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Na voz do poeta: ecos da história, memória e ideologia... Autora:Profª Elisabete Mogalski 1 Co-autora: Profª Luciana Fracasse 2 Agradecimento A Deus, por toda a fé que tenho Nele. “Tudo posso Naquele que me fortalece.” À SEED,por ter nos proporcionado esta formação continuada,que nos possibilitou a atualização de conhecimentos, o repensar da prática pedagógica e um novo olhar para a Educação. Aos meus pais, irmãs e às minhas filhas, Anna Paula e Gabrieli que, com muito carinho e apoio, tiveram toda paciência e compreensão em toda etapa do PDE . À professora Luciana Fracasse pela paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão deste artigo. À Diretora, professores, funcionários e alunos do terceiro ano do Colégio Estadual Antonio Tupy Pinheiro, os quais foram tão importantes no desenvolvi mento deste trabalho. Às colegas, em especial,Adriana Bernardim ,Clair e Jacinta, pelo incentivo e pelo apoio constantes. Resumo Este artigo é fruto de uma pesquisa-ação e objetiva refletir sobre a prática de leitura nas turmas de terceira série do ensino médio, do Colégio Estadual Antonio Tupy Pinheiro, no primeiro semestre do ano de 2008, aplicando a teoria da Análise do Discurso (AD) de linha francesa, sob a ótica de Bakhtin, Pêcheux, Foucault e Orlandi. O aluno 1 1990 – 1993 Graduação em Letras Português Literatura. Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO, Brasil. 1996 - 1997 Especialização em Gestão da Educação. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUCPR, Brasil.Tema: Avaliação. 2 1997 -1999 Graduação em Letras Português-Inglês e suas Literaturas, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do Sul, FAFIJAN. 2002-2004 Mestrado em estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Londrina, UEL

“Tudo posso Naquele que me fortalece.”“Tudo posso Naquele que me fortalece.” À SEED,por ter nos proporcionado esta formação continuada,que nos possibilitou a atualização

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Na voz do poeta: ecos da história, memória e ideologia...

Autora:Profª Elisabete Mogalski1

Co-autora: Profª Luciana Fracasse2

Agradecimento

A Deus, por toda a fé que tenho Nele. “Tudo posso Naquele que

me fortalece.”

À SEED,por ter nos proporcionado esta formação continuada,que

nos possibilitou a atualização de conhecimentos, o repensar da prática

pedagógica e um novo olhar para a Educação.

Aos meus pais, irmãs e às minhas filhas, Anna Paula e Gabrieli

que, com muito carinho e apoio, tiveram toda paciência e compreensão

em toda etapa do PDE .

À professora Luciana Fracasse pela paciência na orientação e

incentivo que tornaram possível a conclusão deste artigo.

À Diretora, professores, funcionários e alunos do terceiro ano do

Colégio Estadual Antonio Tupy Pinheiro, os quais foram tão importantes

no desenvolvi mento deste trabalho.

Às colegas, em especial,Adriana Bernardim ,Clair e Jacinta, pelo

incentivo e pelo apoio constantes.

Resumo

Este artigo é fruto de uma pesquisa-ação e objetiva refletir sobre a

prática de leitura nas turmas de terceira série do ensino médio, do

Colégio Estadual Antonio Tupy Pinheiro, no primeiro semestre do ano

de 2008, aplicando a teoria da Análise do Discurso (AD) de linha

francesa, sob a ótica de Bakhtin, Pêcheux, Foucault e Orlandi. O aluno

11990 – 1993 Graduação em Letras Português Literatura. Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO, Brasil. 1996 - 1997 Especialização em Gestão da Educação. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUCPR, Brasil.Tema: Avaliação.21997 -1999 Graduação em Letras Português-Inglês e suas Literaturas, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do Sul, FAFIJAN. 2002-2004 Mestrado em estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Londrina, UEL

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ao ser confrontado com a linguagem e, por ela, com o mundo, necessita

de práticas mais significativas quanto à leitura. Nesse contexto, este

trabalho busca problematizar a relação com o texto, procurando

explicitar seus sujeitos, seus sentidos e sua história. O uso da teoria

da AD justifica-se por trabalhar com a língua no mundo e sua maneira

de significar, facilitando o diálogo texto/leitor, seduzindo-o com sua

plurissignificação e seu convite ao estranhamento. Os textos

selecionados:Que país é este de Affonso Romano de Sant’Anna,Que

país é este de Renato Russo e Bom conselho de Chico Buarque, foram

produzidos durante a época da ditadura. Seus autores, a partir da

posição histórico-social que ocupavam, imprimiram neles, consciente

ou inconscientemente, marcas de suas ideologias. Assim, um dos

pontos fundamentais na exploração dos textos, foi possibilitar que os

alunos percebessem essas marcas. Foi-lhes mostrado que o

posicionamento ideológico do autor não aparece apenas no tema, mas

também no vocabulário, no sentido dado às palavras, na construção

sintática e, sobretudo, na forma especial como organiza seus textos.

Palavras-chave: Discurso. Leitura. História.

Abstract

This article is the result of a research-action and its objective is to

reflect on the practical of reading in the groups of third grade of the

high school,of the State College Antonio Tupy Pinheiro, in the first

semester of the year of 2008, applying the theory of the Analysis of the

Speech of French Line, through the optics of Bakhtin, Pêcheux, Foucault

and Orlandi.Pupil being confronted with the language and for it, with

the world, needs some practices more significant for the reading. In this

context, this work searchs to put in doubt the relation with the text,

looking for to make explicit its citizens, its directions and its history.

The use of the theory of the Analysis of the Speech is justified for

working with the language in the world and its way to mean, facilitating

the dialogue reading text/, seducing it with its plurimeaningness and its

invitation to the unfamiliarity. The selected texts: “What country is

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this?” by Afonso Romano de Sant'Anna, “What country is this?” by

Renato Russo and Good advice by Chico Buarque, they had been

produced during the time of the dictatorship. Its authors, from the

description-social position who occupied, had printed unconsciously or

conscientious , marks of its ideologies. Thus, one of the basic points in

the exploration of the texts, was to make possible that the pupils

perceived these marks. It was shown to them that the intentionality of

the author does not appear only in the subject, but also in the

vocabulary, in the direction given to the words, in the syntactic

construction and, over all, in the special form as they organize its texts.

Word – key: Speech. Reading. History

1.INTRODUÇÃO

Atendendo às Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa e

Literatura do Paraná (2008) que suscita uma nova forma de olhar para

o ensino da língua materna,numa concepção socio-interacionista,

propõe ao professor ver os alunos como sujeitos de um processo

histórico e social. Este precisa ser desenvolvido e ampliado nos

princípios de interação por meio das práticas discursivas. E é pelo ato

da leitura que isto se fará possível, na interação não apenas do leitor

com o texto, mas com as vozes presentes neles, marcas do uso que os

falantes fazem da língua, discursos que atravessam os textos e os

leitores.

Para atingir este objetivo foram usados os conceitos da Análise

do Discurso de linha francesa a qual surge num contexto sócio-

histórico e ideológico, no qual a leitura é considerada determinação

histórica dos processos de significação, pois quem lê produz sentidos a

partir de determinadas condições histórico-sociais. Por ser o texto

produzido a partir da posição histórico-social do autor, é claro que ele

imprimirá, consciente ou inconscientemente, no discurso produzido,

marcas de sua ideologia. Na ótica da Análise do Discurso (Escola

Francesa), a leitura é delimitada pela idéia de interpretação e de

compreensão, processos de instauração de sentidos.

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Ler, portanto, não se resume a observar um texto como um

produto final, cujo sentido, às vezes supostamente “oculto”, seja

passível de ser apreendido em sua totalidade. Tampouco é objeto plano

que progride em sua extensão, mas como considera Orlandi (1996), é

um bólido de sentidos que parte em inúmeras direções, em múltiplos

planos significantes, é unidade que nos permite o acesso ao trabalho da

língua, ao jogo dos sentidos, do funcionamento da discursividade em

suas condições de produção.

Interpretar, pois, não é apreender, mas atribuir sentidos, mesmo

porque eles não existem a priori. Não sendo livre de determinações, os

sentidos são muitos, mas não quaisquer, porque atrelados à memória,

tanto a institucionalizada (“trabalho social da interpretação” em que se

distingue quem tem e quem não tem direito a ela), quanto a

constitutiva (o interdiscurso, o dizível, o repetível), afirma Orlandi

(1996, p. 68):

Compreender pressupõe saber como um objeto simbólico produz sentidos, através da exposição à materialidade dos processos de significação presentes no texto. Enfim, “é saber como as interpretações funcionam [...] ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo como eles se constituem”. (ORLANDI, 1999, p. 26).

Este artigo nasceu com o desejo de contribuir com a formação

de alunos – leitores criativos, críticos e dialéticos, envoltos pela

exigência de uma série de habilidades cognitivas, incorporando-os num

jogo interativo entre os interlocutores. Para que o aluno encontre e dê

significação ao texto, é necessário que ele saiba que o referente pode

não estar claramente expresso. Por isso, precisa saber que traz um

enorme repertório de textos em sua memória – embora não tenha

clareza e consciência desse fato – isto o ajudará a montar as espécies

desse jogo. É preciso mostrar-lhe que, nesse momento, entra toda a

sua experiência e vivência para a recuperação dos significados do texto

que será mais intensa quanto maior for sua capacidade de inserção

nesse processo. Os alunos foram direcionados, mas jamais induzidos

no seu processo de dar sentido ao texto, para que não se corresse o

risco de impedi-lo de uma apropriação particular da significação do

texto.

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Essa apropriação de sentidos dos textos permitiu aos alunos a

formação de um significado mais amplo, que passa por um processo de

auto-conhecimento, ampliando seu quadro de valores até chegar a uma

visão mais crítica da sociedade.

Nesta pesquisa-ação, a seleção de textos (corpus) foi feita

considerando os conhecimentos acumulados pela literatura a qual

constitui a produção cultural da humanidade. Para uma exploração de

texto mais produtiva, foram observados os seguintes objetivos:

explicitar aos alunos o embasamento teórico que lhe permita

reconhecer no texto recursos expressivos para atingir um determinado

objetivo; fornecer dados (contextualização) que lhes permitam inferir

marcas ideológicas no texto; fazê-los perceber que os textos dialogam

entre si, captando o significado desta intertextualidade.

As músicas e poesias selecionadas, possibilitaram uma prática de

leitura mais abrangente, eficaz, consciente e uma análise sobre a

importância histórica destes textos enquanto prática discursiva.

Buscou-se, também, formar parte da consciência crítica dos alunos,

fazendo com que pensassem na estrutura sócio-política do país.

Foram utilizados os conceitos de sujeito, poder, história e

discurso baseados na teoria da análise do discurso de linha francesa,

sob a ótica de Bakhtin, Pêcheux, Foucault e Orlandi e a partir da idéia

de que o discurso poético traz múltiplos sentidos e se inter-relaciona a

outros contextos para fazer um novo significado.

O viés teórico da AD que fundamenta este artigo, justifica-se

pelo fato de que ela não trabalha com a língua enquanto sistema

abstrato mas, trabalha com a língua no mundo, com as maneiras de

significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos

enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto

membros de uma determinada sociedade.

Esta pesquisa-ação nasceu para contribuir com a formação de

alunos – leitores criativos, críticos e dialéticos, envoltos pela exigência

de uma série de habilidades cognitivas, incorporando-os num jogo

interativo entre os interlocutores. A grande contribuição da AD neste

trabalho foi o de observar os modos de construção necessários à

produção dos sentidos.

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2. DESENVOLVIMENTO

Na tentativa de uma prática de ensino de leitura significativo,

este artigo tem como centro a formação de um leitor cuja competência

ultrapasse a mera decodificação dos textos , de um leitor que se

apropria de forma autônoma dos textos e do próprio processo de

leitura. Essa experiência de leitura, que não se faz sem o encontro

pessoal com o texto enquanto princípio de toda experiência estética se

traduz em uma experiência única de escrever e ler o mundo e a nós

mesmos.

Por meio dos conhecimentos prévios dos alunos permitiu-se

entender não apenas o que os texto dizem, mas, sobretudo, o que

revelam sem dizer explicitamente. E, principalmente, relacioná-los a

outros textos já lidos ou ouvidos, como foi o caso do texto Bom

Conselho de Chico Buarque, no qual há uso de ditos populares,

possibilitando, assim, a ampliação do campo de significados possíveis.

É preciso admitir, nessa perspectiva, que dois leitores, em função

de suas histórias de vida, jamais compreendem um mesmo texto da

mesma forma e mais, alguns dos alunos não conseguiram identificar o

interdiscurso entre eles. Todo texto se tece com fios do contexto em

que foi escrito. Quanto mais próximo se encontra o leitor do contexto

em que foi produzido o texto tanto melhor capta o seu pretexto

(significado).

A Análise do Discurso de linha francesa, na qual foi embasada

esta pesquisa, vem trazer não um método de interpretação, mas

problematizar a relação com o texto, procurando explicitar os processos

de significação que nele estão configurados e os mecanismos de

produção de sentidos que estão em funcionamento.

Por isso, considera-se o texto um produto polissêmico, que aceita

e suscita multiplicidade de leituras. Ler é estabelecer um diálogo entre

autor, texto, contexto, leitores e significados. Assim , o domínio de

cada um dos interlocutores é parcial em si e não tem unidade senão

no (e pelo) texto. O texto é unidade. A significação se faz no espaço

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discursivo ( intervalo) criado pelos (nos) interlocutores, em um contexto

sócio-histórico dado.

Na literatura e na poesia, usa-se muito as polissemias e as figuras

de linguagem, que se relacionam diretamente com a criatividade

existente, quando se constrói um dizer novo, um modo de falar dife-

rente.

O discurso poético conduz à imaginação, à construção da

fantasia. Com isso,é capaz de retratar a realidade à luz estética. Nessa

prática poética, Chico Buarque de Holanda, Renato Russo e Affonso

Romano de Sant'Anna compõem seus poemas levando-nos a identificar

discursos críticos. Como escritores, eles têm o poder e a aptidão de

transmitir determinada mensagem em forma de arte, de maneira que o

leitor se identifique com ela.

Muitos textos da Música Popular Brasileira retratam um momento

histórico no qual foram produzidas e representam uma crescente

consciência da grande importância da produção litero-musical,

revelando a identidade brasileira. A canção se trata de um gênero

híbrido, de caráter intersemiótico, pois é resultado da conjugação entre

a materialidade verbal e a materialidade musical.

Observou-se claramente o modo como a censura funciona ao lado

da opressão. Proíbem-se certas palavras para se proibirem certos

sentidos. No discurso , o sujeito t e o sentido se constituem ao mesmo

tempo, ao se proceder desse modo se proíbe ao sujeito ocupar certos

lugares ou melhor, proíbem-se certas posições do sujeito.

Há uma forte tendência em se considerar a poesia e a letra de

canção dois gêneros específicos que se interseccionam por aspectos de

sua materialidade e por alguns momentos comuns de sua produção.

Partindo da premissa de que texto e melodia não são realidades

separáveis, mas duas materialidades imbricadas, esta será utilizada

apenas como texto. Para compreender os significados e a crítica social

dos poemas é preciso entender que "não há discurso que não se

relacione com outros"(Orlandi, 2000, p.31). Partindo dessa afirmação,

entendemos que a interpretação só acontece quando o sujeito

estabelece a relação do texto com a exterioridade, com os sentidos já

produzidos e que, de alguma forma, sempre retornam, seja para

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instaurar a polêmica, seja para estabelecer uma relação contratual com

outros textos, outras vozes.

Assim sendo, conforme Orlandi (2003, p.31), "o interdiscurso

disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em

uma situação discursiva dada", visto que os sentidos não estão prontos,

pré-determinados, como postulam as teorias positivistas; pelo

contrário, para a AD, o que existem são efeitos de sentido criados

no/pelo discurso, no modo de funcionamento deste. Segundo o aparato

teórico da Análise do Discurso de linha francesa o sujeito não é livre

para dizer o que quer, mas instigado/interpelado, ainda que

inconscientemente, a ocupar seu lugar em determinada formação social

enunciando somente aquilo que lhe é permitido dizer, a partir do lugar

que ocupa, ou seja , para a AD, a linguagem é determinada pela

ideologia. A Análise do Discurso surgiu para responder à pergunta

"Como este texto significa?", pois a AD trabalha não com o que o texto

"quer dizer", mas "como" o texto funciona e o sentido não é universal,

convencional ou unívoco, ou seja, não é necessariamente expresso em

sua totalidade.

A idéia de polissemia (polifonia ou heterogeneidade) é

fundamental para AD, seja porque defende que os textos têm muitas

leituras (tantas quantas forem os atos de leitura feitos pelos leitores),

ou por considerar que as condições de produção são cruciais para a

interpretação. O objetivo da AD é teorizar a interpretação, realizar

leituras críticas e reflexivas que não reduzam o discurso (texto) a

aspectos puramente lingüísticos, assim busca-se compreender como os

objetos simbólicos produzem sentidos.

Para Orlandi (2004), "a finalidade da AD não é interpretar, mas

compreender como um texto funciona, como um texto produz

sentidos."Para AD os sentidos não estão apenas nas palavras, nos

textos, mas na relação com a exterioridade, nas condições em que eles

são produzidos e que não dependem somente da vontade do sujeito.

Ela leva em conta o homem na sua história, considerando os processos

e as condições de produção de linguagem, pela análise estabelecida

pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se

produz o dizer.

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A concepção de leitura na perspectiva discursiva é a linguagem.

Segundo as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008), a

leitura é vista como co-produtora de sentidos. O leitor, nesse contexto,

ganha o mesmo estatuto do autor do texto. É um processo de

negociação de sentidos de contestação de significações possíveis.

Um texto apresenta várias possibilidades de leitura, não é

portador de um significado único e fechado em si mesmo. A construção

dos significados de um texto é de responsabilidade do autor e do leitor

e ainda, numa relação dinâmica entre o professor e o aluno, de forma

compartilhada, é uma prática ativa, crítica e transformadora.

As atividades de leitura devem considerar a formação do leitor e

isso implica não apenas considerar diferentes leituras de mundo,

experiências de vida e, diferentes leituras, mas também o diálogo dos

estudantes com o texto e não sobre o texto, dirigido pelo professor.O

maior objetivo da leitura é trazer um conhecimento de mundo que

permita ao leitor elaborar um novo modo de ver a realidade.

E ainda implica reconhecer a incompletude dos processos

discursivos, os vazios que eles apresentam implícitos, pressupostos,

subentendidos que devem ser preenchidos pelo leitor, por que faz

sentido e só faz sentido porque se inscreve na história e o objetivo do

analista do discurso é explicar como um texto produz sentidos,

descrever o seu funcionamento, analisando as pistas ou marcas que o

sujeito enunciador deixa, evidenciando seu comprometimento com

aquilo que diz.

Também estão presentes nos textos o silêncio que, segundo

Orlandi (2002) é a respiração (o fôlego) da significação; um lugar de

recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça

sentido. Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o

que não é 'um', para o que permite o movimento do sujeito".

Entendemos que é nesse movimento que alguns leitores

interpretam esse silêncio, a possibilidade do múltiplo, da circulação dos

sentidos proibidos, enquanto outros, lêem o sentido literal, sem

compreender como se dá o processo de construção da significação.

A literatura brasileira é rica e diversa, muitos textos da Música

Popular Brasileira retratam um momento histórico em que foram

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produzidas e apresentam uma consciência cada vez mais crescente da

grande importância da produção litero-musical, revelando a identidade

brasileira.

Considerando a canção um gênero híbrido, de caráter

intersemiótico, resultado da conjugação entre a materialidade verbal e

a materialidade musical. Fizemos uso dos fragmentos do poema QUE

PAÍS É ESTE (2,6 e 7) de Affonso Romano de Sant’Anna e os poemas-

canção QUE PAÍS É ESSE de Renato Russo e DEUS LHE PAGUE de Chico

Buarque de Holanda, contemplando uma metodologia menos diretiva

e autoritária de leitura e compreensão que estão acostumados a fazer e

que muitas vezes não dão condições de uma pluralidade de leituras e

nem de trabalhar com o implícito do texto, desenvolvendo o processo

de inferências e o desenvolvimento de intertextualidade.

Nas atividades de leituras realizadas privilegiou-se não apenas os

aspectos pontuais do texto, mas elementos de fato relevantes para sua

compreensão global.

Além disso, discutiu-se as razões que levaram o autor a dizer o

que disse e da maneira como disse. Trabalhando o implícito no texto,

desenvolvendo o processo de inferências e desenvolvendo a percepção

de intertextualidade, situou-se os alunos no contexto político e cultural

em que foram produzidos os textos. O poema e as canções foram

veiculados durante o período da ditadura e o período de abertura

democrática.

O período militar compreendeu os governos de Arthur da Costa e

Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel

(1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985).Os governos

militares tiveram como principais objetivos: levar o país a um maior

crescimento econômico; exercer maior controle sobre a inflação;

diminuir as diferenças regionais em termos de desenvolvimento;

diminuir o déficit de nossa balança de pagamentos; incentivar as

exportações e atrair capitais estrangeiros.

No entanto, tais objetivos não foram alcançados em sua

plenitude, uma vez que não foi possível diminuir o déficit da balança de

pagamentos e as diferenças regionais, bem como não houve também o

controle da inflação, que chegou a 223% em 1984.

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É importante ressaltar ainda que, durante o período militar, houve

um aumento considerável no número das empresas multinacionais

presentes no país e, com elas, vieram dois aspectos agravantes para a

situação nacional: as multinacionais levavam mais dólares do que

traziam, sendo que desenvolviam seus projetos com incentivos fiscais,

isto é, com dinheiro do povo brasileiro.

Dessa forma, o governo militar precisava de poderes

excepcionais, que não constavam na Constituição, numa tentativa de

sustentar a situação. Assim, os Atos Institucionais foram editados: AI nº

1, de 09.04.1964; AI nº 2, de 27.10.1965; AI nº 3, de 05.02.1966; AI nº

5, de 13.12.1968 e o AI nº 12, de 31.08.1969.

Dentre os Atos Institucionais editados, o AI nº 5 é tido como o

mais repressivo, é aquele, inclusive, responsável pela prisão e exílio de

vários artistas. Dentre eles Chico Buarque.

Em virtude da extrema repressão e controle, a imprensa e as

artes em geral sofreram rigorosa censura, foram impedidas da livre

manifestação e cerceadas as manifestações culturais.

O processo de abertura teve início em março de 1974, quando o

então presidente, Ernesto Geisel, apresentou aos brasileiros a proposta

de um “gradual, mas seguro, aperfeiçoamento democrático”. O mais

importante fato que consolidou a abertura gradual foi a extinção de AI

5.

Paralelamente à rígida censura e autoritarismo do regime militar,

acontecia em todos os setores artísticos uma forte participação em

busca da redemocratização brasileira. Nesse contexto, foi traçado um

breve percurso histórico da vida e da trajetória de Affonso Romano

Sant'Anna, Chico Buarque de Holanda e Renato Russo; Affonso Romano

de Sant'Anna nasceu em Belo Horizonte, no dia 27 de março de 1937,

filho de Jorge Firmino de Sant'Anna, Capitão da Polícia Militar mineira, e

de D. Maria Romano de Sant'Anna. Fez parte dos movimentos que

transformaram a poesia brasileira, sempre interagindo com grupos

inovadores e construindo sua própria linguagem e trajetória. Data desta

época a participação nos movimentos políticos e sociais que marcaram

o país. Como poeta e cronista, foi considerado pela revista "Imprensa",

em 1990, como um dos dez jornalistas formadores de opinião por

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desempenhar atividades no campo político e social que marcaram o

país nos anos 60.

Em seu primeiro livro, lançado em 1962, "O Desemprego da

Poesia",Sant’Anna coloca seu inconformismo com a atuação do poeta

da época que não possuía a força dos poetas do século XIX. Analisa o

desencontro do poeta no seu tempo e sua frustração pessoal. O poeta

era tido como um ser boêmio, romântico, fora de época. Casa-se, em

1971, com Marina Colasanti, escritora e jornalista, segundo ele sua

melhor crítica e também musa inspiradora.

De 1973 a 1976, dirige o Departamento de Letras e Artes da PUC/RJ.

Para o curso de Pós-Graduação em Letras, realizado em 1976 na

PUC/RJ, promove a vinda de conferencistas internacionais, entre os

quais Michel Foucault, sociólogo francês.

Houve grande repercussão da visita de Foucault ao país, que se

encontrava em pleno regime ditatorial.

Lança seu segundo livro de poesias:”Poesia sobre poesia.”

Em 1980, lança o livro de poesias "Que país é este?", cujo poema título

é publicado com destaque pelo "Jornal do Brasil". Leciona, durante dois

anos, na Universidade Aix-en-Provence, na França, como professor

visitante. Chico Buarque de Holanda é uma das grandes referências

culturais do Brasil pós-1960, em especial a partir de sua participação

nos Festivais da Música Popular Brasileira. Nasceu em 1944 no Rio de

Janeiro, mudando-se, ainda criança, para São Paulo. Além de São Paulo,

também morou na Itália com sua família, voltando ao Brasil aos dez

anos de idade.

Foi incentivado desde criança à leitura desenvolvendo uma

imaginação espetacular com a qual foi capaz de criar um dos mais

importantes personagens de sua vida, Julinho de Adelaide, pseudônimo

utilizado pelo artista para conseguir escapar da censura do militarismo

da década de 70 do século XX.

Titulado de “artesão da linguagem”, consagrou-se na Música

Popular Brasileira a partir de 1964, justamente num período de grandes

tensões formadas na política brasileira. Foi o período do “Governo

Médici, do milagre econômico” e da tomada do poder pelos militares no

dia 1o de abril de 1964.

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Em suas canções revela-nos uma paixão pela palavra, que nele,

torna-se instrumento de magia. Nesse período a censura era muito

forte, principalmente na década de 70. Pelo fato de possuir o domínio

da fala, foi muito perseguido no final da década de 60 e início de 70,

pois suas canções sempre foram carregadas de marcas corporais e de

valores significativos.

Esse artesão verbal busca sua fonte na “boca do povo”, por isso a

utilização de lugares comuns, provérbios e de frases feitas em suas

músicas. Porém, esses não são apresentados de forma passiva, “mas

age ludicamente: parodia, transgride, cria trocadilhos, frustra

expectativas montadas. Suas composições têm o aspecto da cultura

musical, contendo forma – que inclui a entidade física percebida –;

processos – denota o ato ou as ações/intenções envolvidos na produção

da forma –; conteúdo – mensagens conscientes e inconscientes

transmitidas através da música e da atividade musical –; e

determinantes ideológicas – a visão de si mesmo em relação à visão do

mundo, estética, valores sócio-culturais e conceitos que dão

significados a mensagens, moldes e processos musicais.

Chico Buarque sempre esteve ligado à questão social. Porém, é

na década de 70 que sua preocupação torna-se maior. Ao perceber-se

como profissional da música, tem sua concepção política transformada

– por política entende-se “a visão teórica básica da ordem social em

que se incluem as relações de poder entre os atores sociais de um

grupo determinado e as funções destes atores na rede de interação”.

Desde então, passou a lutar pelos direitos autorais, assumindo, mesmo

que de forma sutil, a liderança contra a censura. Renato Russo,com o

nome artístico de Renato Manfredini Júnior,nasceu no rio de Janeiro em

27 de março de 1960, faleceu em 11 de outubro de 1996, na mesma

cidade foi um cantor, compositor e músico brasileiro, membro da

banda Legião Urbana.Tentou buscar novos valores, novas formas de

relacionamento que pudessem fundamentar uma nova ética. Para tanto

se valeu de Camões e Buda, de Thomas Mann e George Orwell, de

Friendrich Nietzsche e Jean-Jacques Rousseau, de Caetano Veloso e

Chuck Berry, de Godard e Pasolini...multiplicou referências, desdobrou-

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se, tentou buscar alguma resposta, mas teve o mesmo fim de diversos

ídolos roqueiros: foi consumido.

Na seqüência, procedeu-se à aplicação de conceitos da análise do

discurso, buscando os efeitos de sentido nos textos selecionados:

A)Que país é este – Renato, B) Que país é este?-Affonso Romano de

Sant’Anna, C) Bom conselho – Chico Buarque de Holanda. Os três

textos trazem pontos que se relacionam, possibilitando várias leituras

e como objeto discursivo, não é fechado, portanto, se relaciona com

outros textos.

Os autores revelam uma postura ideológica de luta, resistência e

descontentamento ao regime da época. Eles se apresentam como

críticos da realidade social que estavam vivendo. Por meio da poesia e

da canção, os autores escancararam fragilidades, inquietudes, revoltas

e indignação do povo, de forma sutil e artística.

Qualquer um dos discursos (textos) podem ser atualizados aos

dias de hoje. Nesse viés observou-se que cada aluno produziu um

sentido diferente de acordo com a sua história, memória e diferenças

culturais.

Estamos no século XXI, mas ainda nos vemos diante de situações

que são colocadas na década de 70 e 80, a corrupção, a exploração e a

destruição estão presentes em nossa sociedade e como Affonso R.

Sant’ Anna escreve em seus versos: “O povo, aliás, deve estar cansado

desse nome, embora seu instinto o leve à agressão e embora o

aumentativo de fome possa ser revolução.” (Que país é este –

fragmento 6). Segundo Orlandi (l983), “a leitura é produzida e cria o

conceito de condições de produção de leitura de um texto; É na sua

interação que os interlocutores instauram o espaço da discursividade.

É importante esclarecer que a Análise do discurso não é um

método de interpretação, não atribui nenhum sentido ao texto. O que

ela faz é problematizar a relação com ele, procurando apenas explicitar

os processos de significação, para atingir os mecanismos de sua

produção.

No discurso “ Que país é este” de Renato Russo, fica claro quais

eram os objetivos do regime Militar: levar o país a um maior

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crescimento econômico; No entanto, tal objetivo não foi alcançado em

sua plenitude.

Quando Renato escreve: Ninguém respeita a constituição/ ...Mas

todos acreditam no futuro da nação... /Terceiro mundo, se for /Piada no

exterior

Mas o brasil vai ficar rico/ Vamos faturar um milhão./....... Quando

vendermos todas as almas / Dos nossos índios num leilão.

Qual seria a alma dos índios ? Alma não se vende.

Seriam as riquezas naturais de nosso país e que fazem parte da

alma dos índios?

E nos versos: Na morte o meu descanso, mas o /Sangue anda

solto/Manchando os papéis e documentos fiéis/Ao descanso do

patrão.Aqui lembramos do aniquilamento de tantas tribos índigenas,

desde a colonização até o dias de hoje. Quem é patrão ? Quem

realmente manda em nosso país ? Fazemos tudo em favor da

globalização.

Mas o brasil vai ficar rico/ Vamos faturar um milhão Às custas da

exploração e da miserabilidade do povo ?

No poema: Que país é este de Affonso Romano Sant’Anna

observamos a mesma relação,de poder e ideologia.

Há 500 anos caçamos índios e operários,

Há 500 anos queimamos árvores e hereges,

Há 500 anos estupramos livros e mulheres,

Há 500 anos sugamos negras e aluguéis.

A repetição das palavras e o paralelismo das construções

enfatizam o tempo (desde a colonização) e as ações que acontecem

até os dias de hoje:

Caçar, queimar, estuprar, sugar.....

Os clichês aparecem para conformismo e tranqüilizante para

comportamentos atrozes que sofre o povo brasileiro.

que o futuro a Deus pertence,

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que Deus nasceu na Bahia,

que São Jorge é guerreiro,

que do amanhã ninguém sabe,

que conosco ninguém pode,

que quem não pode sacode;

A presença da ironia: Há 500 anos somos pretos de alma branca,

não somos nada violentos,

(...)

Este é um país de síndicos em geral,

Este é um país de cínicos em geral,

Este é um país de civis e generais.

Aqui vemos presente também a intertextualidade com fábulas:

... somos raposas verdes

colhendo uvas com os olhos,

(...)

O povo, no entanto, é o cão

e o patrão

- o lobo. Ambos são povo.

E o povo sendo ambíguo

é o seu próprio cão e lobo.

As várias profissões que aparecem no poema nos mostram quem

é o Povo desse país : Síndicos, generais, políticos, policiais, civis,

operários, exegetas, atletas,poetas, poetas negros,carcereiros,

costureiras. E aqueles ainda, que sofrem preconceito: putas,

sifilíticos,bichas. Os fatos históricos são colocados de forma sutil:

joaquim silvério – (traidor) aquele que entregou Tiradentes à

forca;Faraós – exploração da mão-de-obra escrava.

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Este é um povo bom. Isto também diziam os faraós enquanto

amassavam o barro da carne escrava. A censura que sofreram os

artistas aguçavam mais o gosto para escrever.

Mas este é um povo bom/me pedem que repita/como um monge

cenobita/enquanto me dão porrada/ e vigiam a escrita. No poema-

canção Bom conselho, Chico Buarque de Holanda, conseguiu driblar a

censura à música, usando provérbios conhecidos. Considerando o texto

(discurso) dentro do contexto histórico e social em que foi escrito,

novas inferências emergem, conduzindo para possíveis interpretações.

Este poema foi escrito em 1972, especialmente para o filme

Quando o carnaval chegar de Cacá Diegues.

Era a época da ditadura militar, em que as pessoas viviam

sobressaltadas com a ameaça constante, imposta pela repressão à

liberdade de manifestação do pensamento.

A realidade estava muito difícil, as pessoas sofriam, tinham

perdido a tranqüilidade e a espontaneidade. Em uma conjuntura dada,

as formações discursivas determinam “ o que pode e deve ser

dito”(Pêcheux,1972)A censura estabelece um jogo de relações de força

pelo qual ela configura, de forma localizada, o que, do dizível, não deve

( não pode) ser dito quando o sujeito fala.

O provérbio, em sua forma original, significa a consagração de

usos e costumes que se impõe a todos e, assim, num certo sentido,

postula a anulação da iniciativa pessoal, a recusa do pensamento e do

ato individual, para privilegiar modos de ser, de sentir e de pensar

coletivos. Todos os provérbios convocados por Chico Buarque nessa

canção reportam à uma aceitação das coisas, de medida, de

passividade. Pois os provérbios (restaurados na sua forma original)

“Quem espera sempre alcança”

“É só dormir, que a dor passa”

“Espere sentado para não se cansar”

“Pense duas vezes antes de agir”

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“Não corra atrás do tempo”

“Devagar se vai longe”

São, em última instância, um convite à inércia e ao conformismo,

receitas tranqüilizantes e pacificatórias, reflexões padronizadas que

mascaram uma situação em que interessa manter-se o status quo. Com

efeito, é o “lugar comum”, o provérbio, o dito popular, no fundo, que

constroem o ideário popular, feito de recorrências e fatalidades – que

levam à aceitação acrítica da qualquer situação, à manutenção da

“ordem” – no limite, imobilismo.

Chico Buarque desconstrói os provérbios, de modo a recriar

mensagens novas. Na primeira estrofe, lê-se Ouça um bom conselho

que lhe dou de graça, isto contraria o senso comum de que se conselho

fosse bom, ninguém daria, mas venderia. Ao iniciar a estrofe com o

verbo na forma do imperativo - Ouça - o autor está impondo um

conselho.

A seguir, ele atenua esta imposição com um argumento

convincente: dou de graça. Adiante, mostra-se a razão porque enfatiza

que o conselho é bom. Espere sentado/ou você se cansa. Está provado,

quem espera nunca alcança. A segunda estrofe desenvolve-se a partir

do provérbio : Quem espera sempre alcança, que o autor transformou

em Quem espera nunca alcança. Apresenta a mudança do advérbio

sempre para nunca.

Esta troca resultou de um processo semiótico, no qual o signo

anteriormente usado motivou a inferência necessária na interpretação

do signo. Existe um objetivo motivando a alteração: a desconstrução do

provérbio. Venha, meu amigo,/Deixe esse regaço,/Brinque com meu

fogo./Venha se queimar./Faça como eu digo/Faça como eu faço./Aja

duas vezes antes de pensar. Na terceira estrofe, todos os versos são

iniciados por verbo na forma de imperativo afirmativo.

Este fato cria um distanciamento entre o eu poético e o leitor, ao

mesmo tempo que é ícone de um desejo e índice de um comando.

Todos os provérbios, usados neste momento, incitam a agir de maneira

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contrária ao que tradicionalmente tem sido ensinado. Corro atrás do

tempo/Vim de não sei onde/Devagar é que não se vai longe./Eu semeio

vento na minha cidade/Vou para a rua e bebo a tempestade.

Por fim, a última estrofe está marcada pela presença do sujeito,

que se manifesta na forma verbal em primeira pessoa, presente do

indicativo. Esta forma verbal constitui um recurso lingüístico de

referência exofórica, apontando para (fora do texto) quem pratica a

ação do verbo e quando a pratica. Funciona como a concretização da

ação do verbo fazer, apresentado na frase Faça o que eu digo, mas não

faça o que faço. Há ainda, na localização espacial “minha cidade”, um

indício de patriotismo. A oração Vou para a rua faz referência às

manifestações estudantis que aconteciam nas ruas centrais das

grandes cidades do país. Bom conselho não só evoca os ditados, que

expressam o inconsciente coletivo do povo, mas destaca o

posicionamento pessoal do eu poético frente aos ensinamentos morais

por eles transmitidos.

Este posicionamento reflete opinião contrária a tudo que neles

está perpetuado. A constante oposição pode ser interpretada como

comportamento típico de jovem rebelde que se recusa a aceitar a

ordem estabelecida. No entanto, não significa rebeldia gratuita. Há

engajamento político bastante acentuado.

O autor usou a palavra dor como metáfora verbal para ditadura.

Ao mesmo tempo, dor funciona como signo icônico para sofrimento.

Havia a dor real de perder amigos que foram presos ou mortos nos

porões da ditadura. E um “bom conselho” consistiria em não se alienar

do que estava acontecendo, não adiantaria fugir à realidade, pensando

que assim não haveria repressão, porque ela não deixaria de existir.

Está é a razão para o verso: Inútil dormir que a dor não passa. O dito

Quem espera sempre alcança,ensina ao povo a necessidade de manter

a esperança para se conseguir o que se deseja, apresenta a mudança

do advérbio sempre para nunca.

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Esta inversão de sempre para nunca traz a idéia de que se deve

lutar, de que as pessoas precisam ser agentes de seu próprio destino.

Desta forma, o poeta aconselha um engajamento político com o

objetivo de combater a ditadura. Não se deve aceitar o domínio dos

militares. Compete ao povo decidir como e quando resgatar a

democracia. Quem brinca com fogo se queima adverte sobre o perigo

que o fogo representa e, simbolicamente, mostra que todo aquele que

se aproxima do perigo está sujeito a algum tipo de risco. No contexto

da música, brincar com fogo continua representando um risco, porém,

necessário. As pessoas devem se queimar, devem se expor ao perigo

que representa o combate à ditadura. Faça o que eu digo, mas não faça

o que eu faço revela que as pessoas dão conselhos que as próprias não

seguem.

Ao contrário, Chico Buarque ordena que se faça o que ele faz,

que todos se exponham ao perigo e lutem juntos pela reconquista da

liberdade. Ele critica as atitudes dos militares e exige do povo esta

consciência crítica da situação vigente. Pense duas vezes antes de agir

ensina que se deve ter cautela antes de executar uma tarefa; que tudo

deve ser bem planejado para evitar danos maiores. Em Aja duas vezes

antes de pensar, com a simples inversão da posição dos verbos pensar

e agir na frase, incita as pessoas a agirem mais.

Com isto, o autor mostra que é preciso abandonar as atitudes de

passividade e cautela. Não se pode pensar muito nas conseqüências.

Fica claro que não agir constitui um perigo maior. Se as pessoas não

reverterem a situação, as conseqüências serão bem mais danosas.

Devagar se vai longe mostra a idéia de paciência, perseverança,

persistência. Ao inserir a negação, Chico Buarque muda a noção de que

ser paciente traz bons resultados. Aqui a idéia de paciência adquire um

sentido nefasto. Ele insiste na teoria de que há pressa, urgência em se

acabar com a dor.

Quem semeia vento colhe tempestade mostra o seu envolvimento

com essa causa e a sua capacidade de absorver os riscos resultantes

de sua ação em nome de um ideal maior. O envolvimento foi tanto que

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o autor chegou a ser exilado. Todos os provérbios tradicionais utilizados

trazem a marca da cautela, da paciência, da passividade, da alienação,

da perseverança. Chico Buarque desconstrói esses provérbios, de modo

a subverter tais idéias e a incitar o leitor a engajar-se no processo

político de combate à ditadura, a correr todos os riscos necessários

para alcançar o objetivo.

Nesse sentido, todos os pequenos conselhos se unem num único

e bom conselho: reagir, lutar contra o mal, abandonar atitudes que

revelam passividade, paciência, cautela, conformismo. Os provérbios

populares se reuniram em Um bom conselho para denotar a

necessidade de orientação e conotar a necessidade de participação

popular na reconquista da democracia: governo do povo, pelo povo,

para o povo. Para concluir esta atividade é importante ressaltar que em

todo texto (discurso ) há o não dito, o silenciamento. Todas as palavras

são carregadas de silêncio, a escolha de uma palavra implica o

apagamento de muitas outras que poderiam ser colocadas no texto e

surtiriam um efeito de sentido diferente. O silêncio não age sobre o que

o sujeito não sabe, mas justamente sobre aquilo que ele é suposto

saber ( o já-dito). O problema, na censura, não é impedir a informação,

mas evitar que haja trabalho histórico do sentido e, conseqüentemente,

da identidade dos sujeitos. Ou seja, a censura procura estancar o

movimento social e histórico do sentido que produz os sujeitos em

seus processos de identificação. No trecho "pois Jesus Cristo nos mata

num carnaval de mulatas" (“Que país é este” - ARS)O que está sendo

silenciado? O comportamento dos brasileiros durante o carnaval? Será

que é Jesus Cristo que mata? Ou a nossa própria postura nos

encaminha tanto para o bem quanto para o mal? Que país é este ?

Esta pergunta é atravessada de silêncio. Ela já está cheia de

sentidos a não se dizer e, além disso, colocamos no silêncio muitas

delas. O dizer fica assim dominado pelo dizer que se omitiu e não

permite estabelecer o lugar de sua reflexão, lugar que lhe daria

especificidade e o abriria para novos percursos de sentido.

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Isso leva a pensar; não pensar o que aconteceu na época em

que foi escrito o poema,o que o autor estava sentindo, que situação ele

estava passando para escrever tal poema (será que ele estava doente?

Chateado? À beira do suicídio? Apaixonado?),mas a pensar a verdadeira

essência do texto literário e poético. E compreendendo que discurso é

aquilo que segue um curso, um projeto, aquilo que retorna. A

itinerância do sujeito e o correr do discurso é a idéia de

“movimento”Porque o sentido não é um, é muitos. As palavras, na

perspectiva da análise de discurso, já são sempre discursos na sua

relação com os sentidos. Isto quer dizer que toda palavra, para

significar, tira seu sentido de formulações que se sedimentam

historicamente.

Muitos artistas expressaram toda sua dor, revolta e

inconformismo através da música e da poesia.

Neste caso, todos os autores selecionados: Affonso Romano

Sant’Anna, Chico Buarque de Holanda e Renato Russo, viveram nesta

época.

A filosofia, com seu lado questionador, possibilita o

relacionamento com a poesia, mostrando, com isso, um dos

caminhos,que deveria ser o único : olhar, pensar, discutir, questionar a

Literatura de uma maneira diferente e muito mais produtiva e, ainda,

possuindo um efeito espetacular: a não destruição, morte da poesia, a

essência de toda vida, de todo agir.

Estando abertos para a escuta e para o que o poeta escreve em

seus poemas, tomamos como ponto fundamental e principal a

inexistência do eu-lírico. Observamos o que o poeta diz, discute,

questiona e pensa em seus poemas e não o que “papéis” definidos

como o eu-lírico fazem no texto.

Ao imaginar estar explicitando algo que o outro deixou nas

margens do seu dizer. Entre o dito e não-dito há um espaço de

interpretação que não se fecha. Lugar de equívocos, de deslocamentos,

de debates, de possíveis.

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Portanto, não comentar o discurso do outro é um modo de

imobilizar trajetos significativos, não historicizar a produção científica e

iludir-se com a idéia absoluta. Ao ler, ao compreender a idéia do outro,

o aluno, o leitor, assina o que aprendeu , o que leu, e “esquece” a fala

do outro, responsável por sua compreensão na leitura, nesse contexto,

no modo de produção intelectual já não existe mais leitor, só autor.

3. CONCLUSÃO

Com esta pesquisa-ação ficou evidenciado que os alunos estão

acostumados a um tipo de metodologia para estudar literatura, no qual

logo se vêm à mente expressões como “escolas literárias”, “gêneros

literários”, “análises”, “definições”, “vida e obra do autor”... a

verdadeira morte, o verdadeiro massacre do poema, pois é incapaz de

suscitar neles a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura.

Mas, quando abre-se os olhos e, principalmente, os ouvidos para tudo

o que está no poema, e o que ele nos diz, observa-se que ele caminha

num sentido totalmente diferente ao colocado e ordenado pela análise,

pelo sistemático.

Com base nos referenciais teóricos da Análise do Discurso de

linha francesa, este artigo trouxe reflexões sobre a pesquisa-ação

realizada e conclui-se que a palavra é a mediadora entre o social e o

individual. Ao aprender a falar, o ser humano também aprende a

pensar, na medida em que cada palavra é a revelação das experiências

e valores de sua cultura.

Desse ponto de vista, tem-se que o verbal influencia nosso modo

de percepção da realidade. Portanto, cabe a cada um assumir a palavra

como manutenção dos valores dados ou como intervenção no mundo.

Questões como a ditadura , por exemplo, que já foi pensada e

discutida e que pode e deve voltar a ser debatida, pois o Brasil, os

brasileiros viveram vinte e quatro anos numa sociedade, “alienada”

pelo sistema imposto como método “certo” e “único” para o viver e o

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pensar das pessoas,faz parte de nossa História e que deve permanecer

na memória de todos nós.

Os alunos conseguiram olhar para estes poemas com essa

interpretação com o auxílio da teoria da Análise do Discurso.

Outras questões foram abordadas, tais como a Arte, a História e a

Sociologia.

Hoje, vivemos na Pós-Modernidade, o tempo da ditadura passou,

agora o que está em voga é o neoliberalismo, o sistema capitalista, a

globalização.

Nota-se, com isso, que, o que grandes pensadores discutiram e

pensaram há séculos atrás, hoje de nada valem para a sociedade e

para o sistema.

O sistema coloca à disposição modelos prontos de vida, mais

práticos, em que a pessoa não necessite – ou, como “eles” dizem, “não

tenham o trabalho de pensar” – de uma reflexão, para daí ocorrer a

mudança. Pensar e repensar o sistema político é voltar aos

pensadores originários, é refletir, é experienciar.

Como já dito no início, a Literatura possui questões que precisam

ser revistas e discutidas nos dias atuais, não permanecendo somente

na superficialidade do texto poético.

Por meio desta pesquisa-ação,buscou-se ver a Literatura de

outra maneira, não apegada somente à formas, definições, estilos,

gêneros, mas à diversidade, pois cada obra traz um olhar, uma

perspectiva, um modo de ver e representar o mundo. Porque

entendemos que o leitor não nasce feito ou que o simples fato de

saber ler não transforma o aluno em leitor maduro, ao contrário,

crescemos como leitores quando somos desafiados por leituras

progressivamente mais complexas.

Portanto, é papel do professor proporcionar o crescimento do

leitor por meio da ampliação de seus horizontes de leitura,

esclarecendo como ela se processa.

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Que se possa – e isso não só nas Universidades e Faculdades de

Letras, do Paraná e em todo Brasil, mas através da sociedade – ouvir o

que os textos literários, os poemas tem a dizer, considerando aqueles

que não possuem o hábito da leitura ou não têm gosto e apego pelos

textos literários, também possam utilizá-los para a própria vida, por

meio das experienciações –e, com isso, estar aberto totalmente para a

escuta – não impondo visões, pontos de vista, pré-conceitos, mas estar

literalmente aberto para esse impressionante e magnífico diálogo,

numa perspectiva interdisciplinar.

4. BIBLIOGRAFIA

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BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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RES DE LÍNGUA PORTUGUESA: para os anos finais do ensino

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ZILBERMAN, Regina e THEODORO,da Silva Ezequiel (org.).

Leitura:Perspectivas Interdisciplinares.5.ed.(Série Fundamentos).

São Paulo:Ática.

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ANEXOS

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Bom conselho – Chico Buarque

Ouça um bom conselhoEu lhe dou de graça

Inútil dormir que a dor não passa

Espere sentadoOu você se cansa

Está provado, quem espera nunca alcança

Venha meu amigoDeixe esse regaço

Brinque com meu fogoVenha se queimarFaça como eu digoFaça como eu faço

Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do ventoVim de não sei onde

Devagar é que não se vai longeEu semeio o vento na minha cidadeVou pra rua e bebo a tempestade.

Que país é este – Legião Urbana –Renato Russo

Nas favelas, no senadoSujeira pra todo lado

Ninguém respeita a constituiçãoMas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?Que país é esse?Que país é esse?

No amazonas, no araguaia iá, iá,Na baixada fluminense

Mato grosso, minas gerais e noNordeste tudo em paz

Na morte o meu descanso, mas oSangue anda solto

Manchando os papéis e documentos fiéisAo descanso do patrão

Que país é esse?Que país é esse?Que país é esse?Que país é esse?

Terceiro mundo, se forPiada no exterior

Mas o brasil vai ficar rico

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Vamos faturar um milhãoQuando vendermos todas as almas

Dos nossos índios num leilãoQue país é esse?Que país é esse?Que país é esse?

Que país é este – Affonso romano de Sant’AnnaQue país é este?

Fragmento 2

Há 500 anos caçamos índios e operários,

Há 500 anos queimamos árvores e hereges,

Há 500 anos estupramos livros e mulheres,

Há 500 anos sugamos negras e aluguéis.

Há 500 anos dizemos:

que o futuro a Deus pertence,

que Deus nasceu na Bahia,

que São Jorge é guerreiro,

que do amanhã ninguém sabe,

que conosco ninguém pode,

que quem não pode sacode.

Há 500 anos somos pretos de alma branca,

não somos nada violentos,

quem espera sempre alcança

e quem não chora não mama

ou quem tem padrinho vivo

não morre nunca pagão.

Há 500 anos propalamos:

este é o país do futuro,

antes tarde do que nunca,

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mais vale quem Deus ajuda

e a Europa ainda se curva.

Há 500 anos

somos raposas verdes

colhendo uvas com os olhos,

semeamos promessa e vento

com tempestades na boca,

sonhamos a paz na Suécia

com suiças militares,

vendemos siris na estrada

e papagaios em Haia,

senzalamos casas-grandes

e sobradamos mocambos,

bebemos cachaça e brahma

joaquim silvério e derrama,

a polícia nos dispersa

e o futebol nos conclama,

cantamos salve-rainhas

e salve-se quem puder,

pois Jesus Cristo nos mata

num carnaval de mulatas

Este é um país de síndicos em geral,

Este é um país de cínicos em geral,

Este é um país de civis e generais.

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Este é o país do descontínuo

onde nada congemina,

e somos índios perdidos

na eletrônica oficina.

Nada nada congemina:

a mão leve do político

com nossa dura rotina,

o salário que nos come

e nossa sede canina,

a esperança que emparedam

e a nossa fé em ruína,

nada nada congemina:

a placidez desses santos

e nossa dor peregrina,

e nesse mundo às avessas

- a cor da noite é obsclara

e a claridez vespertina.

Fragmento 6

Mas este é um povo bom

me pedem que repita

como um monge cenobita

enquanto me dão porrada

e me vigiam a escrita.

Sim. Este é um povo bom. Mas isto também

diziam os faraós

enquanto amassavam o barro da carne escrava.

Isso digo toda noite

enquanto me assaltam a casa,

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isso digo

aos montes em desalento

enquanto recolho meu sermão ao vento.

Povo. Como cicatrizar nas faces sua imagem

perversa e una?

Desconfio muito do povo. O povo, com razão,

- desconfia muito de mim.

Estivemos juntos na praça, na trapaça e na desgraça,

mas ele não me entende

- nem eu posso convertê-lo.

A menos que suba estádios, antenas, montanhas

e com três mentiras eternas

o seduza para além da ordem moral.

Quando cruzamos pelas ruas

não vejo nenhum carinho ou especial predileção

nos seus olhos.

Há antes incômoda suspeita. Agarro documentos,

embrulhos, família

a prevenir mal-entendidos sangrentos.

Daí vejo as manchetes:

- o poeta que matou o povo

- o povo que só/çobrou ao poeta

- (ou o poeta apesar do povo?)

- Eles não vão te perdoar

- me adverte o exegeta.

Mas como um país não é a soma de rios, leis,

nomes de ruas, questionários e geladeiras,

e a cidade do interior não é apenas gás neon,

quermesse e fonte luminosa,

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uma mulher também não é só capa de revista,

bundas e peitos fingindo que é coisa nossa.

Povo

também são os falsários

e não apenas os operários,

povo

também são os sifilíticos

não só atletas e políticos,

povo

são as bichas, putas e artistas

e não só os escoteiros

e heróis de falsas lutas,

são as costureiras e dondocas

e os carcereiros

e os que estão nos eitos e docas.

Assim como uma religião não se faz só de missas

na matriz,

mas de mártires e esmolas, muito sangue e cicatriz,

a escravidão

para resgatar os ferros de seus ombros

requer

poetas negros que refaçam seus palmares e

quilombos.

Um país não pode ser só a soma

de censuras redondas e quilômetros

quadrados de aventura, e o povo

não é nada novo

- é um ovo

que ora gera e degenera

que pode ser coisa viva

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- ou ave torta

depende de quem o põe

- ou quem o gala.