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Nº 1 – (XXIII) – Janeiro - Março 2005 ISSN 0870-8231 PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL ASSINATURA ANUAL: Individual .....29,93 Instituições ...39,90 SUMÁRIO Nota de Abertura .............................................................................................. Rui Aragão Oliveira Repetição e risco ............................................................................................... Carlos Amaral Dias Sobre o trabalho clínico nos grupos de reabilitação de condutores .......... Rui Aragão Oliveira Avaliação psicológica do adolescente e do risco ........................................... Maria Emília Marques Intervenção com o adolescente em risco ......................................................... Mário Santos Horta Instrumentos projectivos na compreensão de comportamentos de risco Joana Coelho Reabilitação de condutores: Aspectos históricos e aplicação em Portugal Stela Camarneiro e Silva Ansiedade nos motociclistas ............................................................................ Ricardo Mendes O trabalho de prevenção na formação profissional ....................................... Bruno Loureiro Intervenção na formação geral de condução. Carro, para que te quero? ...... Sátya Sousa Condução de risco: Um estudo exploratório sobre os aspectos psicológi- cos do risco na tarefa de condução ................................................................ Renata Girão / Rui Aragão Oliveira REVISTAS RECEBIDAS ..................................................................................... 3 5 11 19 27 33 37 43 49 55 59 67

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Nº 1 – (XXIII) – Janeiro - Março 2005 ISSN 0870-8231PUBLICAÇÃOTRIMESTRAL

ASSINATURA ANUAL:

Individual .....€ 29,93

Instituições ...€ 39,90

SUMÁRIO

Nota de Abertura ..............................................................................................Rui Aragão Oliveira

Repetição e risco ...............................................................................................

Carlos Amaral Dias

Sobre o trabalho clínico nos grupos de reabilitação de condutores ..........

Rui Aragão Oliveira

Avaliação psicológica do adolescente e do risco ...........................................Maria Emília Marques

Intervenção com o adolescente em risco .........................................................Mário Santos Horta

Instrumentos projectivos na compreensão de comportamentos de riscoJoana Coelho

Reabilitação de condutores: Aspectos históricos e aplicação em PortugalStela Camarneiro e Silva

Ansiedade nos motociclistas ............................................................................

Ricardo Mendes

O trabalho de prevenção na formação profissional .......................................Bruno Loureiro

Intervenção na formação geral de condução. Carro, para que te quero? ......Sátya Sousa

Condução de risco: Um estudo exploratório sobre os aspectos psicológi-cos do risco na tarefa de condução ................................................................

Renata Girão / Rui Aragão Oliveira

REVISTAS RECEBIDAS .....................................................................................

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LEITURAS ...........................................................................................................

NOTAS DIDÁCTICAS

Comunicação em saúde. Relação Técnicos de Saúde – Utentes ...........

José A. Carvalho Teixeira

O demente, a família e as suas necessidades .............................................Filomena C. Bayle

NOTÍCIAS DE COLÓQUIOS, CONGRESSOS, SEMINÁRIOS ..........................

CALENDÁRIO DE COLÓQUIOS, CONGRESSOS, SEMINÁRIOS ....................

REVISTAS RECEBIDAS .....................................................................................

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A Psicologia do Tráfego, reunindo múltiplos saberes sobre um tema tão vasto como complexo,acaba naturalmente por ganhar na actualidade uma importância dramatizada e de particular sen-sibilidade.

As consequências drásticas em vidas humanas, os gastos no campo da saúde e os investimentosmundiais no sector rodoviário justificam sempre a procura de reunir conhecimentos, independente-mente das especificidades dos mesmos.

A Ciência Psicológica, à semelhança de outros disciplinas, tem desde há largas décadas abordadoquestões deste domínio, onde investigadores do âmbito da psicologia social ou da psicologia ex-perimental, da psicologia criminal e da psicologia clínica, ou ainda da psicofisiologia têm oferecidocontributos importantes.

Entre nós escassos têm sido os esforços para fomentar e divulgar trabalhos científicos acerca daPsicologia do Tráfego. Em 1995, a revista Análise Psicológica (n.º 3, série XIII) dedicou um impor-tante número a esta temática, no qual nomes notáveis da ciência, nacionais e estrangeiros, deram aconhecer problemas fundamentais da investigação e da intervenção da Psicologia do Tráfego. Aolongo dessa década, os Professores Doutores António Barros, Jorge Santos e Manuel Matos salien-taram-se, no panorama português, pelo rigor dos seus trabalhos.

Pretendemos agora dar expressão a um conjunto de artigos científicos que delimitam o seu temacentral numa dimensão particular da Psicologia do Tráfego, a saber os comportamentos de riscorealizados no âmbito da tarefa de condução. Conjugando interesses e conhecimentos tradicional-mente abordados na psicologia clínica, os textos agora editados abordam comportamentos e atitudes,aspectos simbólicos, reacções humanas de exposição gratuita ao risco e sua prevenção, assumindoaspectos vastos mas determinantes da natureza consciente e inconsciente do Ser-Humano. É por estarazão que adoptámos como título deste número especial de Análise Psicológica a designação de“Comportamentos de risco e tarefa de condução”, e por sabermos que a profundidade subjacenteaos conhecimentos analisados nestes estudos, que exibem na generalidade uma surpreendente elouvável reflexão, se enquadram talvez já num campo muito particular da Psicologia do Tráfego.Reflexo, acreditamos nós, do progresso e desenvolvimento científico que procuramos expandir.

Existem tarefas e objectos na vida do Ser-Humano que adquirem ao longo do seu desenvolvimentouma tal dimensão que fora do seu contexto histórico e temporal se tornam difíceis de compreender.Certamente que o automóvel e a tarefa de condução se tornaram inequivocamente um dos melhores

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Nota de Abertura

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exemplos desses fenómenos. Procurar compreender a forma como este objecto é vivido e agido navida humana é porventura o propósito que move todos os autores apresentados nesta edição.

O presente número serve como complemento de objectivos vastos, que têm resultado na reunião deesforços entre linhas de investigação em Psicologia Clínica do Instituto Superior de PsicologiaAplicada e de uma vasta equipa de profissionais da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

Na sua base encontra-se a realização em Outubro de 2003 das II Jornadas da Psicologia doTráfego, onde múltiplos especialistas debateram problemáticas decorrentes deste tema mais abran-gente. O estudo de comportamentos de risco na condução, a sua avaliação psicológica e a prevençãoprimária e secundária com populações de adolescentes e adultos transgressores são algumas dasdelimitações possíveis no enquadramento dos artigos agora propostos.

Enquanto organizadores sentimo-nos particularmente agradados com a edição deste número espe-cial de Análise Psicológica. Primeiro, porque ele nos parece dar, num primeiro plano, expressão bemvisível a trabalhos que, conjugando investigação e intervenção clínica, se encontram já numa fase dematuridade relevante; depois, por acreditarmos que ele pode vir a ser um contributo estimulante parao desenvolvimento científico.

RUI ARAGÃO OLIVEIRA

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Em primeiro lugar gostaria de dizer o quantome encontro agradecido de estar aqui hoje pre-sente e de me terem desafiado para fazer umacomunicação mais geral sobre o problema dosacidentes rodoviários e os comportamentos derisco a eles inerentes, questão que me tem vindoa ocupar (em conjunto com o Prof. Rui AragãoOliveira e o Dr. Mário Horta), ou seja tentar com-preender o que se passa com aqueles que têmcomportamentos “criminosos” na estrada, sejamalcoólicos ou outros, e de perceber de que forma,podemos contribuir para criar, uma prevençãodeste tipo de comportamentos.

A minha proposta não é eventualmente discu-tir o problema mais geral da psicologia do trá-fego, ou todos os aspectos inerentes a comporta-mentos que se encontram presentes na acidento-logia ligada a comportamentos do tráfego; mas,tentar circunscrever a minha comunicação à voltada própria experiência de discutir em supervisãoestes grupos, e simultaneamente tentar encontrarpara aqueles um enquadramento conceptual maisgeral.

Para a reflexão que iria fazer hoje lembrei-mede uma frase de Shopenhawer, pessimista e nota-

velmente dura. Shopenhawer dizia «a morte é afinalidade da vida»; não dizia que a morte é ofim da vida e sim que a morte é a finalidade davida. Tal ideia, que é uma ideia que respira umpessimismo enorme, no entanto não pode deixarde aparecer-nos na cabeça, quando por exemplo,encontramos as estatísticas que diariamente nosassaltam sobre o número de mortos nas estradas,o número de pessoas que tem comportamentosauto-destrutivos, ou parasuicidários. Obviamenteque alguns pela sua natureza directa e clara mos-tram de uma forma obvia até que ponto e, de quemaneira, a pessoa em questão estava mesmo des-tinada ou auto-proposta para pôr fim aos seusdias. Noutros, tal fenómeno encontra-se obvia-mente mais disfarçado, e portanto não se tornaóbvio para nós que esse comportamento tenhadirecta ou indirectamente um impulso destrutivo.

A prevenção tem por si, ou contém por si doisgrandes problemas. Um deles é obviamente evi-tar através do processo educativo que as pessoastenham comportamentos de risco, e outra ques-tão que está ligada à prevenção, e que me interessaparticularmente, é aquela de que eu irei falar hoje,que é como prevenir a repetição. A prevenção darepetição é, por exemplo, a questão central ou aquestão fundamental que justifica a existência dosgrupos de reabilitação na Prevenção RodoviáriaPortuguesa orientados por um conjunto neste mo-mento bastante impressionante de psicólogos for-mados na área da psicologia do tráfego. Ou seja,não interessa tão somente que a Prevenção Rodo-viária Portuguesa, embora esse seja um aspecto

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 5-10

Repetição e risco (*)

CARLOS AMARAL DIAS (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na RealidadePortuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Psicanalista. Universidade de Lisboa.

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absolutamente fundamental, e sobre a qual nãosou eu com certeza a melhor pessoa para falar,apenas e tão só prevenir um comportamento detal forma que ele não se dê, mas interessa con-seguir que esse comportamento não se repita.Portanto, a prevenção nesse ponto de vista liga-se ao problema social da existência humana, daexperiência quotidiana que é o problema da re-petição de comportamentos. Seremos nós capa-zes de prevenir uma repetição?

Sendo assim, a questão que se põe à volta doproblema do trabalho dos grupos de reabilitação,(grupos de pessoas que se encontram, de algumamaneira expostos durante algum tempo ao tra-balho que visa diminuir a probabilidade da repe-tição do comportamento de risco) é sabermos emprimeiro lugar explicar o que é uma repetição. Emais: tentar perceber o que é que conduz o su-jeito humano à repetição, ou seja, o que é que oleva depois de um comportamento, que clara-mente o pôs numa situação de perigo, que pôs emperigo ou em risco outras pessoas que andam àsua volta, o que é que leva alguém dizia, a repe-tir um comportamento e aparentemente não apren-der nada com uma experiência frequentementeelevadamente penosa.

Esta questão, é uma questão que interessou ospsicanalistas de uma forma geral, e Freud de umaforma muito particular sobretudo a partir de umtexto essencial que escreveu em 1920 chamado“Para além do princípio do prazer”. Reparem queé um título forte: “Para além do princípio do pra-zer”, ou seja, tinha a ver com uma questão que selevantava à própria obra de Freud e ao seu pen-samento. Até essa época Freud pensava, e pensa-va naturalmente baseado na sua própria prática,na sua experiência clinica, que os comportamen-tos humanos podiam ser vistos numa óptica darelação princípio do prazer-desprazer. Os com-portamentos teriam como base essencial a pro-cura do prazer, prazer não no sentido, mais hedo-nista do termo mas à procura de comportamentosque libertassem o excesso de carga ligada a umatensão emocional. Associada, por exemplo a umadescarga dos instintos e por aí fora. De um modogeral compunham aquilo que podia designar deuma forma simples a fase vitalista do pensamen-to de Freud. Mas em 1920 Freud, faz uma voltano seu pensamento e passa, de um ponto de vistaem que o predomínio dos conflitos se centrariamsobre as primeiras tensões centradas na realiza-

ção ou não realização dos nossos desejos sexuaisconscientes ou inconscientes, não importa, paraum outro em que, acima de tudo a questão passaa ser outra, a saber que muitos comportamentoshumanos se inscrevem para além deste princípio.

Por isso o livro se chama “Para além do prin-cípio do prazer” e Freud dá-nos um conjunto im-pressionante de exemplos tirados na prática quo-tidiana, que são substantivos à reflexão sobre oproblema destas pessoas e como este comporta-mento se liga a duas coisas. Uma, a que Freuddesigna de pulsão de morte ou instinto de morte,e outra ainda que é o problema do constrangi-mento da repetição, posto que a palavra alemãwiederholungszwang é traduzida habitualmentecomo “compulsão a repetir”, mas de facto a tra-dução mais correcta seria o “constrangimento arepetir”, ou seja, sermos constrangidos ou obri-gados à repetição.

Freud dá-nos um conjunto de exemplos queterei que brevemente lembrar, só por uma ques-tão de situar quanto mais não seja pedagogica-mente, tudo aquilo que estamos a dizer. Em pri-meiro lugar o problema das chamadas neurosesde guerra, que era uma questão que tinha come-çado a emergir claramente depois da guerra de1914-1918, durante a qual apareceram um con-junto muito impressionante de pessoas que ti-nham os chamados sonhos da guerra, ou seja quedurante a noite os sonhos deles repetiam ou re-produziam de uma forma dramática, os acidentesque tinham tido, os acontecimentos de guerraque lhes tinham acontecido. Portanto, Freud per-guntava-se, e com razão, o que é que levava estaspessoas a terem durante o sono, não um “com-portamento”, ligado a um princípio ou um binó-mio, de prazer – desprazer mas à repetição dosacontecimento traumático, ou seja, o que é quelevava estas pessoas a repetirem um aconteci-mento traumático, ainda que sob a forma de so-nho, e às vezes sobre a forma de comportamen-tos automáticos, como por exemplo, ouvir algumbarulho e meter-se por baixo da mesa.

Perguntava isto a propósito das neuroses deguerra, e perguntava a propósito ainda, de outrotipo de comportamentos que são também do ba-nal, do senso comum, como por exemplo o quedesignou as neuroses de destino. Neuroses dedestino podiam-se caricaturar: aquela senhora quepor três enviúva, por três vezes da mesma ma-neira: ela casa com um senhor que, se vem a des-

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cobrir a curto prazo tem um carcinoma, morre.Parece que esta pessoa é perseguida por um des-tino. Ou seja, há como que um constrangimento,digamos uma repetição de algo que Freud cha-mou pulsão de morte.

A ideia da pulsão de morte para Freud, no en-tanto, é preciso dizê-lo, não é uma ideia simples;simples no sentido de que parece que se trata deuma oposição entre pulsões de vida e pulsões demorte ou sistemas conflitivos, ligados à auto-destrutividade versus sistemas não conflitivos.Mas não se trata de nada disso: a questão essen-cial é outra: uma recuperação dos textos que Freudfoi escrevendo sobre esta matéria, sobre esta ques-tão, revelaram qualquer coisa que se pode maisou menos circunscrever a uma ideia que AndréGreen desenvolveu recentemente. Há aqui umpequeno problema, de genealogia histórica, poispenso que fui quem primeiro o sugeriu num livro“O negativo ou o retorno a Freud”.

A ideia central, quer para Green ou nós mes-mos é que pulsão de morte para Freud é o amor-tecimento, a procura do amortecimento da dor,ou seja, amortecimento da questão traumática;em última análise a pulsão de morte seria, dentrodo aparelho psíquico, a procura do estádio ante-rior a toda a experiência penosa de forma, a con-seguir iludir a própria experiência penosa. Sequiserem, a ideia básica não deixa de estar liga-da a algo de que todos temos conhecimento, dafilosofia de Buda. Ideia verdadeiramente arre-piante: Quando por exemplo Buda nos discursosde Benares afirma que comer dá dor porque oapetite de comer provoca, sofrimento; amar dádor porque a separação do amado dói, o que éque teremos que fazer, sob a égide do o discursoessencial de Buda, é erradicar em vida todas asexperiências, que sejam potencialmente penosas,e também por razão óbvia que, sejam potencial-mente prazenteiras, de maneira a evitarmos a dorsubsequente. Portanto o discurso contém, uma “de-fesa” da pulsão de morte. Isso não é evidente-mente o tema desta conferência: o sucesso do mo-delo do budismo resulta de ser um modelo (úni-co) de registo filosófico. O budismo ateísta pro-põem-nos a vida como preparação para a morte,em que a experiência da vida é balizada e metabalizada pela experiência de morte.

Então o que ligará uma ideia de apagamentoda experiência penosa à repetição de uma expe-riência penosa? Parece que são duas experiências

de carácter antagónico. Ora o trabalho de Freud,a sua genialidade foi mostrar que essa parado-xalidade é apenas aparente. Porquê? Ele próprioo esclarece a propósito dos sonhos da neurose deguerra: «os sonhos das neuroses traumáticas deguerra tentam dominar a excitação posterior de-senvolvendo a angústia cuja ausência foi preci-samente a origem da neurose traumática.» Ouseja, o que Freud afirma, entre esta frase e outrasna obra “Para além do princípio do prazer”, éque aquilo que leva à repetição é que a angústiaé em primeiro lugar uma resposta ao perigo. Épor isso que a angústia “normal” é uma “angús-tia sinal”. Ou seja, antecipação que fazemos nomicrocosmos da mente do macrocosmos da rea-lidade, das coisas mais simples às coisas maiscomplexas. A chamada “angústia sinal” anteci-pa, portanto um acontecimento eventualmenteangustiante. Freud diz-nos uma coisa absoluta-mente fantástica: é que justamente porque não sedesenvolve no momento traumático a quantidadede angústia necessária para responder à situação,que se repete a questão traumática. Ou seja, arepetição da experiência, diz Freud e cito «é nemmais nem menos que a procura da produção deangústia necessária a elaboração psicológica doacontecimento de forma a mobilizar o Eu paradefesas mais adaptativas face à questão». Ou seja,a repetição do acontecimento fica ligado não aoproblema de aprendizagem, do erro (“errei por-que...”), mas à questão de conexão que se deveestabelecer entre o acontecimento traumático quedesencadeia a angústia e a não angústia corres-pondente que deveria existir face ao aconteci-mento, e é precisamente essa angústia não cor-respondente que leva à repetição pelo que o pro-cesso passa a ter, digamos, uma visão completa-mente outra. Nesta não se trata de iludir a ques-tão traumática, mas sim de criar ou recriar con-dições para que a angústia ligada ao aconteci-mento possa agora ser retomada de uma outraforma, de uma outra maneira, de modo a podermodificar a relação entre os mecanismos de de-fesa do Ego e as energias circulantes que tornamo Ego mais flexível à angústia que se encontrareprimida, não resolvida, não elaborada, não pen-sada, a propósito do acontecimento.

Freud aliás vai mais longe, depois em 1926num texto famoso chamado “Inibição, sintoma eangústia” e mostra como duas questões que sãoabsolutamente centrais para o psiquismo humano

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– o recalcamento e o constrangimento à repeti-ção –, se ligam. Ou seja todos os acontecimentosque são reprimidos no consciente e que passam afazer parte do que ele chama Id inconsciente (oId é uma parte do aparelho psíquico que por umlado tem o repositório das pulsões e depois todosos acontecimentos são reprimidos e que fazemparte de nós mas, mas aos quais nós não temosacessibilidade à lembrança ou ao repositório),que todos os caminhos do recalcamento, portan-to, se organizam e se filiam da linha do automa-tismo de repetição ou do constrangimento à re-petição. Porquê? Justamente, é esta mesma repe-tição que não provoca, paradoxalmente, a angús-tia necessária ao pensamento sobre o problema,o que reforça o recalcamento e o recalcamentoreforça, digamos assim, o caminho da repetição.

A frase de Freud, exactamente, é que «todo onão movimento da pulsão vai seguir o seu cami-nho sob a influência dum automatismo, ou sepreferirmos, sob a influência do constrangimentoda repetição». Assim, o factor de fixação do re-calcamento é o constrangimento da própria repe-tição. Que só pode ser afastado, diz Freud, «gra-ças a um livre funcionamento do Eu».

Uma questão fica agora óbvia. A repetição é oproblema central dos comportamentos de risco.A repetição liga-se a uma angústia que fica porelaborar e é isso que leva à repetição. Fica umaquestão, como resolver este “círculo vicioso”? Ouseja como é que vamos retomar o problema da re-petição para o trabalho dos grupos de reabilita-ção da PRP e como vamos repensar esta questãoà volta dos grupos de trabalho, e que muito me-lhor do que eu, o Rui Aragão e o Mário Horta têmprocurado sistematizar.

Em termos da experiência prática tenho-melimitado a escutar, tentar encontrar algumas ques-tões teóricas e técnicas que ajudem depois comomodus operandi. Pegar na repetição e retomartodo o trabalho do grupo. Como sabem os traba-lhos de grupo de reabilitação são com pessoasque têm comportamentos de risco. São depoisfeitos em trabalhos de dinâmica de psicoterapiade grupo embora com um ajustamento temporal.São feitos naturalmente em dois Sábados, têm 12horas grosso modo de trabalho. O que é que sepassa? O que se passa é que temos que criar, epenso que é isso que se tem feito, uma relaçãoentre a repetição que é o mesmo e a procura dacriação do idêntico. Ou seja, a experiência do

grupo tem que ao mesmo tempo premiar o mes-mo, que é o que se passou, para que a quantidadede angústia se liberte, mas esse mesmo ser meta-colocado no idêntico.

Numa pesquisa etimológica, verifiquei que adefinição do mesmo e do idêntico, do ponto devista do dicionário, deixaria alguns problemas por-que, parece que o mesmo conteria já o valor deuma identidade aproximativa da ordem da seme-lhança, ou seja, a ideia do mesmo é já, digamos,uma ordem aproximativa à ideia de semelhança.Enquanto que o idêntico, trata de objectos seme-lhantes, seria super relativo do semelhante. Maseu acho que na área do senso comum quando di-go “fiz o mesmo”, “o que é que tu comeste ontem?,comi o mesmo de anteontem, fiz batatas com ba-calhau”, ou seja, não é o idêntico, o idêntico épor exemplo, comi bacalhau à Gomes de Sá, oucomi bacalhau à Brás, é idêntico mas não é omesmo, ambos têm bacalhau, ambos têm batatas,lá está é o senso comum, o mesmo e o idênticonão são com certeza a mesma coisa. O dicionáriodeu-me, confesso, algum problema, mas tem ideiade que o mesmo é uma identidade aproximativada ordem da semelhança, mas lá está o senso co-mum, finalmente o idêntico é o super relativo dasemelhança. Portanto, sendo assim, suponho quea finalidade técnica essencial destes grupos é po-der aglutinar os protótipos inconscientes que nãotiveram, o contacto com a angústia necessária àprodução de um pensamento sobre o comporta-mento de risco. E este só pode ser afastado gra-ças a um livre funcionamento do Eu. Ou seja, re-criar uma energia que circule mais livremente,permitir uma recuperação energética de maneiraque esta angústia em vez de ser repetida porquenão entendida, agora entendida possa ser re-trans-formada e energetizada de outra forma, investidaem outro tipo de comportamentos. Trata-se final-mente, para retomar a questão que Freud tomaem “Para além do princípio do Prazer”, de evitarque o infractor se transforme no portador do nossodestino, evitar que estas pessoas não transfor-mem a sua relação com o comportamento de trá-fego e seus comportamentos se transformem numaneurose de destino.

Este problema não é um problema menor, por-que sabemos da experiência de quem trabalha notrabalho na Psicologia do tráfego, que há um nú-mero significativo de pessoas que produzem umnúmero elevadamente significativo de acidentes.

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Ou seja que a compulsão a repetir os acidentesfaz delas claramente à volta da acidentologiauma autêntica neurose do destino. Lembro ostrabalhos que tive o privilégio de discutir com oManuel de Matos1, sobre o problema dos aciden-tes rodoviários, que através de medições feitas comescalas de ansiedade e de depressão e risco suici-dário, se observava que jovens condutores comdois ou mais acidentes de motorizada registavamum significativo aumento na escala de risco sui-cidário, e vejam, com baixo nível de ansiedade.Verificamos ainda agora que é a repetição queestá ligada aos níveis de ansiedade baixos.

Podemos então dizer que o nosso trabalho é aprevenção da emergência de uma neurose dedestino. O destino não é inteiramente uma finali-dade, nem uma origem, porque no sentido oci-dental português “é o destino, é o fado...”. So-mente numa neurose do destino é que a repe-tição, não se cessando de manifestar, faz da ori-gem uma finalidade, então chamamos a isto des-tino. Ou seja, somente nestes casos é que existeuma transformação paradoxal de origem e finali-dade e, aquilo que nos aparece como destino éapenas somente uma questão de transformaçãoda origem do comportamento traumático.

Ora então, do meu ponto de vista a resoluçãodesta questão só se pode fazer pela criação doidêntico que viabilize o não-idêntico, ou seja nãose trata de viabilizar o idêntico mas o não-idên-tico. Utilizar a própria estrutura da repetição comoprocesso de diferenciação do idêntico para outrotipo de comportamentos.

De algum modo é isto que se faz nos gruposde reabilitação e a minha contribuição tem sidono sentido de dar um “corpus” teórico a esta ques-tão. Quando vemos o que fazemos: em primeirolugar, é a utilização de uma fotolinguagem. Fo-tolinguagem, que é feita a partir de recortes derevistas onde aparecem por exemplo símbolos depotência, de poder, etc., que podem estar ligadas,

por exemplo, a equivalentes inconscientes de ex-cessos de angústia ligados à própria natureza docomportamento de risco, as fantasias do omni-potência, de poder, etc. A partir da fotolingua-gem, da escolha de uma imagem, exercício que éfeito num primeiro tempo dos grupos, cria-secomo que uma capacidade compreensiva ou per-cepção daquilo que se passa com cada uma da-quelas pessoas que ali estão e que dizem imensosobre elas a partir desse exercício. Depois numasegunda parte dá-se evidentemente, também, umadimensão social, educativa, dos aspectos rodo-viários inerentes mas depois trabalha-se o pró-prio grupo a partir da emergência das históriasindividuais de cada um, que nos são contadas, eda emergência das expressões emocionais, vi-venciais que são também retomadas, seja pela his-tória porque cada um está ali, seja pela própriafotolinguagem. Então, o que é que se faz num ter-ceiro tempo? O que se faz é para todos os efeitosa criação do idêntico, ou seja, criam-se espaçosterapêuticos em que o grupo é exposto através deum mecanismo que designamos de realizaçõessimbólicas, em que aparentemente o que se fazestá distante do ponto de vista cénico ou dramá-tico, daquilo que realmente está subjacente ao acon-tecimento traumático, mas ao mesmo tempo re-produz o idêntico.

Tem sido curioso verificar que esta técnicatem efeitos, tem resultados. Nas discussões cien-tíficas com o Mário Horta e o Rui Aragão e comtodos os amigos que fizeram a gentileza de pedirpara eu supervisionar este trabalho, verifica-seuma diminuição da incidência do constrangi-mento da repetição. Não se verifica, nem se es-pera que se consiga que todas as pessoas que pro-curam estes grupos, deixem ou abandonem estescomportamentos. De facto, do ponto de vista es-tatístico, do ponto de vista da probabilidade esta-tística, a evidência da utilização desta técnica temconseguido uma diminuição de reincidência. Querdizer de facto, no grupo, ao provocar um aconte-cimento que se repete não numa área do mesmo,mas numa área do idêntico, se consegue libertara angústia que estava reprimida e trabalhá-lo numplano mais elaborado, num plano mental, conse-guindo diminuir claramente a repetição do com-portamento.

Penso que isso é um aspecto importante do pon-to de vista terapêutico, do ponto de vista do modusoperandi daquilo que se faz. É revelador, da efi-

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1 Manuel Pires Matos – “Factores de Risco Psicoló-gico em Jovens Condutores de Motorizada e sua In-fluência Relativa na Ocorrência de Acidentes”. Disser-tação de Doutoramento em Psicologia Clínica, Facul-dade de Psicologia e Ciências da Educação da Univer-sidade de Lisboa, 1991.

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cácia de uma prática. É revelador também, pro-vavelmente da relevância de uma teoria. Faze-mos o melhor mas sem ilusão. Muitas pessoasficarão isentas a este tipo de trabalho mas comoem todo o projecto terapêutico, a área da falhatambém existe. Mas de facto estamos satisfeitoscom os resultados que temos obtido, mas saben-do sempre, também, que o que estamos a tratar éde uma violência psicológica, próprio à naturezahumana, o lugar “a força da repetição”.

Acho que um dia Sade disse uma frase: «pro-va-me a inércia, que eu conceder-te-ei o Criador.»Ou seja, aqueles que de facto estão próximos dessainércia da passividade seriam incapazes de mo-dificar o seu destino e transformar a sua vida. En-tregam-se ao “pior” dos criadores, aquele que exis-te antes e depois da Vida, o nada primordial queestá antes e depois de nós que está ligado à ideiada própria Morte. É justamente entre estas duascoordenadas que terminarei. Não quero provaraos pacientes a inércia, não lhes concederei por-tanto o Criador.

RESUMO

Este artigo, baseado numa comunicação oral numcongresso científico sobre comportamentos de risco nacondução e sua reabilitação, o autor aborda problemá-ticas fundamentais psicanalíticas da compulsão à repe-tição inerente à exposição gratuita ao risco, procuran-do balizar estratégias e técnicas possíveis no trabalhoclínico de reabilitação de condutores.

Palavras-chave: Risco, compulsão à repetição, rea-bilitação de condutores.

ABSTRACT

This paper is based in a lecture from a seminar aboutrisk behaviours, traffic and rehabilitation. The authordiscussed psychoanalytic points of view about repe-tition and risk. He tries to organise methodology andclinical issues about traffic offender rehabilitation pro-grams.

Key words: Risk, repetition, drivers rehabilitation.

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A psicopatologia do desenvolvimento tem for-necido importantes contributos para uma melhorcompreensão dos processos mentais inerentes aoscomportamentos de risco. E, por consequência,julgamos que também tem auxiliado na clarifi-cação dos aspectos objectivos e simbólicos ex-pressos nestas mesmas acções.

Neste trabalho, temos como objectivos a com-preensão dos fenómenos mentais da exposiçãovoluntária ao risco, enquadrados na tarefa de con-dução, e também o recurso importante do traba-lho com grupos na promoção da mudança (psí-quica e agida). Por um lado, baseamo-nos nosmodelos conceptuais da psicologia psicodinâmi-ca, e, por outro lado, recorremos à experiênciaclínica com grupos de adolescentes e adultos, quenos últimos 5 ou 6 anos temos animado ou su-pervisionado.

O RISCO, A ACÇÃO E O MUNDO MENTAL

O modelo conceptual da mente humana temevoluído de forma notável; felizmente, pensamosnós, sinal do avanço do conhecimento.

Freud, na sua quase monstruosa produção cien-tífica, ao longo das 4 décadas do início do séculoXX, teve sempre a coragem e humildade, para re-formular múltiplos conceitos, explicações e atémesmo meras hipóteses de trabalho. O seu rigormetodológico e empenho neste propósito, con-textualizado à época, é absolutamente notável eexemplar. O modelo conceptual do funcionamen-to mental, também ele sofreu tremendas trans-formações, se bem que nem sempre compreen-didas ou devidamente divulgadas. Da primeirapara a segunda tópica1, com a teoria da libido edepois com a teoria estrutural, Freud procurouelaborar no essencial uma teoria da personalida-de enquanto instrumento para um ajuste socialou, como comenta no texto “O Eu e o ID”, uminstrumento para alcançar uma solução pacíficaentre os domínios do Id, do SuperEu e o mundoexterno. E, como refere depois em “Análise ter-minável e interminável”, era um modelo da men-te fundamentalmente da ordem do quantitativo.

Mais tarde, já durante as décadas de 30, 40 e50, surgem as ainda hoje surpreendentes descri-

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 11-18

Sobre o trabalho clínico nos grupos dereabilitação de condutores

RUI ARAGÃO OLIVEIRA (**)

(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis-boa. E-mail: [email protected]

1 Não tem propósito aqui a devida explicação dosignificado inerente às tópicas freudianas, até porqueoutros o têm feito com rigor e reflexão devidamenteaprofundada.

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ções da vida fantasmática iniciadas por MelanieKlein. Não avançando propriamente um novo mo-delo conceptual, os seus contributos sobre a con-cretude da realidade psíquica e a descoberta daidentificação projectiva expõe com evidência quenão vivemos num só mundo mas sim em vários,e que mentalmente os paradoxos e contradiçõesco-existem, abrindo espaço a outros desenvolvi-mentos com expressão invulgar, como por exem-plo Matte-Blanco tão bem explorou com a biló-gica e a ideia da multidimensionalidade da mente.

Bion propõe enfim um modelo qualitativo dofuncionamento mental. Descobriu nas suas “ex-periências com grupos”, nome do seu primeirolivro, a diferenciação entre o trabalho mental e ocomportamento e ajuste social.

Diz-nos, então, que qualquer pessoa que tenhacontacto com a realidade está sempre conscienteou inconscientemente formando uma estimativada atitude do grupo para com ela própria. Dessamaneira, o modo pelo qual um homem avalia aatitude do grupo para com ele próprio é, de facto,um importante objecto de estudo, mesmo que nãonos conduza a nada mais.

Bion elabora então dois conceitos fundamen-tais – “mentalidade de grupo” e “cultura de gru-po”. Mas antes realça a dificuldade da ambiva-lência sentida pelos diferentes elementos quandoda constituição do grupo: «é claro que quandoum grupo se forma, os indivíduos que o formamesperam obter alguma satisfação dele. É claro,também, que a primeira coisa de que se dão con-ta é de um sentimento de frustração produzidopela presença do grupo de que são membros» (p.45) (...) «é da natureza dos grupos negar certosdesejos satisfazendo outros, mas suspeito que amaior parte do ressentimento é causada pela ex-pressão num grupo de impulsos que os indiví-duos desejam satisfazer anonimamente e a frus-tração produzida no indivíduo pelas consequên-cias que para si mesmo decorrem dessa satisfa-ção.»

A actividade mental colectiva que se produzquando as pessoas se reúnem em grupos esta-belece o que Bion denominou por Mentalidadedo Grupo. É formada pela opinião, vontade oudesejo unânimes do grupo num dado momento.Todos contribuem para ela anónima ou inconsci-entemente, podendo inclusive estar em desacor-do com desejos, opiniões ou pensamentos dos in-

divíduos, produzindo-lhes uma sensação de des-conforto, mal estar ou outras reacções.

No fundo, mais não é do que a expressão unâ-nime da vontade do grupo, à qual o indivíduocontribui por maneiras de que não se dá conta,influenciando-o desagradavelmente sempre queele pensa ou se comporta de um modo diferente.

A estrutura que o grupo adquire em qualquermomento determinado, as ocupações a que sepropõe e as organizações que adopta constituema Cultura do Grupo. Cultura que é originária dosaspectos do comportamento do grupo que pare-cem nascer do conflito entre a mentalidade dogrupo e os desejos dos constituintes.

Todos nós vivemos em grupos, e disso temosmuita experiência, por inconscientes que seja-mos do que isso representa.

Quando se referiu a Pressupostos Básicos so-bre o funcionamento dos grupos, Bion pretendiaclarificar a «crença emocional da qual participamtodos os membros do grupo e que os impele, emuníssono, a terem um determinado tipo de fanta-sias e desejos» (Grinberg, 1957). Essa estruturaemocional colectiva produziria, segundo Bion,regressões de cada indivíduo a padrões de con-duta mais arcaicos, caracterizados pela predomi-nância de impulsos irracionais e pela menor inte-gração do Ego.

Estes impulsos emocionais subjacentes aogrupo, e que expressam algo como fantasiasgrupais, de tipo omnipotente e mágico, relacio-nam-se com o modo de obter os seus fins ou sa-tisfazer os seus desejos.

Os pressupostos básicos são o equivalente, pa-ra o grupo, às fantasias omnipotentes a respeitodo modo pelo qual serão resolvidas as suas difi-culdades. São estados emocionais tendentes aevitar a frustração inerente ao aprendido por ex-periência, aprendizagem que implica esforço,dor e contacto com a realidade. Representam,assim, reacções de defesa dos grupos às ansie-dades psicóticas: são fantasias grupais omnipo-tentes e mágicas que fortalecem a tolerância àfrustração e se dividem em medo, ódio, angústia,etc...

Do pressuposto básico sobre grupos origina-seum certo número de pressupostos subsidiários,alguns de importância imediata. O indivíduo sen-te que, num grupo, o bem estar daquele é um assun-to de consideração secundária; o grupo vem em

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primeiro lugar. Fora dele, o indivíduo é abando-nado.

Para o grupo, a necessidade suprema é a de so-breviver, não o indivíduo.

Quando o grupo sustenta a ideia de que estáreunido para que alguém proceda à satisfação detodas as suas necessidade e de todos os seus de-sejos, a crença emocional subjacente aos seus ele-mentos é aquela a que Bion chamou de Pressu-posto Básico de Dependência. A convicção co-lectiva é que existe um objecto externo, algo oualguém, cuja função é promover a segurança dogrupo, suposto organismo imaturo.

A sensação de segurança acha-se indissoluvel-mente associada a sentimentos de inadaptação efrustração, dependendo da atribuição de omnipo-tência e “conhecimento mágico” a um dos mem-bros do grupo.

A eleição de um líder do qual o grupo depen-de para o seu desenvolvimento intelectual e es-piritual torna-se uma necessidade. O grupo nãopode subsistir sem um conflito com o qual, se olíder aceitar o papel que lhe foi atribuído, irá exer-cer o poder a que tem direito. O resultado podenão ser aparentemente tão negativo como por ve-zes se supõem, mas o grupo não progride e de-senvolve verdadeiramente. Envolve-se numa eu-foria, chegando até ao fanatismo, fugindo à dolo-rosa realidade.

Se o líder recusa o seu papel, o grupo sente-sefrustrado e abandonado, e um sentimento de in-segurança alastra pelos seus participantes. Quan-do o líder falha na imagem de um ideal de per-feição, os membros reagem primeiro com ódio edepois com uma rápida e completa desvaloriza-ção, iniciando a procura de um substituto.

A cólera e o ciúme são facilmente expressos,mas não possuem a qualidade maciça e não des-pertam o medo que aparece em outros pressu-postos. No entanto, está presente o conflito entreo desejo desta expressão e o desejo de ser madu-ro e independente.

A dependência é uma regressão à situação dacriança pequena ainda dependente para tudo dosseus pais, mesmo nas acções sobre a realidade. Adependência responde a uma fantasia interna dogrupo: a fantasia de um chefe inteligente, bom eforte que assume por si as responsabilidades.

A cultura vigente traduz-se numa perca quasetotal de juízo, e numa passividade praticamentecompleta. Os elementos tendem a portar-se de

forma idêntica à das crianças, esperando ser tra-tadas uma de cada vez, e de modo personalizado.

Otto Kernberg, em recente artigo (2003), ca-racteriza este movimento aqui preponderantecomo uma regressão narcísica do grupo, onde sedá a emergência de um líder auto-congratulante,admirado por todos, assumindo o papel de auto-ridade parental, capaz de a todos chegar, e de quemtodos os elementos podem depender para seusustento e segurança. A regressão inerente per-mite-lhes sentirem-se no direito de serem devi-damente tratados e cuidados, reclamando quandotal não sucede, e acentuando a sua passividade.

Esta regressão narcísica do grupo dependenteé caracterizada pela prevalência de idealizaçãoprimitiva e projecção da omnipotência na figurado líder, assim como do agir de uma dependên-cia regressiva parasitária.

Para que este movimento se instale, o gruposelecciona intuitivamente um líder com caracte-rísticas narcísicas fortes, i.e., alguém que seja con-fiante e seguro de si, que goste de ser o centro dasatenções, e capaz de reassegurar banalidades eclichés que têm um efeito tranquilizante

Numa outra perspectiva, o grupo pode actuarcom a convicção de que existe um inimigo, umperigo, e que é necessário atacá-lo ou fugir dele– Pressuposto Básico de Ataque-Fuga.

Em certo sentido, a atitude ataque-fuga é umsinal de solidariedade do grupo, que se reúne parase auto-preservar. O inimigo comum ao grupo aca-ba, assim, por aproximar os membros que delefazem parte. A preocupação de preservar o gru-po, leva este a ignorar outras actividades ou, senão o puder fazer, a suprimi-las ou a fugir delas.

Por outras palavras, o objecto mau é externo,e a única actividade defensiva perante ele con-siste em destruí-lo (ataque) ou evitá-lo (fuga).

No trabalho já referido, Kernberg (2003) des-creve a regressão paranóica que podemos encon-trar no grupo onde predomina este pressupostobásico: há uma hiper-vigilância e enorme tensão,como que se existisse um perigo comum qual-quer que obriga a uma mobilização agressiva con-junta. Os membros do grupo tendem a fazer a di-visão entre o “pertencente ao grupo” (in group),que envolve o líder, e o “fora do grupo” (out group),que é encarado com suspeição. Esta posição re-força a qualidade hostil e paranóica.

O líder, nestes casos, é encontrado muitas ve-zes em personalidades paranóides, e hipersen-

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síveis, desconfiadas e agressivas, que alimentama ideia de que existe um inimigo dentro ou forado grupo, do qual é necessário defenderem-se.

A tendência vivida pelo grupo é para controlaro líder ou sentir-se controlado por ele, experi-mentando sensações de proximidade, e projec-tando a agressão em algo ou alguém exterior. Deuma forma sucinta, clivagens, projecções da agres-sividade, e identificações projectivas prevalecemcomo mecanismos defensivos.

O grupo pode assim (re)unir-se no processode idealização do líder paranóide, que os “auxi-lia” a projectar toda a agressividade para o “forado grupo”, transformando assim a agressividadein group numa lealdade para com o grupo, decor-rente da partilha da identificação de todos os seusmembros para com o líder.

Ainda um outro funcionamento do grupo, ba-seado numa crença colectiva e inconsciente, se-gundo a qual quaisquer que sejam os problemase necessidades actuais irá haver um facto ou serfuturo que resolverá todos os problemas e peri-gos, constitui o que Bion chamou de Pressupos-to Básico de Associação ao Par ou Acasala-mento.

O importante neste estado emocional é a ideiade futuro, e não a resolução actual, apoiando-senuma esperança messiânica.

A liderança está relacionada com um par quepromete a solução (como o nascimento de um filho),mas sempre num tempo futuro, e que permitirálibertar o grupo dos seus sentimentos presentesde ódio, destruição ou desejo, dando por isso umpropósito à união e coesão entre os membros.

Uma característica comum a todos estes gru-pos de pressupostos básicos é a hostilidade comque se opõem a qualquer estímulo no sentido docrescimento ou desenvolvimento. Há como queuma aversão total a ter de aprender pela experi-ência, sendo o que Bion encarou como ausênciade fé no valor de tal tipo de aprendizagem.

Ao contrário, o Grupo de Trabalho (ou refi-nado) é um estado mental coexistente, que im-plica contacto com a realidade, tolerância à frus-tração, e controlo emocional. Supõe a utilizaçãode métodos racionais e científicos na sua formade abordar problemas, promovendo crescimentoe amadurecimento no grupo e nos seus membros,apesar da sensação dolorosa que possa acompa-nhá-lo.

As intervenções no grupo podem não ser se-

melhantes, mas todas possuem em comum o re-conhecimento da necessidade de se desenvolverem vez de se apoiar na eficácia da magia. Quan-do os elementos se reúnem para uma tarefa espe-cífica, a cooperação é conseguida por estes meiosde trabalho.

A coexistência destes estados mentais, dos pres-supostos básicos e grupo de trabalho, determinaum conflito permanentemente suscitado e sem-pre recorrente no seio do grupo.

O indivíduo parte-se em dois: devido ao factode se ajustar ao pressuposto básico do grupo,sente que os seus objectivos não estão a ser atin-gidos ou então detesta os termos científicos comque tem de trabalhar; e se se centra no trabalhosente o cansaço e fastio do grupo.

Embora os pressupostos antes sugiram alter-nar-se que conflituar-se entre si, a intervenção dogrupo de trabalho, através da interferência numaacção alternativa, parece produzir-se alguns dosaparentes efeitos conflituosos. Há como que umaluta entre o grupo de trabalho, permeado por emo-ções oriundas de um determinado pressuposto bá-sico e dos outros dois pressupostos.

Neste sentido, as combinações emocionais asso-ciadas aos pressupostos básicos que não se en-contram a influenciar activamente a vida mentaldo grupo permanecem latentes, às vezes duranteperíodos consideráveis. Assim, quando um gru-po é impregnado pelas emoções do grupo de de-pendência, os estados emocionais do grupo de ata-que-fuga e do grupo de associação ao par encon-tram-se numa inactividade temporária, manifes-tando-se num sentido diferente.

Neste contexto, concebe-se que o estado emo-cional próprio a um pressuposto básico não é in-teiramente agradável.

O sujeito, num grupo, está ciente de que as po-tencialidades adicionais que são activadas pelafiliação a esse grupo são, muitas delas, melhoradaptadas para funcionar com um grupo básico,ou seja, num grupo que se reúne para agir segun-do os pressupostos básicos. No fundo, acabam porse comportar como se disso estivessem conscien-tes, como indivíduos, mas inconscientes do pres-suposto básico como membros do grupo.

Bion concluiu que os pressupostos básicos apa-recem como formulações secundárias a uma cenaprimária muito primitiva, «representada num ní-vel de objectos parciais e associada com uma an-siedade psicótica e mecanismos de divisão e iden-

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tificação projectiva tais como os que M. Kleindescreveu como características das posições es-quizo-paranóide e depressiva» (Bion, 1961, pp.151-152).

Na sua formulação do funcionamento mental,e não só no que diz respeito aos seus transtornos,logo meramente no campo da psicopatologia, Bioncentrou-se ainda na compreensão daquilo que é opensar. Convenceu-se, então, que era algo quedeveria ser aprendido e ensinado, considerando opensar como um processo que depende do resul-tado bem sucedido de dois desenvolvimentos men-tais básicos: a) a progressão de pensamentos; b)um segundo desenvolvimento, que é o do apare-lho que toma em si esses pensamentos, que de-nominou pensar.

Em ambas as fases podem-se desenrolar com-ponentes psicopatológicos, que podem estar asso-ciados a um colapso no desenvolvimento de pen-samentos ou no próprio aparelho para pensar oulidar com os pensamentos. Ou ainda, em ambosos processos. Recapitulando, temos que a criaçãode um pensamento torna necessário o desenvol-vimento de um aparelho para pensá-lo.

Deste modo, Bion considera os pensamentoscomo epistemologicamente anteriores à capaci-dade de os pensar, sendo que o pensar se desen-volve como aparelho para lidar com os pensa-mentos.

Se é este o caso, então, quase tudo vai depen-der de se evitar ou de se modificar ou de se usaros pensamentos como parte da tentativa de evitarou modificar algo mais.

Podemos inferir daqui a concepção da funçãopensante que introduz a noção de uma área damente susceptível de ser pensada (não psicótica),área essa sujeita à função simbólica, capaz deconter as experiências emocionais e significadosoutros e a imaginação; já a área inacessível à fun-ção simbólica (psicótica, na concepção de Bion),governada por funções de tipo homeostático, nãopensante e não criativa, capaz de reagir peranteideias novas e perante o estranho, com angústiasde carácter catastrófico.

Importante é igualmente perceber que estasduas áreas da mente coexistem desenvolvimen-talmente; isto é, as experiências da realidade in-terna e externa são simultaneamente tratadas, porum lado, através duma função pensante da men-te, capaz de lhe atribuir um significado e de apren-der com a experiência; e, por outro lado, numa

outra área da mente incapaz de promover a in-tegração da nova vivência e a transformação ine-rente, socorrendo-se de mecanismos evacuativos,entre outros, na luta contra elementos desintegra-dores suscitados por estes contactos com a(s) rea-lidade(s).

Deste modo, podemos perceber que, se na cri-ança esta função elaborativa é mais rudimentar,também a circunstância relacional de maior pro-ximidade é uma realidade mais presente, que lhepermite porventura encontrar um espaço continen-te fora de si, capaz de a fazer enfrentar e fazer li-dar com angústias mais destruturantes que a co-loquem verdadeiramente em risco2. Já o adoles-cente, em conformidade com muitos trabalhosepidemiológicos e clínicos, assumem uma outraexpressão no seu grau de vulnerabilidade perantefactores de risco: o alargamento do leque de ex-periências vividas, associado ao processo inevi-tável de autonomia que aí assume lugar de rele-vo, colocam-no numa posição de maior fragili-dade ao enfrentar as angústias que sabemos po-tencialmente destruturantes. Por isso, as relaçõessociais com o grupo de iguais, por exemplo, assu-mem muitas vezes um carácter preponderantecomo elementos mais ou menos facilitadores docrescimento mental.

O corte epistemológico que Bion, mais ou me-nos conscientemente nos acaba por propor,permite assim encarar também a dicotomia atéentão existente entre os aspectos fantasmáticosinconscientes e a acção ou o comportamento agi-do (logo, entre o agir e o pensar) – pensamento eacção são, na realidade, diferentes vias de exter-nalização e actualização do fantasma inconsci-ente!

Este facto permite-nos ler o acto de risco deforma diferente: já não é apenas uma descargapulsional ao serviço do prazer, já não é somente

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2 Assumimos, aqui, o conceito de risco nos seus as-pectos que conjugam as abordagens epidemiológicas,sobre factores de riscos externos, com as de naturezapredominantemente clínica, onde a capacidade de ela-boração interna e de risco nos remetem para os con-ceito de vulnerabilidade, e portanto no assumir do ca-rácter subjectivo da vida mental com poder desestabi-lizador dos referidos factores de risco.

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motricidade capaz de produzir efeitos na realida-de externa, mas tem uma tradução e efeito inter-no a considerar.

A resposta do objecto (ou complexidade de si-tuações objecto) sobre o qual se exerce uma acçãoé, antes de mais, fantasiada e só depois percep-cionada e percebida.

Sabemos que nenhum acto é expressão directado fantasma, porque há um pensamento interve-niente; tal como sabemos que no agir existe sem-pre uma componente de insatisfação, pelo sim-ples facto da exclusão automática de outras po-tenciais possibilidades. Daí a importância dosprocessos fantasmáticos e da capacidade de pen-sar como elementos transformadores. Intervir aeste nível significa estimular esta capacidade trans-formadora capaz de oferecer ao Ser-humanoaquilo que pensamos mais exclusivo: a possibili-dade de escolha, de opção no agir, e consequentede um assinalável mobilismo psíquico.

Fica então mais claro toda a complexidade dosintervenientes internos e externos, da sua ambi-valência, do controlo desejado e/ou retenção doobjecto/situação, e do conflito suscitado se pola-rizar ora mais no objecto/situação ora em si pró-prio.

Assim, temos definido o objecto principal donosso trabalho – a saber, o papel do risco assu-mido fanstasmaticamente no interior de cada um.Somente a “belle indiference” não auxilia o pro-cesso.

No trabalho com grupos de indivíduos envol-vidos nos processos de reabilitação de conduto-res infractores ou de inabilitados, os sujeitos de-vem ser capazes de permanecer dentro da suaprópria organização de personalidade, olhandoas coisas da sua própria perspectiva, mas tam-bém serem capazes de ter uma parte do seu Selfaliada ao do orientador, para desse modo olhar ecomeçar a reconhecer o seu próprio modo de ope-rar, podendo desta forma levar, conforme o evo-luir do trabalho, a uma consideração do “por que”daquilo que está a ocorrer. Tal significa que nãose trata apenas de o psicólogo mudar o ponto devista dos sujeitos – como algo que vem de fora–, mas que a compreensão, porque baseada naexperiência, pode ser absorvida pelos interveni-entes, tornando-se parte integrante de si mesmos.

A nossa preocupação, no trabalho com estesgrupos, não é a de saber se a mudança eventual éboa, regressiva ou perversa, etc. – esse será o

modo como eles conseguem manter o seu pró-prio equilíbrio. Se, pelo contrário, a nossa abor-dagem supuser à partida ideias de como eles de-veriam estar a funcionar, não só deixamos de com-preender os detalhes do sistema em que funcio-nam, mas inconscientemente estamos a influen-ciá-los para fornecerem determinado tipo de res-postas, para que se harmonizem connosco, e paraque gratifiquem os nossos desejos de mudança...;ou, então, para que se revoltem contra nós maisou menos explicitamente.

Podemos conceber ainda a natureza da mu-dança psíquica, usando os termos de MelanieKlein, como um movimento que parte de um tipode relação omnipotente e narcísica de um sujeitorigidificado na posição esquizo-paranóide, em di-recção ao estabelecimento de relações de objectomais reais e totais, com um senso de maior res-ponsabilidade pelos seus próprios impulsos, e pe-los vínculos que o ligam aos outros, e ainda oinício do estabelecimento de uma capacidade deconsiderações e culpa, que o redireccione à posi-ção depressiva.

As resistências inerentes não são apenas in-dividuais, mas igualmente sociais, envolvendo ouso de terceiros. Utilizar o grupo para trabalharestes aspectos é, em nossa opinião, um excelenterecurso, onde facilmente se evidenciam estes mes-mos processos de forma espontânea.

A presença de um grupo desencadeia só por sium certo número de emoções e atitudes que seoferecem como excelente meio de trabalho, ondeo interesse metodológico das situações projecti-vas, propostas nas diversas dinâmicas, realça comtoda a clareza que elas são as mais aptas para omanifestar da relação entre a representação e oobjecto representado.

A dimensão individual das representações asso-ciadas às problemáticas do risco, a sua expressãono domínio rodoviário e a sua modificação atra-vés dos processos grupais assumem-se, então, co-mo principais pontos de referência de toda a in-tervenção desenvolvida.

As histórias evolutivas destes grupos rapida-mente deixam que a sua imaturidade se revele:na tendência para rápida e quase cegamente di-ferenciar o que é bom do que é mau (o exemploclássico é a avaliação dos outros como conduto-res e de nós próprios); na intolerância perante aambivalência (as regras e as leis, num simples erápido exemplo, independentemente da sua com-

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plexidade, são rapidamente classificadas usual-mente conforme os resultados da experiência pes-soal); na divisão entre um mundo idealizado efiguras persecutórias; e, ainda, na construção deuma moralidade primitiva em que os maus sãopunidos e os bons sempre triunfam ou obtêm re-conhecimento.

O que temos presenciado nas acções de rea-bilitação de condutores, além de confirmar a pre-dominância destas complexas questões, e o es-forço por vezes notável de lidar melhor ou piorcom o sofrimento inerente, leva-nos a diferenciarduas posições que usualmente se assumem comoprotagonistas de um conflito interno patente: porum lado, entre o sentir e o esforço mental elabo-rativo de uma complexa teia de emoções e pen-samentos; e, por outro, aceder de algum modo àsideias/sentimentos, etc., mas sentir-se incapaz desozinho as integrar, e pensar, passando a usar ideiase soluções captadas em relacionamentos mais su-perficiais, que se sabem imperfeitas, na tentativade uma justificação repetida incessantementeem certo tipo circular de actividade no qual fi-cam presos, o que permite pouca ou nenhumavariação na atitude e no pensamento, apesar doincómodo por vezes sentido.

Se na primeira situação se procura o aprendercom a experiência, integrando e elaborando asquestões externa/interna que surgiram, a segundaposição reflecte a incapacidade de se transfor-mar, independentemente das consequências, querdo ponto de vista externo quer do ponto de vistadaquelas que dentro de si vão surgindo incontro-ladamente. A predominância desta posição levaà passividade extrema e à indiferença face à pro-blemática da segurança, colocando fora de si asanidade e a responsabilidade de qualquer pro-gresso, assim como a indispensável ambivalên-cia e culpabilidade são deste modo evitadas.

A primeira posição implica o elaborar de umaansiedade de cariz depressivo, capaz não só dese ver a si próprio como objecto total, mas tam-bém de se relacionar com os objectos totais: ocarro, o sistema rodoviário e o judicial, a situa-ção de risco, etc., compostos agora de coisas boase simultaneamente menos boas, do gozo do pra-zer contraposto ao incómodo frustrante da reali-dade.

Diríamos, então, e nesta linha de pensamento,que será na relação interna de ambivalência entreo confrontar-se com o “mau estar” depressivo

(da procura do objecto total) e o esforço do evi-tamento emocional (por isolamento dos afectos,eventual racionalização, e usos de mecanismosprojectivos), onde o “mau” e desagradável, o in-cómodo e confundente são expelidos, que se jo-ga verdadeiramente todo o trabalho clínico comestes grupos.

A relação frequentemente imatura com a auto-ridade surge também ela na relação do grupo como orientador, proporcionando-se assim um mo-mento fulcral para a sua integração. Sendo inca-pazes de se identificarem positivamente com aautoridade, igualmente sentem como algo difícilexercê-la em si próprios. Surgem como relativa-mente conscientes dos processos implicados, mas,no entanto, sem uma boa e madura autoridade in-terna – que acaba negada ou emocionalmenteevacuada para figuras externas de autoridade quese personificam como rudes e punitivas. Destemodo, revelam a sua tendência para desafiar a au-toridade e quebrar as regras, também elas exis-tentes no funcionamento do grupo.

O espaço oferecido através das acções de rea-bilitação de condutores infractores procura que osujeito, livre da pressão judicial basicamente re-pressiva e punitiva, encontre uma perspectiva essen-cialmente compreensiva.

Nesta situação, o sujeito, livre e espontanea-mente, poderá também actuar transferencial-mente na acção, dando então oportunidade ao ani-mador de comentar, associando porventura a ou-tras actuações da vida real, tendo em vista a ela-boração e integração mental.

A acção, ainda que de forma limitada, deveráfomentar a transformação das funções emocio-nais projectivas, a partir de uma função introjec-tiva capaz de permitir ao sujeito desenvolver opensamento de maneira a que adquira compreen-sibilidade, insight e capacidade para tolerar a in-certeza.

Sabemos, pela investigação clínica, que os in-divíduos fazem uso, quase sempre inconsciente-mente, das suas relações sociais, associando-se ecooperando, de forma a reforçar as suas defesase mecanismos mentais. Pensamos que o que di-ferencia a dinâmica de grupo dirigida na acçãode reabilitação, das dinâmicas criadas com ou-tros grupos é exactamente este carácter de con-tenção capaz de promover crescimento e desen-volvimento.

As estruturas vinculares que se estabelecem,

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principalmente na forma como elas existem narepresentação mental do sujeito, caracterizam-sefrequentemente como elementos facilitadores eestimulantes dos comportamentos de risco.

As relações criadas na acção, e quando esta al-cança o êxito pretendido, podem ser sentidas ini-cialmente com fracionantes e desencadeantes de-pressivos, pois são ameaçadoras dos padrões re-lacionais mais ou menos rigidificados que bus-cam o grupo de iguais – reforçadores e reconfor-tantes.

Cremos, no entanto, que será a partir do forta-lecimento deste vínculo que a verdadeira trans-formação de atitude face ao risco se poderá ins-talar e desenvolver. O grupo deverá permitir a for-mação de uma matriz, como um lugar em que al-go/os seus membros podem crescer!!

Pensamos, ainda, que se os condutores infrac-tores agradecem esta abordagem compreensiva éporque os liberta de alguma ansiedade, e pelo su-porte mobilizado para enfrentar dificuldades eperigos dificilmente comunicáveis. Reduzindo aansiedade, o funcionamento inconsciente de ca-rácter mais defensivo diminui, em beneficio domelhor desempenho e do bom senso que acimade tudo cremos que prevaleça.

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RESUMO

Neste trabalho, temos como objectivos a compreen-são dos fenómenos mentais da exposição voluntária aorisco, enquadrados na tarefa de condução, e também orecurso importante do trabalho com grupos na promo-ção da mudança (psíquica e agida). Por um lado, ba-seamo-nos nos modelos conceptuais da psicologia psi-codinâmica, e, por outro lado, recorremos à experiên-cia clínica com grupos de adolescentes e adultos, quenos últimos 9 anos temos vindo a animar ou supervi-sionar.

Palavras-chave: Risco, comportamentos de risco, rea-bilitação, condutores infractores.

ABSTRACT

The principal aim of this work is to analyze mentalstates associated with risk behaviors in drive tasks.Group dynamics are considered as an important workto promote internal transformation and prevent riskbehavior in drive task. The author applied to his expe-rience of the last 9 years with rehabilitation groups withtraffic offenders.

Key words: Risk, risk behavior, rehabilitation, trafficoffenders.

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I

O nosso contributo para estas Jornadas deve,antes de mais, ser estabelecido e clarificado quan-to ao seu alcance e limites. Para tal, considera-mos essencial explicitar que as concepções aquiexpressas estão ancoradas à volta de três eixos,cujas concepções, para as quais remetemos, fo-ram por nós amplamente apresentadas e funda-mentadas (cf. M. E. Marques, 1999). Assim,aquilo que aqui propomos é um (re)texto, no sen-tido que é, ao mesmo tempo, uma síntese e umaaplicação das concepções que temos vindo a de-senvolver, inscritas em acepções específicas e ar-ticuladas entre a Psicologia Clínica, a Psicanáli-se, a Metodologia Projectiva e a Adolescência.As concepções que fundam, servem e expressamos objectivos, os campos de reflexão e as pro-postas que enunciaremos são:

1) Concepções específicas sobre a adolescên-cia: a adolescência é considerada como um

período de desenvolvimento, marcado poruma enorme quantidade e qualidade deprocessos inter, intra-psíquicos e relacio-nais, cuja natureza é assaz complexa mastambém dinâmica. Inscrita a sua compre-ensão num modelo teórico específico, doqual está excluída qualquer referência à psi-copatologia, a adolescência é consideradacomo um processo transformacional ondese criam, recriando, novos objectos e ondeopera um trabalho feito de ligação, comu-nicação, transformação e (re)criação intere intra-pessoais, inscritos no crescimentoe na expansão mentais.

2) Concepções sobre o risco na adolescên-cia: o risco é considerado fundamentalmen-te com base no pressuposto de que a suacaptação, mas sobretudo a sua significa-ção, envolve não só quem nele está im-plicado como actor, mas também quem oolha e designa como tal. Assim, o risco,que aqui será muitas vezes designado co-mo transgressão, aparece submetido e ins-crito na dinâmica relacional, transforma-cional, de crescimento e (re)criação do pro-cesso adolescente, sendo mesmo dele cons-titutivo. Em todas as suas dimensões, mes-mo e sobretudo naquelas que são visíveis,dadas a ver, captadas e depois designadas,a emergência de condutas e comportamen-tos de risco é sempre considerada nas ló-

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 19-26

Avaliação psicológica do adolescente edo risco (*)

MARIA EMÍLIA MARQUES (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na RealidadePortuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis-boa. Psicóloga Clínica.

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gicas e sentidos internos e interpessoaisdos transgressores e dos que com eles es-tão envolvidos – os que designam, os queregulam, os que punem ou mesmo os que“ajudam”.

3) Concepções sobre as formas que toma osaber e o proceder na avaliação psicoló-gica: a acepção da avaliação psicológicaconsiderada, tem como base um absolutoimperativo regulador e organizador, so-bretudo quanto às formas de proceder, queconsiste em estabelecer um percurso e umprocesso de construção de conhecimentodotados de uma clara marca de coerênciae convergência entre concepção de sujeitopsicológico, procedimentos e instrumen-tos que permitem a ele aceder. Nesta acep-ção, a avaliação psicológica é considera-da, ao mesmo tempo, como um processo ecomo um resultado de um percurso deconstrução e de criação a operar na e pelaintersubjectividade.

Parece-nos importante sublinhar que as nossasconcepções da avaliação psicológica se inscre-vem numa lógica de desconstrução clara e assu-mida face aos mais amplos consensos existentesnesta matéria. Há muito que vimos fundamen-tando que a avaliação psicológica, sobretudo aque se realiza ao serviço de uma Psicologia Clí-nica de raiz dinâmica, não tem como inscrever--se apenas nos parâmetros que são mais habitual-mente defendidos. Segundo estes parâmetros, aavaliação psicológica deve assentar na medida(comparação) e no sinal (visível e significativoface a um grupo de referência), deve submeter-seàs lógicas da racionalidade e da quantificação(através da matematização dos procedimentosusados), deve operar através de critérios assentesna tecnicidade, através de uma acção subordina-da ao uso de instrumentos vigiados quanto àssuas qualidades ditas métricas. Neste sentido, ava-liar é assegurar o rigor e a objectividade do mé-todo (o dos testes), ficando, assim, excluídos con-cepções e procedimentos que têm em conta queconhecer um sujeito psicológico, ou melhor, co-nhecer os fenómenos psicológicos que ele pro-duz, implica e impõe, antes de mais, ter em contao contexto em que são produzidos os fenómenosconsiderados, depois é fundamental inscrever osujeito na sua própria história e, por fim, é impe-

rioso considerá-lo como ser activo e inter-activo,que (se) cria e é criado na e pela relação, múlti-plas relações realizadas e vividas em diferentesespaços e tempos.

Assim, as nossas acepções da avaliação psico-lógica submetem-se a uma dupla inscrição, porum lado, nas concepções de ciência mais actuaise, por outro lado, nas concepções de ciência psi-cológica que permitem e impõem considerar queos fenómenos (psicológicos) só podem ser apre-endidos, designados e conhecidos através das for-mas que têm de se dar a ver nas suas qualidadese essência – qualidades e essência sempre subsi-diárias de relação, de múltiplas e sempre estritase delimitadas relações –, fenómenos esses quesão sempre locais e dinâmicos, em ligação, emcomunicação e em transformação, isto é, fenó-menos que devem ser apreendidos também na re-lação que têm com a criação, a criatividade e aauto-organização.

Face ao expresso, constituímos estes três ele-mentos como os termos que terão de ser subme-tidos a uma lógica de coerência e convergência:saber do risco na adolescência implica conheceros processos envolvidos no relacional e transfor-macional adolescente; saber e saber-fazer em ava-liação psicológica implica ter em conta as dimen-sões conceptuais que explicitam o nosso objectoe objectivo de estudo – adolescente(s) e risco(s)obrigatório e inevitável, inscrito(s) no seu signi-ficado inter, intra-pessoal, relacional, transforma-cional e intersubjectivo.

II

Parece-nos importante começar este percursoa partir da afirmação de que a adolescência im-põe a criação de um espaço-tempo para ser vivi-do e para existir, e que nessa criação está sempreenvolvido o experimentar, que, ao mesmo tem-po, expressa e procura sentires e sentidos. Atra-vés do viver, do existir, do experimentar, dos sen-tires e sentidos revelam-se, com formas muitasvezes exacerbadas, poderosos movimentos fei-tos, de um lado, de confronto, de desafio, de rei-vindicação, de autonomia e mesmo de transgres-são, que são no entanto sempre acompanhadospor angústias e incertezas, enquanto, do outro la-do, estão a dependência, a confiança, o desejo e

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o sonho de ser e de vir a ser e de estar ligado,igualmente portadores de angústias e incertezas.

As concepções sobre a adolescência que hojeencontramos têm uma longa história, que aquinão nos cabe explicitar, embora se imponha refe-ri-lo, para não deixarmos de ter uma noção mui-to clara de que diferentes tempos e espaços pro-duzem e consideram os fenómenos de diferentesformas. Embora os adolescentes sempre tenhamsido considerados de uma maneira específica, esempre tenham tido um papel igualmente espe-cífico e importante, através de modalidades deexpressão particulares e sempre diversas segun-do o tempo e o espaço em que se inscreviam, épor volta do século XVIII que a adolescência apa-rece com uma configuração particular que aindahoje persiste. É nessa altura que se começa a cons-tituir a associação entre adolescência e perigo.Esta noção de perigo aparece ainda mais expo-nencial nos últimos tempos, sobretudo quando seconsidera a relação entre adolescentes, grupos econdutas produzidas nos e pelos grupos. De facto,é fácil verificar que a imagem que se tem dosadolescentes é impregnada de temor, temor esseainda acrescido da ideia de que quando agrupa-dos eles são mesmo muito perigosos. Apesar deser uma forma espontânea de viver inevitável, emesmo desejável, nesta altura, a existência co-lectiva não lhes é reconhecida, e embora seja fo-mentada, ela é temida. Com facilidade sociólo-gos e psicólogos vêm nessa existência um fun-cionamento de transgressão, delinquente, peri-goso, de risco. A representação que se tem dosjovens cai assim, facilmente, sob o signo da sus-peita. Os discursos dominantes, também os daciência psicológica, têm uma marca clara de des-confiança e de receio: sejam as drogas, a falta dedisciplina, o insucesso escolar, a vulnerabilidade,o risco.

A insistência em identificar e sinalizar este gru-po (minoritário) com tais marcas, leva inevita-velmente a uma expressão mais desmesurada dasua parte; para além de que o paradoxo se esta-belece quando se exige responsabilidade e obe-diência, por um lado, enquanto, por outro, se in-siste no prolongamento da dependência e da des-responsabilização. Tudo isto ocorre, a título deexemplo, através de formas de socialização cadavez mais problemáticas, marcadas, ao mesmo tem-po, pelo isolamento verificado nas aprendizagense na escolaridade cada vez mais longas, massi-

ficadas e colectivas, e pela incerteza, às vezes nolimite do desespero, quanto à entrada numa viaprofissional e ao assumir um papel de “adulto” –autónomo, criador e produtor.

É fundamental considerar-se como inevitável,estruturante, elemento mesmo constitutivo do de-senvolvimento, do crescimento e do processo deaquisição de novas formas de socialização e de(re)criação de novas formas de ser e estar, a re-lação entre adolescência e transgressão de limi-tes. A questão central que, então, se coloca é o olharque sobre esta transgressão incide: a transgressãodo limite poderá constituir-se como um desvio,risco ou, então, poderá ser considerada como oinerente ao existir, à procura e à expressão desentires e sentidos e ao experienciar, restando ape-nas, em casos de excesso, a necessidade de conter,ou, então, se for caso disso, permitir e promovera mudança e a transformação. Prevenir e intervirserá, assim e antes de mais, ouvir e ver o que nascondutas está contido, aceder ao que elas signifi-cam, tomá-las como conteúdos à procura de con-tinentes, passar do visível ao invisível, do mani-festo ao latente, tudo isto através de um processode construção intersubjectivo, entre Um e Outro,sustentado pela curiosidade e inscrito no desejo eno sonho de conhecer e ser.

A natureza do olhar e do designar, pelo pró-prio e pelo Outro, a natureza das condutas de Unse de Outros – jovens, adultos e também técnicos– é o mais aceso e dorido cerne da construçãoadolescente. É na relação e pela relação que so-mos produzidos e produzimos seres, sentires esentidos. Na adolescência, o ser, ou melhor, as di-versas expressões do vir a ser e do tornar-se pe-la experiência, têm uma inscrição relacionalinequívoca e devem ser consideradas inscritasnuma relação continente-conteúdo, ou seja, asexpressões adolescente devem ser inscritas nocontexto relacional e transformacional onde se re-velam, onde são dadas a ver, onde são designa-das e significadas, e onde se inscreverá o seu devir.

A adolescência é um período do desenvolvi-mento de gradual maturação – inter e intra-psí-quica, psicossexual, psico-bio-social – períodoeste marcado por múltiplas alterações e trans-formações, onde se joga a necessidade de nego-ciar, reunir e integrar múltiplas tendências dife-rentes e opostas. Designemo-las da seguinte for-ma abreviada:

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- Permanente interrogação, incerteza, ver mes-mo angústias sobre o sentido, a coerência ea existência de si e dos outros, que coexistecom atitudes com marcas de excesso – naafirmação de si, na reivindicação ou mes-mo na oposição. Estes sentires e sentidossão vivenciados e experimentados atravésde condutas marcadas pela oscilação entredentro e fora, expandir-se e isolar-se, actuare pensar.

- Necessidade de se viver como diferente, se-parado e autónomo, que coexiste com osseus opostos: sentir-se demasiado igual, co-lado, dependente e à procura de protecção.

Estas tendências diferentes, opostas, contradi-tórias têm a marca clara da clivagem dos sentirese sentidos, de vivências de Eu e de Eu-Outro queaparecem desligados, incompreendidos, o queleva a uma vivência de incoerência e de confu-são e que nos deixa ver emergir, com muita faci-lidade, a participação da identificação projectiva.Há, assim, a necessidade de negociar, de proce-der e realizar integrações, de estabelecer novasrelações continente-conteúdo. Emersos na osci-lação entre a continuidade e descontinuidade, en-tre a clivagem e a integração, entre a necessidadede estabelecer uma clara distinção e separação ea comunicação realizada que visa a diferenciaçãosujeito/objecto, são estes os ingredientes que irãopermitir a instauração e a realização, pela expe-riência, de um processo em que a partir do en-contro, comunicação e relação entre objecto in-terno e externo, entre sujeito e objecto, entre Eue Outro se irão criar novos objectos com novascaracterísticas.

A forte conflitualidade interna e externa, objec-tal e relacional mobilizam e impõem novos pro-cessos de ligação, união e integração, transfor-mação e simbolização, mas sempre a serem ne-gociados com a desligação, o retraimento, a vul-nerabilidade. E o papel do Outro, do externo, éaqui fundamental, como continente e como con-teúdo (conter, significar…)

A exigência em investir a realidade externa comnovos atributos e qualidades, a par das novas, oumelhor, das renovadas e intensas pressões inter-nas, arrastam uma desestabilização do sentimen-to de identidade, arrastam uma enorme dificulda-de em obter gratificação dos objectos, desequili-bram as relações e as ligações entre interno-ex-

terno, entre Eu-Outro. Mas tudo isto ocorre sem-pre a par com um forte desejo de devir, de vir aser. Neste processo, de difícil negociação e esta-bilização, actuam, por um lado, ligação e desli-gação e, por outro, expansividade, privilegiar oexterno e retraimento, isolamento. Neste proces-so ocorre construção, criação, tornar-se. E o pa-pel do Outro é aqui fundamental, fonte simultâ-nea de equilibração e desequilíbrio, numa rela-ção continente-conteúdo.

É neste caldo temperado por movimentos deregressão e progressão e por falhas de conten-ção e de elaboração (fortemente inscritos e su-bordinados pela capacidade de operar a restau-ração e o retempero narcísicos e pelas qualidadesdas relações com o meio), que se vão vivenci-ando e inscrevendo sentires e sentidos de perma-nência mas também de mudança; de decepção,perda, falta mas também de conquista. É nestecaldo que surge a necessidade e inevitabilidadede agir e o imperativo de se tornar. É neste caldoque se vai procedendo à (re)constituição dos ob-jectos, internos e externos. É neste caldo que sevai (re)descobrir e (re)construir o adolescentecom novos objectos, sentires e sentidos.

Este processo, o de tornar-se, leva ao estabe-lecimento de uma nova barreira de contacto,entre os objectos, entre o dentro e o fora, e entreo consciente e o inconsciente. É através dessabarreira de contacto em acção e em transforma-ção, é através dessa actividade de ligação, comu-nicação, de ajustamento e transformação das rea-lidades interna e externa, que se criam novas rea-lidades, que conduzem a novas experiências, quelevam a novas relações continente-conteúdo e anovas significações. É através do uso desse li-mite, ou estrutura (que tem por função ser, aomesmo tempo, recipiente para conter, guardar,superfície e meio de troca), que se pode dar afunção interna de conter e simbolizar, que per-mite a (re)construção de objectos no espaço in-terno e a criação de sentires e sentidos, de sujeitoe objectos renovados.

São as mudanças e as transformações consti-tutivas do processo adolescente que arrastam eimpõem uma acção renovada e renovadora dabarreira de contacto. Actuando e transformando,e sendo actuada e transformada, em simultâneo,a barreira de contacto arrasta o exercício de umavisão binocular, que dá origem à (re)criação denovos objectos e que, em simultâneo, é ela mes-

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ma também modificada. É esta a sua função: acçãorenovadora e renovada, transformadora e trans-formada, criadora e (re)criada de sentires, senti-dos, sujeitos e objectos.

É tomada neste sentido que a adolescência (da-da a necessidade de estabelecer novas diferencia-ções, ligações e comunicações entre Eu-Outro,dentro-fora, consciente-inconsciente através dopré-consciente) é considerada como mobilizandofortemente o uso da clivagem e da identificaçãoprojectiva na sua dupla polaridade e reciproci-dade construtiva, ao mesmo tempo, vinculativa eelaborativa: por um lado, separação e distinção,por outro lado, confusão, indiferenciação e esba-timento de limites entre objectos; estando a reci-procidade na criação de novas ligações, uniões eintegrações.

Como última acepção a ser convocada paraexplicitar o processo adolescente, aparece o con-ceito conflito estético, na acepção estabelecidapor Meltzer, como conflito inerente ao desenvol-vimento. O centro do conflito estético é a capa-cidade de permanecer na incerteza, é a capaci-dade negativa face ao objecto, é o conflito entreo exterior manifesto e o interior ambíguo do objecto,que vai incitar a pulsão epistemofílica. Assim,um aspecto importante a considerar no processoadolescente é a natureza do desejo e da capacida-de de conhecer, de explorar e de crescer, de esta-belecer uma relação íntima e profunda com o(s)objecto(s), sempre emersa na incerteza e semprea poder ser salva pelo vínculo C (conhecimento).A natureza de tal desejo e capacidade vêem-seatravés das possibilidades que se expressam em(re)criar objectos que levam à sua (re)criaçãocomo sujeito. O processo adolescente, processode desenvolvimento e de crescimento, conside-rado como actividade permanente e incessante-mente actuada e realizada, actividade de ligaçãocriadora entre as formas do mundo externo e oimpacte e as significações emocionais do mundointerno, leva a que, sem cessar, se constituam no-vos objectos, ou objectos com novas caracterís-ticas, que vão renovando o próprio sujeito.

Para encerrar esta explicitação sobre o pro-cesso adolescente, recorremos de memória a umapelo escrito pela pena de Jorge Sena, pretenden-do, assim, dar voz ao adolescente que ele foi eatravés da qual procuramos dar voz a outros ado-lescentes: dêem-me espaço para ver passar o tempo!

Este é o apelo mais vivo dos adolescentes, quenos interpela e impõe ser ouvido e considerado.

Nesta linha, no dar voz ao adolescente, nãoresistimos a aqui deixar uma expressão directa emais extensa de um dizer de adolescente, quebem melhor ilustra alguns dos aspectos aquireferidos. Da mesma pena atrás referida, JorgeSena, transcrevemos o poema Mudança, por eleescrito em 1939, aos 19 anos de idade:

Mudança

Agoraas coisas mais redondas são cortantese as evidentes confusase as mais singelas complicadase o movimento parou por ser acompanhadoe a inércia parou porque eu a abandonei e as coisas estão todasaquém de serem coisas.

Já sei que vou mudar de novo...Sim...Já sei que vou sentir mais largoum mais largo que pode ser o mais estreito, já sei que vou sentir um sonhoa vida deste período passadoe sonho desse sonho a vida que foi antes,já sei que as coisas feitas há alguns instantes vão parecer impossíveis,incompreensíveis,e tão mais distantesque o acontecido há muito tempo...

Já sei que vou mudar de novo...sem razões sensíveis, nem razões palpáveis...mas com razãoporque me basta ser para mudar.

Sei que vou mudar...Terei ou não terei mudado agora mesmo?Talvez que só agora o sintae esse sentido de sentir leve mais tempo que os outrospor chegar do fundo até ao pensamentoe do pensamento até eu perceber.

Vou mudar...Neste instante já mudeiagora ou antes...e já sei

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que tudo isto me vai parecer estranho,que me vou esquecer de tudo istoe que até nova mudançanão mais me lembrarei.

Com toda a lucidez apenas possível para quemvive e sente as “coisas” de que falávamos, e paraquem tem a capacidade de as poder dizer atravésde forma tão partilhável e bela, podemos, então,retomar de uma nova forma o que atrás apresen-támos, seguindo a notável sequência que o poe-ma apresenta: o que era e deixou de ser; o que sepode (co)mover; a emergência de um Eu hesi-tante e vacilante, mas também desejoso e inscritono sonho; o existir de um Eu ancorado num es-paço e tempo dilatados e restritos, submetido ecioso do saber e do ser, e onde o olhar e o veraparecem subordinados ao sentir e aos sentidos;um Eu inscrito, irremediável e inevitavelmente,no pensamento, no transformacional, no devir.

São apresentados e narrados os sentires e sen-tidos (conteúdos) que, ao mesmo tempo, se divi-dem e se procuram ligar, unir e integrar (conti-nente): redondo/cortante; evidente/confuso; sin-gelo/complexo; movimento/inércia; acompanha-do/abandonado e abandonante; o aquém (a inevi-tável falta); mais largo/mais estreito; sonho/rea-lidade; antes/agora/depois. De seguida, emerge odesejo, a necessidade e a inevitabilidade de mu-dar: mais sentir (mais largo e mais estreito); semrazões mas com razões (ser é mudar); já feito(impossível, incompreensível, distante). Por fim,ser é mudar: passado, sonho, pensamento, lem-brança e esquecimento.

III

Assim estabelecidas as acepções, as concep-ções e os conceitos fundamentais sobre a adoles-cência e o risco, avançamos agora para a expli-citação das formas a que se deve submeter a ava-liação psicológica. Que estratégias, procedimen-tos, objectos e objectivos nela podem e devemestar envolvidos? Podemos, desde já, explicitarque a formulação apresentada terá de ser tida emconta, ou seja, serão exactamente estes os parâ-metros a ser considerados e perseguidos em ter-mos da avaliação psicológica.

Se, tal como enunciámos no princípio, é fun-damental uma concepção que reuna, por coerên-

cia e convergência, teoria e metodologia, tere-mos então de apresentar os princípios e funda-mentos que devem organizar e fundear umaqualquer avaliação psicológica, no caso que aquiexplicitamos a do adolescente, com vista à deter-minação do risco, para depois se poderem esta-belecer as melhores formas de intervir. Assim,os procedimentos a estabelecer devem ser dirigi-dos e conduzidos para e pela própria essência dosprocessos intra e inter-pessoais, a serem inscritosna sua própria lógica de comunicação, de ligaçãoe de transformação entre o interno e o externo, oEu e o Outro.

Tal como temos vindo a apresentar há algumtempo, uma abordagem clínica assente numa me-todologia à qual chamamos projectiva, na qualocupa um lugar de grande destaque o Rorschach,possibilita esta captação. Se tomarmos como ilus-trativo a nossa conceptualização sobre o processode construção de imagens, conceitos, símbolosque são as respostas Rorschach, mergulhadas queestão numa narrativa que as sustém, vemos comoé possível aceder ao como cada sujeito procede eprocessa face ao objecto, ao impacte do objectosobre o sujeito e à relação, comunicação, liga-ção e transformação entre sujeito e objecto, cal-deada pela e na intersubjectividade.

Uma metodologia deste tipo, clínica, com ori-gem e inscrição numa definição teórica a priori,em que aquilo que se procura e se vai construin-do laboriosamente são as dimensões ligadas aprocessos que ocorrem no sujeito e nas relaçõesque ele estabelece com os objectos, podendo apre-ciar-se, assim, não só o nível a que acedeu, mastambém às possibilidades que expressa em criar,recriando, novos objectos – estando envolvidasaqui acepções de mudança, progressão, desen-volvimento, mas também acepções concernentesàs manifestações de ser psicológico complexo,potenciadas no e pelo contexto e relação onde sãosolicitadas, excitadas e emergem. Este tipo demetodologia, que é formalizado a partir dos se-guintes eixos: relação, interpretação, comunica-ção e simbolização, possibilita perseguir a desig-nação, a explicitação, a expressão e a revelaçãodos mecanismos psíquicos em acção nos pro-cessos de ligação, transformação e criação. Nomais essencial, aquilo a que se acede atravésdesta metodologia, é ao processo de elaboração ede construção de diversas narrativas pessoais (en-tre as quais estão, por exemplo, as imagens Rors-

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chach ou as histórias TAT), acede-se ao trabalhode ligação, transformação e criação entre o in-terno e o externo, Um e Outro, subordinada pelarelação, pela intersubjectividade. O que emerge éum “novo objecto”, que nasce da confrontação –envolvimento, proximidade e distância, ligação eseparação – entre interno e externo, que impõeum trabalho de transformação, construção e co-municação de um sentido, submetido pelo con-texto situacional e relacional onde as narrativassão solicitadas, emergem, são criadas e depois co-municadas. O trabalho mental envolvido nestasituação revela, assim, a natureza da organizaçãoe a essência dos objectos internos mobilizadospela natureza da organização e essência dos objec-tos externos, a natureza dos processos de união eintegração, de recriação, de uns por/com outros,revela a natureza e essência do sujeito potencia-da pelo(s) objecto(s).

Assim considerada, a situação de avaliaçãopsicológica pode ser definida como uma formade aceder ao conhecimento das características darealidade psíquica, das propriedades e qualidadesda mente, das relações que o sujeito estabelececom os objectos e do impacte e ressonância queos objectos têm sobre o sujeito, através da ex-pressão e revelação da forma como os objectosse podem assimilar e reunir, para depois dessecontacto, se poderem separar e recriar.

Uma metodologia deste tipo assenta nas pre-missas de que uma acção psicológica, mesmo ainstrumental, visa revelar o processo de constru-ção de sentido, onde opera a significação e sim-bolização, inscritas numa relação continente-con-teúdo, que assenta e expressa a simbolização (cria-ção de novos objectos, de novas relações conti-nente-conteúdo) e o pensamento.

O dar sentido, a procura de sentido, a signifi-cação, a simbolização e o pensamento operamatravés do envolvimento e comunicação entre per-cepções e representações internas e externas, nu-ma lógica de identidade, sempre relativa, mastambém de transformação recíproca das percep-ções e representações (dado que não se trata deuma relação de igual a igual, mas sim de um sen-tido a encontrar, que reuna e separe interno e ex-terno, no aceder a um novo objecto).

São as qualidades dos objectos externos (in-cluímos a própria avaliação enquanto tal, tomadano seu todo, mas sobretudo com destaque para olugar e papel do próprio psicólogo) que mobili-

zam a expressão/revelação das qualidades e dasligações e transformações dos objectos internos(o sujeito em avaliação). Mas também a recípro-ca.

É possível e é fundamental apreciar-se comosujeito(s) e objecto(s) se ligam (e ligam), se trans-formam (e transformam) se envolvem e comuni-cam e (re)criam as realidades e os objectos, in-ternos e externos.

Criar sentidos, pensar, sonhar e crescer é reu-nir e separar, é comunicar, ligar e transformar,simbolizar e pensar. Na avaliação psicológica ena adolescência, o fora deve ser investido, reco-nhecido, explorado e experimentado, mas tal acon-tece sempre em função do dentro. E, mais umavez, também a recíproca. É neste movimento devaivém entre o fora e o dentro e entre o dentro eo fora, que ambos os mundos se enriquecem etransformam, adquirem novas qualidades e fun-ções, que impõem o escolher, abdicar, inovar, tor-nar coerente e integrar. Este é o movimento dedar sentidos, de acrescentar sentidos, é a essên-cia do criar e do crescer.

Esta proposta não tem como imperativo a ex-clusão de outras formas de abordar o nosso ob-jecto de estudo, visa apenas acrescentar outrasformas e pontos de enfoque. Haverá, na perspec-tiva aqui apresentada, lugar para a procura devalidação na lógica clássica do método dos tes-tes? É claro que aqui está apresentada uma outraordem de factores, onde a verdade não é demons-tração e não se obtém por correspondência massim por coerência. A inscrição desta perspectivaaparece no campo da significação, campo esteque não exclui a validação, embora a subordine aprincípios que aqui não cabe discutir.

Para finalizarmos, resta um último esclareci-mento. Não se pretende com esta proposta re-duzir a importância do fenómeno que aqui nosocupa – adolescente, risco, sinistralidade – masapenas propor o contributo de um certo olhar clí-nico sobre o sujeito, os fenómenos que produz, osentido que neles vemos, formas estas que irãodeterminar a natureza da intervenção. Nesta pro-posta, o enfoque é posto na procura da lógica eda verdadeira essência do que em cada sujeitoactua, que vai conduzir ao expresso e ao visível,nos comportamentos e condutas de risco que,todavia, sabemos ser, na adolescência, inevitá-veis e até mesmo desejáveis. Há, voltamos a sub-linhar, todavia, forças internas e externas que ne-

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les podem estar contidos e que, no limite, nosimpõem mesmo colocar a questão da relação coma morte, que de tão temida pode passar a ser tãodesafiada. Assim, ver as forças elaborativas e in-tegrativas de cada sujeito impõe igualmente es-clarecer a força e a natureza da pulsão de morte,da desintegração, da dispersão, da vivência decatástrofe, o lugar da falta, do negativo por exce-lência.

REFERÊNCIAS

Marques, M. E. (1999). A Psicologia Clínica e o Rors-chach. Lisboa: Climepsi.

RESUMO

A partir de uma conceptualização específica sobre aadolescência e o risco, a autora propõe alguns parâ-metros específicos para a avaliação psicológica. Con-siderada a adolescência como um período do desenvol-vimento no decurso do qual surge o risco-transgressãocomo uma expressão fundamental, os parâmetros pro-postos em matéria de avaliação psicológica são estabe-

lecidos em função da apreciação que deve ser feita dasvicissitudes do processo adolescente, tomadas nas suasdiversas expressões: inter e intra-psíquicos; relacio-nais; de (re)criação e transformação; de simbolização.

Palavras-chave: Adolescência, desenvolvimento, ris-co, transgressão, avaliação psicológica, processos intere intra psíquicos e relacionais, (re)criação, transforma-ção e simbolização.

ABSTRACT

Based on a specific conceptualization on adolescen-ce and risk, the authoress proposes some specific para-meters for psychological assessment. Adolescence isconsidered a developmental period in the course ofwhich risk-transgression arises as a fundamental mani-festation, and so the proposed parameters in psycholo-gical assessment are established in terms of the neces-sary consideration of vicissitudes inherent to adoles-cence process, taken into account its various manifes-tations: inter and intrapsychic; relational; of (re)crea-tion and transformation; of symbolization.

Key words: Adolescence, development, risk, trans-gression, psychological assessment, inter and intra andrelational processus, (re)creation, transformation, sym-bolization.

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CONTEXTUALIZAÇÃO

A presente comunicação visa ilustrar e funda-mentar teoricamente a intervenção que a Preven-ção Rodoviária Portuguesa realiza com adoles-centes candidatos a condutores de ciclomotores.

O projecto, da responsabilidade do Departa-mento de Formação da Prevenção Rodoviária Por-tuguesa em colaboração com o Departamento dePsicologia, foi iniciado em 1999 e formou atéSetembro de 2003 cerca de 5500 adolescentes de14 e 15 anos, 30% dos quais do sexo feminino.Estes candidatos a uma Licença Especial de Con-dução de ciclomotores têm, de acordo com a lei,de frequentar um conjunto de aulas teóricas epráticas e realizar os respectivos exames. Masporque o adolescente «... se exprime sobretudoatravés da acção e a sociedade julga o acto sem apreocupação compreensiva do fenómeno psíqui-co que lhe está subjacente» (Matos, 1996) foipensado dotar o projecto de ferramentas que ul-trapassam o estrito quadro legal de exames (o

julgamento) e intervir mais directamente na com-preensão do psiquismo adolescente.

Em cada curso, o Departamento de Psicologiaassegura a realização de uma dinâmica de grupode duas horas, com não mais de dez alunos, euma avaliação psicológica que podem, a par dasobservações do formador (nas aulas teóricas epráticas e mais geralmente na relação que comeles estabelece), levar à realização de uma oumais entrevistas individuais que procuram apro-fundar e contextualizar esses resultados e essasobservações em casos onde se levantam interro-gações quanto às capacidades do adolescente pa-ra gerir eficazmente as tensões inerentes a estaetapa do desenvolvimento e, logicamente, con-duzir um ciclomotor em segurança.

A minha comunicação baseia-se na supervisãodos colegas que asseguram este trabalho e quequotidianamente têm de fazer um prognósticoquanto ao “risco” de habilitar um adolescente paraa condução de ciclomotores e intitula-se “Inter-venção com o Adolescente em Risco” pois desdeo primeiro contacto – normalmente na dinâmicade grupo –, à entrevista final, a relação com oadolescente se reveste de preocupações terapêu-ticas e tem um papel importante na prevenção decomportamentos de risco, e não apenas os asso-ciados à condução.

A nossa experiência tem vindo a demonstrarque a reunião das informações destas diversasfontes (comportamentos nas aulas práticas e teó-ricas, avaliação psicológica, dinâmica de grupo,

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 27-31

Intervenção com o adolescente em risco (*)

MÁRIO SANTOS HORTA (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na RealidadePortuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Psicólogo Clínico, Mestre em Psicopatologia ePsicologia Clínica, Chefe do Departamento de Psico-logia da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

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entrevistas) permite um eficaz despiste de situa-ções de risco.

A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

As escalas usadas na avaliação psicológicafundamentam-se essencialmente no trabalho dedoutoramento de Manuel Matos (1991) que parteda hipótese segundo a qual os acidentes de mo-torizada nos adolescentes podem não ser devidoao acaso mas a factores de natureza psicopato-lógica, autodestrutiva, em que ansiedade e de-pressão – na sua vertente suicidária – contribuemde um ponto de vista intrapsíquico para a ocor-rência dos acidentes. Além disso, ciente de que oadolescente não pode ser compreendido indepen-dentemente do meio familiar, o autor atribui aoambiente familiar e relacional uma dimensão in-ter-psíquica influente no acontecer de acidentes.Nesse estudo, utilizando sujeitos dos quinze aosdezanove anos, o autor encontra um grupo de su-jeitos com zero acidentes, coincidindo este factocom ausência de sinais de perturbação psicológi-ca, e um grupo com dois ou mais acidentes querevelam a presença sistemática de perturbaçõesde natureza psicopatológica em vários níveis, no-meadamente, através de valores elevados na es-cala de risco suicidário (nível intrapsíquico) e umestilo relacional conflituoso associado a hábitosalcoólicos na família (nível inter-psíquico)1. Demodo geral, valores de ansiedade normais são maisfrequentes do primeiro grupo e menos frequentesno segundo, muito embora a constelação riscosuicidário elevado e ansiedade demasiado baixapossa ser associada a sinistralidade.

Deste modo aplicamos uma escala de ansieda-de e uma escala de risco suicidário à qual asso-ciamos uma prova projectiva estrutural, a provaZulliger2, escolhida pela sua economia pois épassível de aplicação colectiva em cerca de 15minutos, que permite um “instantâneo” do fun-

cionamento mental do adolescente bem como odespiste de traços psicopatológicos.

A DINÂMICA DE GRUPO

Embora enquadrada no número de aulas teó-ricas previstas no programa legal, subordinadaao tema genérico “Factores Internos e Externosque Influenciam a Condução”, a dinâmica degrupo é essencialmente um convite ao adoles-cente para exprimir/associar percepções, senti-mentos, emoções e representações conexas comas expressões genéricas “risco” e “segurança” etecer o respectivo ensaio elaborativo. Para isso uti-lizam-se técnicas que encorajam/propiciam essaexpressão, algumas de inspiração psicodramáti-cas. Utilizam-se, entre outras, a fotolinguagem, oretrato chinês, a linha do risco, o jogo do balão,o jogo das cadeiras, o role-play, a situação maisarriscada, etc.. Não nos é possível aqui a descri-ção de cada uma dessas técnicas3, que devem fa-zer parte do arsenal de cada psicólogo colabora-dor da PRP, mas apenas insistir na sua utilidadepois possibilitam ao adolescente a expressão//associação de sentimentos e ideias de forma nãoverbal, por vezes até de forma agida, mas queencontram no grupo e no orientador interlocu-tores geralmente capazes de descodificar os con-teúdos latentes e fornecer símbolos e pensamen-tos capazes de alimentar os ensaios elaborativosdas diversas problemáticas aí expressas.

De notar que não é necessário, por vezes aténem é desejável, centrar a discussão e as activi-dades na condução propriamente dita. Tambémnão existe propriamente um plano de aula, pois omais importante é facilitar a expressão indivi-dual, o movimento grupal e a promoção do insight.É para nós essencial proporcionar ao adolescenteuma experiência de liberdade e de treino de ca-pacidades, um espaço de escuta e contenção enão algo acabado e pensado à partida.

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1 Encontra ainda um grupo com um acidente quenão é objecto desta comunicação.

2 Semelhante ao Rorschach, é constituída por apenastrês cartões (aplicação individual) ou imagens que sãoprojectadas (aplicação colectiva).

3 Reenviamos os leitores para os textos de Joana Coe-lho (“Instrumentos projectivos na compreensão de com-portamentos de risco”) e Bruno Loureiro (“O trabalhode prevenção na formação profissional”), publicadosneste número especial de Análise Psicológica, que exa-minam com maior detalhe algumas destas técnicas.

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AS ENTREVISTAS

Como se disse, as observações do formador edo psicólogo e os resultados nas provas de ava-liação psicológica podem levar, em certos casos,à realização de uma ou mais entrevistas – essen-cialmente não directivas – que têm duas finalida-des principais: procurar uma explicação do com-portamento do adolescente através da perspecti-vação dos dados obtidos no contexto geral de vi-da do jovem, na sua história e suas característi-cas de personalidade e fazer um prognóstico quan-to às suas capacidades de gestão dos conflitosinternos e externos, ou seja, das suas capacida-des relacionais e elaborativas.

Mas para podermos compreender em toda asua extensão a filosofia de intervenção do De-partamento de Psicologia da PRP gostaríamos defazer uma pequena revisão teórica da adolescên-cia e seus mecanismos defensivos e progressivosessenciais.

ADOLESCÊNCIA, MUDANÇA E REPETIÇÃO

A adolescência é um período de mudanças porexcelência e ao adolescente é exigido, tanto in-terna como externamente, adaptação a essas mu-danças.

Os diversos autores que se têm interessado poreste período do desenvolvimento são unânimesem falar da necessidade da realização do luto dasimagos parentais e da correlativa construção daidentidade. Nas palavras de Coimbra de Matos(2002) esse luto «consiste no desinvestimento dospais como figuras parentais (protectoras e limi-tantes) e sua desidealização (redução às suas reaisdimensões)», sendo um dos mais importantes or-ganizadores da adolescência (Dias Cordeiro, 1975,citado por Coimbra de Matos). A escolha do paramoroso, segundo organizador (Dias Cordeiro,1975, citado por Coimbra de Matos), representao outro pólo do movimento adolescente: a reali-zação dos objectivos genitais e exogâmicos.

Amaral Dias (1995), a propósito do problemada sexualidade na descoberta freudiana interro-ga: «O que será então a sexualidade? Se ela semdúvida se constitui como o mais nobre dos vín-culos adultos e poderosa fonte de mistérios, nãoserá essencialmente no humano o grande gestorda solidão, à qual, como seres irremediavelmente

inteligentes, nos encontramos acorrentados?» Oadolescente, que procura ultrapassar «a antiga si-tuação de heteronomia, em que se regia por leisditadas do exterior (pais) e princípios estranhos àrazão (endeusamento dos pais)» (Coimbra de Ma-tos, 2002) não se descobre, então, só?

Neste sentido a percepção que o adolescentetem da sua própria autonomia, da sua separaçãoradical, torna inevitável a tarefa de regulação doseu próprio narcisismo, que de dependente dasfiguras parentais e seus substitutos (professores,por exemplo) passa a ser assegurado por si pró-prio e eventualmente também nas relações exo-gâmicas que estabelece, construindo verdadeira-mente uma nova identidade.

Esta fractura narcísica não é exclusiva do pro-cesso adolescente. O desenvolvimento humano écaracterizado por sucessivas fracturas, que contêmtambém o seu contrário: as tendências regressivas,o retorno ao mesmo. Nestes processos de mudan-ça há um rompimento de um equilíbrio psíquicopré-existente gerando-se conflitos relacionadoscom a capacidade do sujeito assumir a mudança ecom o seu meio aceitar as transformações que so-brevêm; a essência da crise de mudança implicaum conflito entre a pressão para a mudança e asestruturas psíquicas que, opondo-se a esta, consti-tuem a sua resistência. Pois mudar implica o aban-dono de identificações e a abertura no Self de no-vos espaços psíquicos para novas internalizações:a par do prazer de mudar encontramos também ador que a mudança provoca. Segundo Granel (1987)poderá gerar-se uma situação traumática onde oconflito não é representável só restando um cami-nho: o recurso a defesas motoras primitivas, aoacting, à repetição. A génese da contra-mudança éa compulsão à repetição.

O conceito de compulsão à repetição é intro-duzido por Freud em Rememoração, Repetição ePerlaboração (1914). É observado em certos pa-cientes em processo analítico nos fenómenos detransferência, na actualização do conflito na fi-gura do analista. Freud utiliza neste texto o ter-mo para se referir ao paciente que não tem qual-quer recordação do que se esqueceu e recalcou enão faz mais que o traduzir em actos. O facto es-quecido não reaparece assim sob a forma de re-cordação mas sob a forma de acção. O doente re-pete o acto sem saber que se trata de repetição. Equanto maior a resistência, mais aquela se substi-tuirá à recordação.

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É em Para além do princípio do prazer (1920)que Freud desenvolve o conceito a partir de duassituações: a neurose traumática e o jogo infantil.Não cabe aqui descrever em pormenor as diver-sas considerações que Freud desenvolve em tor-no destas situações, mas observa que o sujeitopassa de uma posição passiva, à mercê dos acon-tecimentos, para assumir um papel activo. E afir-ma então que existe na vida psíquica uma com-pulsão à repetição que se coloca para lá do prin-cípio do prazer, observando-a em acção nos so-nhos da neurose traumática e no impulso ao jogoda criança.

A repetição, o acting, deve ser visto não só co-mo uma resistência mas também como contendouma virtualidade de mudança; assim, não é ape-nas um obstáculo à mudança mas contêm simulta-neamente um germe de movimento progressivo.

Anderson (2000) num texto em que reflecteacerca da avaliação (“assessing”) do risco de au-to-agressão (“self–harm”) em adolescentes mos-tra bem que no adolescente normal há uma flu-tuação entre a necessidade de acting (baseado nomecanismo de identificação projectiva e em ex-periências não elaboradas e que tem como desti-no as figuras parentais) e a capacidade de gestãoprópria (ser mais independente). A maturaçãoimplica um gradual abandono da utilização dasfiguras parentais e maior gestão “independente”.

A repetição – e em certa medida o acting –pode estar então ao serviço da progressão e ma-turação psíquica, do pensamento e da libertaçãodo objecto, através da criação de símbolos e suautilização para o pensar, como se observa no jo-go infantil (Freud) e em certos comportamentosadolescentes (Anderson), ou do desconhecimen-to, como se observa no processo analítico ou emcertos comportamentos de risco: acidentar-se po-de ser uma maneira de tentar resolver os momen-tos críticos em que é necessário assumir uma si-tuação nova, resolvendo a mudança por uma não-mudança (Granel) e, pode ser um comportamentocontra-fóbico ou de índole autodestrutivo (Matos).

CONCLUSÃO

A nossa intervenção tem que ter então em con-ta que nos encontramos em pleno período de mu-dança e o nosso posicionamento deverá ser, noessencial, o acompanhamento dessa mudança.

A utilização, na dinâmica de grupo, de técni-cas activas (eventualmente psicodramáticas),que contêm uma valência agida – pólo privile-giado de expressão adolescente –, visa possibili-tar a comunicação, a notação e a criação de re-presentações para as experiências adolescentes.Obtemos um afastamento do pólo sensorial, per-ceptivo, passivo, dos processos de pensamentoem benefício do pólo mais mentalizado do julga-mento e do teste da realidade. Mas julgar é tam-bém fazer o caminho inverso, é «a acção intelec-tual que decide a escolha da acção motora que põeao adiamento devido ao pensamento e conduz dopensar ao agir» (Freud, 1925) capacidade indis-pensável ao adolescente a quem se pede o domí-nio de uma máquina e a observação de regras.

Partilhamos com Anderson a ideia de que umacompreensão adequada do estado do adolescentetem um efeito tranquilizador, tanto neste comonos que têm a ansiedade e a responsabilidade, par-ticularmente a família. Ou seja, uma boa avalia-ção pode reduzir o risco. É essencial compreen-der que uma avaliação seguida de uma ou maisentrevistas é também uma intervenção terapêu-tica que pode permitir tanto ao adolescente comoa quem dele cuida sentir-se mais compreendido eportanto em menor risco.

Nestes dias em que o andar depressa, o nãoperder tempo, o ter sucesso, o “Compre já! Nãodeixe para amanhã o que pode ter hoje!”, se eri-gem como valores (!?), como substitutos bidi-mensionais da interioridade e do pensamento éimportante não deixar o adolescente mais sóconsigo próprio do que antes, ou seja, assegurarque encontra, através do outro, a necessária con-tenção que o ajude a ultrapassar a etapa final queo guia ao mundo da adultícia e da sua realizaçãocriativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Amaral Dias, C. (1995). A psicanálise e a coisa sexualde Baco a Platão. In (A) Re-pensar: colectânea psi-canalítica. Porto: Edições Afrontamento.

Anderson, R. (2000). Assessing the risk of self-harm inadolescents: a psychoanalytical perspective. Psy-choanalytical Psychotherapy, 14 (1), 9-21.

Coimbra de Matos, A. (1986). Notas sobre a Adoles-cência. In Adolescência: o triunfo do pensamento ea descoberta do amor. Lisboa: Climepsi Editores,2002.

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Freud, S. (1914). Remémoration, Repetition et Perlabo-ration. In La technique psychanalytique. Paris: PUF,1997.

Freud, S. (1920). Au delà du principe de plaisir. In Essaisde psychanalyse. Paris: Payot, 1999.

Freud, S. (1923). Le Moi et le Ça. In Essais de psycha-nalyse. Paris: Payot, 1999.

Freud, S. (1925). A Negativa. In Edição Eletrônica Bra-sileira das Obras Psicológicas Completas de Sig-mund Freud.

Granel, J. A. (1987). Consideraciones sobre la Capaci-dad de Cambiar, la colisión de las Identificaciones,y el Accidentars. (34.º Congreso Internacional dePsicoanálisis, Hamburgo, 1985). Publicado in LaRevista de Psicoanálisis, 42 (5), 1985, Buenos Ai-res Argentina; e in International Review of Psycho-analysis, 14 (4), London, 1987.

Matos, M. P. (1991). Factores de Risco Psicológico emCondutores de Motorizada e sua Influência Relati-va na Ocorrência dos Acidentes. Dissertação de Dou-toramento em Psicologia Clínica, Faculdade de Psi-cologia e de Ciências da Educação da Universidadede Lisboa.

Matos, M. P. (1996). Adolescer e delinquir. Análise Psi-cológica, 14 (1), 23-29.

RESUMO

Descreve-se o trabalho de formação, avaliação psi-cológica e acompanhamento psicológico de adolescen-tes de 14 e 15 anos candidatos a uma licença Especialde condução de ciclomotores. Discutem-se a filosofiado programa, algumas metodologias utilizadas e con-tribuições teóricas que fundamentam estas práticas.

Palavras-chave: Adolescência, formação, acting out,repetição.

ABSTRACT

We describe the work of training, psychological eva-luation and follow up of 14 and 15 year old candidatesfor a special moped friver’s license. We discuss thephilosophy of the program, some of the methods usedand theoretical contributions that support them.

Key words: Adolescence, training, acting out, repe-tition.

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Diz o ditado que a necessidade faz o engenho.Foi um pouco isso que aconteceu com uma dastécnicas de dinâmica de grupos que utilizamosnas nossas acções de prevenção e reabilitação decondutores. Para atingirmos os nossos objectivos fa-ce aos constrangimentos com que nos deparamos,procurámos metodologias dinâmicas adaptadasao grupo, eficazes no despoletar da implicaçãopessoal dos participantes e encontrámos um pou-co mais.

Alguns dos constrangimentos do programa dereabilitação de condutores são os de termos pou-co tempo para atingir um objectivo ambicioso, deos clientes chegarem até nós por via dum ambi-ente processual e judicial, e de os grupos seremsempre heterogéneos.

O tempo: Não temos o tempo de um grupoterapêutico (são apenas 14 horas, em dois Sába-dos), mas temos um objectivo que, diríamos, éparcialmente terapêutico. Terapêutico, porque

se pretende oferecer um espaço de escuta e dedevolução do que é escutado, promovendo a auto--análise e a mudança, pretendendo abrir caminhoà simbolização e à consciência de si. Parcial, por-que se encontra muito circunscrito ao papel decondutor, papel dos múltiplos que qualquer indi-víduo assume (tal como, muito adequadamente,o Prof. Amaral Dias pôde conceptualizar juntodo nosso grupo de trabalho), e mesmo sabendonós que esse papel está intrinsecamente ligado aoutros do sujeito e à sua respectiva personalida-de.

Ambiente processual e judicial: Quanto aoambiente processual e judicial, pelo qual os con-dutores passaram antes de chegarem até nós, fá--los esperar, acima de tudo, o julgamento e ocastigo. Atitudes defensivas, hostilidade, medoda avaliação e do julgamento são questões fre-quentes nos cursos, e podem ser motivadas poressa história processual, muito embora quase sem-pre também se relacionem com características depersonalidade dos indivíduos.

A heterogeneidade dos grupos: Embora agrande maioria dos grupos sejam constituídos porhomens e o respectivo crime seja o de conduçãosob influência do álcool, o que há em comum en-tre os seus elementos é serem condutores infracto-res. Cada elemento tem as suas necessidades pes-soais e, mesmo que todos sejam homens e este-

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 33-35

Instrumentos projectivos na compreensãode comportamentos de risco (*)

JOANA COELHO (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na RealidadePortuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Psicóloga Clínica.

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jam nesta acção devido à condução sob influên-cia do álcool, a sua relação com a condução é di-ferente, a sua relação com o álcool é diferente, in-clusive a sua capacidade de compreensão e ver-balização dos seus actos é diferente, por vezes mes-mo muito diferente.

Além destas necessidades individualizadashá também um grupo, obrigatoriamente diferenteda soma linear das suas partes. Um grupo que mui-tas vezes estabelece uma relação de dependênciaou, mais frequentemente, que hostiliza ou desa-fia o próprio orientador.

Contornar estas dificuldades não perdendode vista o nosso objectivo que é, essencialmente,promover o processo de simbolização, oferecen-do um clima que favoreça o caminho do acto àpalavra, não é tarefa fácil e muitas vezes os psi-cólogos sentem-se perdidos ou confusos com omaterial que o grupo lhes vai pondo nas mãos.

Era necessário um guia, um fio condutor, umfoco que permitisse iluminar as zonas de possí-vel interpretação (e até outras que, embora fiquemfora do campo interpretativo destas acções, podemser úteis para a nossa compreensão do sujeito)acerca das necessidades dos indivíduos que com-põem o grupo, e até sobre o próprio grupo, istoporque o psicólogo tem muito pouco tempo paradiagnosticar para dar resposta, sendo um conti-nente transformador dos conteúdos que lhe sãoentregues.

Ora, como dizíamos, a necessidade faz o en-genho, e foi assim que descobrimos que a técni-ca da Fotolinguagem servia dois propósitos e eraútil tanto para os participantes como para o orien-tador. Depois dum certo “aquecimento”, comapresentações e eventualmente um jogo que abraas portas para um clima diferente. Propomos aosparticipantes a “fotolinguagem”.

A Fotolinguagem é uma metodologia larga-mente utilizada no contexto da dinâmica de gru-pos. Trata-se de apresentar um conjunto de foto-grafias (recortes de jornais e revistas), previa-mente escolhidas pelo orientador da acção, e pro-por aos participantes que escolham uma imagemque represente um ou mais temas propostos. Se-guindo-se comentários sobre as escolhas feitas.

Tem-se revelado uma técnica muito rica e fa-cilmente passamos toda uma manhã à volta doque dela emerge. Habitualmente, propomos al-guns ou todos destes 5 temas: sobre o próprio,

sobre conduzir, segurança, risco e sobre as expecta-tivas acerca da própria acção. Em traços gerais,proporciona:

a) a criação de um clima desprovido de juí-zos de valor

b) a criação de um grupo que encontra os seuspontos comuns

c) o encontro entre o orientador e os partici-pantes através de uma linguagem comum,simultaneamente verbal e não verbal

d) o emergir das temáticas grupais e tipo defuncionamento do grupo

e) o emergir de problemáticas pessoais.

Para nós, o potencial da técnica reside no factode ser essencialmente uma metodologia verdadei-ramente psicológica.

Por um lado, é um exercício projectivo em queo indivíduo ao fazer a sua escolha se faz reflectirno espelho da imagem que apresenta. Essa esco-lha floresce no encontro entre o dentro e o fora,entre a percepção e a projecção.

Por outro lado, é desencadeador do processode simbolização, logo um auxiliar do nosso tra-balho de facilitadores da criação de sentido e detradutores da acção pela linguagem.

É, enquanto exercício projectivo, que come-çámos a olhar este instrumento como auxiliar doorientador no sentido de oferecer uma compre-ensão diagnóstica acerca de cada um dos partici-pantes.

Tratamos a Fotolinguagem como uma ferra-menta – e esta será mesmo a palavra certa –, por-que não se pretende entendê-la como uma provaprojectiva. Não é, nem será nunca, uma prova pro-jectiva, a começar no facto de que não é sempreo mesmo estímulo que é apresentado a diferentessujeitos. É o psicólogo quem escolhe o estímulo,criando assim uma matriz projectiva marcadapelo seu próprio “conflito estético” (Meltzer, 1988),pela sua capacidade de atribuição simbólica epelos seus afectos mais ou menos inconscientes.

Quando a tarefa é proposta aos participantes,ela solicita a participação dos afectos – pela ne-cessidade de escolha – e promove o encontro comos afectos do orientador – que foi o primeiro aescolher. Neste encontro vemos um esboço devínculo, ou antes um momento relacional, umencontro de inconsciente a inconsciente.

Mas olhemos para essas imagens escolhidascomo fotogramas de um filme complexo, peque-

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nas captações de luz de um todo vasto que é oindíviduo. Escolhemos um exemplo que não é omais “espectacular”, mas que se aproxima de mui-tos dos condutores que chegam a nós.

Lourenço, um homem na casa dos cinquen-ta anos, operário, que desde a situação ju-dicial reduziu substancialmente o seu con-sumo de álcool habitual, escolhe:- para se descrever: uma imagem de con-

vívio (onde nós vemos que todos têm gar-rafas na mão);

- sobre condução: uma imagem de jovensa descarregar um carro junto a barcosde regata (uma imagem discordante quenão “joga” consigo, pensamos);

- sobre risco: uma garrafa de whisky etrês copos encavalitados (sem espaçopara o pensamento, o risco está no con-creto, na acção, na intoxicação, sem men-talização ou distanciamento possível e...é sempre um copo a mais);

- sobre segurança: uma imagem de umterramoto “às vezes a segurança nãoexiste nem em casa” (e ressoa em nós:‘nem por dentro’, e por isso é precisofazer um controlo fortíssimo para man-ter as estruturas intactas, desintoxica-das porque ao mínimo deslize pode tu-do ruir).

De início sentimos que não tínhamos poronde pegar, tudo parecia muito próximodo concreto ou revelando uma falta de re-cursos internos que não sabíamos onde po-deríamos “mexer”. Começámos a levan-tar as nossas hipóteses diagnósticas: umindivíduo não muito diferenciado, comum perfil alcoólico que faz um genuíno es-forço de mudança no sentido de controlaros seus hábitos de consumo, mas cuja no-va atitude parece um pouco discordanteconsigo mesmo e por isso esse controlo étão grande que pode perder-se de um mo-mento para o outro e deitar tudo a perder. Durante a acção, o orientador da acção(Drª Ana Mónica Dias) pôde ir confirman-do e interpretando estas hipóteses e pode-mos ver, pelo que Lourenço escolheu naavaliação da acção, a transformação quese operou dentro dele:- uma imagem de um mergulhador que

prepara a pesca junto ao mar, e diz quepode fazer as coisas com calma e tran-quilidade (alguém que pode mergulharmais no fundo, pescar alimento, fazê-losozinho, autónomo, e já sem o fervor docontrolo);

- uma imagem de três pessoas que se cum-primentam entre si (as mãos estão da-das, houve um momento relacional, umvínculo e também um encontro sem gar-rafas).

Há muitos exemplos que gostaríamos de par-tilhar convosco, até porque poderiam enriquecer-nos igualmente com a vossa leitura, com o vossoponto de vista, e assim chegarmos mais longe.Com certeza, daqui a algum tempo, a nossa equi-pa também poderá chegar mais longe, na leiturada fotolinguagem, na precisão diagnóstica, na for-mulação teórica que ela possa ajudar a construire através de uma investigação estruturada. Por en-quanto, do horizonte clínico largo que é a Foto-linguagem, apenas podemos tirar esta fotografia.

REFERÊNCIAS

Meltzer, D. (1988). The Apprehension of Beauty. London:Karnac Books.

RESUMO

Discute-se a utilização da metodologia da Fotolin-guagem como instrumento de compreensão e diagnós-tico em grupos de reabilitação de condutores e comometodologia útil tanto para os participantes como paraos orientadores.

Palavras-chave: Fotolinguagem, condutores infrac-tores, técnicas de dinâmica de grupo.

ABSTRACT

It is presented the photo-language methodology asused in the context of group rehabilitation of trafficoffenders. It is discussed the usefulness of this methodas an instrument for the comprehension and diagnosticof drivers as well as in a way of promoting mental in-sight.

Key words: “Photo-language”, driver offenders, groupdynamic techniques.

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ENQUADRAMENTO

A reabilitação de condutores infractores (RCI),recente em Portugal, é há vários anos praticada egrandemente difundida em alguns países daEuropa (França e Alemanha, entre outros), cons-tituindo-se como uma referência fundamental aonível da prevenção rodoviária.

Estas acções junto dos condutores infractoresenquadram-se numa medida geral de segurançarodoviária, englobando as vertentes individuais ecolectiva, através de dois objectivos em comum:por um lado, fomentar uma condução mais segu-ra aos sujeitos a que se destinam (alterando osseus comportamentos face à condução) e, poroutro lado, contribuir deste modo para a preven-ção no sistema rodoviário em geral (através dadiminuição da sinistralidade).

O projecto de reabilitação de condutores in-fractores da PRP foi criado em 1994 e, desde 1995,têm-se realizado acções com condutores indicia-dos/condenados por crimes. O projecto foi im-plementado de forma mais sistemática a partir de1999.

Este projecto engloba duas vertentes: a Ver-tente Criminal e a Vertente Contra-ordenacional.Os destinatários da vertente criminal são condu-tores que tenham cometido crime de conduçãode veículo em estado de embriaguez (art. 292, doCódigo Penal) ou que tenham cometido o crimede homicídio por negligência, isto é, condutoresenvolvidos em acidente rodoviário do qual tenhamresultado uma ou mais mortes. Os processos-cri-me (isto é, susceptíveis de serem punidos com pe-na de prisão) são tratados pelos tribunais sendo,por isso, processos judiciais.

Os destinatários da vertente contra-ordenacio-nal são os condutores que tenham cometido con-tra-ordenações graves (art. 146 do Código da Es-trada) e/ou muito graves (art. 147) – infracçõesdo Código da Estrada sancionadas com coima ecom sanção acessória de inibição de conduzir (art.138). Os processos contra-ordenacionais são tra-tados pela Direcção Geral de Viação (DGV) e sãoprocessos admnistrativos.

PRESSUPOSTOS SUBJACENTES À CRIAÇÃODO PROJECTO DE REABILITAÇÃO DE

CONDUTORES INFRACTORES

A PRP iniciou em 1994 a preparação de umprograma de reabilitação de condutores infracto-res, inspirado principalmente na experiência dasua congénere francesa, visando a criação e im-plementação de “Estágios de Reeducação para

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 37-41

Reabilitação de condutores: Aspectoshistóricos e aplicação em Portugal (*)

STELA CAMARNEIRO E SILVA (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na Realidade Por-tuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Prevenção Rodoviária Portuguesa.

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Condutores Infractores” (ERCI). Vários factorescontribuíram para esta decisão:

Por um lado, desde 1993, acontecia que al-guns tribunais condenavam certos arguidos aopagamento de indemnizações a esta instituiçãoao abrigo de medidas de suspensão de execuçãode penas por crimes relacionados com o compor-tamento rodoviário. Por outro, constatou-se, atra-vés do contacto com instituições internacionaisrelacionadas com a prevenção rodoviária, a im-plementação de medidas consistentes de reedu-cação de condutores em alguns países da Europa.Também, nessa altura, era manifesta a preocu-pação de várias entidades face ao panorama na-cional de sinistralidade rodoviária.

A comissão de redacção do Código da Estra-da, que veio a entrar em vigor em Outubro desseano, considerando-se incapaz de promover eficaze atempadamente a educação cívica de conduto-res e peões, refere ter elegido o meio de intimi-dação, cominando as sanções e endurecendo-asesperando que assim que tivessem um efeito pre-ventivo (Marques da Silva, 1994, citado por MárioHorta, 1995).

A acção prevista pelo Código da Estrada –sancionar para prevenir a infracção e, portanto, apotencialidade do acidente –, é repressora, nosentido em que se limita a dissuadir pela nega-tiva, existindo um vazio relativamente à funçãopedagógica. Cometida e detectada a infracção en-tra-se no campo da penalização sem espaço paraa prevenção secundária e para a reabilitação.

A ideia da implementação destas acções dereabilitação também surgiu face à realidade cons-tatável no nosso quotidiano de que os infractoresdo Código da Estrada estão, na sua grande maio-ria, conscientes da ilegalidade do seu comporta-mento e das pesadas sanções a que com ele estãosujeitos. A quantidade e dureza das sanções nãoparecem conseguir o efeito intimidativo, even-tualmente desejado, pelo menos junto de certoscondutores. Mas, independentemente da discus-são da eficácia da penalização na prevenção decomportamentos infractores e, por isso, de risco,pretendia-se com a implementação de “estágiosde reeducação”1 oferecer à sociedade soluções

preventivas complementares das já existentes quepudessem, de algum modo, contribuir para a di-minuição desses comportamentos proporcionan-do às entidades judiciais e administrativas uminstrumento complementar para realização dajustiça (implicando activamente o condutor).

Não existindo em Portugal, na altura, uma le-gislação que explicitamente previsse tal tipo deacções, a sua implementação, nessas circunstân-cias, só seria possível através da sensibilizaçãojunto das entidades competentes no sentido depropor alternativas psicopedagógicas às sançõesque incidem sobre os infractores, a exemplo doque acontecia, através de legislação própria, emvários países europeus.

O PROCESSO DE CRIAÇÃO DOS ESTÁGIOS DEREEDUCAÇÃO PARA CONDUTORES

INFRACTORES

Tendo como objectivo a criação/conceptuali-zação, o desenvolvimento e implementação do pro-grama de reabilitação de condutores infractores,a PRP organizou o “1.º Curso de Formação dePsicólogos Animadores de Estágios de Reeduca-ção de Condutores Infractores”, coordenado peloDr. Mário Horta, com a colaboração da Preven-tion Routière-Formation – França e do Institut Na-tional de Recherche sur les Transports et leurSécurité (INRETS) e para o qual foram seleccio-nados 15 psicólogos portugueses (de Lisboa, Por-to, Coimbra e Santarém). Esta formação posicio-nou-os como especialistas em segurança rodo-viária e habilitados na animação de acções dereabilitação. O grupo participou activamente tan-to na definição da filosofia de referência destasacções como na estrutura propriamente dita (“pro-grama”). O curso, com a duração total de 150 ho-ras decorreu em três fases (entre Julho e Outubrode 1994). A 1.ª fase (Lisboa) teve como objecti-vo dotar os participantes de um quadro de refe-rência que lhes permitisse posteriormente a cria-ção, propriamente dita, do programa das acçõese sua efectiva orientação. A 2.ª fase, em Paris, numestágio de 70 horas orientado pela PreventionRoutière-Formation – França com a colaboraçãodo INRETS, visou a definição de objectivos e aelaboração de um plano de formação específico.Foi facultada a oportunidade de observar algu-mas das suas acções (estágios) e de proceder à

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1 Numa tradução literal da terminologia francesa, de-pois modificada por nós para “reabilitação de conduto-res infractores”.

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sua crítica. A partir desta experiência foi possí-vel, seguindo a metodologia por eles proposta,desenvolver um trabalho que implicou a caracte-rização do condutor português na sua especifici-dade cultural e rodoviária e a caracterização docondutor “ideal” (o que se queria “formar”) e fi-nalmente, como consequência destes passos, a de-finição dos objectivos dos ERCI e a reflexão acer-ca dos meios e métodos necessários. A 3.ª fasedo curso (Lisboa), visou a preparação de méto-dos e instrumentos de suporte, o teste dos pro-gramas e das metodologias.

Embora, em parte, inspirado pela experiênciafrancesa, o grupo criou o seu próprio modelo sen-do a estrutura dos estágios/acções de RCI o re-flexo das posições que aquele assumiu nas carac-terizações mencionadas, no diagnóstico da inse-gurança rodoviária e suas causas e na crítica àsacções francesas, sobretudo em relação à sua ori-entação estritamente escolar – considerada inefi-caz no contexto, quer da população portuguesa(dado a elevada percentagem de baixas habilita-ções escolares), quer pelo pressuposto de quenão é por desconhecimento que a maioria dos in-divíduos comete infracções – que impossibili-tava a criação de um espaço efectivo para a im-plicação pessoal dos indivíduos e que estava sub-jacente aos objectivos então definidos para estasacções.

PRINCÍPIOS E OBJECTIVOS GERAIS DOSESTÁGIOS DE REEDUCAÇÃO PARA

CONDUTORES INFRACTORES

A formação proposta a condutores infractoresapoia-se numa dupla constatação:

- Não é por ignorância do Código da Estradanem por incapacidade técnica de domíniodo veículo que certos condutores cometeminfracções e assumem comportamentos derisco (por exemplo: passam sinais verme-lhos, não usam o cinto, circulam alcooliza-dos ou em excesso de velocidade);

- Os comportamentos ao volante não resul-tam só do nosso saber, experiência ou perí-cia, mas também da nossa condição físicadas nossas preocupações do momento, danossa personalidade, das nossas atitudes fa-

ce às regras e aos riscos, entre outros facto-res.

Assumir esta constatação pressupõe perspecti-var a existência de múltiplas variáveis associadasao funcionamento mental do sujeito condutor queo fazem decidir arriscar e infringir a lei em maiorou menor grau.

Os objectivos destas acções passam por criaruma ruptura com os comportamentos infractoresou de risco para favorecer a emergência de ati-tudes positivas em relação ao Código da Estrada(as regras, a lei) e a tomada de riscos. O objecti-vo final é a mudança de posicionamento do su-jeito face à realidade rodoviária, à atitude peran-te o risco, culminando numa atitude de “preocu-pação pela segurança”.

A sua concretização implica tanto a caracteri-zação dessa realidade como a análise e a tomadade consciência da relação de cada um com essarealidade, e das motivações reais dos nossos com-portamentos na condução.

Os métodos utilizados, baseados nas dinâmi-cas de grupo, são essencialmente activos. Visan-do a participação pessoal e o envolvimento de ca-da sujeito, implicando-o activamente no processo,única estratégia possível para promover a inte-riorização de responsabilidades, a reflexão e a mu-dança de atitudes.

As informações ou “conhecimentos” são trans-mitidos apenas à medida que as diferentes dis-cussões decorrem, assegurando a sua pertinênciae ligação significativa com vivências passadas eactuais. Postula-se que é no seio do grupo (vistocomo lugar de posicionamento individual face aosocial) e no estabelecimento de relações entre osseus vários elementos e entre o grupo e o anima-dor que as mudanças podem ocorrer. Este deveprocurar estabelecer uma relação com o grupo noseu todo, através de uma atitude aberta e empá-tica, de escuta e de contenção, que fomente a li-vre associação e onde o sujeito, livre da pressãojudicial, repressiva e punitiva, possa encontrar umaperspectiva compreensiva e um espaço de refle-xão visando a elaboração e integração mental. Adinâmica criada no grupo deverá permitir a de-volução transformada de emoções e sentimentosmuitas vezes confusionais, promovendo um mo-vimento introjectivo de diversos aspectos facili-tadores de uma compreensão geral da dimensão

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social da condução e das relações pessoais com asnormas e leis.

IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DEREABILITAÇÃO DE CONDUTORES

INFRACTORES E SUA APLICAÇÃO EMPORTUGAL

Após a formação atrás descrita e a estrutura-ção de um “programa” das acções de reabilitaçãode condutores infractores, a PRP encontrava-seapta a desenvolver o projecto de reabilitação decondutores infractores. Aguardando a criação delegislação em Portugal conducente a uma articu-lação formal entre os seus serviços e as entidadesoficiais responsáveis, a PRP começou por reali-zar algumas acções a título experimental (comgrupos de voluntários) – Dezembro de 1994 –,iniciando, paralelamente, a sensibilização, de for-ma não institucionalizada, junto das entidades com-petentes. No caso dos tribunais, esta sensibiliza-ção consistia em procurar que os magistrados, eno âmbito dos pressupostos de que a lei penal ge-ral faz depender a suspensão da execução das pe-nas, proferissem a mesma na condição de os in-fractores se submeterem a uma acção de reabili-tação. No caso das entidades administrativas (naaltura Governos Civis e DGV), responsáveispela punição das contra-ordenações, o esquemaera, em princípio, o mesmo: pagamento da res-pectiva coima mas diminuição ou suspensão dainibição de conduzir desde que o infractor se sub-metesse à reabilitação. No que respeita às enti-dades judiciais, contámos no início com o inte-resse de alguns tribunais e em particular de al-guns magistrados (contactados pessoalmente)que nos enviaram arguidos responsáveis por cri-mes (nomeadamente condução sob o efeito de ál-cool e homicídio por negligência), através de me-didas de suspensão da execução das suas penas eforam realizadas as primeiras acções de reabili-tação de condutores infractores – vertente crimi-nal – entre Setembro de 1995 e Setembro de 1996(6 acções, todas realizadas em Coimbra).

Contudo, o desenvolvimento e a implementa-ção sistemática do Programa de RCI pareciamdepender em grande parte, por um lado, da intro-dução no ordenamento jurídico português de me-canismos que prevejam explicitamente acções dereabilitação de condutores infractores; por outro

lado, da atribuição às entidades administrativas decompetência para determinarem a frequência detais acções.

Por várias circunstâncias formais e por faltade suporte legal o projecto RCI não teve conti-nuidade na prática até 1999. A partir dessa data,a equipa do núcleo do Instituto de Reinserção So-cial das Caldas da Rainha, elaborou um plano deacção visando a sua participação no âmbito davertente criminal e iniciou um trabalho de sensi-bilização e de articulação com os tribunais tendocriado o programa STOP – Responsabilidade eSegurança, que começou a ser aplicado em 2000.

As acções de reabilitação de condutores in-fractores da PRP passaram então a integrar esteprograma mais vasto, da responsabilidade do IRS,que inclui, além da acção da PRP – designadapor Curso de Condução Segura (14 horas) –, umcurso sobre o comportamento criminal e estraté-gias pessoais de da reincidência (12 horas), umaconsulta médica que visa a prevenção ou trata-mento do alcoolismo e ainda entrevistas com ostécnicos do IRS.

Relativamente aos mecanismos legais, nos ca-sos em que seja aplicada a suspensão provisóriado processo ou a suspensão da execução da penade prisão, com obrigação da frequência do pro-grama, os condutores são referenciados pelo IRSà PRP. Esta limita-se a realizar a acção com oselementos referenciados e convocados por aquele.

Além disso, nos casos em que não é aplicadoo programa STOP, os condutores podem tambémser referenciados para frequentar a acção daPRP directamente pelos tribunais, que fornecemcópia da sentença, ou pela Procuradoria da Co-marca. Em qualquer dos casos, a informação deretorno sobre o cumprimento da acção será dadadirectamente a quem solicita a medida. Em casosespeciais (quando solicitado ou se justifique), es-ta informação poderá ser acompanhada de rela-tório.

Entretanto, o programa STOP foi sendo pro-gressivamente divulgado pelo IRS que tem pro-curado alargar e dinamizar o projecto a nível na-cional.

Têm sido feitas várias acções neste âmbito,inicialmente sobretudo nas Caldas da Rainha eTorres Vedras, e mais recentemente noutros pon-tos do país, nomeadamente em Lisboa, Vila No-va de Gaia, Setúbal e Faro.

Assim, o programa de reabilitação de condu-

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tores infractores tem vindo a evoluir na sua im-plementação no que se refere à Vertente Crimi-nal.

A Vertente Contra-Ordenacional da reabilita-ção de condutores infractores, requereu alteraçãodo quadro legal e articulação com a DGV (a PRPcomeçou a preparar proposta para a DGV nessesentido, a partir de 2000), pelo que não foi ini-ciada até agora. No entanto, e desde Setembrodeste ano, estão reunidas as condições para a suaimplementação.

De acordo com o n.º 2 do art. 142 do Códigoda Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lein.º 265-A/2001 de 28 de Setembro, a suspensãoda execução da sanção de inibição de conduzir, queanteriormente apenas podia estar sujeita à pres-tação de caução de boa conduta, pode agora sercondicionada, singular ou cumulativamente, àfrequência de acções de formação.

A PRP candidatou-se à realização destas acçõesde formação e o seu projecto foi aprovado pelaDGV. Entretanto o Despacho Normativo n.º 12/2002,publicado em 7 de Março, do Ministério da Admi-nistração Interna, estabelece as acções de forma-ção em casos da suspensão da execução da san-ção de inibição de conduzir e define o Programadestas acções, considerando que o seu objectivoé «reconciliar os condutores que cometam in-fracções graves ou muitos graves com as normase princípios de segurança rodoviária». Este Des-pacho foi revogado por outro de Dezembro de 2002,entrando em vigor em Janeiro de 2003, e que re-gula a actividade da PRP em termos das contra--ordenações.

AVALIAÇÃO DO PROJECTO DEREABILITAÇÃO DE CONDUTORES

INFRACTORES

Planeadas inicialmente para uma intervençãogrupal, as acções de reabilitação de condutoresinfractores têm sido adaptadas a vários contex-tos. O seu programa e metodologias têm sofridoprogressivamente alterações no sentido de umamaior flexibilidade, evoluindo no sentido de umavertente mais dinâmica.

A implementação de um sistema rigoroso deavaliação do projecto RCI em Portugal, a médioe a longo prazo, é um dos objectivos da PRP. Talainda não foi possível por não existir massa crí-

tica (suficiente número de acções realizadas) epor não ser ainda possível efectuar um estudo lon-gitudinal, o mais adequado (por ser um projectorecente). Contudo, as avaliações até agora reali-zadas noutros países, nomeadamente na Alema-nha e na Inglaterra, são francamente positivas econfirmam uma considerável diminuição da rein-cidência nos condutores submetidos a programasde reabilitação.

REFERÊNCIAS

Carvalho, C., Coelho, J., Horta, M., Martins, V., & Ro-cha, T. (2002). Prevenção e Segurança Rodoviária –Intervenção do Psicólogo. Lisboa: Departamento dePsicologia da PRP (Manual interno não publicado).

Despacho Normativo n.º 12/2002, de 1 de Fevereiro de2002, Diário da República, I série B, n.º 56, de 7de Março de 2002.

Despacho Normativo, de 20 de Dezembro de 2002.Horta, M. (1995). Estágios de Reeducação para Condu-

tores Infractores. Lisboa: Departamento de Psico-logia da PRP (texto interno não publicado).

Oliveira, R. A. (2000). Reinserção de Condutores In-fractores – Tramas e Dramas do Condutor. In Pre-venção Rodoviária: conceitos e práticas. Lisboa:PRP, Livro de Textos.

Oliveira, R. A. (2001). Reabilitação de Condutores alcooli-zados. Texto de Apoio ao Curso “Avaliação, Selec-ção e Reabilitação de Condutores”. Lisboa: ISPA.

RESUMO

O presente artigo procura enquadrar e fundamentar acriação e a implementação do projecto de reabilitaçãode condutores infractores da PRP, abordando os pressu-postos subjacentes, os princípios e os objectivos geraise descreve a sua aplicação em Portugal nas vertentes cri-minal e contra-ordenacional do programa

Palavras-chave: Condutores infractores, reabilita-ção de condutores, programas de reabilitação, acçõesde reabilitação, infracções criminais, contra-ordenações.

ABSTRACT

This article addresses the structure and implemen-tation of PRP’s traffic offenders rehabilitation project,by presenting the underlying presuppositions, the prin-ciples and general purposes and describes its applica-tion in Portugal, both for criminal and code infractions.

Key words: Traffic offenders, driver rehabilitation, re-habilitation programmes, rehabilitation courses, criminalinfractions, code infractions.

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Através da “moto” os motociclistas, espe-cialmente os jovens, podem fazer demonstraçõesde potência, de domínio do perigo, do desprezopelas regras, situações que se revelam muitoperigosas expondo-os ao risco de acidente. «Jádei os 200 Km/h na minha mota, mas o meusonho é ir até ao fundo, é ir ao limite, é os 240Km/h» – referiu-me um jovem de 18 anos, numadas entrevistas de acompanhamento individual,no âmbito do Curso de Reabilitação de Condu-tores Infractores. Tal como acontece neste caso,a condução é muitas vezes utilizada pelos jovenspara se superarem si próprios, reforçarem a auto-estima e a sua imagem lutando desta forma, en-tre outras variáveis, contra a inibição e a ansie-dade.

Mas, a interacção da ansiedade com os condu-tores de veículos de duas rodas é algo mais que aadolescência e a juventude e as suas respectivasvicissitudes simbólicas, a ansiedade é uma per-turbação afectiva, que se pode basear em facto-res biológicos, sociais ou mesmo psicológicos epode ser interpretada e lida tanto através de mo-delos dinâmicos, bem como por modelos cogni-tivos ou comportamentais.

A ansiedade é um fenómeno complexo, comdiversas facetas e a sua complexidade dificulta aobjectivação de uma definição uniforme. No en-tanto, actualmente, as definições deste construto,parecem coincidir num aspecto, a ênfase na an-siedade como uma reacção a estímulos stressan-tes, quando os indivíduos acreditam que as con-dições ambientais colocam exigências que exce-dem os seus recursos pessoais. Esta consiste, por-tanto, numa resposta vivencial, fisiológica, com-portamental e cognitiva, caracterizada por umestado de alerta e uma activação generalizada, quepode emergir em circunstâncias diversas, indo damais estrita normalidade à psicopatologia, e po-dendo aparecer em diversos quadros psicopato-lógicos.

O indivíduo ansioso experiencia diversos sin-tomas, cujo número e intensidade podem variar,sendo a ansiedade principalmente caracterizada,no plano psíquico por sentimentos de tensão emo-cional, inquietação, preocupação, apreensão oumedo, vivências que trazem progressivamentedificuldades de concentração, uma certa apatia,baixa resistência à frustração, mau-humor, irrita-bilidade e sensação de perda do controlo – situa-ção que é vivida penosamente, podendo ir ao pon-to de dificultar o funcionamento do sujeito na suavida diária. Além disso, o indivíduo experienciasintomas físicos que reflectem um aumento naactividade do sistema nervoso simpático, como édisso exemplo: o ritmo cardíaco, as palpitações,os suores, as dores musculares, os tremores, asmãos frias e húmidas, etc, etc.. Ou seja, sujeitos

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 43-47

Ansiedade nos motociclistas (*)

RICARDO MENDES (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na Realidade Por-tuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Prevenção Rodoviária Portuguesa.

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com traços de dependência, baixa auto-estima,introversão, inibição e ansiedade social muito fa-cilmente desequilibrarão a sua egostasia, ficandoansiosos.

Deste modo, e tendo em conta o que foi ex-posto, podemos imaginar que um indivíduo comtais características, terá um funcionamento inse-guro e frágil, revelando um conflito interno muitointenso. Como consequência terá na sua vida quo-tidiana dificuldades nas suas relações interpes-soais e na resolução dos problemas com que éconfrontado, tendo uma imagem negativa de si,o que origina sentimentos de inferioridade, peloque frequentemente não se aceita, tendendo a tervivências de culpa e autopunição, a rejeitar-se asi próprio e a sentir-se frustrado por não se reali-zar existencialmente.

E como será a eficiência deste indivíduo nacondução de um motociclo? Que tipo de condu-ção apresentará? Terá uma condução defensivaou pelo contrário será um motociclista com umacondução mais agressiva? A priori, ansiedade emotociclismo parecem ser duas variáveis incon-ciliáveis e a relação entre elas prejudicial para acondução.

Pensar nas vulnerabilidades variadas de umindivíduo ansioso e na condução de veículos deduas rodas em geral é pensar em dois significan-tes distintos que, associados, dificilmente tradu-zirão um significado harmonioso. Ora vejamos,se pensarmos que os veículos de duas rodas têmcaracterísticas bastante diferentes dos veículosde quatro rodas e que, em circulação, o motoci-clista tem que adaptar o seu comportamento emfunção das situações que vai encontrando e tam-bém em função das possibilidades do seu veí-culo; Se pensarmos que a utilização de veículosduas rodas exige mais destreza e agilidade aosrespectivos condutores, e que por outro lado, sãode pequenas dimensões, pelo que ficam, com fa-cilidade encobertos pelos ângulos mortos dos res-tantes veículos, não sendo a sua presença detec-tada pelos condutores destes últimos; E, paraalém disso, trata-se de veículos desprovidos decarroçaria, sendo as consequências dos acidentesde uma forma geral, mais graves, e que um in-divíduo que apresente uma sintomatologia ansio-sa apresentará cognitivamente uma baixa auto-confiança, e uma antecipação do fracasso e dassuas consequências; Então, podemos concluir, queum indivíduo ansioso terá maiores dificuldades

no manejo de veículos de duas rodas, quandocomparado com um indivíduo que não apresentaansiedade.

Além disso, na estrada, qualquer condutor emgeral, e os motociclistas em particular, desem-penham a todo o momento 4 tarefas em cadeia,tarefas próprias da condução e indispensáveis àsegurança de todos os condutores: a percepção,através da qual vê, observa e explora o ambienterodoviário, a previsão, através da qual prevê acon-tecimentos e comportamentos que podem acon-tecer nos momentos imediatos, a decisão da acçãomais correcta de acordo com a informação re-colhida nas tarefas anteriores e por fim a execu-ção da acção propriamente dita, que poderá re-presentar a execução de uma ou mais manobras,como abrandar, acelerar, travar, ultrapassar, buzi-nar ou mudar de direcção. Enfim, a condução éuma tarefa complexa e que envolve várias opera-ções cognitivas e um acidente é, normalmente, aconsequência da ruptura do equilíbrio existenteentre o nível de exigências do próprio ambienterodoviário e o nível de meios ou respostas que ocondutor dispõe a todo o momento, estando mui-tas vezes a quebra desta homeostasia relacionadacom estados limite de ansiedade.

Mas na condução é normal um certo grau deansiedade que, muitas vezes, é útil para nos esti-mular a agir. A ansiedade é experimentada comonormal se for adequada às circunstâncias e aceitecomo um acontecimento que resulta naturalmen-te de um estímulo. Imaginemos a seguinte situa-ção: um motociclista que circula numa estrada esubitamente se depara com um obstáculo, fican-do na iminência de ter um acidente rodoviário.Nesta situação é normal o despoletar de uma reacçãode emergência simpática. Isto é, o ramo simpáti-co do sistema nervoso autónomo é activado e,entre outras coisas, produz a contracção dos mús-culos das paredes arteriais, verifica-se um au-mento imediato na força do sangue expelido,tendo como resultado, o músculo esquelético re-ceber o sangue com mais rapidez. Podendo, nestescasos, esta activação fisiológica representar uma“angústia sinal”, ou por outras palavras uma an-siedade estimulante, preparando o motociclistapara reagir e superar o inesperado obstáculo.

Esta activação fisiológica poderá assumir tam-bém um carácter bloqueador de comportamento.A confrontação de um motociclista com uma si-tuação desconhecida poderá representar uma si-

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tuação geradora de ansiedade. A gestão e o con-trolo desta activação fisiológica dependem da ava-liação cognitiva do contexto global da situaçãoem função das capacidades e competências pró-prias e da auto-confiança do próprio condutor, porexemplo, um indivíduo pode sentir uma discre-pância entre o que lhe é exigido e as suas capaci-dades sentindo-se, deste modo, vulnerável peran-te a situação. A influência da componente cogni-tiva da ansiedade no desempenho motor poderátambém, muitas vezes, estar relacionada com ainexperiência do próprio motociclista.

Mas, poderá acontecer ainda uma terceirasituação, não haver qualquer activação fisioló-gica da emoção da ansiedade, podendo tal facto,de igual modo, predizer uma condução desade-quada face ao estímulo proveniente do ambienterodoviário, ou seja, incapacidade do motociclistapara perceber e reagir à complexidade da situa-ção, revelando uma percepção deficitária do ris-co. Neste caso, o nosso motociclista depois de sedeparar com o obstáculo não teria a capacidadede racionalizar a cena na sua totalidade e tende-ria a agir impulsivamente, arriscando e aumen-tando, deste modo, a probabilidade de acidente.

Algumas revisões científicas valorizam deter-minadas características, habitualmente presentesnos condutores ansiosos. Estes são frequente-mente condutores muito conscienciosos e pru-dentes, com uma percepção elevada do perigo eum auto-controlo comportamental persistentemas que, em certas situações, fruto da sua insta-bilidade, ou seja, vulneráveis perante níveis ele-vados de ansiedade, poderão envolver-se em aci-dentes. A fadiga, a pressa, os fracos níveis deconcentração, a perda de controlo, a fraca per-formance na condução e a condução agressiva,são alguns dos factores etiológicos de sinistra-lidade rodoviária, decorrentes da ansiedade.

O nosso motociclista está novamente prontopara ir para a estrada. Como um bom condutorteve a atenção de inspeccionar o veículo, aparen-temente está pronto, sempre preocupado com asua segurança não se esqueceu de vestir o blusãode cabedal, não se esqueceu das luvas e do capa-cete. Está na estrada, a “moto” é como se fosseuma extensão de si mesmo, da sua imagem, doseu corpo, por isso cuida dela como se de si pró-prio se tratasse. A sua “moto” está sempre umbrinco, sempre a brilhar, um risco é significadode mazela corporal, seguida de infecção e da

correspondente dor de cabeça. A sua condução écuidadosa, é um condutor modelo, sempre preo-cupado com os riscos, com os buracos, com osoutros condutores e com as regras. Não se atrevea arriscar, a gozar um pouco este objecto de pra-zer, tem de estar sempre alerta, de súbito encon-tra um obstáculo, fica instável e hesitante, pensa«não vou conseguir, não vou ser capaz de con-trolar a situação, tenho que aumentar a velocida-de», o ritmo cardíaco acelera, não consegue de-cidir, não sabe o que fazer, está confuso, acelera,trava, derrapa... afinal o excesso de controlo donosso motociclista resultou em descontrolo. Ape-sar de ser um motociclista com muitos anos decarta de condução e com muitos quilómetros per-corridos, o factor psicológico parece ser o maisdifícil de ultrapassar, parecendo existir a dúvida:como pode ele ter experiência de condução senão arrisca, para ganhar experiência não é pre-ciso arriscar alguma coisa?

No extremo oposto deste nosso motociclista,podemos encontrar os indivíduos em que o tipode condução é fundamentalmente de lazer/des-portiva e, para os quais conduzir simboliza umafonte de grande excitabilidade e prazer, sendopor vezes um meio importante para se valoriza-rem. São condutores caracterizados na literaturaespecializada por experienciarem pouco stress,procurarem aventura, por serem impulsivos, comfraca percepção de perigo, pouco prudentes, pron-tos para a acção, com fraco controlo comporta-mental e com pouco respeito pelas normas so-ciais. Tais factos podem constituir uma explica-ção para a maior propensão destes condutorespara comportamentos de transgressão na estrada,assim como para um seu maior envolvimento emacidentes. Mas, mesmo nestes condutores, a an-siedade, pela sua ausência, poderá desempenharum importante papel.

As causas que contribuem para a elevada si-nistralidade entre os utentes de veículos de duasrodas poderão residir no elevado número de veí-culos, na vulnerabilidade inerente aos conduto-res, na ausência de formação específica, na faci-lidade de obtenção de licenças de condução e nafrequência de comportamentos potencialmenteperigosos. No entanto, os erros na tarefa, como aincapacidade de evitamento do choque, o exces-so de travagem com a roda traseira, o pouco usodo travão da frente, não usando a desaceleraçãopara evitar os obstáculos são, normalmente, os

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principais factores para a ocorrência de aciden-tes. E estes “erros” têm maior probabilidade deacontecer em condutores ansiosos, enquanto osmotociclistas com estruturas mais extrovertidasapresentam maior propensão para efectuarem trans-gressões às leis do Código da Estrada.

Os erros e as transgressões dos condutores,constituem dois tipos de comportamentos cometiologias muito diferentes e que implicam a adop-ção de formas de intervenção diferenciadas. En-quanto as transgressões e a adopção de compor-tamentos de risco estão relacionadas com facto-res de ordem motivacional e atitudinal, os errosna tarefa são baseados em processos perceptivoscomo a atenção e a cognição, passando a inter-venção preventiva dos mesmos por objectivosmais práticos, de forma a que os condutores con-sigam utilizar os seus recursos de forma maiseficiente. Neste sentido, a prática e o treino tor-nam-se numa ferramenta importante para a pre-venção de determinados acidentes de veículos deduas rodas, fornecendo ao condutor técnicas e es-tratégias de condução defensiva, mas possibili-tando também ao condutor ansioso a capacidadede se valorizar, de se ver como capaz perante asvicissitudes do sistema rodoviário. Este tipo deestratégia preventiva parece ser a mais adequada,porque permitiria ao nosso motociclista diminuira discrepância existente entre a confrontação comas exigências do que percepcionou, o obstáculo,e a sua auto-confiança na capacidade para solu-cionar o inesperado, levando-o a agir adaptativa-mente em função do estímulo visual recebido.

Tendo em conta que os acidentes de “motos”aumentam de ano para ano, constituindo um pro-blema preocupante para a Psicologia do Tráfegodevido tanto à sua taxa de implicação, que ésignificativamente maior do que a dos veículosde quatro rodas, bem como pela taxa de gravida-de dos acidentes, a Prevenção Rodoviária Portu-guesa (PRP), iniciou, em 2001, os Cursos de Aper-feiçoamento de Condução de Motociclos (CACM),de forma a dotar os motociclistas de condiçõesque lhes permitam utilizar os motociclos commaior qualidade, maior segurança e maior prazerincidindo, por exemplo, em ensinamentos comotravar em segurança, ultrapassar obstáculos ines-perados ou curvar da melhor forma. Possibilitan-do desta forma que o condutor possa enfrentar assituações com um nível de meios ou respostas su-periores às exigências do trânsito.

E porque a saúde psicológica do condutor é factorde importância vital na condução, os motociclis-tas participantes nestes cursos são sujeitos a umaavaliação psicológica, que visa o diagnóstico dascaracterísticas psicológicas e o conhecimento dealgumas especificidades destes enquanto condu-tores. A avaliação psicológica e a determinaçãodos níveis de ansiedade, que são registados atra-vés de um monitor de frequência cardíaca permi-te a cada participante ter a percepção da sua fre-quência cardíaca na situação de repouso (antesdos exercícios) e na situação de esforço/stress(durante e depois do exercício), proporcionando-lhe deste modo a percepção de certos momentosde tensão e a melhor forma de os controlar.

Apesar do motociclo ser, na maior parte dasvezes, uma fonte de sentimentos eufóricos, deprazer, de poder pessoal, e de a velocidade pro-vocar emoções positivas e entusiasmo nos con-dutores, pode também, despertar sensações dis-fóricas (de origem ansiogénica) nos motociclis-tas. Por isso, é igualmente necessário, estarmosatentos à ansiedade nos motociclistas se quiser-mos encarar a prevenção rodoviária como um todo.

É importante darmos resposta a este fenóme-no, para isso é necessário a colaboração e o es-forço de todas as instituições, mas com especialenfoque para aquelas que ensinam aos futurosmotociclistas as noções básicas de uma conduçãosegura, como as escolas de condução, que muitasvezes, se limitam a preparar os motociclistas pa-ra os exames. Depois... cada um que aprenda porsua conta... e risco dos outros. Por tudo isto, se-ria importante que o futuro da prevenção de aci-dentes com veículos de duas rodas, passasse nãoapenas por uma avaliação do Código da Estradae prática de condução, mas também por uma ava-liação psicológica, na qual se fizesse o despistedos factores de risco, nomeadamente da ansie-dade.

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Vieira, M., & Oliveira, R. A. (2001). Risco de suicídioem condutores adolescentes. Monografia de licen-ciatura em Psicologia. Lisboa: Instituto Superior dePsicologia Aplicada.

RESUMO

Na presente comunicação abordam-se os efeitos e oimpacto da ansiedade no comportamento e rendimentomotor, com especial enfoque para o papel da ansiedadeno comportamento dos motociclistas. Apesar do moto-ciclo ser, na maior parte das vezes, uma fonte de sen-timentos eufóricos, de prazer, de poder pessoal e de a

velocidade provocar emoções positivas e entusiasmonos condutores, pode também despertar sensações dis-fóricas, de origem ansiogénica, nos motociclistas.

Tendo em conta que os acidentes de “motos” au-mentam de ano para ano, constituindo um problemapreocupante para a Psicologia do Tráfego devido àssuas taxas de implicação e de gravidade dos acidentes;e tendo em consideração as vicissitudes da ansiedade eda condução de motociclos, são igualmente analisadasalgumas implicações teóricas e práticas para a preven-ção dos acidentes nos veículos de duas rodas.

Palavras-chave: Ansiedade, condução, risco.

ABSTRACT

This paper addresses the impact and outcome ofanxiety in behaviour and motor performance, with spe-cial emphasis given to the role of anxiety in the beha-viour of motorcyclists. Despite the motorcycle being,most times, a source of euphoric, pleasurable feelings,providing a sense of personal fulfilment, with speed initself creating positive emotions and enthusiasm amongstthe riders, it can also awaken anxiogenic-based dys-phoric sensations in motorcyclists.

Considering the increasing number of motorcycleaccidents year upon year, seen by Traffic Psychologyas a serious problem due to both the implication rateand the usual gravity of the accidents themselves, andgiven the danger inherent to the combination of anxie-ty and motorcycle riding, some theoretical and practi-cal implications on the prevention of two-wheel trafficaccidents will also be analysed.

Key words: Anxiety, driving, risk.

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INTRODUÇÃO

A ideia de desenvolver um trabalho de pre-venção rodoviária na formação profissional emer-ge, por um lado, da possibilidade que temos depoder integrar nos cronogramas das acções deformação profissional um espaço para este tipode intervenções, e, por outro lado, da ideia quenos assolou (decorrente de alguns anos de traba-lho e acompanhamento de grupos de formaçãoprofissional, em que a sinistralidade rodoviáriafoi sempre algo presente como um ruído de fun-do) e que se traduziu na seguinte questão: serãoos desempregados (nomeadamente os desempre-gados de longa duração) indivíduos com elevadopotencial de risco rodoviário?

O pressuposto teórico em que assentámos oinício da reflexão que desde então temos vindo adesenvolver, baseia-se na própria problemáticada pessoa/formando face à sua situação de desem-prego, que acarreta um conjunto de vivências que

mereceriam um estudo e eventualmente uma in-tervenção no que concerne à atitude rodoviária.

Os sentimentos mais frequentes associados àperda de um emprego são: instabilidade, desmo-tivação, desorientação, tristeza, inutilidade e desilu-são.

As reacções à situação de desemprego, osci-lam entre uma vivência depressiva (com reflexosimportantes na auto-estima da pessoa), decorren-te do sentimento de perca concomitante à situa-ção de desemprego (mais frequente), e uma vi-vência de cariz mais persecutória, em que a res-ponsabilidade da situação e do contexto actual doindivíduo é projectada no outro (Patrões, I.E.F.P,Segurança Social, etc.) com um ímpeto acusató-rio e simultaneamente expiatório.

A interrogação prosseguiu: estarão estes indi-víduos mais susceptíveis a um rompimento doequilíbrio dinâmico no seu funcionamento psico-lógico, veiculado por uma maior dor mental de-corrente de uma situação de exposição continua-da à frustração, dúvida e incerteza? Confronta-dos com os seus próprios limites no que concer-ne à tolerância a estas emoções, ficará a sua ca-pacidade de contenção/elaboração ameaçada, don-de, uma maior propensão à exposição (incons-ciente) ao risco em geral e ao rodoviário em par-ticular, nomeadamente pela tendência ao acting-out?

Procurámos, então, com a colaboração e pre-ciosa contribuição de toda a equipa Centro do De-

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O trabalho de prevenção na formaçãoprofissional (*)

BRUNO LOUREIRO (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na Realidade Por-tuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Prevenção Rodoviária Portuguesa.

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partamento de Psicologia da PRP e sobretudo doseu coordenador Prof. Doutor Rui Aragão Oli-veira, delinear um modelo de intervenção, que seadaptasse ao contexto e que servisse aos objecti-vos definidos, sendo estes:

- A criação de um espaço de reflexão e parti-lha, possibilitando o envolvimento dos for-mandos;

- A aquisição de conhecimentos relativos àsegurança rodoviária;

- A construção de uma atitude de preocupa-ção pela segurança;

- A mobilização de uma tomada de consciên-cia dos aspectos individuais na atitude pe-rante a condução/risco/lei.

Isto no sentido de promover uma maior inter-nalização e assunção da responsabilidade indi-vidual, encarado numa perspectiva clínica na linhados programas criados e desenvolvidos pelo De-partamento de Psicologia da PRP.

ASPECTOS PRINCIPAIS DO MODELO DEINTERVENÇÃO

De forma sucinta e somente como matriz deorientação para exposição do trabalho desenvol-vido e dos aspectos mais relevantes daí decor-rentes, apresentaremos, de seguida, o modelo deintervenção por nós seguido.

O Setting é composto por uma sala de forma-ção, as cadeiras são dispostas em círculo, com aduração de 4 horas (inicialmente a duração erade 3 horas tendo posteriormente sido alargada pa-ra 4 horas) e um intervalo de 15 minutos a meio.O número de formandos que constituem estesgrupos oscila entre os 8 e os 12 elementos, comidades compreendidas entre os 18 e os 55 anos,todos desempregados (cerca de um terço são de-sempregados de longa duração) e que frequen-tam acções de formação em diversas áreas noCentro de Formação Profissional de Viseu.

Após a apresentação da PRP ao grupo (note-se que neste contexto é dispensada a apresenta-ção intra-grupo e entre o grupo e o monitor, poisjá existe um conhecimento prévio), são enuncia-das as regras, o que permite criar as condiçõespara vislumbrar as posições transferenciais e asclivagens nas transferências assumidas por cadaelemento do grupo.

Os objectivos da sessão são apresentados comopropósito de reflectir/pensar em grupo em algu-mas questões relativas à segurança rodoviária.As expectativas dos formandos na maioria dosgrupos raramente coincidem com os objectivosapresentados, daí a necessidade de as balizar noinício da sessão.

Depois de estabelecido o setting (nomeada-mente na atitude do monitor, eminentemente clí-nica), apresentada a PRP, enunciadas as regras eos objectivos da sessão, é desenvolvida a dinâ-mica de grupo com alguns jogos que visam des-bloquear e precipitar um conjunto de vivênciasindividuais e grupais inerentes aos temas propos-tos (condução/risco/lei), que servem como mate-rial para comentário/interpretação.

Costumamos iniciar com o “jogo do elefante”1

que utilizamos com um duplo objectivo: porum lado serve para “aquecer” o grupo, por outrolado para tornar evidente o campo de interven-ção, centrar a reflexão nas representações indivi-duais e grupais, possibilitando uma compreensãoclara e eficaz das representações internas de ca-da um e do grupo: uma coisa é a coisa em si (nu-meno), o que se aspira a conhecer (mas que aofim e ao cabo é incognoscível), outra coisa é asua representação (fenómeno), representação in-terna individual, com a qual se interage medianteo vínculo que com ela se estabelece.

A fotolinguagem2 é utilizada com o objectivode permitir o acesso às representações internas

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1 O “jogo do elefante” consiste em pedir dois volun-tários ao grupo, que permanecerão na sala enquantoos restantes elementos esperam fora da sala. A ins-trução que é dada aos dois elementos que ficam nasala é a de que eles terão de imaginar um elefante e queirão encenar que o estão a lavar. Não podem fazer co-mentários até serem solicitados para tal pelo monitor.O grupo entra na sala e vai observar durante algunsminutos a cena. No fim, já sentados, cada elemento dogrupo vai relatar o que representou para ele aquilo queviu. Os dois elementos que fizeram a encenação vãoser os últimos a falar para dizerem o que estiveram afazer.

2 Sobre uma mesa são espalhadas imagens recor-tadas de revistas, que devem ser o mais variadas pos-sível. Pede-se a cada elemento do grupo para escolheruma imagem que represente para ele o tema proposto.

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de cada um sobre o tema proposto, de uma formaprojectiva, funcionando muitas vezes como umalinguagem auxiliar no acesso ao simbólico. Asimagens escolhidas e as explicações das escolhas,constituem o material associativo para o comen-tário/interpretação do monitor.

Na fotolinguagem sobre a condução (em quese pede uma imagem que represente o próprioenquanto condutor e uma imagem que representeos outros condutores), na grande maioria dos ca-sos, percebe-se uma vivência clivada da condu-ção: O próprio, enquanto condutor, aparece comoaquele que cumpre as regras, o bom condutor,preocupado com a segurança, responsável, etc.Os outros aparecem como sendo o perigo na es-trada, que cometem infracções, que arriscam de-masiado, imprevisíveis, perigosos, com pouco ci-vismo, etc. Por vezes, aparecem alguns forman-dos que assumem que arriscam muito, que nãocumprem as regras (sinais vermelhos, limites develocidade, álcool, etc.), contudo mantêm umavivência dissociada do risco que correm, pois overdadeiro perigo contínua a residir nos outros.A devolução/interpretação do monitor vai no sen-tido de tornar evidente a clivagem eu/outro, quereflecte a clivagem que o indivíduo faz no in-terior do self, quando projecta nos outros os as-pectos que tolera mal como fazendo parte de si eque o incapacita de os reconhecer em si mesmo.Importa fazer o grupo sentir que para os outros,os outros somos nós.

As experiências individuais de condução/in-fracções/acidentes, podem ser exploradas no se-guimento da fotolinguagem sobre condução, assimcomo as questões relativas à tarefa de condução;elementos rodoviários; sistemas de segurança;condução sobre efeito de álcool e velocidade.

Uma problemática que surge frequentementenesta altura, prende-se com o bom condutor, asso-ciado na maioria das vezes pelos formandos uni-camente à destreza psicomotora. O comentário//interpretação remete para os aspectos relacio-nais subjacentes à condução, nomeadamente navivência das representações internas, assimcomo para a dimensão social da condução.

Na fotolinguagem sobre risco (risco abordadono sentido da vida em geral e não somente nacondução) são pedidas duas imagens: uma ima-gem que represente risco e uma imagem que re-presente segurança. As imagens de risco mais fre-quentes aparecem relacionadas, por um lado, com

acidentes e catástrofes e, por outro, com situa-ções que evocam desamparo e abandono (pode-mos equacionar a escolha destas imagens com avivência da situação de desemprego). As ima-gens de segurança aparecem muitas vezes asso-ciadas à família, nomeadamente à relação pro-tectora e de cuidado entre mãe e filho, ainda quenalgumas situações a ambivalência se faça notarnas explicações em que a imagem de segurançaalusiva à família, é simultaneamente sentida comopotencial fonte de risco.

Aqui, o comentário/interpretação visa clarifi-car os factores internos que influem na vivênciado risco. Bem como o sentimento e a vivênciainterna de não ter sido suficientemente cuidado eprotegido e a deficiente aprendizagem dos limi-tes, numa primeira fase a partir do exterior, o quevai dando lugar a uma progressiva interiorizaçãodeficitária e consequentemente a uma falha naresponsabilização emancipada.

Pretende-se evidenciar a fonte do risco, inici-almente vista como externa, que vai sendo gra-dualmente percebida como algo interno. O grupopassa de uma posição projectiva para uma po-sição introjectiva e introspectiva na sua reflexãosobre este tema.

No seguimento da fotolinguagem sobre o ris-co, tem-se pedido aos formandos para falarem dasituação da vida em que sentiram que correrammaior risco. Temos vindo a constatar que uma ele-vadíssima percentagem dos relatos de situaçõesde maior risco, estão relacionadas com questõesrodoviárias (talvez exista aqui algum enviesa-mento pela sugestão do tema da sessão).

Os comportamentos repetidos de elevada ex-posição ao risco têm sido tratados como um sin-toma individual e do grupo, tentando tornar evi-dente a dimensão da compulsão à repetição reve-ladora do conflito interno e externo que pode le-var as pessoas a uma maior exposição inconsci-ente ao risco.

A vivência individual da situação de maior ris-co, remete essencialmente para dois aspectos:risco de vida do próprio (que pode ser vivencia-do mais no pendor da angústia de morte – medode aniquilamento –, ou mais no pendor da angús-tia de castração – medo de ficar ferido, de se ma-goar, de ficar amputado –); e risco de perca doobjecto (podendo aqui aparecer uma dimensãomais depressiva, decorrente do modo de investi-mento do objecto).

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O “jogo das palmas”3 é outro dos instrumen-tos utilizados nesta intervenção. O seu objectivoé permitir uma percepção mais clara da dimen-são interna do sintoma (manifesto na compulsãoà repetição) nas várias temáticas: condução/ris-co/lei. Dá a dimensão consciente e inconsciente(sobretudo) do comportamento: o que pode sercontrolado conscientemente (ex: risco) e o quenão se controla conscientemente – dimensão in-consciente e compulsão à repetição como reac-ção automática às representações internas indi-viduais e grupais, assim como ao conflito latente.

Na fotolinguagem sobre a lei (em que se pedea cada formando uma imagem que representepara si a lei), a maioria dos formandos tende aperceber a lei como algo de prejudicial. A ques-tão dos limites/lei surge de uma forma geral pou-co interiorizada: aparece menos como algo inter-no e individual que serve para nos proteger, masmais como algo externo onde são projectadosaspectos persecutórios. O comentário/interpreta-ção vai no sentido de realçar o conflito latente navivência da lei que se revela na clivagem lei má(persecutória) / lei boa (protectora), fazendoressaltar o lugar vazio da lei interna que balizaos limites e consequentemente protege pela cons-ciência individual que pressupõe, permitindo oabandono da omnipotência manifesta na fantasiade invulnerabilidade, podendo ser gradualmentesubstituída pela consciência do outro e consequen-temente do próprio (separação eu-outro), em queo assumir das fragilidades permite a criação deuma atitude de maior responsabilidade e auto-pro-tecção.

O “jogo dos balões”4 sintetiza as questões dacondução, risco e lei, remetendo para a responsa-bilidade individual na atitude perante o próprio eperante os outros.

Na fotolinguagem de despedida, são vários osaspectos percebidos, que vão desde a atitudemais provocatória, fazendo perdurar um vínculo

de ódio pelo pensamento (revelador da resistên-cia à mudança), aniquilando qualquer ideia novaque possa implicar um rearranjo defensivo, até àgrande maioria dos formandos que sente a sessãocomo algo de muito válido, mobilizadora de umnovo vertex, que viabilizou uma tomada de cons-ciência de aspectos individuais anteriormentevividos de uma forma clivada e projectada, no-meadamente o assumir do risco na sua fonte in-terna e individual.

Durante a intervenção, todos os comportamen-tos manifestos de não cumprimento das regrasinicialmente enunciadas (nomeadamente, horá-rios, participação, empenhamento), assim comoas posições transferenciais e suas clivagens, sãocomentados/interpretados aquando da sua mani-festação. O comentário/interpretação para alémde devolver aos formandos uma compreensão dofenómeno em curso, costuma ser transposto (prin-cipalmente no que diz respeito às regras) para ocontexto rodoviário, criando assim uma ligaçãoque permite perceber o seu comportamento co-mo um todo.

ASPECTOS RELEVANTES DECORRENTESDA INTERVENÇÃO

Ao longo das intervenções levadas a cabo, vá-rios são os aspectos que se têm imposto para umareflexão mais acurada.

Em primeiro lugar, uma das características queeste tipo de intervenção tem revelado é o seu ca-'rácter inesperado no contexto em que surge, le-vando a que os formandos em geral sejam apa-nhados um pouco desprevenidos, donde o nívelde resistências ser baixo, de uma forma geral,permitindo atingir um grau de empenhamento eenvolvência emocional elevado.

Comparativamente aos outros programas de-senvolvidos pelo Departamento de Psicologia daPRP (nomeadamente no âmbito da reabilitação),em que as resistências dos elementos dos grupos(e consequentemente do próprio grupo) é sempreum aspecto central e algumas vezes incontorná-vel, achamos que esta intervenção num contextomais descomprometido, como é o dos Centros deFormação Profissional, no que concerne a umtrabalho de prevenção rodoviária, constitui umamais valia para a própria intervenção.

Outro aspecto que tem merecido a nossa atenção

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3 Aos formandos, de pé e dispostos em círculo, édada a seguinte instrução: no sentido dos ponteiros dorelógio, irão andar devagarinho quando se baterem aspalmas rápido e andar em passo rápido quando se ba-terem as palmas devagarinho.

4 Distribui-se um balão a cada elemento do grupo epede-se-lhes para o encherem até ao máximo.

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e que tem vindo a confirmar a nossa expectativainicial, prende-se com uma elevadíssima incidênciade sinistralidade rodoviária entre os elementos queconstituem estes grupos (o que por vezes nos fazpensar se em vez de prevenção primária não esta-remos a fazer prevenção terciária), assim como umaelevada exposição ao risco por parte de um númerosignificativo de formandos.

Temos observado vários casos de formandos,enquadráveis em outras acções desenvolvidaspelo Departamento de Psicologia da PRP (no-meadamente reabilitação de condutores alcooli-zados), com processos judiciais a decorrer ou jásentenciados, mas que infelizmente nunca che-garam a ser encaminhados para nenhuma acçãodo Departamento de Psicologia da PRP.

Por outro lado, decorrente da abordagem quetem vindo a ser feita à problemática do risco (ris-co abordado no sentido geral da vida) temos cons-tatado uma elevada incidência de pessoas ante-riormente expostas a uma ou mais situações vi-vidas como um risco muito elevado, situaçõesessas que não foram devidamente elaboradas, cons-tituindo uma vivência verdadeiramente traumá-tica. Algumas pessoas revivem a situação de maiorrisco na vida de uma forma extremamente emo-cionada, deixando assim transparecer uma inci-piente elaboração dessas mesmas vivências (gran-de culpabilidade associada). A revivência nogrupo dessas situações é sentida como securizan-te (para algumas pessoas foi mesmo a única opor-tunidade que tiveram de falar/partilhar aberta-mente as suas experiências), onde puderam darnome às suas angústias (principalmente angústiade morte e angústia de perca de objecto) numcontexto de empatia e compreensão.

Na sequência da nossa hipótese inicial, e pe-rante a constatação do elevado número de sinis-trados entre os formandos que constituem os nossosgrupos, bem como da sua elevada exposição aorisco, somos levados a pensar se de facto nãoexistirá uma forte correlação com a situação dedesemprego que esses indivíduos vivem, e emque a duração do período durante o qual se en-contram desempregados (alguns por vários anos)nos indica arranjos específicos de personalida-des, com relevância para a problemática da segu-rança rodoviária.

Sabendo nós que, apesar de nos expormos asituações de risco, só raramente ocorrem acidentesna população em geral, e tendo em consideração a

sinistralidade elevada nestes grupos, não estaremosnós perante uma população com condiçõesespecíficas a ter em conta? Nomeadamente, umamaior exposição ao risco num sentido lato, mani-festando-se tal inclusive na sua vida profissional,revelando algo próximo de uma incapacidade deaprender pela experiência, na qual o indivíduo viveem constante repetição, com cariz de acting-out,nas várias situações e contextos da sua vida, comexpressão clara na atitude rodoviária!?

Se assim for, poderemos nós aceitar a perti-nência destas acções no âmbito de uma interven-ção de saúde pública?

CONCLUSÃO

No decorrer destas acções, que tiveram inícioem Abril 2003, envolvendo cerca de 160 forman-dos (de ambos os sexos), pretendeu-se, mais doque uma mera “sensibilização”, a criação de umespaço de intervenção em que a atitude rodoviáriaaparece como um simples indicador de uma praxisdo indivíduo perante a sua vida em geral.

Sentimos a validade da nossa intervenção, to-das as vezes que assistimos (o que felizmentesão bastantes) à mudança no espectro da vivên-cia do risco, que parte, na maioria dos casos, deuma fonte externa até à sua percepção como algointerno, com a subsequente diminuição dos me-canismos de defesa – essencialmente a negação ea projecção.

Foi nosso objectivo, nesta breve comunicação,sobretudo o desenvolvimento das questões ini-cialmente formuladas e que motivaram o desen-volvimento destas acções, em lugar do encerra-mento das mesmas em respostas, que seriam sem-pre precárias dada a complexidade das duas pro-blemáticas em jogo.

Encaramos estas acções, e toda a reflexão aelas associada, ainda numa fase embrionária, masmerecedora, quanto a nós, de atenção e desen-volvimento na senda desta missão tão nobre queé a Prevenção.

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RESUMO

A Formação Profissional apresenta-se-nos comoum local onde interagem duas problemáticas, às quaissomos sensíveis e que no nosso entender se correla-cionam, a saber: o Desemprego e o Risco Rodoviário.Neste trabalho, apresentamos um modelo de interven-ção adaptado ao contexto dos Centros de Formação

Profissional e os aspectos mais relevantes que dele ema-nam, no que concerne às problemáticas em jogo.

Apesar de ser ainda um estudo exploratório, a re-flexão que temos vindo a fazer, atesta da pertinênciadestas acções no âmbito da prevenção rodoviária, assimcomo, da sua importância em termos de Saúde Públi-ca.

Palavras-chave: Formação profissional, desempre-go, risco rodoviário, prevenção.

ABSTRACT

Professional Training can be seen as a place wheretwo problematics interact, to which we are sensitive andthat, according to our opinion, are correlated: Unem-ployment and Roadway Risk. We present a model ofintervention adapted to the context of the ProfessionalTraining Centers and the most relevant aspects whichproceed from it, concerning the given problematics.

Although it is still an exploratory study, the medi-tation we have been making on this issue proves thepertinence of these actions aiming at Road Safety Pre-vention, as well as its importance in terms of PublicHealth.

Key words: Professional training, unemployment,roadway risk, prevention.

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A intervenção da Prevenção Rodoviária Por-tuguesa no plano da formação geral de conduto-res, integrada na Escola do Automóvel Club dePortugal, ainda se encontra a dar os primeiros pas-sos. À semelhança de quem exercita gradual-mente uma caixa de velocidades, procuramos in-tervir com o apoio na experiência já obtida, so-bretudo na relativa à Formação de Jovens Ciclo-motoristas.

A faixa etária que presentemente acompanha-mos é, porém, diferente da faixa dos 14 aos 15 anose substancialmente heterogénea na composiçãodos grupos de trabalho, onde se incluem alunosdos 18 aos 40 anos.

Propomos, num primeiro tempo, dirigir-nos auma questão que nos causou inquietação e, poresse motivo, tem vindo a ser alvo da nossa refle-xão e intervenção: por que razão é que tendo osjovens adultos melhores capacidades psico-físi-cas (manifestadas em reflexos mais rápidos e nu-ma melhor visão) do que, por exemplo, pessoascom mais idade, foi precisamente a faixa etária

dos 20 aos 24 anos que se encontrou sobrerepre-sentada nas estatísticas de acidentes rodoviáriosdo ano de 2000, acidentes esses que constituirama principal causa de morte nesse ano, para essafaixa etária?

No mínimo curioso, este dado conduz-nos àpresumível experiência de condução por esteintervalo de idades. Embora variável, pensemosnuma média de três anos de experiência, o queequivale, por um lado, a uma menor vivência desituações de condução, logo, a menos respostas“preparadas” para um eventual problema, e, ain-da, a um conhecimento da estrada mais reduzidoporque menos vivenciado e diversificado. Paramais, sobretudo nos primeiros tempos, impõe-seum complexo exercício de coordenação queenvolve vários factores como a tarefa da condu-ção, o domínio da caixa de velocidades e o trân-sito de peões.

Mas, por outro lado, três anos de conduçãopode já implicar a aquisição de um certo grau deconfiança conjugado com um novo sentido depertença, quase como se o carro fosse um pro-longamento do Eu. Passado o medo e o receio ini-ciais, pode surgir a necessidade do desafio, datestagem de novas e cada vez mais potenciali-dades, bem como dos limites e da transgressão.Todo este processo é de natureza inconsciente eremete, muitas vezes, para ideais omnipotentes.Neste sentido, a potência (de um carro) poderátransformar-se inconscientemente na omnipotên-

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Intervenção na formação geral de conduçãoCarro, para que te quero? (*)

SÁTYA SOUSA (**)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na Realidade Por-tuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Prevenção Rodoviária Portuguesa.

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cia humana, de quem tudo controla e a quem na-da escapa: o domínio do carro numa curva maisapertada, numa velocidade que excede em muitoo limite do código da estrada, numa ultrapassa-gem de risco…

Na área da prevenção, importa talvez pensarquais os possíveis riscos que corremos em deter-minados momentos da nossa vida.

Parece-nos que o candidato à carta de condu-ção espera ver reconhecido um certo estatuto deindependência na habilitação para conduzir. Defacto, as dinâmicas de grupo realizadas na for-mação geral de condutores reflectem a consciên-cia desta expectativa, quando propomos a refle-xão sobre a importância e o significado pessoalrelativos à obtenção da carta de condução. A au-tonomia em relação aos outros surge como pri-meira escolha, imaginemos, da questão: “Carro,para que te quero?”

Já numa dimensão inconsciente, o recém-encartado poderá procurar exibir (para os outrosou para si próprio) esse mesmo estatuto,buscando simultaneamente a aquisição e ocontrolo do risco, como que se submetendo àprova… de risco!

Ademais, a sociedade contemporânea revela-se exigente. Por um lado, apela à necessidade davalorização e referida exibição, numa espécie decompetitividade; por outro lado, às pressões tem-porais e espaciais do chegar depressa, não per-der nada, estar em todo o lado e, às vezes, emlado nenhum… A velocidade, aliada à intolerân-cia à frustração, parece-nos constituir-se comoum dos principais factores de risco implicados nacondução.

Tanto na vida como na estrada, quantas vezesnão aceleramos a fundo para fugir de determina-das situações nas quais nos sentimos impotentes?A incapacidade de tolerar algumas frustrações po-de levar à acção desenfreada e inconsciente por-que não é mediatizada pelo pensamento. De facto,a nossa capacidade cognitiva altera-se face à in-tensidade de certas emoções, como o medo ou araiva… e o custo é percepcionarmos e decidirmosde forma menos equilibrada. A capacidade de es-pera aliada à cedência de prioridades e o controlointerno face a um sinal luminoso intermitente, porexemplo, revelam-se aqui opostos à tendência aseguir em frente, a agir, a acelerar.

Um dos principais objectivos da nossa inter-

venção consiste em propor uma reflexão em gru-po acerca da atitude face aos riscos externos massobretudo internos que interferem na tarefa decondução. Determinados estados emocionais co-mo a irritação ou a tristeza, assim como certasmotivações, muitas vezes inacessíveis à nossaconsciência, constituem o motor de arranque pa-ra comportamentos de risco. A via preventiva pro-cura promover a tomada de consciência dos es-tados emocionais tendentes a acidentes e o reco-nhecimento dos aspectos motivacionais que seencontram nos bastidores de alguns comporta-mentos. Convida ainda à reflexão do que é a nos-sa própria percepção do risco, frequentemente dis-tante do risco real e objectivo.

Algumas revisões científicas valorizam tam-bém determinadas características da personali-dade, habitualmente presentes nos condutorescom propensão a acidentes: a instabilidade emo-cional, a irritabilidade, a impulsividade, a imatu-ridade, a agressividade, a procura de sensaçõesintensas, a baixa tolerância à frustração, a inse-gurança, a baixa auto-estima, a fácil intimidaçãopor parte de outros e, antagonicamente, o nãoconformismo. Há ainda estudos que dão conta dainterferência de estados depressivos e ansiososna ocorrência do acidente (Matos, 1991).

Não pretendemos, de modo algum, perspec-tivar uma explicação unívoca para a sinistrali-dade rodoviária. Guiamo-nos antes por uma ex-plicação de sistema que funciona à semelhançade um copo misturador que se vai enchendo, comdiversos ingredientes, até deitar por fora. Nestetipo de abordagem podemos, por exemplo, pen-sar na hipótese de uma má qualidade da estradase associar a um mau estado de pneus, misturar--se com um excesso de velocidade e, no limite,comprometer-se com um estado físico de fadigae, psiquicamente, depressivo.

Muitas vezes, utilizamos ainda o próprio veí-culo como delimitação rígida de território pessoal.O “eu e o meu carro” transforma-se assim num“eu no meu carro”, carro que subentende um es-paço que oferece não só conforto, como tambémisolamento e privacidade, numa espécie de ano-nimato.

Do nosso ponto de vista, também a estradapode ser entendida como espaço, espaço social epúblico onde existe troca de informação, como,por exemplo, na sinalização de uma mudança de

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direcção. Enquanto conduzimos, comunicamoscom os outros num espaço inevitavelmente par-tilhado. Raramente conduzimos (a) sós.

A análise da dimensão social da condução cons-titui um outro objectivo de trabalho na nossa in-tervenção. Consubstancia-se no apelo ao reco-nhecimento que partilhamos um espaço com ou-tros... outros condutores (para os quais nós é quesomos os outros), passageiros e peões. Na estra-da, vamos ainda alternando estas posições. Oracaminhamos, ora conduzimos, ora elevamos o péao suposto travão enquanto passageiros umpouco assustados com a velocidade do condutorao nosso lado. Curiosamente, só quando adopta-mos um outro papel é que, muitas vezes, nosdamos conta de alguns dos erros que praticamosdiariamente na via pública tanto ao volante, co-mo ao atravessar irreflectida e apressadamentefora da passadeira, comportamentos esses even-tualmente criticados por nós quando noutras po-sições.

Atribui-se, com regularidade, a noção de com-portamento infractor aos automobilistas, excluin-do este conceito dos peões. Entendemos que apreocupação e atitude de segurança, a responsa-bilização e capacidade de previsão de situaçõesde risco não se ausentam das diferentes posiçõesque assumimos na estrada porque nos são inter-nas.

Esta última questão prende-se, sobretudo, coma forma de ver a própria realidade e de perspec-tivar as regras… até onde as flexibilizamos, quaisos nossos limites? A percepção das regras en-contra-se dependente da nossa personalidade, dasnossas atitudes, motivações e estados internos,que originam determinados comportamentos. Porvezes, um sinal “stop” é percepcionado apenascomo sinal de abrandamento e não como para-gem obrigatória, o que se traduz num comporta-mento inadequado. Ora, para a ocorrência de aci-dentes contribuem frequentemente comportamen-tos desadequados…

A origem humana dos acidentes reparte-se nãosó entre lapsos ou esquecimentos, erros percepti-vos e cognitivos mas, também, comportamentosdesviantes, frequentemente associados às trans-gressões.

As sessões de reflexão sobre o lugar destesfactores, de ordem psicológica e social, na ocor-rência de acidentes têm, por último objectivo, adescoberta dos recursos pessoais utilizados para

lidar com as situações de perigo envolvidas nacirculação rodoviária. O presente trabalho ten-ciona, então, impulsionar o pensamento para adescoberta de estratégias individuais de seguran-ça.

No entanto, como todos os projectos, tambémeste tem as suas limitações, nomeadamente notempo: 120 minutos, integrados em trinta horasde formação teórica. Procura-se, porém, que es-te tempo se consubstancie num espaço de sensi-bilização à dinâmica de grupo e ao conjunto deregras pessoais e colectivas necessárias à partilhade um espaço público alargado, a estrada.

Sob este enquadramento, o nosso trabalho pre-tende incidir na reflexão acerca da segurança, naprevenção dos comportamentos de risco em ge-ral e, sobretudo, do risco rodoviário associado aoexcesso de velocidade, a manobras perigosas quedesafiam as regras da estrada (e, em última ins-tância, a lei), ao consumo de álcool, às predispo-sições perceptivas e ao estado emocional interno,acidentado por algum motivo.

A própria realidade dos acidentados, veicu-lada sobretudo através dos mass media, faz-nostambém pensar no tema da contenção e da segu-rança interna. Ainda que num plano simbólico,podemos pensar que existe alguém por detrás daconstrução de uma estrada e por detrás da ma-nutenção dessa mesma estrada. Os painéis dinâ-micos perspectivam alguém que nos comunicadeterminadas informações, como o aviso de umacidente ou de uma zona com maior tráfego. Decerta forma, alguém nos contém, podendo faci-litar, deste modo, a diminuição de uma possívelinsegurança.

A temática da sinistralidade e da própria con-dução, só por si, propõe ainda a reflexão sobreos nossos limites, como seres humanos, condu-tores, peões ou passageiros e faz-nos reflectir so-bre a noção de confiança nos outros.

Deste modo, procuramos que façam parte in-tegrante do trabalho de dinâmica de grupo técni-cas activas, de participação por parte dos mem-bros do grupo, que convidem a reflectir sobre asnossas expectativas, representações e atitudes fa-ce a tais questões associadas à condução em gru-po, questões essencialmente relacionais.

Por fim, não tendo a nossa intervenção um ca-rácter avaliativo ao nível do aproveitamento dosalunos desta Escola, esperamos, por nosso turno,que a sensibilidade e ressonância ao nosso tra-

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balho constituam, de facto, uma oportunidadepara, como nos dizia um aluno, pensarmos nonosso comportamento cívico, em estar na estra-da propriamente como estar na vida, em não terpressa...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Matos, M. P. (1991). Factores de Risco Psicológico emJovens Condutores de Motorizada e sua InfluênciaRelativa na Ocorrência dos Acidentes. Dissertaçãode Doutoramento em Psicologia Clínica, Faculdadede Psicologia e de Ciências da Educação da Uni-versidade de Lisboa.

RESUMO

A intervenção da Prevenção Rodoviária Portuguesana Formação Geral de Condução procura promoversessões de reflexão sobre o lugar dos factores de ordempsicológica e social na condução. Convida ao estabele-cimento de uma dinâmica de grupo que permita a ex-

pressão das representações, atitudes e expectativas faceao risco e à segurança, sem carácter avaliativo. Apre-senta como principais objectivos a descoberta e inte-riorização dos recursos e estratégias pessoais utiliza-dos para lidar com as situações de perigo externo e in-terno, envolvido na circulação rodoviária.

Palavras-chave: Acidentes rodoviários, factores derisco, segurança rodoviária, dinâmica de grupo, dimen-são social da condução.

ABSTRACT

The PRP (Prevenção Rodoviária Portuguesa) inter-vention on the general driving formation seeks to pro-mote sessions of reflection about the place of psycho-logical and social factors on driving. Invites to theestablishment of a group dynamics that allows the ex-pression of representations, attitudes and expectationstowards risk and safety without an evaluating cha-racter. Presents as main purposes the finding and theinternalization of personal resources and strategiesused to cope with situations of external and inner dan-ger involved on road traffic.

Key words: Driving accidents, risk factors, road sa-fety, group dynamics, driving social dimension.

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1. INTRODUÇÃO TEÓRICA

O desenvolvimento do automóvel constituiuum dos fenómenos mais relevantes do séculoXX. O veículo a motor revolucionou o meio detransporte rodoviário, desempenhando um papelpreponderante na qualidade de vida, facilitandoas deslocações e promovendo a proximidade en-tre os locais.

Por outro lado, ao automóvel estão associadasconotações simbólicas, que remetem para senti-mentos de afirmação pessoal e social, assim co-mo de potência e competição. É também dotadode um poder real, ao qual se associam fantasiasindividuais de competição (com o tempo, com adistância e com os outros), sendo este poder exer-citado por cada um de acordo com a sua perso-

nalidade (J. A. Girão, 1993). Deste modo, a tare-fa de condução devido às suas características es-pecíficas, possibilita poder de gratificação, pres-tígio, juventude e negação da realidade, permi-tindo agir os impulsos sem a mediação do pen-samento e representando um fácil meio de ex-pressão através do agir, ou seja, facilitando a pro-jecção (M. Horta & J. Coelho, 2001).

Até à data foram essencialmente desenvolvi-dos projectos e estudos com adolescentes, poresta ser uma fase conturbada por excelência e mo-tivadora de comportamentos de risco, devido ànecessidade de procura de identidade e busca deautonomia. Contudo, torna-se importante, devidoao número cada vez maior de infracções cometi-das por adultos e aos comportamentos de riscoque nestas se encontram implícitos, perceber oque leva os indivíduos a tomarem estas atitudes.Deste modo, pareceu-nos importante e pertinen-te, realizar um estudo exploratório sobre o poten-cial de risco desta população, bem como, compreen-der os factores que desencadeiam este tipo de com-portamento, tendo como objectivos:

- investigar as relações de risco numa popu-lação adulta, nomeadamente de risco suici-dário;

- analisar a relação de algumas variáveis so-

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Análise Psicológica (2005), 1 (XXIII): 59-66

Condução de risco: Um estudo exploratóriosobre os aspectos psicológicos do risco natarefa de condução (*)

RENATA GIRÃO (**)RUI ARAGÃO OLIVEIRA (***)

(*) Comunicação apresentada nas II Jornadas dePsicologia do Tráfego da Prevenção Rodoviária Portu-guesa – “Investigação e Intervenção na Realidade Por-tuguesa”, ISPA, 17 e 18 de Outubro de 2003.

(**) Prevenção Rodoviária Portuguesa.(***) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis-

boa. E-mail: [email protected]

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cio-demográficas (como, a idade, o sexo, aexperiência de condução, os quilómetros rea-lizados semanalmente e as multas regista-das), com o risco levado a cabo por esta po-pulação;

- descobrir se o sentimento de saúde geral in-fluencia, de algum modo, uma condução derisco.

Barros et al. (1995), postulam que o processode condução é determinado por uma multiplici-dade de variáveis que surgem associadas a qua-tro elementos do trânsito rodoviário – o condu-tor, o veículo, o meio e as normas de circulação.Referem também, que embora todos os factorescontribuam de sobremaneira para uma boa con-dução, o factor humano afigura-se como o ele-mento de risco mais importante na realização des-ta. Barros e Loureiro (1997), desenvolveram umestudo baseado num trabalho realizado por Rea-son et al. (1990, cit. por Barros & Loureiro, 1997),que relaciona transgressões com variáveis socio-demográficas (como a idade, o sexo, a experiên-cia de condução, os quilómetros realizados se-manalmente e as multas registadas), tendo che-gado à conclusão de que as transgressões são, deum modo geral, mais cometidas por indivíduosjovens e do sexo masculino. Por outro lado, oscondutores com carta há mais de dois anos emenos de seis, cometem ainda um maior númerode transgressões, assim como os que conduzemem média mais de duzentos quilómetros porsemana e os que não foram multados nos últimoscinco anos.

M. Matos (1991) realizou uma Dissertação deDoutoramento sobre os “Factores de risco psi-cológico em jovens condutores de motorizada esua influência relativa na ocorrência de aciden-tes”, tendo chegado à conclusão de que os aci-dentes de motorizada dos adolescentes não pa-recem ser devidos ao acaso, mas sim a um con-junto de circunstâncias individuais, familiares epsicossociais inerentes à própria adolescência.Por outro lado, o autor demonstra que a conju-gação do risco suicidário e da ansiedade parecemser determinantes na média de acidentes e na ten-dência suicidária. Os sujeitos com risco suicidá-rio elevado e ansiedade baixa que detêm a médiamais elevada de acidentes, parecendo estes facto-res indicar uma expressão directa, através do agir,

de um impulso agressivo, que surge como formade escoamento da ansiedade.

1.1. Suicídio e Saúde Geral

Stork (1977) encara o suicídio, como uma pro-funda perturbação do bem estar e da auto-estima,o que origina uma intenção de atentar contra aintegridade, a identidade e até a própria vida.Existem diversas formas de comportamento sui-cidário, que se expressam por exemplo, num per-fil de personalidade depressiva, constituído porsentimentos de tristeza profunda, de desencoraja-mento, de desespero e de uma sensação de seencontrar num impasse. Aos sentimentos descri-tos, associam-se a resignação, o estado de angús-tia, os sentimentos de culpabilidade, os impulsose as agressões. As somatizações, os comporta-mentos anti-sociais, as toxicomanias e os aci-dentes múltiplos, fazem também parte do quadroreferido. O suicídio, não é mais do que uma pas-sagem ao acto que representa muitas vezes, umafunção de apelo, uma linguagem, uma aposta,um jogo com a morte. Contudo, por vezes, ocomportamento auto-agressivo, pode desenca-dear momentaneamente uma função de protec-ção, ou mesmo ter um efeito estruturante, vistoapós uma passagem ao acto suicidário, os traçosessenciais da personalidade suicidária, como porexemplo, os sentimentos de animosidade desapa-recerem, certos problemas serem resolvidos e asmotivações para o risco serem abolidas (Tadic etal., 1971, cit. por Stork, 1977).

J. Stork (1977), estabelece ainda uma relaçãoentre a personalidade depressiva suicidária e orisco de suicídio, com os comportamentos quefazem parte do campo suicidário inconsciente,como é o caso da propensão para o álcool e paraas drogas, dos comportamentos anti-sociais e dosacidentes múltiplos.

Por outro lado, T. Haenal e P. Kielholz (1983,cit. por M. Matos, 1991), referem que muitas ve-zes a depressão está oculta sob a forma de soma-tização e de risco auto-destrutivo. Sperling (1967,cit. por M. Matos, 1991) considera, por seu turno,que existem alternâncias entre manifestação psi-cossomáticas e comportamento de “acting out”.Este autor é da opinião que no primeiro caso ocorreuma inflexão da agressividade sobre o corpo e osobjectos internos, ao passo que no segundo ocorreuma agressividade virada para o exterior que se

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manifesta sob a forma de “acting”. Deste modo,ambas as manifestações reflectem uma hiperacti-vidade e uma baixa tolerância à frustração, o queimplica a necessidade de uma descarga urgente.M. Geada et al. (1991, cit por M. Geada et al., 1994,p. 58) postulam que «... o bem estar estar psico-lógico embora não influa significativamente noscomportamentos de saúde é um bom preditor doevitamento de comportamentos de risco». Sali-entam também, que os estilos de vida adoptadospelos sujeitos podem ter consequências impor-tantes nos níveis de saúde actuais e futuros dosindivíduos, na longevidade, na incapacidade e namortalidade, ou seja, que a adesão a comporta-mentos de saúde parece congruente com o evita-mento de comportamentos de risco em domíniosdiversos, que podem ir desde a condução à utili-zação de drogas. Os sujeitos que melhor aderemaos primeiros são também os que mais tendem aevitar os segundos. Estes autores realizaram umestudo onde tentaram correlacionar os hábitos desaúde, os comportamentos de risco e o sexo, ten-do chegado à conclusão de que os primeiros va-riam em função do segundo. Deste modo, inferi-ram que o sexo masculino tem tendência a consu-mir mais álcool, a beber mais quando conduz e aguiar a maior velocidade, embora também façamais exercício físico.

2. MÉTODO

A amostra é constituída por 62 sujeitos (60 dosexo masculino e 2 do sexo feminino), com ida-des compreendidas entre os 23 e os 64, tendosido recolhida na Prevenção Rodoviária Portu-guesa, no âmbito de um projecto de reabilitação,realizado com indivíduos que tenham sidoobjecto de procedimentos judiciais na sequênciade uma ou mais infracções estradais, nomeada-mente crime de condução em estado de embria-guez (ou seja, com uma taxa de alcoolémia su-perior a 1,2 g/l).

O presente estudo é exploratório de carácterdescritivo, e tem como objectivo descobrir eidentificar factores predisponentes da realizaçãode comportamento de risco, tentando deste mo-do, encontrar uma razão para a ocorrência dessesmesmos comportamentos. Procurou-se investigarcomo se relacionam entre si, o risco, o sexo e aidade dos indivíduos; o risco, a idade, o número

de anos de carta e o número de quilómetros per-corridos por ano; o risco, a taxa de alcoolémia eo número de vezes que foi apanhado com álcool;o risco com o facto de o indivíduo ir ou não so-zinho no veículo; e o risco e o sentimento de saú-de geral.

Para a realização do presente estudo foi passa-da aos sujeitos, uma bateria de testes constituídapor: Escala de Risco Suicidário de Stork (1972),adaptada à população Portuguesa em 1986,constituída por 76 items organizados em torno de10 temáticas e que fornece 5 níveis de risco, quevariam entre o estado normal e o risco suicidárioextremamente importante; e a Escala de SaúdeFísica de Barton e cols. (1992), traduzida e adap-tada por Silva e cols. (1994), constituída por 16items, posteriormente analisados de acordo comparâmetros que vão desde as queixas físicas ra-ras às queixas muito frequentes (R. Girão, 2001).Foram também recolhidos os seguintes dados: ida-de, sexo, número de anos de carta de condução,número de quilómetros realizados por ano, horaem que foi apanhado com álcool, ocorrência ounão de acidente, ir sozinho ou acompanhado, nú-mero de vezes apanhado a conduzir com álcool,e a taxa de alcoolémia.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A amostra constituída por 62 sujeitos, revelauma percentagem de adesão aos questionários apre-sentados (Escala de Risco de Stork e Escala deSaúde Geral) de 93,5%. Na Escala de Stork, ovalor mínimo encontrado foi de 9 e o máximo de118, com uma mediana de 44,3 e para uma va-riância de 22,9. Na Escala de Saúde Física, omínimo encontrado foi de 17 e o máximo de 50,com uma mediana de 26,8 e uma variância de5,9.

Para a realização do tratamento estatístico re-correu-se ao uso do teste de ajustamento de Kol-mogorov-Smirnov e de Shapiro-Wilk, bem comoao uso do teste não-paramétrico de Mann-Whit-ney. Foram também realizadas correlações de Spear-man e de Perarson, tendo sido ainda utilizado oteste de Fisher.

No que concerne às variáveis Risco e SaúdeGeral, foi utilizado o teste de Mann-Whitney, ten-do-se chegado à conclusão de que existem dife-renças significativas entre o Stork e a Saúde Ge-

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ral (p=0,047), sendo a média dos postos do gru-po com ausência de risco de 26,44 e a dos comexistência de risco de 35,79. A aplicação do testede correlação de Pearson, permitiu chegar à exis-tência de uma correlação significativa entre o Ris-co e Saúde Geral (0,418, p=0,001).

Foi utilizado o teste de Spearman com o in-tuito de analisar a existência de correlações signi-ficativas, tendo-se chegado à conclusão de queestas não ocorrem entre o risco e a idade (0,62),entre o risco e os Km/ano (0,106), entre os Km/anoe os anos de carta (0,085) e entre a idade e osKm/ano (0,998), embora a relação entre as variá-veis ocorra no sentido positivo, ou seja, variemem sentido directo. Verificou-se também a nãoexistência de correlações significativas entre orisco e os anos de carta (-0,084) embora nestas arelação seja negativa, ou seja, variem em sentidoinverso. Por outro lado, como seria de esperar,foi encontrada uma correlação significativa entrea idade e os anos de carta (0,716, p=0,000).

Após o uso do teste de Kolmogorov-Smirnovoptou-se pela utilização do teste de Mann-Whit-ney. De acordo com este, não existem diferençassignificativas entre o risco e o número de vezesapanhado a conduzir com álcool (p=0,843) e en-tre o risco e a taxa de alcoolémia (p=0,236). Naprimeira variável (número de álcool) o grupo comausência de risco revela uma média de postos de27,74 ao passo que o com existência de risco re-vela uma média de postos de 26,97. Por outrolado, em relação à segunda variável (taxa de ál-cool), a média de postos no grupo de ausência derisco foi de 24,72 enquanto que a média para aexistência de risco foi de 19,88. Através de umacorrelação de Spearman chegou-se à conclusãode que existe uma correlação significativa entreas variáveis taxa e número de vezes apanhado aconduzir sob efeito do álcool (0,376, p=0,018).No que concerne às restantes variáveis, não fo-ram encontradas correlações significativas entreo risco e a taxa (-0,024), embora estas revelem aocorrência de uma relação negativa, variando demodo inverso. Do mesmo modo, não se verifi-cou um correlação significativa entre o risco e onúmero de vezes apanhado a conduzir com ál-cool (0,049), embora estas revelem a existênciade uma relação positiva, variando entre si de mo-do directo.

A realização do teste de Mann-Whitney referea não existência de diferenças significativas en-

tre o grupo Stork e o grupo idade (p=0,844), sen-do a média dos postos do grupo com ausência derisco de 30,34 e dos indivíduos com risco de 29,43,para p=0,844. Na variável anos de carta, a médiados postos no grupo ausência de risco é de 32,59e a de existência de risco é de 28,18, para p=0,351.No caso do Grupo Stork e dos Km/ano a médiados postos do grupo ausência de risco é de 26,42 eno de existência de risco é 32,25, para p=0,199.

Correlacionaram-se as variáveis anteriorescom o grupo Stork, para verificar a existência ounão de alguma relação com o factor risco, tendo--se obtido os resultados apresentados no Quadro 1.

Aplicou-se o teste de Mann-Whitney às variá-veis Stork e Só, tendo-se descoberto a não ocor-rência de diferenças significativas entre elas(p=0,738). O risco nos indivíduos com acompa-nhante representa uma média de postos de 21,72,ao passo que os sem acompanhante revelam umamédia de 23,04. Foi também realizada uma cor-relação de Spearman tendo-se chegado à conclu-são que não existe correlação significativa entreambas (0,051), embora variem em sentido directo.

3.1. Discussão dos Resultados

O primeiro passo consistiu em caracterizar ossujeitos que frequentam as acções de reabilita-ção, tendo-se constatado que 96,7% da amostra éconstituída por indivíduos do sexo masculino eque a média de idades é de 37 anos, embora 41,7%tenha idade inferior a 30 anos.

No que concerne ao risco, este foi dividido emdois grupos (com o intuito de facilitar a caracte-rização e análise dos resultados), um com ausên-cia de risco (64%) e outro com existência derisco (36%), tendo-se chegado à conclusão que,a maioria dos indivíduos encaminhados para asacções de reabilitação apresentam risco “normal”,existindo uma percentagem diminuta considera-da de risco.

O facto de a maioria dos sujeitos ser jovem epertencer ao sexo masculino, vai de encontro aoque é descrito na literatura, visto existir normal-mente uma sobrerepresentação do risco no sexomasculino, que tem maior incidência em indiví-duos mais jovens, por estes revelarem uma maiorpredisposição para subavaliar o risco (Murray,1998). É também referido, que o tipo de risco cor-rido por homens e mulheres é diferente, visto osprimeiros, apresentarem uma maior predisposi-

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ção para expressar os seus conflitos através doagir, investindo a sua condução de uma forte afec-tividade. As segundas, por seu turno, encaram maiso veículo como um meio de transporte, com algomais funcional que não é visto como uma com-pensação de auto-imagem (Schultze, 1995). Poroutro lado, são também os homens que mais re-correm ao uso de substâncias tóxicas como álcoole droga (Homar, 1995). Convêm contudo salien-tar, que o facto de existir um maior número deindivíduos do sexo masculino está directamenterelacionado com a selecção efectuada, tendo emvista que a população que chega à Prevenção Ro-doviária Portuguesa já sofreu uma selecção. Estapoderá ter sido realizada pelo agente da PSP ouda GNR que realizou a operação STOP ou peloJuiz que decretou a sentença. Não sabemos po-rém se existem diferenças de atitude dos agentesde autoridade dependendo do sexo dos sujeitos.

Em relação às variáveis Risco e Saúde Física,ocorre uma correlação significativa positiva entreambas, o que indica que quanto maior o risco, maioro número de queixas físicas, ou dito de outro mo-do, quanto maior o risco menor o sentimento saú-de geral. Esta relação poderá dever-se, ou ao factode os sujeitos com vivências de risco poderemter consequências ao nível da saúde física, ou aotipo de vida que estes indivíduos levam e o modocomo a encaram, os incitar a desenvolver menos

preocupações com a saúde geral. Por outro lado,o risco, ao originar prazer, e ao permitir a ultra-passagem dos limites pode fomentar a dimensãonarcísica, originando um sentimento de omnipo-tência, o que faz com que os sujeitos se sintamsuperiores a tudo, até à própria dor e às queixasfísicas. Deste modo, o risco poderá originar umanegação da “materialidade” do corpo e de tudo oque este acarreta.

No que concerne ao risco, à taxa de alcoole-mia (esta é referente ao valor com que foramapanhados e que os conduziu a esta acção) e aonúmero de vezes apanhado com álcool, registou-se uma correlação significativa positiva entre ataxa e o número de vezes apanhado com álcool,o que indica que quanto maior a taxa de alcoole-mia, mais vezes os indivíduos são apanhados, oque poderá revelar por um lado que os sujeitospoderão ter um problema de alcoolismo, o que osleva a conduzir alcoolizados com alguma fre-quência, e por outro, que as penalizações aplica-das não originarão uma motivação suficiente-mente grande para os impedir de conduziremcom álcool mais uma vez. Por outro lado, e casoestudos posteriores confirmem esta relação, a taxade alcoolemia com que os indivíduos surgem nasacções poderá ser um factor de diagnóstico pre-ditivo, do comportamento futuro dos sujeitos.

Em relação às variáveis risco, idade, número de

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QUADRO 1

Grupo Stork Km/ano Anos de Carta Idade

Ausência de Risco N 36 39 37Mínimo 36 1,00 23,00Máximo 150000 44,00 64,00 Média 28214,89 15,7436 35,6486Desvio Padrão 29191,98 10,5798 10,5309

Existência de Risco N 20 22 22Mínimo 1000 3,00 23,00Máximo 250000 45,00 64,00Média 48515,00 15,3182 37,2273Desvio Padrão 62282,96 13,3145 13,9998

Total N 56 61 59Mínimo 36 1,00 23,00Máximo 250000 45,00 64,00Média 35464,93 15,5902 36,2373Desvio Padrão 44482,59 11,5317 11,8487

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anos de carta e número de quilómetros percorridospor ano, não se revelam correlações significativasentre estas, excepção feita a uma correlação signi-ficativa entre a idade e o número de anos de carta,e uma pouco significativa entre o risco e os anosde carta. No que concerne à primeira, seria de es-perar a existência de uma relação. Em relação àsrestantes, chegou-se à conclusão que os indivíduoscom menor risco revelam a uma realização decerca de metade do número de quilómetros quan-do comparados com os sujeitos que mais arriscam.Por outro lado, não deixa de ser curioso que tantoem relação à idade como aos anos de carta nãoocorram diferenças significativas entre os doisgrupos. Contudo, o risco e os anos de carta variamem sentido inverso, o que parece indicar que quan-to menor o número de anos de carta, maior o risco,o que poderá estar associado a uma maior vontadede descoberta da máquina e das suas potenciali-dades, bem como, a um menor controlo sobre amesma e uma menor noção do risco corrido. Poroutro lado, o facto de os indivíduos que mais arris-cam realizarem um maior número de quilómetrospor ano, poder-se-á dever à condução lhes conferiro prazer, a busca de sensações e a procura de limi-tes de que necessitam, ou ao facto de a realizaçãode um maior número de quilómetros por anopoder aumentar a noção de controlo da situação, oque poderá originar uma maior confiança e comotal uma subestimação do risco (Parker et al., 1992,cit. por Instituto de Educação e Psicologia, 1998).

Outro factor a considerar, é a hora em que osindivíduos foram apanhados a conduzir comexcesso de álcool. A grande maioria foi duranteo período nocturno (82%), o que poderá estar re-lacionado não só com a idade, mas também como sexo da população em questão. São normalmen-te os sujeitos mais jovens, que mais saem à noite.Associado a isto, está o facto de o álcool se en-contrar muito enraizado na nossa cultura, haven-do uma enorme disponibilidade e uma pressãosocial que favorece o seu consumo. Mas apesardisso, pressupõe-se que a seguir que o indivíduoesteja apto para conduzir (um dos participantesdas acções refere que: «Um homem aguenta tu-do, e que não é pelo simples facto de ter bebidouns copitos que não está apto para conduzir. Issoé coisa de meninas.») Neste contexto, um dosformandos refere que, a própria cultura tambémestimula que sejam homens a conduzir e que quan-do se sai à noite sejam eles a levar o carro (deste

modo nada impede que a mulher, que muitas ve-zes vai ao lado no carro, não tenha também be-bido de mais). A literatura neste contexto refereque, socialmente existe um acesso diferente à mo-bilidade segundo o sexo, o que por si só condi-ciona diferenças na exposição ao risco (Assaily,1989). Menciona também, no que concerne à faixaetária, que os jovens do sexo masculino tem umapercepção mais baixa das situações arriscadasrelativamente a condutores mais velhos do mes-mo sexo (Tränkle, Gelau, & Metker, 1990). Étambém de salientar, da análise descriminada dosindivíduos que revelam existência de risco, quetodos eles foram apanhados com excesso de álcooldurante a noite. Este facto pode-se dever, a umamaior predisposição para arriscar durante a noite,por a estrada estar mais vazia, e isto fomentar aideia de que não será apanhado, ou por a noitepoder estimular uma maior sensação de perigo ede desafio. Por outro lado, o maior número de in-divíduos apanhados a conduzir com excesso deálcool durante o período nocturno, poderá dever-se a uma maior fiscalização por parte da PSP eda GNR durante este período.

A título de curiosidade, os indivíduos que fo-ram apanhados durante o dia (18%), quase todospossuíam profissões relacionadas com a constru-ção civil, em que é costume beber socialmente àhora do almoço. Tal como no grupo anterior, pa-rece existir uma pressão social e uma cultura quefacilita o consumo de álcool e que eventualmen-te merece uma maior atenção.

No que concerne ao risco e ao facto de o indi-víduo ir só ou acompanhado, não se registam cor-relações significativas entre as duas variáveis.No entanto, é de salientar que os indivíduos comexistência de risco não fazem diferença entre an-darem sós ou acompanhados, o que se poderá de-ver a não terem consciência de que estão a arris-car, o que originará uma não alteração da sua pos-tura de condução. Por outro lado, poderemos su-por, que a adopção deste comportamento poderátambém estar sujeita à influência das pressõessociais e/ou grupais. De acordo com M. L. Lima(1989), o contexto de grupo altera a estimativa e aavaliação do risco, podendo mesmo em determi-nados casos, esse mesmo risco deixar de ser ape-nas algo que é percepcionado pelo próprio, e pas-sando a representar uma aceitação de valores ounormas de determinado grupo social. A autora re-fere ainda, que a percepção dos riscos pode ser en-

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carada como um fenómeno social e cultural, queresulta de um esforço partilhado com outros paradar sentido ao mundo em que vivemos.

Em relação à existência ou não de acidente,embora o número de respostas a esta variável te-nha sido baixo (69,4%), a maioria dos indivíduos(76,7%) revela não ter tido acidente. Deste modo,poder-se-á pensar que o facto de não ter acidentenão implica que não ocorra um comportamentode risco, mas sim que houve uma acção da PSPou da GNR que o detectou.

4. CONCLUSÕES

Em suma, e de acordo com os resultados obti-dos, pode concluir-se que a maioria dos indiví-duos (64%) apanhados a conduzir com excessode álcool e que são encaminhados para este pro-grama, têm valores de baixo risco na escala deStork.

Por outro lado, os sujeitos que comparecemnestas acções, são maioritariamente indivíduosdo sexo masculino, normalmente apanhados a con-duzir com excesso de álcool durante a noite, quenão tiveram acidente, tendo sido mandados pararno decorrer de uma operação Stop.

Os sujeitos com maior risco demonstram terhabilitação para conduzir há um menor númerode anos, realizam um maior número de quilóme-tros por ano e possuem valores mais baixos nastaxas de alcoolemia. Por outro lado, revela-se aexistência de uma relação entre a taxa e o núme-ro de vezes apanhado com álcool, que indica que,os indivíduos com taxas de alcoolemia superio-res são mais vezes apanhados a conduzir sob oefeito do álcool.

No que concerne ao sentimento de saúde ge-ral, parece existir uma relação com o risco, o quepoderá indicar que os indivíduos que mais arris-cam possuem um menor sentimento de saúde geral.

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RESUMO

O desenvolvimento do automóvel constituiu um dosfactores mais marcantes do século XX, por implemen-tar um aumento da facilidade de deslocação e comoconsequência da qualidade de vida. Por outro lado, oautomóvel possui a nível individual e colectivo umasérie de conotações simbólicas, que se encontram rela-cionadas com sentimentos de afirmação pessoal e so-cial, e que são geridos e agidos por cada um de acordocom a sua personalidade. Esta, está presente em todasas actividades e relações que estabelece com o mundoque o rodeia, não sendo a condução uma excepção. Éde salientar que, provavelmente o risco que se revelana condução, não é mais do que um espelho da situa-ção em que o sujeito se encontra nas restantes áreas dasua vida, e do modo como gere e lida com os seus con-flitos. Com o presente trabalho pretende-se perceberquais os factores que desencadeiam ou predispõem aorisco. Para tal, foi utilizada a Escala de Risco Suici-dário de Stork, a Escala de Saúde Física de Barton ecols., e foram recolhidos vários dados socio-demográ-ficos. Chegou-se à conclusão que a maioria dos indiví-

duos não apresenta valores muito elevados na escalade Stork. Por outro lado, os sujeitos com maior índicede risco, são normalmente homens novos, com um me-nor número de anos de carta e com um maior númerode quilómetros percorridos por ano. No que concerneao sentimento de saúde geral, parece existir uma rela-ção com o risco, o que poderá indicar que os indiví-duos que mais arriscam possuem um menor sentimen-to de saúde geral.

Palavras-chave: Risco, tarefa de condução, funçãosimbólica, “acting out”.

ABSTRACT

The development of the automobile represents oneof the most remarkable marks XX century, due to thefacility of transportation and to the improvement of thequality of life. In other hand, the automobile representssymbolic implication related to feelings of personaland social affirmation that are managed and acted byeach one in compliance with individuality. Personalityis present in all activities and relations that we esta-blish, and driving isn’t exception. Although, the riskthat is taken in driving is no more that a mirror of theindividuals life, and of the way he dues with is con-flicts. With the present work, we pretend to study what’sbehind the predisposition to take risks. For that, it wasused a Scale of Suicide Risk of Stork and a Scale ofPhysical Health of Barton and cols., and were recol-lected several social-demographic variables. We arri-ved to the conclusion that most of the individuals donot present high scores in Stork scale, which meansthat do not present elevated risk scores. In other hand,the subjects with high exponent of risk are young men’s,with few years of driving license and a great deal ofkilometers traveled in year. In what concerns physicalhealth, seams to exist a relation between this and risk,what can mean that individuals who take more riskshave a lower felling of general health.

Key words: Risk, driving skills, symbolic function,acting out.

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