Antropologia Urbana - Visita Ao Cemitério

  • Upload
    camilla

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 Antropologia Urbana - Visita Ao Cemitrio

    1/3

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SO FRANCISCO

    CAMILLA TAUNI FERREIRA TAVARES

    VISITA CIDADE DOS MORTOS RELATRIO DE CAMPO

    De incio preciso confessar a preocupao que me abateu ao sair de casa, mas mesmo

    com toda insegurana, segui.

    Ao descer do nibus em Juazeiro BA, e dobrar a esquina da rua que d acesso ao

    cemitrio, a!go " me c#amou a ateno. De um !ado um rapaz pr$%imo a um camin#o

    &endia f!ores, e do outro !ado um sen#or &endendo &e!as, os discursos eram c#amati&os e ao

    segundo &endedor eu me rendi e comprei dois pacotes de &e!as.

    'nquanto camin#a&a, ao !ado de um casa! de idosos com um ba!de na mo e

    apetrec#os que tambm indica&am a sua ida ao cemitrio, fazia em min#a cabea a contagem

    de quantas &e!as iria acender e para quem acender. J bem pr$%imo ( entrada principa! do

    cemitrio me &i assistindo a mesma cena que a pouco obser&ara na esquina, porm, agora com

    um n)mero maior de &endedores e mercadorias.

    Ao c#egar de fato ao !oca!, parei no porto e obser&ei um pouco do mo&imento que

    se passa&a ao !ado de fora e por a!guns minutos fiquei o!#ando o padre com suas &estes de cor

    preta, di&idindo a sua ateno entre os ob"etos que retira&a do carro e as pessoas que iam

    cumpriment*!o.

    'm seguida entrei, muitas pessoas " #a&iam c#egado, a!gumas sen#oras " sentadas

    ( espera da ce!ebrao da missa e enquanto uma mu!#er ao microfone !ia uma enorme !ista

    contendo os nomes de pessoas fa!ecidas, eu seguia camin#ando, quando de repente fuiabordada por uma "o&em da igre"a Ad&entista do + Dia, como sua b!usa a identifica&a, e sem

    nada fa!ar &eio me entregar um !i&ro que educadamente recebi, mas confesso que no fo!#eei,

    apenas guardei na bo!sa e prossegui.

    -asseando por entre os t)mu!os, em a!gumas situaes senti dificu!dade em acessar

    certos !ocais, os espaos estreitos e pedaos de cimento espa!#ados pe!o c#o me fez buscar

    outra maneira de ir mais adiante, foi ento quando notei que uma sen#ora a!isa&a uma !pide

    com uma de!icadeza to emocionante, me senti tocada pe!os mo&imentos daque!as mos, mas

    todo aque!e gesto era uma tentati&a de tocar a fi!#a que a pouco perdera. /omentos depois &i

  • 7/23/2019 Antropologia Urbana - Visita Ao Cemitrio

    2/3

    uma moa c#orar desconso!adamente, ao seu !ado de um "o&em, que com um abrao a

    afaga&a. 0utras faces que ao !ongo do percurso fui encontrando e%pressa&am serenidade,

    como se o tempo ti&esse cumprido seu ofcio de curandeiro.

    1ontinuando a camin#ada pude perceber o grande contraste entre aque!as di&ersas

    arquiteturas. 'm a!guns era impressionante a riqueza de deta!#es, a qua!idade dos mrmores,

    os adesi&os com fotos que de!icadamente preenc#ia todas as cer2micas do "azigo, em outros,

    cimentos enfraquecidos pe!o so! e pe!o tempo, cruzes derrubadas, um amontoado de terras

    identificando que sob aque!a simp!icidade # os restos mortais uma pessoa, e a!guns

    simp!esmente abandonados, ser&indo apenas de deposito de entu!#os.

    /as a!go em especia! me c#amou a ateno, os epitfios. /uitos eram frases dos

    !i&ros da bb!ia, mensagens como, 3Descanse em paz4, 30 5a!mo 674, 35audades 'ternas4,

    mas outros pareciam de fato dizer a!go sobre a pessoa que a!i se encontra&a, como por

    e%emp!o8 39oc: foi um e%emp!o de empresrio e empreendedor... sua obra ser continuada4,

    39oc: no gosta&a de baru!#o, e te&e uma morte si!enciosa e ca!ma, do "eito que queria...4. Ao

    !er esses escritos, por um instante, mesmo que de maneira equi&ocada, eu consegui deca!car a

    pessoa que esta&a naque!a !pide, uma sensao curiosa, ta!&ez a mesma despertada pe!os

    !i&ros ao descre&erem seus personagens.

    Depois de ter camin#ado um pouco parei diante de uma !pide que me c#amou a

    ateno, pois ne!a esta&a gra&ada o mesmo nome do meu a& e com mesma data de

    nascimento, e foi ai ento que &eio um menino, sa!&o engano, no&e anos, se apro%imou e

    disse8 * A sen#ora que dar uma !a&adin#a a; 5$ ento percebi que a!gumas crianas e "o&ens

    no esta&am apenas !a&ando os t)mu!os dos seus entes queridos, mas tambm gan#ando uns

    trocados. ' me &eio ( mente o seguinte pensamento8 3'm meio a esse cenrio triste e

    irre&ers&e! que a morte, # &idas em busca de continuao4.

    J me sentindo desconfort&e! pe!o so!, &o!tei ao !oca! da missa, e continuei a

    obser&ar, mas agora amparada pe!as sombras das r&ores. ' em meio ao cansao, muitas

    pessoas fizeram das !pides seus assentos, uma sen#ora passou ma! pe!o ca!or e

  • 7/23/2019 Antropologia Urbana - Visita Ao Cemitrio

    3/3

    simb$!ica !e&ar !uz aos fa!ecidos. Ap$s esse momento desci a rua a camin#o do ponto de

    nibus, quando ento fui surpreendida de modo encantador por um desfi!e com #omens

    &estidos com roupas de cores branca e azu!, tocando, cantando e carregando uma bandeira

    com uma imagem, que s$ depois fiquei sabendo que eram os 31ongos4, uma manifestao

    re!igiosa e cu!tura! mara&i!#osa que fina!izou aque!a min#a e%peri:ncia de maneira

    sensaciona!, fazendo com que os meus o!#os sassem do sepu!cro do $b&io e en%ergasse as

    in)meras possibi!idades.