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OsDois Príncipes

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Copyright © 2000, virtualbooks.com.brTodos os direitos reservados a Editora Virtual BooksOnline M&M Editores Ltda.É proibida a reprodução doconteúdo deste livro em qualquer meio de comunica-ção, eletrônico ou impresso, sem autorização escritada Editora.

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Os Dois Príncipes

Há muitos, muitos anos, só existiam no mundo doisimpérios: o do Oriente e o do Ocidente, e eramseparados um do outro por uma muralha tão altaque ninguém seria capaz de transpô-la.No Império do Ocidente reinava um Imperadormuito poderoso, mais poderoso do que todos osatuais reis e imperadores juntos, pois tinha comosúditos a metade dos habitantes da terra, ou seja,os brancos e os pretos, porque os amarelos,morenos e vermelhos viviam no Oriente.Este soberano, então, quis escolher uma imperatrizpara sua companheira, e mandou chamar à suapresença todas as moças do país, para dentre elaseleger a sua esposa; mas nenhuma foi consideradabonita e distinta para merecer a mão do Imperador.Nisto, seu mordomo-mor, que conhecia muito bemtodos os arredores, o informou de que numa dasaltas montanhas circunvizinhas vivia a soberana doImpério dos Espíritos, num palácio feito de nuvenscor-de-rosa, e que tinha uma filha ruiva, de um

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ruivo claro como a luz do sol, delicada e , sutilcomo uma teia de aranha e fina como a seda.O poderoso imperador foi até lá; subiu a montanhae se apresentou à soberana Imperatriz dosEspíritos. Era uma alta e arrogante mulher, queusava um vestido tecido com malhas de ar eentremeado com raios de sol.O Imperador expôs o motivo de sua visita. Ela oescutou amigavelmente e, muito concedeufinalmente a mão de sua filha delicada e ruiva.Celebraram-se as bodas com grande pompa sendopara elas convidados todos os homens e todos osespíritos, e duraram os festejos dois meses e doisdias. Transcorrido este tempo, o feliz Imperadorregressou ao seu Império em companhia de suajovem esposa.Logo nasceram dois filhos, e a soberana Imperatrizdos Espíritos foi escolhida para madrinha dos doispríncipes. Ela desceu de sua alta mansão numacarruagem de nuvens puxada por seis leões ococheiro, os criados e o séquito, não podiam servistos porque eram todos espíritos e, portanto,invisíveis aos olhos humanos.Arrogante, a Imperatriz subiu a ampla escadaria demármore do palácio do Imperador do Ocidente; epor onde passava era precedida de um reflexovermelho-rosado: eram os espíritos que iluminavamo caminho. Onde ela parava, estendia-se umanuvem de prata, que os espíritos servidoresmantinham embaixo de seus pés.Chegando ao lugar onde estava o berço, dormiamas duas crianças, ela ergueu as mãos com armajestoso e disse:

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- Tu, menino ruivo, te chamarás Raio de Luz; e tu,menino moreno, te chamarás Raio de Fogo. Quandofordes maiores e fortes, ireis ao meu palácio denuvens, sempre que precisardes de mim. Darei acada um três dos meus espíritos, para que vosacompanhem em vossa peregrinação pela terra. Trêspara cada um - repetiu - e vós mesmos podeisescolhê-los. O que os mandardes fazer, elesexecutarão no mesmo instante; porém vossafelicidade depende de mandardes coisas boas oumás. Adeus, queridas crianças; pensai em vossaavozinha, que vive lá no alto da montanha.Tendo dito isto, subiu para a carruagem, os leões semovimentaram, e em seguida a atmosfera se cobriude nuvens.A medida que as crianças cresciam, já se podia verque Raio de Luz tinha um coração suave como acera, e Raio de Fogo o tinha duro como o aço.O Príncipe ruivo era compassivo, de sentimentosafetuosos, não só com os homens, mas tambémcom os animais e as flores dos jardins e doscampos, e até que as coisas que pareceminanimadas, mas possuem uma alma secreta,desconhecida dos mortais. Ele ficava pesarosoquando via uma lenha partida, uma pedra feita empedaços lhe fazia brotarem lágrimas nos olhos.Raio de Fogo era exatamente o contrário: não secomovia com as lágrimas nem se enternecia comlamentos, e esmagava, sem respeito nenhum, comos pés, os mais belos lírios.Um dia, o Príncipe Raio de Luz estava observandoum formigueiro: os diligentes animais, em sualabuto, lutavam para carregar um pedaço de

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madeira que desejavam poder utilizar em seupalácio.O Príncipe teve pena dos bichinhos, condenados atão dura tarefa, e, não podendo suportar aquelaidéia, foi observar um favo de mel. Ali não eramenor o esforço. As abelhas arrastavam de todasas partes o pólen das flores, separavam a pegajosacera do mel e formavam com ela pequenos muros epavimentos; assim surgia uma série decompartimentos, que depois os laboriosos insetosenchiam com doce néctar.- Pobres animaizinhos! - murmurou o Príncipe,enquanto seus olhos se umedeciam. - Com quetrabalho, dia e noite, obtendes vosso parcoalimento, e ainda o deixais sobrar para prazerdo homem! - E se afastou enternecido.Então foi para um campo: nele trabalhavam comgrande diligência e solicitude um lavrador e suaesposa: o homem guiava o arado, a mulher cavavae limpava.- Por que trabalhais tanto? - perguntou Raio de Luzcom voz trêmula.- Pensais por acaso, Príncipe, - respondeu o homem- que o trigo cresce sozinho?E a mulher acrescentou:- Sim, temos de trabalhar; não há outro remédio, sequisermos mastigar alguma coisa...O príncipe desatou a chorar, e foi ao palácio pediruma licença a seus pais. Eles a deram de bomgrado, e lá se foi o Príncipe, na direção da altamontanha onde vivia sua avó, a Imperatriz dosEspíritos, para pedir a ela um alívio para os durostrabalhos a que estava submetida a humanidade.

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A Imperatriz lhe deu o espírito do trabalho para queobedecesse às suas ordens, e tudo o que o Príncipemandasse, ele executasse com suas forçasmágicas.Na terra houve com isto um grande júbilo, porqueninguém mais era obrigado a mover os pés nem asmãos. Quem precisasse fazer um trabalho, recorriaao Príncipe Raio de Luz e ele mandava-lheimediatamente o espírito do trabalho, e estava tudoresolvido.Isto fez com que homens e animais, a uma só voz,elogiassem o bom filho do Rei e o abençoassemcontinuamente.Mas seu irmão ficou com muita inveja, e, querendoimitar o outro, pediu licença para se ausentar e seapresentou diante da avó, a Rainha dos Espíritos,dizendo:- Eu também quero ter o meu espírito do trabalho.- Sinto muito, - respondeu a Rainha - mas nãoposso contentar-te; ele já está ocupado. Nãoobstante, te darei o irmão dele, que é o espírito daespada. Este executa seu serviço com sangue e comlágrimas. Procura não recorrer a ele com muitafreqüência, e só o faças contra os teus inimigos.Dizendo isto o despediu, e Raio de Fogo desceu damontanha acompanhado do temível espírito.Enquanto isto, Raio de Luz se regozijava ao ver queos habitantes do Império de seu pai passavam tãobem: passeavam o dia inteiro, dormiamtranqüilamente toda a noite, e não tinhamsofrimento algum.Um dia, porém, ele viu na rua dois homens que,apesar de estarem muito bem vestidos, deixavam

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transparecer tristeza em seus semblantes.- Por que estais tristes? - perguntou-lhes. - Nãovêdes que não sois mais obrigados a trabalhar?. . .- Ah, bondoso Príncipe! - responderam. - E verdadeque o trabalho não nos tortura mais, porém, nãopodemos estar alegres. Morreu um filho nossomuito querido, e estamos aflitíssimos. Isto não temremédio.. .Então o Príncipe compreendeu que os homens aindanão eram de todo felizes, e que ainda lhes restavaum sofrimento, que ele ainda não conhecia, atéaquele dia. Pediu de novo licença, partiuvelozmente para o palácio da Rainha dos Espíritos,e lhe apresentou seu pedido. Ela sorriubondosamente e lhe deu um espírito capaz deacabar com todos os pesares, todas as aflições etodas as mágoas: o espírito da música.De volta, com o espírito, o Príncipe mandou que eleconsolasse os tristes e animasse osdesencorajados.Soaram logo em seguida violinos e címbalos,suaves flautas e joviais clarinetes. E os homens sealegraram e se regozijaram. Desapareceram todosos seus sofrimentos; eles riam, dançavam esentiam que a soberana música lhes enchia asalmas de alegria e prazer.Agora amavam ainda mais o bondoso Príncipe e lhebeijavam as mãos e os pés: adoravam-no como umser superior. E não só as pessoas: também osanimais, e até as plantas. Os animais iam ao seuencontro prazenteiros e o enchiam de carícias,lambendo-lhe as mãos e os pés, e as floresinclinavam suas cabeças quando ele passava.

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Mas Raio de Fogo se consumia de inveja; chegava aempalidecer, de tanta raiva, e o mais depressa quepôde, se dirigiu à Rainha dos Espíritos.- Eu também quero o espírito da música - disse,sem nem se aproximar para saudar a Rainha.- Já está com teu irmão - respondeu-lhe friamente areal senhora -; mas existe outro espírito, parentedele, e que combina muito bem com o espírito daguerra que te cedi da primeira vez. E o espírito doretumbante trovão, do assustador terremoto e dasruidosas avalanches, chamado espírito da natureza.Podes servir-te dele quando precisares, mas, parateu bem, desejo que sejam poucas essas vezes.E Raio de Fogo desceu com olhos cintilantes,acompanhado de seu espírito.- O terceiro espírito, - disse em tom de homemofendido - vou escolher antes que meu irmão ofaça.No metade da descida encontrou uma rocha noqual, de longe, observou uma abertura, de ondesaía um reflexo tão brilhante, tão vivo, que chegavaa ofuscar.Ele correu rapidamente para aquela abertura, porémesta desapareceu de repente. Em seu lugar ficouuma pedra rústica e áspera, cheia de musgo. OPríncipe se deteve e espiou; ouviu dentro um ruídocomo se arranhassem alguma coisa e fizessemmovimento para cá e para lá.- Oba! - exclamou, em tom de agradável surpresa. -Aqui deve estar o tesouro dos anões; e vai sernosso! Esses anões avarentos me fecharam a porta,mas eu os farei abrir!Dizendo isto, golpeou a pedra com sua espada:

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- Abram, mesquinhos anões; senão, vão pagar caro!Ninguém respondeu; não se ouviu o menor ruído,dentro nem fora. Ele tentou partir a pedra; mas oshabilidosos anões a tinham amarrado e prendidotão fortemente, que não havia força humana capazde levantá-la nem de rompê-la.- Ouçam! Vou-lhes dar o que fazer, seus danados! -gritou ele, insolente, e voltou voando ao paláciodos espíritos.- Rainha minha avó, - disse - dá-me um espírito queseja capaz de abrir qualquer coisa: rochas,penhascos, montes, portas, e toda sorte defechaduras. Será que o meu aborrecido irmão já tepediu isto também?- Teu irmão não me pediu nada - respondeusecamente a Rainha. - Se o queres, leva-o: é oespírito das chaves; mas utiliza-o para teu bem...- Ora, isto é comigo - respondeu ele, sorrindo -;farei muito bom uso dos serviços dele!Saiu dali apressadamente, e num abrir e fechar deolhos chegou à rocha.- Abre isto! - ordenou ele ao espírito. No mesmoinstante saltou a rocha, e a cova se abriu diantedos olhos do Príncipe. No interior, não havianenhum reflexo brilhante.Os anões, vendo-se em perigo, tinham abandonadoa cova, levando consigo seus tesouros e alojando-se em outro esconderijo, que Raio de Fogo nãoconhecia.Vermelho de tanta raiva, e desprendendo chispas,ele partiu com seus espíritos para o palácio de seupai.Durante este tempo, com Raio de Luz aconteceu

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outra coisa notável.Ele viu uma jovem sentada num poço, chorandodesconsoladamente. O Príncipe estranhou muitoaquilo, pois pensava que já não existisse um serhumano que não fosse feliz.- Por que choras, filha? - perguntou-lheamavelmente.A jovem não respondeu, e ainda soluçou maisprofundamente.- Será que não ouves os címbalos, as flautas, todaessa música? - insistiu o Príncipe, e levantou-lhedelicadamente o rosto.- Ouço, sim.- E mesmo assim ainda choras? Ouça: diga-me omotivo de tuas lágrimas, porque certamente podereiajudar-te.- O meu Pedro não me quer, e apesar disto eu gostodele - respondeu por fim, com uma voz que afogoua torrente de lágrimas e suspiros.O compassivo Príncipe ficou extremamenteimpressionado.- Ele não a quer, e apesar disto ela gosta dele. . . -murmurou. - Haverá ajuda possível?Pensativo e absorto, ele se dirigiu à Rainha dosEspíritos e lhe disse:- Querida avó; ele não a quer, e no entanto elagosta dele. E está tão triste, que nem a música aconsola.A Rainha sorriu amavelmente e mandou chamar umminúsculo espírito, que apareceu no mesmoinstante.- Teu irmão - disse a Rainha - levou com ele oespírito das chaves; mas eu reservei para ti este

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amável espírito menino, que aqui vês: é o espíritodo coração. Abre o coração dos homens e podeintroduzir nele todos os bons pensamentos que umapessoa tenha e todos os sentimentos puros quealguém guarde em sua alma.Contente e satisfeito, o Príncipe beijou a Rainha naponto dos dedos e, descendo a montanha, se dirigiupara a jovem e acompanhou-a à casa do rapaz.Chegando ali, o Príncipe mandou que o espíritoabrisse o coração de Pedro, e a jovem meteu dentrodele todos os sentimentos de amor que dedicava aele.O rapaz se lançou ao seu pescoço e choraramambos, mas desta vez eram lágrimas de regozijo efelicidade.Um dia o Imperador caiu doente, e pressentindoque se aproximava o seu fim, mandou chamar osdois filhos e lhes disse, com voz muito fraca:- Meus filhos: minha existência está no fim, e tornoherdeiro do meu reino aquele dos dois que mais otenha merecido. Com minha morte, a soberana doImpério do Oriente tentará apoderar-se deste reino;ela abriu nos muros da fronteira umas portas, pelasquais seu exército vai atacar o meu. Ela é jovem ebela, porém selvagem e indomável. Aquele de vósque conseguir dominá-la e depois fizer dela suaesposa, terá seu reino, e assim reunirá em paz esatisfação todos os povos da terra sob o seu cetro,e será o soberano dos dois impérios. Esta é aminha vontade. Fazei, pois, com que a sorte e avossa habilidade decidam. Prometei que vossubmetereis a esta decisão, e que jamais surgiráentre ambos a discórdia.

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- O que levantar sua mão contra o outro, que seperca para sempre!Os dois príncipes fizeram um terrível juramento, epouco depois morreu o pai, o Rei.Aconteceu tal como ele havia previsto. Vigilda, asoberana do Império do Oriente, penetrou commilhares de guerreiros pelas aberturas praticadasno muro que dividia os dois impérios, e quissubmeter o do Ocidente à sua soberania: seussoldados incediaram as cidades, devastaram oscampos e mataram os habitantes do país.Então Raio de Fogo pediu socorro ao seu espírito daguerra, que, com um sopro, transformou emsoldados todas as árvores dos bosques, e as armoucom lanças e escudos; enfrentaram os inimigos e osderrotaram completamente.A Rainha com seu exército retrocedia, pelas portasque havia mandado praticar na muralha, até acapital do seu país. O Império do Ocidente setornou novamente livre.Quando Raio de Fogo chegou com seu exército àmuralha divisória, quis ocupar o país da Rainha, suainimiga; mas não foi possível escalar a muralha, porcausa da sua enorme altura. Então ele ordenou aoespírito da natureza que destruísse o país inimigo.Assim foi feito: as casas das cidades e aldeiascaíram, debaixo dos terremotos, abriu-se em várioslugares a terra, e as avalanches terminaram a obrade destruição.Então Raio de Fogo se apresentou à Rainha e lhedisse, sarcástico:- Viste como sou forte? Mas me compadeço de ti, edesejaria reparar estes prejuízos, e casar contigo.

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- Sai da minha presença, seu aborrecido! - gritou aRainha. - Destruíste meu reino e minha felicidade!Prefiro morrer, a ser tua esposa!Cego de raiva, com aquela repulsa, ele foi paracasa, relatou ao seu bondoso irmão o que haviaacontecido, e caluniou a jovem Rainha.Afligiu-se extremamente o compassivo coração doPríncipe Raio de Luz, e ele mandou chamarimediatamente o espírito do trabalho, pedindo-lheque reconstruísse todo o país vizinho.O espírito pôs logo mãos à obra. Foi ter com asflores do campo e com seu alento as transformouem pedreiros, serralheiros, carpinteiros, comotambém em lavradores e servos. Em pouco tempoestavam reconstruídas as casas, os templos e ospalácios.Nos campos sentiram-se também os efeitos dosopro do espírito do trabalho: o trigo cresceu ufano,e nas vinhas pendiam das parreiras preciososcachos.O riso pairou pela primeira vez nos lábios da RainhaVigilda, e ela foi ao lugar onde estava o PríncipeRaio de Luz, para lhe agradecer tanta bondade.Vendo-o, com seus cabelos ruivos e seus olhos deexpressão afetuosa, sentiu grande simpatia por ele.Ele também sentiu amor em seu peito pela formosae selvagem Rainha. Quando a olhou suplicante elhe pediu, com os olhos, a mão, ela respondeu:- Agradeço, príncipe, de todo o coração tuabondade; porém não posso dar minha mão, nempoderei jamais dá-la a um inimigo.O Príncipe ficou tão desgostoso que caiu semsentidos; mas Raio de Fogo riu às gargalhadas

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quando viu que o irmão havia sido repelidotambém.Raio de Luz, quando voltou a si, chamou o espíritodo coração.Este apareceu, e os dois foram em segredo aosaposentos da Rainha. O pequeno espírito abriu, comsua chave, o coração da soberana, e o Príncipe nelepôs toda a sua delicadeza, o seu amor, até enchê-lo. Já naquele momento viu que se esboçava umsorriso de satisfação no semblante dela, quedormia. Contente e satisfeito, se retirou para o seuquarto.As bodas não tardaram a ser celebradas, e foramconvidados todos os súditos do reino. Derrubaram amuralha que separava os dois países, e o príncipeRaio de Luz subiu, como soberano, ao trono de seupai e ao mesmo tempo ao da Rainha. Assim, setornou Imperador do Oriente e do Ocidente, e comisso de toda a terra.Todos os homens se alegraram por terem umsoberano tão bom. Só quem torcia o nariz era opríncipe Raio de Fogo. Ele se afastou do irmão e dalinda esposa deste, e jurou a si mesmo vingar-se;mas não se atrevia a fazer nada contra eles, porcausa da palavra que havia dado ao pai, na hora damorte.Apesar disto, sua inveja e seus ciúmes não odeixavam viver, pelo que saiu pelo mundo, comtristeza, pensando sempre como poderia desonrar oirmão e a mulher deste para ele governar.Quando chegou ao último limite do mundo,encontrou subitamente uma enorme parede denuvens à sua frente, que ia da terra até o céu. Do

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outro lado estava o mundo dos monstros temíveis.�Quem sabe se eles podem ajudar-me?�, pensou opríncipe, raivoso, e chamou o espírito das chaves.Abriu a parede, as nuvens se afastaram, e eleentrou, mas viu ali sêres tão assustadores, quecomeçou a tremer dos pés à cabeça; mas o desejode prejudicar seu irmão fez com que reagisse, econcentrando suas forças, interrogou-os:- Por que viveis nesta região sem vegetação, nestepaís desagradável? Do outro lado desta espessanuvem existe um país excelente, cheio de coisaspreciosas. Se o atacardes e matardes o Imperador ea Imperatriz, tudo será vosso, e podereisimpunemente devorar bois, cavalos, carneiros, etudo quanto quiserdes!Rindo-se consigo mesmo, acrescentou:- Lá tereis também a delicada e saborosa carnehumana para vos saciardes. Ouvi: eu abrirei estaparede de nuvens, e vos mostrarei a entrada dopaís da terra.Com efeito, todos aqueles fabulosos monstros,gritando com insolência, irromperam no reino deRaio de Luz. A vista deles fugiam espavoridoshomens e animais, e cheios de angústia e horroracudiram todos ao trono imperial:- Senhor, protegei-nos; defendei-nos, nossosoberano, - clamavam - senão pereceremos todos!O Imperador já tinha visto de longe a enormenuvem de poeira que o redemoinho dos monstroslevantava. Desceu então do trono, e seu semblantesereno refletia esperança e segurança. Os monstrosquiseram lançar-se sobre ele, mas com grandecalma ele fez um gesto com a mão, e de repente se

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ouviu uma música maravilhosa: as flautas faziamsoar notas celestiais; dos violinos saíam oraacentos de soluços e prantos amarguradas, ora tonsde imenso júbilo; os címbalos entoavam cânticos deregozijo; os clarinetes, melodias claras e nítidas.Em poucos momentos, todo o mundo sentiu-seenfeitiçado pela beleza do som.Os homens esqueceram a sua, inquietação, seuscorações se apaziguaram; as flores erguiam suascorolas e os pássaros saltavam de um ramo paraoutro, jubilosos, diante daquela torrente de sonsagradáveis. Abriu-se o céu e os anjoscontemplavam a terra assombrados e cheios deespanto. Os temíveis animais se mantiveramquietos, e escutavam atentos, e quanto maisescutavam, mais diminuía a fúria deles, a raiva e acoragem; alguns, até, os mais ferozes e bravios,começaram a dançar, de modo que aquilo setransformou, de violenta agressão, em inocenteorgia.Quando se sentiram todos satisfeitos, todos osanimais fabulosos e os monstros, não vendo nadado que lhes haviam prometido, voltaram para seupaís, fechou-se a parede de nuvens, e cessou aalgazarra.Raio de Fogo, vendo o seu projeto fracassado,concebeu outro mais diabólico ainda,tremendamente diabólico.Vagando sem parar pelo mundo, chegou a um lugaronde não podia penetrar por causa de uma altaporta de granito. Era a entrada que ia dar noinferno. Sem perder um instante, ele mandou que oespírito das chaves lhe desse caminho; atravessou

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um largo pátio, onde havia milhares de tachoscheios de piche e enxofre fervendo, e depois entrounuma espaçosa sala.Foi invadido por uma forte onda de calor: Tudo erafogo, tudo ardia. Demônios negros, com pés decabrito e chifres na testa, atiçavam o fogo semcessar, com gigantescas pás. Os condenadosestavam metidos em caldeiras e o suor lhes corriapor todos os poros do corpo. Alguns faziam seualmoço, que consistia em pedaços de ferro e pão depedra, e como bebida tinham um fortíssimo vinagree sucos venenosos, que lhes eram dados à força poruns minúsculos diabinhos, representando isto umdos seus tormentos.Atrevido, o príncipe caminhava pelo meio daquelamultidão de vítimas e carrascos, até chegar aondese achava sua alteza o Príncipe dos Demônios, ecom sua idéia fixa lhe disse:- Ajudai-me, grande senhor, contra meu infameirmão, que acaba de roubar-me o trono e a minhamulher!O Príncipe dos Demônios riu sarcástico:- Eu te ajudarei, - disse - mas em troca de quê?Raio de Fogo, desconcertado, não encontrouresposta para dar.Disse então o chefe dos diabos:- Olha: aqui tens este pequeno punhal, quetrabalha sozinho e não precisa de mão humana paraguiá-lo; fere mortalmente qualquer coração,bastando dizer, conservando-o na mão:Oh, diabólico punhal! Atinge o coração humano, comum ferimento mortal.�- Com ele podes dar a morte a teu irmão e à

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Imperatriz. Se o conseguires, serás Imperador; masse fracassares em teu empreendimento, estarásperdido para sempre. Se pagares este preço, opunhal é teu.- Concordo, - respondeu o Príncipe - dai-me opunhal.Os olhos do demônio cintilaram. Ele riu de novo,com malícia e ironia, e disse:- Pois bem: aqui está o punhal. Usa-o, Príncipe Raiode Fogo; executa tua obra; desejo-te todo o mal doinferno, para isso.O Príncipe fez uma reverência e se afastou. Devolta á terra, quis comprovar imediatamente aeficácia do punhal. A primeira pessoa que encontroufoi um ancião, que estava sentado à porta de casa,fumando seu cachimbo.O Príncipe murmurou:Oh, diabólico punhal! Atinge o coração humano, comum ferimento mortal.�O ancião caiu morto no chão. Satisfeito, ficou oPríncipe, com a fidelidade da arma, e contente aopensar que lhe serviria para matar seu irmão.Apertou o passo, a caminho do palácio, e durante otrajeto experimentou outras vezes o punhal emalguns homens, mulheres e até crianças. Encheu arua de cadáveres.Quando o infame Príncipe chegou à porta dopalácio, já era noite fechada. Abriu todas as portas,por meio do espírito das chaves, até encontrar porfim os aposentos reais. Ali estavam Raio de Luz esua bela esposa, dormindo profundamente: uma luzde amor e de paz se difundia em seus semblantes,como um véu de tule. Raio de Fogo, vendo tão

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serenos aqueles a quem ele odiava do fundo docoração, sentiu uma grande raiva apoderar-se dele.Saltaram-lhe chispas dos olhos, e sua bocaespumou. Nem pôde esperar até pronunciar afórmula diabólica: lançou-se de punhal em ristesobre os que dormiam; mas, quando ia fincar aarma, sentiu alguma coisa paralisar-lhe a mão. Opunhal resvalou e caiu ao chão. A mão do criminosoficou encolhida e acinzentada; ressequida, conformea maldição de seu pai. Ele, alucinado, compreendeuque o seu perverso intento havia sido frustrado.Raio de Luz e sua esposa despertaram, e vendo aliperto o assassino, se horrorizaram. O bondoso Raiode Luz imediatamente quis perdoar. Mas de repentea janela se abriu e se ouviu uma gargalhadasarcástica: uma labareda arrebatou, diante dosolhos assustados do casal imperial, do Príncipe Raiode Fogo, e o levou diretamente ao inferno. Lá eleainda está sendo consumido, alimentando-se depedaços de ferro e pão de pedra, e preparandocomo bebida vinagre e sucos venenosos.Raio de Luz e sua esposa, a Imperatriz Vigilda,viveram longos anos, governando em paz etranqüilidade seus felizes súditos.

FIM