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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA Departamento de Engenharia Florestal Laboratório de Celulose e Papel
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TECNOLOGIA DE
CELULOSE E PAPEL
ENF 580 – Ciclo de Recuperação Química do Processo Kraft
Prof.: Júlio César Tôrres Ribeiro
Viçosa, MG Agosto - 2005
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SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 3
1.1 – Tendências do Mercado de Celulose ............................................................... 3
2 – O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft .......................................................... 4
2.1 – Cozimento e Lavagem da Polpa....................................................................... 4
2.1.1- Geração do licor preto fraco ...................................................................... 6
2.2 – Evaporação do Licor Negro ............................................................................. 7
2.2.1 - Composição do licor negro..................................................................... 10
2.2.2 - Propriedades do licor negro .................................................................... 11
2.3 – Caldeira de Recuperação................................................................................ 17
2.3.1- A Caldeira e suas partes principais .......................................................... 18
2.3.2- Aspersão de licor e a formação das gotículas .......................................... 21
2.3.3- Queima do licor negro ............................................................................. 22
2.3.4- Reações e composição dos fumos............................................................ 25
2.3.5- Incrustações e a composição das cinzas .................................................. 27
2.4 – Caustificação e Calcinação ............................................................................ 31
2.4.1- O Licor verde........................................................................................... 32
2.4.2- Preparo do licor branco............................................................................ 33
2.4.3- Calcinação................................................................................................ 36
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 40
3
1 – INTRODUÇÃO
1.1 – Tendências do Mercado de Celulose
A partir da última década do século XX, as empresas do setor de celulose e papel
entraram numa era de transformação – é uma era marcada por grande número de
fusões de empresas do setor onde a competitividade e a busca por melhores
resultados está cada vez mais acirrada. A garantia de sobrevivência das empresas está
embasada não somente na incorporação de novas tecnologias aos seus ativos físicos,
permitindo produção em massa com eficiência e com produtos de padrão
internacional. Nesse cenário torna-se essencial a formação de profissionais dedicados
a pesquisas e mudanças de processo com o objetivo constante de otimização de
recursos, e conseqüentemente, de custos e produtividade. Naturalmente, o sucesso de
um negócio não depende apenas da capacitação de seus profissionais e da
produtividade e competitividade de seus produtos. É necessário o monitoramento dos
cenários presente e futuro para antecipar-se às oportunidades que possam vir a surgir.
Tendo como base este enfoque, a utilização de borato de sódio no ciclo de
recuperação de químicos kraft pode vir a ser, em um futuro próximo, mais um fator
de diferenciação das empresas de celulose. Algumas experiências industriais vêm
sendo desenvolvidas com resultados promissores, principalmente no tocante à
eliminação de gargalos de produção nas áreas de caustificação e fornos de cal. No
futuro esta tecnologia poderá influenciar até mesmo no custo de implantação de
novos empreendimentos devido à possibilidade de eliminação, ou pelo menos,
redução de necessidade de capacidade de etapas do processo hoje existentes.
4
2 – O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft
Este capítulo não tem por objetivo esgotar todos os processos e detalhes do ciclo de
recuperação kraft. Pretende-se apresentar de forma sucinta e objetiva as principais
variáveis de cada processo para que se possa efetuar um comparativo com as
modificações impostas pela introdução do metaborato de sódio no ciclo de
recuperação kraft. Na Figura 1 pode-se visualizar o ciclo de recuperação kraft
convencional.
Figura 1 - Ciclo de Recuperação Kraft
Fonte : Cenibra
2.1 – Cozimento e Lavagem da Polpa
As fibras e traqueídeos, principais elementos estruturais da madeira, apresentam
quatro camadas concêntricas envolvendo a cavidade central, denominada lúmen. A
5
camada mais externa é a parede primária (Pr), enquanto as outras três formam a
parede secundária dividida em camada externa (S1), média (S2) e interna (S3). A
camada S2 é a mais importante do ponto de vista da produção de celulose por ser,
geralmente, dez vezes mais espessa que Pr, S1 ou S3, e nela encontrar-se a maior
quantidade de celulose da fibra. A região entre as fibras é denominada lamela média
e é rica em lignina. Na Figura 2 é apresentado um esquema da estrutura da madeira.
Figura 2 - Esquema da organização da parede celular da fibra
Um dos objetivos dos processos químicos de cozimento é o de remover a lignina da
lamela média, visando a separação das fibras. Porém, a ação do licor de cozimento
não se limita à lamela média, pois atinge os carboidratos e a parede da fibra. A
retirada de parte dos polissacarídeos e sua alteração determinam a qualidade da pasta
tanto para papel como para dissolução. Da mesma maneira, a solubilização de
componentes não pertencentes à parede celular é importante para a qualidade da
pasta.
6
2.1.1- Geração do licor preto fraco
O cozimento da madeira é realizado em um equipamento denominado digestor. O
digestor é um vaso de pressão no qual são alimentados cavacos, licor branco e vapor.
O licor branco é o agente químico que reage com a lignina propiciando a separação
das fibras de celulose dos demais compostos orgânicos da madeira que são
dissolvidos. Como a lignina é o principal composto a ser separado, esta etapa é
também chamada de deslignificação. Na Figura 3 pode-se visualizar um fluxograma
da área de cozimento e lavagem.
Figura 3 - Fluxograma simplificado cozimento e lavagem
Fonte : Cenibra
O tempo de retenção no digestor é determinado pelo ritmo de produção, sendo que
normalmente a metade do tempo corresponde às etapas de impregnação dos cavacos
e cozimento. O restante do tempo corresponde ao que se chama de lavagem contra
corrente ou high heat. Dentro do digestor a massa formada pelo licor de cozimento
7
e cavaco passa por três zonas. A primeira é a zona de cozimento que possui peneiras
destinadas à extração do licor e envio do mesmo a um trocador de calor, onde será
aquecido com vapor, retornando, após, ao local de onde foi extraído. Este licor, que
foi extraído pelas peneiras de cozimento, é misturado com licor branco na tubulação
antes da chegada ao aquecedor. A segunda zona possui peneiras de homogeneização,
que têm o mesmo propósito das peneiras de cozimento. A última zona possui
peneiras de extração, que retiram o licor e o conduzem para ciclones de expansão,
onde será expandido e enviado para os centrifilters, que são utilizados para filtrar o
licor e recuperar fibras. Este licor filtrado, denominado licor preto fraco, será enviado
à evaporação para recuperação dos químicos. No fundo do digestor a massa é
misturada ao licor preto fraco, originado nos difusores, sendo descarregada no
difusor pela própria pressão interna. Como o fluxo da descarga é pré-estabelecido, o
licor excedente à manutenção da consistência da polpa sobe em sentido contrário ao
da massa, arrastando o álcali nela contido, juntando-se ao licor de cozimento já
inativo que acompanhava a sua descida, sendo extraído em contra-corrente.
Apesar da lavagem em contra-corrente na metade inferior do digestor, a massa
descarregada ainda necessita de lavagem para retirada da soda e lignina dissolvida. O
segundo estágio de lavagem normalmente é feito em difusores utilizando o licor
preto diluído originário da etapa de depuração marrom. O sistema opera
completamente fechado, isolado do ar, minimizando a formação de espuma,
diminuindo contaminações e possibilita alta eficiência na reutilização do licor preto
diluído extraído do mesmo.
O licor enviado para a evaporação normalmente encontra-se com teor de sólidos
entre 14 e 20%, e é constituído de orgânicos dissolvidos (60 a 70%) provenientes da
madeira e de inorgânicos originados do licor de cozimento (30 a 40%).
2.2 – Evaporação do Licor Negro
A evaporação, ou concentração, do licor negro é realizada em evaporadores de
múltiplo efeito utilizando vapor de baixa pressão proveniente das extrações de uma
turbina. Uma planta de evaporação moderna normalmente consiste de 6 efeitos com
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uma economia de aproximadamente 5 t de água evaporada por t de vapor utilizado.
Os concentradores e/ou evaporadores são do tipo casco/tubo ou placas dependendo
da tecnologia empregada por cada fabricante. O evaporado gerado em cada efeito é
condensado no efeito seguinte através da troca de calor com o licor alimentado
naquele efeito, com o último efeito sendo condensado em um condensador
barométrico. A pressão decresce progressivamente até atingir vácuo de
aproximadamente 640 mmHg no condensador.
Existem várias tecnologias aplicadas a evaporadores e concentradores, sempre
visando a melhoria de sua eficiência energética.
É muito comum a ocorrência de corrosão em evaporadores e concentradores devido a
grande alcalinidade do licor, especialmente nos efeitos mais concentrados. Desta
maneira torna-se essencial a melhoria dos materiais empregados em sua fabricação.
Um dos aspectos que diminui a performance de uma planta de evaporação é a
formação de depósitos nos concentradores de licor, especialmente nos primeiros
efeitos, que trabalham com o licor mais concentrado. Este mecanismo já é bem
conhecido e está relacionado com o limite de solubilidade do licor negro e de sua
composição. Práticas operacionais e de limpeza são adotadas de forma a prevenir
grandes perdas devido a estas incrustações.
Uma planta típica de evaporação é apresentada na Figura 4.
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Figura 4 - Fluxograma simplificado da evaporação
Fonte : Cenibra
Os principais objetivos da evaporação do licor negro são listados abaixo:
a) Utilizar eficientemente a energia requerida para evaporação, sendo que uma
planta típica de evaporação consome até 25% da energia total de uma planta
de celulose kraft.
b) Separar eficientemente o vapor d'água formado durante a evaporação,
fornecendo um produto com alto poder calorífico e altas concentrações de
inorgânicos.
c) Separar o tail oil, que além de grande valor econômico, pode gerar
incrustações e espuma. O tail oil é um componente de madeiras de
coníferas, não sendo encontrado em folhosas.
d) Concentrar o licor preto fraco para concentrações superiores a 64% para
possibilitar sua queima na caldeira de recuperação, sendo que quanto maior a
concentração mais eficiente é o processo de queima.
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2.2.1 - Composição do licor negro
O licor negro proveniente da depuração e lavagem da polpa é composto basicamente
de compostos orgânicos complexos e inorgânicos dissolvidos em um meio aquoso
alcalino e sua composição química depende do tipo de madeira e das condições de
cozimento. As propriedades físicas do licor negro estão diretamente relacionadas à
sua composição química, à concentração de sólidos, ao teor de inorgânicos e à
temperatura. Esta dependência pode ser visualizada na Figura 5, proposta por
Soderhjelm, citado por Cardoso (2001).
Figura 5 - Origem do comportamento do licor negro
Fonte: Soderhjelm, citado por Cardoso (2001).
O termo “licor preto fraco” refere-se ao licor recebido da depuração e lavagem da
polpa, sendo que usualmente sua concentração encontra-se na faixa de 14 a 20%.
Após concentrado em evaporadores de múltiplos efeitos este licor pode ter sua
concentração aumentada até 80% nos sistemas mais modernos, sendo que 72% é uma
concentração bastante usual nos dias de hoje. A este licor concentrado, que
posteriormente será queimado na caldeira de recuperação, dá-se o nome de “licor
preto forte”.
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A composição típica de um licor negro é apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 - Composição típica do licor negro
Fonte: Green and Haugh, citado por Cardoso (2001)
2.2.2 - Propriedades do licor negro
As propriedades do licor negro, importantes para o processo de evaporação, são
densidade, viscosidade, elevação do ponto de ebulição, calor específico e poder
calorífico. Estas propriedades também influenciam o comportamento do licor
queimado na caldeira, porém neste tópico tem-se o objetivo de apenas discorrer-se
sobre seus efeitos no processo de evaporação.
Densidade
A densidade do licor negro afeta as características de seu escoamento. A um teor de
sólidos baixo tem-se que a densidade é bem próxima da densidade da água à mesma
temperatura. Quando concentrado, a densidade depende das características e teores
de materiais orgânicos e inorgânicos. Os inorgânicos têm maior influência na
densidade, pois enquanto a densidade característica dos materiais orgânicos é bem
próxima da água, a dos inorgânicos é praticamente o dobro.
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O Gráfico 1 mostra a densidade em função da concentração de sólidos para alguns
licores específicos.
Gráfico 1 - Peso específico x Teor de sólidos para diversos licores
Fonte: Green e Hough (1992).
Viscosidade
A viscosidade é uma importante propriedade reológica do licor negro, que varia em
função de sua composição e temperatura, bem como sofre influência das práticas
operacionais. A viscosidade é de grande interesse para a área de evaporação devido
ao seu efeito nas taxas de evaporação, de transferência de calor e tamanho das
gotículas de licor.
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Nos trocadores de calor e evaporadores, o coeficiente de transferência de calor decresce à medida que a viscosidade aumenta, aproximadamente de acordo com a relação abaixo Transferência de calor ~ ________1_________ (viscosidade, Cp)0,4 (GREEN e HOUGH, 1992).
Esta relação mostra que a capacidade de evaporação de um evaporador varia de
acordo com a viscosidade, permanecendo os demais fatores constantes. Um
decréscimo de viscosidade aumenta a taxa de transferência de calor.
Para concentrações de sólidos abaixo de 50% o comportamento da viscosidade do
licor negro é bem próximo do comportamento newtoniano, ou seja, “independe das
condições de fluxo e as tensões tangenciais são proporcionais às taxas de
deformação.” (FOX e McDONALD, 1985)
Para concentrações acima de 50% o comportamento do licor negro passa a ser não
newtoniano. Porém com o aumento de temperatura (110 a 121°C) tem-se a
diminuição de viscosidade e, mesmo em altas concentrações de sólidos (70 a 75%),
tem-se o comportamento newtoniano. (GREEN e HOUGH, 1992).
Do ponto de vista operacional, a viscosidade do licor negro, a qualquer concentração
de sólidos, pode ser alterada de três maneiras: adição de álcali, oxidação e estocagem
a altas temperaturas. A Tabela 2 indica como cada um destes fatores altera a
viscosidade do licor negro e o Gráfico 2 mostra os efeitos da adição de álcali na
viscosidade relativa.
Tabela 2 - Alteração de viscosidade do licor negro x variações
Condição Álcali residual baixo Álcali residual alto Adição de álcali Diminui Aumenta Oxidação Aumenta Diminui Estocagem a alta temperatura Aumenta Diminui
Fonte: Green e Hough (1992).
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O álcali residual afeta fortemente a viscosidade aparente do licor negro, álcali
residual baixo implica em alta viscosidade e comportamento não newtoniano.
Gráfico 2 - Variação da viscosidade do licor negro x ATT
Fonte: Adaptado de Green e Hough (1992).
A oxidação do licor negro altera a viscosidade porque reduz a concentração de álcali
residual. A mudança depende do álcali inicial e de quanto ele varia durante a
oxidação. A mudança de viscosidade é reversível com a adição de álcali novamente.
Apesar das razões não estarem totalmente esclarecidas, é possível variar a
viscosidade do licor negro durante estocagem a alta temperatura. O mais provável é
que esta mudança deve-se à combinação de dois mecanismos: degradação dos
orgânicos de alto peso molecular e decréscimo na concentração de álcali residual.
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Elevação do ponto de ebulição
A elevação do ponto de ebulição (EPE) é a diferença entre a temperatura de ebulição
do licor negro e a da água pura a mesma pressão. Esta propriedade é importante para
o desenvolvimento de balanços de massa e energia para o projeto e análise de
evaporadores. Nestes equipamentos, o calor transferido para o licor depende da
diferença de temperatura entre o vapor a ser condensado e o licor a ser evaporado.
Elevados valores de EPE implicam em uma redução significativa de transferência de
calor nos evaporadores.
A elevação do ponto de ebulição é função da concentração de sólidos presentes no
licor e, para o licor negro de coníferas, existem várias correlações empíricas
propostas na literatura, tais como as desenvolvidas por Clay e Grace, Szymonski e
Grace, Frederick et al. e Robinson e Clay, citados por Cardoso (2001). Conforme
mostrado no Gráfico 3, nota-se que para concentrações abaixo de 50% a variação do
EPE é pouca significativa com o aumento do teor de sólidos. Entretanto, para
concentrações acima de 50%, o aumento do EPE é bastante significativo se
relacionado com o aumento do teor de sólidos.
Gráfico 3 - Elevação do ponto de ebulição x teor de sólidos do licor negro.
Fonte: Cardoso (2001).
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Calor específico
Dados experimentais sobre o calor específico do licor negro são necessários para se
calcular a troca de calor durante a evaporação do licor. O calor específico vem sendo
determinado em equipamentos de análise térmica, e atualmente já existem várias
correlações na literatura em função do teor de sólidos como visto na equação abaixo
e no Gráfico 4.
Cp = Cpag(1 - X) + Cpsol,
onde,
Cp Capacidade calorífica do licor
Cpag Capacidade calorífica da água
Cpsol. Capacidade calorífica do sólido seco
X fração de sólidos secos
Gráfico 4 - Calor específico do licor x teor de sólidos
Fonte: Green e Hough (1992).
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Poder Calorífico
A queima do licor negro forte na caldeira de recuperação libera calor. O poder
calorífico superior (PCS) é a medida da quantidade de calor liberada. Valores típicos
de PCS do licor negro variam na faixa de 3000 a 3600 kcal/kg de sólidos secos. Os
componentes orgânicos e o enxofre reduzido no licor negro contribuem para o
aumento do poder calorífico. Outros inorgânicos agem como diluentes, diminuindo o
poder calorífico.
O poder calorífico de alguns constituintes do licor negro é apresentado na Tabela 3.
Tabela 3 - Poder calorífico superior de constituintes do licor
Componente PCS (kcal/kg) Lignina de coníferas 6.450 Lignina de folhosas 6.000 Carboidratos 3.240 Resinas, ácidos graxos 9.000 Sulfeto de sódio 3.080 Tiossulfato de sódio 1.380
Fonte: Green e Hough (1992).
2.3 – Caldeira de Recuperação
A caldeira de recuperação química é um gerador de vapor que utiliza o licor negro
concentrado proveniente da evaporação como combustível e cumpre três papéis de
extrema importância no ciclo de recuperação, sendo eles:
a) exercer o papel de um reator químico para produzir carbonato de sódio e
sulfeto de sódio;
b) destruir a matéria orgânica dissolvida eliminando o problema de descarga
deste material no meio ambiente; e
c) gerar de vapor e energia a partir da queima do licor negro.
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Os objetivos de uma caldeira de recuperação são esquematizados na Figura 6.
Figura 6 - Objetivos da caldeira de recuperação
A geração de vapor e energia é um objetivo secundário da caldeira de recuperação.
Caso a caldeira de recuperação seja o ponto de restrição de produção é comum
prejudicar-se a eficiência da geração de vapor em detrimento do aumento do
potencial de queima de licor.
2.3.1- A Caldeira e suas partes principais
No passado, a caldeira de recuperação era uma das maiores fontes de poluição de
uma fábrica de celulose. Com as crescentes pressões ambientais, necessidade de
aumento de eficiência dos processos e desenvolvimento de novas tecnologias, ela se
tornou um processo extremamente eficiente no tocante a emissões atmosféricas e
geração de resíduos.
Na Figura 7 é apresentado um esquema de uma caldeira de recuperação onde são
mostrados os seus principais componentes.
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Figura 7 - Caldeira de recuperação - Principais partes
Fonte : Cenibra
O licor para queima é injetado através dos bicos de licor localizados em aberturas nas
paredes da fornalha, que é formada de tubos e também faz parte do circuito de
geração de vapor. O licor acumula-se no fundo da fornalha formando o que se chama
de “camada”, região onde existe deficiência de ar para queima proporcionando uma
atmosfera redutora que irá propiciar a redução do sulfato de sódio a sulfeto de sódio.
A eficiência de redução é um dos parâmetros mais importantes de operação da
caldeira de recuperação, visto que o sulfato de sódio não tem ação no cozimento da
madeira e o sulfeto de sódio é um agente ativo de cozimento. Após queimado, o licor
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negro dá origem a um fundido, também conhecido por licor verde ou smelt, que
escorre através das bicas de smelt em direção ao tanque dissolvedor. O licor verde é
rico em carbonato e sulfeto de sódio e é encaminhado ao processo de caustificação.
Tal como os bicos de licor, as aberturas para o ar de combustão estão localizadas nas
paredes da fornalha. Normalmente o ar é inserido em pelo menos três níveis
proporcionando 3 regiões diferenciadas de queima ao longo da fornalha conforme
detalhado na Figura 8. As funções de cada nível de inserção de ar podem ser
resumidas como abaixo:
Ar Primário – localizado na zona de redução.
a) queimar os sólidos que caem sobre a camada;
b) reduzir o sulfato a sulfeto; e
c) ajustar a forma e configuração da camada para obtenção de uma boa
eficiência de redução;
Ar Secundário – localizado na zona de secagem.
a) completar a combustão do licor e dos gases voláteis; e
b) auxiliar na secagem do licor.
Ar Terciário – localizado na zona de oxidação.
a) completar a combustão dos gases; e
b) realizar a selagem na região da fornalha para reduzir as emissões de material
particulado.
Os gases quentes resultantes da queima do licor são retirados da caldeira com o
auxílio de um ventilador de tiragem induzida. No trajeto de saída dos gases há grande
troca térmica nos superaquecedores, cortina d’água, bancada e economizadores.
Normalmente os gases de combustão estão na faixa de 450 a 550 °C na saída da
fornalha, sendo descartados na chaminé a uma temperatura média de 170 °C.
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Figura 8 - Zonas de reação na fornalha de uma caldeira de recuperação
Fonte : Adaptado de Cardoso (2001)
A água faz o caminho inverso, sendo alimentada nos economizadores, aproveitando
o calor residual dos gases e chegando ao balão de água/vapor em uma temperatura
abaixo do ponto de saturação àquela pressão. Inicia-se, então, um processo de
circulação natural devido a diferença de densidade proporcionada pelas diferenças de
temperatura da água entre os diversos pontos da caldeira. A água desce pelas paredes
da fornalha e retorna ao balão de água/vapor, e posteriormente, já na forma de vapor
saturado, é encaminhado aos superaquecedores, onde ocorre o superaquecimento
para a temperatura e pressão desejadas.
2.3.2- Aspersão de licor e a formação das gotículas
A aspersão do licor negro na caldeira é feita através dos bicos de licor, cujo projeto
varia de fabricante para fabricante, e, muitas vezes, são desenvolvidos especialmente
para determinado tipo de licor ou caldeira. O objetivo do projeto do bico de licor é
proporcionar uma distribuição uniforme do fluxo circular em uma superfície plana. A
geometria deste leque de licor irá determinar o tamanho e a trajetória das gotículas
até a camada. (ADAMS et al., [199-?]). O controle do tamanho de gota na aspersão
do licor é de grande importância para uma operação eficiente. Na condição ideal a
gota de licor deveria atingir a camada enquanto ainda estivesse queimando. Gotas
muito pequenas vão promover uma rápida secagem, porém as partículas serão
facilmente arrastadas pelos gases. Gotas muito grandes poderão cair úmidas na
22
camada, podendo causar forte esfriamento, resultando na perda de combustão e
apagamento. Ainda tem-se a situação em que a gota atinge a camada já como smelt, o
que indica que a mesma ainda está pequena. (HUPA. e FREDERICK, 2002) e
(HUPA, 2002).
O tamanho e distribuição das gotas de licor também dependem de outros fatores e
características do licor, tais como, a pressão de injeção, a viscosidade e densidade do
licor, a temperatura para queima e o teor de sólidos.
2.3.3- Queima do licor negro
Ainda que a queima do licor negro tenha muita similaridade com a queima de muitos
combustíveis fósseis, a química do processo é mais complexa devido à função de
recuperação química. Em adição ao carbono, oxigênio e hidrogênio que são comuns
nos combustíveis fósseis, o licor negro contém quantidades substanciais de álcali
(sódio e potássio) e enxofre. Os produtos da combustão não são apenas dióxido de
carbono e água, mas também os químicos do cozimento que são recuperados,
carbonato e sulfeto de sódio. Reações químicas importantes incluem a redução do
sulfato, formação de fumos e reações de liberação e captura de enxofre livre. Em
uma caldeira de recuperação, a queima do licor negro envolve a reação dos sólidos
do licor com o oxigênio do ar de combustão para a formação de gases combustíveis e
smelt.
A queima do licor na fornalha pode ser dividida em 4 etapas, sendo elas a pirólise,
queima de voláteis, queima na camada e oxidação de inorgânicos.
a) Pirólise : a pirólise é uma série de reações de degradação irreversíveis que os
sólidos contidos no licor negro sofrem na medida em que a temperatura é
aumentada. As reações de pirólise produzem um gás combustível rico em H2,
CO, CH4, TRS, CO2, H2O, outros hidrocarbonetos de alto peso molecular e
compostos orgânicos e uma camada rica em carbono reduzido.
23
As reações da pirólise iniciam-se aproximadamente a 200 °C, quando as
gotículas de licor passam por um processo de inchamento e inicia-se a
liberação de gases voláteis. O inchamento das gotículas de licor é bastante
considerável (fator de expansão em volume de até 20 vezes) fazendo com que
a partícula resultante possua baixa densidade. Os resíduos sólidos da pirólise
dão origem a camada, que é rica em carbono fixo (20 a 25%) e inorgânicos
(75 a 80%).
As principais reações da pirólise podem ser representadas por :
Na2S + CO2 + H2O → Na2CO3 + H2S (1)
Na2O + CO2 → Na2CO3 (2)
CH4 + H2O → CO + 3H2 (3)
b) Queima de voláteis: a combustão dos gases originados na pirólise do licor é
uma reação relativamente rápida e homogênea que pode ser sintetizada como
Gases da pirólise ( H2, CO, CH4, TRS, etc.) + O2→ CO2 + H2O + SO2 (4)
Os principais fatores requeridos para assegurar a combustão completa são o
fornecimento de ar suficiente, boa mistura entre o ar e os gases e temperaturas
altas o suficiente para que as reações se procedam, geralmente na faixa de
760 a 815 °C.
c) Queima da camada: a camada consiste de carbono e sais inorgânicos. Os
inorgânicos presentes na camada são essencialmente os mesmos presentes no
smelt, ou seja, carbonato, sulfato e sulfeto de sódio e os sais análogos de
potássio.
A queima da camada consiste de duas etapas essenciais, sendo a primeira a
oxidação do carbono fixo para CO e CO2 para permitir a fusão do smelt e a
24
segunda a redução dos compostos de enxofre. As principais reações da
queima na camada podem ser sintetizadas como abaixo:
Reações do carbono fixo
C + ½.O2 → CO (5)
C + O2 → CO2 (6)
C + CO2 → 2CO (7)
Reações de redução
C + ½.Na2SO4 → CO2 + ½.Na2S (8)
C + ¼.Na2SO4 → CO + ¼.Na2S (9)
C + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO (10)
As reações predominantes pelas quais o carbono é queimado na camada são
as reações com o sulfato presente no smelt (reações 8, 9 e 10). O sulfato e
sulfeto presentes agem como catalisadores para a queima do carbono, com o
sulfato sendo reduzido a sulfeto pelo carbono e o sulfeto sendo reoxidado
subseqüentemente a sulfato pela reação com o oxigênio.
O fator chave deste conceito é que a redução do sulfato ocorre
simultaneamente com a queima do carbono, e as reações entre sulfato e
carbono são mais rápidas que entre sulfeto e oxigênio. Isto ocorre a
temperaturas suficientemente altas, quando a reação de oxidação do sulfeto é
uma reação de transferência de massa controlada. Temperaturas na faixa de
980 a 1040 °C são adequadas para a ocorrência destas reações.
d) Oxidação de inorgânicos: são reações exotérmicas que ocorrem rapidamente
quando a camada é exposta a oxigênio na ausência de carbono. A mais
importante é a oxidação do sulfeto a sulfato de sódio, exatamente o contrário
do desejado.
25
Na2S + O2 → Na2SO4 + 3.083 kcal/kg (11)
O mecanismo de reoxidação na camada já foi descrito no item ‘c) Queima na
camada’.
O mecanismo de queima da gota de licor pode ser sumarizado conforme a Figura 9,
adaptada de (HUPA e FREDERICK, 2002).
Figura 9 - Mecanismo da queima da gota de licor
Fonte: Adaptado de Hupa e Frederick (2002)
2.3.4- Reações e composição dos fumos
Fumo, ou arraste de cinzas, é o nome dado às partículas muito finas produzidas pela
vaporização do sódio (e potássio) na fornalha que são carregadas com os gases da
combustão. A química básica da formação das cinzas pode ser resumida conforme as
reações (12) a (19), descritas abaixo:
26
Queima do licor → Na (vapor) (12)
2Na + ½ O2 + CO2 → Na2CO3 (arraste) (13)
Na2CO3 + SO2 + ½ O2 → NaSO4 (arraste) + CO2 (14)
NaCl(líquido) + Calor → NaCl (vapor) (15)
NaOH(líquido) + Calor → NaOH (vapor) (16)
2NaOH + CO2 → Na2CO3 (arraste) + H2O (17)
Vaporização de sódio → Na2CO3 (arraste) (18)
Queima do licor → K (vapor) (19)
As reações químicas que produzem vapores de sódio (e potássio) são endotérmicas, e
portanto, a geração de fumos tende a ser auto limitante na ausência da fonte de calor.
Reações análogas ocorrem para o potássio que ainda é mais volátil que o sódio.
(GREEN e HOUGH, 1992)
Durante a pirólise do licor quantidades consideráveis de compostos de enxofre
reduzido, TRS, são geradas. Parte deste TRS vaporiza na fornalha e deve ser oxidado
a SO2 e capturado para controle das emissões totais de TRS através dos gases da
combustão. A captura do SO2 é determinada pela presença de quantidade suficiente
de álcali nos gases de combustão, que é determinada prioritariamente pela
temperatura na parte baixa da fornalha. À medida que a temperatura aumenta ocorre
maior vaporização de sódio, reações (12) e (18), gerando maior concentração de
álcali nos gases. Desta maneira geram-se condições propícias para a captura do SO2,
devido ao aumento da concentração de partículas de Na2CO3, reação (14), resultando
na formação de Na2SO4.
27
O papel da vaporização de NaOH na formação de fumos, reação (16) é predita
através de reações de equilíbrio químico, e vapores de NaOH estão relacionados à
corrosão no lado frio da fornalha.
Os cloretos NaCl e KCl são muito voláteis e podem vaporizar como sais. Esta
volatilidade de cloretos é a razão pela qual as cinzas tendem a ser enriquecidas em
cloreto e potássio. Experiências têm mostrado que a proporção destes elementos em
depósitos e nas cinzas dos precipitadores pode ser de 2 a 3 vezes maior que a
proporção dos mesmos no licor para queima. (GREEN e HOUGH, 1992)
A formação de fumos possui aspectos benéficos e problemáticos para uma caldeira
de recuperação. O principal benefício é a captura de gases de enxofre, diminuindo as
emissões totais de TRS e reduzindo o odor. O lado problemático está relacionado
com a geração excessiva e concentração de íons Cl- e K+ nos fumos, o que contribui
fortemente para a obstrução das passagens de gases e corrosão em geral. Maior
detalhamento a este assunto será o objeto da seção 2.3.5.
2.3.5- Incrustações e a composição das cinzas
As incrustações nas tubulações de uma Caldeira de Recuperação têm sua origem nos
gases da combustão do licor na fornalha, onde sais de sódio, potássio e carbonatos
(constituídos basicamente de Na2CO3, Na2SO4, NaCl, KCl e K2SO4) incorporam-se
ao fluxo ascendente de gases em volumes maiores que os normais.
As cinzas aderidas aos tubos caracterizam-se pela presença de partículas fundidas, ou
parcialmente fundidas, cuja composição é predominantemente Na2SO4 e Na2CO3. A
aparência e a composição química do depósito indicam que tipo de mecanismo deu
origem ao arraste. Pode-se afirmar que elevados níveis de concentração de Na2CO3
nas cinzas são indicativos de arraste. Outro fato bastante citado na literatura é a cor
rosada ou avermelhada dos depósitos, indicando a presença de enxofre reduzido nos
depósitos. (GREEN e HOUGH, 1992)
28
Os principais fatores que propiciam o arraste são:
a) O arraste mecânico de gotículas não queimadas é fortemente influenciado
pelo nível de sobrecarga da caldeira, que provoca um aumento no volume de
gases de combustão e, conseqüentemente, na velocidade de ascensão e
remoção destes gases.
b) A baixa concentração do licor para queima é outro fator que fortemente
contribui para o arraste mecânico de gotículas, pois o excesso de água que é
injetado na fornalha expande-se em vapor aumentando várias vezes em
volume, e é conduzido junto aos gases de combustão aumentando a
velocidade do fluxo.
c) A deficiência na distribuição e na pressão de ar para combustão
(especialmente o terciário e/ou quaternário que são os responsáveis pela
selagem da fornalha) é outro fator determinante para a ocorrência do arraste
mecânico de gotículas de licor.
d) Operação com temperaturas e pressões de licor inadequadas nos bicos
aspersores.
e) A ocorrência de variações bruscas de queima de licor na caldeira também
influencia no arraste mecânico devido aos gradientes de pressão e às
variações de vazão de gases que ocorrem durante as mudanças.
A influência que cada um destes fatores exerce no arraste de cinzas e na formação de
depósitos depende de cada caso e, normalmente, vários fatores ocorrem
simultaneamente, sendo necessário a adoção de várias contramedidas que visam
eliminar, ou pelo menos, minimizar os seus efeitos.
29
Características Incrustantes das Cinzas
A composição química das cinzas pode contribuir negativamente na formação de
incrustações na parede externa dos tubos.
Um mecanismo bastante conhecido na literatura é a condensação dos vapores dos
compostos inorgânicos que são arrastados junto com os gases de combustão dando
origem a cinzas bastante aderentes.
Vários autores, entre eles Tran et al. (2001c), realizaram várias experiências e
chegaram a conclusão de que K+ e Cl- em determinadas concentrações e temperaturas
geram uma fase líquida, aumentando a aderência das partículas e tendo por
conseqüência dificuldades na remoção dos depósitos e aceleração do processo
incrustante e de obstrução das passagens de gases da caldeira.
De um modo geral, os principais problemas causados pela alta concentração de
cloreto e potássio no ciclo de recuperação são as incrustações, a corrosão nas
tubulações da caldeira, bem como a recirculação constante destes inertes no
processo.
Verificou-se também que a formação de depósitos nas tubulações depende da
quantidade de fase líquida presente nas cinzas e que esta quantidade de fase líquida
por sua vez é dependente da temperatura. Cinzas com porcentagem de fase líquida
entre 15 e 70% incrustam nas tubulações, causando problemas na troca de calor.
Cinzas com menos de 15 ou mais de 70% de fase líquida escoam pela tubulação,
eliminando os problemas de deposição.
Tran et al. (2001c) definem TSTK (Sticky Temperature) como sendo a temperatura
correspondente a cinzas com 15% de fase líquida e TRD (Radical Deformation
Temperature) como a temperatura correspondente a cinzas com 70% de fase líquida.
As temperaturas TSTK e TRD definem a região onde a formação de depósitos é mais
pronunciada. As Figuras 10 e 11 mostram as regiões de incrustação e escoamento em
30
função das frações molares %Cl/Na+K e % K/Na+K nas cinzas em função da
temperatura dos gases de combustão.
Figura 10 - Regiões de incrustação e escoamento das cinzas.
Fonte : Tran et al. (2001c)
Figura 11 - Abaixamento temperatura de fusão das cinzas x concentração Cl- e K+.
Fonte : Tran et al. (2001c)
31
A região denominada Sticky (região escura) representa a região de ocorrência de
depósitos. Acima e abaixo desta região as cinzas escoam, não havendo problemas de
incrustação. As figuras 10 e 11 mostram também que o aumento nos níveis de cloreto
e potássio diminui ambas as temperaturas TSTK e TRD. Isto é extremamente
preocupante quando se inicia um processo de obstrução de uma caldeira, pois,
normalmente os primeiros sinais de obstrução são aumentos de temperatura dos
gases ao longo da caldeira devido à baixa troca térmica.
2.4 – Caustificação e Calcinação
“A viabilidade econômica de uma fábrica de celulose depende da capacidade da área de caustificação em converter os químicos recuperados em um licor de cozimento de qualidade apropriada com vazão suficiente e constante de maneira a permitir a produção contínua de celulose.” (GREEN e HOUGH, 1992).
O processo de caustificação possui dois objetivos básicos e de essencial importância,
que são a produção do licor branco para o cozimento dentro das especificações
requeridas para o processo e a lavagem da lama de cal gerada durante o processo de
caustificação para propiciar a sua requeima em um forno de cal. Nesta etapa fecha-se
o ciclo de recuperação, onde, a partir do licor preto fraco originado de um cozimento
anterior chega-se a um novo licor de cozimento. Na Figura 12 visualiza-se o
processo de caustificação e forno de cal.
32
FLUXOGRAMA GERAL DE CAUSTIFICAÇÃO E FORNO DE CALSmelt
Licor verde
Tanque de dissolução
Silo de cal CAL
D.C.01
D.C.05Filtrado
Dregs Águamorna
Filtro dedregs
Lavadorde dregs
Clarif icador de licor verde
Aterro sanitário
Dregs
Águamorna
Extintorde cal
Grits Caustif icadores
Poço de bombasLicor fraco fraco
D.C.03 D.C.02
Clarif icadoresde licor branco
Águamorna
Lama
Lama
Filtrado
D.C.04
Lama
Filtro delicor
Lavadorde lama
Licor brancopara o digestor
Licor branco fraco
Águamorna
Misturador de lama
Filtro delama
Forno de cal
Lama
Filtrado
Reservatóriode óleo
Cal
Licor branco fracoLicor branco fraco
Gases
Pó
Chaminé
Precipitadoreletrostático
Figura 12 - Fluxograma básico da caustificação e forno de cal.
Fonte : Cenibra
2.4.1- O Licor verde
Originado da queima do licor preto forte na caldeira de recuperação, o licor verde
escorre pelas bicas de smelt em direção ao tanque dissolvedor. No tanque dissolvedor
ocorre sua diluição com o licor branco fraco originado da lavagem de lama dando
origem ao que se chama de licor verde bruto. O licor verde bruto é composto
basicamente de carbonato e sulfeto de sódio, sendo que outros sais também estão
presentes em menores concentrações, tais como sulfato, tiossulfato e cloreto de
sódio. Neste licor não clarificado também se encontra um componente indesejável ao
processo chamado de dregs, que deve ser eliminado. O dregs é composto
basicamente de material carbonoso, sílica, sulfetos metálicos e outros sais.
33
Para utilização no processo de caustificação, o licor verde bruto precisa passar por
um processo de clarificação, que ocorre basicamente por sedimentação em
clarificadores tradicionais, ou através de filtros pressurizados em processos mais
modernos. O dregs é então removido nesta etapa e passa por um processo de
lavagem para recuperação de álcali, sendo então filtrado e descartado.
Após este processo de clarificação, tem-se o licor verde clarificado, que é um dos
reagentes do processo de caustificação.
2.4.2- Preparo do licor branco
O carbonato de sódio presente no licor verde é inativo no processo de cozimento, e
cabe à etapa de caustificação convertê-lo em hidróxido de sódio, principal agente de
cozimento, através da adição de cal virgem.
A preparação do licor branco inicia-se em um equipamento denominado extintor de
cal. O extintor de cal compreende um tanque com agitação e uma região de
classificação que consiste de uma calha inclinada com um raspador no fundo. Nele
são alimentados o licor verde, a cal virgem e água dando início às reações de
caustificação. O licor branco bruto transborda para a calha e segue por gravidade
para os caustificadores, a próxima etapa do processo. A cal não reagida e outras
impurezas sedimentam no classificador e são então removidas. A este resíduo dá-se o
nome de grits.
Os caustificadores são tanques em série, usualmente em número de três, com
agitação, onde a reação de caustificação se completa.
A mistura licor branco e lama de cal é então bombeada para grandes tanques
chamados de clarificadores de licor branco, que operam em série, ou para filtros
pressurizados nas fábricas mais modernas. Nos clarificadores ocorre a clarificação do
licor branco através da sedimentação da lama de cal em um processo semelhante à
34
clarificação do licor verde. Normalmente o primeiro tanque funciona como
clarificador e o segundo como estocagem do licor branco para envio ao digestor.
A qualidade do licor branco depende de um controle eficiente da reação de
caustificação, onde se atinge os valores de álcali efetivo e sulfididade desejados, e da
decantabilidade da lama. Lama com boa decantabilidade irá proporcionar um licor
com baixos valores de sólidos suspensos (menor que 40 mg/l), o que é ideal para o
cozimento. Para auxiliar no processo de clarificação do licor verde ou branco, pode-
se usar polímeros especiais que auxiliam na decantação do dregs e da lama de cal.
A lama de cal proveniente da etapa de clarificação de licor branco é bombeada ao
lavador de lama de cal, onde se adiciona água para a lavagem por diluição com o
objetivo de se recuperar o máximo de soda (NaOH) possível antes da etapa de
calcinação. Esta lavagem pode ser feita em uma unidade de decantação, filtro
pressurizado ou filtro com pré-camada a vácuo dependendo das instalações de cada
fábrica.
O filtrado desta etapa é conhecido como licor branco fraco e é enviado ao tanque
dissolvedor de fundido na caldeira de recuperação como elemento de diluição.
Opcionalmente pode-se primeiramente enviar a lama de cal proveniente da
clarificação do licor branco a um ‘filtro recuperador de licor’, normalmente a vácuo
com pré-camada, onde parte do licor branco bruto é recuperado como licor branco
clarificado.
A lama de cal lavada é então bombeada ao misturador de lama e, posteriormente, a
um filtro a vácuo para lavagem final, desaguamento e alimentação ao forno de cal.
A química do processo é relativamente simples, ocorre em duas etapas e pode ser
representada da seguinte maneira:
CaO + H2O ↔ Ca(OH)2 + 270 kcal/kg CaO (20)
35
Ca(OH)2 + Na2CO3 + Na2S ↔ 2 NaOH + Na2S + CaCO3↓ (21)
O óxido de cálcio (CaO) reage primeiramente com a água para formar hidróxido de
cálcio Ca(OH)2, liberando uma considerável quantidade de calor. Essa reação é
conhecida como extinção de cal. O hidróxido de cálcio resultante reage então com o
carbonato de sódio do licor verde, gerando hidróxido de sódio e a lama de cal que se
precipita. Esta reação é a Caustificação propriamente dita.
Apesar das reações serem apresentadas como reações distintas e independentes, na
prática, há uma superposição das mesmas e a caustificação ocorre ao mesmo tempo
em que a extinção. Sendo as reações reversíveis, todo o carbonato de sódio não pode
ser transformado em hidróxido de sódio, qualquer que seja a quantidade de cal
adicionada. O grau de conversão atingido, denominado Eficiência da Caustificação,
é definido como a razão entre o peso do hidróxido de sódio final pela soma dos pesos
do hidróxido de sódio e do carbonato de sódio iniciais, conforme a equação 14.
Eficiência de caustificação = NaOH final / (NaOH + Na2CO3) inicial (22)
A eficiência de caustificação depende da concentração de álcali e da sulfididade do
licor branco conforme pode-se verificar através do Gráfico 5. Na prática procura-se
operar com eficiências de caustificação 5% abaixo do limite máximo estipulado no
Gráfico 5, com o objetivo de evitar a geração excessiva de lama de cal (CaCO3) no
extintor de cal.
Uma conversão máxima é desejável, pois o carbonato não convertido representa uma
carga inerte no sistema e necessidade adicional de soda cáustica. Por outro lado, o
uso de licor mais fraco para obter um maior grau de conversão significa um
incremento de custos na evaporação.
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Gráfico 5 - Eficiência de caustificação x álcali total titulável.
Fonte : Sanchez (2002)
A explicação de menor eficiência na caustificação com um licor mais concentrado é
que o hidróxido de sódio na solução reduz progressivamente a solubilidade do
hidróxido de cálcio, até que não existam mais íons cálcio presentes que sejam
suficientes para exceder o limite de solubilidade do carbonato de cálcio.
Um exame rigoroso de todas as variáveis que afetam a concentração ótima do licor
branco é um estudo muito complexo, mas os efeitos das diferentes concentrações de
licor sobre a caustificação são facilmente avaliadas.
2.4.3- Calcinação
A calcinação é basicamente o processo de conversão da lama de cal em cal
requeimada. Esta reação processa-se a elevadas temperaturas, acima de 800 °C, em
37
fornos rotativos, que funcionam como reatores e como dispositivo para transferência
de calor. Os fornos são equipamentos de grandes dimensões, com comprimentos que
podem chegar a mais de 150 m e 5 m de diâmetro.
O processo compreende a filtragem da lama de cal, devidamente lavada, com o
objetivo de se atingir elevados teores de sólidos, geralmente acima de 70%. A lama
de cal filtrada é então encaminhada ao forno de cal com o objetivo de ser calcinada
dando origem novamente a cal.
A cal produzida possui impurezas e material não calcinado que podem chegar até
12% da massa total. Este fato dá origem ao conceito de cal útil, que é o produto total
da calcinação menos a carga de inertes.
A conversão da lama de cal em cal requeimada é um importante passo para a
produção do licor branco de cozimento no processo kraft e normalmente fornece
mais de 95% das necessidades de cal da fábrica. O make up pode ser realizado
através da compra de cal ou através da calcinação de calcário. Neste último caso tem-
se a desvantagem de se necessitar utilizar capacidade do forno. Normalmente os
fornos utilizam óleo ou gás como combustível, sendo que em algumas instalações, os
gases não condensáveis provenientes da evaporação e outros gases, como H2, são
utilizados como combustíveis.
Do ponto de vista químico, pode-se dividir forno de cal em quatro regiões: secagem
da lama de cal, aquecimento, calcinação propriamente dita e resfriamento.
A secagem da lama pode ser realizada em secadores de lama, que são equipamentos
acessórios aos fornos e aproveitam o calor residual dos gases da combustão ou no
interior do próprio forno, logo nos primeiros metros. A lama é aquecida em
contracorrente com os gases da combustão e com a energia armazenada em correntes
instaladas em seu interior. Os secadores de lama conferem maior eficiência
energética ao processo.
38
A segunda etapa consiste no aquecimento da lama de cal até a temperatura de
calcinação, quando se inicia a terceira etapa com a conversão do carbonato de cálcio
em óxido de cálcio.
Na descarga do forno existe um dispositivo que realiza o resfriamento da cal
utilizando ar de combustão em contracorrente com o fluxo de produção do forno.
Este processo pode ser representado pelo Gráfico 6.
Gráfico 6 - Perfil de temperaturas do forno x posição
Fonte: Green e Hough (1992).
Do ponto de vista químico a reação é bastante simples, sendo representada por:
CaCO3 + Calor → CaO + CO2 (23)
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Pela reação (23) verifica-se que a calcinação também produz dióxido de carbono que
é descartado na atmosfera juntamente com os gases de combustão.
Os gases da combustão do forno de cal devem ser tratados por algum dispositivo de
retenção de material particulado antes do lançamento na atmosfera. Os limites
máximos permitidos de emissão de material particulado variam de país para país, de
estado para estado, de cidade para cidade e tendem a ser mais rígidos quão mais
próxima a fábrica está de um agrupamento populacional.
Uma visão geral do ciclo de recuperação química kraft será muito importante para se
entender as modificações impostas pela utilização do borato de sódio como agente de
autocaustificação.
40
BIBLIOGRAFIA ADAMS, T. N. et al. Kraft recovery boilers. Atlanta: TAPPI Press, [199-?]. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – referências – elaboração. Rio de Janeiro, ago 2002. ______. NBR 10520: Informação e documentação – apresentação de citações em documentos. Rio de Janeiro, jul 2001. CARDOSO, M. Unidade de recuperação (licor Negro, evaporadores e caldeira de recuperação) In: Curso de especialização em tecnologia de celulose, 2001, Belo Oriente. Apostila... Viçosa: UFV, 2001. FOGELHOHM, C. J.; GULLICBSEN, J. Papermaking and science technology – Book 6B – Chemical pulping. 1. ed. Helsink: Fapet Oy, 2000. GRACE, T. M. A review of char bed combustion. In: INTERNATIONAL CHEMICAL RECOVERY CONFERENCE, 2001, Whistler. Anais... Atlanta: TAPPI, 2001. 1 CD-ROM. GREEN, R. P.; HOUGH, R. Chemical recovery in the alkaline pulping processes. 3. ed. Atlanta: TAPPI Press, 1992. HUPA, M.; FREDERICK, W. J. Combustion of black liquor droplets. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002. HUPA, M. Recovery boiler chemical principles. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002. SANCHEZ, D. R. Recausticizing – principles and practice. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002. TRAN, H. Recovery boiler fireside deposits and plugging prevention. In: Curso de recuperação de produtos químicos, 2002, São Paulo. Apostila... São Paulo: TAPPI, 2002a.