33
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA REF.: Processo nº 2005.81.00.014586-0 11ª Vara (ACR 5520 CE) APELANTES: Marcos de França e Outros APELADOS: Ministério Público Federal RELATOR: Desembargador Federal Petrucio Ferreira – Segunda Turma CONTRA-RAZÕES nº 90/2007 MM Desembargador Federal Relator, Os réus (1) ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA, (2) DAVI SILVANO DA SILVA, (3) DEUSIMAR NEVES QUEIROZ, (4) FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI, (5) FRANCISCO ÁLVARO DE CARVALHO LIMA, (6) JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS, (7) MARCOS DE FRANÇA, (8) MARCOS RIBEIRO SUPPI, (9) PEDRO JOSÉ DA CRUZ, (10) JOSÉ ELIZOMARTE FERNANDES VIEIRA e (11) FRANCISCO DERMIVAL FERNANDES VIEIRA recorrem da sentença prolatada pelo Juiz da 11ª Vara Federal do Ceará (fls. 3803/3961), que os condenou pelos crimes de furto qualificado, formação de quadrilha, ocultação de bens e valores, falsificação e uso de documento falso. Com exceção de José Elizomarte Fernandes Vieira e Francisco Dermival Fernandes Vieira, os demais apelantes, com base no art. 600, § 4º, do CPP, optaram pela apresentação das razões recursais em Segunda Instância (fls. 4255/4311; 4316/4349; 4352/4392, 4092/4136, 4394/4453, 4456/4463, 4466/4490; 4501/4514 e 4492/4499), as quais serão contra-arrazoadas nesta oportunidade, conforme a seguir exposto:

APELANTES Marcos de França e Outros - prr5.mpf.mp.br · alegações finais, o que afasta a alegação de cerceamento de defesa por ausência de intimação para ciência de prova

  • Upload
    ngophuc

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA

REF.: Processo nº 2005.81.00.014586-0 11ª Vara (ACR 5520 CE)

APELANTES: Marcos de França e Outros

APELADOS: Ministério Público Federal

RELATOR: Desembargador Federal Petrucio Ferreira – Segunda Turma

CONTRA-RAZÕES nº 90/2007

MM Desembargador Federal Relator,

Os réus (1) ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA, (2)

DAVI SILVANO DA SILVA, (3) DEUSIMAR NEVES QUEIROZ, (4) FLÁVIO

AUGUSTO MATTIOLI, (5) FRANCISCO ÁLVARO DE CARVALHO LIMA, (6)

JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS, (7) MARCOS DE FRANÇA, (8)

MARCOS RIBEIRO SUPPI, (9) PEDRO JOSÉ DA CRUZ, (10) JOSÉ

ELIZOMARTE FERNANDES VIEIRA e (11) FRANCISCO DERMIVAL

FERNANDES VIEIRA recorrem da sentença prolatada pelo Juiz da 11ª Vara Federal

do Ceará (fls. 3803/3961), que os condenou pelos crimes de furto qualificado,

formação de quadrilha, ocultação de bens e valores, falsificação e uso de documento

falso.

Com exceção de José Elizomarte Fernandes Vieira e

Francisco Dermival Fernandes Vieira, os demais apelantes, com base no art. 600, § 4º,

do CPP, optaram pela apresentação das razões recursais em Segunda Instância (fls.

4255/4311; 4316/4349; 4352/4392, 4092/4136, 4394/4453, 4456/4463, 4466/4490;

4501/4514 e 4492/4499), as quais serão contra-arrazoadas nesta oportunidade, conforme

a seguir exposto:

2

Os apelantes foram condenados pelo juiz da 11ª Vara

Federal do Ceará como responsáveis pelo furto ocorrido no Banco Central do Brasil, em

Fortaleza, em 06 de agosto de 2005 da quantia de R$ 164.755.150,00 (cento e sessenta e

quatro milhões, setecentos e cinqüenta e cinco mil, cento e cinqüenta de reais), por meio

de formação de quadrilha, cujas tarefas de planejar, financiar, informar, arregimentar

pessoal, obter documentação falsa, alugar imóveis, constituir empresa de fachada,

partilhar, distribuir e ocultar o produto do furto, fuga, recuperação do produto e

“lavagem” do dinheiro, eram partilhadas entre seus diversos membros, configurando

organização criminosa, conforme provas colhidas em depoimentos, confissões,

interceptações telefônicas e perícias que instruem os autos.

Assim, Antônio Edimar Bezerra, Davi Silvano da Silva,

Marcos de França, Deusimar Neves de Queiroz e Pedro José da Cruz foram condenados

pelos delitos de furto qualificado, formação de quadrilha e ocultação de bens, direitos e

valores da Lei nº 9.613/98, sendo que Marcos de França ainda foi condenado pelos

crimes de falsificação e uso de documento falso e Antônio Edimar, também por

contrabando. Os apelantes Marcos Ribeiro Suppi e Flávio Augusto Mattioli, por seu

turno, foram condenados pelos delitos de quadrilha e ocultação de bens, direitos e

valores, sendo que esse último ainda foi condenado pelo uso de documento de terceiro.

Já o apelante José Charles Machado de Morais foi condenado por formação de quadrilha

e ocultação de bens e valores, enquanto que Francisco Álvaro de Carvalho Lima foi

condenado pelo delito de ocultação de bens e valores.

Os apelantes insurgem-se contra a decisão condenatória,

argüindo sua nulidade alegando haver o juiz condenado-os por fatos não descritos na

denúncia, além de não haver apreciado todas as teses da defesa, fixando pena-base além

do mínimo sem fundamentação adequada e, ainda, não haver considerado as atenuantes

que os beneficiam.

Alegam, em síntese, o seguinte:

1 - JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS (fls.

4394/4453) a inocorrência do delito de lavagem de dinheiro ao argumento de que o

delito de furto não integra o rol de crimes antecessores descritos na Lei nº 9.613/98.

Aduz também configurar a conduta descrita no art. 1º, V, da referida lei, crime próprio

3

de funcionário público.

No mérito, ausência de dolo porquanto desconhecia a

origem do dinheiro que lhe fora entregue pela intermediação lícita na compra de

veículos. Requer sua absolvição ou, subsidiariamente, desclassificação do delito de

lavagem de dinheiro para o de receptação.

No que pertine à pena de multa, R$ 1.620.000,00 (um

milhão, seiscentos e vinte mil reais) afirma ser exacerbada, pois o juiz não considerou

sua situação econômica precária tendo em vista a apreensão do caminhão cegonha, fonte

de seu sustento.

2 - O apelante ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA (fls.

4092/4136) requer reforma da sentença ao argumento de não haver sido considerada a

atenuante pela confissão. Além disso, aduz erro material no cálculo da pena pelos dois

crimes de ocultação de capitais, que deveria, com a causa de aumento do §4º da Lei

9.613/98, ser fixada em 33 (trinta e três) anos e 2 (dois) meses e não em 36 (trinta e seis)

anos e 2 (dois) meses de reclusão como determinado na sentença.

Alega inexistência do crime de quadrilha por não haver

prova de associação entre os autores. Requer sua absolvição por esse delito, bem como

redução da pena de multa por ser excessiva, eis que aplicada em valor superior a quatro

milhões de reais.

3 - O apelante MARCOS DE FRANÇA (fls. 4255/4311),

requer a nulidade da sentença por estar fundada em provas obtidas ilicitamente, sem

mandado judicial; por cerceamento de defesa ao indeferir requerimento de perícia, além

de haver sido a pena fixada nos limites máximos previstos para cada delito, sem que

fossem considerados a confissão perante a autoridade policial, os seus antecedentes

criminais e sua primariedade.

No mérito, alega a inexistência de provas que comprovem

seu envolvimento nos delitos.

4 - O apelante FRANCISCO ÁLVARO DE CARVALHO

4

(4492/4499) alega ter participado do delito apenas como “laranja”, não sabendo da

origem do dinheiro que lhe foi entregue pelo apelante Deusimar. Também afirma ter

havido equívoco quanto à fixação da pena de multa. Requer sua fixação no mínimo

legal.

5 - FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI, às fls. 4501/4514,

alega haver, tão-só, transportado um automóvel adquirido licitamente de Belo Horizonte

até Fortaleza, sem que soubesse dos crimes cometidos pelos demais apelantes,

tampouco existe vínculo psicológico que o inclua como integrante da quadrilha.

Também ressalta não haver utilizado documento falso, apenas estava de posse da

carteira de documentos de seu irmão, a qual pegou por engano.

6 - MARCOS RIBEIRO SUPPI, às fls. 4352/4392, alega

não ter ciência da origem do dinheiro contido nas malas com destino à São Paulo, razão

pela qual não estaria configurado o delito de “lavagem”. Aduz equívoco da sentença de

não considerar sua primariedade e seus bons antecedentes, bem como por não aplicar a

atenuante oriunda da confissão. Também argumenta haver o juiz fixado pena de multa

sem considerar sua situação econômica.

7 - DAVI SILVANO DA SILVA (fls. 4466/4490) aduz

haver sua conduta se restringido à guarda do produto do crime, o que não caracteriza o

delito de “lavagem” de dinheiro. Alega a impropriedade da sentença por cumular o

crime de quadrilha com o concurso de agentes, qualificadora do delito de furto. Diz ser

aplicável o princípio da consunção, ao argumento de estarem os delitos de quadrilha e

uso de documento falso absorvidos pelo crime de furto. Requer sua condenação

exclusivamente pelo furto qualificado.

8 - PEDRO JOSÉ DA CRUZ, nas razões de fls.

4466/4490, aponta a existência de erro material quando da soma das penas privativas de

liberdade, porquanto o total apresentado pelo juiz foi de 36 anos de reclusão em vez 33

anos. Também alega a nulidade da sentença por não ter considerado a atenuante pela

confissão.

9 - DEUSIMAR NEVES DE QUEIROZ, nas razões de fls.

5

4316/4349, afirma ter havido erro na dosimetria das penas de reclusão e de multa,

porquanto foram fixadas além do mínimo sem fundamentação legal a embasá-las.

Ademais, não considerou sua primariedade nem a atenuante pela confissão. Contesta a

existência de quadrilha e de organização criminosa.

Os apelantes requerem a nulidade da sentença, pelos vícios

essenciais acima apontados. No mérito, requerem a absolvição total ou em relação a

alguns crimes, requerendo, alternativamente, a redução das penas privativas de liberdade

e de multas.

Razão alguma assiste aos apelantes, conforme será adiante

demonstrado:

DAS PRELIMINARES

Não procedem as alegações de estar a condenação

fundamentada apenas no Inquérito Policial, uma vez que os apelantes exerceram o

direito ao contraditório, sendo reproduzidos em Juízo os depoimentos e declarações.

Outrossim, tiveram oportunidade de produzir provas na

fase do art. 499, do CPP, bem como acesso às provas produzidas e juntadas aos autos,

podendo manifestar-se sobre todo o acervo probatório quando da apresentação das

alegações finais, o que afasta a alegação de cerceamento de defesa por ausência de

intimação para ciência de prova acrescida, formulada pelo apelante Marcos de França.

Também não se configura a ocorrência da mutatio

libelli. Como se sabe, esse instituto tem aplicação quando se constata, no decorrer da

instrução criminal, novos elementos ou circunstâncias não contidos na denúncia. No

caso dos autos, o reconhecimento do delito de ocultação de bens, direitos e valores

previsto na Lei nº 9.613/98, decorreu de interpretação jurídica dada a fatos já descritos

na denúncia, dando margem à mudança na classificação do delito, configurando

emendatio libelli, com previsão no artigo 383 do CPP.

Ademais, tanto na denúncia como nos seus subsequentes

aditamentos, os apelantes José Charles Machado de Morais, Marcos Ribeiro Suppi,

6

Flávio Augusto Mattioli, Deusimar Neves Queiroz e Francisco Álvaro de Carvalho

Lima foram textualmente incursos no delito da Lei nº 9613/98.

Desse modo, havendo correlação entre a descrição dos

fatos e a sentença, não há que se falar em cerceamento de defesa.

De igual modo, não assiste razão quanto à alegada omissão

do juiz na análise de todas as teses da defesa, pois não se exige do julgador referência a

todas as alegações das partes, já que o juiz valora as provas e adota a tese jurídica que

melhor se adeqüe ao seu convencimento, não significando, com isso, ausência de

fundamentação.

Nesse sentido são os julgados desse Tribunal:

CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO.

OMISSÃO DA SENTENÇA QUANTOS ÀS TESES DA DEFESA.

INOCORRÊNCIA. DECRETO CONDENATÓRIO QUE REFUTOU

TODAS AS ALEGAÇÕES DEFENSIVAS PARA

FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO.

(...)

Não se tem como omissa a sentença condenatória que, embora não se

referindo, expressamente, às teses das defesa, fundamenta a

condenação com base nos elementos probatórios reputados válidos

para caracterizar os crimes narrados na denúncia e sua autoria. (...)

(HC 24.992/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA,

julgado em 20.02.2003, DJ 22.04.2003 p. 244)

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO

MEDIANTE SEQÜESTRO. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE

NULIDADES. OMISSÃO NO EXAME DE

QUESTÕES.IMPROCEDÊNCIA.

- Se na sentença condenatória o magistrado processante realizou

adequada decantação do quadro fático-probatório e reconheceu, no

final, a participação dos acusados no crime de extorsão mediante

7

seqüestro, demonstrando a tipicidade penal das condutas a eles

imputadas, não procede a tese de cerceamento de defesa por ausência

de apreciação das razões deduzidas nas alegações finais.

- Recurso especial não conhecido.

(REsp 166.784/SP, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA

TURMA, julgado em 08.08.2000, DJ 27.11.2000 p. 190)

O cerceamento de defesa argüido por Marcos de França,

por conta do indeferimento de perícia para comprovar maus tratos durante sua prisão,

não enseja por si só nulidade da sentença, porquanto o juiz poderia ter considerado a

afirmativa para seu convencimento, ainda que sem perícia, entretanto assim não o fez

por não entender idônea.

Também não lhe assiste razão quanto à alegada ilicitude

da colheita de provas, pois a apreensão dos objetos encontrados em seu poder

decorreram de prisão em flagrante, não se fazendo necessário, portanto, a expedição de

mandado de busca e apreensão, já que, em casos como tais, a autoridade pode ingressar

no interior do domicílio, a qualquer hora do dia ou da noite, para fazer cessar a prática

criminosa. Além do que a descrição da diligência e a assinatura das testemunhas

constam do auto de prisão em flagrante, nas primeiras folhas do apenso 1, e nas fls.

1113/1117, do apenso 6, destes autos.

Confira-se, a respeito, a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal:

“(...)Crime de quadrilha: crime permanente. Estado de flagrância.

Inocorrência de desrespeito à inviolabilidade do domicílio, já que

incide a exceção do art. 5º, XI, da Constituição. Dispensa, no caso,

do mandado judicial. III. - Eventuais irregularidades em peças que

integram o inquérito policial não contaminam o processo, nem

ensejam a sua anulação, dado que o inquérito é mera peça

informativa da denúncia ou da queixa. (...)”

(HC 74127/ RJ – Rel. Ministro Carlos Veloso - DJ 13-06-1997, pp

26693)

8

No que pertine à dosimetria da pena, inexiste ilegalidade a

ser reparada na sentença. Vê-se que as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, foram

analisadas em relação a todos os réus, exasperando-se a pena-base fundamentadamente

em face de circunstâncias desfavoráveis a cada qual.

Ao contrário do afirmado pela acusação, o Juiz não

deixou de considerar as circunstâncias judiciais (motivos, circunstâncias e

conseqüências do crime), às quais cita nos seguintes trechos da sentença:

“Fixo, assim, com relação ao réu JOSÉ CHARLES MACHADO DE

MORAIS, (...) tendo em vista sua personalidade desvirtuada e

voltada ao crime, bem como sua conduta social reprovável, além

do único móvel ter sido o lucro ilícito em detrimento do patrimônio

público, com graves conseqüências sociais, entendo ser o mesmo

merecedor da pena máxima, tendo esta como pena base (...) (fl.

3954)

Fixo, com relação aos réus ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA (...),

MARCOS DE FRANÇA (...), DAVI SILVANO DA SILVA (...), tendo

em vista suas personalidades desvirtuadas e voltadas ao crime,

bem como suas condutas sociais reprováveis, além do único móvel

ter sido o lucro ilícito em detrimento do patrimônio público, com

graves conseqüências sociais, entendo serem os mesmos

merecedores da pena máxima (...) (fl. 3955).

Fixo, com relação aos réus FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI (...) e

MARCOS RIBEIRO SUPPI(...), tendo em vista suas personalidades

desvirtuadas e voltadas ao crime, bem como suas condutas sociais

reprováveis, além do único móvel ter sido o lucro ilícito em

detrimento do patrimônio público, com graves conseqüências

sociais, entendo serem os mesmos merecedores da pena máxima

(...) (fl. 3957).

Fixo, com relação ao réu DEUSIMAR NEVES QUEIROZ (...),

tendo em vista sua personalidade desvirtuada e voltada ao crime,

bem como suas condutas sociais reprováveis, além do único móvel

9

ter sido o lucro ilícito em detrimento do patrimônio público, com

graves conseqüências sociais, entendo ser o mesmo merecedor da

pena máxima, tendo esta como pena base (...) (fl. 3958).

Fixo, com relação ao réu FRANCISCO ÁLVARO DE CARVALHO

LIMA pelo crime previsto no artigo art. 1º, V e VII, §1º, I, §2º, I e

II da Lei 9.613/98, atendendo a sua baixa culpabilidade, bons

antecedentes, nada de negativo ser percebido com relação às suas

personalidades, a pena aplicável como a pena mínima (...) Tendo

em vista as circunstâncias favoráveis ao réu, nos termos do art.44

e seguintes do Código Penal, substituo a pena restritiva da

liberdade por prestações de serviços à comunidade a ser

especificado pelo juízo da execução(...) (fl. 3959)

Fixo, com relação ao réu PEDRO JOSÉ DA CRUZ (...), tendo em

vista seus antecedentes desfavoráveis, sua personalidade

desvirtuada e voltada ao crime, bem como sua conduta social

reprovável, além do único móvel ter sido o lucro ilícito em

detrimento do patrimônio público, com graves conseqüências

sociais, entendo ser o mesmo merecedor da pena máxima, tendo

esta como pena base (...) (fl. 3959)”.

Sabe-se ser a fixação da pena-base matéria discricionária

do juiz ao analisar tais circunstâncias, podendo fixá-la dentro dos limites previstos

para o respectivo crime. Por outro lado, presente algum requisito negativo, a pena-

base não poderá ser aplicada no mínimo legal.

Guilherme de Souza Nucci assim expõe sobre o tema: “é

defeso ao magistrado deixar de levar em consideração as oito circunstâncias judiciais

existentes no art. 59, caput, para a fixação da pena-base. Apenas se todas forem

favoráveis, tem cabimento a aplicação da pena no mínimo. Não sendo, deve ela

situar-se acima da previsão mínima feita pelo legislador.(Código Penal Comentado,

6ª ed., Pg. 354).

No mesmo sentido é o julgado do Supremo Tribunal

Federal, a seguir transcrito:

10

“O juiz tem poder discricionário para fixar a pena-base dentro

dos limites legais, mas este poder não é arbitrário, porque o caput

do art. 59 do Código Penal estabelece um rol de oito

circunstâncias judiciais que devem orientar a individualização da

pena-base, de sorte que, quando todos os critérios são favoráveis

ao réu, a pena deve ser aplicada no mínimo cominado; entretanto,

basta que um deles não seja favorável para que a pena não mais

possa ficar no patamar mínimo”. 1

Outrossim, não se pode alegar haver a administração do

BACEN contribuído para o cometimento da infração criminal. Tanto isso é verdadeiro

que, para o cometimento do crime, foi necessário montar-se uma organização com

sofisticado planejamento e vultosos investimentos.

Nada obstante, ainda que fosse possível considerar falhas

na segurança, tal fato somente poderia ser considerado em relação ao furto, e não quanto

aos demais delitos, como formação de quadrilha, ocultação de bens, direitos e valores,

uso de documento falso etc.

Quanto ao reconhecimento da confissão como atenuante,

resta impossibilitado, haja vista a retratação, parcial ou total, realizada em juízo. Assim

já admitiu o Supremo Tribunal Federal, conforme se vê da seguinte ementa:

“Não se beneficia da circunstância atenuante obrigatória da

confissão espontânea o acusado que desta se retrata em juízo. A

retratação judicial da anterior confissão efetuada perante a

Polícia Judiciária obsta a invocação e a aplicação da

circunstância atenuante referida no art. 65, III, d, do Código

Penal.” 2

Desse modo, inocorrendo violação dos princípios da ampla

defesa, do contraditório ou do devido processo legal, não há que se falar em nulidade de

1 HC 76.196-GO, 2ª T., Rel. Maurício Corrêa, 29.09.19982 HC 69.188-9, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 26/03/93.

11

sentença por esses títulos.

DO MÉRITO

DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA

Trata-se da apuração do furto praticado contra o Banco

Central do Brasil, em Fortaleza, entre os dias 5 e 6 de agosto de 2005, no valor de R$

164.755.150,00 (cento e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinqüenta e cinco mil,

cento e cinqüenta de reais em cerca de 3.295.103 notas de cinqüenta reais), por

quadrilha composta de mais de trinta membros, dentre eles, os apelantes.

As condutas atribuídas aos apelantes restaram

devidamente comprovadas, seja como autores propriamente ditos, seja pela participação

na consumação dos delitos. Alguns deles chegam, inclusive, a confessar a autoria ou a

participação, como Antônio Edmar Bezerra, Pedro José, Deusimar e Marcos Suppi, ao

requerem o reconhecimento da atenuante pela confissão, ou como Davi e José Charles,

que fundamentam o pedido de redução da pena alegando a prática apenas do crime de

furto; ou ainda Flávio Augusto e Francisco Álvaro, que sustentam haver sua

participação na conduta criminosa restringido-se a poucos atos, insuficientes para

caracterizar uma associação estável exigida para configuração do crime de quadrilha.

O laudo pericial nº 2471/05-INC/DITEC (fls.423/437- 3º

vol.) comprova que tal furto ocorreu com a utilização de um túnel escavado a partir da

casa nº 1071 da Rua 25 de março, região central de Fortaleza (fotos fls.192/298 e

863/866), alugada por um indivíduo que se identificou como sendo Paulo Sérgio de

Souza, apresentando-se como representante da empresa P.S de Souza Grama Sintética

(documentos de fls.46/72, 74/76, 88, 91/99, 103/146, 143, 406/423, 604, 651/653,

634/636 e depoimento de Rui Pinheiro Barbosa Júnior às fls.645/650). O túnel

subterrâneo foi escavado até a casa forte do Banco Central, distante a mais de 75

(setenta e cinco) metros do imóvel, onde uma laje de concreto de 1,10m de espessura foi

rompida.

Os apelantes utilizaram o referido imóvel como sede de

fictícia empresa de grama sintética, mantendo em suas dependências, ocultadas em

paredes falsas de gesso, a terra retirada do túnel; observa-se, também que dito túnel

tinha entrada disfarçada com tampa de tacos, era equipado com sistema de refrigeração,

12

iluminação artificial e lanternas de segurança, além de contar com 900 (novecentos)

escoras de madeira com preenchimento de argamassa, ventiladores e segmentos de

tubos de cimento.

Os apelantes ainda utilizaram serra portátil circular

elétrica, com disco diamantado, devidamente adaptada para o serviço de corte de

concreto na vertical, além de furadeira elétrica manual e macaco hidráulico.

A perícia também constatou haverem os apelantes

realizado levantamento topográfico prévio, dispondo de informações relativas à

espessura da parede, posição dos objetos no interior da Caixa Forte e disposição do

sistema de segurança, contando com as plantas do edifício, em especial da Caixa Forte

do BACEN e de outras informações privilegiadas para a execução do túnel com

tamanha precisão, o que reforça a hipótese de participação de pessoas que trabalham ou

trabalharam no Banco Central ou na construção do edifício ou na instalação dos

sistemas de segurança (Laudo nº 652/05-SR/CE de fls.884/901, fotos fls.885/907 do IPL

2005.81.00.014586-0).

Também se verifica no laudo nº 652/05-SR/CE de

fls.881/901, 3º vol do IPL 2005.81.00.014586-0, que os assaltantes romperam

contendores de dinheiro e tiveram o cuidado de andar rente às paredes para evitar os

sensores de movimento, até chegarem aos contendores desejados. Utilizaram roldanas e

recipiente tipo tambor, cortado verticalmente em forma de pequena balsa, para conduzir

o numerário furtado, por dentro do túnel até a sede da empresa fictícia, consistente no

montante de R$ 164.755.150,00, exclusivamente em notas de cinqüenta reais que já

estiveram em circulação, o que também demonstra prévio conhecimento até mesmo da

disposição dos maços de cédulas. Ressalte-se haver sido deixado no interior da Caixa

Forte muitos milhões de reais em notas seriadas, evitadas pelos participantes do crime

porque possibilitariam o rastreamento do dinheiro.

DO APELANTE JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS

Iniciadas as investigações, descobriu-se que o apelante

José Charles Machado de Morais adquiriu, horas após o furto, nove veículos da empresa

Brilhe Car (empresa administrada e pertencente aos também acusados José Elizomarte

13

Fernandes Vieira e Francisco Dermival Fernandes Vieira) havendo pago, em notas de

cinqüenta reais, R$ 980.000,00 (novecentos e oitenta mil reais). Três desses veículos

estavam sendo transportados pelo próprio apelante, em um caminhão cegonha de sua

empresa J.E Transportes. Saiu de Fortaleza/CE em 07 de agosto (domingo) com destino

a São Paulo, entretanto foi interceptado em Minas Gerais, ocasião em que foram

encontrados R$ 3.956.750 (três milhões, novecentos e cinqüenta e seis mil, setecentos e

cinqüenta reais - fls.509 - 3º vol. do IPL) ocultos em ditos veículos. Consta das fls.183

do IPL, a relação total dos onze automóveis referidos.

DO APELANTE EDIMAR BEZERRA

O apelante Antônio Edimar Bezerra foi convidado por

Marcos Rogério para participar do furto, tendo trabalhado em dias alternados na

escavação do túnel com outros cinco homens. Efetuou a escavação do buraco em sua

própria residência, na qual foram encontrados doze milhões de reais. Confessou estar

guardando o numerário para posterior divisão entre os demais integrantes, cabendo-lhe

apenas a quantia de dois milhões por sua participação no crime. Além da pistola Taurus

40 encontrada em sua residência, foram apreendidasas pistolas Taurus PT 100 AFS,

S&W, calibre 40, de uso restrito, contendo escudo da Polícia Militar do Estado de São

Paulo e uma pistola marca Glock 21, calibre 45, de fabricação australiana, bem como

munição para as duas últimas em um sítio de sua propriedade, no município de

Independência/CE (laudo de fls.110/122 do Inquérito nº 2005.81.00.018729-4). Já no

seu imóvel situado em Boa Viagem/CE, foram arrecadados outros R$ 5.900,00 (cinco

mil e novecentos reais) em cédulas de cinqüenta reais, bem como uma camioneta F-250,

placas HDG 1032, cujo documento está em nome do apelante JOSÉ CHARLES

MACHADO DE MORAIS e uma moto Honda NXA Falcon placas HWI 6990 (fotos

fls.100/104 do Inquérito nº 2005.81.00.018729-4), além de terem sido arrecadadas

escrituras, recibos de cartórios e imobiliárias que comprovam a aquisição recente de

imóveis (um apartamento localizado na Rua Emilio Lobo, 190, apt. 801, em nome

Rosângela do Nascimento Ferreira, esposa de Antônio Edimar, e extrato bancário da

conta 01300037451.2 da agência 2109 da Caixa Econômica Federal em Várzea

Paulista), bens cuja relação encontra-se nos autos do Processo 2005.18729-4 às

fls.468/470, 3º vol.

DO APELANTE MARCOS DE FRANÇA

14

Marcos de França confessou haver trabalhado na

escavação do túnel a convite de Antônio Jussivan e ter deixado parte do dinheiro na casa

de Antônio Edimar, viajando em seguida com nome falso de Jesiel Francisco Araújo da

Conceição para São Paulo, de avião, sendo que no mesmo vôo também estavam Davi

Silvano da Silva, Moisés e “Fé”. Afirmou ter retornado a Fortaleza para pegar a sua

parte do dinheiro na casa de Antônio Edimar.

DO APELANTE DAVI SILVANO DA SILVA

Davi Silvano da Silva confessou ter acompanhado os

trabalhos da escavação do túnel por trinta dias e viajado para São Paulo com

documentos falsos em nome de José Paulo do Nascimento e Davi Araújo Pereira, em

companhia de Marcos de França, “Fê” e Jean.

DO APELANTE FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI

Flávio Augusto Mattioli trouxe a Fortaleza um veículo

Pajero, em nome de José de Sousa Lopes de Tamboré (fls.18 do IPL), recebido de Davi

em Belo Horizonte para ajudá-lo a buscar sua parte no delito na casa de Antônio

Edimar. Na ocasião, Flávio utilizou a habilitação de seu irmão Eduardo Luiz Mattioli.

DO APELANTE MARCOS RIBEIRO SUPPI

Marcos Ribeiro Suppi, viajou pela TAM com o nome falso

de Genilson Alves Feitosa; chegou à Fortaleza a convite de Marcos de França para

ajudar no transporte de valores. Foi levado por Antônio Edimar até a casa onde estava

Marcos de França e a quantia que lhe coube pela participação no crime, R$ 50.000,00,

separado em uma mala.

DOS APELANTES DEUSIMAR NEVES QUEIROZ E FRANCISCO ÁLVARO DE

CARVALHO LIMA

Deusimar Neves Queiroz, preso por força de mandado de

prisão preventiva, confessou sua participação no furto por meio de repasse de

informações sobre a caixa forte do Banco Central em Fortaleza, pois conhecia o local

15

por ter trabalhado como segurança das empresas que transportavam valores. Afirmou

ter recebido cerca de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para repassar tais informações,

montante entregue ao apelante Francisco Álvaro De Carvalho Lima para realizar

empréstimos a juros, além de ter adquirido imóveis e bens móveis (um apartamento para

sua cunhada Maria do Socorro Rodrigues Cunha, no valor de R$ 19.000,00, um Ford

Escort, placas HWD 2480, licenciado em nome de Daniel Wallace de Jesus Braga, uma

motocicleta Yamaha DT/180.2, licenciada em nome de Maria Marleide Nobre de Lima

e vários eletrodomésticos - fls.39 e 42 do IPL 2005.81.00.018960-6 que acompanhou o

aditamento). Foram arrecadados 19 cheques objeto da agiotagem praticada, no entanto,

Deusimar teria recebido cerca de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), por haver

participado do furto, e, juntamente com Francisco Álvaro, praticado o crime de

lavagem.

DO APELANTE PEDRO JOSÉ DA CRUZ

Esse apelante afirmou ter sido convidado por Davi Silvano

da Silva, Luiz Fernando Ribeiro e Moisés Teixeira da Silva para participar da escavação

do túnel por possuir experiência em escavações, uma vez que fugiu do Carandiru por

método semelhante, sob a promessa de ganhar R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de

reais). Participou das escavações por cerca de dois meses, quando conheceu Jussivan,

retornando a São Paulo devido a problemas de visão e nas articulações adquiridos

durante a escavação. Declarou, ainda, haver recebido R$ 2.500.000,00 (dois milhões e

meio de reais) de Davi, ficando o restante para quando DAVI trouxesse a outra parte da

casa de Edimar. Foram arrecadados em poder de Pedro um veículo pólo vermelho,

licenciado em nome de sua mulher Marlene Maria dos Santos Cruz, um veículo Saveiro,

adquirido em nome de Juscelino Rodrigues de Oliveira, um veículo Gol prata, placas

8566, registrado em nome de sua filha Márcia Maria dos Santos Cruz, bem como uma

loja de autopeças de nome Ribeiro & Farias Auto Peças Ltda, nome de fantasia Vasco

Autopeças, constituída em 07.10.2005 em nome de sua esposa, além de R$ 11.500,00,

em notas de cinqüenta reais.

Os depoimentos das testemunhas confirmam as condutas

confessadas pelos apelantes:

16

Joana D'arc Feitosa, nas declarações de fl.676, reconheceu

Pedro José da Cruz como sendo um dos indivíduo que freqüentava o bar da depoente,

em companhia de Paulo Sérgio (responsável pela locação do imóvel onde escavou-se o

túnel para a sede do Banco Central).

Francisco Ricardo Santos da Silva, no depoimento de

fl.749, bem como Maria Eliete Moreira Rodrigues (fl. 743) reconheceram Davi Silvano

da Silva como a pessoa que se identificava por “João”. Esse apelante também foi

identificado por Rosalina Moreira Lima, que o conhecia pelo nome "de Araújo”

(fls.734).

José Carlos Pagam também reconheceu o réu Davi Silvano

da Silva como a pessoa que se apresentava como sendo João, apontando, ainda, Marcos

de França como um dos rapazes que andava com "João" (fl.723).

No depoimento de fls. 941/947, Francisco de Assis da

Silva Medeiros reconheceu Antônio Jussivan, Marcelo Marchini e Marcos Rogério

como freqüentadores da empresa Brilhe Car. Afirmou tê-los visto em companhia de

José Charles quatro dias antes do furto, na oportunidade em que esse apelante escolheu

os veículos que vieram a ser adquiridos daquela empresa.

Portanto a materialidade do delito de furto qualificado cometido

por organização criminosa, responsável ainda pela “lavagem” do montante furtado do

caixa-forte do Banco Central do Brasil, restou cabalmente comprovada.

DO CRIME DE QUADRILHA

Segundo o artigo 288, do CP, quadrilha ou bando é a reunião

estável ou permanente, de mais de três pessoas, com o fim de cometer crimes. O delito

resta fortemente caracterizado no caso em análise, a começar pela prisão em flagrante

dos apelantes ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA, MARCOS DE FRANÇA, DAVI

SILVANO DA SILVA, FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI e MARCOS RIBEIRO

SUPPI, na casa pertencente ao primeiro, sendo com eles encontrados a importância de

R$ 12.266.200,00 em notas de cinqüenta reais (Laudo de fls.76/77 e auto de entrega de

fls.78/79 do IPL) acondicionados em sacos de nylon e fitas com carimbo do Banco

17

Central, além de armas, passagens rodoviárias e veículos destinados ao transporte dos

valores. Os acusados ali estavam para efetuarem a partilha do produto do crime

Ouvido em Juízo (fls. 156/290), ainda que tenha apresentado

versão reduzida de sua participação no ilícito, o apelante Antônio Edimar confirma o

vínculo com os apelantes Marcos de França, Davi, Flávio Mattioli, Marcos Suppi e José

Charles, e ainda, com outros co-autores do crime, como se vê das declarações a seguir:

“(..) o depoente ficou encarregado de guarnecer o dinheiro (...); que, por

iniciativa do próprio depoente, o buraco foi feito para guardar os sacos,

tendo o depoente iniciado a escavação por volta das onze horas de

sábado, terminando o serviço por volta da meia noite; que o depoente já

tinha uma pá, uma picareta e uma marreta (...) que o depoente

permaneceu na casa, fazendo pequenas viagens para Boa Viagem, até

que no dia 20 de setembro Carlos avisou ao depoente que algumas

pessoas iriam entrar em contato com o depoente para recuperarem o

dinheiro; que Paulo ligou para o depoente descrevendo Davi como sendo

uma dessas pessoas, sendo que Davi chegou de táxi na casa do depoente

no dia vinte e sete, não tendo o depoente pago o táxi nem conhecido o

taxista; que Davi chegou, por volta do meio dia, afirmando que era o

encarregado de receber a parte do dinheiro de Paulo; que Marcos de

França também chegou na casa do depoente no dia vinte e oito pela

manhã, tendo afirmado ao depoente que era necessário que fossem pegar

Marcos Ribeiro Suppi na rodoviária, defronte à agência Guanabara; que

o depoente foi para a rodoviária na Ford Montana, de propriedade do

depoente; que o depoente identificou Marcos Suppi, tendo conduzido-o a

sua residência; que, quando o depoente chegou em sua residência, Davi e

Marcos de França já tinham separado o dinheiro, colocando-o em duas

malas para Davi; que esclarece que Davi também informou que iria

chegar uma Pajero conduzida por Flávio para a condução do dinheiro;

que, em seguida, Flávio chegou com dito veículo; que Davi iria de ônibus

para Natal, levando uma parte do dinheiro, e a outra parte iria com Flávio

na Pajero; que Marcos de França iria com Davi até Natal, de ônibus,

onde pegariam um vôo para natal, enquanto Marcos Suppi iria de ônibus

para São Paulo, saindo de Fortaleza, conduzindo o que lhes coube de

dinheiro; que, na divisão entre Davi e Marcos França, sobrou dois

milhões, seiscentos e cinqüenta mil ao depoente, tendo o depoente

18

guardado tal quantia no guarda-roupa; que Carlos forneceu três armas

para o depoente para guarda; que, logo após a chegada de Flávio, a

Polícia Federal prendeu todos os presentes na casa; que os sacos de

dinheiro eram de quantias variando entre cento e cinqüenta e

quatrocentos mil reais; que foi essa a única vez que pessoas foram

apanhar dinheiro com o depoente (...) que não conhece José Elizomarte

nem Francisco Dermival, conhecendo José Charles Machado de Morais

por já ter comprado o veículo F 250 apreendido (...)”

De igual modo, DEUSIMAR NEVES DE QUEIROZ, tanto em

sede policial (fls.05/07 do Processo nº 2005.81.00.018960-6 - IPL 908/2005), como em

juízo (fls.259/263 - 2º volume), confirmou seu vínculo com o apelante Francisco

Álvaro:

"(...) foi procurado por duas pessoas que lancharam; QUE as duas

pessoas perguntaram ao interrogado se este tinha conhecimento do caixa

forte do Banco Central, tendo respondido que sim; QUE também

perguntaram se queria mudar de vida caso passasse as informações da

área interna do Banco Central; QUE no mesmo dia deram ao interrogado

a quantia de mil reais; (....)referidos indivíduos no outro dia deram ao

interrogado a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em espécie

(...)guardou os R$ 100.000,00 (cem mil reais) por alguns meses, e como

já emprestava dinheiro a juros, continuou a emprestar utilizando aquele

dinheiro; QUE sábado, dia 06 de agosto do ano em curso, recebeu mais

R$ 100.000,00 (cem mil reais) em notas de R$ 50,00, de um daqueles

indivíduos (....) há dois meses conheceu a pessoa de ÁLVARO, não

sabendo precisar seu nome, a quem confiou que guardasse todo o

dinheiro que havia recebido dos dois elementos anteriormente citados;

QUE não sabe informar onde ÁLVARO guardou o dinheiro; QUE quase

todo dia pegava dinheiro com ÁLVARO para empresar a juros; QUE

todos os cheques apreendidos com o interrogado são de clientes; QUE

ÁLVARO tinha autorização para também emprestar dinheiro a juro e

ficar como que apurasse (...) QUE os dois elementos que fizeram

perguntas sobre o interior do Banco Central (....) um daqueles elementos

chamava o seu companheiro,por sinal o de estatura de baixa, pelo nome

de DAVI (...)”

19

Já o apelante PEDRO JOSÉ DA CRUZ confirma seu vínculo

com o apelante Davi Silvano (fls. 532/536 3º volume):

"(...) que, em maio ou junho de 2005, o depoente foi convidado por Davi

Silvano da Silva, em um bar em São Paulo para vir a Fortaleza (...) que

após tal semana, Davi acabou anunciando ao depoente que pretendia

escavar um túnel do imóvel até o Banco Central, solicitando os trabalhos

do depoente, com a promessa de dar quatro milhões de reais ao depoente;

que o depoente começou então a participar da escavação do túnel junto

com Davi, Moisés e Paulo Sérgio, esclarecendo o depoente que o seu

turno era durante o dia e por turno de quatro horas; que o depoente

passava o resto do dia realizando pequenos trabalhos na própria casa (...)

Que, alguns dias após o início da escavação, chegaram outras pessoas

que se dedicavam á escavação no turno da noite; que a escavação durou

cerca de dois meses e meio a três meses; que a pessoa conhecida como

'alemão' comparecia á casa com as máquinas e realizava as medições; que

não existia nenhum mapa nem papel (...) que foi Paulo Sérgio quem

trouxe as novecentas escoras de madeira, sendo que várias pessoas,

inclusive o depoente, participaram da colocação de tais escoras (...) que

ao sabe ao certo quem cortou a laje de concreto do banco central; que

sabe dizer que a máquina de cortar concreto foi preparada em São Paulo,

tendo sido trazida pro Paulo Sérgio (...) que o depoente morava na casa

junto com Paulo Sérgio e um indivíduo chamado 'Piai'; que Davi e os

demais ficavam em locais desconhecidos pelo depoente, que de vinte em

vinte dias, um indivíduo chamado Fernando comparecia a casa na Rua 25

de março e efetuava pagamento de cerca de quinhentos reais para os

participantes; que, salvo engano, cerca de trinta pessoas participaram das

escavações; que, um dias antes do rompimento da laje do banco central, o

depoente voltou para São Paulo junto com 'Piauí' em uma Saveiro

conseguida por Fernandinho (...) que, cerca de quinze dias após, Davi

ligo para o depoente e marcou um encontro num bar, ocasião em que

entregou dois milhões e cem mil reais em notas de cinqüenta reais, que

estavam em uma caixa de cobertor; que Davi prometeu mais um milhão e

meio ao depoente após quinze dias; que Davi retornou a fortaleza para

pegar tal dinheiro, ocasião em que foi preso (...) que Davi comentava ter

adquirido uma casa para guardar o dinheiro (...)”

20

Depreende-se das declarações retro a existência de um

vínculo de confiança entre os agentes. As circunstâncias em que o delito foi cometido

com atos preparatórios desenvolvidos por mais de três meses, demonstram o caráter de

estabilidade essencial para a configuração do crime de quadrilha, como aduzido na

sentença:

“Frise-se que, como é cediço e foi comentado inicialmente, nenhum

integrante de um grupo capaz de furtar R$ 164.755.150 reais do caixa-

forte do Banco Central, mediante a perfuração de um túnel, após meses

de estudo e preparação, confia em qualquer outra pessoa que também não

seja membro de tal organização criminosa.” (fl. 3930).

Outrossim, a complexidade da quadrilha configura o que a

Lei nº 9.034/95 define como crime organizado, conforme reconhecido na sentença, em

trecho a seguir transcrito:

“Percebe-se, desde logo, que uma ação criminosa como a realizada não

poderia ter sido realizada por um mero ajuntamento esporádico de

indivíduos criminosos, denotando, na realidade, a existência de todas as

características do crime organizado, conforme exposto anteriormente, ou

seja, verificam-se presentes as características de unidade social,

comportamento social padronizado, arranjo pessoal, formação da unidade

social em uma estrutura descritível, compreendendo funções hierárquicas

e específicas dos membros, podendo ser móveis ou imóveis, bem como

divisão de tarefas, atribuição de funções e o preenchimento de cargos

específicos com o fim de obtenção do resultado comum, e recursos

materiais ( mão de obra dos membros da organização ou capital

arrecadado dos mesmos), sendo também perceptível suas atividades

intensas e ininterruptas, possuindo divisões de tarefas, participação de

colaboradores ou agentes inicialmente insuspeitos e sofisticação dos

métodos criminosos, tendo contado com informações privilegiadas,

apresentando um intrincado esquema de conexões com outros grupos

delinqüenciais e uma rede subterrânea de ligações, utilizando de

disfarces e simulações em sua mobilidade e atuação, sendo motivada com

o objetivo primário de obter lucros através de atividades ilegais, estando

baseada na associação de suas vontades livres e conscientes, além de seu

21

elevado grau de operacionalidade, com alta velocidade de realização,

concentrando esforços diuturnamente para a consecução de seus

objetivos.” (fl. 3887)

A alegação do apelante Davi Silvano, acerca da

impossibilidade de se cumular crime de quadrilha com concurso de agentes, não

encontra respaldo legal, doutrinário ou jurisprudencial. Como se sabe, o delito de

quadrilha é crime de perigo e possui como bem jurídico protegido a paz social, podendo,

portanto, ser cumulado com delito de furto qualificado, que é crime de dano, cujo bem

jurídico protegido é diverso – o patrimônio da vítima. Inexiste, pois, bis in idem, o que

somente ocorreria se ambos os crimes tivessem a mesma natureza e objetividade

jurídica.

Ademais, o crime de quadrilha é autônomo em relação aos

delitos cometidos por seus integrantes, subsistindo ainda que esses não sejam

consumados ou sequer tentados.

Nesse sentido é o julgado do STF, conforme ementa

abaixo:

“Cumulação da qualificadora do crime de roubo (uso de arma)

com a qualificadora de quadrilha armada. O crime de quadrilha é

um crime autônomo, que independe dos demais crimes que vierem

a ser cometidos pelo bando. É, também, um crime permanente que

se consuma com o fato da associação e cuja unidade perdura, não

obstante os diversos crimes-fim cometidos pelos integrantes do

grupo criminoso”3.

Também resta afastada a alegada consunção dos delitos de

quadrilha e uso de documento falso pelo furto.

O Princípio da Consunção é uma das formas de solução do

conflito aparente de normas, sendo aplicável nas seguintes hipóteses: (1) quando um

3 STF, HC 75.349-3, 2ª T, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 26.11.1999

22

crime é meio necessário ou constitui fase de preparação ou de execução de outro crime;

e (2) nos casos de antefato e pós-fato impuníveis. Assim, verifica-se de plano a

inaplicabilidade desse princípio ao caso em análise, porquanto nem o crime de quadrilha

nem o de uso de documento falso constituem meios necessários à execução do furto,

tampouco funcionam como situações antecedentes impuníveis ou mero exaurimento do

crime principal.

Dessa forma, está plenamente caracterizado o delito de formação

de quadrilha.

DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

O crime de lavagem é definido, no art. 1º da Lei 9.34/95

como: “ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou

organizações ou associações criminosas de qualquer tipo."

Segundo José Laurindo de Souza Neto4, “o crime

organizado pode ser conceituado como o agrupamento de pessoas que procura operar

fora do controle do Estado, para extorquir proventos exorbitantes da sociedade, por

meios ilícitos. Para subsistir, impõe uma disciplina rígida aos subalternos que fazem o

chamado ‘trabalho sujo’. Trata-se de um crime que implica uma coordenação

hierárquica de um determinado número de pessoas para o planejamento e execução de

atos ilegais ou para atingir um objetivo legítimo utilizando meios que são contrários à

lei”.

A Convenção de Palermo contra a Delinqüência

Organizada Transnacional, promulgada no Brasil pelo Decreto 5.015, de 12 de março de

2004, cujo caráter vinculativo compromete os países signatários, dispõe, em seu art. 6º

(2º, a), que cada Estado deverá estender o tipo da lavagem de dinheiro “à mais ampla

gama possível de infrações penais”, estabelecendo no art. 6º, 2º, b, que, no mínimo,

devem ser incluídas “todas as infrações graves”. O termo “infração grave” foi definido

pelo seu art. 2º (b) como o “ato que constitua infração punível com pena de privação de

liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos”. Assim, constituem crimes

antecedentes, nos termos daquela Convenção, todas infrações penais cuja pena máxima

23

seja igual ou superior a quatro anos, enquadrando-se nessa hipótese o furto qualificado e

o delito de ocultação de bens, direitos e valores.

Como se vê, a existência de conceito legal do que seja

“crime organizado” afasta, de plano, as alegações do apelante Deusimar e José Charles

quanto à impossibilidade de aplicação da referida lei. Além disso, vê-se que o emprego

de violência ou a atuação de agentes públicos, da polícia ou de detentores de mandatos

eletivos, ao contrário do alegado por José Charles, não integra o conceito de organização

criminosa.

Outrossim, o crime organizado, típico da criminalidade

sofisticada, na definição de Luiz Flávio Gomes5, não constitui delito em si, tanto que a

Lei nº 9.034 não prevê penas para a formação e manutenção de organização criminosa,

apenas a define e estabelece meios operacionais de investigação e prova, sendo

considerada, ademais, como causa de aumento de pena prevista na Lei nº 9.613/98.

Consideradas essas definições, bem como os fatos

relatados, constata-se que os apelantes constituíram uma quadrilha de estrutura

hierárquica e fortemente organizada do ponto de vista material, humano e logístico. As

conclusões dos laudos periciais, já descritas, revelam o requinte dos atos preparatórios,

desde a locação de residência localizada em frente a sede do Banco Central do Brasil, a

análise topográfica do terreno, a criação de uma empresa de fachada, a contratação de

pessoas especializadas em determinadas tarefas e de informantes, o emprego de

sofisticada tecnologia na construção do túnel, até a utilização das mais diversas formas

de ocultação do produto do ilícito.

As provas da associação entre os apelantes restam claras e

ressaem das confissões e dos depoimentos das diversas testemunhas, já relacionadas em

tópico anterior. Ademais, somente uma associação de vínculo permanente seria capaz

de perpetrar, com eficácia, delito desse vulto com tantos envolvidos.

Assim, insubsistentes são as alegações dos recorrentes

4 “Uma análise crítica da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro” – Conselho da Justiça Federal, Centrode Estudos Judiciários – Brasília: CJF, 2002, v. 9, p. 92.5 Crime Organizado, RT, 1995, pp. 68 e 76.

24

Antônio Edimar Bezerra, Flávio Augusto Mattioli, Deusimar Neves Queiroz e Marcos

de França de ausência de provas da existência de quadrilha caracterizada como

organização criminosa.

DO CRIME DE OCULTAÇÃO DE BENS E VALORES

O art. 1º da Lei nº 9.613/98 define o crime de “lavagem”

de capitais como a conduta de ocultar ou dissimular a origem, localização, disposição,

movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou

indiretamente, de crime: (...) V- contra a Administração Pública, inclusive a exigência,

para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição

ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; (...);VII – praticado por

organização criminosa; (...).

A lei ainda estabelece as condutas equiparadas no §§ 1º e 2º,

assim redigidos:

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a

utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer

dos crimes antecedentes referidos neste artigo:

I - os converte em ativos lícitos;

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,

guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos

verdadeiros.

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou

valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes

antecedentes referidos neste artigo;

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo

conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é

dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

A Lei nº 9.613/98 estabelece punição para aqueles que

praticam os atos definidos no caput do artigo 1º da citada Lei visando conferir aparência

25

lícita a dinheiro obtido ilicitamente. O bem juridicamente protegido é a normalidade do

sistema econômico-financeiro do País.

Caracteriza-se como crime comum, praticável por

qualquer pessoa, e de mera atividade, porquanto dispensa a ocorrência de dano para sua

configuração, exigindo, tão somente, a prática de pelo menos um dos atos tipificados no

caput do art. 1º da Lei. O tipo é alternativo, de forma que a prática de um ou mais dos

comportamentos proibidos tipifica o crime em análise.

As condutas descritas no tipo compreende as três etapas da

chamada “lavagem de dinheiro”: (1) a ocultação das rendas ilícitas, aproveitando-se o

agente de intermediários; (2) a dissimulação, caracterizada pela aparência de legalidade

dada pelo agente aos bens ou renda, o que se torna possível, por exemplo, pela remessa

a paraísos fiscais por meio de transações financeiras, comutando-se os bens obtidos

ilicitamente em outros, desvinculados da atividade ilícita; e (3) a integração, que se dá

pelo retorno do capital ao mercado “através da compra de bens, da aquisição ou

investimento em empresas e estabelecimentos lícitos, assim como através do

reinvestimento desse capital obtido em negócios lícitos na própria atividade delituosa,

criando-se um autêntico ciclo econômico”6.

O crime de “lavagem”, embora possua autonomia típica,

exige a comprovação da prática de delito antecedente. No entanto, não exige uma

efetiva participação do agente nos crimes anteriores, podendo ser autor da “lavagem” de

capitais um terceiro agente, distinta da pessoa responsável pelo delito precedente

“gerador das riquezas a serem convertidas em capitais lícitos”7.

Os apelantes obtiveram as quantias destinadas à “lavagem”

através do furto cometido contra o Banco Central do Brasil, na sede da cidade de

Fortaleza/CE, autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional, vinculado ao

Ministério da Fazenda do Brasil. Assim como os outros bancos centrais do mundo, o

brasileiro é a autoridade monetária principal do país, tendo recebido esta competência de

três instituições diferentes: a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), o

6 “Uma análise crítica da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro” – Conselho da Justiça Federal, Centrode Estudos Judiciários – Brasília: CJF, 2002, v. 9, p. 33.7 Gomes, Luiz Flávio. Cervini, Raul. “Lei de Lavagem de Capitais”, RT, 1998, p. 324.

26

Banco do Brasil e o Tesouro Nacional. As condutas praticadas pelos apelantes

indicadas na sentença como antecedentes ao delito de “lavagem” são os crimes contra a

Administração Pública e os praticados por organização criminosa.

Frise-se que, ao contrário do alegado pelos apelantes José

Charles e Marcos de França, os crimes contra a administração pública não são

exclusivos de funcionários públicos. A conduta de prestar a criminoso auxílio destinado

a tornar seguro o proveito do crime, prevista no artigo 349 do Código Penal, constitui

crime daquela espécie, sendo, portanto, crime antecedente ao delito de “lavagem” de

capitais”.

No entanto, a necessidade de se enquadrar o crime na

enumeração legal existe apenas se ele não for cometido por meio da criminalidade

organizada, também precursor da lavagem de dinheiro, conforme art. 1°, VII, da Lei nº

9.613/98. Com efeito, característica marcante do crime organizado é a lavagem de

dinheiro, visando à obtenção de dinheiro e de poder, não se tendo notícia da existência

de organizações criminosas voltadas para a disseminação de ideologias políticas ou

sociais.

Embora a criminalidade organizada não se vincule,

necessariamente, à criminalidade econômica, os crimes econômicos de grande vulto

requerem uma estrutura para sua organização. Assim sendo, o crime organizado e o

crime de lavagem de dinheiro possuem uma estreita ligação, já que as características

desse delito requerem a presença de requisitos identificáveis na estrutura das

organizações criminosas.

De modo geral, qualquer conduta de ocultação de bens e

valores obtidos, por meio de conduta criminosa antecedente, praticada por organização

criminosa, hipótese essa verificada nos autos, conforme explicitado no tópico anterior,

caracteriza o crime de lavagem. Destarte, o delito de furto praticado pela organização

criminosa formada pelos apelantes caracteriza o antecedente necessário à configuração

do delito de “lavagem” de capitais.

O elemento subjetivo do crime de ocultação de bens,

27

direitos e valores admite tanto o dolo direto como o dolo eventual, porquanto não se

exige absoluta certeza sobre a comissão de um delito em concreto, sendo suficiente a

potencial consciência do ilícito, conforme entendimento de Raul Cervini8.

O mencionado autor ainda exemplifica os traços

característicos de condutas indicativas do delito de lavagem: aquisições por um preço vil

ou em circunstâncias pouco usuais, operações múltiplas e arrojadas, fracionamento de

depósitos bancários, falsidades documentais, concurso de interpostas pessoas, testas-de-

ferro, movimentação de altas quantidades de dinheiro, movimentação de capitais sem

uma correspondente atividade comercial lícita etc.

Desses fatos característicos do crime de “lavagem”,

destaque-se a conduta de José Charles, ao agir como intermediário na aquisição e

transporte dos veículos destinados à ocultação do dinheiro furtado do Banco Central,

recebendo, para tanto, vultoso pagamento em dinheiro; a de Marcos de França e de

Marcos Suppi, ao aceitarem transportar malas de dinheiro para São Paulo, recebendo

esse último, como pagamento, a quantia de R$ 50.000,00; a de Francisco Álvaro, ao

admitir funcionar como “laranja” de Deusimar, aplicando em nome desse apelante a

vultosa quantia de duzentos mil reais em empréstimos a juros; a de Flávio Mattioli, ao

transportar vultosas quantias em dinheiro ocultas em veículo, levando o produto do

crime com destino a São Paulo.

A esse respeito, destaque-se o trecho da sentença a seguir

transcrito:

“Além disso, conclui-se pela ciência de ditos réus da procedência

do numerário pela percepção que as notícias do furto ao Banco

Central eram freqüentes e notórias em todo o Brasil, não tendo

nenhum deles, ou seus contratantes, estado em Fortaleza para

qualquer tipo de atividade lícita, bem como por toda as manobras

de despistamento executadas para chegarem a Fortaleza e as que

iriam ser adotadas para daqui saírem, além do fato de Flávio

Augusto Mattioli ter sido encarregado de trazer um veículo Pajero

8 Gomes, Luiz Flávio. Cervini, Raul. Lei de Lavagem de Capitais, RT, 1998, p. 327.

28

para, segundo Davi, levar parte do dinheiro. Recorde-se, ainda,

que nas organizações criminosas não existem funções dispensáveis

ou ociosas, sendo os motoristas pessoas de alta confiança da

cúpula vez que são eles motoristas que sabem de todos os detalhes

dos crimes, bem como localização de membros da organização,

têm ciência do produto dos ilícitos e conduzem pessoas e bens

relacionados com as atividades criminosas.” (fl. 3930).

Diante de tais circunstâncias, não se mostra razoável o

entendimento de que os apelantes desconheciam a origem ilícita do dinheiro que tão

fartamente os remunerou. Ao aceitarem tais valores, nessas circunstâncias, sem

conhecimento da sua origem, demonstra que agiram, no mínimo, com dolo eventual.

Esclareça-se, por oportuno, em contrariedade ao alegado

pelo apelante José Charles, que determinadas atividades econômicas exigem a

identificação dos clientes. É que o art. 9º, XII, c/c arts. 10 e 11, todos da Lei 9.613,

dispõe sobre a imposição desse dever às pessoas físicas e jurídicas que comercializem

bens de luxo ou de alto valor, ou que exerçam atividades que envolvam grande volume

de recursos em espécie - caso da atividade desenvolvida por aquele apelante, recebendo,

em espécie, quase um milhão de reais na aquisição de veículos de alto valor agregado,

sem que cumprisse a obrigação legal. Ademais, se realmente acreditasse na licitude da

transação, teria declarado a operação na forma da lei.

A alegação do apelante Davi, concernente à atipicidade da

conduta de “somente furtar e guardar o produto do crime” não lhe favorece. A conduta

de “guardar” identifica-se com a de “ocultar a localização” de bens, direitos e valores,

tipificada no art. 1º da Lei de “Lavagem” de capitais, de forma que sua conduta amolda-

se ao referido tipo.

No julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 80.816-

6/SP, o Ministro Sepúlveda Pertence, ao abordar a modalidade “ocultar”, definiu-a da

seguinte forma:

“O verbo ocultar significa, no contexto da lei, o processo básico e

fundamental utilizado pelo autor para a conversão de proventos

29

ilicitamente obtidos. A ocultação é a idéia central que inspira o

artigo. Ocultar é esconder, disfarçar, impossibilitar o

conhecimento de sua situação jurídica e espacial. Em essência,

quer exprimir o primeiro passo a caminho da ‘legalização’ de tais

valores, já que seu efeito imediato é causar uma absoluta (ou no

mínimo relativa) ignorância sobre alguns atributos fundamentais

dos bens e valores em questão: sua origem, sua natureza, sua

localização, sua propriedade e sua movimentação ou disposição.”

Esse entendimento está contido no voto do referido

Ministro, integrante do acórdão por ele relatado, assim ementado:

“Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de

cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de

concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais

contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem

de capitais" mediante ocultação da origem, da localização e da

propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, caput): o

tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo

agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada

"engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a

literatura.”9

Caracterizado o delito de “lavagem” de capitais, inviável

se mostra sua desclassificação para o crime de receptação, o qual tipifica as condutas de

“adquirir, receber, transportar, conduzir ou oculatar, em proveito próprio ou alheio,

coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira,

receba ou oculte”, nos termos do art. 180 do CP. Embora se trate de normas

aparentemente aplicáveis ao caso, necessário observar ser o crime da Lei nº 9613/98

específico em relação ao delito de receptação, aplicando-se-lhe, por conseguinte, o

“princípio da especialidade”.

A análise da intenção dos agentes, manifestada por seus

atos, outrossim, afasta as dúvidas quanto à lei aplicável, porquanto verifica-se que os

9 STF – RHC 80816 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 18.06.2001, pp 13 .

30

apelantes não apenas adquiriram, em proveito próprio, o produto do furto, mas sim

buscaram conferir-lhe a aparência lícita, desvinculando-o de sua origem.

Conforme os fatos comprovados nos autos, os apelantes,

ao empregarem o dinheiro na compra de bens em nome de terceiros praticaram a

conduta típica, a exemplo do apelante Pedro José, que adquiriu três veículos, um em

nome de sua mulher, outro em nome de Juscelino Rodrigues de Oliveira, e ainda um

terceiro, em nome de sua filha Márcia Maria dos Santos Cruz, bem como uma loja de

autopeças também em nome de sua esposa. Da mesma forma agiu o apelante Deusimar,

ao adquirir imóvel em nome de sua cunhada, bem como proceder ao empréstimo do

capital a título de juros, utilizando-se de interposta pessoa, o apelante Francisco Álvaro.

Destaque-se que os apelantes José Charles e Francisco

Álvaro, ao servirem de intermediários na operação de ocultação da origem ilícita do

dinheiro furtado, também incidiram no delito específico do art. 1º, § 1º, II e § 2º, I e II,

da Lei 9.613/98.

Quanto à Teoria do Domínio do Fato, invocada pelo

recorrente Francisco Álvaro ao argumentar ter sido de menor grau sua participação no

delito por não ser mero executor, não lhe favorece.

Como se sabe, a referida teoria aplica-se quando o agente

possui domínio sobre o exercício das funções que lhe foram confiadas pelos outros

autores do ilícito, e não o poder de evitar a prática da infração penal no que concerne às

tarefas atribuídas aos demais. Ora, o apelante, ao receber o produto do delito das mãos

de Deusimar, procedeu à sua negociação, com conseqüente ocultação de sua origem

ilícita, praticando as condutas típicas do art. 1º, incs. V e VII, § 1º, II e § 2º, I e II. da Lei

9.613/98, tarefas sobre as quais tinha pleno domínio.

DO USO DE DOCUMENTO FALSO

Os apelantes Marcos de França, Flávio Mattioli, Marcos

Suppi e Davi Silvano insurgem-se também contra a condenação pelo uso de documento

falso.

31

Os documentos falsificados consistem nas identidades

falsas utilizadas, tendo os apelantes Marcos de França e Davi Silvano viajado de

Fortaleza para São Paulo, levando parte do produto do crime, o primeiro portando

identidade em nome de Jesiel Francisco Araújo da Conceição, e o segundo utilizando

tanto identidade em nome de José Paulo do Nascimento Neto como de Davi de Araújo

Pereira. Já o apelante Marcos Suppi usou o documento em nome de Genilson Alves

Feitosa para adquirir passagem para viajar de São Paulo para Fortaleza.

Marcos de França e Marcos Suppi alegam a não

configuração desse delito porquanto, no ato de suas prisões, apresentaram os respectivos

documentos verdadeiros, e não os falsificados, não tendo esses, ademais, potencial de

enganar; Flávio Mattioli aduz não ter usado documento falso, mas sim portado a carteira

de documentos do irmão, a qual pegou por engano; e Davi Silvano alega estar o uso de

documento falso absorvido pelo delito de furto, pela incidência do Princípio da

Consunção.

O crime de uso de documento falso perfaz-se com o

emprego dos papeis falsificados ou alterados constantes dos arts. 297 a 302 do CP. Para

sua configuração, o tipo não exige a perfeição da falsificação, apenas aptidão para

enganar pessoas leigas, o que ocorreu na hipótese dos autos, já que os apelantes

conseguiram viajar sob as identidades falsas.

Quanto à não apresentação do documento falso às

autoridades, tal fato não elide a ocorrência dos delitos em questão. Conforme consta

dos autos, os apelantes apresentaram documentos falsos na aquisição de passagens,

viajando sob as identidades que não lhes pertenciam. Assim, quando da prisão em

flagrante, os crimes já tinham se consumado, sendo irrelevante, portanto, a não

apresentação de tais identidades também aos policiais que lhes dirigiram voz de prisão.

Quanto à alegada consunção pelo delito de furto, essa tese

também não pode ser admitida. Em sendo o furto delito contra o patrimônio, não é, por

conseqüência, elemento do falsum, cujo interesse juridicamente tutelado é a fé pública.

Ademais, o STF já decidiu pela “inexistência de

32

consunção quando os dois crimes subsistem independentemente um do outro”10. Com

efeito, o crime de uso de documento falso, no caso dos autos, é autônomo em relação ao

furto, subsistindo ainda que esse delito não tivesse se consumado.

DAS PENAS APLICADAS

Impugnam os recorrentes o quantum imposto para a pena de

prisão. No entanto, conforme se verifica no dispositivo da sentença, às fls. 3954/3960,

foi aplicado o método trifásico, fundamentando o juiz os critérios para aumento da pena

base além do mínimo, não demonstraram os recorrentes nenhum motivo legal que

justificasse a redução das penas cominadas.

Outrossim, não houve erro material na aplicação da pena em

relação aos apelantes José Charles, Antônio Edimar, Marcos de França e Davi Silvano

pelos delitos de “lavagem” de dinheiro. Como se vê na sentença, às penas pelo delito de

lavagem somam-se às penas pelo crime de quadrilha. Assim, cada pena de 16

(dezesseis) anos e 7 (sete) meses pelo crime de lavagem resulta em 33 (trinta e três)

anos e 2 (dois) meses. Somada à pena de 3 (três) anos pelo delito de quadrilha, resulta

na pena de 36 (trinta e seis) anos e 2 (dois) meses de reclusão por ambos os crimes (fls.

3954 e 3956).

Insurgem-se alguns dos recorrentes também contra a pena de

multa, entretanto, razão também aqui não lhes assiste. Como é sabido, a aplicação da

pena de multa deve observar o critério bifásico: a fixação do número de dias-multa,

entre 10 e 360, e o valor do dia-multa, que varia de um trigésimo do salário mínimo até

cinco vezes o valor desse, devendo-se observar a situação econômica dos réus.

Com a prática do furto contra o Banco Central, os recorrentes

beneficiaram-se com substancial parte daquele montante, destacando-se que grande

parte dos mais de cento e sessenta milhões de reais ainda não foi recuperada. Assim, a

situação financeira dos recorrentes deve ser avaliada com base no proveito que

obtiveram com o crime, fato que confere respaldo às penas de multa aplicadas pelo juiz.

10 RTJ 78/104.

33

Perto do proveito obtido por cada recorrente – de dois a quatro

milhões de reais, em média – os valores da pena de multa aplicada a cada um deles

mostra-se compatível com o novo padrão de vida ilicitamente alcançado. Quanto ao

apelante Francisco Álvaro, participante apenas do delito de “lavagem”, veja-se haver

sido aplicada pena de multa fixada em apenas 100 dias-multa, aplicando-se o valor do

dia-multa em seu mínimo.

Verificando o magistrado que os recorrentes possuem condições

financeiras, justifica-se o quantum aplicado pela pena de multa.

Assim, nessa parte a sentença também não merece reparos,

devendo as penas serem mantidas.

Diante de todo o exposto, requer o Ministério Público o não

provimento dos recursos de apelação interpostos pelos réus.

Recife, 03 de dezembro de 2007

MARIA DO SOCORRO LEITE PAIVA

PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA

MSLP/CláudiaCR-5520-CE