luís. 2010, p. 77-78. 72

A promessa da terra adquire um valor relevante no Deuteronômio: A terra foi jurada por YHWH aos

pais e aos seus descendentes (Dt 1,8,35; 6,10,18,23; 8,1; 10,11; 26,3; 31,7). A terra é dada por YHWH:

1,8,35; 4,38; 6,10,23; 10,11; 31,7. Israel toma posso da terra: ( 1,8,21; 3,18; 4,15; 5,31,33). Esta terra é

uma boa terra: ( 1,25; 3,25; 4,21; 6,18). A promessa referente a terra e a tomada de posse da terra, ambas

estão entrelaçadas, unidas no Dt com a proclamação dos mandamentos. A própria conquista da terra é um

pressuposto do cumprimento dos mandamentos, e este é colocado como condição necessária para a

conquista da terra (4,25; 6,18; 8,11). Esta linguagem deuteronomica contida em afirmações de cunho

deuteronomistico, ou seja, na obra historiográfica deuteronmista ocorre possui eco nos profetas

contemporâneos e pós-deuteronomistas (Jr 32,22; Ez 33,24). Ao mesmo tempo os profetas vão

formulando no contexto da experiência do exílio a esperança de uma nova conquista da terra (Jr 30,3).

Para uma abordagem mais específica acerca do tema Cf. JENNI, p.353 73 ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 124-125.

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rb[ Na forma qal significa: atravessar, passar, ultrapassar, transpor, percorrer,

cruzar.74

O significado básico deste vocábulo traz a ideia de movimento. Pode indicar o

mevimento de uma coisa ou pessoa em relação a algum outro objeto que está parado,

movendo-se ou motivando-se. A tradução mais elementar é “passar”, mas esta definição

não pode ser geral, pois a palavra possui vários sentidos. O verbo ocorre cerca de 550

vezes. Existem quatro usos gerais:75

1) o conceito de movimento, no sentido que que

pode significar ir além ou mais adiante (Gn 18,5). 2. Pode se referir a existência de um

movimento entre dois lugares, que nesse caso ocorrem muitas referencia à Israel no

sentido de atravessar o Jordão a fim de entrar na terra prometida. Moisés muitas vezes

utiliza este vocábulo para se referir à Israel no tocante ao cumprimento da aliança em

meio as dificuldades enfrentadas. A ideia de travessia também ocorre em Gn 31,21

quando Jacó atravessa o Eufrates para fugir de Labão. 3) o conceito de movimento no

sentido metafórico. A riqueza de Salomão excedia a de todos os demais, “ultrapassava”.

4) Pode significar também quando uma pessoa ultrapassa os limites

estabelecidos pela aliança ou lei ao cometer adultério ou praticar idolatria (Dt 17,2).

Num contexto maior Moisés também falou de Israel entrar, passar a uma aliança que

Deus estava fazendo com aquele povo (Dt 29,12).

Podemos através da análise entender que o vocábulo quando situado na perícope

de Dt 6.1-9 possui o significado de “atravessar”, “passar”, no sentido geográfico,

territorial.

rmv Na forma qal o vocábulo significa: guardar, proteger, cuidar, observar,

conservar, manter; vigiar, reter, reverenciar.

Na forma nifal abrange os significados: ser guardado, ser protegido, guardar-se,

precaver-se, acautelar-se, ter cuidado, cuidar-se. Na forma piel: venerar, e no hitpael

resguardar-se, precaver-se, ter cuidado.76

O vocábulo ocorre 420 vezes no qal, 37 no nifal, 4 no piel e hitpael. O cognato

acadiano “shamaru”, significa ser criado de. O cognato fenício “vigiar”, guardar, cuidar.

No árabe significa “vigiar”. O sentido que mais vai de encontro com a nossa perícope é

de fazer com cuidado, fazer diligentemente, conservar, guardar. O verbo exprime a

74

SCHWANTES, 1987. p.172. 75

ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 1071. 76

SCHWANTES, 1987. p. 257.

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atenção cuidadosa em que se deve ter com as obrigações de uma aliança, de leis, e

estatutos. Este é um dos empregos mais frequentes do verbo. Um outro sentido é o de

“tomar conta de”, mas que refere-se também ao “guardar”. Isso envolve o cuidado que

se deve ter com o jardim (Gn 2,15), um rebanho (Gn 30,31), uma casa (2 Sm 15,16), ou

como porteiros (Is 21,11), ou sentinelas (Ct 5,7). O mesmo é válido em relação às

pessoas: “sou eu guardador do meu irmão”? (Gn 4,9). A palavra também possui o

sentido de “cuidar”. Muitas vezes nos salmos Davi fala sobre o cuidar, ou proteção

divina (Sl 34,20). Com frequência utilza-se o vocábulo para se refererir à disciplina

pessoal, a necessidade de ser cuidadoso em relação a própria vida e as ações ( Sl 39,1).

Outro sentido refere-se à reverência, ao sentido de prestar atenção. Em Oséias 4.10

Israel deixou de prestar atenção. Outra categoria abrange o sentido de armazenar,

acumular, preservar (Ml 2,7).77

[mv Na forma qal o vocábulo tem os seguintes significados: ouvir, escutar, prestar

atenção, dar ouvidos; entender, examinar, discernir. Na forma nifal significa: ser

ouvido, ser atendido, tornar-se obediente. No piel: fazer ouvir, convocar, e no hitpael

posssui o sentido de fazer ouvir, anunciar, proclamar, fazer-se ouvir, convocar.78

A raiz “escutar” pertence ao semítico comum. Conforme abordamos acima o

verbo ocorre no hebraico bíblico nas formas radicais qal, (passivo), hifil (causativo,

fazer, anunciar escutar) e piel (proclamar). Em aramaico bíblico aparecem as formas

qal e hitpael (obedecer).

Há sete derivações nominais: como abstrato do infinitivo (escutar, o que se

escuta; som forte; notícia, informação, o que se escuta por parte de alguém, prestígio,

notoriedade, fama (rumor); como particípio passivo feminino, as coisas ouvidas, notícia,

o que se escuta; como substantivo verbal abstrato, escuta, percepção de ruídos.

Também como elemento de nomes pessoais pertence ao semítico comum. Como

elemento predicativo aparece em três nomes completos e abreviados do AT (entre

outros em Simeão e Ismael.

O verbo ocorre no AT 1159 vezes em hebraico e 9 vezes em aramaico. Em

hebraico na forma qal 1051 X, incluindo Jó 26, 14; excluídos Dn 10, 12 e Ne 13,27 ; Jr

158 X, Dt e Is em cada um ocorre 86 X, Gn 61 X, 1 Sm 60 X, 1 Re ocorre 58 X, em Ez

47 X, em 2 Cr 46 X, 2 Rs 42 X, em Jó 39 X, Num e 2 Sm ocorre 32 X, em Prov 30 X;

77

ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 1587-1588. 78

SCHWANTES, 1987. p. 256.

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nifal, 43 X incluídos Dn 10,12; Neh 13,27; Jr 11 X, Ne 5 X; piel, 2 X (1 Sm 15,4; 23,8);

hifil ocorre 63 X (Is 17 X, Jr 15 X, Sal 6 X); em aramaico qal 8 X; hitpael 1X. Os

substantivos ocorem: shema 1 X no Sl 150,5; semua 27 X; misma 1 X em Is 11,3;

mismaat 4 X; hasmaut 1 X em Ez 24,26.

Como mostra a estatística, sm na forma qal está fortemente representado nos

livros narrativos ( 7 X em Lv) e nos sapienciais (Jó e Prov), sendo que em Dt e Is

ocorrem em maior número de vezes, que neste caso sm parece ser uma palavra chave da

“escuta deuteronomico-deuteronmista”, e de seus herdeiros como hace supor su

acumulacion em secciones programáticas, no solo em Dt e Jr, sendo que no Dt ocorrem

41 X, tais ocorrências aparecem nos capítulos 4; 5; 13; 28 e 30. Em Jr ocorre 44 X,

sendo que tais ocorrências aparecem nos capítulos 7; 11; 26; 35; 42). Ocorre também

em outros livros como Lv 26, Num 14, 1 Sm 8; 15; 1 Re 8 ocorrem 14 vezes,

paralelamente a 2 Cr 6 ocorre 12 vezes; em Ez 2-3 ocorre 14 X, aparece também no

livro de Zac, em Dn, Neh e também no Dt-Is na formah qal 29 X e hifil 14 X. A

ausência de sm qal é algo surpreendente em certos blocos de oráculos proféticos ( Is 2-

5; 8-15; 25-27; Ez 26-32; Zac 9-14) e também em dois terços dos Salmos.

A gama de significados de sm nas formas qal e nifal é quase completamente

coberta pelo nosso verbo escutar, porém o vocábulo possui vasto campo semântico

sendo que em casos específicos não pode ser traduzido por escutar. Pode ocorrer alguns

casos em que o verbo genérico escutar não dá conta dos significados mais concretos de

sm. Pode designar a capacidade física de percepção acústica (2 Sm 19,36; Ez 12,2; Sal

38,14; 115,6) e também pode significar a própria percepção mesma, como a questão da

linguagem (Is 6,9; Dn 12,7; ou a música Jue 5,16; e ruídos 1 Rs 6,7, sendo que em 14,6

na forma nifal. Outro aspecto a ser considerado é que em relação à escuta o ser humano

toma posturas de reações diante do que se ouve, tanto de forma positiva quanto de

forma negativa em relação àquilo o que se escuta, a pessoa reage em pensamentos,

palavras e obras diante da escuta de algo. Geralmente se mencionam pressupostos (Ex

4,31), consequências (1 Sm 7,7), às vezes complementos decisivos para o contexto. O

contexto da relação entre o que se fala e o que se escuta, que o leitor da Bíblia

pressupõe determina também o que sm pode significar em cada caso. Pode significar

captar o que o outro disse (Gn 37,17), estar à escuta, escutar às escondidas, talvez espiar

(Gn 18,10), se dispor a escutar ((gn 37,6), prestar atenção (Jó 15,8; 1 Cr 28,2), ter

conhecimento de algo (Gn 21,26), interar-se de algo sobre alguém (Jr 37,5), temer

notícia de algo (Gn 41,15), fazer o que alguém pede, aconselha, ordena, cumprir um

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apetição, seguir um conselho, obedecer uma ordem, uma lei, aceitar uma proposta,

seguir (Jr 35,14), dar fé, confiança a alguém (Dt 18,14).

Posto que o significado concreto de sm depende do contexto onde se encontra

inserido, cada caso deve ser analisado de forma particular. Em Gn 18,10 espía e escucha

Sara em secreto o se puede oír a los hombres incluso desde o departamento da tenda

destinado a as mulheres? Em 1 Sm 8,7.9.22 obedecer a voz do povo, estaria Samuel em

uma relação de subordinação com respeito ao povo ou a frase significa: “cumpre seu

desejo”? Analogamente em 1 Rs 3,9 leb some, coração obediente.

Em alguns casos sm se emprega idiomaticamente. Assim em Gn 11,7; Dt 28,49

se diz “entender uma língua”. Em 1 Rs 3,11 habin lismo mishpat pertence ao âmbito

jurídico, e designa a capacidade de emitir um juízo depois de haver ouvido as partes e

testigos (Dt 1,16). Outras referencias que se encontram dentro desse âmbito das relações

jurídicas são Jue 11,10; 2 Sm 15,3; Jó 31,35. São sujeitos da escuta os homens

individuais e coletivamente. Gramaticalmente também os órgãos do ouvir, são

considerados coração. Conforme a concepção pessoal e no sentido antropomórfico de

Deus, o Deus de Israel também ouve, e pelo contrário os deuses estrangeiros são

considerados na polemica de serem como matéria sem vida (Sl 115,6; Is 44,9).

O conteúdo que você ouve é objetivo e subjetivo (por exemplo 2 Re 7,6 hifil). O

conteúdo que a pessoa ouve se identifica, naturalmente com os múltiplos contextos em

que se tem o lugar da escuta.

Naturalmente o escutar e portanto o verbo sm, não se reduz a um só âmbito da

vida. O conceito e a realidade de escutar possui em Israel, como também no Egito, uma

importância decisiva para a sabedoria, sendo que a primeira exigência para o alcance de

promessas é a escuta que se converte em obediência. Assim o mestre recorda ao

discípulo incansavelmente para que o mesmo escute, não no sentido de adquirir

conhecimentos, mas para os desdobramentos concretos que tem como meta a sabedoria,

o ser sábio (Prov 23,19). Por isso se falava tanto em escutar no sentido de ter um ouvido

atento, disposto a escutar, em contraposição ante o perigo do descuido da escuta (Prov

19,27). Interessante é que pertence ao contexto sapiencial da expressão devido a

influencia egípcia, do “coração atento” (1 Re 3,9; 12), sobre o escutar da sabedoria.

O mesmo para o qal e hifil é válida a afirmação de que o significado básico

“fazer ouvir”, é também na maioria das vezes a tradução adequada. Às vezes, fazer

ouvir, perceber, conforme 2 Re 7,6 refere-se a um efeito produzido por Deus. Pode

significar também dependendo do contexto “comunicar palavras” (Dt 4,10; 1 Sm 9,27).

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Ou anunciar paz, salvação (Is 52,7), também pode significar o “grito de guerra” (Is

49,2), fazer ouvir, fazer valer (Is 58,4) às vezes predizer o futuro (Is 41,22; 48,5). Em

Jeremias e em Deutero-Isaías sm hifil é um dos términos que indicam o anuncio

profético e possui um significado, um acento solene, e não aparece nas narrações.

No hifil se emprega na obra do cronista como expressão técnica que indica tocar

instrumentos (1 Cr 15,16; 16,5; 2 Cr 5,13), e como término militar significa “mobilizar”

(1 Rs 15,22; Jr 50,29 51,27).

No hifil está frequentemente em paralelo com outros verbos de manifestações

humanas sonoras, sobretudo com ngd hifil (Is 41,22.26; 42,9; 43,9; 44,8; 45,21; 48,3; Jr

4,5; 46,14; 50,2); ademais ocorre também como llamar (Am 4,5) sq, zq “gritar” (Is

42,2), bsr piel, “anunciar” (Is 52,7; Nah 2,1); yd hifil, “dar a conhecer” (Sal 143,8), sm

hifil está em paralelo com r’h hifil, “fazer ver”, em Is 30,30; Cant 2,14.

Em passagens de importância teológica, sm não tem uma função distinta de la

ordinária. Pode significar Deus como ouvinte de manifestações humanas, o ser humano

como ouvinte direto ou indireto de manifestações divinas. A Deus se pede que escute, e

se afirma que ajuda, salva, perdoa, etc. Precisa-se muitas vezes do contexto (Ez 22,26;

Sl 4,2). Em Gn 16,11 Deus escuta a aflição silenciosa de Agar.79

Com frequência, principalmente em expressões deuteronomico-deuteronomistas,

se fala genericamente de escutar, mas é importante ressaltar que a expressão sm nesses

casos não é a única expressão. Os preceitos e as instruções de Javé aparecem muitas

vezes com outras expressões (Gn 26,5; 1 Rs 11,38; Is 30,9).

Com frequência ocorre como requerimento aparentemente genérico para a escuta

das palavras de Javé, e como indica o contexto se refere à exigência de adoração única a

Javé (Dt 11,13; Gn 17; Sl 81,9).

laer'f.yI

A fonte testemunhal mais antiga do nome Israel aparece no cântico de triunfo de

Mernepta, na estela de Israel do templo funerário de um faraó, erigido em Tebas por

volta de 1125 a.C. Esta inscrição se encontra conservada no museu de Cairo. Com a

ocasião da conquista de diversas cidades palestinas o faraó destruiu também Israel, visto

79 WESTERMANN, JENNI. 1978. Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, Volume 2.

Biblioteca bíblica Cristiandade. p. 1229.

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135

que o mesmo havia desaparecido e ficado sem descendência, conforme a inscrição da

estela. O problema é que não se pode afirmar que este Israel refere-se ao Israel que

conhecemos como uma liga de tribos, antes se refere a um grupo mais antigo. Pouco se

pode conhecer sobre o significado do vocábulo. Diante das dificuldades encontradas

para uma possível delineação semântica do vocábulo vamos nos ater a análise de

algumas ocorrências da palavra no AT. O nome Israel está documentado mais de 2500

vezes no AT incluídas as ocorrências em aramaico. Na maioria dos casos Israel é

relacionado como designação da liga de tribos. A este sentido corresponde a grande

maioria dos casos. Segundo o ponto de vista do AT as tribos que compõe Israe

procedem de uma família de um antepassado comum, do qual havia recebido também

esse nome. Este nome é identificado do ponto de vista histórico-tradicional com o

patriarca Jacó. Nesse caso o nome teria sido usado também como nome pessoal,

próprio. Em Gn 32,29-50,25 o patriarca pe chamado de Israel 34 vezes e de Jacó 75

vezes. Ocorre tambpem o nome Jacó referindo-se ao povo de Deus, porém raramente.

Ocorre também em construções no genitivo referindo-se ao Deus de Jacó, casa de Jacó.

Em cerca de 60 passagens o vocábulo fica difícil distinguir entre Jacó como nome

próprio-pessoal e como nome de um povo, de um grupo. No Deutero-Isaías ocorrem 15

vezes. Se trata normalmente de textos poéticos. Em algumas passagens Jacó aparece em

paralelismo com Israel, “o resto de Israel” (Gn 49,7,24; Nm 23,7; 24,5; Dt 33,10; Is 9,7;

27,6; 40,27; 42,24; 43,1; 44,1; 45,4; 48,12; 49,5; Jr 30,10; 31,7; 46,27; Miq 2,12; 3,8;

Sal 14,7; 78,5; 105,10; Lam 2,3). È raro a designação “filhos de Jacó” como designação

de povo: (Mal 3,6; Sal 105,6).

A divisão política do reino de Israel em dois Estados resultou num impacto no

tocante ao emprego linguístico do nome Israel. Os profetas em suas afirmações

teológicas utilizam o termo se referindo à liga das tribos. Nos livros dos Reis

encontramos uma terminologia orientada politicamente que limita o nome Israel a uma

entidade política concreta: o reino do norte. Um emprego linguístico mais antigo ocorre

em 2 Sm 2,9 e 3,17 donde Israel designa um determinado grupo tribal do norte. Os

profetas utilizam o nome Efraim para se referirem ao reino do norte especialmente

Isaías e Oséias. Diferente de Judá que desde o inicio se constitui como nome de um

Estado, Israel não possuiu desde o inicio tal dimensão politico-jurídica, mas conquistou

de forma gradativa no decorrer de alguns acontecimentos históricos. Enquanto

designação de uma liga tribal sacra submetida a lei divina, que não pode considerar-se

simplesmente como povo nem como Estado, o nome Israel não constitui originalmente

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um conceito político, senão religioso. Israel é o povo enquanto comunidade religiosa, e

aqui se encontra a relevância teológica do termo para a interpetação de nossa perícope

de Dt 6,1-9. Israel enquanto comunidade religiosa tem por missão transmitir as

tradições acerca das fundamentais intervenções divinas na história, e por isso, depois de

ter perdido sua soberania política pode sobreviver como comunidade cúltica.80

dx'(a, A expressão ehad é usada para designar o número “um”, na forma trilítera básica

comum a todas as línguas semíticas. Junto a ehad existe também em todas as línguas

semíticas a raiz aparentada whd (em neosemítico, yhd). Em acádico aparecesse como

wedum, único, só. Em ugarítico yhd, unir. Em hebraico a forma verbal aparece

raramente: yhd qal, unir-se (Gn 48.6). Mais frequente aparece como substantivo, usado

também nos textos de Qumran, “união”. Aparece tambpem algumas vezes na forma

adverbial, incluindo (Jr 48.7)

Como numeral a expressão ocorre várias vezes no AT (no masculino 703 vezes e

feminino 267 vezes). Obviamente que a palavra ocorre com mais frequência nos livros

que fazem menção de listas e numerações, seções legais e descrições. (Nm 180 vezes).

Em aramaico aparece 14 vezes na forma had.

O numeral adquire uma especial relevância na linguagem teológica. A expressão

possui caráter intransigente na fé Javista que não tolera adoração ao ser humano nem

tampouco às outras divindades junto com YHWH. O Deus uno ocupa nesse sentido a

primeiríssima posição. Isso é exigido também pelo decálogo que expressa a fé de tal

modo que deixa a entender que Deus é uma unidade divina (Ex 20,2; Dt 5,7). Nesta

perspectiva podemos notar que YHWH possui apenas um nome.

Tal formulação foi construída na época do rei Josias. Nesse caso a expressão

contida no Dt 6,4 possui como ponto central de discussão entre alguns especialistas, o

questionamento acerca de uma dúvida, a saber, se a palavra se refere ao politeísmo ou

ao polijavismo.

A expressão está inserida no mandamento do amor ao Deus único de forma

também única. Deste modo entende-se que o Dues único deve ser venerado num local

único (2 Cr 32,12).

No judaísmo a expressão pode ser usada como nome substitutivo de YHWH.

Precisamente este aspecto da exclusividade de Deus que interpela o ser humano com

essa mesma exclusividade, sendo que esta acepção é muito infiltrada também no NT

80

Idem. p. 1075-1077.

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(Mc 12,29; Rom 3,30). Tal unicidade se reflete na pessoa de Jesus como único de

Deus.81

Bha

Palavra comumente traduzida por amar82

, gostar, porém há variação no sentido

básico deste verbo. O sentido abarca desde o amor infinito de Deus até os apetites

humanos. Na perícope de Dt 6, 1-9, IHWH ordenou que o ser humano o amasse. Os

salmos contém testemunhos da obediência a este mandamento (Sl 116,1; 145,20). Por

outro lado Deus ama os seres humanos, e no caso do Deuteronômio este expõe o amor

de YHWH por Israel de forma mais específica (Dt 4,32). No entanto Deus ama outros

seres humanos e outras coisas tais como as portas de Sião (Sl 87,2), a justiça, o juízo (Sl

33,5) e o templo santo (Ml 1,2). No tocante ao sentido da palavra aplicada aos seres

humanos no Antigo Testamento constatamos que Isaque “amou” uma comida saborosa

(Gn 27,4); de outros se diz que amaram o azeite (Pv 21,17), a prata (Ec 5,9) e os

presentes (Is 1,23). O salmista amava os mandamentos de Deus (Sl 119,47); amava a lei

(v. 97); os testemunhos (v. 119); e os preceitos (v. 159). Os seres humanos podem amar

também o mal conforme (Sl 52,3; Pv 8,36; Sl 4,2). Por outro lado podem amar o bem

(Am 5,15), a verdade ( e a paz (Zc 8,19), a salvação (Sl 40,16) e a sabedoria (Pv 29,3).

No livro do Deuteronômio encontramos o vocábulo como forma de mandamento

“amarás a YHWH teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua vida (conforme

traduzimos). Isso significa que YHWH convoca Israel a praticar esse mandamento.

Visto que o ser humano é capaz de amar tantas coisas conforme expostas acima YHWH

convoca Israel à amá-lo acima de todas as coisas. Este amor se desdobra no

Deuteronômio em atos concretos de bondade. O ser humano quando decide amar a

YHWH ele opta pela vida, e fazendo tal escolha decide pelo bem para si e para o

próximo, na terra que YHWH jurou dá-los como herança.

Nós trabalhamos aqui o campo semântico do vocábulo a fim de

compreendermos a variedade dos setores de atuação que o amor pode ter na vida

concreta, e assim podermos compreender o sentido do vocábulo na nossa perícope de Dt

6,1-9.

O amor a YHWH é reivindicado por Ele mesmo no Deuteronômio, talvez pelo

fato de YHWH conhecer as inclinações dos seres humanos e assim querer orientá-los.

Amar a YHWH no Dt 6,1-9 a partir desta análise do campo semântico do vocábulo

81

Idem. p. 176-180. 82

ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 19-21.

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possui esse sentido, já que o ser humano tem condições de amar tantas coisas a ponto de

se esquecer de Deus. No entanto aqui nessa parte não iremos nos ater aos fatores

ideológicos e interesse políticos de uma elite que reivindica para si prioridade. Mesmo

porque reconhecemos também a contribuição que uma elite pode dar a sociedade. Mais

adiante iremos tratar desses aspectos.

lKo Kol, uma partícula muito comum que ocorre em um dos versos considerados centrais

da nossa perícope é traduzida comumente por: todo, toda, todos, todas, cada, qualquer, a

totalidade de, etc. Na maioria das vezes esta partícula se encontra numa relação genitiva

com a palavra seguinte, tendo significado de “a totalidade” (de algo). Pode aparecer

também de forma autônoma, independente de outras palavras, mas absolutamente

exprime a ideia de “tudo”. Foi assim que Eliezer levou consigo “tudo dos bens do seu

senhor, isto é, uma grande variedade de bens (Gn 24,10). O sentido do vocábulo deve

ser dado pelo contexto. No caso da pericope de Dt 6,1-9, a partícula ocorre se referindo

aos termos antropológicos. O ser humano israelita é convocado por YHWH a amá-lo de

“todo” o coração, de “toda” a sua vida e com “todas” as suas posses. Todas as

dimensões da vida humana precisam ser consideradas dependentes de YHWH. Todas as

necessidades humanas, sejam elas físicas, psíquicas, devem ser colocadas em relação de

dependência com YHWH. O todo do ser humano é reivindicado pelo pregador

deuteronomista. YHWH quer ser o supridor do israelita em todos o setores da vida, Ele

quer esse reconhecimento por parte de Israel, pois afinal de contas o Senhor YHWH que

os tirou da casa da servidão. P. 723 Dicionario internacional.

vp,n< 83

O vocábulo néfesh possui correspondência em todas as línguas semíticas. Os

diversos significados do vocábulo hebraico são encontrados em grande parte em línguas

como acádico: napistú (garganta, vida) ; amorreu: naps (alento, vida); Em ugarítico: nps

(garganta, apetite, alma, ser vivente, etc. Em aramaico, hebraico e árabe meridional, o

vocábulo pode ser traduzido em alguns casos como tumba e funerária.

83

O vocábulo nefesh também será delineado no seu campo significativo de forma pormenorizada em

relação à outros, visto que se trata de um termo antropológico de suma importância para o sentido

teológico da nossa perícope e para toda teologia do Antigo Testamento. Uma análise do vasto campo de

significação dete vocábulo nos auxiliará para uma maior aproximação do sentido em que a palavra ocorre

dentro da nossa perícope. Conforme abordamos anteriormente é necessário este procedimento de

exploração da polissemia de um vocábulo para que possamos nos aproximar do sentido do mesmo para a

nossa perícope, que nesse caso se trata de um movimento de fechamento ou neutralização da polissemia

do vocábulo.

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Em hebraico e aramaico, e no antigo árabe meridional se encontra o significado

“tumba”, estela funerária.

O vocábulo néfesh é uma das palavras mais investigadas no AT. Uma exposição

panorâmica sobre os significados e do uso da palavra néfesh no AT pode ser articulada

da seguinte forma:

1. Significado básico concreto: a) alento, respiração; b) garganta, laringe;

Anelo, avidez: a) hambre; b) sede de vingança;

2. Alma: a) anciosa; b) saciada; c) Afligida; d) Esperançosa; e) Amorosa,

rancorosa; f) vivente;

3. Vida: a) Salvação, conservação, preservação; b) ameaçada, perdida;

4. Ser vivente/Ser humano: a) em Leis; b) em censos; c) Expressões gerais; d) Uso

pronominal;

5. Cadáver.

O problema do significado concreto é difícil pois a acepção “alento”, se encontra

documentada apenas em hebraico, pelo que se pode deduzir do verbo nps nifal o

significado “garganta”, “laringe”, é comprovado, porém não é frequente.

As três vezes que aparece o verbo nifal nps, “tomar alento”, reponerse (Ex

23,12; 31,17; 2 Sm 16,14; sendo que em qal não se encontra). Isto permite deduzirmos

que anteriormente a palavra pode ter significado “alento”, palavra esta empregada

normalmente como neshamá, e mais tarde, provavelmente ruah. Esta acepção ocorre no

AT em Gn 1,30: “alento de vida”, e em Jó 41,13 “seu alento queima como carbonos

incendiados”.

Uma série de passagens em que geralmente se traduz nefesh por “alma/vida”, ou

“ser vivente”, esta acepção se aproxima muito de “alento”, hálito, conforme a passagem

de 1 Re 17,21.22: “faça com que a alma desse moço viva de novo”, e sobretudo na frase

conclusiva sobre a criação do ser humano em Gn 2,7: Assim o ser humano se fez ser

vivente, isto porque o Criador lhe deu o alento.

Em P é habitual para “ser vivente”, que pode se referir a seres humanos e

animais, e somente aparece no contexto da criação e do dilúvio (Gn 1,20).

Recordam estas passagens Lv 11,10.46 e Ez 47,9; fora destes casos só se fala da

criação da néfesh em Jr 38,16).

Na mesma direção aponta o pequeno grupo de textos em que néfesh é sujeito de

qsr qal, “ser breve” (Num 21,4; Jue 10,16; Zac 11,8.8).

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É distinta a relação de nefesh com dam, sangue. Néfesh nunca teve significado

de sangue, apenas posteriormente se relaciona com sangue no sentido de “vida” (dam

paralelo de néfesh: Ez 22,27; Jon 1,14; Sal 72,14; 94,21; Prov 1,18.

Em uma série de passagens nefesh tem o significado de anelo, avidez e afan.

Este gurpo é o que mais se aproxima da acepção de garganta, laringe, sendo que nesses

casos nã seriapossível traduzir néfesh como vida. Néfesh aqui nestes casos significa a

força do desejo que nasce do vazio da garganta, da boca, onde a intensidade do desejo

vai além do ser humano.

Pode também significar simplesmente o ser humano (Dt 23,25; Os 9,4). Outro

sentido de pode ser o de sede de vingança, conforme exposto no quadro anteriormente.

Vingança no sentido de aniquilação (Ez 15,9; Sl 17,9; 27,12; 41,3). O vocábulo também

pode ter o sentido de desjo, apetite (Sl 35,25; Dt 21,14; 1 Sm 2,35; Jr 34,16; Sal 78,18;

105,22.

Na literatura sapiencial néfesh adquire o sentido de “cobiça”, tendo assim um

aspecto negativo. Não se condena a cobiça como tal, mas se refere ao desejo dos

malvados (Prov 13,2; 19,2; Ecl 6,9). É distinta a reflexão do eclesiates que vê néfesh

como fenômeno humano em relação com o seu tema pautado na afirmação de que tudo

é vaidade, toda a fadiga e o cansaço do ser humano é para sua boca que nunca se sacia

de seus apetites. Neste caso nefesh se assemelha bastante ao sentido concreto, boca,

laringe, isso porque estes órgãos são vistos como insaciáveis. Poderia se traduzir néfesh

por laringe. Isso deixa entender que nem na época tardia néfesh perdeu de todo o seu

sentido concreto.

Em algumas passagens néfesh conforme mencionado anteriormente pode ser

traduzida por “alma”.

Schökel84

define o vocábulo da seguinte forma: Na esfera da respiração: alento,

respiração; na esfera do seu órgão: garganta, pescoço; como princípio de vida, alma.

Na esfera do desejo e do afeto: apetite, afã, fome, cobiça, gula, gosto; estômago.

Equivale a indivíduo, pessoa, ser. Estes três grupos se ramificam em significados

diversos.85

84

ALONSO SCHÖKEL, 1997. p. 443. 85

Idem. p. 444.

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Kirst e outros definem o vocábulo da seguinte forma: garganta; respiração,

fôlego, ser, pessoa, gente, personalidade, individualidade, vida, alma, desejo, estado de

ânimo, sentimento, vontade, pessoa morta, cadáver.86

Os distintos usos do vocábulo são mencionados referindo-se aos efeitos e

funções da garganta, de tragar e respirar. Há o significado de anelo, avidez, afã e uma

série de expressões unidas a néfesh que pressupõem a acepção original de garganta,

boca, laringe, Is 58.11; Pv 6.30; Is 29.8; Sl 107.9; paralelo de boca: Ec 6.7; Pv 3.22;

Nm 21.5; 1Sm 2.33; Jr 4.10; Sl 105.18; Pv 23.7. Em uma série de passagens o vocábulo

néfesh tem significado de anelo, avidez, afã. Este grupo se aproxima com a definição de

garganta, laringe, e neste caso não seria possível traduzir por vida, alma. A força do

desejo nasce do vazio da garganta, da boca.

O vocábulo pode significar simplesmente o “ser humano”, como nas seguintes

passagens bíblicas: Dt 23, 25; Os 9, 4; Prov 10, 3; 16, 26; Is 29, 8 etc.

A palavra pode significar a sede, ou desejo de vingança, como nas seguintes

passagens: Ex 15,9; Ez 16,27; Sl 17, 9; 27, 12; 41,3.

Pode ter o sentido de apetite, desejo, agrado, como nos seguintes textos: Sl 35,

25; Dt 21, 14; Jr 34, 16; Sal 78, 18; 105, 22.

O vocábulo aparece 754 vezes no Antigo Testamento. É considerada uma das

palavras mais investigadas da Bíblia Hebraica. A forma plural nefashot aparece 50

vezes no texto bíblico hebraico.87

Segundo Wolff88

, o vocábulo néfesh aparece, ao todo, 755 vezes na Bíblia

Hebraica. A Septuaginta a traduz 600 vezes por psyché89

. Tal diferença estatística

mostra que a significação diversa da palavra chamou a atenção dos antigos em não

poucos lugares. Chegamos ao resultado de que a tradução alma em poucos lugares

corresponde ao significado de néfesh.

rb'D' Davar, Palavra, fala, discurso, coisa, mandamento, assunto, ação, evento,

história, relato, negócio, causa, motivo. Muitos sinônimos encontram-se no Sl 119, onde

a Palavra de Deus é exaltada. A raiz ocorre nos óstracos de Laquis e na inscrição do

túnel de Siloé. Fora do hebraico a raiz ocorre no fenício púnico com o mesmo sentido

do hebraico e do aramaico bíblico na forma nominal divrâ, “assunto”. Em qualquer

86

SCHWANTES, 2010. p. 159. 87

WESTERMANN, JENNI. 1978. cl 103. 88

WOLFF, 1983. p. 21. 89

Idem. p. 21.

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idioma o verbo que tem o sentido de falr e o substantivo palavra só podem ser de

suprema importância. O verbo davar e o substantivo davar possuem essa importante

característica na Bíblia Hebraica. O decálogo, as “dez palavras”, (Ex 34,28; Dt 4,13;

10,4), são dez declarações ou afirmações, como em Dt 10,4 as dez palavras (devarim)

que Javé falou (dibber).

As dez palavras são mandamentos por causa da forma sintática como foram

enunciadas. As dez palavras são o que Deus disse; são dez mandamentos por causa da

maneira como Javé às disse. A davar é às vezes o que é feito e às vezes um relato

daquilo que é feito. De modo que, com frequência em Cronicas, lê-se dos feitos (divrê)

de um rei, os quais estão escritos num determinado livro.

Certas características da palavra de Javé são enunciadas nos Salmos. Algumas

delas são: a palavra de Javé é reta (33,4), está firmada no céu (119,89), “Lampada para

os meus pés e luz para os meus caminhos”(119.105). A eficácia da palavra de Javé é

com frequência citada em certas orações, como “segundo a palavra que o Senhor havia

dito” (1Rs 13,26) ou “cumprirei a minha palavra” (1Rs 6,12). O cronista diz que Javé

levantou Ciro pra que se cumprisse a palavra de Javé por intermédio de Jeremias. Por

meio de Isaías o Senhor diz que sua palavra será como a chuva que desce dos céus e

para lá não tornam, mas faz produzir, britar dar semente ao semeador e pão ao que

come, a palavra não voltará vazia... antes fará o que me apraz e prosperará para aquilo

que a enviei (Is 55,11). Estas definições nos orientam acerca do sentido do vocábulo

para a pericope de Dt 6,1-9 visto que as palavras que deveriam ser ditas e transmitidas

aos flhos eram palavras de Javé transmitidas por intermédio de Moisés.

%r<D

O termo dérek é traduzido comumente por “caminho”. Pertence à raiz darak,

“pisar”.

O conceito básico por detrás de darak, pisar, relaciona-se com pôr os pés em

território ou em objetos, às vezes com o sentido de calcá-los. Pode ser entendido como o

caminho da terra pisada, batida, de tanto andar nela. E nesse caso levantamos uma

questão concernente ao sentido do vocábulo na perícope de Dt 6,1-9: Por que o redator

deuteronomista utilizaria a palavra dérek da raiz “pisar”, calcar os pés? Por que diante

do seu acervo de vocábulos o deuteronomista escolhe utilizar o termo que traz consigo o

imaginário de um contexto rural, ou seja, o caminho da carroça, “batido”, árido, seco, de

tanto andar nele? Sem dizer que a terra prometida é muito bem irrigada e flui leite e

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mel. Mas por que o deuteronomista ainda utiliza dérek? Porém podemos considerar

também o seguinte: Segundo o Dicionário Internacional de Teologia do Antigo

Testamento de R. Laird Harris90

, em deuteronômio e Josué usa-se o verbo para indicar a

tomada de posse da terra prometida. Israel receberá como herança todo o lugar que pisar

a sola de seus pés (Dt 1,36; 11,24; Js 1,3; 14,9;). Numa ocasião é o exército assírio que

invade Israel e pisoteia suas fortalezas. (Mq 5,5;). Esse conceito de marchar é também

visto em Juízes 5,21. Em Salmos 91,13; refere-se a pisar ou calcar o leão e a serpente.

Portanto a partir dessa análise podemos compreender melhor o sentido do vocábulo no

nosso texto. Talvez o uso deste vocábulo pelo deuteronomista tenha por intenção dar

ênfase ao pisar firme, pisar com segurança, com convicção, tomar posse da terra. Por

outro lado o redator pode ter se utilizado do termo visto que está falando com pessoas

que conhecem o contexto rural o dérek, o caminho da terra batida, pisada de tanto andar

nela. Mas à guisa de conclusão o sentido mais apropriado ao nosso entender é de pisar

firme, possuir a terra, andar nela com segurança visto que YHWH é quem conduz os

acontecimentos. Consideramos essa hipótese.

Btk Escrever, descrever, inscrever, subscrever transcrever, gravar, tatuar, anotar,

apontar, redigir, estender, consignar, pôr por escrito, registrar, traçar, desenhar designar,

delinear, assinar, copiar.

O significado da palavra varia de acordo com o material subjacente a qual se

refere. Pode-se escrever sobre tábua de pedra, pode-se escrever sobre papel, papiro,

lousas e pedras. No caso de pedras a palavra tem o sentido de gravar, inscrever. Pode-se

também escrever num rolo (Jr 36,6), uma carta 2 Sm 11,14, Ez 2,10. No caso de

escrever, gravar em pedras encontramos a referência de Js 8,22. O vocábulo também

pode ser referir à escrita numa tabuinha Is 8,1, em ouro Ex 39,30, ou então nas

ombreiras Dt 6,9. Conforme o valor e a função, ocorre variação de significados. Se for

para lembrança pode ser traduzido por anotar, consignar. Com valor jurídico significa

registrar, conforme Nm 11,26; Is 4,3. Se for valor legal, pode ser, ditar Dt 27,3; ditar

sentença Sl 149,9.91

Referências ao vocábulo no sentido de “escrever”, são abundantes no Antigo

Testamento. Josué escreveu, conforme Js 24,26; um jovem escreveu algo para Gideão

Jz 8,14, Samuel escreveu a constituição do reino, e outros também escreveram, profetas,

90

ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 325-326. 91

ALONSO SCHÖKEL, Luís. 1997, 328-329.

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144

reis, escribas e pessoas do povo em geral também escreveram. Considerando as muitas

referencias dos livros de 1 e 2 Rs, os relatos de acontecimentos das cortes de Israel,

como de Judá, também foram escritos, preservados e se encontravam disponíveis para

consulta. Com Salomão de inicia a série de registros 1 Rs 11,41; e vai até o colapso do

reino de Joaquim (2 Rs 24,5). Os reis babilônicos também mantinham arquivos. Os reis

da Pérsia também guardavam registros. Estes eram semelhantes às atas e registros de

hoje em dia, secos e objetivos. É importante ressaltar que, o próprio Deus escreveu os

dez mandamentos segundo Ex 31,18. Moisés escreveu o livro da aliança (Ex 24,4), a

legislação do Sinai Ex 34,27; os nomes dos líderes das tribos Num 17,2-3; o itinerário

percorrido no deserto Nm 33,2; as palavras da lei num livro até do todo as acabar Dt

31,9; e o último de seus cânticos Dt 31,22,24.

Diante da breve apresentação exposta acima das diferentes significações do

vocábulo entendemos que, para nossa perícope a tradução escrever é apropriada, não é a

única possibilidade que temos, mas é viável para o entendimento do significado do

vocábulo na perícope de Dt 6,1-9.

2.2. Resumo:

De forma geral e resumida queremos fazer algumas considerações finais acerca

de algumas palavras que analisamos nessa parte.

Selecionamos algumas palavras de nossa perícope que constam no acervo de

palavras-chave e expressões recorrentes do redator deuteronomista conforme abordamos

anteriormente.

De forma bem resumida queremos destacar aqui as suas ênfases teológicas na

tentativa de direcioná-las para uma melhor compressão do Dt 6,1-9.

O vocábulo hw"c.mi é uma das palavras mais recorrentes da teologia

deuteronomista.

O narrador não se cansa em repetí-la. Quer sempre chamar a atenção de seus

destinatários em relação à sua importância para a vida.

A palavra hw"c.mi que deu início à nossa análise possui o significado de encargo,

mandamento, (resumo de todos os) mandamentos, direito, reivindicação. A análise

desse vocábulo nos orienta na tarefa de ler a nossa perícope.

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A melhor tradução para o termo é “ordenança”, gramaticalmente falando, mas a

maioria dos dicionários traduzem por mandamento, encargo, etc.

Outro vocábulo que analisamos acima e aparece com frequência no

deuteronômio é o vocábulo qxo que pode significar parte, alvo, porção, tarefa, quantia,

obrigação; reivindicação; limite, limitação, lei, estatuto, costume, norma, prescrição,

determinação. O termo jP'v.mi traduzido por sentença arbitral, arbítrio, sentença legal,

decisão legal e no plural juízos é também uma expressão recorrente e aparece repetidas

vezes no vocabulário utilizado na redação deuteronomista.

Conforme vimos anteriormente, a palavra representa o significado mais correto

daquilo que interpretamos como governo.

O substantivo mishpat é utilizado para designar quase qualquer aspecto de

governo civil ou religioso.

O processo litigioso é denominado mishpat. Às vezes refere-se a um caso

específico de litígio. Em algumas ocorrências a palavra mishpat é entendida como

justiça, ou seja, retidão arraigada no caráter de YHWH, que deve ser utilizada como

modular para o governo humano em geral e nos processos judiciais.

Os sábios e magistrados justos fazem uso de mishpat no exercício do

julgamento.

O vocábulo designa também uma determinação legal sendo frequentemente

usado em paralelo com tora e hoq como no caso da nossa perícope de Dt 6,1-9. As

determinações do Pentateuco são mishpat (Lev 5,10; 9,16). Na verdade as

determinações individuais da lei mosaica são mishpat (Dt 33,10; 21,16).

Se o caráter de YHWH é modular da formulação de preceitos e juízos, podemos

entender que o sentido do vocábulo para a perícope de Dt 6,1-9 pode ter pontos de

contato a formulação do deuteronomista que mantém a tradição do Êxodo acerca do

caráter de YHWH que libertou Israel da casa dos escravos no Egito. Sendo assim Israel

deve seguir o exemplo de YHWH guardando as ordenanças, não se esquecendo de

YHWH e favorecendo o estrangeiro, o pobre, a viúva, visto que outrora se encontravam

nas mesmas condições.

A palavra Hwc possui o senido de ordenar, mandar, dirigir, nomear; proibir; dar

ordens; encarregar; colocar em ordem.

A raiz designa a instrução de um pai para o filho (1Sm 17.20), de um fazendeiro

aos seus lavradores (Rt 2.9), de um rei para os seus servos (2 Sm 21.14). Tal

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significação é reflexo de uma sociedade estruturada de tal forma em que as pessoas

tinham algumas responsabilidades diante de YHWH no tocante ao direito de

administrar.

O líder tinha condições de administrar o povo (Js 1.9). Deus nomeou Josué como

sucessor de Moisés (Num 27.18). No caso do Dt onde encontrasse nossa perícope a

forma verbal e substantivada se encontra com frequência. Da mesma forma ocorre na

literatura deuteronomista (Dt 88 vezes, Ex 53x, Num 46x, Jos 43x, Jr 39x, Lv 33x, Gn

26x; mitswah: Dt 43x, Sal 26x, [22 x somente no Sl 119], 2 Cr 19x, Neh 14x, 1 Re 12x,

Lv 10x, Prov 10x).

O verbo designa uma forma especifica de falar, de um superior ao um

subalterno. Os superiores que ordenam: (Gn 12, 20; Ex 1,22; 5,6; 1 Sm 4,12; 9,11; 1 Rs

2,43; 2 Rs 11,5; Jr 36,26; Esd 4,3; Pais de tribos, chefes de famílias: (Gn 18,19; 28,1; 1

Sm 17,20; ). Mães de família: (Gn 27,8; Rut 3,6). Irmãos (1 Sm 20,29); oficiais de

exército (Jos 1,10; 3,3). Sacerdotes: (Lv 13,54; 14,4). Os subalternos que recebem as

ordens são: servos: (Gn 32,18; 50,2; Rt 2,9; Jr 32,13). Filhos e soldados também são

mencionados como subalternos à ordem nesse sentido. A ordem e o mandato são atos de

autoridade, porém ambos se distinguem, pois a ordem produz uma ação única em uma

situação determinada, e o mandato tem validez permanente, é uma proibição.

Uma das palavras mais importantes no Antigo Testamento é hwhy YHWH o

nome de Deus. Este é utilizado pelo redator deuteronomista como único, um, sozinho

em algumas interpretações. Visto que o sentido faz alusão à unicidade podemos

entender que YHWH é único e deve ser priorizado por Israel diante dos deuses

cananeus. Outro sentido que extraímos para a nossa perícope é o vínculo que YHWH

tem com o lugar que Ele mesmo escolheu para o culto. Especialistas afirmam que esse

sentido de utilização do nome divino como único abrange também o projeto de

unificação e centralização do culto e dos sacrifícios.

Juntamente com YHWH aparece a expressão ~yhil{a/ que tem sentido plural

“deuses”. Na perícope de Dt 6,1-9 a palavra Elohym está concatenada à YHWH, ou

seja, YHWH é o nosso Elohym. Nesse caso a acepção da palavra mesmo na forma

plural refere-se a Deus com significado no singular.

Fez parte também de nossa investigação a palavra Dml uma das palavras que

indicam no AT a ação de “ensinar”. Esse vocábulo traz a ideia de treinar, bem como de

educar. Pode se ver o aspecto de treinamento no termo derivado malmed, traduzido por

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“aguilhada de boi”. Em Oséias 10,11 Efraim é ensinado tal qual uma bezerra, pelo jugo

e pela aguilhada. O ugarítico lmd significa “aprender”, “ensinar”, e em acádico possui o

sentido de aprender. O sentido principal desse verbo é expresso no Sl 119. Neste salmo

repete-se a palavra no refrão “ensina-me os teus estatutos, os teus preceitos, os teus

decretos os teus mandamentos, ou teus juízos ( 12, 26,64,66,68,108,124,135,171).

Lembrando que tal palavra faz parte das expressões recorrentes que destacamos no

nosso trabalho. O deuteronomista a utiliza com muita frequência no Deuteronômio e

está muito entrelaçada com outros vocábulos recorrentes que aparecem no decorrer do

livro. Muitas vezes com mitzvot, hoq, mishpatim, tsvah, lev, néfesh, éretz, etc.

Outra expressão importante que analisamos é hf[ fazer, manufaturar,

trabalhar; pôr, colocar, transformar, fabricar, aprontar, elaborar, preparar, realizar,

executar, agir, intervir. Esta é utilizada pelo deuteronomista para se referir ao que se

deve fazer na #r,a, onde Israel iria entrar.

A palavra #r,a, pode significar: terra, chão, solo, terreno, pedaço de terra;

território, país, a Terra.

A expressão possui vários sentidos: Pode ocorrer como “Terra” no sentido

cosmológico, globo terrestre, continentes. Ocorre também como matéria: terra, pó,

argila, torrão. A palavra possui também um sentido politico: terra, território, país,

região. No sentido de agricultura pode significar: campo, terreno, terra de lavoura. No

caso do DT entendemos que a expressão possui aspecto determinativo de território,

país, região, e também no sentido de agricultura, visto que a terra é descrita como boa.

Além de ser descrita como boa é muitas vezes empregada pelo redator deuteronomista

com duplo sentido teológico. O primeiro descreve a terra éretz como dádiva e o segundo

parece deixar entender que é consequência da obediência, mas o importante é ressaltar

que para o narrador deuteronômico o ponto de partida é a dádiva de YHWH para com

Israel que agora requer obediência, no Deuteronômio.

A palavra rmv analisada semanticamente é também uma das palavras-chave

do Deuteronômio e que aparece na perícope de Dt 6,1-9. O sentido que mais vai de

encontro com a nossa perícope é de “fazer com cuidado”, fazer diligentemente,

conservar, guardar. O verbo exprime a atenção cuidadosa em que se deve ter com as

obrigações de uma aliança, de leis, e estatutos. Este é um dos empregos mais frequentes

do verbo. Um outro sentido é o de “tomar conta de”, mas que refere-se também ao

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“guardar”. Isso envolve o cuidado que se deve ter com o jardim (Gn 2,15), um rebanho

(Gn 30,31), uma casa (2 Sm 15,16), ou como porteiros (Is 21,11), ou sentinelas (Ct 5,7).

O mesmo é válido em relação às pessoas: “sou eu guardador do meu irmão”? (Gn 4,9).

A palavra também possui o sentido de “cuidar”. Muitas vezes nos salmos Davi fala

sobre o cuidar, ou proteção divina (Sl 34,20). Outra categoria abrange o sentido de

armazenar, acumular, preservar (Ml 2,7).

Podemos reconhecer também através da análise semântica a importância da

palavra [mv “escutar” que pertence ao semítico comum.

Como mostra a estatística, o vocábulo ocorre em maior número de vezes em Dt e

Is, que neste caso sm parece ser uma palavra chave da “escuta do redator

deuteronômico-deuteronomista” e de seus discípulos, sendo que no Dt ocorrem 41 X,

tais ocorrências aparecem nos capítulos 4; 5; 13; 28 e 30. O vocábulo pode designar a capacidade física de percepção acústica (2 Sm

19,36; Ez 12,2; Sal 38,14; 115,6) e também pode significar a própria percepção mesma,

como a questão da linguagem (Is 6,9; Dn 12,7;). Outro aspecto a ser considerado é que

em relação à escuta o ser humano toma posturas de reações diante do que se ouve, tanto

de forma positiva quanto de forma negativa em relação àquilo o que se escuta, a pessoa

reage em pensamentos, palavras e obras diante da escuta de algo. Posto que o

significado concreto de sm depende do contexto onde se encontra inserido, cada caso

deve ser analisado de forma particular.

Em 1 Rs 3,11 a expressão pertence ao âmbito jurídico, e designa a capacidade de

emitir um juízo depois de haver ouvido as partes (Dt 1,16). São sujeitos da escuta os

homens individuais e coletivamente. Na perícope de Dt 6,1-9 todo Israel é convocado

para ouvir. No sentido antropomórfico YHWH também ouve, pelo contrário os deuses

estrangeiros não ouvem Is 44,9).

O conceito e a realidade de escutar possui em Israel, como também no Egito,

uma importância decisiva para a sabedoria, sendo que a primeira exigência para o

alcance de promessas é a escuta que se converte em obediência. Assim o mestre recorda

ao discípulo incansavelmente para que o mesmo escute, não no sentido de adquirir

conhecimentos, mas para ser sábio (Prov 23,19). Por isso se falava tanto em escutar no

sentido de ter um ouvido atento, disposto a escutar, em contraposição ante o perigo do

descuido da escuta (Prov 19,27). Interessante é que pertence ao contexto sapiencial da

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expressão devido a influencia egípcia, do “coração atento” (1 Re 3,9; 12), sobre o

escutar da sabedoria.

Com frequência, principalmente em expressões deuteronomico-deuteronomistas,

se fala genericamente de escutar, mas é importante ressaltar que a expressão sm nesses

casos não é a única expressão. Porém com frequência ocorre como requerimento

aparentemente genérico para a escuta das palavras de YHWH, e como indica o contexto

se refere à exigência de adoração única a YHWH (Dt 6,4; 11,1; 11,13).

Analisamos também a expressão dx'(a, ehad que é usada para designar o número

“um”, na forma trilítera básica comum a todas as línguas semíticas. Junto a ehad existe

também em todas as línguas semíticas a raiz aparentada whd (em neosemítico, yhd). Em

acádico aparecesse como wedum, único, só. Em ugarítico yhd, unir. Em hebraico a

forma verbal aparece raramente: yhd qal, unir-se (Gn 48.6). Mais frequente aparece

como substantivo, usado também nos textos de Qumran, “união”.

Obviamente que a palavra ocorre com mais frequência nos livros que fazem

menção de listas e numerações, seções legais e descrições. (Nm 180 vezes).

O numeral adquire uma especial relevância na linguagem teológica. A expressão

possui caráter intransigente na fé Javista que não tolera adoração ao ser humano nem

tampouco às outras divindades junto com YHWH. O Deus uno ocupa nesse sentido a

primeiríssima posição. Isso é exigido também pelo decálogo que expressa a fé de tal

modo que deixa a entender que Deus é uma unidade divina (Ex 20,2; Dt 5,7). Nesta

perspectiva podemos notar que YHWH possui apenas um nome.

Tal formulação foi construída na época do rei Josias. Nesse caso a expressão

contida no Dt 6,4 possui como ponto central de discussão entre alguns especialistas, o

questionamento acerca de uma dúvida, a saber, se a palavra se refere ao politeísmo ou

ao polijavismo. Autores fazem referencia a Rabi Akiva que pronuncia a expressão no

momento do seu martírio. A expressão está inserida no mandamento do amor ao Deus

único de forma também única. Deste modo entende-se que o YHWH único deve ser

venerado num local único (2 Cr 32,12).

A expressão lKo kol, que investigamos também é uma partícula muito comum

que ocorre em um dos versos considerados centrais da nossa perícope. É considerada

também uma expressão que possui sentido teológico central na teologia deuteronomista.

É traduzida comumente por: todo, toda, todos, todas, cada, qualquer, a totalidade. Na

maioria das vezes esta partícula se encontra numa relação genitiva com a palavra

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seguinte, tendo significado de “a totalidade” (de algo). Pode aparecer também de forma

autônoma, independente de outras palavras, mas absolutamente exprime a ideia de

“tudo”. Este sentido é muito forte no Deuteronômio e em toda teologia deuteronomista

que reivindica o tempo todo de seus destinatários o todo, através de expressões à todo

Israel, de todo o coração, de toda a néfesh, fazer tudo conforme ordenou YHWH, entre

outros casos.

No caso da pericope de Dt 6,1-9, a partícula ocorre se referindo aos termos

antropológicos. O ser humano israelita é convocado por YHWH a amá-lo de “todo” o

coração, de “toda” a sua vida e com “todas” as tuas posses. Todos os setores da vida

humana (psíquicos, físicos, etc) devem ser colocados em relação de dependência de

YHWH.

Um dos vocábulos que analisamos também que inclusive ocorre aglutinado à

preposição kol é a palavra vp,n< néfesh. Esta possui correspondência em todas as

línguas semíticas. Os diversos significados do vocábulo hebraico são encontrados em

grande parte em línguas como acádico: napistú (garganta, vida) ; amorreu: naps (alento,

vida); Em ugarítico: nps (garganta, apetite, alma, ser vivente, etc. Em aramaico,

hebraico e árabe meridional, o vocábulo pode ser traduzido em alguns casos como

tumba e funerária.

Em linhas gerais néfesh refere-se aos órgãos ligados à respiração como boca,

pescoço, garganta, faringe, laringe. Devido a importância que estes órgãos possuem

para a vida humana como um todo, às vezes néfesh pode se referir à pessoa na sua

totalidade, ou a própria vida. No caso da perícope de Dt 6,1-9 o vocábulo néfesh aparece

concatenado com o vocábulo antropológico lev. Por isso entendemos que o

deuteronomista queria se referir de forma específica a um setor da vida através do uso

da palavra néfesh. E entendemos que nesse caso a pessoa, a vida, os impulsos e desejos

devem ser direcionados à YHWH na reivindicação deuteronomista.

No decorrer de nossa análise investigamos também a palavra rb'D' davar, uma

das palavras mais importantes do Antigo Testamento que também faz parte da perícope

de Dt 6,1-9 e do acervo de palavras-chave do redator deuteronomista. Comumente

traduzida por palavra, fala, discurso, coisa, mandamento, assunto, ação, evento, história,

relato, negócio, causa, motivo. Muitos sinônimos encontram-se no Sl 119, onde a

palavra de YHWH é exaltada.

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O decálogo, as “dez palavras”, (Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4), são dez declarações ou

afirmações, como em Dt 10,4 as dez palavras (devarim) que Javé falou (dibber).

As dez palavras são mandamentos por causa da forma sintática como foram

enunciadas. As dez palavras são o que Deus disse; são dez mandamentos por causa da

maneira como Javé às disse.

Certas características da palavra de Javé são enunciadas nos Salmos. Algumas

delas são: a palavra de Javé é reta (33,4), está firmada no céu (119,89), “Lampada para

os meus pés e luz para os meus caminhos”(119.105).

A eficácia da palavra de Javé é com frequência citada em certas orações, como

“segundo a palavra que o Senhor havia dito” (1Rs 13,26) ou “cumprirei a minha

palavra” (1Rs 6,12). O cronista diz que Javé levantou Ciro pra que se cumprisse a

palavra de Javé por intermédio de Jeremias.

Por meio de Isaías o Senhor diz que sua palavra será como a chuva que desce

dos céus e para lá não tornam, mas faz produzir, britar dar semente ao semeador e pão

ao que come, a palavra não voltará vazia... antes fará o que me apraz e prosperará para

aquilo que a enviei (Is 55,11).

Estas definições nos orientam acerca do sentido do vocábulo para a pericope de

Dt 6,1-9 visto que as palavras que deveriam ser ditas e transmitidas aos flhos eram

palavras de Javé transmitidas por intermédio de Moisés.

Fechamos este resumo conclusivo fazendo menção de um termo analisado

anteriormente muito importante para a teologia deuteronomista e para a nossa pesquisa.

O termo dérek é traduzido comumente por “caminho”. Pertence à raiz darak, “pisar”.

O conceito básico por detrás de darak, pisar, relaciona-se com pôr os pés em

território ou em objetos, às vezes com o sentido de calcá-los. Pode ser entendido como o

caminho da terra pisada, batida, de tanto andar nela. E nesse caso levantamos uma

questão concernente ao sentido do vocábulo na perícope de Dt 6,1-9: Por que o redator

deuteronomista utilizaria a palavra dérek da raiz “pisar”, calcar os pés? Por que diante

do seu acervo de vocábulos o deuteronomista escolhe utilizar o termo que traz consigo o

imaginário de um contexto rural, ou seja, o caminho da carroça, “batido”, árido, seco, de

tanto andar nele?

A terra prometida que o deuteronomista avista e descreve como boa é muito bem

irrigada e flui leite e mel. Talvez o uso deste vocábulo pelo deuteronomista tenha por

intenção dar ênfase ao pisar firme, pisar com segurança, com convicção, tomar posse da

terra. Por outro lado o redator pode ter se utilizado do termo visto que os teus

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destinatários são pessoas que conhecem o contexto rural o “derek”, o caminho da terra

batida, pisada de tanto andar nela, a perseverança, a dificuldade, seja a experiência do

deserto como do exílio, também o sofrimento seguido da esperança por uma terra e um

futuro melhor.

O sentido mais apropriado ao nosso entender é de pisar firme durante o caminho,

possuir a terra, andar pelo caminho com segurança, confiança, visto que YHWH é quem

conduz os acontecimentos.

Finalizamos esta parte fazendo alguns apontamentos acerca da contribuição da

análise para a pesquisa. A averiguação dos diversos sentidos de um vocábulo é parte

fundamental da análise semântica. As palavras são polissêmicas, e precisam ser

verificadas no seu amplo campo de significação. Só assim poderemos neutralizar a

polissemia avaliando o sentido mais adequado para o texto que está sendo analisado. O

que nos auxilia na escolha do melhor sentido é o contexto. Por isso achamos

indispensável passarmos por essa etapa. O objetivo primordial foi de exploração dos

diversos significados das palavras que compõem a nossa perícope. Tendo feito isso

quando nos deparamos com um vocábulo dentro de uma perícope, temos acesso a um

horizonte de significações que certamente nos auxiliará na definição do melhor sentido

a ser aplicado no texto em que estamos analisando exegeticamente.

Conforme abordamos já de início os vocábulos antropológicos seriam

investigados com mais afinco, sendo que o vocábulo lev será objeto de uma análise mais

detalhada que será apresentada no próximo capítulo.

3. Análise do Contexto Histórico (Macro-Estrutura)

3.1. Local, Data, e Contexto

A historiografia do livro dos reis de Israel nos apresenta um quadro

histórico das reformas realizadas no templo de Jerusalém. Isso ocorreu por volta do

ano 622 a.C. por conta da descoberta do livro da Lei.

Este livro da Lei, quando achado, trouxe imenso despertamento para o rei

Josias que ao tomar conhecimento do seu conteúdo, rasgou as suas vestes e enviou

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os seus súditos para que consultassem uma profetiza chamada Hulda. A resposta

veio através de dois oráculos:

O primeiro se referia à desgraça de Jerusalém e de seus habitantes, e o outro

se referia à sorte do rei.

A partir disso o rei Josias reuniu o povo e leu diante dele o livro da Lei.

Tendo feito isso o rei se comprometeu publicamente em comprir, fazer tudo o que

estava prescrito no livro.

Após esse pacto empreendeu um projeto de reforma em todo o seu reino.

Esta reforma é denominada de reforma deuteronômica.

Visto que tal empreendimento recebera tal intitulação cabe a nós sabermos

até que ponto o livro do Deuteronômio verdadeiramente contribuiu para que

acontecesse essa reforma.

No livro de 2 Cr 34-35 encontramos uma narração distinta. Esta nos conta

que Josias no oitavo ano de seu reinado decidiu em seu coração procurar o Deus de

Davi seu pai, e no décimo segundo ano iniciou um projeto de reforma. Seja qual for

a historicidade desses relatos que inclusive tem sido motivo de debate entre

exegetas, uma coisa os especialistas não negam: O livro da Lei ou Deuteronômio

está estreitamente vinculado à reforma de Josias ou reforma deuteronômica.92

Porém é muito importante frisarmos que não é possivel descrevermos uma

relação perfeita do livro da Lei encontrado no templo e o livro do Deuteronomio

atual como se encontra moldado. Semelhante aos demais livros da Bíblia Hebraica,

o Deuteronômio é fruto de “longo processo de elaboração”.93

Certamente passou

pelo crivo de interpretações, foi submetido a revisões e atualizações durante

séculos. Além do mais considera-se a hipótese de uma mão final ter polido o texto

dando a forma atual como se apresenta. Mas aqui nessa abordagem não iremos nos

ater muito às etapas, mas apenas iremos delimitar em duas fases:

A primeira, a fase anterior à Josias quando o livro do Deuteronômio talvez

fosse uma espécie de coleção de leis que compreende os capítulo 6-28.

A segunda, a fase após Josias, à qual pertencem os capítulos 1-5 e 29-34.

A partir de então pode-se afirmar que o Deuteronômio perdeu sua

autonomia. Isto porque recebera inchertos, acréscimos posteriores, no caso os

92

LOPEZ, Garcia, Félix. O Deuteronômio. Uma lei pregada. Ediçõs Paulinas, São Paulo,1992. p. 7. 93

Idem. p. 8.

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capítulo 1-5 e 29-34, e também fora colocado como quinto livro do pentateuco, ou

seja, como ponto final.

O Deuteronômio é um emaranhado, uma mescla de tradições. Tradições

primitivas dos quatro primeiros livros da Bíblia Hebraica se encontram fundidas

nele.

O Deuteronômio permanece intacto às exigências das principais tradições

dos demais livros do Pentateuco e da História deuteronomista. Há muitas conexões

entre o livro do Deuteronomio e as tradições expostas em outros livros da Bíblia

Hebraica, adaptando-se e revisando-se no intuito de responder melhor às realidades

concretas subjacentes da sociedade em desenvolvimento.

Outro aspecto muito importante no Deuteronômio é a relevância teológica

da unicidade de YHWH que se estende para outros campos.94

Um só YHWH, um

só povo, uma terra, um culto com suas respectivas características peculiares, um

santuário, uma Lei, e um só coração, isto é, a pessoa deve amar a YHWH de forma

integrada, única, sem divisas, sem reservas, sem espaço para outras coisas que

ocupem o lugar central de YHWH na vida humana.

Assim como o templo foi centralizado, YHWH quer ocupar, morar no

centro do ser humano.

Estes elementos e pressupostos se encontram entrelaçados como fios no

texto tecido do Deuteronomio. São elementos que estão “costurados” formando um

vasto tecido. O mandamento principal é o amor ao YHWH único, exclusivo, de

todo o lev “coração”, de toda a vida e com todas as suas forças, posses.

O programa de reforma contido no Deuteronômio fora muito exigente,

talvez por isso o rei Josias é considerado o único rei do qual se afirma em 2 Rs

23,25:

bv'Û-rv,a] %l,m,ª wyn"÷p'l. hy"“h'-al{) •Whmok'w> tr:äAT lkoßK. Adêaom.-lk'b.W ‘Avp.n:-lk'b.W AbÜb'l.-lk'B. ‘hw"hy>-la, `Whmo)K' ~q"ï-al{) wyr"Þx]a;w> hv,_mo

3 E antes dele não houve rei semelhante que se convertesse ao Senhor com todo o

coração, e com toda a tua alma e com todas as tuas forças, conforme toda a lei

de Moisés, e depois dele nunca se levantou outro tal.

Conforme o texto bíblico acima, existe uma relação entre o Deuteronômio

e o livro da Lei achado nos dias de Josias. E o próprio rei quem o diga, visto que se

94

Idem. p.8.

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155

tornou estereótipo de rei que fez “kol”, tudo o que estava escrito no livro, e isso de

conformidade com os requisitos de Dt 6,4-5.

Mesmo diante de tais constatações defendidas por unanimidade entre

exegetas, queremos deixar evidente que não discordamos da existência de pontos

de contato entre o Deuteronômio e o livro achado nos dias de Josias, antes

queremos afirmar que entre o livro da Lei e o Deuteronômio na forma final em que

se encontra certamente existem processos de revisões, inserções e atualizações do

Deuteronômio.

Por isso defendemos a hipótese de um deuteronômio exílico como resposta

à pergunta pelo futuro de Israel que ainda se encontra cativo na babilônia

esperando o cumprimento da promessa de retorno à terra. Portanto, situamos a

perícope de Dt 6,1-9 no período do exílio, porém consideramos a hipótese de que

Israel está prestes a entrar na terra. Poderíamos identificar alguns pontos, alguns

fatores que nos reapaldam acerca de tal hipótese:

Primeiro: O discurso de Moisés pressupõe um ambiente de terras bem

cultivadas e bem irrigadas.

Segundo: pela centralidade do tema da éretz “terra” no discurso.

Terceiro: o textos deixam entender que essa terra está para ser conquistada,

mas pode ser perdida.

Esta terra é descrita pelo autor deuteronomista como bem regada, terra de

fontes, de abismos, de água que brota das fontes e nascentes, montanhas e vales,

terra que flui leite e mel com abundância, somada às riquezas agrícolas e

comerciais. Porém o autor deuteronomista se preocupa em descrever os riscos que

se corre diante de tal prosperidade. O fato é que, Israel não poderia se esquecer que

YHWH foi o doador de todos esses bens. A descrição da terra se apresenta

portanto, juntamente com as exortações. Tais admoestações, exortações, lembretes,

nos fazem compreender que o povo esta sendo avisado, está sendo preparado para

entrar na terra, ou seja, está às portas da posse da terra prometida aos pais. Por isso

pensamos num discurso no exílio onde Israel está sendo preparado para herdar a

éretz hatováh, a boa terra. Dá-se a impressão que o deuteronomista está relatando

um ambiente concreto do qual ele tem diante de si, ou seja, uma comunidade

agrícola próspera.

Através do bloco de Dt 6-28 entende-se que Israel vivia um período

economicamente florescente. Defendemos portanto a hipótese deu um

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Deuteronômio que passou pelo crivo de interpretação e revisão de redatores

deuteronomistas no exílio. Estes revisaram o Deuteronômio pré-exílico tardio.

Concordamos com Eckart Otto95

quando o autor afirma que o interesse dos autores

deuteronomistas não é tanto o relato de acontecimentos referentes a um passado

longínquo, mas as pessoas do tempo exílico da narração na qualidade de seus

destinatários.

Com seu programa de uma comunidade integrada pelo culto sacrificial

comum no templo ao lado do Estado, os autores do Deuteronômio pré-exílico

possibilitaram a sobrevivência da população judaita como comunidade depois da

perda do Estado na conquista pelos babilônios.

No ano de 612 a. C. Nínive fora conquistada por uma colisão babilônico-

meda, e fora selado o colapso do Imperio Neoassírio, inaugurado já com a perda

do Egito na época do rei assírio Assurbanipal. No entanto como o império

babilônico em ascensão olhava para o Egito, Judá caiu novamente na dependência

política. Uma primeira rebelião contra os babilônios levou em 598/597 a. C. trouxe

a destruição da cidade de Jerusalém e do templo como a perda do Estado e da

monarquia davídica. Agora o escrito programático do deuteronômio pré-exílico

tardio podia desenvolver seu efeito. Os autores sacerdotais desse escrito libertaram

a religião judaita da função da legitimação do governante ai atribuir somente a

YHWH o direito de exigir lealdade absoluta e ao negá-lo, consequentemente, ao

Estado. Inicialmente esse ato de secularização do Estado voltava-se contra o poder

hegemônico assírio e estava vinculado à imagem idealizada de uma comunidade

que vive como irmãos e irmãs ao lado do Estado, que estava integrada por meio do

culto comum no templo como o santuário central, um templo que já não era

meramente a capela palaciana. Isso possibilitou o passo para a resolução ideal da

situação após a perda do Estado, algo que explica a longa história de recepção que

o deuteronômio desenvolveu após a catástrofe neobabilônica de 587/586. Junto à

cidade de Jerusalém como a sede de YHWH, o Deus real, ao templo como seu

palácio e ao rei davídico como seu ungido, estavam destruídas as instituições que

tinham funcionado quase meio milênio, desde o tempo de Davi e Salomão. Por

isso precisava-se agora de uma nova localização do programa deuteronomista. Esta

95

OTTO, Eckart. A Lei de Moisés. 2011. p. 139-140.

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se encontrou com a narrativa de uma origem ideal de Israel, vinculada à Moisés

como o líder do povo e o intermediário da revelação.

No fim do período pré-exílico Moisés havia recebido uma caracterização

de antítipo ao imperador Assírio.

O escrito sacerdotal redigido simultaneamente ao deuteronômio exílico-

deuteronomista e concorrente dele, tinha tomado o tempo de Moisés como a meta

de sua narração.

Dessa maneira autores deuteronomistas

elaboram no exílio na Babilônia uma releitura

do deuteronômio pré-exílico tardio ao

deslocar a montanha de Deus para o deserto e

ao nomeá-lo Horeb, à diferença do escrito

sacerdotal que a vinculava ao nome de Sinai.

Eles declararam como origem do

Deuteronômio a revelação divina no Horeb,

intermediada por Moisés e o declararam

ratificado com a conclusão da aliança na

montanha de Deus. Por meio do “Shemá

Israel”, da pericope de Dt 6, 1-9, os autores

exílico deuteronomistas antepuseram à

abertura do Deuteronomio pré-exílico tardio a

nova localização do deuteronômio na

montanha de Deus, em Deuteronomio 5.96

Diante do breve quadro histórico que relatamos acima podemos perceber que a

centralidade teológica do Deuteronômio se encontra no na fé individa em YHWH.

Conforme mencionamos anteriormente YHWH quer ocupar o centro do ser humano, ou

seja, o centro das atenções, o centro das emoções, o centro de toda existência. Por falae

em centro, há controvérsias entre exegetas acerca do significado do vocábulo lev como

centro. De fato é importante recordarmos que o lev é reivindicado pelo deutronomista

de forma integral, ou seja, de todo o coração. Visto que tal vocábulo possui tamanha

importância para a teologia do Antigo Testamento e também é objeto de nossa pesquisa,

no próximo capítulo iremos nos ater a ele, analisando com mais afinco na perspectiva de

vários autores.

96

OTTO, Eckart. 2011, p. 139-140.

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CAPÍTULO III

UMA ANÁLISE DO VOCÁBULO LEV NO ANTIGO

TESTAMENTO

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1. Delineação do campo significativo do vocábulo lev no Antigo

Testamento.

Neste capítulo iremos analizar o amplo campo de significação do

vocábulo lev. Conforme afirmamos anteriormente este procedimento tem por

objetivo ampliar o conhecimento que temos a respeito do sentido de uma

palavra.

No caso do vocábulo lev, o mesmo se apresenta em contextos diversos.

Consequentemente há muitas variações de sentido deste vocábulo na Bíblia

Hebraica. Muitas vezes o sentido da palavra é identificado a partir de uma

análise do mesmo onde se considera a predominância de um sentimento, ou

reação, para se definir o sentido.

A intensidade dos sentimentos e sua influência em todos os

processos interiores ficam refletidas na grande importância

que o coração lev, chega a ter como expressão do psíquico. O

fato de que as paixões fortes fossem sentidas também

fisicamente no coração, seja porque as palpitações diminuíam

ou aumentavam, seja porque parecia que se parava ou doía,

deve ter influenciado logicamente, para que se fixasse a

atenção nesse órgão e se lhe reconhecesse um papel

importante na descrição dos estados psíquicos.97

ble 98

O término libb pertence ao semítico comum. O significado “coração” é comum a

todas as línguas semíticas. Em acádico libbu tem o significado de “interno”, que se

limita a um emprego preposicional. Em árabe significa o núcleo, a razão.99

Em hebraico e armaico veterotestamentário, junto a lev aparece também levav

(em arameu lebab). Não se pode afirmar que haja uma sucessão cronológica entre estas

97

EICHRODT, Walter. Teologia do Antigo Testamento. Tradução: Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo:

Editora Hagnus, 2004. p.601. 98

O vocábulo lev será delineado no seu campo significativo de forma pormenorizada em relação aos

demais, visto que se trata do objeto da nossa pesquisa e de um termo antropológico de suma importância

para o sentido teológico também da nossa perícope e para toda teologia do Antigo Testamento. Uma

análise do vasto campo de significação dete vocábulo nos auxiliará para uma maior aproximação do

sentido em que a palavra ocorre dentro da nossa perícope. Conforme abordamos anteriormente é

necessário este procedimento de exploração da polissemia de um vocábulo para que possamos analisálo

com afinco e nos aproximar do sentido do mesmo para a nossa perícope, que nesse caso se trata de um

movimento de fechamento ou neutralização da polissemia do vocábulo. Estaremos averiguando as

delineações do campo significativo do vocábulo lev segundo os autores: Claus Westermann, P.

Fronzarolli, F. Stolz, Hans Walter Wolff, Luis Alonso Shokel e outros. 99

WESTERMANN, JENNI. 1978. p. 1176.

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duas formas. A fonte J parece empregar unicamente a forma lev. A fonte E pelo

contrario, emprega lebab. Isaías emprega fundamentalmente Dt e a obra

deuteronomistica quase exclusivamente levav. O Deutero-Isaías utiliza na maioria das

vezes lev.100

Ez 16, 30 ocorre a forma feminina “libba”. Chama a atenção a forma como

corre no acádico “libbatu” (plural), fúria. Também lababu, enfurecer-se. De todas as

formas deve-se perguntar se os acádicos libbu e lababu estão relacionados. Em qualquer

caso Ez 16,30 o coração é apresentado como a sede da cobiça.101

O substantivo lev é derivado do verbo denominativo lbb na forma nifal “adquirir

inteligência” (Jó 11,12) e piel enlouquecer, perder a razão (Cant 4,9).

Lev e levav aparecem em total 853 vezes (601 + 252 vezes, de ellas, 7 +1 vez em

plural), donde para 1 e 2 Cr deve-se ler 24 vezes em lugar de 2 vezes. Libba 1 vez, lbb

nifal 1 vez, piel 2 vezes. Se devem analisar os casos do aramaico bíblico onde lev

aparece 1 vez e levav 7 vezes, sendo que todas no livro de Dn.

A raiz aparece com frequência em Dt, Jr, Ez, Sal, Prov, Ecl e Cr. Em Sal 147

vezes (lev 102 vezes e levav 35 vezes. Prov 97 vezes lev e 2 vezes levav, em Jer 58

vezes lev e 8 vezes levav. Dt lev ocorre 4 vezes e levav 47 vezes. Is lev aparece 31 vezes

e levav 18 vezes. Em Ex lev ocorre 46 vezes e levav 6 vezes. No livro de Ezequiel lev

aparece 41 vezes e levav 6 vezes. Em 2 Cr ocorre 16 vezes lev e 28 vezes levav. Ecl lev

ocorre 41 vezes e levav 1 vez.102

Lev designa originariamente o órgão corporal.103

Em Israel se conhece pelo

diagnostico de “ataque cardíaco” (1 Sm 25,37), sem que por isso seja o coração objeto

de conhecimento profundo, como também sucedia nas culturas vecinas.

O batimento cardíaco pode significar “excitação” Sal 38,11. Quando se fala em

feridas que afetam o coração não se faz referencia específica ao órgão coração, mas em

geral a toda região cardíaca (2 Sm 18,14; Sal 37,15; em Os 13,8 se menciona,

propriamente “tapa do coração”).

No aramaico bíblico em Dn 2,32; originariamente a parte dianteira pode ser

designada também por leb (Ex 28,29). Designa também a garganta como órgão da fala,

porém não é muito segura tal definição. Também o coração dos animais é designado

100

Idem. p. 1177. 101

Idem. p. 1177. 102

Idem. p. 1177. 103

Idem. p. 1177.

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como lev (2 Sm 17,10; Job 41,16; usado duas vezes em sentido figurativo se referir a

essência do animal em questão).104

Em outro sentido lev significa coração como centro, especialmente em Ex 15,8;

Prov 23,34; 30,19;), belev yammim (Ex 27,4.25-27; 28,2.8; Sal 46,3; Jon 2,4, “meio do

mar”, e também lev hashamaym, centro do céu (Dt 4,11).

Ao lev humano se assemelha o ser corporal, anímico e espiritual do homem

(genérico). Na expressão sed lev, sustentar o coração, que significa comer, lev designa a

força vital. (Gn 18,5; Jue 19,5,8; Sal 104,15). Lev é também o órgão da potencia e

desejo sexual (Os 4,11; Jó 31,9; Prov 6,25).105

O aspecto anímico de lev se manifesta os mais diversos sentimentos: dor (1 Sm

1,8; Is 1,5; 57,15; Jr 4,18; 8,18; Sal 13,3 34,19. No caso dos salmos pertencem a

topologia da lamentação), alegria (Ex 4,14; Jue 16,25; Is 24,7; Jr 15,16; Sal 4,8; Prov

14,10), medo (Dt 20,3,8; Jos 2,11; Is 7,2; Sal 25,17), duvida (Ecl 2,20; Lam 1,20),

animo (Sl 40,13) e outros sentimentos.

Quando o ser humano é interpelado com carinho e confiança por Deus, ou por

outro ser humano, se emprega com frequência este vocábulo (por exemplo, dbr piel al

lev “tratar de convencer”, Gn 34,3; Is 40,2).

Entre as funções espirituais do vocábulo lev, o conhecimento possui o primeiro

lugar.

A ideia de tomar conhecimento de alguma coisa pode ser indicada por meio de

diversos verbos (sit, Ex 7,23; 1 Sm 4,20 sm, Ex 9,21; 1 Sm 21,13; ntn, Ecl 1,13,17),

seguidos de uma preposição e lev. Também o “recordar” tem lugar no lev (Dt 4,9; Is

33,18; 65,17; Jr 3,16; Sl 31,13).

A habilidade manual pode ser considerada coisa do lev (na expressão hakam lev,

destro, que não se deve entender em sentido sapiencial, Ex 28,3; 31,6 35,10.

Também as capacidades intelectuais são próprias do lev106

: inteligência (Dt 8,5;

Jo 17,4; Prov 2,2 Ecl 7,2), capacidade de julgar criticamente um assunto (Jos 14,7; Jue

5,15s; Ecl 2,1.3.15), prudência jurídica (1 Re 3,9 2 Cr 19,9).

Este aspecto do lev é importante sobretudo na literatura sapiencial. O lev é o

órgão da sabedoria (Prov 2,10; 14,33; 16,23; Ecl 1,16; 1 Re 10,24). O lev do sábio lhe

104

Idem. p. 1178. 105

Idem. p. 1178. 106

Idem. p. 1179.

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permite falar com retidão (Prov 16,23; 23,15s), e a compreender a essência do tempo e

daquilo em que no tempo sucede (Ecl 1,16; Sal 90,12).

A sabedoria de Israel não é a única que atribui este significado ao coração, pois

tal significado também ocorre na sabedoria grega. Finalmente o lev é também a sede da

vontade e da faculdade decisória (2 Sm 7,2; 1 Re 8,17; Is 10,7; Jr 22,17; Sal 20,5; 21,3).

O lev abarca portanto todas as dimensões da existência humana.

A partir disso podem se formar expressões que se referem ao ser humano em sua

totalidade: lev fraco (Ez 21, 20), se derrete (Dt 20, 8; Jos 2,11; 5,1; 7,5; Is 13,7; 19,1; Ez

21,12), se alarma (Dt 28,65), pode também “infundir tranquilidade” (hifil, Ez 32,9).

O lev pode designar a pessoa mesma, como também pode desempenhar a função

de um pronome pessoal, ou seja, aparece de forma paralela a um pronome, por exemplo

no Sl 22,15; 27,3; 33,21; 45,2. Pode também designar o mais próprio e característico de

uma pessoa (Jue 16,15.17s; 1 Sm 9,19; tampouco esta concepção se limita a Israel.

A expressão belev com sufixo personal acompanhado de um verbo de

pensamento o de habla (por exemplo, Gn 17,17; 27,41; Dt 7,17; Sal 4,5 etc) se refere a

pensamentos que a pessoa guarda para si e não revela para as outras pessoas. Também

as motivações recônditas e escondidas regiões do homem, tem o seu lugar no lev (Ct

5,2). A sabedoria afirma que o lev é insondável (Jr 17,9; Sl 64,7; Prov 20,5).

Considerando que o ser humano toma suas decisões e responde por elas no lev, o

vocábulo pode significar em determinadas ocasiões o sentido de consciência (Gn 20,5; I

Sm 24,6).

1.1. Delineação do vocábulo lev na antropologia de Hans

Walter Wolff

A palavra mais importante para a lingüística da antropologia da Bíblia

Hebraica geralmente se traduz por coração. Mencionada por Wolff,107

Meyenfeldt e

Stolz, estes afirmam que a expressão (hebr. lēḇ) aparece 598 vezes na Bíblia

Hebraica, sendo que na forma 252 vezes e em aramaico, no livro de Daniel,

107

WOLLF, 1983. p. 61.

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aparece 1 vez lev e 7 vezes .108

No Antigo Testamento, 26 vezes se fala do

coração de Deus, 11 vezes se fala do (hebr. lēḇ) do mar, 1 vez do coração do céu, 1

vez do coração da árvore, e 814 vezes do (hebr. lēḇ) humano. Cinco vezes é

referido a animais, quatro delas em comparação com o (hebr. lēḇ) do homem. (2

Sam. 17, 10; Os. 7, 11;) e só uma vez exclusivamente ( Jó 41, 16;).

`tyTi(x.T; xl;p,äK. qWcªy"w>÷ !b,a'_-AmK. qWcåy" ABliâ Delineação do vocábulo lev na perspectiva de Hans Walter Wolff:

A grande importância do vocábulo lev para a antropologia exige um exame

semasiológico a partir de textos distintos e a partir de conexões de asserções.109

Para obtermos a nossa compreensão analítica do modo de pensar sintético da

Bíblia mais uma vez se recomenda iniciar perguntando que noções sobre o órgão

coporal lev se encontram no Antigo Testamento. Para Hans Walter Wolff110

, autor que

em nossa pesquisa nos auxiliará servindo de fio condutor para o desenvolvimento do

trabalho, o texto mais interessante parece ser o relato da morte de Nabal em 1 Sam

25,37:

Alå-dG<T;w: lb'êN"mi ‘!yIY:’h; taceÛB. rq,Boªb; yhiäy>w: hy"ïh' aWhßw> ABêr>qiB. ‘ABli tm'Y"Üw: hL,ae_h' ~yrIßb'D>h;-ta, ATêv.ai

“Sucedeu pois, que pela manhã, havia já saído de Nabal o vinho; sua mulher lhe deu

a entender aquelas palavras. O seu coração (lev) morreu no seu interior e ele se

tornou pedra. Cerca de dez dias depois Javé feriu a Nabal de modo que ele morreu”.

Estas afirmações desorientam o autor moderno. Lendo a primeira frase pensa-se

que com a imobilização do coração se teria dado a morte com a rigidez cadavérica. Mas,

a seguir vem a saber que Nabal vive mais dez dias ainda. Logo, o lev morre dez dias

antes da morte do homem. O ser humano Nabal sobrevive dez dias à morte do deu

órgão lev. Isto mostra que não se pensa numa imobilização do coração no sentido

medicinal moderno, pois isso significaria a morte imediata do homem. Nem aqui e nem

em outra parte o Antigo Testamento dá a conhecer que sabe de uma conexão entre o

pulso e o lev. No caso do texto une-se a morte do lev uma petrificação do corpo, em

108

STOLZ, MEYENFELDT apud WOLLF. 1983. p. 61. 109

WOLLF, 1983. p. 62. 110

Idem. p. 62.

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vista do fato de que Nabal ainda viveu mais dez duas neste estado. Por isso só se pode

pensar em paralisia. Mas isto indica ao médico uma apoplexia com derrame cerebral.

Depois dele o ser humano pode viver perfeitamente ainda dez dias. Logo o narrador

antigo aqui concebia o coração como um órgão central, que possibilitava a mobilidade

dos membros. O “bater” do coração é observado tão pouco como a anatomia do Israel

antigo concebia o cérebro, os nervos e o pulmão. Segundo isso, nesta passagem, lev de

acordo com a sua função corresponde a determinadas partes do cérebro. Isto se deve

reter para a nossa pergunta futura pelas funções essenciais que o hebreu com mais

frequência atribui ao coração.

Esta análise é importante para a antropologia da Bíblia Hebraica e Novo

Testamento, como também para a exegese. Do ponto de vista sincrônico quando

consideramos que o texto da Bíblia Hebraica como um todo passou pelo crivo de

interpretação ou de análise de um hagiógrafo-redator deuteronomista como afirmam

muitos exegetas, podemos então levantar a seguinte questão: Por que o deuteronomista

com seus pressupostos teológicos ancorados no livro do Dt onde se encontra nossa

perícope, manteve o texto de Nabal com o vocábulo lev juntamente com o seu sentido

de cérebro ou órgão responsável pela articulação dos membros ou mobilização do ser

humano? Se caso o redator que poliu o texto, isto é, a última camada, não for o

deuteronomista, qual seria a motivação de exprimir o significado do vocábulo lev desta

forma? Quais as implicações para o sentido do vocábulo lev em nossa perícope?

Podemos estabelecer algum ponto de contato entre o sentido exposto pelo texto de

Nabal com o significado do vocábulo lev no deuteronomio 6, 1-9? Levantamos tal

questão, visto que para Hans Walter Wolff o texto mencionado de 1 Sam é considerado

muito importante pelos especialistas que procuram identificar o lugar anatômico e

fisiológico de lev no Antigo Testamento.

Definimos que lev, pode ser cérebro, mas também o próprio órgão coração como

sede da memória, preservadora e mobilizadora de ações concretas de justiça social e

solidariedade. Aqui se encontram vinculados a memória com as dimensões afetivas do

ser humano.

A partir de agora vamos delinear o campo de significação de lev na tentativa de

definirmos o lugar anatômico e fisiológico do vocábulo, em diferentes textos para que

possamos sinalizar um sentido apropriado para nossa perícope. Partiremos do geral para

o particular, isto é, vamos analisar o amplo campo semântico de significações de lev no

Antigo Testamento na tentativa de estabelecermos algum ponto de contato com o

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vocábulo contido na perícope que estamos analisando exegéticamente. Quem nos

auxiliará na delineação do vocábulo lev será o autor Hans Walter Wolff.

Começaremos apresentando o lugar anatômico do coração. Aquilo em que está

fechado o seu lev (armação das costelas):111

Os 13,8:

~B'_li rAgæs. [r:Þq.a,w> lWKêv; bdoåK. ‘~veG>p.a, `~[e(Q.b;T. hd<ÞF'h; tY:ïx; aybiêl'K. ‘~v' ~leîk.aow>

Como urso que tem perdido seus filhos, os encontrarei, lhes romperei as teias

do seu coração, e alí os devorarei como leão; as feras do campo o despedaçarão.

Lev como lugar do peito112

, visto que Aarão levava a bolsa das decisões do

juízo penduradas no lev (Ex 28,29):

!v,xoôB. laeør"f.yI-ynE)B. tAm’v.-ta, !roh]a;û af'än"w> `dymi(T' hw"ßhy>-ynE)p.li !roðK'zIl. vd<Qo+h;-la, AaåboB. ABßli-l[; jP'²v.Mih;

Assim Arão levará os nomes dos filhos de Israel no peitoral do juízo sobre o seu

coração, quando entrar no santuário, para memória diante do SENHOR

continuamente.

Sobre a anatomia do coração113

:

Minhas entranhas, minhas entranhas! Estou a contorcer-me. Paredes do meu

coração! (lev). Meu coração (lev) se convulsiona. Não posso me conter.( Jr. 4,19).

Coração rompido (perturbações)114

Jr 23,9:

‘Wpx]r"( yBiªr>qib. yBiäli rB:ôv.nI ~yaiúbiN>l; ynEåP.mi !yIy"+ Arb"å[] rb,g<ßk.W rAKªvi vyaiäK. ‘ytiyyI’h' yt;êAmc.[;-lK'

`Av*d>q' yrEîb.DI ynEßP.miW hw"ëhy>

Quanto aos profetas, já o meu coração está quebrantado dentro de mim; todos

os meus ossos estremecem; sou como um homem embriagado, e como um homem

vencido de vinho, por causa do SENHOR, e por causa das suas santas palavras.

Falhar do coração Sl 38,11; no caso disparar, pulsar violento e irregular do

coração que escurece as vistas:115

111

Idem. p. 63. 112

Idem. p. 63. 113

Idem. p. 63. 114

Idem. p. 64.

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~he©÷-~G: yn:ïy[e-rAaw>) yxi_ko ynIb:åz"[] rx;r>x;s.â yBiäli `yTi(ai !yaeä

O meu coração dá voltas, a minha força me falta; quanto à luz dos meus olhos,

ela me deixou.

Através das doenças Israel definiu o coração como órgão central e decisivo.116

O coração é também o lugar onde se concentram os esforços excessivos117

, dar

um pedaço de pão a um estrangeiro ou viajante esgotado significa dar apoio ao seu

coração, conforme o texto a seguir:

“Come pão para que o teu coração fique melhor”, 1 Rs 21,7;

hf ,î[]T; hT'²[; hT'§a; ATêv.ai lb,z<åyai ‘wyl'ae rm,aToÜw: !TEåa, ‘ynIa] ^B,êli bj;äyIw> ‘~x,l,’-lk'a/ ~WqÜ lae_r"f.yI-l[; hk'ÞWlm.

`yli(a[er>z>YIh; tAbïn" ~r<K,Þ-ta, êl. Então Jezabel, sua mulher lhe disse: Governas tu agora no reino de Israel?

Levanta-te, come pão, e alegre-se o teu coração; eu te darei a vinha de Nabote, o

jizreelita.

Abaixo segue um exemplo onde lev significa centro, lugar oculto, profundo,

inacessível as seres humanos:118

Pv 30,18-19:

[B'r>a;w> yNIM<+mi Waål.p.nI hM'heâ hv'äl{v. `~yTi([.d:y> al{å h['ªB'r>a;w>÷

hY"ïnIa\-%r<D<( rWcï yleñ[] vx'ªn" %r<D<î é~yIm;V'B; Ÿrv,N<“h; %r<D<Û `hm'(l.[;B. rb,G<å %r<d<Þw> ~y"+-bl,b.

Estas três coisas me maravilham; e quatro há que não conheço: O caminho da

águia no ar; o caminho da cobra na penha; o caminho do navio no meio do mar; e o

caminho do homem com uma virgem.

Nesse caso o coração do mar, o “meio’, significa o alto mar inexplorável, o

fundo do mar com seus mistérios.

115

Idem. p. 64. 116

Idem. p. 64. 117

Idem. p. 64. 118

Idem. p. 64.

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Coração do mar no sentido de profundidade Jn 2,4 profundidade inexplorável

do mar:119

ynIbE+b.soy> rh"ßn"w> ~yMiêy: bb;äl.Bi ‘hl'Wcm. ynIkEÜyliv.T;w: `Wrb")[' yl;î[' ^yL,Þg:w> ^yr<îB'v.mi-lK'

Porque tu me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a corrente das

águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado por cima de mim.

O coração do céu também é inacessível aos seres humanos (Dt 4,11):120

rh'úh'w> rh"+h' tx;T;ä !Wdßm.[;T;(w: !Wbïr>q.Tiw: `lp,(r"[]w: !n"ï[' %v,xoß ~yIm;êV'h; bleä-d[; ‘vaeB' r[EÜBo

E vós vos chegastes, e vos pusestes ao pé do monte; e o monte ardia em fogo

até ao meio dos céus, e havia trevas, e nuvens e escuridão.

Coração do carvalho, galhos mais internos da copa da árvore 2 Sm 18,14:121

•xQ;YIw: ^yn<+p'l. hl'yxiäao !kEß-al{ ba'êAy rm,aYOæw: yx;Þ WNd<îA[ ~Alêv'b.a; bleäB. ‘~[eq't.YIw: APªk;B. ~yjiøb'v. hv'’l{v.

`hl'(aeh' bleîB. Então disse Joabe: Não me demorarei assim contigo aqui. E tomou três

dardos, e traspassou com eles o coração de Absalão, estando ele ainda vivo no meio

do carvalho.

O coração aparece também em oposição a aparência externa (1 Sm 16,7) Nele

se encontram as decisões vitais sendo que estas são ocultas aos homens:122

jBeóT;-la; laeªWmv.-la, hw"÷hy> rm,aYO“w: rv<Üa] al{ª ŸyKiä WhyTi_s.a;m. yKiä Atßm'Aq H:boïG>-la,w> Whae²r>m;-la,

`bb'(Lel; ha,îr>yI hw"ßhyw: ~yIn:ëy[el; ha,är>y I ‘~d"a'h'( yKiÛ ~d"êa'h' ‘ha,r>yI Porém o SENHOR disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem

para a grandeza da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o SENHOR não vê

como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o SENHOR

olha para o coração.

119

Idem. p. 65. 120

Idem. p. 65. 121

Idem. p. 65. 122

Idem. p. 65.

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Lev é também é o lugar da disposição inatingível. Dimensão da vida humana

escondida aos olhos humanos, mas, conhecida diante de Deus (Prov 15,11; Sl 44,22;

Sl 139,23; Jr 17,9).

Quais os atos que são atribuídos ao lev no AT? Aqueles que se relacionam com

a sensibilidade e emocionalidade, sentimento e afeto, às camadas irracionais do ser

humano. Um exemplo disso podemos encontrar no caso do estado de excitação do

coração de um enfermo Sl 25,17:123

`ynIaE)yciAh yt;ªAqWc)M.mi÷ Wbyxi_r>hi ybiäb'l. tAråc' As ânsias do meu coração se têm multiplicado; tira-me dos meus apertos.

Pode ser também utilizado com a expressão rechav lev, no sentido de

orgulho.124

O lev tranquilo serve para a saúde de toda a vida, ou seja, para uma boa

disposição do ser humano como um todo conforme Prov 14,30:125

`ha'(n>qi tAmåc'[] bq:ßr>W aPe_r>m; bleä ~yrIf'b.â yYEåx; O coração sadio é vida para o corpo, mas a inveja é podridão para os ossos.

Temperamento do ser humano:126

Prov 23,17: o teu coração não se indigne

com os malfeitores, pecadores, permanece porem no temor de Javé todos os seus dias:

yKiî ~yai_J'x;B;( ^B.liâ aNEåq;y>-la; `~AY*h;-lK' hw"©hy>÷-ta;r>yIB.-~ai

O teu coração não inveje os pecadores; antes permanece no temor do SENHOR

todo dia.

O coração é a sede de determinadas disposições de animo como a alegria e a

aflição. Neste sentido Faz-se às vezes juízo de valor moral, no sentido do ser humano

ser bondoso ou ruim, e também refere-se à disposição do coração, ou seja, o coração

disposto e o coração aborrecido, aflito.127

O meu coração exulta sobre Javé Sl 13,5:

^t<ï['ñWvyBi( yBiªli lgEïy"Ü éyTix.j;b' ^åD>s.x;B. ynIÜa]w: `yl'([' lm;äg" yKiÞ hw"+hyl; hr"yviîa'

123

Idem. p. 66. 124

Idem. p. 69. 125

Idem. p. 67. 126

Idem. p. 67. 127

Idem. p. 67.

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Mas eu confio na tua benignidade; na tua salvação se alegrará o meu coração.

Coração como lugar da alegria que o vinho provoca Sl 104,15:

!m,V'_mi ~ynIåP' lyhiäc.h;l. vAn©a/-bb;l.( xM;ìf;y> Ÿ!yIy:Üw> `d['(s.yI vAnða/-bb;l.( ~x,l,ªw>÷

E o vinho que alegra o coração do homem, e o azeite que faz reluzir o seu rosto,

e o pão que fortalece o coração do homem.

O dia do casamento é o dia da alegria do coração Cant 3,11:128

%l,M,äB; !AYàci tAnðB. hn"ya,²r>W* Ÿhn"ya,óc. tx;îm.fi ~Ayàb.W AtêN"tux] ~AyæB. ‘AMai ALÜ-hr"J.[iv, hr"ªj'[]B' hmo+l{v.

`AB)li

Saí, ó filhas de Sião, e contemplai ao rei Salomão com a coroa com que o

coroou sua mãe no dia do seu desposório e no dia do júbilo do seu coração.

A disposição do coração domina todas as manifestações da vida129

(Prov 15,13):

`ha'(ken> x:Wrå ble÷-tb;C.[;b.W ~ynI+P' bjiäyyE x:mef'â bleä O coração alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração o espírito se

abate.

O coração alegre favorece a vida Prov 17,22:

ha'ªken>÷ x:Wrïw> hh'_GE bjiäyyE x:mef'â bleä `~r,G")-vB,y:T.

O coração alegre é como o bom remédio, mas o espírito abatido seca até os

ossos.

Coragem e temor se processam através de movimentos do coração. Perdendo-se

a coragem, o coração treme como a folhagem no vento Is 7,2:130

~yIr"+p.a,-l[; ~r"Þa] hx'(n"ï rmoêale ‘dwID" tybeÛl. dG:©YUw: `x:Wr)-ynEP.mi r[;y:ß-yce[] [;AnðK. AMê[; bb;äl.W ‘Abb'l. [n:Y"Üw:

128

Idem. p. 67. 129

Idem. p. 67-68. 130

Idem. p. 68.

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E deram aviso à casa de Davi, dizendo: A Síria fez aliança com Efraim. Então

se moveu o seu coração, e o coração do seu povo, como se movem as árvores do

bosque com o vento.

O lev pode tornar-se mole Dt 20,8:131

Wrªm.a'w> è~['h'-la, rBEåd:l. é~yrIj.Voh; Wpås.y"w> sM;²yI al{ïw> At=ybel. bvoåy"w> %lEßyE bb'êLeh; %r:åw> ‘arEY"h; vyaiÛh'-ymi

`Ab*b'l.Ki wyx'Þa, bb;îl.-ta, E continuarão os oficiais a falar ao povo, dizendo: Qual é o homem medroso e

de coração tímido? Vá, e torne-se à sua casa, para que o coração de seus irmãos não

se derreta como o seu coração.

Em alguns casos lev derrete-se como cera Sl 22,15:

hy"åh' yt'îAmñc.[;-lK'( Wdªr>P")t.hiw> éyTik.P;v.nI ~yIM:ïK; `y['(me %AtåB. smeªn"÷ gn"+ADK; yBiliâ

Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu

coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas.

Também se dissolve como água Jos 7,5:132

vyaiê ‘hV'viw> ~yviÛl{v.Ki y[;ªh' yveän>a; ~h,øme WK’Y:w: sM;îYIw: dr"_AMB; ~WKßY:w: ~yrIêb'V.h;-d[; ‘r[;V;’h; ynEÜp.li ~WpúD>r>YIw:)

`~yIm")l. yhiîy>w: ~['Þh'-bb;l. E os homens de Ai feriram deles uns trinta e seis, e os perseguiram desde a

porta até Sebarim, e os feriram na descida; e o coração do povo se derreteu e se

tornou como água.

Quando o temor se apodera do ser humano o hebreu afirma que o seu lev

coraçao sai (Gen 42,28):133

hNEåhi ~g:ßw> yPiês.K; bv;äWh ‘wyx'a,-la, rm,aYOÝw: rmoêale ‘wyxia'-la, vyaiÛ Wdúr>x,Y<)w: ~B'ªli aceäYEw: yTi_x.T;m.a;b.

`Wnl'( ~yhiÞl{a/ hf'î[' taZO°-hm;

131

Idem. p. 68. 132

Idem. p. 68. 133

Idem. p. 68.

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28 E disse a seus irmãos: Devolveram o meu dinheiro, e ei-lo também aqui no

saco. Então lhes desfaleceu o coração, e pasmavam, dizendo um ao outro: Que é isto

que Deus nos tem feito?

abandona-o Sl 40,13;

ynIWgæyFihi rP'ªs.mi !yaeì-d[; tA[‡r" Ÿyl;’['-Wpïp.a' yKiÛ yBiîliw> yviªaro÷ tArï[]F;(mi Wmïc.[' tAa+r>li yTil.koåy"-al{w> yt;nOwO[]â

`ynIb")z"[] 12 Porque males sem número me têm rodeado; as minhas iniqüidades me

prenderam de modo que não posso olhar para cima. São mais numerosas do que os

cabelos da minha cabeça; assim desfalece o meu coração.

O lev pode desfalecer e cair conforme exposto em 1 Sm 17,32:

~d"Þa'-ble lPoïyI-la; lWaêv'-la, ‘dwID" rm,aYOÝw: `hZ<)h; yTiîv.liP.h;-~[i ~x;Þl.nIw> %leêyE åD>b.[; wyl'_['

E Davi disse a Saul: Não desfaleça o coração de ninguém por causa dele; teu

servo irá, e pelejará contra este filisteu.

Para Hans Walter Wolff, neste sentido, as significações se afastam do sentido

de órgão corporal. O sentido aqui é entendido como coragem. O coração frouxo, sem

força é descrito também no AT, no caso de Jacó quando recebe a notícia do

falecimento de José. Vemos também alguns casos acerca do lev de uma pessoa

deprimida conforme Sl 38,9:134

`yBi(li tm;îh]N:mI) yTig>a;ªv'÷ dao+m.-d[; ytiyKeäd>nIw> ytiAgæWpn> Estou fraco e mui quebrantado; tenho rugido pela inquietação do meu

coração.

Lev pode também significar desejo e aspiração Sl 21,3:

T'[.n:ïm'-lB; wyt'ªp'f.÷ tv,r<îa]w: AL= hT't;än" ABliâ tw:åa]T; `hl'S,(

Cumpriste-lhe o desejo do seu coração, e não negaste as súplicas dos seus

lábios.

Acima vemos um exemplo do lev ao lado dos lábios. O lev pode ocorrer como

sede dos desejos internos e ocultos Prov 6,25:

134

Idem. p. 68.

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^ªx]Q")Ti÷-la;w> ^b<+b'l.Bi Hy"p.y"â dmoåx.T;-la; `h'yP,([;p.[;B.

Não cobices no teu coração a sua formosura, nem te prendas aos seus olhos.

Em Prov 13,12 não se deve sobrecarregar a resistência de um coração

desejoso:

~yYI©x;÷ #[eîw> ble_-hl'x]m; hk'V'mum.â tl,x,äAT

`ha'(b' hw"ïa]T; A esperança demorada enfraquece o coração, mas o desejo chegado é árvore

de vida

No caso de Jó jamais o seu lev correu atrás dos seus olhos, isto é, jamais o seu

desejo secreto se deixou determinar por aquilo que lhe cativava a vista. Neste caso os

olhos estão por aquilo que se vê, e assim, o coração, lev, pelo desejo secreto. Jó

31,9:135

`yTib.r"(a' y[iärE xt;P,Þ-l[;w> hV'_ai-l[; yBiliâ hT'äp.nI-~ai Se o meu lev coração se deixou seduzir por uma mulher, ou se eu armei

traições à porta do meu próximo.

Num 15,39; fala de borlas nas pontas da roupa que para os israelitas deveriam

ter a seguinte significação: Quando olhardes para elas, deveis lembrar-vos de todos os

mandamentos de Javé, para proceder de acordo com eles, não correndo atrás dos

vossos corações e dos vossos olhos, quando os seguis em infidelidade. Aqui se

colocam os desejos das manifestações ocultas ao lado das seduções visíveis dos olhos.

O coração pode tanto cair em desanimo conforme 1 Sam 17,32:

~d"Þa'-ble lPoïyI-la; lWaêv'-la, ‘dwID" rm,aYOÝw: `hZ<)h; yTiîv.liP.h;-~[i ~x;Þl.nIw> %leêyE åD>b.[; wyl'_['

E Davi disse a Saul: Não desfaleça o coração de ninguém por causa dele; teu

servo irá, e pelejará contra este filisteu.

O lev também pode levantar-se em orgulho Dt 8,14:136

^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘T'x.k;v'(w> ^b<+b'l. ~r"Þw> `~ydI(b'[] tyBeîmi ~yIr:ßc.mi #r<a,îme ^±a]yciAMh;

135

Idem. p. 69. 136

Idem. p. 69.

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Se eleve o teu coração e te esqueças do SENHOR teu Deus, que te tirou da

terra do Egito, da casa da servidão;

Os 13,6;

!KEß-l[; ~B'_li ~r'Y"åw: W[ßb.f' W[B'êf.YIw: ‘~t'y[ir>m;K. `ynIWx)kev.

Depois eles se fartaram em proporção do seu pasto; estando fartos,

ensoberbeceu-se o seu coração, por isso se esqueceram de mim.

Dan 5,20-22;

‘tx;n>h' hd"_z"h]l; tp;äq.Ti( HxeÞWrw> Hbeêb.li ~rIå ‘ydIk.W 20

`HNE)mi WyDIî[.h, hr"Þq'ywI) HteêWkl.m; aseär>K'-!mi ywIv. at'äw>yxe-~[i ŸHbeäb.liw> dyrIøj. av'’n"a] •ynEB.-!miW

21

lJ;îmiW HNEëWm[]j;äy> ‘!yrIAtk. aB'Ûf.[i HrEêAdm. ‘aY"d:r"([]-~[iw> wy>WI©v; ay"L'[i ah'Ûl'a/ jyLiúv;-yDI( [d:ªy>-yDI( d[;ä [B;_j;c.yI Hmeäv.GI aY"ßm;v.

HyEl;[] ~yqEïh'y> hBeÞc.yI yDIî-!m;l.W av'ên"a] tWkål.m;B. ha'L'[i `Hl;([]

T.l.PeÞv.h; al'î rC;êav;l.Be ‘HrEB. T.n>a:Üw> hT'n>a;w> 22

`T'[.d:(y> hn"ßD>-lk' yDIî lbe§q\-lK' %b"+b.li Mas quando o seu coração se exaltou, e o seu espírito se endureceu em

soberba, foi derrubado do seu trono real, e passou dele a sua glória. E foi tirado

dentre os filhos dos homens, e o seu coração foi feito semelhante ao dos animais, e a

sua morada foi com os jumentos monteses; fizeram-no comer a erva como os bois, e

do orvalho do céu foi molhado o seu corpo, até que conheceu que Deus, o Altíssimo,

tem domínio sobre o reino dos homens, e a quem quer constitui sobre ele. E tu,

Belsazar, que és seu filho, não humilhaste o teu coração, ainda que soubeste tudo

isto.

A presunção se chama jactância do coração bb'Þle ld<gOðb.W uvgodél levav Is 9,8.

A petulância é designada como prevalecimento do coração ^B,êli !Adåz> ‘zedon libechá

Jer 49,16. Em oposição encontramos no N.T. uma passagem que fala do coração de

Jesus (Mt 11,29): sou manso e humilde de coração.

Para Hans Walter Wolff, na grande maioria dos casos o sentido de lev designa

as funções intelectuais, racionais, logo exatamente àquilo que atribuímos à cabeça ou

mais exatamente o cérebro. Para Wolff deve evitar a falsa impressão de que o sentido

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de lev seja determinado mais pelo sentimento do que pela razão. Esta orientação

antropológica errônea se origina devido uma tradução indiferenciada de lev. A Bíblia

expõe o ser humano perante claras alternativas e distinções que devem ser conhecidas.

Um fator muito importante que devemos ressaltar é que lev, de longe, encontra-se com

muito mais frequência na literatura sapiencial. Só em Provérbios a expressão lev

ocorre 99 vezes e no Eclesiaste 42 vezes, no Deuteronomio, acentuadamente doutrinal

51 vezes.137

Dt 29,3 supõe a definição de lev como órgão do entendimento. Assim como o

ouvido está para ouvir e os olhos para enxergar, assim o coração é para o

entendimento:

~yIn:ïy[ew> t[;d:êl' ‘ble ~k,îl' hw"“hy> •!t;n"-al{)w> `hZ<)h; ~AYðh; d[;Þ [:mo+v.li ~yIn:åz>a'w> tAaßr>li

Porém não vos tem dado o SENHOR um coração para entender, nem olhos

para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje.

137

Aqui encontramos um ponto de contato com a definição que temos em mente acerca do sentido do

vocábulo lev para a perícope de Dt 6.1-9. Entendemos que lev é o órgão coração como sede da memória,

do conhecimento, da prudência, da sabedoria e da meditação. O lev, órgão coração, como sede da

memória, não é visto por nós como sede de uma memória desvinculada de sentimentos. Entendemos que

a memória, a racionalidade, o conhecimento, possuem um vínculo com o sentimento, principalmente de

solidariedade, exposto no livro do Deuteronômio através do seu projeto social. Neste caso o lev como

órgão da memória possui um compromisso com o sentimento de solidariedade em favor do próximo.

Trata-se de uma memória que estrá estreitamente vinculada com atos concretos de justiça . A partir desta

definição encontramos um ponto de contato importante com o pressuposto teológico fundamental da

Teologia Latino Americana da Libertação que defende a necessidade de nos dias atuais não se fazer

teologia apenas com a cabeça, mas também com o coração. A partir desta perpectiva, ou seja, “fazer

teologia com o coração”, implica numa postura em favor dos mais fracos. Tal postura é composta de

medidas e ações concretas na luta por um mundo melhor, no engajamento das práticas que buscam ao

menos amenizar as desigualdades. Não queremos dizer que a Teologia da Libertação se resume a uma

reflexão crítica sobre a práxis histórica. Isso não garante a identidade da TL. Temos a consciência de que

as ciências sociais já tomam tais medidas, já fazem isso com competência. Mas o que faz então uma

relexão sobre a práxis ser teologia? Apesar dessa resposta não ser tão clara, temos algumas propostas

elaboradas por alguns teóricos. De um lado a teologia pretende falar a partir da Bíblia, do evangelho, da

revelação, da substancia do cristianismo, por outro lado a teologia pretende falar a partir das ciências

humanas, privilegiando de forma notória a importância de seus dados, ao extremo de referir-se a eles

como a um ponto de partida indispensável. Esta espécie de “fusão” ainda não se resolveu por completo,

pois por trás dela está a tensão entre certa noção de revelação que daria à Igreja critérios à priori e

verdades eternas e a questão da historicidade humana. Esta questão se complica na medida em que temos

a consciência de que a fé cristã e a revelação não existem como realidades claramente verificáveis. Pois

só existem historicamente mediatizados. Portanto entendemos que uma reflexão crítica sobre a práxis

histórica dos seres humanos será teológica e bíblica na medida em que impute nesta práxis a fé cristã.

Nesse sentido a teologia deve ser entendida não somente como ato segundo em relação ao ato primeiro da

práxis, mas também como palavra segunda em relação à palavra primeira das ciências humanas. Dessa

forma a reflexão teológica assume a forma tripartide: análise da realidade, reflexão teológica e

considerações pastorais. Isso significa que a Teologia e a TL só poderão dar passos significativos quando

levarem a sério as exigências da interdisciplinariedade científica. Para um melhor aprofundamento ver:

JUNG, Mo, Sung. Paradigma da Teologia da Libertação. Teologia e Economia: repensando a teologia

da libertação e utopias. Petrópolis-RJ, Vozes, 1994. p. 67-97.

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Quando se nega à compreensão o lev é obstinado como em Is 6,10:

[v;_h' wyn"åy[ew> dBeÞk.h; wyn"ïz>a'w> hZ<ëh; ~['äh'-ble ‘!mev.h; `Al* ap'r"îw> bv'Þw" !ybi²y" Abðb'l.W [m'ªv.yI wyn"åz>a'b.W wyn"÷y[eb. ha,’r>yI-!P,

Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os

olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem

entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado.

Prov 15,14 descreve a função essencial do coração no sentido bíblico:

~yliªysik.÷ ypiîW ynEp.W t[;D"_-vQ,b;y> !Abn"â bleä `tl,W<)ai h[,îr>yI

O coração entendido buscará o conhecimento, mas a boca dos tolos se

apascentará de estultícia.

O coração do sensato procura o saber:

Prov 16,23 diz:

@ysiîyO wyt'ªp'f.÷-l[;w> WhyPi_ lyKiäf.y: ~k'x'â bleä `xq;l,(

O coração do sábio instrui a sua boca, e aumenta o ensino dos seus lábios.

No Sl 90,12 o coração tem o significado de finalidade da vida:

`hm'(k.x' bb;äl. abiªn"w>÷ [d:_Ah !KEå Wnymey"â tAnæm.li Ensina-nos a contar os nossos dias, para adquirirmos um coração sábio

Em Jó 8,10 Baldad introduz a sabedoria dos pais com as palavras:

`~yLi(mi WaciîAy ~B'ªLimiW÷ %l"+ Wrm.ayOæ ^WrAyâ ~heä-al{h] Eles te ensinam e te exortam, dos seus corações fazem sair axiomas.

Podemos perceber que nos sapienciais lev designa faculdade de conhecimento,

e sabedoria, e tais coisas não provém do sentimento nem tão pouco de estados

emocionais. Esta plenitude de conhecimento tem a sua origem no ouvir e receber. Por

isto a sabedoria de Salomão consiste no seu pedido de que Deus lhe conceda um

coração que escute, 1 Rs 3,9-12:

!ybiÞh'l. êM.[;-ta,( jPoåv.li ‘[:me’vo bleÛ øD>b.[;l. T'’t;n"w> 9

`hZ<)h; dbeÞK'h; ^ïM.[;-ta, jPoêv.li ‘lk;Wy ymiÛ yKiä [r"_l. bAjå-!yBe( hmoêl{v. la;äv' yKi… yn"+doa] ynEåy[eB. rb"ßD"h; bj;îyYIw: 10

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`hZ<)h; rb"ßD"h;-ta, T'l.a;øv' rv,’a] •![;y: wyl'ªae ~yhiøl{a/ rm,aYO“w: 11

T'l.a;Ûv'-al{)w> ~yBiªr: ~ymiäy" ^øL. T'l.a;’v'-al{)w> hZ<©h; rb"åD"h;-ta, [:moïv.li !ybiÞh' ±L. T'l.a;óv'w> ^yb,_y>ao vp,n<å T'l.a;Þv' al{ïw> rv,[oê ‘^L.

`jP'(v.mi ~k'äx' ble… ªl. yTit;än" ŸhNEåhi ^yr<_b'd>Ki ytiyfiÞ[' hNEïhi 12

`^Am)K' ~Wqïy"-al{ ^yr<Þx]a;w> ^yn<ëp'l. hy"åh'-al{ ‘^Am’K' rv<Üa] !Abên"w> A teu servo, pois, dá um coração entendido para julgar a teu povo, para que

prudentemente discirna entre o bem e o mal; porque quem poderia julgar a este teu tão

grande povo?

E esta palavra pareceu boa aos olhos do Senhor, de que Salomão pedisse isso.

E disse-lhe Deus: Porquanto pediste isso, e não pediste para ti muitos dias, nem pediste

para ti riquezas, nem pediste a vida de teus inimigos; mas pediste para ti entendimento,

para discernires o que é justo;

Eis que fiz segundo as tuas palavras; eis que te dei um coração tão sábio e entendido,

que antes de ti igual não houve, e depois de ti igual não se levantará

Escutando, se dispondo a ouvir, se inclinando, o coração se torna sábio e

inteligente. O exercício da escuta faz com que o ser humano tenha condições de

administrar um povo grande e difícil de dirigir e da tarefa de distinguir entre o bem e o

mal. Assim o seu coração cobra também a largura com a qual se compreende os

fenômenos do mundo. 1 Rs 4,29-34:

hBeär>h; hn"ßWbt.W hmo±l{v.li hm'ók.x' ~yhi’l{a/ •!TeYIw: `~Y")h; tp;îf.-l[; rv<ßa] lAx§K; bleê bx;roåw> dao+m. ~d<q<+-ynEB.-lK' tm;Þk.x'me( hmoêl{v. tm;äk.x' ‘br<Te’w:

`~yIr")c.mi tm;îk.x' lKoßmiW !m"ôyhew> yxiªr"z>a,h' !t"åyaeme è~d"a'h'(-lK'mi é~K;x.Y<w:

`bybi(s' ~yIßAGh;-lk'(b. Amïv.-yhi(y>w: lAx+m' ynEåB. [D:Þr>d:w> lKo±l.k;w> hV'îmix] Arßyvi yhiîy>w: lv'_m' ~ypiÞl'a] tv,l{ïv. rBe§d:y>w:

`@l,a'(w" !Anëb'L.B; rv<åa] ‘zr<a,’h'-!mi è~yci[eh'¥-l[; érBed:y>w:

@A[êh'-l[;w> hm'äheB.h;-l[; ‘rBed:y>w: ryQI+B; aceÞyO rv<ïa] bAzëaeh' ‘d[;w> `~ygI)D"h;-l[;w> fm,r<Þh'-l[;w>

hmo+l{v. tm;äk.x' taeÞ [:mo§v.li ~yMiê[;h'ä-lK'mi ‘Wabo’Y"w: `At)m'k.x'-ta, W[ßm.v' rv<ïa] #r<a'êh' ykeäl.m;-lK' ‘taem

E deu Deus a Salomão sabedoria, e muitíssimo entendimento, e largueza de coração,

como a areia que está na praia do mar.

E era a sabedoria de Salomão maior do que a sabedoria de todos os do Oriente e do

que toda a sabedoria dos egípcios.

E era ele ainda mais sábio do que todos os homens, e do que Etã, ezraíta, e do que

Hemã, e Calcol, e Darda, filhos de Maol; e correu o seu nome por todas as nações em

redor.

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E disse três mil provérbios, e foram os seus cânticos mil e cinco.

Também falou das árvores, desde o cedro que está no Líbano até ao hissopo que nasce

na parede; também falou dos animais, e das aves, e dos répteis, e dos peixes.

E vinham de todos os povos a ouvir a sabedoria de Salomão e de todos os reis da terra

que tinham ouvido da sua sabedoria.

Conforme acima Deus concedeu para Salomão vasta cultura internacional e

erudição (botânica, zoologia, direito, política, pedagogia), capacidade penetrante de

julgar e a arte elevada da linguagem poética.

O coração e o ouvido muitas vezes se encontram em justaposição: Dt 29,3:

~yIn:ïy[ew> t[;d:êl' ‘ble ~k,îl' hw"“hy> •!t;n"-al{)w> `hZ<)h; ~AYðh; d[;Þ [:mo+v.li ~yIn:åz>a'w> tAaßr>li

Porém não vos tem dado o SENHOR um coração para entender, nem olhos

para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje.

Is 6,10:

[v;_h' wyn"åy[ew> dBeÞk.h; wyn"ïz>a'w> hZ<ëh; ~['äh'-ble ‘!mev.h; `Al* ap'r"îw> bv'Þw" !ybi²y" Abðb'l.W [m'ªv.yI wyn"åz>a'b.W wyn"÷y[eb. ha,’r>yI-!P,

Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os

olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem

entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado.

Ez 3,10:

rv<åa] ‘yr:b'D>-lK'-ta, ~d"§a'-!B, yl'_ae rm,aYOàw: `[m'(v. ^yn<ïz>a'b.W ^ßb.b'l.Bi( xq:ï ^yl,êae rBEåd:a]

Disse-me mais: Filho do homem, recebe no teu coração todas as minhas

palavras que te hei de dizer, e ouve-as com os teus ouvidos.

40,4:

•^yn<y[eb. haeär> ~d"‡a'-!B, vyaiªh' yl;øae rBe’d:y>w: yKi² %t'êAa ha,är>m; ‘ynIa]-rv,a] lkoÜl. ªB.li ~yfiäw> [m'øV. ^yn<“z>a'b.W

hT'îa;-rv,a]-lK'-ta, dGE±h; hN"hE+ ht'ab'ähu hk'Þt.Aar>h; ![;m;îl. `lae(r"f.yI tybeîl. ha,Þro

E disse-me o homem: Filho do homem, vê com os teus olhos, e ouve com os

teus ouvidos, e põe no teu coração tudo quanto eu te fizer ver; porque para to mostrar

foste tu aqui trazido; anuncia, pois, à casa de Israel tudo quanto vires.

Prov 2,2:

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`hn")WbT.l; ^ªB.li÷ hJ,îT; ^n<+z>a' hm'äk.x'l;( byviäq.h;l. Para fazeres o teu ouvido atento à sabedoria; e inclinares o teu coração ao

entendimento.

22,17:

tyviîT' ªB.liw>÷ ~ymi_k'x] yrEäb.DI [m;v.Wâ ªn>z>a' jh;î `yTi([.d:l.

Inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração ao

meu conhecimento.

23,12; no coração se processa a compreensão:

`t[;d"(-yrEm.ail. ^n<©z>a'w>÷ ^B<+li rs"åWMl; ha'ybiäh' Aplica o teu coração à instrução e os teus ouvidos às palavras do

conhecimento.

A sabedoria egípcia também conhece a significação importante do escutar. O

órgão com o qual o ser humano recebe a sabedoria e chamado pelo egípcio de

coração. O que o sábio desejava não era a razão legisladora que dispõe soberanamente

sobre a matéria morta da natureza, como concebe a mentalidade da consciência

moderna, mas uma razão a “escutar”, uma sensibilidade para a verdade, que vindo do

mundo fala ao ser humano. Salomão de também teria talvez pedido à Javé que o

mundo não permanecesse mundo para ele, mas se lhe tornasse perceptível.

Com a mesma significação o AT fala sobre a ausência, a falta de coração,

porém, nesse caso não significa indiferença de sentimentos, ou frieza, mas a ausência

dos pensamentos: Assim se deve compreender Prov 10,13:

wgEål. jb,veªw>÷ hm'_k.x' aceäM'Ti !Abn"â yteäp.fiB. `ble(-rs;x]

Nos lábios do sensato se encontra a sabedoria, mas merece a vara quem tem

coração de menos.

Do mesmo modo lev deveria ser traduzido por “saber”. A mesma expressão se

encontra em Prov 24,30:

~d"îa' ~r<K,©÷-l[;w> yTir>b:+[' lceä['-vyai hdEäf.-l[; `ble(-rs;x]

Passei pelo campo do preguiçoso e pala vinha de um que tem falta de coração

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Neste caso pensasse o órgão lev não apenas no sentido de falta ou ausência de

entendimento, mas em paralelismo com o preguiçoso, diretamente num tolo. Em Prov

6,32 achamos um exemplo onde a designação do vocábulo é a “perturbação do juízo”,

ou falta de entendimento:

aWhå Avªp.n:÷ tyxiîv.m;( ble_-rs;x] hV'äai @aEånO `hN"f<)[]y:

O que adultera com uma mulher é falto de entendimento; aquele que faz isso

destrói a sua alma.

No entanto, esse “saber” quer ser conduzido, levado, a uma consciência

permanente, que nesse caso o exemplo mencionado é um dos versículos de nossa

perícope, Dt 6,6:

^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> `^b<)b'l.-l[; ~AYàh;

E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.

Isso significa que tais palavras devem permanecer na consciência dos ouvintes,

conforme também Prov 7,3:

`^B<)li x:Wlï-l[; ~beªt.K'÷ ^yt,_[oB.c.a,-l[; ~rEîv.q' Amarra-as nos teus dedos, escreve-as na tábua do teu coração!

Deste modo podemos compreender que as palavras devem ficar sempre

presentes na memória, assim como também no caso de Judá os seus pecados estão

sempre patentes aos olhos de Javé e gravados nos próprios corações dos habitantes de

Judá, conforme Jr 17,1:

!r<PoåciB. lz<ßr>B; j[eîB. hb'²WtK. hd"ªWhy> taJ;äx; `~k,(yteAxB.z>mi tAnàr>q;l.W ~B'êli x:Wlå-l[; ‘hv'Wrx] rymi_v'

O pecado de Judá inscrito com estilete de ferro, e até gravado com ponta de

diamante na tábua do seu coração.

Nesse caso o coração se tornou um lembrete perene que não permite

esquecimento. Outra expressão que ocorre algumas vezes no AT é “subir ao coração”,

que significa “vir à consciência”. Assim em Is 65,17 acentua a impressão no novo céu

e nova terra dizendo que em relação ao anterior não haverá mias lembrança dele e não

“subirá mais ao coração”, a saber, não se tornará mais cônscio. O coração deste modo

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significa o repositório do saber e da memória, ou seja, o órgão sede das recordações

conforme Sl 27,8:

hw"åhy> ^yn<ßP'-ta, yn"+p' WvåQ.B; yBiliâ rm:åa' Ÿ^Ül. `vQE)b;a]

Quando tu disseste: Buscai o meu rosto; o meu coração disse a ti: O teu rosto,

SENHOR, buscarei.

Na história de Sansão a moça Dalila demonstra interesse em conhecer o

segredo das forças gigantescas daquele israelita. Ela faz a solução desse enigma a

pedra de prova do amor descrito em Jz 16,15:

^ßB.liw> %yTiêb.h;a] rm:åaTo %yae… wyl 'ªae rm,aToåw: hM,ÞB; yLiê T'd>G:åhi-al{w> yBiê T'l.t;ähe ‘~ymi['P. vl{Üv' hz<å yTi_ai !yaeä

`lAd)g" ^ïx]Ko Como podes dizer que me amas se o teu coração não está comigo? Vê, três

vezes me iludiste, não me dizendo donde tua força é tão grande.

Nesse caso é evidente que a afirmação de Dalila dizendo que o coração de

Sansão não estava com ela significa: “não me fazes saber os seus segredos”.

Posteriormente após muitas vezes ter sido pressionado por Dalila, Sansão no verso 17

manifestou-lhe o coração:

Manifestou-lhe o coração dizendo: “Nunca passou navalha sobre a minha

cabeça”. Então Dalila compreendeu que ele tinha revelado todo o seu coração. Logo

manifestar todo o coração significa desvendar todos os segredos, todo o seu

conhecimento, seu saber. Além disso é no coração que se efetuam os processos de

deliberação, e reflexão, ou seja, a direção da atenção dada a algo ou alguém, (1 Sm

9,20; 25,25; Ag 1,15). Se em Êxodo o coração de Faraó é dirigido ao povo isto

significa a sua atenção, seu interesse.

Outro caso interessante que nos chama a atenção é a possibilidade de “falar ao

coração”, conforme Abraão fala consigo mesmo no relato de Gn 17,17:

ABªliB. rm,aYOæw: qx'_c.YIw: wyn"ßP'-l[; ~h'²r"b.a; lPoôYIw: `dle(Te hn"ßv' ~y[iîv.Ti-tb;h] hr"êf'-~ai’w> dleêW"yI ‘hn"v'-ha'(me !b<ÜL.h;

Caiu com a face por terra e se riu, pois dizia no seu coração: Um homem de

cem anos terá um filho?

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Do mesmo modo o tolo imagina tomar conclusões inteligentes Sl 14,1:

~yhi_l{a/ !yaeä ABliB.â lb'än" rm:Üa'« dwIïd"ñl. x:Ceªn:m.l; `bAj)-hfe[o) !yaeä hl'ªyli[] Wby[iît.hi( Wtyxiªv.hi(

Salmo para Davi: Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se

corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras, não há ninguém que faça o bem.

Em Prov 28,16 o coração como órgão das considerações próprias é

confrontado pela sabedoria acumulada pela experiência:

yaen>fo tAQ+v;[]m; br:îw> tAnWbT.â rs:åx] dygI©n" `~ymi(y" %yrIïa]y: [c;b,÷ª anEfoð

Quem confia no seu próprio coração é um tolo. Mas quem confia na sabedoria

está salvo.

Os 7,11 vai um pouco mais adiante pelo caminho das funções intelectuais do

coração:

~yIr:ïc.mi ble_ !yaeä ht'ÞAp hn"ïAyK. ~yIr:êp.a, yhiäy>w: `Wkl'(h' rWVïa; War"Þq'

Efraim se tornou semelhante a uma pomba que se deixa seduzir sem coração.

Sem coração? O que significa isto? A continuação explica: “Chamam o Egito,

correm para Assíria”.

O Estado de Israel segue uma política sem entendimento e justiça. Segundo

isso, “sem coração”, sem capacidade clara de orientação. Em Os 4,11 o profeta se

queixa:

`ble(-xQ:)yI) vArßytiw> !yIy:ïw> tWn°z>

A incontinência e o vinho tira o coração ao meu povo.

Às vezes coração pode ser traduzido por razão (Ecl 10,2; Prov 19,8). Jó se

defende contra seus amigos sabichões em 12,3:

~K,_mi ykiänOa' lpeänO-al{ ~k,ªAmK.( Ÿbb'’le yliÛ-~G: `hL,ae(-AmK. !yaeî-ymi-ta,w>

Também eu tenho lev como vós. Não vos fico atrás.

Por homens de juízo conforme Jó 34,10 entende-se não como homens

corajosos, fortes, ou bons de coração, mas sim como homens prudentes:

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[v;r<ªme laeîl' hl'liÞx' yliî W[ñm.vi bb'ªle yveîn]a:ï Ÿ!kEÜl' `lw<[")me yD:îv;w>

Pelo que vós homens de entendimento, escutai-me: longe de Deus a impiedade,

e do Todo Poderoso a perversidade.

Em Jó 34,34 o homem sábio se encontra em paralelismo sinonímico com

“homem com coração”.

`yli( [;(meîvo ~k'ªx'÷ rb,g<ïw> yli_ Wrm.ayOæ bb'leâ yveän>a; Os homens de lev entendimento dirão comigo, e o varão sábio, que me ouvir.

A seleção de textos expostos acima teve por objetivo delinear o amplo campo

de significações no que tange aquilo que atribuímos às funções da razão. Ele abrange

tudo o que atribuímos a cabeça e ao cérebro: a faculdade cognoscitiva, a razão, a

compreensão, o entendimento, a consciência, a memória, o saber, a reflexão, o

julgamento, a orientação, o juízo.

Já alguns dos últimos textos que falavam do lev que julga e orienta, dão a

entender que no uso de lev é fluída a passagem das funções da razão para as atividades

da vontade. O israelita só com dificuldade consegue distinguir linguisticamente entre

“conhecer” e “escolher”, entre “ouvir”, e “obedecer’. A dificuldade linguística que

resulta disto para o nosso pensamento diferenciador segue da impossibilidade do

israelita distinguir objetivamente a teoria da prática. Assim o coração, ao mesmo

tempo, é órgão da intelecção e da volição.

No planejar considera-se a passagem do pensamento para a ação. Em Prov 16,9

instrui acerca da atuação e dos limites dessa transposição:

`Ad*[]c; !ykiîy" hw"©hyw:÷) AK=r>D: bVeäx;y> ~d"a'â bleä O coração do homem planeja o seu caminho, mas Javé lhe dirige o passo.

Já no Sl 20,5 o lev está em paralelo com o plano, o projeto:

`aLe(m;y> ^ït.c'[]-lk'w>) ^b<+b'l.ki ïl.-!T,yI) Ele te conceda de acordo com o teu coração e realize todos os teus planos.

Em Gn 6,5 o javista menciona a formação da origem dos planos do coração do

ser humano como sendo sempre maus:

#r<a'_B' ~d"Þa'h' t[;îr" hB'²r: yKiî hw"ëhy> ar.Y:åw:

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`~AY*h;-lK' [r:Þ qr:î ABêli tboåv.x.m; ‘rc,yE’-lk'w> E viu Javé que que a maldade do ser humano se multiplicara sobre a terra e

que toda a imaginação dos pensamentos do coração era má continuamente.

Pelo fato dos critérios dos planos e das ações concretas serem ponderados no

coração, desta forma lev pode significar consciência como em 1Sm 24,6:

rv<åa] l[;… At+ao dwIßD"-ble %Y:ïw: !keê-yrEx]a;( ‘yhiy>w:) s `lWa)v'l. rv<ïa] @n"ßK'-ta, tr:êK'

Depois pulsou o coração de Davi por ter cortado a ponta do vestido de Saul.

Outro exemplo de lev como órgão da consciência encontramos em 2 Sm 24,10.

O motivo do bater o coração nesse caso mostra que não se trata de atividade

fisiológica e nem no sentido de movimentação emocional, mas na reação do juízo

ético da consciência. A profetiza Hulda diz ao rei Josias em 2 Crôn 34,27:

~yhiªl{a/ ynEåp.Limi Ÿ[n:åK'Tiw: øb.b'’l.-%r: ![;y:û [n:åK'Tiw: wyb'êv.yOæ-l[;w> ‘hZ<h; ~AqÜM'h;-l[; ‘wyr"b'D>-ta, Ü[]m.v'B. yTi[.m;Þv' ynIïa]-~g:w> yn"+p'l. &.b.Teäw: ^yd<Þg"B.-ta, [r:îq.Tiw: yn:ëp'l.

`hw")hy>-~aun> Porquanto o teu coração se enterneceu, e te humilhaste perante Deus, ouvindo

as suas palavras contra este lugar, e contra os seus habitantes, e te humilhaste

perante mim, e rasgaste as tuas vestes, e choraste perante mim, também eu te ouvi, diz

o SENHOR.

Podemos notar que nesse caso fala-se do amolecimento do lev pelo fato de não

ter permanecido endurecido, mas se moveu. Interpreta-se o amolecimento como

obediência e humilhação de si mesmo devido a audição da palavra de Deus. O lev

muitas vezes é concebido como consciência pelo fato de ser um órgão que percebe.

Outro caso em que o lev significa consciência é o Sl 51,12 que traz consigo o pedido

de um coração puro, onde o culpado pede a Deus um coração puro, uma consciência

pura. Às vezes o orador pede um espírito constante para que possa agir de forma

perseverante em relação Àquilo que ele próprio reconheceu através da consciência. O

coração é o lugar das decisões e resoluções. Em 2 Sm 7,27, Davi que achou o seu

coração de dirigir a sua oração à Deus. Neste caso podemos então compreender a

tradução verbal? Achar o seu lev quer dizer que encontrou coragem e também

resuloção, que no caso diríamos discernimento em como agir. Prov 6,18 mostra o

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coração como órgão que por resoluções pode também executar planos excogitados, e

este entre outras coisas é abominação à Javé:

tArªh]m;m.÷ ~yIl:ïg>r: !w<a"+ tAbåv.x.m; vrExoâ bleª `h['r"l'( #Wrïl'

Um coração que elabora planos de perdição, pés que correm velozes para o

mal.

Entre a tentação e a admoestação prudente o coração toma a decisão e a

advertência é que o lev seja guardado com grande cautela conforme Prov 4,23:

tAaïc.AT WNM,ªmi÷-yKi( ^B<+li rcoæn> rm'v.miâ-lK'mi( `~yYI)x;

Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele

procedem as saídas da vida.

No lugar das decisões da vontade também se processa a obstinação no mal. O

coração pode se endurecer, até tornar-se insensível e imóvel ( Êx 4,21; 7,3; 9,7; Dt

2,30; Is 6,10). Nesse contexto ocorre com frequência a expressão diber al lev, “falar

ao coração”, dirigir-se ao coração. Ela pertence principalmente à linguagem do amor,

mas não significa palavras bonitas apenas, mas um apelo pelo qual se procura

mudança da vontade (Os 2,16; Gn 34,3). Também pode significar “falar à

consciência” (Jz 19,3; Gn 50,21). Em todos os casos, quer-se levar à consciência (Jz

19,3; Gn 50,21). Ou seja, levar a uma decisão (Is 40,2; 2 Cron 30,22; 32,6), sendo que

falar ao coração no AT significa: induzir à decisão. O intencionar também ocorre no

coração. Natqan diz à Davi quando fala a respeito da construção do templo em 2 Sm

7,3:

%lEå ßb.b'l.Bi( rv<ïa] lKo± %l,M,êh;-la, ‘!t'n" rm,aYOÝw: s `%M")[i hw"ßhy> yKiî hfe_[]

E disse Natan ao rei: Tudo que está no seu coração vai e faze-o! Pois o Senhor

é contigo.

Isso significa que Davi deveria executar aquilo que se encontrava intencionado

no seu interior. Tal intenção precedia a ação, já estava no lev de Davi antes que ele

começasse a construção. Outro exemplo é quando Jonatas expõe ao armígero o seu

plano militar, este lhe diz em 1 Sm 14,7:

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rv<åa]-lK' hfeÞ[] wyl'êke afeänO ‘Al rm,aYOÝw: `^b<)b'l.Ki ßM.[i ynIïn>hi %l'ê hjeän> ^b<+b'l.Bi

E disse o pajem de armas: faze tudo o que está em teu coração. Eu te

acompanho. Como o teu coração é o meu coração.

Assim ele declara: Faze, o que intencionas, eu estou de acordo, concordo e

correspondo ao teu plano. Is 10,7 julga sobre a Assíria:

yKi… bvo+x.y: !kEå-al{ Abßb'l.W hM,êd:y> !kEå-al{ ‘aWhw> `j['(m. al{ï ~yIßAG tyrIïk.h;l.W Abêb'l.Bi dymiäv.h;l.

Ainda que ele não cuide assim, nem o seu coração assim o imagine; antes no

seu coração intenta destruir e desarraigar não poucas nações.

Apenas quem não fez mal e não intenciona é que pode subir ao monte santo do

Senhor no Sl 24,4: Aquele que tem mãos puras e um coração sem manchas. Isso

poderia significar: Quem não fez mal e nem o intenciona (Sl 17,3; 139,23; Prov 21,2).

O escrito sacerdotal, em Êx 35,21; 36,2; fala do coração como impulso da

vontade: os colaboradores na construção do tabernáculo são designados como pessoas,

“o qual o seu coração impeliu para isso”. Desta forma se descreve a ação voluntária.

Segundo a descrição do javista, Moisés introduz em Nm 16,23 a sua ameaça de

castigo contra Datan e Abiron com as palavras: Nisto conhecereis que Javé me enviou

para realizar todos estes feitos e que não vem do meu coração.

Os pregadores deuteronômicos dão ênfase a que o amor a Deus venha do

próprio impulso (Dt 6,5):

^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> `^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W

E amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração de toda a tua alma e de

todas as tuas posses.

Como néfesh significa aqui o desejo e a aspiração genuínos, assim lev significa

entrega da vontade (Dt 4,29; 10,12; 11,13). Os momentos do cônscio e do voluntário

devem ser considerados conjuntamente, pois a entrega pode ser objeto de prova. Dt

8,2 lembra o caminho pelo qual Javé durante quarenta anos conduziu a Israel pelo

deserto:

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186

hw"ôhy> øk]yli(ho rv,’a] %r<D<ªh;-lK'-ta, T'är>k;z"w> ^ªt.So)n:l. ^øt.NO*[; ![;m;’l. rB"+d>MiB; hn"ßv' ~y[iîB'r>a; hz<± ^yh,²l{a/

`al{)-~ai Îwyt'ÞwOc.miÐ ¿AtwOc.miÀ rmoðv.tih] ^±b.b'l.Bi( rv<ôa]-ta, t[;d:øl' Para te provar e reconhecer o que estava no teu coração, se cumpririas os

seus mandamentos ou não.

Neste caso a obediência é provada no coração conforme o conhecimento dos

mandamentos.

O Sl 119 é um salmo de devoção à lei e possui várias ocorrências acerca da

importância do lev considerado em relação aos mandamentos, seja no aspecto

emocional de desejar a lei, ou de guardar, memorizar, praticar e andar. Abaixo fizemos

uma análise dos diferentes versos deste salmo onde ocorre a palavra lev com o intuito

de delinearmos um pouco mais o campo de significação do vocábulo. Consideramos

importante esta análise pelo fato do Sl 119 possui uma ênfase teológica no tocante à

importância da guarda dos mandamentos que é muito próxima com a relevância dada

também por nossa perícope do deuteronômio analisada.

`WhWv)r>d>yI bleî-lk'B. wyt'ªdo[e yrEîc.nO yrEv.a;â :2

Bem-aventurados os que guardam os seus testemunhos e o buscam de todo o

coração.

`^q<)d>ci yjeîP.v.mi ydIªm.l'B.÷ bb'_le rv,yOæB. ^d>Aaâ :7

Louvar-te-ei com retidão de coração, quando tiver aprendido os teus justos

juízos.

`^yt,(wOc.Mimi ynIGE©v.T;÷-la; ^yTi_v.r:d> yBiîli-lk'B. 10

De todo o meu coração te busquei; não me deixes desviar dos teus

mandamentos.

`%l")-aj'x/a,( al{å ![;m;ªl.÷ ^t<+r"m.ai yTin>p:åc' yBiliB.â11

Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti.

`yBi(li byxiär>t; yKiÞ #Wr+a' ^yt,îwOc.mi-%r<D<( 32

Correrei pelo caminho dos teus mandamentos, quando dilatares o meu coração.

`ble(-lk'b. hN"r<ïm.v.a,w> ^t,ªr"At) hr"îC.a,w> ynInEybih]â 34

Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei e observá-la-ei de todo o coração.

`[c;B'(-la, la;äw> ^yt,ªwOd>[e-la, yBiliâ-jh; 36

Inclina o meu coração a teus testemunhos e não à cobiça.

`^t<)r"m.aiK. ynINE©x'÷ ble_-lk'b. ^yn<åp' ytiyLiäxi 58

Implorei deveras o teu favor de todo o meu coração; tem piedade de mim,

segundo a tua palavra.

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rCoìa/ ŸbleÛ-lk'B. ynI©a]÷ ~ydI_zE rq,v,ä yl;ä[' Wlìp.j' 69

`^yd<(WQPi Os soberbos forjaram mentiras contra mim; mas eu de todo o coração

guardarei os teus preceitos.

`yTi[.v'([]vi( ^ït.r"AT ynI©a]÷ ~B'_li bl,xeäK; vp;äj' 70

Engrossa-se-lhes o coração como gordura, mas eu me alegro na

tua lei.

`vAb)ae al{å ![;m;ªl.÷ ^yQ<+xuB. ~ymiät' yBiäli-yhi(y> 80

Seja reto o meu coração para com os teus estatutos, para que eu não seja

confundido.

`hM'he( yBiäli !Afßf.-yKi( ~l'_A[l. ^yt,äwOd>[e yTil.x;än" 111

Os teus testemunhos tenho eu tomado por herança para sempre, pois são o gozo

do meu coração.

`bq,[e( ~l'îA[l. ^yQ,ªxu tAfï[]l; yBiliâ ytiyjiän" 112

Inclinei o meu coração a guardar os teus estatutos, para sempre, até ao fim.

`hr"Co)a, ^yQ<ïxu hw"©hy> ynInEï[] bleâ-lk'b. ytiar"äq' 145

Clamei de todo o meu coração; escuta-me, SENHOR, e guardarei os teus

estatutos.

^ªr>b'D>miW÷ ^yr<b'D>miW ~N"+xi ynIWpåd"r> ~yrIf'â 161

`yBi(li dx;îP' Príncipes me perseguiram sem causa, mas o meu coração temeu a tua

palavra.

Predominantemente o vocábulo lev no Sl 119 é o órgão da meditação e da

guarda da lei. Podemos entender como órgão da memória, do conhecimento, da

prudência, da ssabedoria, da meditação, e órgão da reflexão. Pelo que precebemos as

capacidades intelectuais voltadas para à guarda da lei devem ser preservadas no lev,

coração. Mas a guarda das palavras no lev possui vínculos com os sentimentos. O

salmista regozija no lev por guardar a lei. Ele também se entristece pelo fato dos ímpios

não buscarem a lei. Mas podemos concluir que nesse salmo o coração é visto como

órgão de relação com a palavra e a lei. O lev é motivação e movimento, é memória

articulada, exteriorizada. A ênfase do Sl 119 está na importância da preservação, da

guarda e da transmissão da lei. O lev como memória está intrinsicamente relacionado

com motivação, motivação porque envolve sentimento, decisão, e movimento como

articulação de dentro para fora, do interior do ser humano para o exterior.

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188

Isso significa “andar na lei”, correr pelo caminho dos mandamentos, trilhar

caminhos retos e andar na lei. Portanto concluímos o campo de significação do

vocábulo lev no Sl 119 predominantemente como órgão da memória, do conhecimento,

e da sabedoria. Isso não quer dizer que o lev não possa ser a sede de outros sentimentos.

Acerca disso já temos tratado anteriormente e nos aprofundaremos e exploraremos um

pouco mais o campo de significação do vocábulo lev na perspectiva de vários autores.

1.2. O vocábulo ble definido por vários autores:

Wolff 138

Eichrodt139

Brown

Driver

Briggs

Gesenius140

Botterwek

Ringrren

Fabry141

Koehle142

.

David

Clines143

O Homem

Racional

Coração

Sentimento

Desejo

Razão

Decisão

da vontade

Coração de

Deus

Direção

interior

da vontade

Intensidade

dos

sentimentos

Expressão

do psíquico

Sede das

paixões

lev de YHWH

Coração

Centro

Mente

Espírito

Órgão da

memória

Órgão do

conhecimento

Órgão da

sabedoria

Coração

Peito

(Tórax)

Centro vital

Domínio

ético

Domínio

religioso

Identidade

pessoal

Coração

dos ídolos

Órgão da

atenção

Órgão da

razão

Órgão da

inclinação

Órgão da

disposição

Intenção

Coragem

Coração

Mente

Intenções

Processos

intelectuais

Atenção

Memória

Consciência

Disposição

138

WOLFF, 1983. p. 51. 139

EICHRODT, Walter. 2004. p. 591-592. 140

BROWN, Francis; DRIVER, Samuel R.; BRIGGS, Charles A. (eds.). The Brown-Driver-Briggs

Hebrew and English Lexicon. Peabody: Hendrickson, 1996. p. 524-525. 141

G. Johannes Botterseck, Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabri (editors), Theological Dic-tionary of the

Old Testament Grand Rapids: William B. Eerdmans Publish-ing Company,1998. p. 399-437. 142

KOEHLER, Ludwig; BAUMGARTNER, Walter (eds.). The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old

Testament – Study Edition. Leiden-Boston-Köln: Brill, 1996. 143

CLINES, David J. A. The Concise of Dictionary of Classical Hebrew. Sheffield Phoenix Press, 2009.

p. 189.

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189

1.3. Outras abordagens acerca do significado de lev:144

Coração, mente, consciência, íntimo, intimidade, ânimo; memória; atenção;

inteligência, entendimento, juízo, razão, compreensão, imaginação, vontade. Sentido

físico (coração, órgão, víscera).

1.3.1. Sentido físico: (coração, órgão ou víscera)

Em geral: cravar no coração 2 Sm 18,14; sair do coração (atravessando) 2 Rs

9,24; Penetrar, atravessar Sl 37,15; Paredes do coração Jr 4,19; Cavidade, fechadura Os

13,8.

1.3.2. Sujeito de sintomas (impressão física, medicina

popular; o predicado costuma ser metafórico):

desfalecido (Lm 1, 22; 5, 17); agitar-se (Lm 1, 20), retorcer-se

(Sl 55, 5); transpassado ( Sl 109, 22); arder, queimar-se, estar em brasas (Dt 19, 6

Sl 39, 4); secar-se (Sl 102, 5); sair, sobressaltar-se (Gn 42, 28); bater

aceleradamente, taquicardia, (Ez 21, 20); parar, infarto (1 Sm 25, 37);

fortalecer o coração (Gn 18, 5; Jz 19, 5; Sl 104, 15). Ficar frio, hirto (Gn 45,26; coração

encolhido, num punho Sl 25,17; dilatar-se Is 60,5; abrandar-se Dt 20,3; 2 Rs 22,19;

romper-se Jr 23,9.

1.3.3. Por metonímia:

A parte exterior, peito: sobre o peito (Ex 28, 29).

144

SCHOKEL, Luis, Alonso. 1997, p. 333-337.

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190

1.3.4. Sentido figurado:

alto mar, mar adentro. Ex 15, 8; mar adentro; Ez 27,4; Jn 2, 4; Pv 23,34 o alto

do céu; Dt 4,11 o zênite; Sl 46, 3) o alto do céu; lev de uma árvore, ramagem, fronde,

copa, 2 Sm 18,24.

1.3.5. Sede da vida consciente:

Memória, imaginação, atenção, mente. escrever sobre o (hebr. lēḇ)

(Jr 31, 33).

Coração e mente Sl 64,7; Jr 4,14; Prov 14,33; Ex 6,30; Dt 2,30; Is 65,14; Sl 77,7; 78,8;

Ez 14,4; Prov 21,2.

1.3.6. Memória

- escrever na tabuinha do coração. Prov 3,3; 7,3; Ez 3,10; JÓ 22,22;

Dt 6,6; Prov 3,1; 6,21; 2 Sm 19,20; Prov 4,4; Esquecer Dt 4,9; Recordar, trazer à

memória, rememorar, lembrar-se Jó 8m10; vir à mente Jr 3,16; 7, 31; 19,5; 32,35; Ez

14,3; 38,10; Lm 3,21.

1.3.7. Imaginação, fantasia:

imaginar (Jr 23, 16). Prov 23,33; Sl 73,7; ilusão Jr 23,16; Jr 14,14.23.26.

1.3.8. Órgão da Atenção:

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^ªB.li÷ hJ,îT; Prestar atenção (Pv 2, 2); ^B<+li rs"åWMl; Prov 23,12;atender 1 Rs 9,3;

~v'Þ yBi²liw> yn:ôy[e

Abêb'l. !ykiähe dedicar-se (Esd 7,10);

^B<+li !TEßTi-la; Ecl 7,21 dedicar-se;

yBili hn"ÜT.a,w" Ecl 1,17; 1 e apliquei o meu coração...

~k,_yhel{a/ hw"åhyl; vArßd>li ~k,êv.p.n:w> ‘~k,b.b;l. WnÝT. hT'ª[; 1 Cron 22,19;atentar,

dispor,

^±B.li-ta,( T't;ón" aplicaste o teu coração... Dn 10,12;

~b'êb'l.-ta, ‘~ynIt.NO*h; 2 Cr 11,16; atender,

‘WnBe’li hm'yfiÛn"w> atentar Is 41,22;

^yn<÷y[eb. hae’r>W •^B.li ~yfiä ~d"‡a'-!B, hA"ªhy> yl;øae rm,aYO“w: Ez 44,5;

~k,êb.b;l. an"å-Wmyfi( ‘hT'[;w> Ag 2,15;

ABßli ~f'²-al{ rv<ïa]w: prestar atenção Ex 9,21;

bAYai yDIäb.[;-la, é^B.li T'm.f;äh] !j'ªF'h;-la, hw"÷hy> rm,aYO“w: E disse o Senhor à

Satanás: Observaste teu coração o meu servo Jó? (Jó 2,3);

bleª Wnyleäae Wmyfióy"-al{ não porão o coração em nós... 2 Sm 18,3;

AB=li wyl'äae ~yfiäy"-~ai se decidisse por sua conta Jó 34,14;

~yrIêb'D>h;-lk'l. ~k,êb.b;l. Wmyfiä ‘~h,lea] rm,aYOÝ Disse-lhes: Aplicai o vosso

coração a todas as palavras... Dt 32,46;

•vyai-la, AB‡li-ta, ŸynIådoa] ~yfiäy" an"å-la; levar a sério, Não faça meu senhor

impressão no seu coração sobre este homem... 1 Sm 25,25;

~h,Þl' ^±B.li-ta,( ~f,T'ó-la; preocupar-se com, não te preocupes com o teu

coração sobre elas...1 Sm 9,20;

^b<)b'l.Bi wyr"ªm'a]÷ ~yfiîw> hr"_AT wyPiämi an"å-xq; guardar as palavras na memória: Aceita,

peço-te, a lei da sua boca e põe as suas palavras no teu coração... Jó 22,22;

~k,Þb.b;l.-l[; hL,aeê yr:äb'D>-ta, ‘~T,m.f;w> colocar no coração: e colocarás estas

palavras no teu coração... Dt 11,18;

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Is 42,25; ble(-l[; ~yfiîy"-al{w> e não puseram nisso o coração...;

Is 57,1; ble_-l[; ~f'ä vyaiÞ !yaeîw> db'êa' qyDIäC;h; o justo perece e não há quem

considere isso no seu coração...

Dar-se conta 1 Sm 4,20;

`HB'(li ht'v'î-al{w> e não fez caso disso...

Dar importância Jó 7,17; `^B<)li wyl'äae tyviÞt'-ykiw> WNl,_D>g:t. yKiä vAna/â-hm'( Quem é o homem para que tanto o estimes, e ponha sobre ele o teu coração...

Atentar a, atender Ex 7,23; `tazO¥l'-~G: ABàli tv'î-al{w> At=yBe-la, aboßY"w: h[oêr>P; !p,YIåw: e virou-se Faraó e foi para a sua casa, nem ainda nisto pôs seu coração...

Pr 22,17, `yTi([.d:l. tyviîT' ªB.liw>÷ ~ymi_k'x] yrEäb.DI [m;v.Wâ ªn>z>a' jh;î Inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração à mina

ciência...

27,33; `~yrI)d"[]l; ªB.li÷ tyviî ^n<+aco ynEåP. [d:Teâ [:doå Procure conhecer o estado das tuas ovelhas, põe o teu coração sobre o gado...

Jr 31,21 %Beêli ytiviä, aplica ao teu coração...

1.3.9. Inteligência, entendimento, juízo, razão,

compreensão:

homens sensatos (Jó 34, 10.34).

1.3.10. Atividade, exercício de pensar:

Discorrer, refletir, meditar (Dt 8, 17; Sl 4, 5; 10, 6; 14,1; Is 14,13; 49,21; Jr 13,22;

Ecl 2,1;). Ocorrem em alguns textos a ideia de “dizer no coração”, como em Gn 8,21; 1

Sm 27,1; Os 7,2. Meditar no coração, pensar, refletir também ocorre em algumas

passagens como em Gn 24,45; 1 Sm 1,13;Ecl 1,16. A expressão “pensar”, “ruminar”

ocorre em Is 33,18 e Pr 15,28. Pode ocorrer no sentido de maquinar, excogitar, cavilar,

Pr 6,18; ou fazer cálculos fazer planos Is 10,7; 32,6. Como complemento modal aparece

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novamente como “maquinar”, Pr 6,14. 12,20. Como “planejar ocorre em Zc 7,10; 8,17;

Sl 140,3. Conferir e inferir Dt 8,5. Meditar, discorrer, dar voltas Ecl 7,25; Sl 77,7;

Estudar, repensar, refletir Ecl 2,3. Como meditação e regido por substantivo ocorre no

Sl 49,4; Como palanos e desígnios em Jr 23,20. 30,24. Como plano e projeto aparece

em Sl 33,11; Pr 19,21. Preocupação Ecl 2,22.

1.3.11. Capacidade:

Também possuo inteligência como vós... ~k,ªAmK.( Ÿbb'’le yliÛ-~G: Jó 12,3; sem

inteligência Pr 17,16; Jr 5,21; 7,11 incauto; homens sensatos Jó 34,10; sensato Jó 9,4;

Prov 10,8; 11,29; 16,21; hábil Ex 35,10; falto de juízo, insensato Pr 6,32; 7,7; 9,4;

10,13; prudente Prov 11,12; mente sensata, ou homem sensato Pr 16,23; Ecl 7,4; 8,5;

10,2; mente prudente Pr 14,33; 18,15; mente néscia Prov 12,23; Ecl 7,4; 10,2;

habilidade Ex 35,35; demência Dt 28,28; obsecação Lm 3,65; mente iludida Is 44,20;

mente irreflexiva Ecl 5,1; Is 32,4; perturbação na mente Ecl 7,7; tirar o juízo Os 4,11; Jó

12,24; embotar a inteligência Is 6,10.

1.3.12. Vontade, desejo, decisão:

Conforme o teu desejo (Sl 20, 5).

Ao seu gosto, conforme a tua vontade: 1 Sm 2,35; 14,7; 2 Rs 10,30; 1 Sm 13,14;

Sl 20,5; Por minha conta ou iniciativa própria Num 16,28; 24,13; Ez 13,2; Lm 3,33.

Vontade, desejo e cobiça ocorre em Ne 3,38; Pr 6,25; Sentir o impulso Ex 25,2; 35,29;

Jó 17,11; Sl 37,4; Ex 35,5; 2 Cr 29,31; Sl 21,3.

1.3.13. Sentimentos, emoções, paixões:

exultar (1 Sm 2, 1). Alegria, contentamento, satisfação: Zc 10,7; Sl 13,6; 1

Sm 2,1; Is 60,5; Exultar Sl 84,3. Alegrar Sl 19,9; 104,15; Pr 15,30. Alegria Sl 4,8; Is

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30,29; Jr 15,16; Ct 3,11; Ecl 5,19; Is 66,14; Lm 5,15; Sl 119,111. No sentido de

contentamento e satisfação Jz 16,25; 1 Sm 25,36; 2 Sm 13,28; 1 Rs 8,66; Pr 15,15; Ecl

9,7; Dt 28,47; Is 65,14 (aflição). Significado de tristeza, sofrimento, aflição, dissabor,

desconsolo, desgosto, pesar, abatido, aflito desfalecido encontramos nas seguintes

passagens: Is 1,5; Jr 8,18; Lm 1,22; 5,17; Jr 48,36; desolado Sl 102,5; atormentado Pr

14,13; sentir pesar Gn 6,6; aflito Pr 25,20; Dt 15,10; 1 Sm 1,8; destroçar o coração/alma

Sl 69,21; romper-se Jr 23,9; Sl 51,19; atribulado Is 61,1; Sl 34,19; consternados Sl

147,3; aflição, angústia Pr 12,25; Sl 13,3; Pr 13,12; 15,13; Com verbos: ter ânimo Sl

27,14; reviver, recobrar ânimo Sl 22,27; atrever-se 2 Sm 7,27; animar-se Dn 11,25;

arriscar-se Jr 30,21; 2 Sm 17,10; Sl 76,6; Am 2,16; Confiança Pr 28,26; Sl 28,7; Pr

31,11. Desanimo, medo, covardia, desencorajar-se Jr 4,9; desanimados Is 46,12;

desanimar Sl 107,12; 1 Sm 25,31; fraquejar Jó 2,11; 5,1; Is 13,7; 19,1; Ez 21,12; Na

2,11; Sl 22,15; acovardar Dt 1,18; Js 14,8. Desmoralizar Nm 32,7; desalentar-se 1 Sm

17,32; desencorajar-se, faltar força Sl 40,13; abater-se Sl 61,3; medo, covardia:

acovardar Lv 26,36; tremer 1 Sm 4,13, Jó 37,1; amedontrar-se Sl 27,3; pôr-se a tremer

de medo 1 Sm 28,5; tremer Ez 21,20; infundir medo/respeito Jr 32,40; temer Sl 119,61;

ser covarde; 2 Cr 13,7; Dt 20,8; Is 7,4; Jr 51,46; Intimidar, amedrontar Jó 23,16;

alarmar-se 2 Rs 6,11; assustadiço Dt 28,65; covardes Is 35,4; pavor Dt 28,67; amor,

acordo, concórdia: amar de todo o coração Dt 6,5; 13,4; 30,6; cortejar, animar Gn 34,3;

50,21; Jz 19,3; 2 Sm 19,8; Is 40,2; Os 2,26; Rt 2,13; 2 Cr 32,6; “teu coração não é

meu”, não me queres Jz 16,15; coração em vigíla Ct 5,2; 1 Cr 12,18; Sl 83,6; Ódio:

irritar-se Pr 19,3; desprezar internamente 2 Sm 6,16; 2 Cr 15,29; estar furioso Dt 19,6;

arrebatar a paixão Jó 15,12; sentimento de vingança, pensar em vingar-se Is 63,4;

invejar Pr 23,17; 1 Sm 17,28; guardar rancor Lv 19,17; orgulho, ser orgulhoso, altivo Ez

28,2; Sl 131,1;Pr 18,12; orgulho 2 Cr 32,26; orgulhoso Pr 16,5; envaidecer-se Dn 8,25;

arrogância, altivez Is 9,8; 10,12; insolência Jr 49,16; encher-se de orgulho Dt 8,14;

17,20; Ez 31,10; Os 13,6; envaidecimento Jr 48,29.

1.3.14. Atitudes, sentimentos:

integridade, - de boa fé Gn 20,6; entrega total, adesão plena 1 Rs 11,4;

15,3,14; decididos 1 Cr 12,39; leais 2 Cr 16,9; integridade, sinceridade, autenticidade Sl

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78,72; sincero, perfeito Sl 119,80; de todo o coração, com toda a alma, com plena

consciência Dt 6,5; 1 Sm 12,20; 1 Rs 2,4; 2 Rs 10 31; Jr 29,13; Sf 3,14; Sl 119,58; Pr

3,5; 2 Cr 15,12; coração inteiro, não dividido Jr 32,29; Ez 11,19; coração dividido,

ambiguidade, insinceridade Sl 12,3; Os 10,2; retidão Dt 9,5; Sl 119,7; Jó 33,3; 1 Cr

29,17; 1 Rs 3,6; retos, honrados Sl 7,11; 11,2; 32,11; 36,11; reto Sl 125,4. Firmeza,

prontidão, disponibilidade: animar-se Sl 27,14, 31,25; dar força, animar Sl 10,17; pôr à

disposição o coração Jó 11,13; animo pronto Sl 57,8; 78,37; 108,2; 112,7; a tempera se

derrete 22,15; animo firme, decidido Sl 112,8; estar firme Ez 22,14; dureza, teimosia

contumácia, obstinação da mente: tornar-se endurecido Dt 2,30; 2 Cr 36,13; Ex 7,14;

9,7; 9,34; 1 Sm 6,6; Ex 4,21; 8,11, 9,12; 10,1; 10,20. Empedernidos Ez 2,4; coração

rebelde Jr 5,23; obstinar-se Sl 95,8; Pr 28,14; de cabeça dura Ez 3,7; mostrar-se duro

como diamante empedernido Zc 7,12; obstinação Jr 11,8; Sl 81,13; embotar-se Sl

119,70.

1.3.15. Atitudes nas relações com Deus e como os seres

humanos:

Lealdade estar por, a favor de Jz 5,9; estar ao lado de, ir-se com 2 Sm 15,13;

lealdade recíproca 2 Rs 10,15; sem voltar atrás Sl 44,19; ir o coração atrás de Ez 20,16;

seguir, ceder 11,21; inclinar a favor de Jz 9,3; pôr-se do lado de s 24,23; 2 Sm 19,15;

desviar o coração, perverter 1 Rs 11,2; infidelidade, deslealdade, apartar-se, distanciar-

se 1 Rs 11,9; extraviar-se Dt 17,17; afastar-se, voltar as costas Dt 29,17; 30,17; deixar-

se seduzir Dt 11,16; Jó 31,9; estar longe de Is 29,13.

1.3.16. Consciência e Mentalidade:

Remorso, pesar, arrependimento: de consciência pura Sl 24,4; limpar a

consciência Sl 73,13; Pr 20,9; consciência reprovada Jó 27,6; consciência limpa Sl

51,12; endireitar a consciência Pr 23,19; remorso 1 Rs 8,38; a consciência guia Ecl 2,3;

a consciência remorde 1 Sm 24,6; consciência torcida Sl 101,4; a consciência descansa

Ecl 2,23; segredos da consciência Sl 44,22; mentalidade, condição obstinada da mente

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Ez 11,19; condição nova Ez 18,31; 36,26; condição, mentalidade, atitude Gn 8,21;

mente, consciência cheia de maldade Ecl 9,3; mente incorrigível Jr 9,25; Ez 44,7,9;

mente, caráter incorrigível Lv 26,41; obstinação Dt 10,16; Jr 4,4; mente aberta 1 Rs 5,9.

1.3.17. Em paralelo com outros órgãos e membros:

Com função de sinonímia, antonímia ou correlação: Ez 44,7,9; Sl 16,9; 73,26;

84,3; Ecl 11,10; + rins, sede mental e das paixões, consciente/subconsciente Jr 11,20;

17,10; 20,12; Sl 7,10; 26,2; 73,21; Pr 23,15; + vísceras, entranhas Sl 40,9,11; Lm 1,20;

+ boca, língua, lábios, o pensamento, a sua expressão Sl 12,3; 19,15; 37,30; 55,22;

78,36; 141,3; Pr 17,3; 22,11; 26,23; olhos, consciência/sensação Nm 15,39; Dt 29,3; 1

Sm 16,7; 2 Sm 6,16; 1 Rs 9,3; Jr 22,17; Sl 38,11; 101,5; 131,1; 119,36; Jó 31,7; Pr 21,4;

23,23; Ecl 11,9; + ouvidos Dt 29,3; Jr 5,21; Ez 3,10; 44,5; Pr 2,2; 18,15; + rosto, face

Ez 2,4; Sl 104,15; Pr 15,13; Ecl 7,3; Dn 8,23,25; Ne 2,2; + mãos, interioridade, ação Is

35,3; Ez 21,12; SL 28,3; 140,3; Pr 6,16; Ecl 7,26; + braço Ct 8,6; + dedo Pr 7,3; +

palma da mão Gn 20,5; 24,4; 73,13; 78,72; Jó 11,13; 31,7; + pé Pr 4,23-27; 6,18; +

cerviz, mente, afeição Dt 10,16; 2 Cr 36,13; + fronte Ez 3,7.

2. Uma análise (aproximação) do vocábulo lev no Deuteronômio.

Um dos objetivos centrais da nossa pesquisa, conforme já abordamos de início,

inclusive no título desse trabalho de dissertação, é uma aproximação do vocábulo

antropológico lev, palavra comumente traduzida por “coração”.

Fizemos anteriormente uma análise do vocábulo em diversos textos da Bíblia

hebraica no intuito de explorar o seu amplo campo significativo. Posteriomente

analisamos o mesmo na perspectiva de alguns autores que nos acompanham nesta

pesquisa durante vários anos, dentre eles, Hans Walter Wolff, Walter Eichrodt, Wilhelm

Gesenius, Botterweck, Luiz Alonso Shokel, D. Lys, F. Stolz, entre outros. Dentre estes,

na análise anterior, deixamos ser conduzidos pelo autor Hans Walter Wolff. Este nos

serviu como fio condutor do texto. Analisamos também o campo de significação do

vocábulo através da perspectiva dos vários autores mencionados acima. Entre eles o

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autor Luiz Alonso Shokel foi utilizado por nós como fonte para a exposição dos vários

sentidos da palavra lev na Bíblia Hebraica.

De agora em diante pretendemos nos aventurar, nos “soltar” um pouco para uma

análise do vocábulo lev no livro do Deuteronômio.

Não que tenhamos autonomia o suficiente para caminharmos sós nesse campo

minado, que é o campo de significação dessa palavra tão importante para a teologia do

Antigo Testamento e para a antropologia semítica, mas queremos fazer uma tentativa de

colocar em prática àquilo que entendemos por lev através das análises anteriores.

Mesmo porque, a partir de então, queremos analisar as ocorrências do vocábulo dentro

do livro onde se encontra a nossa perícope. Este trabalho de exposição de textos bíblicos

parece ser monótono, mas entendemos que o deuteronomista também é monótono, e às

vezes parece ser redundante pelo fato de utilizar de repetições, de fórmulas recorrentes,

fixas, conforme expomos anteriormente no capítulo 1. Mas queremos evidenciar aqui

que, não tomamos o termo monótono no sentido pejorativo, ou melhor, “ao pé da letra”,

mas o reconhecemos como um recurso didático, uma qualidade, e até uma “sapiência”

do deuteronomista. Compreendemos como uma técnica de oratória, um recurso da

retórica deuteronomista. Mas não uma técnica abstraída, desvinculada de “sentimento”,

não!! Pelo contrário, entendemos que a sua insistência em se dirigir ao lev de seus

ouvintes é porque ele mesmo se encontra com o lev comprometido, envolvido com o

conteúdo do Deuteronômio.

O deuteronomista apela continuamente para o lev de seus ouvintes. Ele quer

atingir não somente o ouvido no sentido racional, mas quer sensibilizar, atingir o

sentimento dos seus destinatários. Por isso não se cansa em repetir as fórmulas

expressas no Deuteronômio em relação à lei. Nessa parte queremos “caminhar juntos”

com o redator deuteronomista no livro do Deuteronômio, seremos seu companheiro de

viagem, afim de compreendermos agora a relação das palavras-chave e expressões fixas

mencionadas anteriormente com o vocábulo lev. Iremos analisar como as expressões

aparecem articuladas com o vocábulo lev. O que nos importa saber é o sentido teológico

do vocábulo lev no livro do Deuteronômio, ou seja, como o autor deuteronomista o

emprega. O que é o lev para o deuteronomista? Iremos nessa caminhada dar ênfase à

estrutura de Dt 1-11. Isso porque precisamos delimitar a pesquisa, e tomamos tal

medida por conta da nossa perícope estar inserida no referido bloco. Vale ressatar que

trazemos nessa empreitada a motivação de identificarmos um sentido do vocábulo para

a nossa perícope, ainda que às vezes pareça não ser notório ao leitor, tudo que fazemos

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nesse trabalho nunca deixamos de lado o centro do Deuteronômio, que é a nossa

perícope de Dt 6,1-9, assim como o próprio deuteronomista que nunca se esquece deste

fio condutor, que nunca sai da direção do tema central, do Shema Israel, da bússola.

Ainda que caminhar lado a lado com o deuteronomista seja cansativo e fatigante,

prosseguiremos, pois em muitas coisas temos sido lembrados por ele, advertidos por ele,

aprendido com ele, e se deixados ser conduzidos por ele.

Encontramos no DT alguns textos onde o coração pode ser descrito como a sede

das emoções conforme o texto abaixo:

Dt 1, 28:

Para onde subiremos? Nossos irmãos fizeram com que se derretesse o nosso

coração, dizendo: Maior e mais alto é este povo do que nós, as cidades são grandes e

fortificadas até aos céus; e também vimos ali filhos dos gigantes.146

O deuteronomista inicia sua exposição relacionando o vocábulo lev com os

fatores de ordem emocional ligados à sede decisória da vida humana. O redator faz a

menção retrospectiva de um acontecimento no lev dos israelitas que acarretou em

impeçilhos para a tomada de posse da terra. O narrador relata o acontecimento com a

intenção de acautelar seus destinatários. Ele se dirige aos ouvidos, à memória, mas

fazendo uma ressalva ao lev que pode ser amedrontado por circunstâncias. O redator

deuteronomista que chamar a atenção dos seus ouvintes para a possibilidade do lev se

enfraquecer por “palavras”. Mais adiante analisaremos o lev relacionado com as

palavras de YHWH, mas aqui é importante notarmos a preocupação do deuteronomista.

Pode até ser que esse texto tenha sido costurado posteriormente utilizando essa

argumentação em forma de contraposição retórica às outras passagens onde o lev

aparece relacionado com as palavras de YHWH. Podemos perceber também que o lev

se encontra relacionado com aquilo que se pode ouvir e vê, ou seja, o coração é

integrado à outros membros do corpo, e reage diante do que se escuta e do que se vê.

Notamos isso na expressão utilizada pelo deuteronomista acerca dos desanimadores de

Israel, am gedolah “povo grande”, arim gedolot, “cidades

145

Sil Ezra 146

Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida. Edição 16, 2012.

As referências em português que serão expostas abaixo serão da referida tradução de João Ferreira de

Almeida, Edição Revista e Corrigida.

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grandes”. O lev nesse caso pode ser afetado por aquilo que se ouve falar, e pelo que se

vê. Esse aspecto fora mencionado por nós no capítulo dois desse trabalho onde

mencionamos os aspectos espaciais do lev, ou seja, lev é corpo mas também é corpo

situado no espaço e se relaciona com ele, e pode ser influenciado por ele, e por isso o

deuteronomista sempre acautela os seus destinatários acerca dessa relação entre a

guarda dos mandamentos no lev, no interior, no corpo, mas também andando pelo

caminho, assentado, deitado, ou seja, na terra que IHWH haveria de entregar a eles.

Queremos enfatizar também que o deuteronomista pode ter utilizado essa

passagem como exemplo de contraposição entre o lev que escuta e acata as palavras de

YHWH e o lev que escuta e acata as palavras que desestimulam, e não fazem parte do

acervo de expressões que são utilizadas pelo redator deuteronomista para exprimirem a

vontade de YHWH. Essa passagem não deixa de ser uma espécie de ameaça com

caráter de argumentação retórica, ou seja, construída pelo deuteronomista para atingir os

seus ouvintes e os seus objetivos.

Em diferentes casos o coração pode ser designado como a sede ou lugar em que

se determina a vontade, que no exemplo abaixo implicou no endurecimento do lev de

Faraó em relação aos filhos de Israel:

2,30:

Mas Siom, rei de Hesbom, não nos quis deixar passar por sua terra, porquanto

o Senhor teu Deus endurecera o seu espírito, e fizera obstinado o seu coração para te

dar na tua mão, como hoje se vê.

Nesse caso temos o exemplo de um lev endurecido, e o deuteronomista atribui

esse endurecimento por parte de YHWH. A expressão we-imetz ét-

levavô, “obstinado, endurecido o seu coração” talvez seja utilizada pelo deuteronomista

para dar ênfase ao poder de YHWH em relação a outros deuses, no caso do

”rei de Heshbon”. Anteriormente no capítulo primeiro quando nos

deparamos com essa passagem enfatizamos um outro aspecto talvez intencionado pelo

deuteronomista, que provavelmente quis dar ênfase à tomada de posse da terra como

graça, favor imerecido de YHWH, para que Israel soubesse que não haveria de entrar na

terra por méritos próprios ou por suas habilidades, mas por dádiva de YHWH.

Conforme podemos já perceber o lev se apresenta sempre relacionado com expressões

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que orbitam no decorrer do livro. No verso a seguir podemos ver um exemplo do lev

relacionado a outros órgãos do ser humano e até mesmo com um pronome pessoal que

se refere à pessoa como um todo:

4,9:

Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, que não te

esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e não se apartem do teu coração

todos os dias da tua vida; e as farás saber a teus filhos, e aos filhos de teus filhos.

Percebemos o paralelismo dos membros através dessa passagem, onde o lev se

encontra relacionado com a pessoa na sua totalidade, expressa pelo pronome pessoal

precedido pelo verbo guardar, e pelo vocábulo néfesh hishamér

lechá ushemór nafeshehá. Um outro aspecto muito interessante que é utilizado pelo

deuteronomista é a ideia de totalidade expressa não somente no que tange aos aspectos

corporais, e as ques~toes devocionais, mas também aos aspectos temporais através da

expressão recorrente kol hayamim, “todos os dias”, que no caso aparece como através

da expressão: kól iemê haieichá, todos os dias da tua vida. O lev é

“cobrado” pelo deuteronomista não somente no tocante à sua entrega à YHWH sem

reservas, mas relacionado com o tempo inteiro, integral, com o dia-dia, no cotidiano. No

verso a seguir mais uma vez o deuteronomista se utiliza da ideia de totalidade agora

empregada ao lev:

4,29:

Então dali buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de

todo o teu coração e de toda a tua alma.

4,39:

Por isso hoje saberás, e refletirás no teu coração, que só o Senhor é Deus, em

cima no céu e em baixo na terra; nenhum outro há.

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Nesse caso vemos a ideia de totalidade do deuteronomista sempre reivindicada

através de expressões como; "de todo coração", de toda néfesh, todos os dias, e disse

Moisés a todo Israel, etc. Porém aqui se aplica à YHWH como Deus único e abrangente

de todo espaço, céu, embaixo na terra, e exclusivo, único. Para o deuteronomista

YHWH é proprietário de tudo, “do todo”. YHWH é proprietário do céu, da terra, e por

isso quer ser reconhecido por Israel como aquele que lhe concedeu “tudo” como

benefício. Tudo que Israel possui, e tudo que Israel é dever ser considerado como

dádiva de YHWH.

Outro exemplo segue abaixo onde o deuteronomista enfatiza a noção de

totalidade:

5,29:

Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem, e guardassem todos

os meus mandamentos todos os dias, para que bem lhes fosse a eles e a seus filhos para

sempre.

Para o deuteronomista o lev que teme à YHWH é o lev que guarda “tudo”. Ele se

utiliza da expressão kól mitsvotay kól haiamym, “todos os

mandamentos todos os dias”. Tal obediência se desdobra em bênçãos para os filhos.

A seguir temos uma das ocorrências mais importantes do livro do

Deuteronômio. Esta é muito rica no tocante aos spectos antropológicos. Aqui o

deuteronomista reivindica o amor à YHWH do ser humano visto de forma integrada:

6,5:

Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas

as tuas forças.Esta expressão é de totalidade através de vocábulos antropológicos precedidos

pela expressão é aplicada ao rei Josias, conforme mencionamos já anteriormente.

O deuteronomista avalia a sua conduta de acordo com essa passagem,

considerando-o o melhor rei de Israel. Aqui o ser humano é visto de forma holística e

convocado também de forma holística para adorar somente o único YHWH. Se néfesh

abarca significados, conforme vimos anteriormente que se estendem desde boca,

pescoço, garganta, faringe, laringe, esôfago, traquéia, órgão da respiração, órgão da

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ingestão sede do gosto e do paladar, sede dos anseios e desejos até a pessoa na sua

totalidade, isso significa que em todas essas dimensões da vida humana as motivações

devem estar voltadas para YHWH como único, por isso a expressão: de

toda a tua néfesh. Se lev abarca os sentidos de coração, sentimento, desejo, razão,

decisão da vontade, órgão da memória, do conhecimento, da prudência, da sabedoria, e

da meditação, em todos estes setores da vida YHWH quer estar presente e ser YHWH

único, assim como o deuteronomista se utiliza da expressão: de todo o teu

coração. No tocante à expressão que se refere aos bens é utilizada a forma:

e de todo o teu muito, as tuas posses. Mas esse versículo é trabalhado

com mais afinco no capítulo 2, por ser parte de nossa perícope. O próximo também faz

parte de nossa perícope e merece uma atenção especial, mas vale ressaltar que o

vocábulo lev aparece aqui como sede da memória onde o israelita deveria guardar as

palavras. Memória aqui não é desvinculada de sentimentos, antes é vista como

comprometida com YHWH. As palavras devem estar no lev. Lev aqui traz consigo a

ideia de uma relação espacial, ou seja, é lev em movimento, as palavras no lev tem o seu

lugar no corpo, mas o corpo está em movimento, em relação com o espaço, andando

pelo camimho, ao assentar, ao se levantar, na relação com o próximo, no compromisso

com a ação social, nos atos de solidariedade e justiça na terra que o israelita irá herdar,

vejamos abaixo:

6,6:

E estarão estas palavras, que hoje te ordeno, sobre o teu coração;

Outro fator que é importante é o fato de ser uma ordenança, ou seja, o

deuteronomista requer, valoriza esse aspecto da guarda das palavras no lev ao extremo.

O lev para o deuteronomista é memória, mas também motivação e movimento.

7,17:

Se disseres no teu coração: Estas nações são mais numerosas do que eu; como

as poderei lançar fora?

8,2:

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E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no

deserto estes quarenta anos, para te humilhar, e te provar, para saber o que estava no

teu coração, se guardarias os seus mandamentos, ou não.

O deuteronomista através da expressão e te lembrarás de

todo o caminho, traz a ideia novamente de totalidade.

Através da memória retrospectiva o israelita poderia avaliar se o seu lev guardou

ou não os mandamentos. O lev aparece muitas vezes vinculado a tais expressões que o

deuteronomista utiliza para transmitir a ideia de totalidade, no caso vinculado à

expressão de “todo o caminho”. Aqui se faz presente também a ideia de movimento do

lev. O lev que guarda todos os mandamentos é o lev que se reconhece quando visto pelo

caminho, no andar, no caminhar, no pisar, no calcar os pés, na conduta, conforme vimos

anteriormente na seleção de vocábulos. Nessa caminhada de Israel o seu coração não

poderia se elevar conforme vemos adiante:

8,14:

Se eleve o teu coração e te esqueças do Senhor teu Deus, que te tirou da terra

do Egito, da casa da servidão;

O deuteronomista encontrou numerosas razões para combater a tendência à auto-

glorificação. Israel não pode de forma alguma atribuir à sua própria virtude o que é

devido exclusivamente e de forma totalitária à maneira como YHWH o conduz. Mas

acima de tudo o texto deixa entender que os ouvintes parecem esquecer completamente

YHWH e os seus benefícios. O lugar da memória e do esquecimento é o lev nesse caso.

O lev altivo esquece-se dos feitos de YHWH, a saber, da libertação da casa dos

escravos. Quem se esquece dos feitos e dos ditos de YHWH se iclina a ouvir a própria

voz no lev, coração. Por isso o deuteronomista requer tanto a guarda do lev por parte de

Israel:

8,17:

E digas no teu coração: A minha força, e a fortaleza da minha mão, me adquiriu

este poder.

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O lev inúmeras vezes é visto pelo deuteronomista como o local onde se fala,

mais propriamente dito o local do corpo onde se manifestam pensamentos, às vezes

relacionados a altivez e a auto-glorificação como no exemplo acima.

O redator insiste nas exortações direcionadas para o lev de seus ouvintes, sempre

alertando-os acerca do risco e do perigo de “falarem no coração” que pelos seus

próprios méritos alcançaram as promessas. O lev é sempre re-direcionado, advertido,

pelo deuteronomista, é o local onde se dirige os pensamentos e se tomam as decisões. O

número de ocorrências em que o vocábulo lev é citado pelo deuteronomista nos deixa

entender tamanha preocupação o narrador tinha com esta “sede da memória”, vinculada

às ações concretas e as decisões centrais dos seus ouvintes. O israelita é sempre

interpelado a tomar cuidado com aquilo que fala, medita, pensa em seu coração. No

decorrer da leitura dos textos que temos analisado no Deuteronômio já podemos ter uma

noção do que o deuteronomista entende por lev, pelo menos quando nos deparamos com

o número de ocorrências em que o vocábulo se apresenta como sede de uma memória

vinculada aos sentimentos, como também um órgão onde se origina os pensamentos e

consequentemente as decisões do ser humano:

9,4:

Quando, pois, o Senhor teu Deus os lançar fora de diante de ti, não fales no teu

coração, dizendo: Por causa da minha justiça é que o Senhor me trouxe a esta terra

para a possuir; porque pela impiedade destas nações é que o Senhor as lança fora de

diante de ti.

O coração algumas vezes é avaliado pelo deuteronomista pela conduta de seus

destinatários. A conduta nesse sentido é consequência do que se encontra no lev

coração:

9,5:

Não é por causa da tua justiça, nem pela retidão do teu coração que entras a

possuir a sua terra, mas pela impiedade destas nações o Senhor teu Deus as lança fora,

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de diante de ti, e para confirmar a palavra que o Senhor jurou a teus pais, Abraão,

Isaque e Jacó.

Nesse caso podemos entender que a avaliação negativa do lev por parte do

deuteronomista está concatenada à posse da terra não pelo merecimento ou pela justiça

própria de Israel, mas pela justiça de YHWH. Pelo fato de Israel ter recebido a boa terra

como dádiva, no próximo versículo o deuteronomista reivindica da parte dos seus

destinatários a fé obediente e inidivísivel, novamente através da expressão kol que

remonta a noção de totalidade:

10,12:

Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas o

Senhor teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor

teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma;

10,16:

Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa

cerviz.

As parêneses exortativas aparecem continuamente no livro do Deuteronômio. A

guarda dos mandamentos e estatutos estão concatenadas principalmente com a

separação de Israel. Existe uma preocupação do deuteronomista em relação à isso.

O lev ao nosso entender, nesse caso, é a sede das decisões, o órgão da decisão da

vontade. Israel deveria tirar do coração algo que lhe prendia a atenção e lhe impedia de

servir à Javé sem reservas.

O alvo do deutereonomista é o lev dos seus ouvintes, o lugar onde Israel poderia

tomar a decisão de retornar à YHWH. Outro significado que pode ser atribuído é a

razão, ou seja, o lev como sede da razão decisória, a razão que olha para as ordenanças

dentro de uma estrutura lógica de causa e efeito, de obediência e consequência, e a

partir daí decide acatar, obedecer ou não.

No texto abaixo temos mais uma ocorrência onde o lev é reivindicado em sua

totalidade pela fórmula deuteronomista kol, tudo, todo:

11,13:

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206

E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos

ordeno, de amar ao Senhor vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda

a vossa alma;

Mas o que seria servir à YHWH de todo o lev? Lembrando que o campo

semântico de lev abarca a mente, sede das paixões, órgão da memória, órgão do

conhecimento, da sabedoria e da meditação, podemos entender da seguinte forma. O

deuteronomista requer que os seus destinatários vivam reconheçam que YHWH é o

doador de todas as coisas. Pelo fato de YHWH ter os tirado da casa dos escravos, agora

Israel deve se sentir devedor à YHWH em tudo. Tudo que o israelita é, tudo que o

israelita possui é dádiva de YHWH. A saída do Egito é dadiva de YHWH, os cuidados

de Deus no deserto são dádivas de YHWH, os mandamentos e estatutos são dádivas de

YHWH.

Em tudo Israel deveria reconhecer a graça, a bondade e a dádiva de YHWH. Por

isso o lev é posto como órgão que envolve o ser humano com um todo.

De todo o coração pode ser “com toda a sua razão”, mas também, “com todo o

sentimento”. Em versos onde o deuteronomista utiliza o vocábulo antropológico néfesh

para contrapor lev nós podemos fazer uma separação um pouco mais rígida entre

sentimento e racionalidade no lev, visto que néfesh é o vocábulo que se refere aos

setores da vida humana mais voltados para o impulso e o desejo, à cobiça e os apetites.

No caso abaixo o lev é mencionado como um lugar onde existe nele a possibilidade de

se enganar. O lev como órgão da faculdade decisória é muito reivindicado pelo

deuteronomista. É no lev que o ser humano pode se enganar. Em outros casos o coração

pode se obstinar, endurecer, se desviar, etc. Nesse caso podemos compreender que no

lev se tomam as decisões corretas também, por isso o deuteronomista não se fatiga de

convocar o lev de seus ouvintes:

11,16:

Guardai-vos, que o vosso coração não se engane, e vos desvieis, e sirvais a

outros deuses, e vos inclineis perante eles;

Em várias ocorrências o lev é visto pelo narrador do Deuteronômio como sede

da memória, como um órgão que arquiva informações e palavras:

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207

11,18:

Ponde, pois, estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma, e atai-as

por sinal na vossa mão, para que estejam por frontais entre os vossos olhos.

Se temos uma noção do campo semântico do vocábulo lev podemos então

identificar qual o lugar que o lev ocupa aqui nessa passagem.

Anteriormente afirmamos que o lev é o órgão do conhecimento, da prudência, da

sabedoria e da meditação, pode ser tambpem órgão das paixões e memória.

“Colocar as palavras” no coração pode ser compreendido como guardar na

memória, depositar na memória, arquivar na mente, memorizar. O lev não é uma

memória desvinculada de sentimentos, mas precisamos analisar o vocábulo à luz do

contexto a fim de identificarmos qual é o sentido que exerce predomínio nos diferentes

casos. Quando dissemos que lev é órgão da memória não afirmamos que deixa de ser a

sede das paixões e o lugar dos sentimento, da vontade, e até do impulso sexual, mas

diante da circunstância, do contexto, identificamos um tal sentido. Nesse caso o lev

pode ser a memória vinculada ao sentimento obviamente, mas o deuteronomista

menciona o vocábulo néfesh que dá conta de descrever de forma sintética outros setores

da vida humana mais focalizados na esfera das paixões e dos impulsos. Então o que nos

importa aqui é em termos de predominância desvendar qual o papel, qual a função do

coração nessa circusntância.

Diante destas constatações embasadas em toda a nossa pesquisa anterior de

distintos significados do vocábulo lev, podemos identificar o predomínio de certos

significados do coração na teologia deuteronomista. O lev é muito mencionado como

lugar da decisão, órgão da memória, e da reflexão.

Dentro do bloco que abange os capítulos de 1-11 o deuteronomista nos traz uma

noção do campo significativo do vocábulo lev.

Através da análise que fizemos das ocorrências acima, entendemos que lev para

o narrador deuteronomista significa: órgão da memória, órgão do conhecimento, órgão

da prudência, órgão da sabedoria e órgão da meditação.

Esta memória não é apenas um depositário de informações que ficam

armazenadas em um arquivo. Pelo contrário, estes arquivos devem servir de modelos

para a ação concreta, para a conduta no dia a dia.

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208

O lev como órgão corpóreo que armazena informações palavras, estatutos, juízos

é vinculado às ações concretas que externam esses arquivos. O lev deve ser o modular, o

exemplar para as ações concretas. A vida deve se organizar pelas palavras que estão

guardadas no lev. Para o deuteronomista as leis de YHWH devem ser guardadas na

mente e no coração. As palavras devem estar no coração de tal forma que elas ocupem

as decisões centrais do ser humano israelita. Por isso o lev é advertido pelo

deuteronomista no tocante ao risco de ser endurecido, ou seja, ser sujeito de sintomas

que são resultados de uma decisão interior contrária à vontade de YHWH e ao

sentimento de solidariedade para com o próximo. Iremos prosseguir um pouco mais nos

passos do deuteronomista no decorrer do livro, porém as definições acerca do sentido

do vocábulo lev serão mais concentradas na estrutura de 1-11 cocnforme afirmamos

anteriormente.

Vejamos abaixo um exemplo onde o redator deuteronomista incorre acerca do

risco do endurecimento do lev:

15,7:

Quando entre ti houver algum pobre, de teus irmãos, em alguma das tuas

portas, na terra que o Senhor teu Deus te dá, não endurecerás o teu coração, nem

fecharás a tua mão a teu irmão que for pobre;

Nesse caso o lev endurecido pode ser compreendido como órgão da decisão

puramente humana desvinculada do amor à YHWH e ao próximo.

Muitas vezes no Deuteronômio o lev é a sede da memória e do conhecimento.

Por isso o lev também pode ser depósito de palavras negativas ou perversas

como na citação abaixo:

15,9:

Guarda-te, que não haja palavra perversa no teu coração, dizendo: Vai-se

aproximando o sétimo ano, o ano da remissão; e que o teu olho seja maligno para com

teu irmão pobre, e não lhe dês nada; e que ele clame contra ti ao Senhor, e que haja em

ti pecado.

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209

É importante notarmos acima o aspecto concreto e espacial do lev. O lev

movimenta-se para fora do corpo. É o que chamamos de lev como motor, motivação e

movimento.

A palavra perversa que se encontra no coração pode se desdobrar em atitudes

concretas prejudiciais ao próximo e contrárias à vontade de YHWH.

Nesse caso podemos identificar a relação do lev nos aspectos corpóreos se

exteriorizando através da conduta, do comportamento e das decisões concretas.

15,10:

Livremente lhe darás, e que o teu coração não seja maligno, quando lhe deres;

pois por esta causa te abençoará o Senhor teu Deus em toda a tua obra, e em tudo o

que puseres a tua mão.

No verso a seguir o deuteronomista se refere ao lev do rei. O leitor poderá notar

que o deuteronomista que adverte o rei no deuteronômio é o mesmo que avalia a

conduta dos reis na historiografia do livro dos reis. O lev é um órgão, um setor da vida

dos reis muito observado pelo deuteronomista. Este avalia o lev dos reis segundo os

critérios do Deuteronômio e daquilo que consta no verso 4-5 do capítulo 6. A expressão

kol é muito utilizada na avaliação do deuteronomista. O rei deveria fazer tudo conforme

estava na lei, deveria servir À YHWH de todo o lev, sem reservas, indivisível.

O rei deveria reinar segundo YHWH. Mulheres, cavalos, riquezas e tudo aquilo

que pudesse corromper o coração de um rei ocupando a centralidade do pensamento e

das decisões do mesmo, era considerado uma ameaça ao reinado:

17,17:

Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração não se desvie;

nem prata nem ouro multiplicará muito para si.

O lev também pode erguer-se em altivez pautado em decisões e conclusões

próprias, fora do conselho de YHWH, e nesse sentido o deuteronomista adverte o rei:

17,20:

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210

Para que o seu coração não se levante sobre os seus irmãos, e não se aparte do

mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; para que prolongue os seus dias

no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel.

O lev como órgão dos sentimentos e emoções pode se abater, pode enfraquecer,

ou pode se referir ao ser humano desolado e abatido, medroso e inseguro, conforme o

caso específico abaixo:

20,3:

20:3 - E dir-lhe-á: Ouvi, ó Israel, hoje vos achegais à peleja contra os vossos

inimigos; não se amoleça o vosso coração: não temais nem tremais, nem vos

aterrorizeis diante deles.

26,16:

Neste dia, o Senhor teu Deus te manda cumprir estes estatutos e juízos; guarda-

os pois, e cumpre-os com todo o teu coração e com toda a tua alma.

30,6:

bb;äl.-ta,w> ßb.b'l.-ta, ^yh,²l{a/ hw"ôhy> lm'’W

^ßv.p.n:-lk'b.W ^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,²l{a/ hw"ôhy>-ta, hb'úh]a;l. ^[<+r>z: `^yY<)x; ![;m;îl.

E o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua

descendência, para amares ao Senhor teu Deus com todo o coração, e com toda a tua

alma, para que vivas.

O deuteronomista de refere algunas vezes ao lev juntamente com a expressão kol

para exprimir a noção de totalidade. Se o coração é o órgão dos sentimentos e das

emoções, sede da vontade decisória, sede dos pensamentos, órgão da memória, e da

reflexão, todos esses campos da vida humana devem estar comprometidos numa relação

de amor único à YHWH:

30,10:

rmoÝv.li ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘lAqB. [m;ªv.ti yKiä ‘bWvt' yKiÛ hZ<+h; hr"ÞATh; rp,seîB. hb'§WtK.h; wyt'êQoxuw> ‘wyt'wOc.mi

p `^v<)p.n:-lk'b.W ^ßb.b'l.-lk'B. ^yh,êl{a/ hw"åhy>-la,

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211

Quando deres ouvidos à voz do Senhor teu Deus, guardando os seus

mandamentos e os seus estatutos, escritos neste livro da lei, quando te converteres ao

Senhor teu Deus com todo o teu coração, e com toda a tua alma.

Concluímos essa parte definindo em linhas gerais e de forma resumida o campo

de significação do vocábulo lev no Deuteronômio.

Podemos perceber que o deuteronomista compreende de forma predominante o

órgão lev “coração” como órgão da memória, órgão do conhecimento, da prudência, da

sabedoria, e da meditação. Nós definimos seguir esta delineação tendo como ponto de

partida o texto do capítulo 6 do livro do Deuteronômio, onde se encontra a nossa

perícope (Dt 6,1-9).

Na grande maioria dos casos o lev é o órgão onde se concentram as funções

intelectuais, racionais, exatamente àquilo que muitas vezes é atribuído ao cérebro. No

coração se processa a compreensão e muitas vezes à audição e a fala. As pessoas

também pensam e meditam no coração. Conforme mencionamos anteriormente quando

se priva alguém do conhecimento de algo está “roubando” o seu lev coração. Muitas

vezes também a falta de entendimento é associada à falta de coração. O lev para o

deuteronomista é posto de forma paralela com outros órgãos. Assim como os olhos

foram feitos para ver e oe ouvidos para ouvir, o lev foi feito para “entender”, guardar.

Nesse sentido o lev é visto pelo deuteronomista como órgão da memória que possui a

capacidade de arquivar informações, estatutos, juízos e itens da lei. Um aspecto que

consideramos anteriormente é o órgão lev como motivação e movimento. Estes dois

aspectos devem ser articulados, motivação e movimentação.

A vida deve ser motivada por aquilo que está arquivado, guardado no lev, no

coração, na memória, a saber “estas palavras”, estatutos, juízos, oredenanças. Mas a

atividade do lev se estende para fora do corpo se alcançando ao próximo, nas praticas de

justiça e solidariedade. O amor à YHWH reivindicado pelo deuteronomista de todo o

lev possui tais desdobramentos concretos.

Conforme abordamos anteriormente o lev como motivação e movimento é

intrinsecamente relacionado com os aspectos espaciais conforme os vs. 6-7:

^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> `^b<)b'l.-l[; ~AYàh;

^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> `^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB.

E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.

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212

E as inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em teu

andar e pelo caminho, ao deitar e ao levantar.

Todos os movimentos da vida humana devem ser motivados por aquilo que está

guardado, arquivado no lev. Por isso no v. 5 o deuteronomista reivindica através da

noção de totalidade da expressão o ^ïb.b'l.-lk'B coração por inteiro, de todo o coração.

Um lev indiviso se desdobra e articula-se entre motivação e movimento. E como

mencionamos acima, concluímos que lev no deuteronômio predominantemente pode ser

definido como órgão da memória, do conhecimento, da compreensão, da prudência,

órgão da sabedoria e da meditação. Lembrando que tais sentidos se desdobram, se

estendem, alcançam dimensões espaciais da vida.

Deste modo fechamos esta parte tendo uma noção do campo significativo do

vocábulo lev para o deuteronomista, procurando sempre articular este procedimento na

tentativa de aproximação do melhor sentido do vocábulo naa perícope analisada.

3. Hermenêutica

3.1. O contexto sócio-econômico e político da América

Latina marcado pela ausência do lev (coração).

A partir de uma análise da condição humana vivenciada no contexto da América

Latina, surge a necessidade de elaboração de um pensar teológico que responda às

necessidades da igreja em sua relação com a sociedade.

O objetivo desse tema é mostrar como o contexto sócio-econômico, político e

cultural da América Latina, na segunda metade do século XX marcou o surgimento e o

desenvolvimento de um novo método teológico.147

Para entendermos a relação entre o

vocábulo lev que é objeto de nossa pesquisa com o método teológico latino americano, é

necessário considerar o pressuposto do método que tem como eixo de sua construção

teórica o pressuposto de que não se pode usar apenas a cabeça para fazer teologia, mas

147

RIBEIRO, Oliveira, Cláudio. “A Teologia da Libertação Morreu? Um panorama da Teologia Latino

Americana da Libertação e questões para aprofundar o debate teológico na entrada do milênio”. Revista

Eclesiástica Brasileira, 63 (250), abril 2003. p. 320-353.

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213

fundamentalmente o coração. Esta é a expressão teórica de algo bem prático e concreto:

O amor que devemos ter para com as pessoas pobres. As pessoas pobres sempre foram

muito discriminadas em nossa sociedade. Talves essa seja uma explicação do por que

muitos grupos na igreja falem mal da teologia da libertação. Como já mencionamos

cada contexto exige uma a formulação de uma nova teologia.148

Neste caso o lev como órgão da memória possui um compromisso com o

sentimento de solidariedade em favor do próximo. Trata-se de uma memória que estrá

estreitamente vinculada com atos concretos de justiça . A partir desta definição

encontramos um ponto de contato importante com o pressuposto teológico fundamental

da Teologia Latino Americana da Libertação que defende a necessidade de nos dias

atuais não se fazer teologia apenas com a cabeça, mas também com o coração. A partir

desta perpectiva, ou seja, “fazer teologia com o coração”, implica numa postura em

favor dos mais fracos. Tal postura é composta de medidas e ações concretas na luta por

um mundo melhor, no engajamento das práticas que buscam ao menos amenizar as

desigualdades. Não queremos dizer que a Teologia da Libertação se resume a uma

148 Para compreendermos melhor a “pauta” da Teologia da Libertação é necessário termos uma noção de

alguns acontecimentos históricos que fundamentam o método. Podemos dizer que são estas as principais

realidades concretas subjacentes a produção deste novo modo de fazer teologia. Os pontos que se

destacam no seu processo de elaboração são: O conflito ideológico do pós-guerra: a guerra fria; A disputa

entre capitalismo e socialismo; O impacto da revolução socialista cubana (1959); Os processos de

industrialização e de urbanização na América latina como crescimento da pobreza e da desigualdade

social no continente; A crítica ao modelo desenvolvimentista e a construção da teoria da dependência; As

lutas politicas de libertação social e de contestação ao regime (1960-1970) e a força dos movimentos

estudantis e sindicais; A contestação aos golpes militares: Brasil (1964) Uruguai (1973) Chile (1973

Argentina (1976); A influencia dos movimentos negros, feministas e contra-culturais; Relacionados com

o contexto social há no ambiente das igrejas vários acontecimentos que marcam o início da formulação do

método, o início da teologia latino americana.; No mundo evangélico os mais destacados são: O

fortalecimento do movimento ecumênico internacional, desde a fundação do Conselho Mundial de

Igrejas; A discussão sobre a temática da responsabilidade social da igreja; O desenvolvimento do

ecumenismo na América Latina, e em especial com o trabalho de ISAL (Igreja e Sociedade na América

Latina); Os esforços da Confederação Evangélica Brasileira (CEB); A realização da conferencia do

nordeste (Recife-PE, 1962) com o tema: “Cristo e o processo Revolucionário Brasileiro”; A dinâmica dos

movimentos de juventude (1950-1960) e a busca de uma fé inculturada; A contribuição do teólogo

Richard Shaull (1919-2002); Aspectos do contexto eclesial (1950-1970); No mundo católico romano,

entre vários aspectos destacamos: Os movimentos bíblicos e de renovação litúrgica em vários continentes

desde 1950; A realização do Concílio Vaticano II que entre outros aspectos possibilitou maior abertura da

Igreja para a sociedade e para o ecomenismo; As propostas pastorais politizadas das ações católicas: as

articulações da juventude estudantil e operária (JUC, JEC, JOC); A formação das comunidades eclesiais

de base (CEBS); A conferencia episcopal latino-americana de Medellin (Colombia 1968) que procurou

efetivar as mudanças da igreja católica no concílio vaticano II e destacou a opção preferencial pelos

pobres como ênfase pastoral; O desenvolvimento das pastorais especializadas (da terra, operária e outras).

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214

reflexão crítica sobre a práxis histórica. Isso não garante a identidade da TL. Temos a

consciência de que as ciências sociais já tomam tais medidas, já fazem isso com

competência. Mas o que faz então uma relexão sobre a práxis ser teologia? Apesar dessa

resposta não ser tão clara, temos algumas propostas elaboradas por alguns teóricos.

De um lado a teologia pretende falar a partir da Bíblia, do evangelho, da

revelação, da substancia do cristianismo, de outro lado a teologia pretende falar a partir

das ciências humanas, privilegiando de forma notória a importância de seus dados, ao

extremo de referir-se a eles como a um ponto de partida indispensável. Esta espécie de

“fusão” ainda não se resolveu por completo, pois por trás dela está a tensão entre certa

noção de revelação que daria à Igreja critérios à priori e verdades eternas e a questão da

historicidade humana. Esta questão se complica na medida em que temos a consciência

de que a fé cristã e a revelação não existem como realidades claramente verificáveis.

Pois só existem historicamente mediatizados. Portanto entendemos que uma reflexão

crítica sobre a práxis histórica dos seres humanos será teológica e bíblica na medida em

que impute nesta práxis a fé cristã. Nesse sentido a teologia deve ser entendida não

somente como ato segundo em relação ao ato primeiro da práxis, mas também como

palavra segunda em relação à palavra primeira das ciências humanas. Dessa forma a

reflexão teológica assume a forma tripartide: análise da realidade, reflexão teológica e

considerações pastorais. Isso significa que a Teologia e a TL só poderão dar passos

significativos quando levarem a sério as exigências da interdisciplinariedade

científica.149

3.2. Medicina e Pastoral da Saúde

O objetivo da medicina é a cura do ser humano integrado, como um todo, ou

pelo menos do que é possível conhecer e transformar no homem, deixando à Deus a

salvação global da pessoa (salvação, saúde: abordagem teológica, Igreja sacramento de

salvação). Por isso seria desejável que a intervenção médica não se reduzisse apenas a

ações reparadoras setoriais e parciais. É necessário que houvesse uma integração de

todas as formas terapêuticas e curativas do doente. (Formação de agentes de saúde).

Assim teríamos, uma medicina interdisciplinar (medicina e pastoral) mais adequada:

149

JUNG, Mo, Sung. Paradigma da Teologia da Libertação. Teologia e Economia: repensando a

teologia da libertação e utopias. Petrópolis-RJ, Vozes, 1994. p. 67-97.

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215

1. Para promover e recuperar a saúde que, sempre mais (até em

âmbito biológico-molecular) seja vista como sistema complexo e não

mecanicista e causalista apenas (Antropologia médica, Corporeidade:

abordagem filosófica, Doença):

2. Para alcançar, ajudar, servir, curar, o “ser humano global” e não

somente o homem biológico (Antropologia do mundo da saúde, Corporeidade:

abordagem teológica, Corporeidade: abordagem ético-sanitária).

Para que o ser humano alcance a saúde plena e a medicina chegue ao homem

todo, a teologia pastoral da saúde começa pela observação das várias dimensões da

realidade sanitária.150

150

Alguns critérios oferecem uma interpretação teológico-cristã (ou diagnóstico) do mundo da saúde.

Conclui-se com acenos à fase terapêutica que o dicionário apresenta com termos interdisciplinares, assim

como as duas fases precedentes. 1. Observação: Dados objetivos: (Genética, morte cerebral, patologias

sociais novas, experiência clínica, experiência médica). Temas pesicológicos: (Burn Out, e trabalho

sanitário, Dor: aspecto médico psicológico, Estresse e doenças psicossomáticas, Ansiedade, Depressão,

dependência tóxica, personalidade e seus distúrbios). Dimensões sociais-civis: Legislação sanitária,

Justiça, direitos humanos, direitos do doente, sociologia sanitária, OMS, Serviço Nacional da Saúde,

Instituições da Saúde). Dimensões sociais cristãs: Associações sócio-sanitárias, Conselho pastoral, comitê

ético, capelania, Hospital cristão, Comunidades Terapeuticas, Igreja Magistério e mundo da saúde, Vida

consagrada: abordagem histórica e teológica. Voluntariado sóciossanitário, Conselho Pontifício da

Pastoral para os agentes da saúde). Sujeitos do Mundo da Saúde: (Administrados hospitalar, Médico,

Enfermeiro, Religiosa, Religioso, Assistente religioso-capelão, Assistente social, leigo e pastoral da

saúde), sem esquecer “o principal sujeito”, o doente. Dimensão histórica: (Institutos, vida consagrada, e

história da assistência, pastoral da saúde: história, conceitos, campos, saúde: abordagem histórico-

cultural, Santos/as da caridade). 2. Interpretação cristã: Critério Bíblico que mostra o centro do projeto

salvífico divino para o ser humano, também no campo da saúde. (Bíblia e mundo da saúde, Sofrimento:

abordagem bíblica, Cura, Deus, Jesus Cristo, Espírito Santo). Critério Antropo-teológico: Assegura uma

visão global do ser humano. (Saúde: abordagem teológica, Graça, Pessoa,: abordagem histórico-teológica,

Mal, Pecado, Sofrimento: Abordagem teológica, Morte-morrer). Critério ético-moral: (Bioética, Ética

sanitária, Consciência e pastoral da saúde,, Pessoa: abordagem ético jurídica, Saúde: abordagem ético-

pastoral, Justiça: investimentos e saúde, Justiça: Países pobre e saúde) com os relativos temas (vida,

obstinação terapêutica, Consentimento informado, Procriação responsável e Contracepção). Critério

espiritual cristão: Como uma experiência milenar no campo da saúde. (oração, Espiritualidade, do doente,

Espiritualidade do serviço pastoral sanitário, Virtude, Compaixão, Esperança) e modelos humanos a quem

se referir ( modelos bíblicos,: o salmista, Modelos hagiográficos, Modelos leigos, São Camilo, S. João de

Deus, S. Vicente de Paulo). Critério psicológico: (psicologia da saúde e da doença, psicólogo e mundo da

saúde); Critério teológico-pastoral: (Teologia pastoral da saúde, Diagnóstico-pastoral).

3. Terapia: Intervenções médico-convencionais valorizando o aspecto humano (remédios: uso e abuso,

cuidados intensivos, cuidados paliativos). Intervenções não convencionais: (Exorcismos, Magia,

Medicina alternativa, Milagre, Musicoterapia). Intervenções psicológicas:(aliança terapêutica,

Moribundo: acompanhamento, Psicoterapia: fundadores, Psicoterapia: Rogers, relação pastoral de ajuda,

CPE-educação pastoral clínica). Ação Pastoral educativa: Camillianum, Catequese e mundo da saúde,

Cultura da Saúde: educação, evangelização e mundo da saúde, Humanização da saúde, Obras de

misericórdia, Projeto pastoral, Dia do enfermo). Ação litúrgico-sacramental (Liturgia e pastoral da saúde,

sacramentos, sacramentais, unção dos enfermos. Nesse nível saúde e salvação tocam-se ao máximo e

oferecem ao são e ao doente a oportunidade de se tornarem o dinamismo que Deus projetou para o amor.

Ver: CINA, Giusepe; LOCCI, Efício; ROCCHETTA, Carlos; SANDRIN, Luciano. Dicionário

Interdsiciplinar da Pastoral da Saúde. Editora Paulus, São Paulo. 1999.

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216

Para o esclarecimento acerca dos campos que interessam à pastoral da saúde e

seu objeto formal, é necessário a utilização dos seguintes verbetes: Teologia pastoral da

saúde, Pastoral da Saúde, Bíblia, Saúde, Morte, Cultura da Saúde, Evangelização.

Para iniciarmos a exposição dos conteúdos referentes à nossa crítica em relação

aos moldes e configurações da atual intervenção médica no Brasil, queremos definir o

conceito de antropologia médica a fim de termos uma breve síntese acerca dos objetivos

mais gerais que serviriam de pilares e pressupostos para o exercício de uma medicina

que considera o ser humano de forma holístico-global, mais integrada pautada em

pressupostos éticos que possuem como fundamento proicipal o sujeito, isto é, o doente,

e a preservação da vida. Neste ensejo a disciplina especializada da antropologia,

aplicada ao estudo do ser humano e ao desenvolvimento da sua cultura médica, deve ser

vista, considerasa dentro de um contexto funcional, em que se harmonizam

manifestações físicas e psíquicas. No entanto a visão especulativa no curso dos anos, foi

submetida a reduções ideológicas e biológicas, deformando a perspectiva global do ser

humano doente.

Históricamente, antropologia médica pode definir-se como a contínua e jamais

concluída tentativa de elaborar uma reflexão sistemática, juntamente científica,

filosófica e teológica, a respeito do ser humano, enquanto são, amável, doente, curável e

mortal”.

O reconhecimento antropológico parte de duas perspectivas:

1. Histórica: considera a relação médico-paciente, em que interagem

três sujeitos: médico, doente e sociedade.

2. Cultural: considera a imagem em que se apresenta o estado de

saúde e a doença.

Tal conhecimento antropológico necessita ser elaborado à luz do profundo

estudo da medicina moderna. A acentuada ênfase ao recurso às ciências naturais

transformaram-na em ciência do corpo, empobrecendo-a no plano humano. Isso

significa que nos encontramos diante de uma medicina científica, não mais expressão de

um método clínico-relacional, mas operante somente através de meios técnicos.

Podemos perceber conforme exposto anteriormente que muitas vezes não se

respeita por exemplo, o princípio de unidade do ser humano – corpo, psique e espírito –

de sua relação com o meio ambiente. Tem lugar uma visão impessoal de ser humano.

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217

Há mudança radical de perspectiva, condicionada por uma cultura social. Os conceitos,

símbolos e valores a respeito do sentido da vida são entendidos de maneira deformada.

Peculiaridade fundamental, aliás do método científico. Nos últimos 50 anos a medicina

desenvolveu-se muito, acentuadamente no âmbito científico, assumindo sempre mais as

modalidades operativas. O paradigma porém, da medicina é desenvolver-se em

profundidade, mais do que em amplitude.

No campo da ciência o segundo modelo atua com a proliferação de

especializações, antes do que no contexto de cada uma.

De fato, na medicina, a apropriação da abordagem científica levou à proliferação

de especialistas e sub-especialistas. Sua atividade formativa guiou-se por uma

concepção bio-engenheirística do corpo humano. É a decomposição do organismo em

setores, portanto, de cada um conheço a realidade fisiológica, identifico

“cientificamente”a doença, o estrago e a consequente intervenção curativa. Dá-se uma

ênfase demasiada à parte sem considerar a importância do todo, do ser humano

holísitico e articulado de forma integrada.

No âmbito porém, de uma visão antropológica da medicina, que não é ciência,

mas práxis, tão somente aquisição diagnóstico-terapêutica não é suficiente, porquanto

válida.

Diagnóstico é estado médico que atribui a cada indivíduo um estado morboso,

que não é seu momento central. Enquanto assim concebida, é organicista e não

totalizante de todos os aspectos antropológicos compreensivos de uma visão integral de

ser humano doente como pessoa.

A medicina tem e deve ter estreitas relações com as ciências humanas, sociais,

ecológicas, e com tudo o que diz respeito ao ser humano em suas relações

constitutivas.151

151

Vale ressaltar que o nosso objetivo através desta abordagem da medicina atual configurada de forma

fragmentada visa uma tentativa de nossa parte de estabelecer alguns pontos de ruptura entre tal

configuração da medicina com alguns pressupostos fundamentais da antropologia e antropologia médica.

Nesta perspectiva também fazemos uma leitura desse cenário com lentes da antropologia teológica. Não

pretendemos aplicar um olhar muito aprofundado, mas apenas ressaltar alguns pontos de ruptura entre a

configuração da medicina ocidental atual e a medicina tradicional da escola hopocrática de Cós, a

antropologia médica, a antropologia teológica e mais especificamente com o sentido do vocábulo lev

expresso no deuteronômio. O nosso objetivo é dar ênfase aos princiáis pontos de ruptura que ameaçam a

vida humana nos dias atuais. Entedemos que a antropologia teológica e bíblica possui em alguns aspectos

muita contribuição no tocante à forma de se pensar em “ser humano”. Ainda que não tomamos por

descrição da realidade a interpretação dos textos bíblicos, entendemos como um recorte da realidade que

nos fornece em forma sintética a formação do ser humano como um todo integrado consigo mesmo, com

o próximo, com o cosmos e com Deus. Estes são em linhas gerais os pré-requisitos de uma antropologia

bíblico-teológica.

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218

Denominador comum será o discernimento ético da variedade dos fatores

constitutivos da doença humana. Esta engloba responsabilidades específicas que

realizam no quadro mais amplo de uma relação empática. O objeto do ato médico deve

ser a preservação da vida e o bem estar do paciente. Consequentemente será praticado

sempre em relação ao um contexto antropológico de referência bem preciso. O “bem”

não comporta somente restabelecer a saúde física, enquanto expressão de um alterado

equilíbrio corpóreo. Importa muito a dimensão subjetiva da doença, da pessoa doente,

em referencia ao seu ambiente sociocultural, a si mesmo e ao seu próprio destino. O

significado verdadeiro da doença é que ela não subsiste em si mesma, estranha ao seu

referente. Ela só existe como projeção objetiva da personalidade inteira do paciente. É a

elaboração das categorias do próprio corpo.

Eu sou o meu corpo, enquanto consigo reconhecer que este meu corpo não pode

ser rebaixado ao nível de ser este objeto, um objeto, “um alguma coisa”, o outro do

gênero. Esta modalidade de percepção do corpo, é a do corpo vivído. Permite, então,

afirmar que o doente é a sua doença. É que o vivído constrói-se na comunidade e é

elaborado pelos seus valores, pela própria história e pela concepção que ela tem do

sentido da vida.

Este são os problemas que no contexto atual encontramos. Sentimos falta de uma

medicina que considere o ser humano de forma mais holística, integrada, que considere

o ser humano como um todo. Um todo articulado consigo mesmo, com o próximo, com

o meio ambiente e com Deus. Lembrando que a análise da atual condição da medicina

atual é feita por nós através dos pressupostos da antropologia bíblico-teológica, e da

pastoral da saúde. Não temos formação em medicina, mas somos cidadãos, que falamos

muitas vezes como testemunhas, reconhecendo também a contribuição de vários

profissionais da área da saúde que não se moldam nos pressuposto mecanicistas e

materialistas. Finalizamos esta parte dando ênfase a este aspecto. Dentro de uma

perspectiva deuteronômica-antropológica e também teológica o nosso contexto atual na

América Latina é muito marcado pela ausência do lev, marcado por pressupostos que

ficam aquém de uma proposta que busca consideram o ser humano de forma mais

holísitica, e integrada. Também não temos a pretensão de afirmar que o projeto

deuteronômico é uma descrição da realidade, mas traz uma proposta que não deixa de

ser modular e desafiadora para o bem estar do ser humano em suas relações

constitutivas, principalmente no que tange ao contexto latino-americano do qual nos

referimos.

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219

3.2.1. Contexto sociocultural

No contexto sociocultural em que se desenvolveu a medicina moderna, doença,

dor e sofrimento assumiram uma valência simbólica extremamente pobre. Sua

perspectiva de referencia baseia-se no modelo utilitário-hedonístico.

O ser humano hoje não é o que pensa, o que é, mas só o que ganha e produz. É

útil. Nesta visão, a doença é um “não sentido”, é o negativo do bem estar, logo deve-se

evitar de modo absoluto e a qualquer preço. A ideologia predominante é imposta de

forma que o único sentido da vida é a jovialidade, o eficientismo. Como se eles fossem

o único fim a que se dirige a vida do ser humano. É o modelo que desenvolverá uma

cultura fortemente conotativa dos direitos, porém acentuadamente deficiente e

desmotivada, na dos deveres. Há uma reivindicação da saúde e da doença, numa

perspectiva antropológica, em que “a pessoa” é o elemento ético primário, constitutivo

da sua realidade. Surge a exigência de tematizar o dever que compete aao indivíduo, em

dar dimensão ética à própria doença. Mais do que tudo, urge promover a capacidade de

prevenir a moléstia, ou de preservar a saúde. Estas necessidades não podem ser

prerrogativa de uma cultura só de direitos. A realização de semelhante perspectiva, no

contexto de uma antropologia personalista, requer a consciência, seja para o médico,

seja para o paciente, que a doença é a pessoa. Logo, ela tem finalidade, função e sentido

como toda e qualquer experiência do ser humano. Sarar é, também e sobretudo, isto:

como passar do não sentido para o sentido de viver humano, ao reapropriar-se mais

espiritual da própria vida. A nossa preocupação encontra-se nestes pontos que

caracterizam a configuração da medicina atual de forma geral. Queremos deixar

evidente que temos excelentes profissionais atuando no campo das ciências médicas,

profissionais competentes, que possuem uma visão mais holística e integrada de ser

humano em suas relações constitutivas, porém a nossa exposição refere-se à alguns

problemas que se encontram no nosso contexto dentro de um quadro geral na área

médica. Não temos competência suficiente para discutir metodologias de forma mais

específica, mas afirmamos algumas coisas constatando-as pelo testemunho, pela própria

experiência. Falamos como “cidadão” que já “experimentou” alguns dos limites da

configuração médica atual, como também já usufruiu da competência de profissionais

da área. No tocante à alguns pontos eu destacaria pelo menos dois: O primeiro, os

limites da setorialização ultra especialista que reduz o corpo humano à máquina com

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220

perda da dimensão clínica-unitária. E o segundo, a metodologia de abordagem ao

paciente do tipo objetivo e muito burocratizado, portanto despersonalizado.

Contra estes o modelo científico naturalista revela bem os limites. Limites, aliás,

que evidenciam a profunda crise do modelo metodológico da medicina moderna.

Os efeitos desse antagonismo foram negativos, também na elaboração do nosso

sistema de saúde e na modalidade da gestão da saúde pública. Sobre esta unidade de

crise dos dois modelos – científico formativo e sóciopolítico – pesa a responsabilidade

de uma crescente insatisfação dos usuários cientes dos limites do sistema, acerca do

qual não lhes transmite uma resposta humanamente integrada às suas necessidades e

psicofísicas.

É preciso também avaliar o mérito das intervenções que as novas biotecnologias

permitem no campo humano. O ponto de referencia para reflexão produtiva será

somente uma antropologia médica à luz de verdade integral a respeito do ser humano e

o lugar central que este ocupa na realidade da saúde. Por isso pensamos que a medicina

deve ter vínculos mais próximos com a antropologia, ou seja, uma medicina mais

antropológica mais aberta aos valores sociais e à responsabilidade para as futuras

gerações. É imperioso, porém, que tenha fundamento ontológico, e claro, isto é, que

atue sobre um valor infinito, base da dignidade do ser humano, do momento inicial de

sua vida até ao da morte natural. É este um empenho que compete aos profissionais da

medicina, enquanto homens, antes ainda que como crentes. Só esta dimensão da

antropologia pode exprimir um juízo objetivo do estado de normalidade e do estado da

doença.

A responsabilidade de uma formação humanista carente do pessoal da saúde,

permitiu o descuido progressivo no relacionamento com o ser humano doente, é das

faculdades de Medicina, cujo ensino está centrado no parcelamento setorial do corpo

humano.

A medicina científica, quando se preocupa apenas com a constituição químico-

física do ser humano, deve considerar-se uma contradição em termos. Nesta crítica

evidencia-se a urgência de realizar uma recomposição da unidade antropológica, entre o

saber médico e o exercício da medicina, globalidade e utilidade do ser humano, que

supere os próprios objetivos naturalistas. É necessário a indicação de três aspectos a

base do saber e do agir médico conforme explicita o grande patologista clínico F.

Buchner: a essência do ser vivo, a essência da doença e a essência do ser humano. A

primeira o une a todas as criaturas, a segunda desperta nele a consciência de preservar a

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vida em perigo, e a terceira apresenta-lhe o enigma do misterioso ser que vive sob o sol,

o ser humano.

A patologia humana não pode fechar-se dentro dos limites da biologia.

Definimos a bios humana, fundamentalmente, como unidade do corpo e espírito.

Estamos conscientes de que na realidade concreta do corpo humano a psique está

continua e imediatamente em jogo também quando doente e quando saudável. Na

patologia humana a medicina naturalista precisa de moderação em seus princípios e

guiar-se pela medicina antropológica. Com isso encontramo-nos diante da questão da

essência do ser humano.

À guisa de conclusão desta parte afirmamos que a análise da configuração da

medicina atual que fizemos possui como ponto de partida, ou predominância, um olhar

sob os pressupostos da antropologia teológica. Tais pressupostos fazem uma síntese de

ser humano, considerando-o de forma holística e integral.

Esta perspectiva apresentada pela antropologia teológica não pretende ser uma

descrição da realidade à respeito do ser humano.

O ponto central da análise da antropologia teológica é considerar o ser humano

integrado, como parte do mundo, como vinculado ao próximo e ao meio ambiente.

O ser humano é cosmos e depende dele. Nesta perspectiva é que entra a nossa

crítica. Outros setores da sociedade também possuem uma visão muito fragmentada de

“ser humano”. A religião também possui muitas limitações e deficiências.

A antropologia teológica busca reconstituir uma visão de ser humano que por

muitas vezes foi deixada na penumbra pela própria teologia com o seu excesso de

valorização à alma em detrimento do corpo, da vida concreta. Ou seja, a própria

teologia e religião pode ser marcada pela ausência do lev (objeto da nossa pesquisa)

quando atua sem considerar o lev supervalorizando as questões espirituais e não dando

devida importância à vida, ao bem estar do ser humano.

No Deuteronômio o redator deuteronomista reivindica de seus destinatários, de

seus ouvintes, a importância do lev para a vida como um todo.

Conforme já expomos anteriormente a palavra lev aparece de forma recorrente

no trabalho redacional do deuteronomista. Ele está procupado em “inculcar” os seus

destinatários a respeito da importância deste pressuposto. O seu contexto certamente

estava marcado pela ausência do lev, e por isso o reivindicava tanto de seus ouvintes.

Concluimos afirmando que, o que se espera da medicina e de todos os campos de

atuação profissional em nossos dias é que o ser humano seja mais valorizado em suas

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222

relações constitutivas, que os profissionais da área da saúde principalmente atuem por

vocação, com coração, com lev, com solidariedade e não apenas visando o status que

esta ciência oferece, e o lucro.

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CONCLUSÃO

No desfecho deste trabalho podemos chegar a uma melhor compreensão do

sentido, do significado, do objeto de nossa pesquisa, o vocábulo lev na perícope de Dt

6,1-9.

Para alcançarmos tal objetivo tivemos que tomar alguns procedimentos

metodológicos de análise.

Iniciamos no capítulo primeiro do trabalho com uma exposição do cânon do

livro do Deuteronômio. Visto que há uma grande diversidade de hipóteses de

estruturação do livro, fizemos a apresentação de alguns autores.

Através desta análise podemos compreender como o livro do Deuteronomio é

formado e como se organiza em blocos. Assim pudemos analizar a nossa perícope pelo

viés do seu entorno, através dos blocos maiores que a abrangem. Ainda nessa pespectiva

podemos compreender algumas das realidades concretas subjacentes à formação destes

blocos que fazem a moldura do livro. Tais estruturas foram compostas tendo como base

alguns modelos dos contratos e tratados do antigo Oriente. Tais formulações eram

organizadas e estruturadas com o objetivo de facilitar a consulta dos respectivos itens, e

também como recurso metodológico-didático para servir à memorização.

Desde já começamos a enxergar alguns indícios do sentido do vocábulo lev no

Deuteronômio, mas não queríamos no início, já pressupor os resultados da exegese, e

assim continuamos dando os respectivos passos metodológicos.

Ainda no capítulo primeiro nos empenhamos em fazer uma coleta dos textos

bíblicos onde se encontram palavras-chave e expressões recorrentes do livro do

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Deuteronômio. Tais expressões possuem um grande número de ocorrências, por isso

demos importância para tal análise compreendendo a relevância teológica de tais

expressões. Estas palavras-chave aparecem orbitando em torno de um centro que é o

shemá Israel (Dt 6,4).

No capítulo segundo fizemos o movimento contrário, ou seja, de dentro da

perícope para fora.

Através de alguns procedimentos exegéticos analisamos o texto considerando o

contexto sócio-econômico, político, ideológico, religioso e também os vários aspectos

da linguagem, como coesão, coerência, e sintaxe. Fizemos uma análise das possíveis

relações entre os elementos do texto que formam o “tecido”, identificando o fio

condutor que rege o “emaranhado” do tecido, do texto do Dt 6,1-9.

Iniciamos apresentando uma tradução da perícope e posteriormente

decodificamos o aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia.

Através deste método denominado por crítica textual, podemos identificar o

árduo trabalho dos grupos que se empenharam no projeto de preservação e transmissão

do texto, como também as supostas variantes que poderiam alterar ou não, o sentido do

texto que usamos como base para a nossa tradução.

Após estes passos introdutórios concluímos que, apesar das alterações que o

texto sofreu no decorrer da história de sua transmissão, nenhuma variante alteraria o

sentido teológico daquilo que consideramos central no texto, a saber, a confissão de fé

israelita descrita pela fórmula “shemá Israel”.

Visto que todos os procedimentos exegéticos tomados nesta pesquisa tinham

como objeto o vocábulo lev, entendemos que as variantes que fizeram parte da história

da transmissão do texto também não alterariam o sentido teológico e antropológico do

vocábulo.

Percebemos que as alterações que o texto sofreu foram em parte por causa de

minúcias, de variações dialetais que podem ocorrer no processo de desenvolvimento,

transmissão e propagação de qualquer língua. Um dos exemplos desse tipo de caso é a

frequência de inserções do chamado wav no meio de palavras. O grupo que geralmente

possuía esse hábito era o de Hibert Qunran, dos manuscritos do Mar Morto.

Porém chegamos à conclusão que, dentro do processo de preservação e

transmissão do texto poderiam ter acontecido conflitos de grupos, sendo que alguns

destes prevaleceram e se impuseram sobre os outros, talvez por questões políticas. Mas

o que nos importa no tocante a essa parte é o reconhecimento da diversidade de grupos

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225

que se empenharam no processo de transmissão do texto, além de supostas variantes

que pudessem alterar o sentido teológico central que se encontra na perícope de Dt 6,1-

9.

Posteriormente no mesmo capítulo analisamos a perícope de Dt 6,1-9 sob o viés

dos vários aspectos da linguagem.

Iniciamos fazendo a delimitação, e o levantamento dos fatores que identificam a

nossa perícope como uma unidade bem coesa, com início, meio e fim claramente

demarcados.

Posteriormente analisamos o estilo literário.

Chegamos à conclusão que a perícope possui alguns indícios e aspectos da

poética hebraica, como métrica com rima, e frequentes associações de palavras no que

tange ao sentido teológico e à expressividade das mesmas, através da sonoridade das

expressões. Mas estes aspectos também possuem vínculos de ligação com documentos,

contratos e tratados jurídicos do antigo Oriente.

Entendemos que tais fatores não eram meramente recursos retóricos, mas formas

de pensamento e de aprendizado, a saber, um recurso didático utilizado na época para a

facilitação da memorização. Tais aspectos eram comuns no antigo Oriente, e sem

dúvidas Israel foi influenciado por tais formulações.

Os itens, na forma com que se apresentam organizados, são pressupostos de uma

cultura onde a memória é vista como guardadora de arquivos.

Outro fator relevante que identificamos como ponte de relação entre estes

pressupostos e a nossa perícope é o conteúdo da mesma, que traz um relato acerca da

importância de “guardar”, “preservar” as “palavras” no lev.

O deuteronomista diriji-se aos seus destinatários convocando os mesmos a serem

transmissores destas palavras da tradição.

O local do corpo onde se localizam tais arquivos é chamado de lev, o órgão da

memória, do conhecimento, da prudência, e da meditação para o deuteronomista,

predominantemente falando.

O órgão lev, que foi objeto de nossa pesquisa, é o lugar do corpo onde se

arquivam as palavras, o depositário de todas as ordenanças que deverão ser

exteriorizadas, estendidas para fora do corpo, transmitidas e repassadas, inculcadas e

recitadas para os filhos e netos.

Os destinatários do deuteronomista eram convocados a tal responsabilidade, de

transmissão dos itens que iriam ser recitados por Moisés.

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226

O lev é também dotado de sentimentos. Por isso, os itens, as formulações

jurídicas, os mandamentos e estatutos que haveriam de ser transmitidos, eram fruto de

um projeto social que visava à amenização das desigualdes da época.

O lev é memória articulada no cotidiano por uma práxis concreta, onde o amor a

Deus, é expresso através da guarda dos mandamentos.

Amor este que, se estende, que se exterioriza, fazendo com que o lev seja órgão

de motivação e movimento também para fora do corpo, no espaço, “andando pelo

caminho”.

A conduta do ser humano deveria ser motivada por estes arquivos da mente que

preservavam as palavras. Tais palavras deveriam ser exteriorizadas conforme relata o

texto, a fim de que, os destinatários, e as gerações posteriores também transmitissem

tais ítens, que compõe todo o projeto do deuteronomista.

Portanto, guardar no lev implica em motivação para interiorização “destas

palavras”, e exteriorização para transmissão “destas palavras” e consequentenmente a

práxis “destas palavras”.

Estes fatores foram identificados na nossa pesquisa através da análise semântica

que denominamos também como análise de conteúdo.

Outro procedimento que nos serviu de auxílio para uma melhor compreensão do

sentido teológico da perícope de Dt 6,1-9 foi a seleção de vocábulos, onde fizemos um

levantamento das ocorrências onde se encontram os vocábulos que compõem a nossa

perícope.

Desta forma conseguimos ter uma visão global dos diversos sentidos de cada

vocábulo que ocorrem no texto.

A perícope de Dt 6,1-9, como todo texto da Bíblia Hebraica, não surgiu apenas

de gabinites, antes são declarações de fé, e às vezes possuem aspecto reacionário, isso

pelo fato de responderem a situações concretas.

Uma perícope pode ser um clamor de um orante, ou de um grupo, que vive em

determinada localidade uma situação, um problema específico. Isso é o que chamamos

de contexto, seja contexto político, social, ou econômico. Todos estes setores da vida

humana são considerados pela análise chamada de diacronia.

Podemos perceber também que o projeto do deuteronomista visava à

integralização, à unificação, à centralização de todos os elementos da vida.

A fé deveria ser única, indivisa no Deus único YHWH, que só poderia ser

cultuado num único local, aquele que Ele mesmo, YHWH escolheria.

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227

Não poderia haver na vida do ser humano israelita um setor sequer que não

reconhecesse a total dependência de YHWH, isso por conta dos benefícios recebidos, a

saber, “fostes escravos no Egito, e Eu vos tirei de lá com mão forte e braço estendido”...

No capítulo terceiro fizemos uma aproximação do vocábulo lev através de uma

análise mais rigorosa, com mais afinco.

Visto que tratamos de um vocábulo polissêmico, ou seja, que possui um vasto

campo de significações, tivemos que explorar essas variações no intuito de neutralizar a

polissemia. Tal procedimento é solicitado pelos especialistas em análise semântica.

Neste ensejo analisamos o vocábulo lev em várias ocorrências do Antigo

Testamento e posteriormente no livro do Deuteronômio.

O objetivo de tal abordagem foi o incentivo da leitura dos textos bíblicos,

principalmente quando se trata de averiguar, analisar o sentido do vocábulo lev em cada

texto.

Entendemos que a exposição destes textos são de grande valia para a pesquisa,

mesmo porque estamos valorizando existencialmente, concretamente as reivindicações

deuteronomistas acerca da importância da reflexão, do “inculcar”, da observância dos

mandamentos, estatutos e juízos, kol hayamim, “todos os dias”.

Portanto entendemos que o órgão lev, “coração”, é descrito como sede da

memória, órgão do domínio ético, órgão da prudência, da sabedoria, e da meditação.

O lev é visto também no pensamento deuteronômico, como órgão vinculado à

esfera dos sentimentos, ou seja, o deuteronomista não o reduz apenas à esfera da

racionalidade.

O lev possui desdobramentos concretos, de solidariedade e justiça, de

responsabilidade e vínculos com o amor ao próximo.

O lev refere-se ao todo, ao ser humano integrado e holístico que é razão, mas

também é emoção. Lev é memória partilhada, vivenciada, convivida.

Lev conforme abordamos anteriormente é motivação e movimento, é

internalização das leis que promovem a vida e a exteriorização delas pela práxis,

daquilo que se encontra armazenado na mente, no coração.

Por isso no contexto latino-americano é necessário, em todos os setores da vida

humana a presença destes pressupostos, que remontam a vida integrada, considerada

como um todo.

O problema da saúde e da educação no Brasil pôde ser analisado na parte que

denominamos de Hermenêutica, nesta pesquisa.

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228

Vivemos num contexto marcado pela ausência do lev, coração.

Nesta parte a nossa exposição se limitou apenas a uma análise da condição

humana atual no que tange à configuração da medicina moderna, estabelecendo alguns

limites da mesma.

Neste ensejo concordamos com a máxima, com a pauta da teologia latino

americana da libertação, a saber, a amenização das injustiças e desigualdades. Tais

medidas possuem seus pressupostos na literatura bíblica, tanto na perspectiva dos

profetas, como também no contexto do livro do Deuteronômio.

Ainda nesta persectiva podemos dizer que a teologia é uma ciência, uma

interpretação, que precisa ser feita também com o lev, coração.

Neste enfoque é que se encontra a dimensão crítica da teologia latino-americana.

Esta dimensão também deveria ser repensada por todo sistema teológico que interpreta a

condição humana com ênfase na racionalidade.

As nossas leis, nos dias atuais, devem ser articuladas com o sentimento de

solidariedade, pois é notório que vivemos num mundo fortemente marcado pela

ausência do lev, coração. Ausência do lev como “motivação e movimento”.

Muitas vezes o lev tem motivações, mas falta movimento e engajamento. Por

outro lado, muitas vezes nos dias atuais o lev quando se movimenta traz consigo

motivações incorretas que apenas visam o lucro e o consumismo exacerbado.

Talvez uma leitura crítica desse quadro pode ser feita nos dias atuais pelo viés da

reivindicação do lev pelo deuteronomista, o lev como um todo indiviso, sem tais lacunas

que acabam por decompor a unidade do ser humano descentralizando-o de suas relações

constitutivas, a saber, na relação consigo mesmo, com o próximo, com o meio ambiente

e com Deus.

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