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Teologia
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SAV-CRB - Módulo 2 – Aula 02
Encontro-me a partir do outro
O ser humano se descobre na relação com o outro.
Entre os seres criados, o ser humano é o único que se inquieta
na busca por uma reposta: quem de fato ele é? Entretanto a
resposta para tal questionamento só será encontrada a partir da
relação com o outro. É no confronto com o outro que ele vai se
descobrindo. Podemos dizer que faz parte da sua essência a
necessidade do outro para que possa se confrontar e juntos possam
ir respondendo ao grande chamado feito pelo Deus Criador - existir
como ser humano, ou seja, a humanizar-se.
O antropólogo e teólogo Afonso Garcia Rubio nos diz que só
“podemos ser humanos quando somos com os outros e junto a
eles, quando aceitamos que a co-humanidade é uma realidade
constitutiva do ser humano e não algo acidental, fortuito ou
imposto extrinsecamente. O homem é criado por Deus para viver
com os outros seres humanos”1 . Diante disso é impossível que o
ser humano possa encontrar-se, ser feliz e realizado, caso ele tenha
uma vida fechada em seu próprio mundinho marcado pelo
egocentrismo, egoísmo e autossuficiência. Só o ser humano é capaz
de ajudar o outro a humanizar-se. Por isso o estar junto não pode
ser visto como um castigo, mas como um momento de satisfação,
como caminho para a própria realização. O encontro com o outro
deve ser sempre encarado como uma grande celebração que
1 Unidade na pluralidade, Pag. 454
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proporciona uma troca mútua de sabedoria, experiência de amor e
que ajuda no amadurecimento e crescimento.
A narrativa da criação (Gn 2,18-23) revela a insatisfação do
ser humano, representada por Adão ao olhar para toda a criação
que lhe é exposta e encontrar-se sozinho por não descobrir alguém
semelhante a ele. Só quando lhe é apresentada a mulher é que o
Adão manifesta a sua alegria e satisfação, por identificar-se e
encontrar-se nela, e poder estabelecer um diálogo. Ao criar o
homem e a mulher Deus lhe dá uma ordem: “crescei e multiplicai-
vos”. A obediência a esta ordem implica numa relação, em outra
pessoa. A ordem não é direcionada a um indivíduo isolado, mas
sugere uma segunda, ou mais pessoas. Constatamos que “Homem
e mulher são criados à imagem de Deus. Ambos são
administradores da criação. A humanidade toda é chamada a
desenvolver a sua responsabilidade sobre o mundo. A mulher é da
mesma natureza do homem. Ambos são chamados a viver a
reciprocidade mútua” 2.
Por conseguinte, pode-se dizer que quando a pessoa se fecha
ao relacionamento com o outro ela está negando a sua própria
essência e não correspondendo ao chamado divino que é
humanizar-se por meio do amor, respeito, diálogo etc. Toda atitude
de fechamento, exclusão do outro, falta de amor e de respeito, de
individualismo e dominação, leva o homem e a mulher a uma
frustação e desfiguração da imagem de Deus à semelhança da qual
eles foram criados, pois Deus é amor, solidariedade. “Ser humano é
2 Idem, p.172.
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ser eu mesmo, aceitando que o outro seja ele mesmo, no contexto
da nossa coexistência humana. O encontro humano rejeita as
relações de tirania e escravidão instaurando e desenvolvendo uma
relação livre entre amigos” 3. Tal atitude é percebida na pessoa de
Jesus de Nazaré ao estabelecer esse modelo de relação com os
seus discípulos: “Já não vos chamo servos, mas amigos” 4 . É a
partir do modelo de humanidade de Jesus, que todo ser humano
deveria espelhar-se. E é sobre isso que iremos tratar no próximo
tópico.
Jesus Cristo o modelo da nossa humanização.
Toda a vida de Jesus Cristo é marcada por grandes gestos de
humanização ao relacionar-se com cada pessoa. Em cada encontro
ele buscou colocar-se no lugar do outro em uma atitude de imenso
amor, respeito à liberdade do outro, solidariedade e acolhida. No
seu encontro com a mulher samaritana percebe-se a sua
extraordinária sensibilidade, ao vencer todas as formas de
preconceitos socioculturais de sua época, as dificuldades de
relacionamento que havia entre judeus e samaritanos e de sentar-
se com uma mulher e estabelecer diálogo fraterno e respeitoso.
“Com uma sensibilidade nada habitual numa sociedade patriarcal,
Jesus tem o costume de falar explicitamente das (e com) mulheres,
tornando-as ‘visíveis’ e pondo em relevo a sua atuação” 5.
3 Ibidem, p.454. 4 cf. Jo 15,15 5 Pagola, José Antônio. Jesus uma aproximação histórica, p. 265
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Diante da mulher com fluxo de sangue (Mc 5, 25-28) que
sofria por uma forte exclusão e tinha uma vida marcada por seu
sofrimento, Jesus “não sente temor de que uma mulher impura o
tenha contaminado. O que ele deseja é que essa mulher não ande
envergonhada: ela precisa viver com dignidade” 6.
Perante aqueles que eram indesejáveis na sociedade de sua
época, como os pobres, leprosos, prostitutas possuídos por
espíritos impuros, nada impedia que Jesus os acolhesse diante de
si. “É o amor compassivo que está na origem e no pano de fundo
de toda a atuação de Jesus, que inspira e configura toda a sua
vida”7.
A atitude acolhedora de Jesus é também para cada homem e
cada mulher, um convite a ultrapassar todas as barreiras que ainda
dividem, que impedem de sentar juntos e partilhar a vida, os
sonhos e as esperanças. Não podemos permitir que as diferenças
raciais, de classe, culturais, religiosas, ideológicas, etc., sejam
causa de separação e façam ver o outro como inimigo; ele é um
irmão que pensa diferente.
Estas atitudes de Jesus são para cada pessoa humana do
século XXI, tão marcado pela agitação, indiferença, competição e
preconceitos, um convite a sentar mais com o outro para escutá-lo,
ouvir o que ele tem a dizer. Todos nós somos convidados a, cada
vez mais, construirmos espaços e meios que possibilitem o
encontrar com o diferente. É no encontro com o outro, de maneira
especial com os que estão sempre à margem, que se “desmascara 6 idem p.267e 268 7 ibidem p.240
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a falsidade e se faz emergir a verdade do ser humano. Trata-se de
um encontro, para além de toda a perspectiva privatizante e
intimista, que exige compromissos pela transformação de
estruturas e sistemas que obstaculizam ou impedem a
personalização de cada ser humano concreto” 8.
O outro como lugar de descoberta e de vivência da vocação.
Olhando para essas e tantas outras atitudes de Jesus,
percebemos que todo chamado de Deus, dirigido a cada ser
humano, tem sempre como implicação um encontro e um serviço
com e para o outro.
Olhando para os relatos vocacionais na Sagrada escritura,
percebe-se que a cada vocacionado lhe é entregue uma missão em
favor do outro, de um grupo. “A missão de Abraão consiste em ser
o pai de uma grande Nação: ‘Eu farei de você um grande povo’
(Gn12, 2); A de Moisés é libertar o povo escolhido da escravidão
do Egito, ‘Eu vi, muito bem a miséria do meu povo ... Eu envio você
ao Faraó, para tirar do Egito o meu povo, os filhos de Israel’ (Ex
3,7.10). Jeremias tem a missão de ser profeta das nações ‘... para
fazer você profeta das nações’ (Jr 1, 5). Maria é chamada para ser
a mãe do messias: ‘eis que você vai ficar gravida, terá um filho...
será chamado filho do Altíssimo’ (Lc 1.31-32); os apóstolos, para
ficar com ele e continuar a sua missão: ‘então Jesus constituiu o
grupo dos Doze, para ficar com ele e para enviá-los a pregar...’ (Mc
3,13) e a missão de Paulo é o anúncio do evangelho aos gentios:
8 Rubio, Afonso Garcia. Unidade na pluralidade. p.458
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‘Vá... para anunciar o meu nome aos pagãos, aos reis e ao povo de
Israel (At. 9,15)”9.
Diante desses relatos bíblicos, percebemos que a realidade do
outro é sempre utilizada por Deus para nos chamar a uma vocação
especifica. Portanto, se queremos descobrir e responder ao apelo
divino, não podemos nunca nos isolar do outro e de sua realidade.
O chamado de Deus é sempre para uma atitude de amor, serviço e
de entrega ao outro; o próprio Jesus Cristo – modelo do nosso
seguimento - já disse que “ninguém tem maior amor do que aquele
que dá a vida pelos amigos” (Jo 15,13). Se não nos esforçarmos
para desenvolver, cada vez mais, em nós o espirito fraterno, de
acolhida, diálogo e compromisso com o outro, não viveremos bem a
nossa vocação especifica seja ela matrimonial, Religiosa consagrada
ou presbiteral, pois todas elas exigem a vivência dessas atitudes.
Por fim podemos dizer que “a vocação cristã não deve ser
vivida somente com os outros, mas pelos outros, vivendo em Cristo
a plena liberdade, a do dom de si e do serviço (...). Não só a
vocação cristã, mas a existência humana como tal é um bem
recebido, que por sua natureza tende a tornar-se um bem
doado” 10.
9 Varela, Alvariño Gonzalo. Os que são chamados, p. 87 10 Cencine, Amadeo. Fraternidade a caminho, p. 30 e 31
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Quatro relações fundamentais para sermos humanos.
Toda pessoa humana é chamada a desenvolver relações
constitutivas: Consigo mesmo, com Deus, com o mundo e com os
outros.
Na relação comigo mesmo: cada um é chamado a ter uma
atitude de amor por si mesmo reconhecendo as suas limitações,
potencialidade e responsabilidade, a olhar para sua própria vida
como dom gratuito de Deus.
Na relação com Deus: Manifestar sempre uma atitude de
gratidão pelo dom da vida e amor recebido. Buscar sempre uma
relação de abertura aos apelos de Deus, mediante o diálogo,
decisão e resposta.
Na relação com o outro: procurar sempre um
relacionamento de amor, respeito à liberdade do outro, diálogo e
parceria. O outro é o meu semelhante, aquele que me possibilita
uma maior capacidade de encontro, entendimento e
reconhecimento de mim mesmo.
Relação com o mundo da natureza: deve ser uma relação
que implica em responsabilidade e cuidado. É necessário que haja
sempre uma atitude de atenção ao mundo criado, que não permite
a arrogância e a exploração destrutiva. O homem e a mulher
receberam de Deus a missão de administradores, de co-criadores e
não de exploradores da natureza.
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REFERÊNCIAS
Pagola, José Antonio; Jesus: Aproximação Histórica . Tradução
de Gentil Avelino, Titton- Petopolis Rj, vozes 2010.
Rubio, Afonso Garcia. Unidade na pluralidade: o ser humano à
luz da fé e da reflexão Cristã. 4º Edição; São Paulo: Paulus 2001.
Cencine, Amadeo. Fraternidade a caminho: rumo a alteridade.
São Paulo: Paulus, 2003.
Varela, Alvariño Gonzalo. Os que são chamados: Sugestões
para uma pastoral vocacional. São àulo: Paulinas, 1999
Bíblia de Jerusalém, editora Paulus, São Paulo 2002