Antropologia Urbana: bairros

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Trabalho etnográfico no bairro Poti Velho em Teresina-PI

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  • SACS ANO 2014 SEMANA ACADMICA DE CINCIAS SOCIAIS.

    11 a 14 de Novembro de 2014, UFPI, Teresina-PI.

    GT 13: TICA E METODOLOGIA NO TRABALHO DE CAMPO: QUAIS OS

    LIMITES DA PESQUISA NAS CINCIAS SOCIAIS

    Notas sobre as interaes dialgicas entre pesquisador e sujeitos de pesquisa no

    trabalho de campo.

    Lucas Coelho Pereira1

    APRESENTAO

    Iniciei pesquisa no bairro Poti velho em 2011 e prossegui at 2013. Nesses mais

    de dois anos de trabalho de campo, houve reformulaes considerveis em minha

    agenda de investigaes. Num primeiro momento, na condio de bolsista

    PIBIC/CNPq, meu foco recaiu sobre a tessitura da rede sociotcnica do artesanato

    cermico produzido no bairro, pautava-me, portanto, na Teoria do Ator Rede, proposta

    por Bruno Latour. No ltimo ano da pesquisa, a fim de obter informaes mais

    especificamente voltadas para trabalho de concluso de curso (PEREIRA, 2014), meu

    principal objetivo era compreender que sentidos e marcadores identitrios, relacionados

    ao Poti Velho, eram acionados, na memria social do bairro, em narrativas orais,

    prticas cotidianas e extraordinrias, tidas como tradicionais.

    Esta breve construo de minha trajetria de investigao informa ao/a leitor/a

    (apenas) do meu olhar sobre o campo e pouco ou quase nada diz das interaes

    cotidianas travadas entre pesquisador/a e sujeitos/as da pesquisa. Cabe lembrar que ao

    pesquisarmos, se, por uma mo, elaboramos teorias e construmos significados sobre os

    sujeitos abordados, por outra, o polo pesquisado tambm interpreta e significa, pelos

    seus prismas, o polo pesquisador. Cunegatto, Rocha e Eckert (2005) afirmam que, por

    mais que ns, antroplogos, socilogos ou politiclogos, expliquemos quem somos, o

    que queremos e o que fazemos, os sentidos que nos so atribudos pelos sujeitos da

    pesquisa nem sempre so condizentes com aqueles que verbalizamos. Nesta perspectiva,

    centro aqui a anlise na comparao entre os momentos de entrevista (mais

    formalizados) e conversaes livres, enfim, comparo esses diferentes tipos de

    dilogos (CRAPANZANO, 1988) estabelecidos no campo. Assim, penso que, a

    1 Bacharel em Cincias Sociais pela Universidade Federal do Piau (2014); aprovado para o mestrado em

    Antropologia Social da Universidade de Braslia, com incio previsto para o primeiro semestre de 2015. E-mail: [email protected]

  • depender do tipo de comunicao travado, determinados caracteres do lcus de pesquisa

    podem ser ou no revelados, alm de apontar para como (dentro de um campo

    assimtrico de foras) pesquisador/a e sujeito/a de pesquisa constroem-se

    reciprocamente.

    OBJETIVOS

    A finalidade desta comunicao , por um lado, mostrar de que maneira os

    diferentes modos de dilogos e interaes estabelecidos entre os polos pesquisador e

    pesquisado no mbito do trabalho etnogrfico interferem na qualidade e no tipo de

    informaes obtidas pelo/a antroplogo/a; por outro, procuramos evidenciar que estas

    interaes apontam para como o/a sujeito/a de pesquisa entende o/a pesquisador/a , e

    vice versa. Assim, acreditamos fornecer elementos para se pensar a situao do/a

    antroplogo/a na prtica de seu ofcio e certas relaes de poder presentes no campo.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    Trabalhar o tema discutido neste paper foi algo somente decidido a posteriori do

    trabalho de campo. Contudo, podemos dizer que o material aqui apresentado e analisado

    foi pensado por meio de uma abordagem terico- metodolgica de base etnogrfica.2

    Diversas tcnicas de pesquisa, como observao participante (FOOT-WHYTE, 1990),

    conversas no cotidiano (SPINK, 2000) e entrevistas, contriburam de maneira particular

    neste trabalho.

    CONSIDERAES FINAIS

    O Poti Velho, (re) conhecido como o bairro mais antigo de Teresina (PI),

    localiza-se na confluncia de dois rios da Bacia Hidrogrfica Parnaibana: o Parnaba e o

    Poti. Neste contexto, prticas como o artesanato cermico, a pesca e o trabalha nas

    olarias da regio funcionam como espcies de operadores simblicos (CARDOSO DE

    OLIVEIRA, 2006) no sentido de conferir ao lugar caracteres identitrios particulares,

    que iro (de) marcar diferenas (e construir simblica e identidariamente) o Poti em

    oposio aos outros bairros da cidade. No intuito de identificar estes marcadores

    identitrios (pesca, artesanato e olarias) anteriormente citados, uma pergunta sempre

    feita em quase todas as entrevistas era: existe alguma diferena entre o Poti Velho e os

    outros bairros de Teresina? Todas as respostas eram positivas e, assim, eu indagava

    novamente: o que faz do Poti um bairro diferente dos outros? Para minha surpresa, a

    maioria das respostas eram enfticas: o atraso e a decadncia scio-poltico-econmico-

    2 Sobre o posicionamento de encarar a etnografia no como um mtodo, meramente, mas, tambm,

    como substrato terico da pesquisa antropolgica, ver Peirano (2014).

  • cultural. O Poti como lcus da pobreza, conforme j falamos em outra oportunidade

    (MORAES e PEREIRA, 2012; MORAES, 2013). Moradores/as lembravam-me, ento,

    os problemas do bairro um a um: ausncia de mercados, supermercados, correios e

    casas lotricas; decadncia dos grupos de bumba-meu-boi do bairro que no mais se

    apresentam e dos festejos que a cada ano pareciam mais fracos, etc. Constataes que,

    em ltima instncia, agenciavam uma representao agnica da vida no bairro, fadado

    ao declnio e ao atraso econmico e social quando contrastado com outros lugares da

    cidade. Elementos de uma identidade negativa que- graas ao formato entrevista de

    comunicao- permitiram-me captar frices internas dentro do prprio bairro,

    expressas, por exemplo, atravs da categoria potizeiro.

    Os diacrticos definidores de identidades relacionadas ao Poti Velho foram mais

    acessveis a mim durante a convivncia com moradores/as do bairro, em conversas

    cotidianas, bingos e aniversrios para os quais fui convidado no decorrer do campo e

    etc, do que nas entrevistas com tpicos-guia. Porm vale ressaltar que as entrevistas -

    apesar de mais formais que as conversaes livres no cotidiano e, assim como a

    pesquisa de modo geral, estruturadas atravs de uma relao hierrquica desigual entre

    os polos pesquisador e pesquisado (onde a este ltimo cabe aceitar as normas e o

    formato do jogo, caso queira participar)3- so regidas por regras semelhantes s que

    orientam as interaes sociais cotidianas (GOFFMAN, 1985). Neste sentido, quando

    deparados com este tipo de comunicao mais formalizado do trabalho etnogrfico,

    notamos nitidamente que a atuao de nossos interlocutores corresponde maneira

    como eles leem e interpretam as impresses manipuladas por ns no campo. Se na

    Cooperativa de Artesanato do Poti Velho, onde iniciei pesquisa, era entendido e

    apresentado como um um rapaz da universidade que est pesquisando para escrever

    um livro ou, simplesmente, o rapaz que convive com a gente na cooperativa, quando

    me aventurei por outros domnios do bairro era, no raro, entendido como fotgrafo,

    3 Contudo, mesmo possuindo certo poder sobre a fala e o dilogo (seja ele uma conversa livre ou uma

    entrevista formal) no campo, este empoderamento do antroplogo sobre a comunicao, a representao e a (re) contextualizao das conversaes travadas com os nativos no total. Isto porque, uma vez iniciadas, transaes verbais seguem um fluxo prprio impossvel de ser contido por qualquer uma das partes envolvidas na ao. Assim, para alm do dilogo primrio travado entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa, existem dilogos ocultos, pois entabulados por estes dois polos com interlocutores invisveis: amigos, personalidades influentes, enfim, qualquer pessoa ou teoria que, no presentes na conversa, permitem aos partcipes uma atitude reflexiva para com o dilogo em curso. Estes dilogos ocultos, no raro, ocorrem simultaneamente conversao primria e trazem tona interferncias externas transao verbal em si e s pessoas nela envolvidas (CRAPANZANO, 1988). Para mais detalhes sobre esta reflexo ver Crapanzano (1988).

  • jornalista e at mesmo seminarista. Esta ltima representao, descobri, devido s

    sandlias de couro que frequentemente utilizava.

    Em suma, nos limites deste resumo expandido, procurei evidenciar como o

    processo de fazer pesquisa nas cincias sociais (e em particular na antropologia)

    diretamente marcado pela maneira como se d as interaes entre os polos pesquisador

    e pesquisado.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Caminhos da identidade: ensaios sobre identidade e

    multiculturalismo. So Paulo: Editora Unesp; Braslia: Paralelo 15, 2006.

    CRAPANZANO, Vincent. Dilogo. In: Anurio Antropolgico/88. Braslia, Ed.

    Universidade de Braslia, 199, pp. 59-80.

    CUNEGATTO, T.; ROCHA, A. L. C.; ECKERT, C. As tcnicas corporais e o fazer

    antropolgico: questes de gnero no trabalho de campo. Revista Iluminuras -

    Publicao Eletrnica do Banco de Imagens e Efeitos Visuais -

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    (Org.) Desvendando mscaras sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990, pp. 77-86.

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    concluso de curso. (Curso de Formao de Gestores Culturais dos Estados do

    Nordeste). Universidade Federal Rural de Pernambuco/ Fundao Joaquim Nabuco/

    Ministrio da Cultura. Recife: UFRPE/ FUNDAJ/ MEC, 2013.

    MORAES, M. D. C.; PEREIRA, L C. Poti Velho: espaos, tempos, e itinerrios de uma

    comunidade pesqueira e oleira em Teresina-PI. Trabalho apresentado no Encontro

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    Teresina.

    PEIRANO. M. NO PRELO. Etnografia no mtodo. Horizontes Antropolgicos n. 42,

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    PEREIRA, L. C. A canoa, o barro e o santo: memria e marcadores identitrios no Poti

    Velho, Teresina-PI. Monografia de Concluso de Curso. (Curso de Bacharelado em

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    Paulo: Cortez Editora, 2000.