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“Promoção e fortalecimento da cadeia produtiva do Pinhão na serra catarinense, tendo como

protagonista a Agricultura familiar agroecológica e como mote a agregação de valor e o

fortalecimento de mercados sustentáveis”

Projeto Funbio:

Contrato TFCA - FUNBIO nº 057/2013

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FAZERES E SABERES NO MANEJO DA ARAUCÁRIA NO PLANALTO SERRANO CATARINENSE

Autores:Rodrigo Ozelame da SilvaGestor Ambiental Especialista em Educação MeioAmbiente e Desenvolvimento (MADE). Centro Vianei.

Walter Steenbock

João Natal Magnanti Pedagogo e engenheiro agrônomo, mestre em ciências do solo, doutorando em agroecos-sistemas (PGA-UFSC), coordenador de projetos do Centro Vianei de Educação Popular.

Eliane dos ReisPresidente da Cooperativa Ecológica Ecoserra, líder do Convívio do Pinhão da Serra Catari-nense e Referente da Fortaleza do Pinhão.

Fotos:Eliane dos ReisSimone Aparecida PereiraRodrigo Ozelame da Silva

Diagramação:Super Nova Comunicação

Impressão:Impressora Mayer Ltda.

Lages – SC 2015

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PRIMEIRAS PALAVRASOnde estamosConservação através do uso

CONSERVANDO (E USANDO) A ARAUCÁRIA Como esse capítulo foi feito e o que queremos com ele? Quem é a AraucáriaPlantar AraucáriasSistema de plantio trabalhando junto com a formação da florestaSistema de plantio através de sementes e mudasManejar fazendo poda e raleio como acontece na florestaColher apenas pinhas maduras e deixar algumas para os bichos Debulhar e armazenar o pinhão com qualidadePriorizar a soberania alimentar e comercializar o excessoTroca de saberes Conclusão

PARA PENSAR EM ACORDOS E LEISA gente chama só de lei, mas são muitos tipos de “Instrumentos Legais” O pinhão na legislação ambiental

JUNTANDO MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O PINHÃO...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SUMÁRIO

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111213151517212225303132

333540

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Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há

sempre o que ensinar, há sempre o que aprender.

Paulo Freire

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A expressão “Primeiras Pala-vras” é uma analogia e uma home-nagem a Paulo Freire que costu-mava usar a mesma expressão no início de suas obras. É buscando seguir seus ensinamentos de como contribuir para construção de su-jeitos que se fez este material.

Seu objetivo é socializar al-guns elementos da relação que mulheres e homens têm com o pinheiro Araucária1 na região do Planalto Serrano Catarinense, apresentando algumas técnicas de manejo que ajudam a conser-vação da espécie através do uso. São também trazidas informações quanto à legislação de uso do pi-nhão e da Araucária, e de como está sendo construída uma pesqui-sa a respeito da cadeia produtiva do pinhão na serra catarinense.

Este material é resultado do acúmulo de saberes e fazeres de agricultores e agricultoras das associações, grupos e cooperati-vas de agricultores familiares da Região do Planalto Serrano Cata-rinense e de instituições como a Rede Ecovida de Agroecologia, a Cooperativa Ecoserra e o Centro Vianei de Educação Popular, entre outras. Este manual foi construído com o apoio do Projeto “Promo-ção e fortalecimento da cadeia produtiva do pinhão na Serra Cata-

PRIMEIRAS PALAVRAS

rinense, tendo como protagonista a Agricultura Familiar Agroecoló-gica e como mote a agregação de valor e o fortalecimento de merca-dos sustentáveis” em que o Tropi-cal Forest Conservation Act (TFCA) é o financiador, o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) o gestor dos recursos e o Centro Via-nei o executor.

1 - Os termos Araucária, Pi-nheiro, Pinheiro Brasileiro, Pi-nheiro do Paraná ou Araucaria angustifolia são considerados sinônimos. Cabe ressaltar que neste documento a palavra Araucária está relacionada não apenas à “árvore”, mas também à pinha, à semente e a todos os aspectos socioam-bientais que ela representa.

7Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Os saberes e fazeres que compõem este material são provenientes da área de abrangência do Núcleo Planalto Serrano, vinculado à Rede Eco-vida de Agroecologia. Tal núcleo é composto por mais de 30 organizações, entre cooperativas, associações, grupos de mulheres e assentados da re-forma agrária. Estas instituições estão inseridas em 15 municípios

Onde estamos

01 - Alfredo Wagner02 - Anita Garibaldi03 - Bocaina do Sul04 - Bom Retiro

05 - Celso Ramos06 - Cerro Negro07 - Correia Pinto08 - Curitibanos

09 - Lages10 - Otacílio Costa11 - Painel12 - São Joaquim

13 - São José do Cerrito14 - Urubici15 - Urupema

Mapa de Abrangência

Todas as organizações do Núcleo Planalto Serrano de Agro-ecologia fazem parte da Floresta de Araucária (ou Floresta Ombró-fila Mista- FOM, ou Floresta dos Pinhais). Este tipo de vegetação ocorre principalmente nos Esta-dos de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul e em quantida-de menor no Sul do Estado de São Paulo e na Província de Missiones, na Argentina.

Embora seja uma floresta do-minada pela Araucária, já que esta espécie representa mais de 40% das árvores, diversas plantas e animais só existem nesta floresta, como é o caso da canela sassafrás, do xaxim e do papagaio charão.

A Floresta de Araucária já teve uma área maior do que a que ve-mos hoje. Em Santa Catarina, por exemplo, ela cobria 42,5% do Esta-do, ocupando uma área de 40.807

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Do pouco que resta desta floresta, a maior parte está localizada em áreas de povos e comunidades tradicionais, como áreas indígenas, faxi-nais, comunidades quilombolas, ervais e caívas de agricultores familiares.

Assim, essas áreas de floresta não estão lá por acaso, mas por causa do cuidado dessas comunidades com a Araucária.

km². Hoje, resta algo em torno de 3% a 5% da área original, separada em pequenas “manchas”. Todavia, apenas 0,7% tem um formato parecido com o que era a floresta há algumas centenas de anos.

Mapa dos remanescentes florestais de Santa Catarina. A esquerda a quantidade de floresta que existia original-mente no Estado de Santa Catarina. Abaixo o que resta atualmente.

Fonte: “Atlas 2008” (Fundação SOS Mata Atlântica 2009), In: Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina Volume III (VI-BRANS, A. C. ET AL, 2013).

9Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Algumas palavras têm “histó-rias”. Por isso entender de onde se origina uma palavra pode ajudar a valorizar e espalhar certo tipo de comportamento, ideologia e rela-ções com a natureza.

Um exemplo são as palavras conservar e preservar. Elas são parecidas e muitas vezes são di-tas para as mesmas situações. No entanto, ao conhecer a história de cada uma, vemos muita diferença entre elas.

Quando dizemos “Preservar a Floresta de Araucária”, estamos nos referindo a um modo de nos relacionarmos com a floresta que tem como principal característica retirar ou diminuir muito as ati-vidades humanas neste espaço. Ou seja, preserva-se um espaço sem gente dentro. Este modelo tem contribuído para a lógica do “tudo pode” em alguns locais e “nada pode” em outros. Exemplo disso é o aumento do plantio de monoculturas em grandes áreas com o uso intensivo de veneno em troca de deixar intactas pe-quenas áreas com floresta sem gente dentro.

Já falar em “Conservar a Flo-resta de Araucária” tem, em sua essência, a intenção de manter homens e mulheres em constan-te relação com o ambiente. Neste

modelo se busca conciliar produ-ção com conservação. Gentes e florestas. Ou seja, busca-se con-servar a Araucária e todas as re-lações sociais e culturais que seu uso representa.

É assim, afinal, que ainda se mantém a maior parte das flores-tas de Araucária que existem hoje. A gente conserva aquilo que tem valor. Não só valor comercial, mas aquilo que a gente acha bom, que acha belo, que a gente acha im-portante e, principalmente, que faz parte da gente.

É dentro deste contexto que o próximo capítulo vai tratar de como é o sistema de Manejo praticado na Araucária na região do Planalto Serrano Catarinense, manejo esse que contribui para a conservação desta árvore e de ou-tros fatores ambientais e sociais.

Agricultor Ricardo Rosa Sobrinho, retirando pinhas de uma Araucária. Grupo Agroecoló-gico Coração da Serra. Painel –SC.

Conservação através do uso

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Tem uma área no sitio que minha mãe plantou três pinhões. Dois deles viraram árvores. Um é macho e a outra é fêmea. A fêmea já produziu

182 pinhas grandes num mesmo ano.E eu já deixei avisado que filho meu, neto ou bisne-

to tá proibido de derrubar ela. E você sabe por que? Quase todo mundo diz que é por causa da quantidade de pi-

nhas, mas não é. Eu gosto que ela produza bem, mas o que faz eu não querer cortar ela é a lembrança que tenho de minha mãe ao ver a Araucária que ela plantou.

Agricultor Orlando Ribeiro. Grupo Agroecológico Terra Jovem

Bocaina do Sul- SC.

CONSERVANDO (E USANDO) A ARAUCÁRIA

Agricultores Agenor Scarabelot, de Bom Retiro e Orlando Ribeiro, de Bocaína do Sul.

11Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Este capitulo tem a finalida-de de apresentar algumas boas práticas que as Agricultoras e Agricultores do Planalto Serra-no utilizam para conservação da Araucária através de seu uso.

Para elaborar este capítu-lo, durante reuniões de equipe, parceiros e beneficiários do Pro-jeto “Promoção e fortalecimento da cadeia produtiva do pinhão na Serra Catarinense” decidiram que a primeira etapa seria acom-panhar e anotar alguns saberes e fazeres de grupos e famílias du-rante algumas ações do projeto. O próximo passo foi identificar agricultores(as) e comunidades com bastante conhecimento em

manejo da Araucária, junto aos quais foram realizadas entrevis-tas mais detalhadas.

À medida que as informa-ções foram sendo organizadas, elas foram “juntadas em grupos de ações parecidas”. Com isso, foi possível identificar quais os “con-juntos de ações parecidas” ou, em outras palavras, quais são as eta-pas para realizar um bom manejo da Araucária, segundo os saberes e fazeres dos Agricultores do Pla-nalto Serrano Catarinense.

Como o protagonismo desta seção é dos agricultores(as) que socializaram suas experiências, haverá, em destaque, vários de-poimentos apresentados por eles sobre como é o funcionamento de alguns processos, sistematizados pelos autores.

Agricultores do Grupo Agroecológico Cora-ção da Serra – Painel (SC), durante uma ati-vidade do projeto FUNBIO que tinha como objetivo coletar informações que origina-ram esse material.

Agricultores do Grupo Agroecológico Co-ração da Serra – Painel (SC), realizam uma tradicional sapecada de pinhão durante uma atividade do projeto FUNBIO.

Como esse capítulo foi feito e o que queremos com ele?

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Atualmente, existem diversos livros, vídeos e pesquisas sobre a Araucária. Algumas informações são parecidas ou complementares. Outras trazem elementos diferen-tes sobre o mesmo assunto.

Dentro deste contexto, os saberes que iremos apresentar

A Araucária é uma plan-ta que tem macho e fêmea. O

macho solta um tipo de pólen lá pelo mês de setembro. Isso dura uns 20 dias. Se for um dia de garoa, o pólen fica parecendo uma nuvem escura do tanto que solta. Na fêmea fica as pinhas. Uma pinha demora 2 anos para ficar no ponto de colher. Tem fêmea que começa a pro-duzir com oito ou nove anos. Mas a maioria vai produzir lá pelos doze anos. É complicado dizer o quanto cada uma produz, tem ano que produz pouco e tem ano que tem bastante. Mas pra gente ela representa uma grande parte de nossa renda.

Agricultor Silvino de Liz Rosa Grupo Agroecológico Coração da Serra

Painel – SC.

sobre a Araucária não pretendem ser mais ou menos corretos do que os outros saberes. Apenas de-sejamos que eles sejam conheci-dos e valorizados.

Uma boa caracterização da Araucária é feita pelo senhor Sil-vino:

Outra informação importan-te é que nem todas as Araucárias produzem o mesmo tipo de pi-nhão. Os Agricultores na região identificaram 5 tipos diferentes:

"Pinhão 25 de Março" ou "Pi-nhão do Cedo", "Pinhão da Épo-ca Certa", "Pinhão Caiuvá Preto", "Pinhão Caiuvá Branco" e "Pinhão Macaco".

Quem é a Araucária

13Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Gráfico média da estimativa de produção de pinhas por ano

Gráfico 1: Variação da produção de pinhas de uma Araucária segundo os Grupos Agroecoló-gicos Terra Nativa e Coração da Serra de Painel-SC.

Em relação à produção da Araucária, o senhor Edson explica como é complicado saber a quantidade de pinhão que vai ter por safra.

Embora ainda seja uma infor-mação polêmica, em conjunto com os Grupos Agroecológicos Terra Nativa e Coração da Serra, do mu-

Tem muita coisa que influencia na produção da Araucária. Se chove muito ou pouco, se tem ou não tem vento quando o macho solta pólen... Se chove pedra quan-do a flor tá pequena... Se faz uns calorão naquele ano ou não... Por isso não dá pra dar certeza. Mas o normal é produzir um ano bom e ir diminuindo nos próxi-mos três anos. Depois volta a ser bom e vai diminuindo por mais três anos. Isso acontece por manchas. As vezes uma co-munidade tá num ano bom e a outra tá num ano ruim.

Agricultor Edson OrtizGrupo Agroecológico Terra Nativa.

Painel – SC.

nicípio de Painel-SC, foi construída uma estimativa de produção de uma Araucária “média” e como é a variação no decorrer dos anos.

Agricultor Edson Ortiz. Grupo Agroecológi-co Terra Nativa. Painel, SC.

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É importante lembrar que essa variação depende muito das condições ambientais. Por isso quando a temperatura, quanti-

dade de chuva, granizo e vento é muito diferente do que acontece na maioria dos anos, a produção também se altera.

A primeira etapa do conjunto de boas práticas identificadas é plantar Araucária. No Planalto Serrano Catarinense, foram identificadas duas es-tratégias para o plantio. Uma vinculada ao plantio de mudas ou sementes e outra referente ao trabalho em conjunto com formação da floresta. No entanto, tais modelos não são antagônicos. Ao contrário, um potencializa o outro e não raro as duas táticas são utilizadas em conjunto.

Plantar Araucárias

Levar mudas de Araucária pode ser, em algumas comunidades, um tanto polêmico. É comum escutar a seguinte frase: “Eu não preciso plan-tar por que a gralha planta pra mim”.

No entanto, ao acompanhar o cotidiano das comunidades pode-se perceber que este tipo de resposta guarda outras informações, que com-põem o que chamamos de Sistema de Plantio Trabalhando junto com a Formação da Floresta, como indica o trecho a seguir:

Sistema de plantio trabalhando junto com a formação da floresta

Agricultora Valsíria Ribeiro, da Associação Ecológica Renascer – Urubici (SC).

15Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Numa bola a gralha planta uma montoeira de Araucária. A gralha planta na podridão da madeira. Onde a terra é bem preta e bem fofinha. Por isso ali não falha um! Por isso que tem um monte de pinhei-ro perto. Depois de mais ou menos 1(um) ano (10-20 cm de altura da Araucária), quando a gente passa e vê a gente tira os menores, e deixas os mais viçosos.

Nos mais viçosos tem que tirar os galhos de bai-xo e os galhos secos. Os galhos secos eu coloco no chão, ao redor da Araucária mais viçosa.

A gente repete isso mais vezes. Não dá pra dizer de quanto em quanto tempo. Isso depende do tipo do terreno e da quantidade que eu quero que fique. Mas sempre que a Araucária fica meio junta, quan-do o galho de uma encosta no galho da outra é por que tá na hora de ralear. Mas nas mais viçosas tem sempre que tirar os galhos secos de baixo.

Isso é fácil de comparar: Num local onde tem duas Araucárias com tamanho parecido você tira os galhos secos de baixo de uma Araucária e da outra não. Em um ano, não dá pra dizer que elas tinham o mesmo tamanho.

“Falas Perigosas”Agricultores do Núcleo Planalto Serrano Catarinense

Portanto, é a gralha (e os outros animais) que plantam o pinhão. Mas é a mão do homem e da mulher que potencializa a regeneração natural escolhendo as “Araucárias mais viçosas” e fazendo nelas podas de tempos em tempos. Também se coloca de modo intencional e ordenado o material podado na Araucária mais bonita. Ou seja, neste sis-tema de plantio, muito embora não ocorra o plantio em linha de

mudas ou sementes, há uma forte intervenção humana que entende o caminho que a natureza faz para formação de florestas e se insere neste processo, manejando o am-biente de tal forma que se concilia conservação e produção.

Apesar disso, a legislação atu-al ainda não criou caminhos pos-síveis para esta prática. É preciso que, cada vez mais, experiências como essa sejam vistas e conside-radas para melhorar a legislação.

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Local onde a gralha azul (e outros ani-mais) plantaram uma grande quantida-de de Araucária, há cerca um ano.

Manejo realizado na Araucária escolhida. Neste caso está se acelerando o desenvol-vimento ao retirar os galhos que come-çam a ficar secos e cairiam naturalmente.

Galhos secos colocados ao redor da Araucária que apresentava melhores condições de chegar a ser uma árvore adulta.

Agrupamento de Araucárias plantadas pela Fauna. O agricultor indica o tipo de manejo a ser feito: o raleio. As maiores plantas já foram selecionadas de acordo com a regeneração natural e podadas.

Outro sistema de plantio é o uso de sementes e mudas de Araucá-rias. Esse é o modelo mais divulgado, e os agricultores da região do Pla-nalto Serrano Catarinense construíram diversas estratégias para melhorar esse processo.

Uma delas que consideramos uma boa prática é a troca de sementes e mudas entre os agricultores, como indica o trecho a seguir:

Sistema de plantio através de sementes e mudas

17Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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A gente sabe que é im-portante trocar sementes, plantar umas mudas de fora para dar uma enriquecida no “sangue” do pinheiro. Em vários anos a Simone Pereira (Técnica do Centro Vianei) trouxe umas sementes de pinhão de fora e le-vou umas daqui. Nem todo ano dá pra fazer isso, mas quando dá a gente tem que fazer.

Agricultora Teresina Oliveira PereiraGrupo Agroecológico Rincão do Tigre

São Joaquim – SC.

A escolha do local do plantio, principalmente quando se trabalha com sementes, também é importante. E seguindo os saberes identifica-dos neste manual, a natureza ensina onde é um bom lugar.

Numa caminhada em uma capoeira fina, é fácil de perceber onde a gralha

planta a semente. É embai-xo de galhos podres onde a

terra tá preta, bem fofa, cheia de bicho no solo. Se a gralha que não é boba planta ali, é por que a gente tem que plantar ali tam-bém.

Agricultor Iran Fogaça de SouzaGrupo Agroecológico Orgânicos Serrano

São José do Cerrito – SC.

Iran Fogaça, mostra como é o solo em que a gralha azul planta o pinhão.

Quando se escolhe plantar a Araucária com sementes, seja no saqui-nho de mudas ou direto no solo, uma dica importante é a maneira que o pinhão deve ser plantado.

Manoel e Teresa do Grupo Agroecológico Rin-cão do Tigre – São Joaquim (SC).

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Há alguns anos a gente começou a

fazer muda de Arau-cária. No saquinho

você deve colocar o pinhão de pé, igual a gralha azul coloca. Outra coisa impor-tante é tirar aquela ponta do pinheiro.

Valsíria RibeiroAssociação Agroecológica Renascer

Urubici – SC.

A agricultora Valsíria com uma muda de Araucária. Ao Lado indicação de como ela planta o pinhão e a parte que deve ser cortada.

Outra prática utilizada pelos Agricultores do Planalto Serrano é o enxerto da Araucária. Esta prá-tica foi criada por pesquisadores do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal do Paraná. Embora a técnica não tenha sido

desenvolvida na região, recente-mente ela passou a ser mais uma ferramenta que possibilita conser-var a espécie através de seu uso.

Um agricultor que já pratica a enxertia explica como ela fun-ciona.

O enxerto é uma coisa bem simples. Você identifica uma fêmea dadeira de pinhão bom, e tira a ponta ou uma rebrota dela. Daí

você encontra uma muda de Araucária de mais ou menos 90 cen-tímetros, que vai ser o cavalo, e amarra na ponta dela a ponta que

foi retirada da Araucária dadeira de pinhão bom. Depois de um mês, se o pedacinho que você colocou no cavalo ainda estiver verde quer dizer que o enxerto pegou. Daí é desamarrar, cortar a ponta do cavalo e es-perar rebrotar. Depois é só ir manejando, tirando os brotos do cavalo e deixando os brotos do pedacinho da Araucária que foi enxertado. O Dr. lá do vídeo, disse que com 8(oito) anos ela já produz. O que eu gosto dessa técnica não é o pinheiro produzir pinhão mais cedo. Mas a cer-teza que aquela árvore é uma fêmea dadeira de pinhão bom. Também posso escolher ter pinhão produzindo em época diferente se for o caso.

Agricultor José Ribeiro Associação Agroecológica Renascer

Urubici – SC.

19Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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O agricultor José Ribeiro da Associação Renascer, de Urubici (SC) – identifica uma Araucária com boa produtividade.

Indicação do local de onde deve ser retira-do o pedaço para a enxertia. Note-se que no caso da Araucária escolhida, como ela possuiu rebrotas não é preciso retirar ma-terial da ponteira da árvore.

Araucária com cerca de 90 centímetros que será enxertada.

Inserção do pedaço retirado da Araucária adulta no "cavalo". Para isso deve-se fazer um pequeno corte no "cavalo" e amarar a rebrota da Araucária adulta.

Retirada do material enxertado e indicação do local onde deve ser feito o corte para que aconteça a rebrota.

É Importante prio-rizar a retirada de rebrotas para rea-lizar a enxertia. Uma porque é mais fácil do que subir numa árvore boa para tirar a ponta. Outra porque tirar a ponta (meristema api-cal) inviabiliza a continuidade do crescimento em altura, e pode ser visto como crime ambiental.

É possível adquirir uma vídeo-aula do processo de enxertia no endereço eletrônico:www.videopar.com.br/produto/1220-enxertia-de-araucaria. Ou pelo telefone (41) 3223-7944

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O raleio da Araucária é uma boa prática no manejo. Porém em vir-tude da legislação, os agricultores não fazem esta prática há algum anos.

Note-se que fazer raleios e podas são elementos principais para plantar Araucárias de acordo com o Sistema de Plantio Trabalhando jun-to com a Formação da Floresta, conforme indica a fala a seguir.

Manejar fazendo poda e raleio como acontece na floresta

Uma coisa que dificulta muito a vida da gente é essa lei que não deixa a gente fazer o manejo. Fazer o manejo não é tirar tudo. É saber que tem hora que você precisa dar uma raleada por que senão sufoca. Pode ver nos matos por ai que quando fica uma Araucária perto da outra ela não desenvolve. Fica uns varão que não sai do lugar. As vezes passa dois, três, quatros, dez anos e elas ficam do mesmo tama-nho. Por isso tem que ralear, abrir luz pra elas crescer.

Outra coisa que tá acontecendo é que hoje ninguém mais deixa vim Araucária pequena. o povo roça quan-do pequena por que senão não vai poder manejar.

“Falas Perigosas”Agricultores do Núcleo Planalto Serrano Catarinense

Essa constatação não é de apenas um ou alguns agricul-tores. É uma constatação geral, inclusive da silvicultura, a ciên-cia do plantio de árvores. Infe-lizmente, a legislação ambiental ainda não permite o manejo da Araucária, pois ela está na lista oficial de espécies ameaçadas de extinção.

Boas práticas de manejo, entretanto, ajudariam a Arau-

cária a sair dessa condição. Por isso, é muito importante a sen-sibilização e a pressão para a mudança da legislação, no sen-tido da viabilização de um ma-nejo adequado para a Araucária, que considere a produtividade e a conservação. No capítulo que trata de legislação, neste manu-al, há maiores informações do funcionamento das leis e acor-dos sociais.

21Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Colher apenas pinhas maduras e deixar algumas para os bichos

Existem diversas fases e téc-nicas para a colheita do pinhão. Porém, dois modelos são bem distintos: subir na Araucária para retirar as pinhas ou usar algum jeito para coletar o pinhão ou a pinha no chão.

Ainda que existam locais onde se colhe o pinhão no chão depois que as pinhas debulham ou se utilizem estilingues, gran-des varas de taquara ou escada

para derrubar as pinhas, a maior produção de pinhão é retirada através da “subida na Araucária”.

No entanto, antes de subir na Araucária para retirada da pi-nha, uma boa prática é identifi-car se a pinha está madura. Para isso, os agricultores indicam as seguintes estratégias:

Para saber se o pinhão tá maduro, em muitas

Araucárias você conse-gue com uma vara tirar

uma pinha. Daí você avalia se já dá pra você tirar ou quantos dias a mais vai levar para você voltar naquela Araucária.

Agricultor José RibeiroAssociação Agroecológica Renascer

Urubici – SC.

Para coletar o Pinhão maduro tem dois jei-tos. Um é ver quando a pinha começa a ficar pin-tada. Ou seja, quando começa a aparecer uns pontinhos marrons no meio do verde. Às vezes isso é mais junto, às vezes mais se-parado. Outro jeito é tirar uma lasca da casca. Se o tronco ficar meio vermelho, é porque o pi-nhão tá maduro.

Agricultor Silvino de Liz RosaGrupo Agroecológico Coração da Serra

Painel – SC.

Pinha da Araucária com pintas marrons indicam que ela está madura.

A legenda pode ser: Pinha pronta para ser retirada.

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O conhecimento das árvores e a experiência de coleta nas áreas tam-bém é muito importante. A seleção de pinhas maduras é uma boa práti-ca de manejo por representar diversos benefícios, tanto comercias como ambientais, conforme indicam os trechos a seguir.

Colher pinha madura é a primeira coisa que

tem que pensar. Rende mais o serviço por que pi-

nhão maduro pesa mais e é mais bonito que o verde. Mas tam-bém por que se você tira todas as pinhas verdes, não dá para os passarinhos nem pensar em co-mer, porque eles sabem esperar o tempo certo e só comem pi-nhão maduro. Depois o cara re-clama que não tem mais pinhão no sítio, mas ele não deixa ne-nhum pras gralhas plantar, não planta e roça os que tão vindo. A gente tem que pensar nisso, pes-quisar como as coisas funciona. Por isso tem que tirar só pinha madura e deixar um tanto pros bichos também.

Agricultor Agenor Scarabelot Grupo Agroecológico Irapuá

Canoas – SC.

Em 2011 o agricultor Agenor Sca-rabelot colheu 380 pinhas em uma única árvore.

Só que no mato que você já trabalha no se-

gundo ou terceiro ano, você já sabe se tá maduro.

Você passa em baixo do pinhei-ro e já sabe se pode subir nele aquela tarde ou pode deixar. Se lá na frente tem um pinheiro que tá mais maduro, posso tirar aquele e voltar tirar esse dois ou três dias depois.

Agricultor Silvino de Liz RosaGrupo Agroecológico Coração da Serra

Painel – SC.

Silvino de Liz indica quais pinhas estão maduras mesmo sem precisar subir na Araucária.

23Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Portanto, colher pinhas ma-duras representa melhor a efi-ciência do serviço pois com um número menor de pinhas você consegue ter um peso e lucro maior do que comercializar pi-nhas verdes.

Também há uma procura maior pelos compradores dos agricultores que têm um pro-duto com melhor qualidade. Além disso, é importante deixar pinhas maduras para os bichos comerem e plantarem Araucária em outros locais. Por isso tudo, colher pinhas maduras e deixar algumas para os bichos é uma boa prática para o manejo da Araucária.

Aprendi a trabalhar colhendo pinhão ma-

duro por que o pinhão verde pesa pouco. Se

você coloca ele no paiol ele vai pesar pouco. Você vai vender um produto preto, feio, escuro e le-viano. Sem massa. Isso além de dar mais trabalho, por que com umas 50, 45 pinhas maduras eu encho um saco de 50 quilos enquanto preciso de umas 70, 80 pinhas verdes para encher o mesmo saco. Além disso, vai me deixar com nome ruim na praça. Ninguém vai querer comprar meu pinhão ou vai pagar um preço muito baixo.

Agricultor José RibeiroAssociação Agroecológica Renascer

Urubici – SC.

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Debulhar e armazenar o pinhão com qualidade

É comum chamar de “subi-dô” a pessoa que sobe na Arau-cária, para tirar as pinhas, e de “camaradas” os que ficam lá em-baixo coletando e armazenando o pinhão.

Depois que o “subidô” ti-rou as pinhas maduras, os “ca-maradas” que ficam embaixo já

Pra falar de armazenamento a gente tem que lembrar que é impor-tante só trazer pinhão maduro. Se por acaso foi retirada sem querer

uma pinha verde lá no mato, tem que separar ela. Por que se você traz pinha verde e madura vai misturar tudo. Fica um pinhão maduro, um

médio e um que nem “leite”. Verdinho, verdinho. O que vai acontecer? O verde vai estragar o maduro. Misturou, acabou com o bom! Outra coisa é a maneira que a gente guarda o pinhão no paiol. A primeira coisa é colocar o pinhão num local apropriado. O bom mesmo é ter um espaço reservado pra guardar o pinhão onde não entra água nem os animais da fazenda.

Também não é bom fazer monte e vender uma vez por mês ou no final da safra. Se você fizer assim, o atravessador vai te judiar. Ele diz que o cliente quer um pinhão novo. Também que lá na frente o pinhão vai ficar preto, escuro. Daí já vai quebrar em preço.

Por isso que o ideal é tirar o pinhão maduro, deixar uns cinco, sete dias descansando para o pinhão sair mais fácil da pinha. Debulhar, ensacar e vender. Só que nem sempre dá pra fazer o ideal. Mas o ideal é fazer assim: de dia coleta o pinhão e no final de semana que os antigos ensinaram que não é bom subir em pinheiro, a gente debulha. Por isso sempre vendemos um pinhão de boa qualidade. Lógico que estoque, principalmente para o consumo, tem que ter. Também não vai dar tempo de debulhar tudo. Por exemplo, se eu vou ter que tirar o pinhão nessa semana e não deu tempo para debulhar, o que eu tirar na semana que vem, eu não misturo com o tirado da semana passada. Quando tiver um tempo, eu debulho o que está mais tempo guardado e vou vendendo. E assim vai.

Agricultor José Ribeiro Associação Agroecológica Renascer

Urubici – SC.

começam o processo de armaze-namento na própria mata. Nor-malmente se coloca as pinhas dentro de sacos ou se acumula num monte que mais tarde será transportado em cavalos, trato-res ou caminhonetes para o paiol, que normalmente fica na sede da Unidade Familiar.

25Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Este processo é muito dinâ-mico e modifica-se de sítio para sí-tio, dependendo da relação entre distância percorrida, mão de obra disponível, produtividade, valor do pinhão naquela safra, principal canal de comercialização, entre outros fatores. De qualquer for-ma, procurar jeitos de debulhar e armazenar o pinhão com qualida-de é uma boa prática, que resume uma série de etapas, envolvendo a seleção das pinhas, a estrutura do local de armazenamento, o tempo e o modo de armazenamento.

Quando as condições socio-ambientais não permitem realizar a boa prática citada pelo senhor José e realizada por vários outros agricultores, ou seja, coletar pinha madura/armazenar por 5 a 7 dias/debulhar/comercializar, uma al-ternativa é fazer o que a família do senhor Gabriel de Oliveira realiza:

Aqui na época da safra a gente prioriza tirar

as pinhas e trazer para o paiol. Só que vamos fa-

zendo três montes: o pinhão do cedo, o pinhão da época certa e do tarde. Depois quando o ser-viço da retirada do pinhão dimi-nui, vamos debulhando e ensa-cando primeiro o pinhão do cedo e depois o do tarde.

Gabriel de Oliveira Grupo Agrocoelógico Coração da Serra

Painel – SC.

Pinhas no ponto para serem debulhadas.

A agricultora Odete de Oliveira e o agricul-tor Gabriel do Grupo Agroecológico Cora-ção da Serra. Ao fundo o armazenamento das pinhas sendo que à esquerda está a pinha do cedo, no meio o pinhão da épo-ca certa e à direita o pinhão do tarde (ou Caiuvá).

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Para debulhar o pinhão po-de-se utilizar basicamente dois jeitos. Com o uso de máquina ou sem. O agricultor Ricardo relata como isso funciona.

Você primeiro deixa as pinhas no monte

e espera dar o tempo certo para ficar mais fácil

de debulhar. Daí você tem duas opções. Usar uma marreta em cima de uma mesa para quebrar a pinha e depois separar as fa-lhas do pinhão ou usar uma má-quina de debulhar. Hoje existem dois tipos de máquinas. Uma mais simples desenvolvida pelos agricultores da região e outra mais moderna que foi criada com base na que tinha aqui. Se o pessoal tem bastante produ-ção, vale a pena arrumar uma máquina porque ajuda bastante no serviço.

Agricultor Ricardo Rosa Sobrinho Grupo Agroecológico Coração da Serra

Painel – SC.

Máquina de debulhar o pinhão.

Com o pinhão debulhado, o próximo passo é acondicionar. Normalmente os pinhões são co-locados em sacos de 50 quilos, sendo a “saca” a medida de peso mais utilizada na região

Embora o mecanismo de co-lheita e armazenamento citados acima sejam os mais comuns na região, é comum escutar que há necessidade de encontrar méto-dos para armazenar o pinhão de forma simples e barata. Sabe-se que os atravessadores conser-vam o pinhão em câmaras frias. Porém tal processo exige “capital de giro”, pois primeiro se paga a câmara fria e depois se vende o pinhão. Além disso, em virtude da variação de preço do pinhão, seu valor pode ficar menor quan-do for retirado da câmara fria do que quando entrou.

Pinhas colhidas na Araucaria que produz em novembro, na propriedade do Agricul-tor Elias Misturi. Painel/SC.

27Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Uma forma de armazena-mento muito interessante é reali-zada pelo Sr. Reinaldo Bastos dos Santos e pela Sra. Solange Cus-tódio, da banca de venda “Com-pre Pinhão. Não Corte o Pinheiro Nunca!”, na região da BR 280, no município de Otacílio Costa – SC.

Bem, foi com meu pai que aprendi a armazenar o pinhão no sal. Meu pai aprendeu com o avô dele. E se bobear meu avô aprendeu

com o pai dele. O que eu fiz de diferente foi aumentar a quantidade. Antes a gente guardava o pinhão no sal para consumo. Há uns 15

anos comecei a guardar em quantidade para comercializar na banca. Nos últimos anos eu cheguei a vender 5 mil quilos de pinhão. Tem ano que eu consigo guardar pinhão até a outra safra. Mas normalmente eu guardo até dezembro.

A primeira coisa é falar do paiol. O paiol que uso não é exclusivo para o armazenamento. É um local simples como quase todos os paióis que tem por aí. Mas tem algumas coisas importantes para fazer. Uma é que a pare-de tem que “ser dupla”. Pode até ser de madeira, mas entre uma parede e outra tem que deixar um espaço de mais ou menos 40 centímetros. Essas paredes duplas são importantes para manter a temperatura dentro do paiol. Para dar uma reforçada e ga-rantir a qualidade do armazenamen-to, eu coloco uma lona de caminhão. Também não pode deixar entrar ven-to de jeito nenhum. Por isso não pode ter janela quebrada nem espaço por onde entra vento. Outra coisa é que quanto menos umidade tiver tam-bém é melhor. Agora água não pode entrar de jeito nenhum. Tem que to-mar cuidado, principalmente quando chove bastante para não entrar água pelo chão do paiol.

Agricultor Reinaldo Bastos Banca "Compre o Pinhão. Não corte o Pinheiro

Nunca"Otacílio Costa – SC.

Reinaldo Bastos e Solange Custodio, na Banca de Venda “Compre Pi-nhão. Não Corte o Pinheiro Nunca”.

Eles comercializam pinhão de boa qualidade quando ninguém mais tem o produto. Depois de algumas visitas à banca, foi explicado que o casal consegue ter pinhão quan-do ninguém tem por armazenar o produto no sal. A seguir, o casal explica como a técnica funciona.

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Já falei então como seleciono e como é a estrutura do paiol. Agora vou falar como é a montagem das pilhas de pinhão. A primeira

coisa é colocar no chão uma camada de “terra preta” de uns 15 cen-tímetros. Depois eu espalho uma camada pareia de pinhão selecio-

nado, no chão, de uns 30 centímetros. Em cima eu jogo uma camada de sal grosso tamanho médio que se usa para o gado. É complicado dizer a quantidade. Isso fui descobrindo na prática. Mas uma dica é que não pode ficar “manchas brancas” de sal na pilha. Quando isso acontece, quer dizer que tem muito sal. Daí ou espalha melhor ou retira o sal.

Depois é seguir a sequência: uma camada de pinhão de 30 centímetros. Um punhado de sal grosso tamanho médio, outra camada de pinhão e assim vai. Teve anos que cheguei a formar pilhas de quase 2 (dois) metros de altura.

Para fechar o ciclo, a próxima etapa é a comercialização. Como tenho pinhão selecionado, de boa qualidade em períodos que quase ninguém tem, posso comercializar o pinhão direto para o consumidor na minha banca. Para agregar mais valor também seleciono e embalo o pinhão em duas categorias: o “pinhão selecionado” que é um pinhão maduro de boa qualidade e o “pinhão magnata” que são os pinhões mais graúdos.

Dentro do jeito que trabalhamos hoje, todo mundo sai ganhando! O consumidor que tem um produto selecionado, de boa qualidade quando quase ninguém tem e a Araucária que não vai ser cortada nunca enquanto tiver comercialização do pinhão.

Agricultor Reinaldo de Barros Banca "Compre o Pinhão Não corte o Pinheiro Nunca"

Otacílio Costa – SC.

5 –

4 –

3 –2 –

1 –1 - Camada de 15cm de "terra preta";2 - Camada de 30cm de pinhão maduro e selecionado;3 - Camada de sal grosso médio para gado;4 - Camada de 30cm de pinhão maduro e selecionado;5 - Camada de sal grosso médio para gado.

Pinhão com sal grosso médio feito pelo senhor Reinaldo Bastos.

29Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Priorizar a soberania alimentar e comercializar o excesso

Outra boa prática identifi-cada é priorizar o uso do pinhão para Soberania Alimentar e Nutri-cional. Embora em alguns muni-cípios como Painel, Urubici e São Joaquim a produção de pinhão seja grande, em diversos locais do Planalto Serrano ela é bem menor.

Mas independente se há uma produção maior ou menor de pinhão, é importante prio-rizar a Soberania Alimentar da família e o plantio das melhores sementes. Isso por que o pinhão é um alimento que fornece mui-

ta energia e fica disponível para o consumo no Planalto Serrano Ca-tarinense numa época em que a oferta de comida diminui.

Além disso, é possível utili-zar o pinhão em diversas receitas. A Cartilha “Pinhão: Produto da Sociobiodiversidade” têm mais de 30 pratos que usam como base o pinhão.

Dentro deste contexto a Agri-cultora Lúcia Maranho, do “Grupo Agroecológico Pátria Livre”, indica como é a estratégia que ela aplica em sua Unidade Familiar:

Aprendi com no Movimento de Mulheres Camponesas (M.M.C) que a primeira coisa que a família tem que pensar é no autoconsumo. Por isso tem que ter diversidade de produtos. No caso do pinhão, tem que ter pinhão

do cedo e do tarde Além disso, uma coisa boa é fazer paçoca e guardar para aumentar o tempo que a família tem o que comer. Portanto, tendo pinhão do

cedo, pinhão do tarde e fazendo paçoca a família consegue ter comida uma boa parte do ano. O que sobra do autoconsumo, a prioridade tem que ser usar como se-mentes. Para isso tem que escolher os pinhões mais bonitos e de tempos de produção diferente para plantar.

O resto é o que se vende. Mas não é comercializar pra qualquer um. Tem que dar preferência para vender em feiras, nas Cooperativas, entregar no PAA, no PNAE. Ou seja, de qualquer jeito que seja direto para o consumi-dor e respeitar os princípios da Econo-mia Solidária.

Lúcia MaranhoGrupo Agreocológico Pátria Livre

Correia Pinto – SC.

Mulheres do Grupo Pátria Livre realizam o planeja-mento para implantação de seus sistemas agroflores-tais que, num primeiro momento, terão como foco a soberania alimentar da família. Da esquerda para direita: Liliane das Neves Ferreira, Lúcia Maranhão e Ivone S. R. dos Santos. Agachados estão os irmãos Guilherme e Gustavo.

A cartilha Pinhão – Produto da Sociodiversidade pode ser encontrada na Cooperativa Ecoserra, no Centro Vianei de Educação Popular ou no site: http://www.4shared.com/web/preview/pdf/po8LR-4vba

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Troca de saberes

Um elemento importante que contribui para a construção dos pro-cessos citados acima é a maneira pela qual o conhecimento é construído, conforme indica o Senhor Agenor Scarabelot.

Quando comecei a trabalhar com Agroecologia foi participando de reuniões da Rede Ecovida. No começo eu ficava quieto só es-

cutado. Daí eu comecei a ver que o jeito que eles trabalhavam era igual o jeito dos antigos. Como a gente tava sofrendo com o novo

jeito de trabalhar que o engenheiro trouxe de fora pensei que aquilo que eu tava vendo tinha futuro.

Nisso comecei a participar mais de reuniões, ver o que os outros agri-cultores estavam fazendo que dava certo, trazer pra mim e testar. Hoje eu continuo indo pra reunião, visitando outros agricultores do nosso grupo mas além de aprender com eles digo o que deu certo ou errado comigo. Ou seja, eu aprendo umas coisas e ensino outras. E trabalhar com pinhão também é assim. É trocando conhecimento que a gente vai melhorando cada vez mais.

Agricultor Agenor Scarabelot Grupo Agroecológico Irapuá

Bom Retiro – SC.

Logo, trocar saberes é uma ótima estratégia para conservação atra-vés do uso da Araucária.

Ativiade do Projeto Promoção e Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Pinhão onde Agricultores do Grupo Agroecológico Terra Jovem e Irapuá e alunos do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) enrique-cem uma barreira de proteção para a produção orgânica que tem na Araucária a planta mais presente.

31Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Conclusão

Foram identificadas 7 (sete) “Etapas” para conservar e usar as Arau-cárias e vários outros processos ambientais, culturais e sociais, segundo os saberes e fazeres das Caboclas e Caboclos do Planalto Serrano Catarinense.

A imagem a seguir sistematiza essas etapas.

É importante destacar que existem diversas boas práticas e etapas pra-ticadas que não estão neste manual. Por isso se faz necessário continuar a troca de saberes e realizar novas sistematizações visando fortalecer cada vez mais as estratégias de conservação da Araucária, através de seu uso, no Planalto Serrano Catarinense.

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PARA PENSAR EM ACORDOS E LEIS

Todas as boas práticas tra-zidas neste manual vieram da experiência dos agricultores e or-ganizações da região do Planalto Serrano Catarinense. Infelizmen-te, nem sempre a Lei se baseia ou mesmo considera boas práticas das experiências populares.

Afinal, o que está dentro da Lei em relação ao pinhão e à Araucária?

Quando fazemos essa per-gunta, é importante pensarmos, antes de tudo, que quando fala-mos em “Lei” estamos falando de acordos, feitos pela sociedade, em relação a algum tema. Para fazer leis, a sociedade elege vere-adores, deputados e senadores, que devem (ou deveriam) traba-lhar para produzir as melhores

regras possíveis nas mais varia-das áreas: Saúde, Ambiente, Edu-cação, Trabalho, etc. As leis são entendidas como acordos sociais, ou seja, acordos, ou regras, acei-tas pela sociedade.

Porém, no nosso dia a dia, seguimos muitas outras regras que não vieram de leis: nos ves-timos de determinada forma, fa-lamos um ou outro sotaque, nos organizamos desse ou daquele jeito, nos alimentamos bem ou mal, temos nosso horário de ser-viço... Essas coisas são aceitas como regras, nos locais onde vi-vemos, não por causa de leis que vieram do poder legislativo, ou seja, do Congresso Nacional, da Assembleia de Deputados (em âmbito estadual) ou da Câmara

Não podemos cair na tentação fácil, que

atinge grande parte dos juristas, de confundir Di-

reito com Lei. Assim, a luta jurí-dica não se restringe à simples procura de mudanças de leis, como se as leis modificassem o mundo. As leis não o modificam. É o mundo que modifica as leis. São as lutas sociais que instau-ram novos fundamentos e criam novas práticas sociais.

Roberto Armando Ramos de Aguiar

33Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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de Vereadores (em âmbito mu-nicipal), mas por causa da nossa cultura. Essas regras também são acordos sociais.

Na agricultura, na pesca, na pecuária, no extrativismo e em outras atividades que dependem diretamente da natureza, das plantas e dos animais, também se criam regras ou acordos, que vieram justamente do aprendi-zado de como a natureza funcio-na. Cada peixe tem uma época boa de pescar, cada planta tem o jeito, a época e o local certo de plantar, e assim por diante. As regras que vieram de como lidar com a natureza, em cada região, também são acordos sociais.

Muitas vezes, o que é um acordo em uma região é tratado de forma diferente numa lei, por-que, de fato, ainda estamos muito longe de fazer leis que realmente sejam legítimas para todo mundo,

ou seja, que tenham sido construí-das considerando os conhecimen-tos e a cultura de cada região.

Para fazer leis na área am-biental, é importante que os le-gisladores venham a conhecer a realidade de cada lugar, bus-car entender o conhecimento de quem está mais diretamente ligado aos ambientes naturais (os agricultores, os pescadores e os extrativistas, por exemplo) e, juntando com o que existe de

conhecimento científico, produzam leis que possam garantir que o ambiente seja conservado e que as pessoas possam viver nele também. Infelizmente, isso tem sido muito raro aconte-cer, no Brasil.

O que acaba aconte-cendo é que vários sistemas de produção tradicionais acabam nem sendo consi-derados quando se faz uma

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lei. O manejo de bracatingais, os sistemas agroflorestais, a roça de toco, as caívas, o manejo de ervais e o manejo da Araucária, entre outras práticas, são sistemas de produção que conservam muito mais a natureza do que uma mo-nocultura de soja, de fumo ou de pinus, por exemplo. Entretanto, geralmente, os legisladores nem sabem desses sistemas e, quando sabem, raramente se interessam em representar as comunidades

que os praticam, preferindo re-presentar o interesse do grande agronegócio.

Daí a necessidade de divul-gar estes sistemas de produção, de valorizar o conhecimento de quem os pratica e de pressionar os legisladores para que as leis possam ser mais legítimas! Daí a necessidade, também, de resga-tar, valorizar e construir acordos locais cada vez mais bem funda-mentados.

A gente chama só de lei, mas são muitos tipos de “Instrumentos Legais”

Já dissemos que as leis são acordos elaborados pelos repre-sentantes eleitos pelo povo brasi-leiro, em nível federal, estadual e municipal. E falamos também da importância das leis realmente representarem os acordos sociais locais. É importante termos cla-reza, entretanto, que as leis são apenas uma das formas de cons-truir acordos dentro do sistema político em que vivemos. As leis se encaixam em uma hierarquia de outros “instrumentos legais”, que geralmente também chama-mos de “lei”, mas que são feitos de formas diferentes.

Em outras palavras, não existem só as leis como regras do que pode e do que não pode

ser feito, nem de como deve ser feito aquilo que é permitido. Existem regras colocadas de di-ferentes maneiras, dispostas em diferentes tipos de instrumentos legais, que formam um conjunto de normas a serem aplicadas, e existe uma hierarquia entre elas. A Constituição Federal, os Decre-tos, as Resoluções, as Portarias e as Instruções Normativas são os instrumentos legais mais co-muns. Por mais que possa pare-cer complicado tentar entender as diferenças entre estes instru-mentos, é justamente fazendo isso que fica mais fácil incluir na elaboração de cada um deles a valorização dos acordos e dos co-nhecimentos locais.

35Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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Em primeiro lu-gar, nenhuma regra ou instrumento legal está acima ou pode ser contraditório ao que diz a Constituição Federal. É a Consti-tuição, chamada de Carta Magna, que dá a grande orientação para a elaboração de qualquer lei ou outro instrumento legal. A Constituição, portan-to, dita as grandes li-nhas que devem ser consideradas na ela-boração dos instru-mentos legais.

Tendo como referência a Constituição, cabe ao Poder Le-gislativo a elaboração de Leis, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Os espaços do Congresso Nacional (em âmbito federal), das Assembleias de De-putados (em âmbito estadual) e das Câmaras de Vereadores (em âmbito municipal) são os espaços de construção das leis.

As leis, porém, são, em ge-ral, bastante generalistas, indi-cando a grosso modo o que deve e o que não deve ser feito, ou o que é legal e o que não é legal. Nem sempre uma lei detalha tudo o que está relacionado ao tema que ela trata e, para que elas sejam implementadas de

fato, é preciso que haja esse de-talhamento. Esse detalhamento é chamado de regulamentação de uma lei.

A regulamentação das leis, tornando-as “praticáveis”, cabe muitas vezes ao Poder Executivo, por meio de Decretos. Geralmen-te, o texto dos Decretos é ela-borado por órgãos relacionados ao tema das leis, sendo sempre sancionada (quer dizer, aprova-da) pela autoridade máxima da instância do Executivo associada ao âmbito da Lei (o prefeito, no caso de um Decreto municipal; o governador do estado, no caso de um Decreto estadual; e o pre-sidente da República, no caso de

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um Decreto federal).Em relação à regulamenta-

ção de uma Lei Federal relativa ao meio ambiente, por exemplo, pode caber a elaboração de uma minuta, ou de uma proposta de Decreto, pelo Ministério do Meio Ambiente. Se é uma lei na área da saúde, cabe a uma equipe do Ministério da Saúde organizar o texto de um decreto que a regu-lamente. E assim por diante. De qualquer forma, estes textos só se tornam Decretos depois de passar pela aprovação da Casa Civil, ou seja, do Presidente da República, pois devem regula-mentar uma Lei Federal, neste exemplo.

Um Decreto, então, explica como a Lei deve ser aplicada. Não

tem como, depois de um Decre-to fazer isso, a Lei ser aplicada de outra forma, a não ser que seja feito um outro Decreto que ve-nha a substituir (e revogar) o pri-meiro. É por isso que se diz que um Decreto não é uma lei, mas tem força de Lei.

Existe ainda um outro tipo de instrumento legal: a Resolução. As resoluções são geralmente feitas por Conselhos. Na área ambiental, existem o Conselho Nacional de Meio Ambiente, em nível federal (CONAMA), e os conselhos esta-duais (CONSEMAs) e municipais (COMDEMAs) de meio ambiente. Os Conselhos de Meio Ambiente devem ser criados em todas essas instâncias, e devem ter, entre os seus membros, representantes

Agricultora Odete de Oliveira e seu filho, o agricultor Gabriel do Grupo Agroecológico Coração da Serra.

37Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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de vários grupos e interesses, tan-to de instituições governamentais quanto não governamentais. Es-tes Conselhos elaboram detalha-mentos de leis que ainda não fo-ram feitos nos espaços do poder legislativo. Assim, as Resoluções acabam sendo parecidas com os Decretos, mas são feitas em Con-selhos. Da mesma forma que os Decretos, as Resoluções também têm força de Lei.

E quem deve garantir que as leis, decretos e resoluções sejam cumpridos? Na verdade, todos nós. Mas existem insti-tuições criadas pelos governos justamente para fiscalizar este cumprimento, ou para fazer va-ler estes instrumentos legais. Se alguém é assaltado, por exemplo, é o policial o responsável por ten-tar prender o assaltante, e o juiz o responsável por julgá-lo. Tanto a polícia quanto o juizado fazem isso com base nas leis, decretos e resoluções que existem.

Na área ambiental, órgãos como o Ministério do Meio Am-biente (MMA), o IBAMA, o Insti-tuto Chico Mendes (ICMBio), os órgãos estaduais de meio am-biente, as Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, entre outros, são os responsá-veis pelo cumprimento das leis, decretos e resoluções na área ambiental. Muitas vezes, para

Doação de mudas para Unidade Familiar Agroecológica, de Alfredo Wagner.

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“Não são as leis que modificam o mundo.O mundo é que modifica as leis”.

Walter Steenbock

que um instrumento legal seja realmente aplicado, é necessário ainda um detalhamento de como estes órgãos irão realizar tais ações. Ou seja, por vezes ainda é necessário o detalhamento dos procedimentos administrativos, práticos, do conteúdo destes ins-trumentos legais. Nestes casos, estes órgãos fazem Instruções Normativas, ou ainda Portarias, para este detalhamento.

Obviamente, qualquer tipo de instrumento legal não pode ser contraditório à Constituição Federal. Da mesma forma, um Decreto, uma Resolução ou uma Instrução Normativa não po-dem ser contraditórios às Leis. Além disso, na área ambiental, Leis municipais não podem ser menos restritivas do que Leis Es-taduais, e estas não podem ser menos restritivas do que Leis Fe-derais.

Agora, voltando ao que co-locamos lá no início: se uma lei, na área ambiental, for feita sem considerar os acordos locais, o decreto que a regulamenta pro-vavelmente tornará essa regra ainda mais distante desses acor-dos. Às vezes, na elaboração da lei, esses acordos podem até ser considerados, mas na elaboração

do Decreto não. De qualquer for-ma, com um decreto inadequa-do, os órgãos ambientais pode-rão fazer instruções normativas e portarias inadequadas e, quando isso acontece, vemos várias situa-ções de aplicação dos instrumen-tos legais na área ambiental irem justamente contra a conservação da natureza.

Ás vezes não se consegue mudar uma lei a partir do maior envolvimento de um ou vários grupos sociais, mas pode-se con-seguir elaborar ou mudar um de-creto, uma resolução ou uma ins-trução normativa, a partir desse envolvimento. Conhecendo essas diferenças fica mais fácil influen-ciar na construção das leis e dos outros instrumentos legais, e co-brar a transparência e a legitimi-dade das instituições públicas.

39Fazeres e saberes no manejo da Araucária no Planalto Serrano Catarinense

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O pinhão na legislação ambiental

A Araucária é uma das espé-cies da Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção, publicada pela Portaria no 443, de 2014, do Ministério do Meio Ambiente. Ela está ali, en-tre outros motivos, por causa da imensa redução da área de flores-tas com Araucária, e da imensa redução da quantidade de pinhei-ros, ao longo do último século.

Por ser considerada em perigo de extinção, seu corte e manejo em florestas nativas está proibido, bem como o transporte, armazenamento, beneficiamento e comercialização das toras.

Isso, porém, não é proibido em áreas de plantio da espécie.

O fomento ao plantio, re-florestamento e enriquecimento ecológico com espécies nativas foi colocado como dever do po-der público na Lei da Mata Atlân-tica (Lei 11.428, sancionada em 2006). Essa Lei também coloca que “no Bioma Mata Atlântica, é livre a coleta de subprodutos florestais tais como frutos, fo-lhas ou sementes, bem como as atividades de uso indireto, desde que não coloquem em risco as espécies da fauna e flora, ob-servando-se as limitações legais específicas”. A região das flores-

tas com Araucária faz parte do Bioma Mata Atlântica. O plantio e o reflorestamento com pinhei-ro Araucária e o uso do pinhão, portanto, cabem dentro da Lei da Mata Atlântica.

Para detalhar ou regulamen-tar as regras da Lei da Mata Atlân-tica, foi feito o Decreto 6.660, em 2008. De acordo com esse Decre-to, o plantio ou o reflorestamen-to com espécies nativas indepen-dem de autorização do órgão ambiental competente e poderão ser feitos de forma consorciada com espécies exóticas, florestais ou agrícolas (com algumas ressal-vas quando se tratar de área de preservação permanente e de re-serva legal). Ou seja, para plantar espécie nativa, não precisa auto-rização. Precisa autorização, en-tretanto, se houver interesse de cortar essas árvores, no futuro.

Para isso, o Decreto deter-mina que o órgão ambiental com-petente deve criar o Cadastro de Espécies Nativas Plantadas ou Reflorestadas. Hoje, o órgão am-biental competente para isso, em Santa Catarina, é a FATMA. No Pa-raná é o IAP e no Rio Grande do Sul é a FEPAM.

Para cadastrar uma área como plantio de espécie nativa,

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o proprietário deve fornecer ao órgão ambiental:• seus documentos e da pro-

priedade ou posse;• a localização com a indicação

das coordenadas geográficas dos vértices do imóvel e dos vértices da área plantada ou reflorestada, feita com GPS de mão;

• nome científico e popular das espécies plantadas e o siste-ma de plantio adotado;

• a data ou período do plantio;• o número de plantas de cada

espécie plantada por mudas; e• a quantidade estimada de se-

mentes de cada espécie, no caso da utilização de sistema de plantio por semeadura.

Além disso, para plantios já feitos há mais tempoé preciso um laudo de um profissional habilita-do (como eng. agrônomo, eng. florestal, biólogo, entre outros) constatando que a área é real-mente um plantio.

Fazendo isso, o órgão am-biental deve cadastrar a área, for-necendo um número de registro. Na hora de cortar, o proprietário deve indicar ao órgão ambiental o número do cadastro do plantio, a localização (com as coordenadas geográficas) e quais as espécies a serem cortadas e o volume de produtos e subprodutos florestais a serem obtidos. O órgão ambien-

tal, com base nessas informações, autoriza o corte e o transporte.

Alguns órgãos ambientais estão ainda adequando o sistema de cadastramento, criando ins-truções normativas ou portarias que deixam um pouco mais deta-lhada ou simplificada a forma de cadastro. Em princípio, também é possível cadastrar o sistema de plantio junto com a floresta.

Esse cadastramento, é im-portante lembrar, serve para po-der cortar madeira de pinheiro, em áreas de plantio. Para a co-lheita do pinhão, não precisa ca-dastro nenhum.

Conforme já foi explicado, a Lei da Mata Atlântica diz que é livre a coleta de subprodutos florestais tais como frutos, folhas ou sementes, bem como as ativi-dades de uso indireto, desde que não coloquem em risco as espé-cies da fauna e flora.

No Decreto 6.660, aquele que regulamenta a Lei da Mata Atlântica, está escrito que na co-leta de subprodutos florestais, tais como frutos, folhas ou se-mentes, deverão ser observados: • os períodos de coleta e volu-

mes fixados em regulamentos específicos, quando houver;

• a época de maturação dos fru-tos e sementes;

• técnicas que não coloquem em risco a sobrevivência de

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indivíduos e da espécie coleta-da no caso de coleta de flores, folhas, cascas, óleos, resinas e raízes e técnicas que não coloquem em risco a sobrevi-vência da espécie na área sob coleta no caso de coleta de ci-pós, bulbos e bambus;

• as limitações legais específicas e, em particular, as relativas ao acesso ao patrimônio ge-nético, à proteção e ao acesso ao conhecimento tradicional associado e de biossegurança, quando houver; e

• a manutenção das funções relevantes na alimentação, reprodução e abrigo da flora e fauna silvestre.

Em outras palavras, o Decre-to 6.660/2008 indica cuidados a tomar na coleta de produtos não madeireiros (cascas, cipós, flo-res, frutos e sementes), para não criar impactos negativos para a planta em que é feita a coleta, nem no ambiente em que ela está. As boas práticas trazidas nesse manual são exemplos des-tes cuidados.

Porém, além do que está na Lei da Mata Atlântica e no Decre-to 6.660, existem instrumentos legais diferentes em cada estado, indicando uma data certa para começar a colheita de pinhão.

Hoje, tanto em SC como no Paraná, só se pode começar a co-

letar a partir de 1(um) de abril. O motivo desse limite de data é evi-tar que sejam coletadas pinhas ainda não maduras.

Sabemos, porém, que exis-tem pinhas imaturas desde o iní-cio até o fim da safra do pinhão, variando de árvore para árvore. Limitar o início da safra pouco contribui para a conservação da espécie. Até que haja qualquer mudança nessa regra, contudo, ela deve ser seguida, para evitar autuações (multas) ambientais.

Voltando ao que foi falado lá no início da conversa sobre le-gislação, é muito importante que as boas práticas de manejo do pinhão sejam divulgadas e pos-sam, cada vez mais, contribuir para as adequações dos instru-mentos legais.

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JUNTANDO MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O PINHÃO

O projeto “Promoção e for-talecimento da cadeia produtiva do pinhão na Serra Catarinense, tendo como protagonista a Agri-cultura Familiar Agroecológica e como mote a agregação de valor e o fortalecimento de mercados sustentáveis” tem como objetivo geral promover e fortalecer a ca-deia produtiva do pinhão na Ser-ra Catarinense. Para atender esse objetivo geral foi planejado que esta proposta deveria fortalecer redes de conhecimento integran-do as ações de pesquisa, assistên-cia técnica e capacitação.

Nessa perspectiva é que se inscreve no projeto o trabalho de conhecer e analisar o estado de arte da comercialização do pi-nhão na Serra Catarinense. Para que isso fosse possível foram rea-lizadas atividades junto às organi-zações da agricultura familiar do território, elegendo as entidades do Núcleo Planalto Serrano da Rede Ecovida como informantes--chaves e protagonistas dessa ação. Além dessas organizações as entidades parceiras do proje-to também tiveram papel fun-damental na disponibilidade de informações, no monitoramento e na avaliação dos resultados da pesquisa durante os dois anos de execução do trabalho.

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Para iniciar o pro-cesso de pesquisa foi realizada uma revisão dos artigos científicos que descortinou um leque de trabalhos que numericamente ainda está muito aquém da importância que o ex-trativismo do pinhão representa no Sul do Brasil, bem como pela importância econômi-ca, ecológica, cultural e social deste Produto Florestal Não Madeirei-ro (PFNM).

Os estudos apresentam de forma inequívoca que há possibi-lidade técnico-científica da con-servação de recursos naturais da Floresta Ombrófila Mista (FOM) através do manejo dos Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares (PCTAF), apesar de em algumas situações ser necessário aprofundamento de estudos etnoecológicos e et-nobotânicos. Os PCTAF vêm, ao longo de pelo menos dois sécu-los, manejando esses recursos florestais.

Importante salientar que fa-xinalenses e caboclos do Sul do Brasil têm uma experiência de manejo secular da Araucária o que não ocorreu com os agricul-tores familiares modernizados, bem como os proprietários pa-

tronais que fizeram uso preda-tório da FOM nas décadas de 50 até 80 praticamente dizimando os 200 mil km2 originais de mata com Araucária.

A revisão ainda apresenta a importância social do extrati-vismo do pinhão, ainda que os autores constatem que há uma generalizada falta de informa-ções acerca do número exato de famílias que se ocupam desta ati-vidade mesmo que de forma sa-zonal ao longo do ano, seu perfil sociocultural e econômico, entre outras informações relevantes.

A importância mercadoló-gica do pinhão enquanto PFNM fica explícita nos artigos, porém é necessário conhecer mais e me-lhor a importância e a influência do pinhão enquanto um produto

Agricultor Claudionei Melo Diniz. Grupo Terra Nativa. Painel, SC.

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da sociobiodiversidade regional. Os artigos são unânimes no po-tencial de mercado que essa cas-tanha já desempenha e que po-derá desempenhar ao longo do tempo. Certamente isso poderá ocorrer de forma mais organizada se forem concentrados esforços na pesquisa científica e também no fomento de políticas públicas para o fortalecimento dos elos da cadeia produtiva do pinhão. Des-ta forma é possível ampliar a va-lorização do pinhão enquanto ali-mento rico em nutrientes e com expressão cultural e culinária que simboliza uma identidade territo-rial e geográfica dos planaltos das regiões Sudeste e Sul do Brasil.

A revisão também trouxe importantes constatações a res-peito das limitações e dos entra-ves que os autores identificam nos seus trabalhos como: • a) a falta de trabalhos técni-

co-científicos na questão da pós-colheita do pinhão em especial na agroindustrializa-ção e agregação de valor;

• b) superação do processo de expropriação por que passa a maioria dos extrativistas na cadeia produtiva;

• c) falta de esforço público através do fomento em re-conhecimento dos serviços ambientais e a repartição de benefícios que as populações

tradicionais vêm realizando no sentido de manutenção da espécie e também do ecossis-tema ao longo do tempo;

• d) informalidade generalizada na maioria da cadeia produti-va e falta de informações con-fiáveis e oficiais sobre preços históricos, volume comercia-lizado entre outros dados es-tatísticos de produtividade em áreas de remanescentes e sob manejo em unidades de con-servação de uso sustentável;

• e) falta de uma legislação es-pecifica para balizar a conduta ecológica no manejo do pi-nhão pela população tradicio-nal que historicamente vem trabalhando com esse PFNM.

Partindo dessas premis-sas foram realizadas atividades de coleta de informações junto aos agricultores familiares e às suas organizações de base. Além disso, foram realizados levanta-

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mentos de informações junto aos proprietários de box das Centrais de Abastecimento (CEASA) de São José, na grande Florianópo-lis, e de Blumenau. Também foi realizado um trabalho de coleta de informações junto aos comer-ciantes “de beira de estrada” que comercializam principalmente pi-nhão durante o período da safra.

Ainda sobre o comércio foi realizada uma pesquisa de campo junto aos principais supermerca-dos de Lages para conhecer me-lhor como funciona a comerciali-zação do pinhão durante a safra e finalmente também foi realizado um trabalho de sistematização do movimento econômico da co-mercialização do pinhão, junto com a Associação dos Municípios da Região Serrana (AMURES).

Outras duas atividades que foram articuladas junto ao traba-lho de pesquisa foram: a) um se-minário regional para apresentar e discutir a Política de Garantia do Preço Mínimo dos Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM Bio), no município de São Joa-quim, promovido pela Compa-nhia Nacional de Abastecimento (Conab); b) um trabalho de cam-po para definir o preço mínimo do pinhão para subsidiar a PGPM. Essas duas atividades foram im-portantes para ampliar a articula-ção regional com o Plano Nacio-nal de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade criado em 2009 pelos Ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvi-mento Agrário e Desenvolvimen-to Social, e Combate à Fome, e que, atualmente, encontra-se inserido no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgâni-ca (PLANAPO). A importância do território da AMURES na conser-vação da FOM pode ser traduzi-da na informação do Ministério do Meio Ambiente que coloca os municípios de Bocaina do Sul, Correia Pinto, Lages, Otacílio Cos-ta, Painel, Palmeira, São Joaquim e Urupema com 325.879,12 ha como alta recomendação para áreas de manejo florestal.

O Instituto Brasileiro de Ge-ografia e Estatística (IBGE) é o Agricultor José Ribeiro da Associação

Ecológica Renascer de Urubici – SC.

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único órgão oficial que fornece dados para os principais produ-tos da extração vegetal no Brasil. Em 2012 o Instituto apresentou informações sobre oito produtos da extração vegetal com finalida-de alimentícia, sendo que a erva--mate foi o principal produto em termos de produção, ficando em segundo lugar o açaí, em terceiro a castanha-do-pará, em quarto o pinhão, e assim, sucessivamente, umbu, palmito, mangaba e casta-nha-de-caju.

A produção do pinhão nes-se referido ano foi de 9.678.000 kg e um valor de comercializa-ção de R$ 14.419.000 ocupando o quarto lugar em valor perante os demais produtos alimentícios extrativos. O preço médio do pi-nhão nesse ano citado ficou em R$ 1,50. O umbu é o produto ex-trativo que nesse ano menciona-do obteve o melhor preço médio que foi de R$ 3,41 kg, seguido pelo palmito, R$ 2,27, mangaba, R$ 2,14, castanha-do-pará, R$ 1,76 e açaí, 1,69. A situação do pinhão em termos históricos ao longo dos últimos 10 anos é de crescimento tanto da extração, como da comercialização do pro-duto, sendo que o preço médio tem aumentado nesse período o que nos remete a um período de valorização do produto junto aos consumidores, o que também foi

constatado junto aos produtores e comerciantes que investigamos durante esses dois últimos anos.

A divergência que consta-tamos é que apesar de a cadeia produtiva do pinhão na Serra Ca-tarinense viver um momento de expansão, as informações oficiais são poucas e diferem entre si. A análise que foi realizada trouxe fortes disparidades entre os da-dos oficiais do IBGE e da AMU-RES, quanto ao grau de formali-zação dessa atividade. Por outro lado, os dados gerados a partir da AMURES comparados às in-formações do IBGE corroboram o aumento do preço médio e da comercialização do pinhão na Serra Catarinense evidenciando uma tendência de valorização da cadeia produtiva no estado e no Brasil.

Agricultora Valsíria Ribeiro da Associação Ecológica Renascer de Urubici – SC.

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A cadeia produtiva do pi-nhão vem crescendo em impor-tância ao longo do tempo, seja pela percepção do papel ecos-sistêmico do pinheiro, seja pela importância socioeconômica do pinhão. Na região que abrange os municípios da AMURES ela tem crescente destaque. As informa-ções evidenciam um aumento do preço médio e do volume de pro-dução e comercialização. Enten-demos que existe uma dupla moti-vação para que se amplie à coleta/produção do pinhão: o aumento do seu consumo entre a popula-ção e a elevação dos preços. Isto estimula os agricultores que antes não davam valor para este PFNM, vendo nele uma efetiva fonte para ampliação de sua renda.

As discrepâncias evidencia-das entre os dados apresentados pelo IBGE e pela Amures eviden-

cia, por sua vez, a necessidade de investimento em pesquisa, para buscar maior precisão dos dados. Nesta mesma direção os dados levantados junto aos comercian-tes dos boxes da CEASA de São José evidenciam que o montante comercializado pelos mesmos é aproximadamente 10 (dez) vezes superior aos dados oficiais cole-tados junto a essa central, o que corrobora a necessidade de qua-lificar a informação dessa cadeia produtiva.

Outra informação gerada pela pesquisa foi a crescente am-pliação da venda de pinhão em circuitos de cadeia curta ao longo das rodovias que cortam os muni-cípios da AMURES. Essa forma de comercialização é parte importan-te da estratégia de escoamento da produção e proporciona centenas de empregos diretos ao longo da safra. Essa atividade possibilita a venda de pinhão, pinhas, pinhão cozido e paçoca de pinhão aos moradores da serra, mas princi-palmente para os turistas que via-jam em direção ao litoral de Santa Catarina e à Serra Gaúcha. Esse estudo também aponta para a necessidade de um maior conhe-cimento acadêmico sobre essa ca-deia produtiva o que poderia auxi-liar na conservação desta espécie tão importante para manutenção da Floresta Ombrófila Mista.

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