115
INTRODUÇÃO ÀS CIENCIAS SOCIAIS Luiz Fernando de Souza Santos Arnóbio Alves Bezerra

APOSTILA DE CIENCIAS POLÍTICA

Embed Size (px)

Citation preview

INTRODUÇÃO ÀS CIENCIAS SOCIAIS

Luiz Fernando de Souza Santos

Arnóbio Alves Bezerra

SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................2

Capítulo I.....................................................................................................4

Capítulo II..................................................................................................14

Capítulo III.................................................................................................21

Capítulo IV................................................................................................24

Capítulo V.................................................................................................33

Capítulo VI................................................................................................48

Capítulo VII...............................................................................................58

Referências Bibliográficas........................................................................63

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo apresentar os principais elementos

que caracterizam as ciências sociais e que as diferenciam de outros campos

científicos tais como a biologia e a física. Enquanto estes últimos têm um

conjunto de conceitos, métodos e técnicas de pesquisa que determinam

procedimentos em grande parte homogêneos de seus pesquisadores, as

ciências sociais formam um conjunto múltiplo, heterogêneo, de perspectivas

epistemológicas e de fundamentos teóricos e metodológicos.

O objeto mesmo das ciências sociais se apresenta diverso: Antropologia,

Ciência Política, Sociologia, História e Ciências Econômicas não lidam com os

mesmos objetos de estudos e o lugar epistemológico a partir do qual os

especialistas de cada um desses campos avançam seus trabalhos de

investigação são diversos e correspondem a escolas variadas de pesquisa.

Positivismo, fenomenologia e dialética sintetizam em grande parte a referida

diversidade.

Ao longo das aulas que virão mergulharemos neste universo múltiplo das

ciências sociais através de alguns autores clássicos que lançaram os

fundamentos deste conjunto científico. Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl

Marx e Max Weber serão esses autores a serem aqui analisados. As razões

para tal opção residem no fato de que os mesmos, incontestavelmente,

contribuíram de forma decisiva na fundação das ciências sociais.

Através desses autores veremos como as ciências sociais tomam como

objeto de seus estudos as sociedades modernas. Será então possível determo-

nos nos eventos mais dramáticos da vida moderna. A industrialização,

urbanização, relações capitalistas de produção, crises de moralidade, anomia,

patologia, lutas de classes, racionalização e desencantamento estão entre

estes eventos.

Para uma aproximação crítica de nossa contemporaneidade, refletiremos

sobre os processos de transformação das últimas décadas do século XX e que

lançaram as sociedades na experiência da globalização. Mundialização dos

mercados, do sistema financeiro, da cultura, as tensões entre o global e o local,

a formação de uma sociedade civil planetária estarão no horizonte de nossas

reflexões.

AS CIENCIAS SOCIAIS E A SOCIOLOGIA

O estudo e compreensão das Ciências Sociais remete-nos,

primeiramente, a necessidade de definição do termo Ciência. O que significa o

termo Ciência? Embora seja parte do cotidiano o uso do termo implica em

reconhecer que existe uma forma especifica de conhecimento do mundo e da

realidade que está além do senso comum, do cotidiano, do dia-a-dia. A

Ciência, ou melhor, uma Ciência “representa uma nova maneira de ‘ler’ o real,

diferente da do senso comum. Implica um outro código de leitura; implica,

portanto, a construção de outros ‘objetos’ que não o que nos servem para ‘ler’ o

real do dia-a-dia” 1.

Segundo Dahrendorf, “geralmente pouco nos incomoda o fato de que a

mesa, o assado e o vinho do cientista natural se distinguem paradoxalmente da

mesa, do assado e do vinho da nossa vida diária. Ao pretendermos largar um

copo ou escrever uma carta, uma mesa oferece-se-nos como uma base

adequada. É lisa, compacta e plana; e nem mesmo nos incomoda a afirmação

do físico de que, na realidade, uma mesa não é de forma alguma uma colméia

compacta de átomos. Do mesmo modo, um químico não consegue estragar o

nosso apetite decompondo o assado e o vinho em elementos que, como tais,

dificilmente seríamos tentados a ingerir. Enquanto não encaramos em

perspectiva filosófica o paradoxo entre o científico e o comum, resolvemos o

problema de uma maneira simplista. Fazemos de conta que a mesa do físico e

a nossa mesa são coisas distintas, não havendo qualquer relação significativa

entre ambas. Enquanto, por um lado, estamos dispostos a concordar com o

físico em que sua mesa é um objeto altamente significativo e precioso, por

outro lado estamos plenamente satisfeitos com a nossa mesa, exatamente por

1 NUNES, A. Sedas. Questões Preliminares sobre as Ciências Sociais. Lisboa, Editorial Presença, Ltda.1977

não se tratar de uma colméia de partes movediças”2 Como percebemos, a

mesa é o objeto real, e ao mesmo tempo, um objeto conceitual que

pressupõem dois códigos de leitura do real diversos um do outro: o código do

senso comum e o código da Ciência Física.

O teólogo brasileiro e Doutor em Filosofia, Rubem Alves, em seu livro

Filosofia da Ciência, considera o senso comum como sendo aquilo que não é

ciência. De outra maneira, seria dizer que a palha-de-aço na antena da TV não

é algo científico, mas sim um “eu acho que funciona” para o dia-a-dia das

pessoas. Mas existe uma lógica em pôr a palha-de-aço na antena. As pessoas

só não sabem qual é. E é por esse motivo, também, que Rubem Alves diz que

a ciência, na verdade, é um refinamento, ou melhoramento, do senso comum.

O senso comum e a ciência nos dão respostas, ou inventam soluções práticas

para nossos problemas. A diferença é que a ciência é um conhecimento mais

elaborado sobre um objeto teórico próprio suscitado por uma necessidade

social de conhecimento de uma parte do real concreto.

Um exemplo simples, citado por Sedas (1977), ilustra bem a questão:

“Qual é o objeto sobre que se debruçam para estudar, o professor, os

assistentes e os alunos de uma disciplina de Teoria Econômica? É o real

concreto? Evidentemente que não. É todo um sistema de conceitos e de

relações conceituais: circuito econômico, produto, despesa, rendimento,

procura, oferta, mercado, estrutura de mercado, concorrência perfeita,

monopólio, poder econômico, repartição funcional, consumo, investimento,

capital, trabalho etc., Precisamente porque os economistas já produziram todo

este conjunto sistemático de conceitos próprios, claramente definidos e inter-

relacionados no interior de um sistema teórico, é que nos é lícito afirmar que a

Ciência Econômica existe. Ela possui, na verdade, um objeto cientifico

2 DAHRENDORF, Ralf. Homo Sociologicus, Rio de Janeiro, Ed. Tempo Brasileiro, 1969, PP. 35-36.

específico, que é exatamente formado e configurado por todos os conceitos

que forjou e por todas as relações conceituais que entre eles estabeleceu.”3

Os conceitos que constroem, portanto, o objeto científico da teoria

econômica são abstratos e formais e constituindo, desse modo, outro código de

leitura do real, diferente do senso comum; um código de leitura que resulta de

rigorosas exigências metodológicas e por isso oferece a confiabilidade de nos

proporcionar um conhecimento do real concreto. Este conhecimento do real

concreto constitui o objeto teórico sobre o qual nas salas de aula os alunos e

professores de teoria econômica irão estudar. Dessa forma quando no dia-a-

dia convivemos com a realidade da vida econômica, esta parece distante da

teoria, no entanto não se tratam de realidades distintas, mas complementares.

Teoria e real-concreto são partes integrantes da vida e, portanto, da condição

humana. Não do humano enquanto ser individual, mas dos homens em

interdependência e os homens em interdependência formam a sociedade.

A sociedade é, portanto, o objeto das ciências sociais. Esta afirmação

pressupõe a definição de sociedade. O que é realmente sociedade? Quando

no senso comum falamos de sociedade a imagem mais corriqueira é a de

seres humanos ( homens ) em interdependência. Segundo Galliano, a “noção

de interdependência refere-se ao fato básico de que os homens não vivem

isolados, mas juntos; à formação de agrupamentos estáveis onde se dá o

encontro do homem com outro homem; ao estabelecimento de relações de

cooperação, luta e domínio entre os homens no interior desses agrupamentos;

e ao desenvolvimento ou destruição das culturas humanas que decorrem de

tais relações” 4. Dessa forma, portanto, definiremos a sociedade como homens

(seres humanos) em interdependência; a interdependência dos homens; assim,

é o objeto das ciências sociais, sendo a sociologia, entre estas, a mais

3 NUNES, A. Sedas. Questões Preliminares sobre as Ciências Sociais. Lisboa, Editorial Presença, Ltda.1977pp. 37-38.4 GALLIANO, A.G. Introdução à Sociologia. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1981 p.5

abrangente mas não a mais importante pois todas são fundamentais para

compreensão da sociedade, da vida social ou da interdependência humana.

Como estabelecer as diferenças entre as ciências sociais, se todas têm o

mesmo objeto? Quais os limites entre as mesmas?

Primeiramente, faz-se necessário estabelecer os limites entre as Ciências

Sociais e outras ciências que estudam os homens como indivíduos ou como

conjunto de indivíduos sem nenhuma preocupação quanto sua

interdependência. A Anatomia e a Fisiologia humana estudam a estrutura e o

funcionamento dos seres humanos que se repetem em todos os homens. A

Psicologia (exceto o ramo híbrido denominado Psicologia Social) estuda os

processos mentais que se passam na mente dos indivíduos, dizendo-nos de

que maneira um ser humano vê, ouve, sente, reage a sensações etc..

As Ciências Sociais e principalmente a Sociologia, não se interessa pela

estrutura do corpo humano, pelo funcionamento dos seus órgãos, nem por

seus processos mentais: interessa-se pelo que acontece quando o homem

encontra o homem; quando seres humanos formam grupos ou massas; quando

cooperam, lutam, dominam, persuadem, imitam-se, desenvolvem ou destroem

culturas. A unidade base do estudo das ciências sociais e da Sociologia nunca

é um individuo, mas sempre, no mínimo, dois indivíduos de alguma forma

relacionados entre si.

Embora a Sociologia seja mais abrangente das Ciências Sociais, a

complexidade dos processos, estruturas e instituições que constituem a

sociedade demandam o estudo de outras disciplinas, tais como a Filosofia

Social, História, Ciência Política, as Ciências Sociais concretas, como a

Economia, Administração e a Etnologia. É necessário, assim, estabelecer entre

estas disciplinas, já que todas têm o mesmo objeto de estudo.

A Filosofia Social é herança grega, se desenvolveu na Era do Iluminismo,

no século XVIII e, portanto, é uma disciplina mais velha que a Sociologia. A

diferença entre a Sociologia e as demais Ciências Sociais refere-se aos graus

de abstração e procedimento. Ambas são tentativas de descrever e explicar a

realidade, ambas se baseiam na observação dos fatos e em generalizações

derivadas dessa observação, mas a semelhança termina aí pois a Sociologia é

fundamentalmente uma ciência empírica, onde as generalizações pertinentes a

um setor específico de investigações decorrem de fatos observados nesse

mesmo setor ou em setores estreitamente relacionados a ele. Tais

generalizações são formuladas desconsiderando um conhecimento no nível

mais alto da abstração relativas a realidade como um todo. Se uma

investigação sociológica realizada em determinado município de um Estado,

por exemplo, Amazonas sobre sua estrutura econômica e política, tirar

determinadas conclusões, estas serão consideradas válidas para o próprio

município investigado e outros semelhantes na mesma região. Em outras

pesquisas, realizadas em municípios diferentes, poderiam ampliar o campo das

generalizações estabelecidas. Mas a validade, em todo caso, seria sempre

limitada no tempo e no espaço.

Ao contrário, a Filosofia é antes de tudo uma tentativa de compreender a

realidade em sua totalidade. De uma variedade de fatos observados, a Filosofia

extrai certos princípios elementares que, tomados em conjunto, tentam explicar

a realidade como um todo. Dessa forma, enquanto a Sociologia procura

explicar a interdependência humana a partir dos fatos empiricamente

observados, limitados da vida social, o filósofo procura explicar essas

realidades parciais em conexão com sua interpretação da realidade global.

História é outra ciência social que procura compreender os homens em

interdependência, ou mais precisamente, nas passadas configurações dessa

interdependência. A História estuda o passado humano como uma seqüência

de acontecimentos, situações e processos concretos e únicos. O historiador

tenta reconstituir o passado com muitos detalhes empíricos, exatamente como

aconteceu. A História descreve a multidão de combinações concretas em que

os homens em interdependência se encontraram; a Sociologia analisa essas

variadas combinações em seus elementos básicos, relativamente poucos, e

formula as generalizações que lhes regulam a atuação. Enfim, o historiador

mostra o que há de variável, enquanto o sociólogo destaca o que há de

constante e reversível.

A Ciência Política pode ser considerada uma ciência social mais antiga

que a Sociologia. Com origens na Grécia, modificou-se e desenvolveu-se com

o Iluminismo, tendo, no século XX, desenvolvido um impulso fundamental na

aplicação dos métodos científicos para estudos empíricos da realidade social.

A Ciência Política estuda a interdependência humana referente aos à

obtenção, manutenção e perda do poder. O objeto da Ciência Política é,

portanto, o Poder enquanto ação dos homens sobre outros homens.

Por fim, devemos fazer distinção entre a Sociologia e as Ciências Sociais

concretas como a Administração, a Antropologia ou Antropologia Social e

Economia5. Todas estudam o homem em interdependência, não no plano

filosófico e sim no empírico. A Administração, enquanto ciência social empírica,

estuda a ação dos homens em interdependência referente ao planejamento,

organização, direção, controle das instituições econômicas e burocráticas

publicas e privadas que caracterizam o moderno mundo capitalista.

A Antropologia ou Antropologia Social nascida na perspectiva do estudo

da interdependência humana das chamadas “sociedades primitivas ou tribais” 5 Segundo MARCELLINO, N.C. A classificação das ciências sociais é bastante polemica, variando de acordo com os diferentes autores que incluem determinadas disciplinas em detrimento de outras.Alguns autores utilizam a terminologia de Ciências Sociais Aplicadas, incluindo, por exemplo, Serviço Social, Geografia, Direito etc. Seguindo nosso objetivo não vamos entrar no mérito dessa discussão.

desenvolveu-se no sentido de estender seu objeto de estudo a outros grupos

sociais, inclusive urbanos.

A Economia estuda os atos que visam à solução dos problemas materiais,

isto é, produção, distribuição, troca e consumo, preço e oferta, circulação de

dinheiro etc., ou seja, limita seu interesse a esse tipo de relações sociais que

são as relações econômicas, enquanto a Sociologia é mais abrangente.

Como já vimos anteriormente, a Sociologia é, entre as ciências sociais, a

mais abrangente, a ciência social unificadora. A Sociologia afirma-se, desde

sua origem, como a única ciência social que manteve sua relação com os

problemas da sociedade global. Diferentemente das demais ciências sociais

citadas anteriormente, a Sociologia não se especializou em um aspecto da vida

social, como as demais citadas anteriormente. Mas o que é realmente a

Sociologia? Como surge? Quais suas grandes contribuições para a

compreensão da vida social, enquanto interdependência humana?

A Sociologia é produto de um contexto histórico, econômico e cultural

específico que remonta à transição histórica do modo de produção feudal para

o capitalista. As mudanças que caracterizaram esse período com a

consolidação do sistema capitalista, culminando com a Revolução Industrial,

que ocorreu em meados do século XVIII, na Inglaterra, gerando grandes

alterações no estilo de vida das pessoas, sobretudo nas das que viviam no

campo ou do artesanato. Estes temas despertavam o interesse de críticos da

época.

Podemos dizer que o início do sistema capitalista se deu na chamada

Baixa Idade Média, entre os séculos IX e XV, na Europa Ocidental. A partir do

século XI, com as “cruzadas” realizadas pela Igreja Católica, para conquistar

Jerusalém que estava dominada pelos muçulmanos, um canal de circulação de

riquezas na Europa foi aberto. O contato cultural e o comércio do ocidente com

o oriente europeu foram retomados via Mar Mediterrâneo. Com a

movimentação de pessoas e riquezas houve, na Europa Ocidental, o

surgimento de núcleos urbanos, conhecidos por burgos. Destes, ressurgiram

as cidades, pois existiam poucas naquele tempo.

As chamadas corporações de ofício, que eram uma espécie de

associação que organizava as atividades artesanais para ter acordo entre os

preços de venda e qualidade do produto, por exemplo, começaram a aparecer

a fim de regular o trabalho dos artesões que vinham para as cidades exercer

sua profissão. Aqui vemos que a idéia do lucro se fortalecia.

O sistema feudal da Europa Ocidental estava sendo superado. Ele não

conseguiria suprir as necessidades dos novos mercados que se abriam. O

sistema capitalista, com base na propriedade privada e no lucro, isto é, na

acumulação de capital, estava sendo consolidado. A partir da Revolução

Industrial (século XVIII), as cidades da Europa Ocidental começavam a se

transformar em grandes centros urbanos comerciais e, posteriormente,

industriais. Muitas delas “inchadas” por desempregados. O estilo de vida das

pessoas estava se transformando – para alguns de forma violenta e radical –

como era o caso de muitos camponeses que eram expulsos pelos senhores

das terras que as cercavam para criar ovelhas e fornecer lã às fábricas de

tecidos. Já no caso dos artesãos, esses “perdiam” sua qualificação profissional

e o controle sobre o que produziam, ou seja, de profissionais, passavam a “não

ter profissão”, pois a indústria era quem ditava que tipo de profissional

precisava ser. Não importava se fossem grandes artesãos, só precisariam

aprender a operar a máquina da fábrica. Dessa maneira, como não tinham

capital para ter uma produção autônoma e competir com a fábrica, submetiam-

se ao trabalho assalariado.

A evolução da tecnologia mecânica necessitava cada vez mais de mão-

de-obra não qualificada pois os processos se tornavam cada vez mais

mecanizados.

E em meio a isto, duas classes sociais distintas emergiam: a composta

pelos empresários e banqueiros, chamada de classe burguesa e a classe

assalariada, ou proletária, cuja maior característica era ser detentora de uma

numerosa prole.

A classe burguesa é aquela que ao longo do tempo veio acumulando

capital com o comércio e que foram se fixando naqueles pontos estratégicos,

chamados burgos de onde se originaram as futuras cidades ou centros

urbanos. Esta classe, a burguesia, manteve sob seu domínio os meios de

produção, isto é, as ferramentas, os equipamentos fabris, o espaço da fábrica,

etc., bem como o poder político. Já a classe proletária, sem capital e

expropriada dos meios de produção por meio de sua expulsão dos feudos e

das terras comuns, tornava-se vendedora de sua forca de trabalho aos donos

das fábricas.

Compreender as características das sociedades capitalistas tem sido a

preocupação da Sociologia desde o início da sua consolidação como ciência da

sociedade no final do século XIX. Nesse período, o capitalismo se configurava

como uma nova forma de organização da sociedade caracterizada por novas

relações de trabalho. Essas mudanças levaram os pensadores da sociedade

da época a indagações e à elaboração de teorias explicativas dessa dinâmica

social, sob diferentes olhares e posicionamentos políticos. Desde então, essa

tem sido a principal preocupação dessa ciência, qual seja, entender, explicar e

questionar os mecanismos de produção, organização, domínio, controle e

poder, institucionalizados ou não, que resultam em relações sociais de maior

ou menor exploração ou igualdade. A tarefa a que se propuseram os filósofos

sociais e sociólogos foi analisar, compreender e propor soluções para “tratar”

da sociedade que se encontrava “doente”. Os fundadores foram: Auguste

Comte (1798-1857), Émile Durkheim (1858-1917), Max Weber (1864-1920),

Karl Marx (1818-1883).

Sociologia: ciência ou tecnologia?

Por mim se vai ao sofrimento eterno;Por mim se vai à perdida gente.

(...) Aqui é mister deixar toda suspeita; dar por morta toda tibieza. (Dante Alighieri, A Divina Comédia).

Até aqui buscou-se contextualizar a formação das ciências sociais a partir do

conjunto de transformações ocorridas com a formação do mundo moderno. Neste

capítulo o objetivo é proporcionar àqueles que iniciam sua aventura pelas ciências

sociais, especificamente pelo conhecimento sociológico, um breve conjunto de

informações que respondam às perguntas mais corriqueiras a respeito desta forma de

saber científico.

Mas, é a sociologia uma ciência? A resposta a esta questão pode provocar mais

confusões do que uma compreensão efetiva dos processos que envolvem a dinâmica

desta forma de saber. E por quê? Principalmente porque aquele que inicia sua

aventura pelos caminhos da reflexão científica traz uma carga de pré-noções,

produzidas nos bancos escolares, pela mídia, entre outras instituições, acerca do que

seja uma ciência e do fazer científico. E geralmente o que é identificado como ciência

não passa de um amontoado de técnicas aliada a uma linguagem erudita ancorada em

gráficos, tabelas, imagens de laboratório e outros recursos imagéticos.

Nestas circunstâncias, alguém que não tenha um trânsito pelo universo

acadêmico pode imaginar que para ser reconhecida como ciência a sociologia deva

reunir um conjunto de ferramentas que permitam um nível de manipulação, de

experimentos, do seu objeto tal qual observado em outras ciências, como a

engenharia genética, a ecologia, a física, a psicologia behaviorista, etc. Ora, nada

mais ingênuo do que achar que o fazer científico parte dos mesmos princípios

metodológicos e de que, portanto podemos antecipar o processo de investigação em

sociologia pelo “conhecimento” que temos do modo como as outras ciências

desenvolvem suas pesquisas. Em condições assim, as diferenças entre as ciências

seriam apenas em relação ao objeto, que, em última instância as definiriam.

Um exemplo pode ajudar a esclarecer estes equívocos em relação à sociologia.

Em uma ocasião, coordenando uma pesquisa sobre a violência urbana na cidade de

Manaus, mais especificamente estudando o fenômeno das gangues juvenis, uma

aluna que participou da pesquisa achou que bastava entrevistar determinados

informantes, aplicar um questionário, construir algumas tabelas e gráficos para estar

fazendo investigação sociológica. Não, em sociologia isto não é o bastante. A coleta

de informações feitas através de um conjunto de técnicas popularmente reconhecidas

como científicas pode resultar em um amontoado de informações que, efetivamente,

podem não dizer muita coisa.

A investigação sociológica é um processo complexo que envolve pressupostos

teóricos e metodológicos que determinarão o nível das informações a serem coletadas

e, portanto, as técnicas a serem empregadas para tal. Isso significa que as escolhas

que o pesquisador tem que fazer para definir o objeto e o modo pelo qual o investigará

estão relacionadas com um conjunto de alternativas bastante heterogêneas.

Prosseguindo nosso raciocínio com o auxílio do objeto acima mencionado -a

questão das gangues juvenis- pode-se observar que as opções teóricas feitas pelo

pesquisador podem levar à resultados completamente diferentes. Por exemplo, este

problema já foi analisado por meio de conceitos como o de normalidade. Através

dessa opção conceitual, o jovem pertencente a uma gangue de rua foi interpretado

segundo os níveis de desvio que teria em relação a uma conduta social definida como

normal. Por meio do conceito de classes sociais, a compreensão das condições de

existência desse mesmo jovem pode se dá através da análise da estrutura das

sociedades capitalistas modernas e dos níveis de distribuição desigual da riqueza

produzida.

Do exemplo em foco pode-se inferir que não compreenderemos, portanto a

sociologia se tentarmos o fazê-lo a partir das concepções vulgares do que seja a

ciência, ou a partir daquelas ciências que são privilegiadas pelas instituições

responsáveis pela manutenção do status quo vigente como sendo o correspondente “a

ciência”, e devem por isso ser divulgadas, disseminadas, financiadas.

A compreensão do que vem a ser a sociologia é obstaculizada também pelo fato

de que vivemos em um ambiente social e político marcado por uma concepção

utilitarista da existência. Dessa forma, nos aproximamos dos objetos e do

conhecimento perguntando pela utilidade dos mesmos. No caso do conhecimento

sociológico é comum encontramos entre aqueles que estão iniciando os estudos

nessa área e, mais ainda entre aqueles que, estão adentrando o ensino superior para

estudar administração, direito, serviço social, pedagogia, etc., o questionamento sobre

o uso da sociologia no seu campo de formação específica que, traduz-se na questão

para que serve a sociologia?

Cabe refletir sobre as implicações desta pergunta, do sentido que é dado por

quem elabora este tipo de questionamento; e para essa reflexão é necessário

compreendermos as bases da vida social a partir da qual os sujeitos elaboram suas

perguntas. E no caso das sociedades modernas a utilidade dos produtos da razão

constitui-se em fator importante, a partir do qual podemos falar a respeito de sua

importância, da sua validade. Importante, válidos, nesse ambiente são aqueles

instrumentos que podem servir para determinados fins. Aqui reside o problema pois,

quando perguntamos para que serve a sociologia? O sentido dado é o de um

instrumento que, assim como as ferramentas de um carpinteiro, tem sua utilidade

imediatamente compreendida. Quem assim pergunta, pensa a sociologia mais como

instrumento e menos, ou nada, como ciência.

Feitas estas observações iniciais o que significa dizer que a sociologia é uma

ciência? Como definir o conhecimento sociológico? O que faz “exatamente” o

sociólogo? Várias são as formas como estas perguntas foram respondidas por muitos

entre aqueles que tomaram a sociologia como seu métier, seu ofício.

Peter L. Berger (2002) assim reflete sobre o sociólogo e sua profissão: “é uma

pessoa que se ocupa de compreender a sociedade de uma maneira disciplinada. Essa

atividade tem uma natureza científica. Isto significa que aquilo que o sociólogo

descobre e afirma a respeito dos fenômenos sociais que estuda ocorre dentro de um

certo quadro de referências de limites rigorosos. Uma das principais características

desse quadro de referência científico está no fato de as operações obedecerem a

certas regras de verificação. Como cientista, o sociólogo tenta ser objetivo, controlar

suas preferências e preconceitos pessoais, perceber claramente ao invés de julgar

normativamente”.

Tomemos um exemplo para melhor compreensão das referências de Berger

sobre a pesquisa em sociologia, sobre como é a reflexão sociológica em ação.

Vejamos a questão da ocupação do solo urbano em Manaus. Seguindo uma dinâmica

presente nas grandes cidades do país, a política pública habitacional é bastante

deficitária, levando ao fenômeno da ocupação irregular de áreas urbanas. Quando isso

ocorre, a mídia, os representantes do poder público e setores das classes médias e

ricas, dizem que houve uma “invasão de terras” e aqueles que o fizeram são

chamados de “invasores”. Estes e lideranças de movimentos sociais, de pastorais

sociais ligadas à Igreja, dizem que estamos diante de uma “ocupação”, pois não se

trata de se opor pura e simplesmente à propriedade privada de outrem mas, trata-se

de fato, de ocupar um espaço que lhe é de direito, e que estão apenas fazendo valer

os preceitos constitucionais. Mas como compreender este fenômeno? Como invasão

ou como ocupação? De um ponto de vista da reflexão sociológica nenhuma das

alternativas são válidas.

“Invasão” e “ocupação” são termos produzidos no cotidiano das disputas

políticas e portanto são produtos ideológicos, que representam interesses divergentes

no que diz respeito à política de solo urbano; são construções do senso comum e

como tal, formas ambíguas, imprecisas, para uma interpretação científica deste

fenômeno social. Ao recorrermos a estes termos, na tentativa de explicar a realidade

social, não percebemos que a linguagem cotidiana por ser ambígua, comporta

diversos significados, expressam preconceitos os mais variados.

Para que a compreensão da realidade social se dê segundo a dinâmica da

investigação sociológica, faz-se necessário que o quadro de referências da análise

esteja ancorado nos marcos teóricos da Sociologia, o que exige a observação

criteriosa, fundada em regras científicas, e o uso de uma linguagem apropriada que

permita uma ruptura com as pré-noções presentes nos termos lingüísticos do

cotidiano. Vale ressaltar que estas observações não têm a intenção de atribuir um

valor de superioridade da reflexão sociológica em comparação com as reflexões

produzidas no âmbito dos discursos do cotidiano. Reconhece-se aqui que podemos

observar a realidade social a partir de diversos ângulos, que todos os segmentos da

vida social têm e podem querer dizer algo sobre os fenômenos sociais. A sociologia é,

neste contexto, uma forma muito específica de nos referirmos à vida social: é o ângulo

a partir do qual produzimos uma leitura científica.

Avancemos para uma outra forma de compreender a sociologia. Segundo

Florestan Fernandes (1976), a sociologia é uma espécie de “auto-consciência

científica da realidade social”, desempenhando a função de produzir na civilização

ocidental “uma compreensão racional da vida em sociedade e da posição do homem

no cosmo”. Portanto é uma forma explicativa que parte de bases completamente

distinta da interpretação teológica, metafísica, ideológica, etc.

Isso nos permite desfazer um outro equívoco muito comum: o de se entender

que a sociologia é uma disciplina que trabalha com pessoas e que, em função disso,

sua prática está diretamente ligada com fins humanitários. Muitos resolvem ingressar

na profissão de sociólogo acalentados por este engano. Berger faz o seguinte

contraponto à este equívoco: “ ‘trabalhar com pessoas’ pode significar retirá-las de

favelas ou metê-las na cadeia, bombardeá-las com propaganda ou extorquir-lhes

dinheiro (legal ou ilegalmente), levá-las a produzir melhores automóveis ou

transformá-las em melhores pilotos de bombardeiros. Como imagem do sociólogo,

portanto, a frase deixa algo a desejar, ainda que possa servir para descrever pelo

menos o impulso inicial que conduz certas pessoas ao estudo da sociologia”. A

sociologia não pode ser pois compreendida como o caminho por meio do qual um

sujeito altruísta possa “ajudar o próximo”, ou então promover a melhoria das condições

de vida social, defender os interesses de uma instituição econômica, religiosa, política,

etc. Os limites da explicação sociológica são bem delimitados: proporcionar uma

compreensão científica dos fenômenos sociais. O que fazer com esta explicação, que

intervenções práticas devem decorrer desta, já não cabem no horizonte da explanação

científica. É lógico que, como sujeitos políticos, aqueles que empreendem a

investigação sociológica podem pronunciar-se sobre as intervenções práticas, mas se

observarem a honestidade intelectual saberão reconhecer que não se explica a

natureza da pesquisa em sociologia por meio de fins altruísticos.

Uma imagem que, penso, proporciona uma idéia do fazer sociológico está num

conto de Edgar Alan Poe cujo título é O Diabo no Campanário. Resumidamente, trata

de um vilarejo com casas tão iguais que não é possível se distinguir uma da outra e

marcada por condutas padronizadas de seus habitantes. Tudo é sempre o mesmo,

garantido que está por três princípios básicos: é crime alterar o bom e antigo ritmo das

coisas, nada existe de tolerável fora dos limites da vila e, o juramente de fidelidade aos

relógios e costumes. Todos os dias reúnem-se em frente ao salão de reuniões para

ouvirem as doze badaladas do campanário, essencial para que se conduzam segundo

o padrão estabelecido. Certo dia, entretanto, um demônio conseguiu entrar no

campanário. Lá dentro, promoveu algo impensável: fez o campanário badalar treze

vezes! Quebrou os padrões vigentes, desarticulou a forma como os habitantes do

lugar até então representavam o mundo para si mesmos. Uma sensação de

desespero tomou conta de todos.

A sociologia cumpre um papel semelhante a este do diabo no campanário:

subverter as formas sólidas do aparecer social produzidas pelo saber religioso, pelos

hábitos e costumes, pelo senso comum ou pelos representantes da técnica. Ao

aproximar-se da realidade social demonstra que tais explicações não são suficientes

para que possamos produzir uma explicação racional. E ao proceder assim, a

explicação sociológica suspende as verdades já estabelecidas, demonstra a

fragilidade dos termos ambíguos e imprecisos da nossa linguagem cotidiana e exige

procedimentos teórico-metodológicos que garantam o rigor da explanação que se

propõe científica. Como ocorre com o diabo no campanário, muitos olharão com pavor,

rancor, para esta disciplina, e tentarão negá-la como forma válida de interpretação da

vida social moderna. Para estes, como forma de finalizar, recupero aqui o trecho da

letra de uma música de um dos poetas desse ambiente conturbado e caótico que é o

nosso tempo:

Do lado do cipreste branco

À esquerda da entrada do inferno

Está a fonte do esquecimento:

Vou mais além, não bebo dessa água

Chego ao lado da memória

Que tem água pura e fresca

E digo aos guardiões da entrada

- sou filho da terra e do céu

- dai-me de beber, que eu tenho uma sede sem fim

(Renato Russo)

Auguste Comte

Auguste Comte (1798-1857) criou o termo “Sociologia”, em 1839.

Primeiramente pretendia denominar a nova ciência de “Física social” por sua

intenção de vincular com as ciências exatas e naturais que já eram bem

desenvolvidas na época. A palavra Sociologia é uma composição híbrida latim

e grego. Logia, logos termo grego que significa “estudo” e socio que exprime a

idéia de social. Etimologicamente, portanto, Sociologia é o “estudo do social”

ou “estudo da sociedade”. Significa o estudo da sociedade em nível altamente

generalizado ou abstrato.

A contribuição de Comte é importante, mas ainda está vinculada a

perspectiva filosófica e finalista que propõe o estudo da sociedade de como

deveria ser, segundo alguns ideais religiosos, filosóficos ou políticos. Em seu

tratado denominado de Filosofia Positiva em 1839, Comte pretendeu elaborar

uma síntese da produção científica acumulada em termos de conhecimento

bem como os métodos das ciências já existentes, como os da matemática, da

física e da biologia. Seu objetivo era saber se os métodos utilizados nessas

ciências, que já haviam alcançado um status de “positivo”, poderiam ser

utilizados na Sociologia.

Comte estava vinculado à teoria positivista, o que quer dizer que

acreditava na superioridade da ciência e no seu poder de explicação dos

fenômenos de maneira desligada da religião, como era comum se pensar

naquela época. Como positivista, ele acreditava que a ciência deveria ser

utilizada para organizar a ordem social que se encontrava num caos

influenciada pela consolidação da indústria e a crise gerada por uma anarquia

moral e política em decorrência da transição do sistema feudal (baseado nas

atividades agrárias, na hierarquia, no patriarcalismo) para o sistema capitalista

(baseado na indústria, no comércio, na urbanização, na exploração do

trabalhador). Era essa positividade (instaurar a disciplina e a ordem) que ele

defendia para a Sociologia. Por esta perspectiva é que alguns analistas

vinculam Comte a corrente conservadora que não admite a mudança como

transformação social e defende um equilíbrio funcional entre ordem e

progresso.

Comte vislumbrava o mundo moderno que surgia e pensava que a

Sociologia poderia estudar e entender os problemas sociais que surgiam e

restabelecer a ordem social e o progresso da civilização moderna. Comte via a

consolidação do sistema capitalista como sendo algo necessário ao

desenvolvimento das sociedades, em detrimento dos problemas sociais ou

desordens que surgiam que eram considerados obstáculos que deveriam ser

resolvidos para que o curso do progresso pudesse continuar.

Portanto, a Sociologia se colocaria, na visão deste autor, como uma

ciência para solucionar a crise das sociedades daquela época. Mas Comte não

chegou a viabilizar a sua aplicação. Seu trabalho apenas iniciou uma discussão

que deveria ser continuada, a fim de que a Sociologia viesse a alcançar um

estágio de maturidade e aplicabilidade.

Émile Durkheim (1858-1917)

Na perspectiva de fazer da Sociologia uma ciência, numa visão

positivista, Émile Durkheim dá seqüência ao trabalho de Comte, no sentido de

oferecer à Sociologia uma reputação científica. É a partir desse pensador que

a Sociologia ganha um contorno mais “técnico”, conhecimento o que e como

ela iria buscar na sociedade. Com métodos próprios, a Sociologia deixou de ser

apenas uma idéia e ganhou “status” de ciência.

Durkheim nasceu em Epinal, Lorraine, na fronteira nordeste da Franca.

De ascendência judaica, é provável que seu nascimento, na região mais

nacionalista do país, e sua identificação com a minoria judaica, fortemente

coesa, tenham contribuído para interessá-lo no estudo da solidariedade do

grupo. Durkheim declarava que Comte era seu mestre, do qual tirou a ênfase

positivista sobre o empirismo e sobre a significação do grupo na determinação

da conduta humana.

Durkheim presenciou algumas das mais importantes criações da

sociedade moderna, como a invenção da eletricidade, do cinema, dos carros

de passeio, entre outros. No seu tempo, havia um certo otimismo causado por

essas invenções, mas Durkheim também percebia entraves nessa sociedade

moderna: eram os problemas de ordem social. E uma das suas primeiras

propostas fez foi recomendar regras de observação e de procedimentos de

investigação que fizessem com que a Sociologia fosse capaz de estudar os

acontecimentos sociais de maneira semelhante ao que faz a Biologia quando

estuda uma célula. A Biologia tem como seu objeto de estudo a vida em toda a

sua diversidade de manifestações. As pesquisas dos fenômenos da natureza

feitas pela Biologia são resultantes de várias observações e experimentações,

manipuláveis ou não.

Para a Sociologia, como já se deduz, manipular os acontecimentos

sociais, ou repeti-los, é muito difícil. Por exemplo, como poderíamos reproduzir

uma festa ou um movimento de greve “em laboratório” e sempre de igual

modo? Seria impossível. A Sociologia, portanto, seria a ciência da vida social

em toda a diversidade de manifestações. A realidade social se concretiza no

grupo e não no individuo. Durkheim opunha-se ao individualismo e sustentava

que os fatos sociais são irredutíveis aos fatos individuais. Mas o que é então

um fato social? Segundo Durkheim, no primeiro capítulo do seu livro As Regras

do Método Sociológico, explica que: “E um fato social toda maneira de agir, fixa

ou não, capaz de exercer sobre o individuo uma coerção exterior, ou ainda; que

é geral no conjunto de uma sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência

própria, independente das manifestações individuais) “(1978, p. 93).

Dessa forma, se entende, conforme Durkheim que existem alguns fatos

na vida social inexplicáveis pela analise física ou psicológica. Essas realidades

são os fatos sociais que constituem o estudo apropriado da Sociologia. Fatos

como crimes, os suicídios, a família, a escola, as leis – poderiam ser

observados como coisas (objetos), pois são fenômenos que se enraízam nos

aspectos coletivos das crenças e práticas de um grupo, são as representações

coletivas. E como identificar os fatos sociais? Durkheim apresenta as

seguintes características:

Exteriores aos indivíduos ou à consciência individual, independentes da

vontade individual

Coercitivos possuem a capacidade de coerção sobre os indivíduos, como

se os indivíduos fossem “obrigados” a acompanhar o comportamento do

grupo’.

Gerais e independentes pois acontece numa da sociedade e independem

de expressões individuais. O fenômeno , portanto, é comum a todos os

membros do grupo.

Para entender melhor, veja o exemplo de um fato social: o casamento.

As pessoas pensam, em um dia, se casar. Salvo algumas exceções, pois

não pensamos todos da mesma forma, certo? Mas se fizermos uma pesquisa,

veremos que a grande maioria das pessoas deseja se unir a alguém. Então

podemos dizer que o casamento é um fato coletivo ou geral, pois existe pela

vontade da maioria de um grupo ou de uma sociedade. Mas ainda que alguém

não queira se casar, a grande maioria das pessoas vai continuar querendo, não

é mesmo? Isso significa que o fato social “casamento” é exterior ao indivíduo.

O que quer dizer que ele se constitui não como resultado das intenções

particulares dos indivíduos, mas como resposta às necessidades ou influências

do grupo, da comunidade ou da sociedade. Outra coisa. Não é verdade que os

mais velhos ficam-nos “incentivando” a casar? “Não vá ficar pra titia, heim!”,

“Onde já se viu! Todo mundo, um dia, tem que se casar!”. Com certeza você já

ouviu alguém dizendo isso. Pois é. Esses dizeres nos levam a crer que o

casamento também é coercitivo, pois nos vemos “obrigados” a fazer as

mesmas coisas que fazem os demais membros do grupo ou da sociedade a

que pertencemos. Todo fato que reúna essas três características

(generalização, exterioridade e coerção) é denominado social, segundo

Durkheim, e pode ser estudado pela Sociologia. Quanto ao casamento,

poderíamos estudar e descobrir, por exemplo, quais fatores influem na decisão

das pessoas em se casarem e se divorciarem para depois se casarem

novamente.

Essas regras são da mesma maneira aplicadas ao trabalho, à escola, à

moda, aos costumes do nosso povo, à língua, etc.

A Sociologia deve procurar a objetividade na perspectiva de que para

Durkheim, a sociedade só pode ser entendida pela própria sociedade. As

ações das pessoas não acontecem por acaso. A sociedade as influencia. O

sociólogo ao estudar a sociedade deverá focar os fatos observando os

fenômenos externos que são imediatamente visíveis tais como filiação

religiosa, estado civil, média de suicídios, ocupação econômica e outros. Uma

análise mais profunda vai demonstrar que esses fenômenos são reflexos de

condições sociais mais fundamentais. Assim, por exemplo, as médias de

suicídio podem refletir o grau de solidariedade social em vários tipos de grupos.

E o que é o suicídio? Um ato individual? Uma loucura? O que leva uma pessoa

a se suicidar?.

Durkheim utilizou sua teoria para explicar, por exemplo, o suicídio. O que

aparentemente seria um ato individual, para ele, estava ligado com aquilo que

ocorria na sociedade, ou seja é um fato social. Esse sociólogo, como já vimos

anteriormente, compreende a sociedade como um corpo organizado. Assim

como a Biologia que compreende o corpo humano e todas suas partes em

pleno funcionamento. O médico Joaquim Monte, em seu livro “Promoção da

qualidade de vida” (1997) considera o corpo humano como sendo um

“organismo vivo concebido sob forma de uma estrutura que apresenta

constituição e função (um conjunto organizado de elementos bióticos de

anatomia e fisiologia). A estrutura do corpo humano representa a dimensão

orgânica da pessoa: a carne da qual somos constituídos (matéria orgânica com

suas características constitucionais e suas propriedades funcionais) e que tem

a potencialidade de reproduzir, nascer, maturar, crescer, desenvolver, agir,

adaptar, adoecer, sarar e morrer” (p. 257).

É de maneira semelhante que Durkheim entende a sociedade: com suas

partes em operação e cumprindo suas funções. E, caso a família, a igreja, o

Estado, a escola, o trabalho, os partidos políticos, etc., que são elementos da

sociedade com funções específicas, venham a falhar no cumprimento delas,

surge no corpo da sociedade aquilo que Durkheim chamou de anomia, ou seja,

uma patologia. Assim, como no corpo humano, se algo não funcionar bem, em

“ordem”, significa que está doente. Estes fatores coletivos influenciam

diretamente as ações individuais, por exemplo, andar em “desconformidade”

com o que seria tido como ideal na sociedade pode ser fator altamente propício

ao suicídio no Japão. Não ser aprovado no vestibular ou se endividar podem

ser exemplos de ”desconformidade” nessa sociedade.

Em suas pesquisas, a propósito desse tema, Durkheim verificou que

existem três categorias de suicídios:

Suicídio Altruísta: ocorre quando um indivíduo valoriza a sociedade mais

do que a ele mesmo, ou seja, os laços que o unem à sociedade são muito

fortes. Deixe-me lembrar você do ocorrido em 11 de Setembro de 2001.

Homens, em atos aparentemente “loucos”, pilotavam aviões que se chocaram

contra o World Trade Center em Nova York, lembra? Para Durkheim, os

agentes dessa aparente “loucura” poderiam ser classificados como suicidas

altruístas, pois se identificavam de tal forma como o grupo Al Qaeda, ao qual

pertenciam, que se dispuseram a morrer por ele. Da mesma maneira

aconteceu com os kamikases japoneses durante a 2º Guerra Mundial (1939-

1945) e que, de certa forma, continua acontecendo com os “homens-bomba”

de hoje. Se você assistir ao filme “O Patriota”, com Mel Gibson, poderá ver um

exemplo de alguém que se dispôs a morrer por uma causa que acreditava em

relação ao seu país, no caso, a Inglaterra.

Suicídio Egoísta: se alguém se desvinculasse das instituições sociais

(família, igreja, escola, partido político, etc.) por conta própria, para viver de

maneira livre, sem regras, qual seria o limite para essa pessoa, uma vez que

ninguém a controlaria? Pois é, segundo Durkheim, a falta de redes de convívio

ou limites para a ação poderia levar a pessoa a desejar ilimitadas coisas. Mas

caso tal pessoa não consiga realizar os seus desejos, a frustração poderia

levá-la a um suicídio.

Suicídio Anômico: este tipo pode acontecer quando as partes do corpo

social deixam de funcionar e as normas ou laços que poderiam

“abraçar”(solidarizar) os indivíduos perdem sua eficácia, deixando-os viver de

forma desregrada ou em crise. Um exemplo disso pode ser pensado quando,

na nossa sociedade, uma família abandona o filho, ou o idoso, ou o doente.

Parece cada vez mais claro a predominância do social sobre o individual,

na perspectiva de Durkheim. Isto leva ao conceito de consciência coletiva que

é um dos princípios básicos da integração social, pois onde essa consciência

exerce um papel preponderante, a sociedade se apresenta como um conjunto

mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os

membros do grupo. É, dessa forma, a semelhança de crenças e sentimentos o

que mantém os indivíduos unidos nesse tipo de sociedade; todos exercem as

mesmas atividades, seguem os mesmos costumes, cultuam os mesmos

deuses. A evolução da humanidade mudando a consciência coletiva vai

proporcionar o aparecimento de sociedade cuja integração se dá, ao contrario,

pela distinção. Estes princípios vão gerar dois tipos de sociedade, segundo o

principio em que se organizam: Solidariedade mecânica e Solidariedade

orgânica.

As sociedades organizadas sob a forma de solidariedade mecânica são

aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais. Segundo Durkheim, essas

sociedades, são regidas pela semelhança e, geralmente, ligados por crenças e

sentimentos comuns, ou seja, a consciência coletiva é bem forte. Neste tipo de

sociedade existiria pouco espaço para individualidades, pois qualquer tentativa

de atitude “individualista” seria percebida e corrigida pelos demais membros.

A organização de algumas aldeias indígenas poderiam servir de exemplo

de como se dá a solidariedade mecânica: grupos de pessoas vivendo e

trabalhando semelhantemente, ligados por suas crenças e valores. Nesses

grupos, se alguém começasse a agir por conta própria, seria fácil perceber

quem estaria “tumultuando” o modo de vida local. Outro exemplo que pode

caracterizar a solidariedade mecânica são os mutirões para colheita em regiões

agrárias ou para reconstruir casas devastadas por vendavais e, ainda, são

exemplos também as campanhas para coletar alimentos.

Diferentemente das sociedades organizadas em solidariedade mecânica,

nas sociedades de solidariedade orgânica – típicas do mundo moderno –

predomina a divisão do trabalho, que supõe a diferenciação e a

complementaridade de funções como forma de cooperação Por isso, o nome

de orgânica (como se fosse um organismo).

A diferença entre as duas é que enquanto a solidariedade mecânica é a

integração social baseada nas semelhanças, a solidariedade orgânica é a

integração realizada a partir da diferenciação entre indivíduos e grupos no

interior da sociedade.

Durkheim foi fundamental para a afirmação da Sociologia com ciência

social. Contribuiu decisivamente e positivamente para a teoria e o método

sociológico. Difundiu a importância social e cultural da divisão da solidariedade

social e demonstrou convincentemente que os fatos sociais são fatos sui

generis .

LEITURA COMPLMENTAR

Texto 01

Insistimos várias vezes, ao longo deste livro, sobre o estado de anomia

jurídica e moral em que encontra atualmente a vida econômica. De fato, nessa

ordem de funções, a moral profissional só existe em estado rudimentar. Há

uma moral profissional do advogado e do magistrado, do soldado e do

professor, do médico e do padre, etc. Mas se procurássemos estabelecer

numa linguagem um pouco definida as idéias em curso sobre o que devem ser

as relações entre o empregador e o empregado, entre o operário e o

empresário, entre os industriais que concorrem um com o outro ou com o

público, que fórmulas indecisas obteríamos! Algumas generalidades

imprecisas sobre a fidelidade e a devoção que os assalariados de toda sorte

devem aos que os empregam, sobre a moderação com a qual estes últimos

devem usar de sua preponderância econômica, uma certa reprovação de toda

concorrência por demais abertamente desleal, de toda exploração demasiado

gritante do consumidor, é quase tudo o que contém, a consciência moral

dessas profissões. (...) Uma moral tão imprecisa e tão inconsistente não seria

capaz de constituir uma disciplina. Daí resulta que toda essa esfera da vida

coletiva é, em grande parte, subtraída à ação moderadora da regra.

É a esse estado de anomia que devem ser atribuídos, como

mostraremos, os conflitos incessantemente renascentes e as desordens de

todo tipo de que o mundo econômico nos dá o triste espetáculo. Porque, como

nada contém as forças em presença e não lhes atribui limites que sejam

obrigados a respeitar, elas tendem a se desenvolver sem termos e acabam se

entrechocando, para se reprimirem e se reduzirem mutuamente. Sem dúvida,

as mais intensas acabam conseguindo esmagar as mais fracas, ou submetê-

las (...).

Mas o que proporciona, particularmente nos dias de hoje, excepcional

gravidade a esse estado é o desenvolvimento, até então desconhecidos, que

as funções econômicas adquiriram nos últimos dois séculos,

aproximadamente. Enquanto, outrora, desempenhavam apenas um papel

secundário, hoje estão em primeiro plano. Estamos longe do tempo em que

eram desdenhosamente abandonadas às classe inferiores. Diante delas,

vemos as funções militares, administrativas, religiosas recuarem cada vez

mais. Somente as funções científicas estão em condições de disputar-lhes o

lugar – e, ainda assim, a ciência atualmente só tem prestígio na medida em

que pode servir à prática, isto é, em grande parte, às profissões econômicas

(...).

Uma forma de atividade que tomou tal lugar na vida social não pode,

evidentemente, tão desregulamentada, sem que disso resulte as mais

profundas perturbações. É, em particular uma fonte de desmoralização geral.

Pois, precisamente porque as funções econômicas absorvem hoje o maior

número de cidadãos, há uma multidão de indivíduos cuja vida transcorre

quase toda no meio industrial e comercial; a decorrência disso é que, como tal

meio é pouco marcado pela moralidade, a maior parte de sua existência

transcorre fora de toda e qualquer ação moral.

DURKHEIM, E. Prefácio da segunda edição de

Da Divisão do Trabalho Social.

A sociologia de Karl Marx

Manuais de introdução à sociologia produzidos no Brasil têm enfatizado

que esse campo de conhecimento se distingue das ciências naturais, num

plano epistemológico e metodológico, em razão da multiplicidade de

tendências, escolas, abordagens teóricas e formas de interpretação da vida

social. Três polarizações podem ser identificadas como síntese dessa

diversidade de tendências, a saber: o positivismo, a fenomenologia e a

dialética, cujas principais referências clássicas são, respectivamente, Émile

Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Neste item abordar-se-á o último.

1. Questão metodológica ou ontológica?

Com o objetivo de apresentar, num esforço de síntese, a teoria

sociológica de Karl Marx, os manuais de sociologia tem se referido a dialética

como um método, o que leva o estudante que inicia seus primeiros voos nessa

ciência social a achar que as distinções existentes em tendências e escolas

implicam em uma tomada de posição metodológica, que por sua vez, possibilita

chegar a um resultado ou outro, dependendo das opções que tomar.

Porém, a dialética em Marx não diz respeito a uma questão de método.

Trata-se, fundamentalmente de uma ontologia. Isso significa dizer que, a

abordagem dialética da vida social não decorre de uma opção metodológica,

mas da natureza propriamente contraditória do real.

É o real que é dialético, contraditório, conflituoso. A abordagem marxiana

é dialética porque expõe descritivamente o real tal qual ele de fato é.

Diante das contradições do real, segundo Michel Lowy (1978), Marx

assume uma interpretação numa perspectiva de classe. Desse modo, expôs o

caráter burguês das análises desenvolvidas pela economia clássica e afirmou o

ponto de vista proletário de seu pensamento. Seu método não é “neutro” como

se propunham a serem as ciências físico-naturais e o positivismo. É

fundamentalmente crítico e revolucionário.

2. Raízes do pensamento de Marx

Marx tem como fonte principal de seu pensamento, conforme Florestan

Fernandes, a filosofia clássica alemã, particularmente o confronto com as

reflexões desenvolvidas por Hegel e Feuerbach (1976), o movimento que

promove de transição de um para o outro e a superação de ambos. Tal

formação completa-se com o debate que estabelece com a economia clássica

e a economia vulgar.

Para dar conta das influências de Hegel no pensamento de Marx, vale

observar três considerações que Raymond Aron (2005) fez:

a) O jovem Marx inevitavelmente leu e estudou Hegel à época que

iniciou seus estudos na universidade, uma vez que, nesse ambiente a filosofia

alemã era Hegel. Entre 1837 e 1847, o pensamento marxiano se situa em

relação à filosofia hegeliana. Desse modo, obras como Manuscritos

Econômicos-Filosóficos, artigos publicados na gazeta Renana, sua tese de

doutoramento sobre Demócrito e Epicuro, a Questão Judaica e a Crítica da

Filosofia do Direito de Hegel, estão atravessados pela linguagem hegeliana e

pelos problemas postos por essa filosofia.

b) Marx não foi discípulo de Hegel e nem foi hegeliano. Todavia,

Hegel era o filósofo central e é discutindo com sua matriz filosófica que o jovem

Marx formou seu pensamento.

c) Há uma questão filosófica fundamental: a da “inversão da

dialética”. De modo banal diz-se que “na filosofia de Hegel a história é o devir

da ideia chegando ao saber absoluto e que, na filosofia de Marx, a história é o

devir das forças materiais, das forças produtivas” (p. 260).

Sobre a questão da inversão da dialética diversos autores também

discorreram. Randall, Collins (2009) assinala que em Hegel o Espírito Absoluto,

ao desdobrar-se em idéias, cria o próprio mundo. Haveria uma espécie de

visão religiosa aí: o Espírito é Deus, formulado de forma herética, de modo a

receber as mudanças históricas e as descobertas científicas advindas da

química, física e biologia. O destino das ciências que punham a ênfase na

existência material era ultrapassar esse estágio passageiro em direção ao

desenvolvimento para o Espírito Absoluto. “No futuro, o Espirito se tornaria

inteiramente autoconsciente; os seres humanos perceberiam que eles e o

mundo são Deus, são o Espirito. O milênio seria realizado” (p.52).

No diálogo com os Jovens Hegelianos, particularmente Feuerbach, que

atacaram a base do idealismo hegeliano e assinalaram a natureza plenamente

materialista do mundo, Marx reafirma o hegelianismo como quadro

fundamental de seu pensamento, ultrapassa-o e o adequa ao seu radicalismo

político.

Para Aron, tem-se aí a passagem de um pensamento contemplativo para

uma filosofia da ação. Leandro Konder (1992) ressalta que Hegel, por conta de

seu idealismo, deixou de enfrentar uma questão que era crucial para Marx: a

centralidade do trabalho enquanto atividade material sufocante e opressora no

âmbito do capitalismo. Enquanto Hegel só percebe o trabalho abstrato,

espiritual, Marx o situa como fonte da alienação e do estranhamento. Alguns

homens se apropriam da força de trabalho de outros lhes impondo as

condições em que deveriam produzir, o que leva a uma inevitável degradação

do gênero humano.

A compreensão do trabalho como elemento central no processo de

desvelamento da moderna sociedade, se torna possível face o diálogo que

Marx estabelece com a Economia. Este campo de conhecimento lhe

demonstrava as bases materiais por meio das quais o mundo moderno se

produzia e lhe permitia inferir sobre os conflitos inerentes ao modo de produção

capitalista.

No diálogo com a Economia, Marx faz uma distinção: de um lado, tem-se

a Economia Clássica, representada por Adam Smith e David Ricardo, e de

outro lado, tem-se a economia pós-ricardiana, chamada de vulgar. A Economia

Clássica era para ele “científica” e, embora burguesa, fora capaz de avaliar

com mais rigor “a distribuição e a acumulação do excedente econômico bem

como os problemas correlatos da determinação de preços, salários, emprego e

da eficácia ou ineficácia de medidas políticas na promoção da acumulação”

(Bottomore, 2001). A economia vulgar, por sua vez, refere-se a trabalhos que

analisam fenômenos de superfície, como a oferta e a procura, ao invés de

estudos sobre as estruturas de produção do valor; ficam na superfície para

evitar, na análise da mercadoria, chegar aos conflitos de classe subjacentes ao

processo de produção e de troca das mesmas.

A economia clássica, ao refletir sobre o trabalho e a propriedade privada

como elementos fundamentais da produção, já apontara para a presença do

conflito de interesses de classes opostos. Marx encontra, em tais análises,

material para sua teoria do conflito social. Critica duramente a economia

clássica burguesa por, embora científica, inclinar-se em favor das classes

capitalistas. Por meio de uma síntese com a filosofia hegeliana, Marx aponta os

elementos conflituosos da economia capitalista como verdadeiras contradições

que promoveriam a queda desse sistema econômico e sua superação por

outro.

Do exposto até aqui, tem-se um itinerário intelectual que deságua no

materialismo dialético e no materialismo histórico, método sociológico que

adere de forma destrutiva ao seu objeto de estudo, o capitalismo.

3. Características do Materialismo Dialético

Conforme Bottomore, analisando a contribuição de Engels em O Anti-

Dühring, o materialismo dialético emerge do cruzamento e união do

materialismo mecanicista da Revolução Científica e do Iluminismo com a

dialética hegeliana. “O mecanicismo do primeiro, que é incompatível com a

dialética, e o idealismo da segunda, que é incompatível com o materialismo,

são rejeitados como metafísicos e ideológicos. O resultado é uma filosofia no

sentido de uma ‘visão de mundo’, a visão comunista do mundo, como diz

Engels no Prefácio à segunda edição do Anti-Dühring”.

Essa visão de mundo apresenta as seguintes características:

1. Mudança qualitativa: no processo de desenvolvimento histórico,

as mudanças quantitativas que ocorrem no âmbito da sociedade devem

desembocar em processos revolucionários que propiciam as mudanças

qualitativas.

2. Unidade dos contrários: a realidade em sua concretude se

caracteriza por uma unidade de contrários ou contradições. Desse modo, o

capitalismo expressa na oposição entre burgueses e proletários, as

contradições fundamentais inerentes à sua existência.

3. Negação da negação: no conflito entre contrários, os polos em

oposição negam-se mutuamente, resultando na superação de uma dada forma

histórica por um nível superior de desenvolvimento histórico.

4. Materialismo Histórico

Isaac Illich Rubin (1979), em Ensayo Sobre la Teoria Marxista del Valor,

argumenta que o materialismo histórico constitui-se na teoria sociológica

marxiana. Seu ponto de partida é o trabalho, elemento básico da sociedade

humana.

É, nas palavras de Bottomore, não uma filosofia, mas uma teoria empírica

que busca apreender as forças que movem os acontecimentos históricos

centrais para o desenvolvimento da sociedade humana, a transformação dos

modos de produção e de troca, a estrutura e as lutas de classes.

Essa teoria empírica, conhecimento sociológico, tem por objetivo analisar

a base material na qual os homens estabelecem relações de produção

concretas entre si. O seu objetivo último é investigar a economia capitalista na

sua totalidade, considerando-a como um conjunto particular de forças

produtivas e de relações de produção.

5. Conceitos fundamentais do materialismo histórico

5.1. Forças produtivas e relações de produção

Na análise crítica do modo de produção capitalista Marx assinala que é

subjacente ao mesmo a contradição entre forças produtivas e relações de

produção. Em geral, tal contradição subjaz a qualquer modo de produção e é a

sua existência que possibilita a passagem de um modo a outro de produção.

Há entre a contradição forças produtivas-relações de produção e a estrutura

social de um dado período uma estreita conexão, como se pode perceber na

Contribuição à Crítica da Economia Política:

Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações

determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de

produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a

estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma

superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas

de consciência social.

O conceito de forças produtivas envolve os meios de produção e a força

de trabalho. Dessa forma, quando nos referimos ao desenvolvimento das

forças produtivas estamos diante de fenômenos históricos relativos às

condições técnicas, estruturais, da produção e o grau de organização e de

educação das classes trabalhadoras.

As relações de produção, por sua vez, abrange a propriedade econômica

das forças produtivas. Segundo Bottomore, no capitalismo tais relações se

expressam na apropriação privada dos meios de produção pela burguesia, ao

passo que o proletariado possui apenas a força de trabalho.

A teoria econômica e sociológica de Marx gira em torno das contradições

entre as forças produtivas e relações de produção. Ao analisar a relações de

produção capitalista e o processo de mudança nas forças produtivas, a teoria

marxiana expõe os fatores que podem levar essa sociedade a níveis de crises

tão profundos que exigem uma mudança qualitativa, desencadeada por

processos revolucionários, em direção à uma sociedade pós-capitalista, ao

comunismo.

5.2. Luta de classes

Da contradição entre forças produtivas e relações de produção emerge

para o centro da análise sobre o desenvolvimento da história humana a luta, às

vezes explícita, outras vezes dissimulada, entre opressores e oprimidos, entre

dominantes e dominado. Em O manifesto do Partido Comunista Marx e Engels

assinalam, pois, que “a história de todas as sociedades até o presente é a

história das lutas de classes”.

Com o advento do capitalismo, as lutas de classes não foram suprimidas,

porém criaram-se novas formas de exploração, de opressão, que se

materializam no conflito entre burgueses e proletários, que se constituem em

classes sociais fundamentais desse modo de produção.

Todavia, considerando as observações de Erik Olin Wright (1985), é

enganoso, é uma visão reducionista, assinalar que Marx e Engels, em função

da ênfase que deram aos conflitos entre burguesia e proletariado, não

perceberam a complexidade múltipla da formação da estrutura de classes na

sociedade moderna. No Manifesto do Partido Comunista, os dois autores

também discorrem sobre a existência de uma pequena burguesia e do

lumpenproletariado. Na obra O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, lembra

Wright, Marx chama a atenção para a presença de variados atores em conflito:

burguesia (rural, industrial e financeira), proletariado, aristocracia, militares,

camponeses, pequena burguesia, classe média, lumpenproletariado e

intelectuais.

Na análise da constituição do mundo moderno, porém, o desenvolvimento

histórico-social da classe burguesa é um desdobramento e, ao mesmo tempo,

acontecimento central na formação desse mundo. Resulta a classe burguesa

de um longo processo de dissolução das velhas formas de organização social,

política e econômica, através da qual se desenvolve e suprime as antigas

classes dominantes, criando assim um mundo a sua imagem e semelhança.

Como observa Musse (2011), o mundo originado com a emergência e

revoluções promovidas pela burguesia é uma unidade contraditória. Existe sob

o paradoxo de ter que revolucionar continuamente os instrumentos de

produção e, com isso, as relações de produção. Dessa forma, são criadas as

condições para a sua negação. E a negação da burguesia é o proletariado.

Por proletariado, Marx entende aqueles que só trabalham enquanto seu

trabalho permite a ampliação do capital. Compõem o conjunto daqueles que só

possuem como propriedade sua a força de trabalho que têm de vender como

mais uma mercadoria entre outras e que está sujeita às agruras da

concorrência e das oscilações do mercado. O trabalho, de acordo com Musse,

está, então, submetido à lógica do mercado.

A superação das condições de exploração da classe trabalhadora

decorre, pois, da supressão do modo de produção capitalista. Isso significa que

a classe operária constitui-se na força política que destruiria o capitalismo e

promoveria uma transição para o socialismo. Ao proletariado pertence a

sociedade futura.

LEITURA COMPLEMENTAR

TEXTO 01

Teses sobre Feuerbach

1

A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de

Feuerbach incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo

sensível são tomados apenas sobre a forma do objecto [des Objekts] ou da

contemplação [Anschauung]; mas não como atividade sensível humana,

práxis, não subjectivamente. Por isso aconteceu que o lado activo foi

desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - mas apenas

abstractamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a actividade

sensível, real, como tal. Feuerbach quer objectos [Objekte] sensíveis

realmente distintos dos objectos do pensamento; mas não toma a própria

actividade humana como atividade objectiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele

considera, por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica

como a genuinamente humana, ao passo que a práxis é tomada e fixada

apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não compreende, por

isso, o significado da actividade "revolucionária", de crítica prática.

2

A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objectiva

não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser

humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter

terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de

um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.

3

A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das

circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são,

portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada,

esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres

humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por

isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das

quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).

A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode

ser tomada e racionalmente entendida como práxiss revolucionante.

4

Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo

no mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste em

resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que

depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o

fato de esta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino

autônomo, nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela autodivisão e

pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto,

que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e depois

praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto,

depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o segredo da

sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente

criticada e praticamente revolucionada.

5

Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao conhecimento

sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo sensível como

atividade humana sensível prática.

6

Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência

humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela

é o conjunto das relações sociais.

Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado:

1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si

e a pressupor um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele,

por isso, a essência humana só pode ser tomada como "espécie", como

generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os muitos

indivíduos.

7

Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um produto

social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma

determinada forma de sociedade.

8

A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a

teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e

no compreender desta práxis.

9

O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende Materialismus]

consegue, isto é, o materialismo que não compreende o mundo sensível como

atividade prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos isolados na

"sociedade civil".

10

O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de vista

do novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade socializada.

11

Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a

questão, porém, é transformá-lo.

Karl Marx, 1845

TEXTO 02

O MÉTODO DA ECONOMIA POLÍTICA

Quando estudamos um dado país do ponto de vista da Economia

Política, começamos por sua população, sua divisão em classes, sua

repartição entre cidades e campo, na orla marítima; os diferentes ramos da

produção, a exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os

preços das mercadorias etc.  Parece que o correto é começar pelo real e pelo

concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva;  assim, em Economia, por

exemplo, começar-se-ia pela população, que é a base e o sujeito do ato social

de produção como um todo.  No entanto, graças a uma observação mais

atenta, tomamos conhecimento de que isso é falso.  A população é uma

abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem.  Por

seu lado, essas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os

elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital

etc.  Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc.  O capital, por

exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o

preço etc., não é nada.  Assim, se começássemos pela população, teríamos

uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais

precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais

simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais

tênues até atingirmos determinações as mais simples.  Chegados a esse

ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo

com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um

todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas.  O

primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente

economia.  Os economistas do século XVII, por exemplo, começam sempre

pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc.; mas

terminam sempre por descobrir, por meio da análise, certo número de relações

gerais abstratas que são determinantes, tais como a divisão do trabalho, o

dinheiro, o valor etc.  Esses elementos isolados, uma vez mais ou menos

fixados e abstraídos, dão origem aos sistemas econômicos, que se elevam do

simples, tal como trabalho, divisão do trabalho, necessidade, valor de troca,

até o Estado, a troca entre as nações e o mercado mundial.  O último método

é manifestamente o método cientificamente exato.  O concreto é concreto

porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso.  Por

isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como

resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida

efetivo e, portanto, o ponto de partida também, da intuição e da

representação.  No primeiro método, a representação plena volatiliza-se em

determinações abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem

à reprodução do concreto por meio do pensamento.  Por isso é que Hegel caiu

na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza

em si, se aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto o método que

consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de

proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo

como concreto pensado.  Mas este não é de modo nenhum o processo da

gênese do próprio concreto.  A mais simples categoria econômica,

suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma

população produzindo em determinadas condições e também certos tipos de

famílias, de comunidades ou Estados.  O valor de troca nunca poderia existir

de outro modo senão como relação unilateral, abstrata de um todo vivo e

concreto já dado.

A Sociologia de Max Weber

Há na sociologia weberiana uma crítica às abordagens que tomam a

sociedade de um ponto de vista organicista, constituída por partes integradas

em um sistema de estruturas objetivas. Enquanto o organicismo compreende a

sociedade como um sistema formado, fechado, com fronteiras bem delineadas,

Weber a entende como um ambiente caótico, multifacetado, de inesgotáveis

ações individuais que no fluxo da história constroem arranjos transitórios.

Enquanto o organicismo reificava a sociedade, concebida como um todo

orgânico como unidade fundamental de análise, Weber assinala que a

compreensão do sentido subjetivo dado pelos indivíduos nas ações sociais e a

possibilidade de produzirem ações independentes do todo é o que a

investigação sociológica deve buscar.

Alguns conceitos fundamentais da sociologia weberiana tais como

compreensão, os tipos de ação social, o sentido subjetivo, a neutralidade

axiológica, os tipos ideais e sua aplicação na sociologia da dominação, bem

como o processo de racionalização e desencantamento no capitalismo, serão

analisados a seguir.

1. Compreensão e sentido subjetivo

De acordo com Stephen Kalberg (2010), o núcleo da metodologia

weberiana reside na procura por “compreender interpretativamente as

diferentes maneiras pelas quais as pessoas percebem sua própria ação social”

(p.33). Dito de outro modo, os sociólogos direcionam sua atenção para o

sentido subjetivo posto pelos indivíduos na ação social, que por sua vez implica

num agir que se orienta significativamente pela conduta dos outros e pela

mobilização de um esforço de interpretação ou reflexão individual.

Diferente do organicismo, o comportamento dos indivíduos não é

meramente reativo ou imitativo ao todo da sociedade. Eles são portadores da

capacidade de interpretar ativamente situações, interações e relações,

colocando aí o sentido subjetivo.

Galliano (1981) identifica três graus de compreensão em Weber. A

primeira é a compreensão atual cuja compreensão do sentido decorre

diretamente da observação da ação, não necessitando de questionamentos

para ser compreendida. A segunda é a compreensão explicativa, cuja captação

de sentido depende de perguntas que elucidem os motivos subjacentes

daqueles envolvidos na ação social. Dessas duas primeiras pode-se inferir que,

compreender é a captação da evidência do sentido de uma ação social a

despeito qualquer investigação científica.

Deve-se observar que nem todo tipo de ação, entretanto, possui o mesmo

grau de evidência do sentido subjetivo. Dessa forma, Weber aponta a

compreensão intelectual, o terceiro grau, como o máximo de compreensão

intelectual de uma atividade racional. É o tipo de evidência que possibilita

compreender porque 2+2=4 e que permite compreender ações que

estabelecem relações racionais entre meios e fins.

O behaviorismo detém-se sobre a atividade exterior da ação na relação

estímulo-resposta deixando de lado aspectos fundamentais para Weber: as

diversas motivações para uma ação observável; como o sentido subjetivo varia

de acordo com a diversidade de motivações e as implicações de tais diferenças

para o curso da ação social.

Os tipos ideais

Ainda que a ação individual seja a unidade elementar de análise, a

sociologia compreensiva de Max Weber apreende a ação humana

selecionando aspectos da mesma que considera culturalmente relevante para

a investigação. As diversas formas como as pessoas agem em grupo

apresentam regularidades empíricas que, ao lado do sentido visado na ação,

configuram o objeto de análise sociológica. Isso significa dizer que Weber a

vida social em Weber não é considerada um conjunto infinito de ações

individuais desconectadas, porém, ações que se dão em grupo de maneira

concertada.

O tipo ideal tem para Weber um poder de explicação heurística central em

sociologia, pois, é por meio desse conceito que o pesquisador registra as

regularidades da ação portadora de sentido. Todavia, deve-se ressaltar que os

tipos ideais são instrumentos conceituais, analíticos, mobilizados para a

apreensão intelectual do empiricamente dado, não descrevendo

necessariamente o sentido da ação de um indivíduo em particular ou do grupo

em efetivamente participa. Segundo Kalberg, os tipos ideais “servem, antes de

tudo, para auxiliar a pesquisa empírica de causas e não para ‘reproduzir’ e

compreender diretamente o mundo exterior ou para articular um

desdobramento ideal e esperado” (p. 42).

Em A Objetividade do Conhecimento na Ciência Social e na Ciência

Política, Max Weber (1992) comenta da seguinte forma o topo ideal:

Trata-se de um quadro de pensamento, não da realidade histórica, e

muito menos da realidade ‘autêntica’; não serve de esquema em que se possa

incluir a realidade â maneira de exemplar. Tem, antes, o significado de um

conceito-limite, puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim

de esclarecer o conteúdo empírico de alguns de seus elementos importantes, e

com o qual esta é comparada. Tais conceitos são configurações nas quais

construímos relações, por meio da utilização da categoria de possiblidade

objetiva, que a nossa imaginação, formada e orientada segundo a realidade,

julga adequada (p.140)

Os tipos de Ação Social

São quatro os tipos ideais de ação social identificados por Weber: a ação

racional referentes a fins, a ação racional referentes a valores, a ação afetiva e

a ação tradicional. Cada um desses tipos está relacionado ao tipo ideal de

motivação dos sujeitos da ação.

Sobre a ação racional referente a fins, Weber (1991) afirma que “age de

modo racional referente a fins quem orienta sua ação pelos fins, meios e

consequências secundárias, ponderando racionalmente os meios em relação

às consequências secundárias, assim como os diferentes fins possíveis” (p.

16).

Age racionalmente com relação a valores aquele que “sem considerar as

consequências previsíveis, age a serviço de sua convicção sobre o que

parecem ordenar-lhe o dever, a dignidade, a beleza, as diretivas religiosas a

piedade ou a importância de uma ‘causa’ de qualquer natureza” (p.15).

A ação afetiva é aquela que se move de modo especialmente emocional,

estando completamente “no limite e muitas vezes além daquilo que é ação

conscientemente orientada pelo “sentido; pode ser uma reação desenfreada a

um estímulo não-cotidiano” (p.15).

A ação tradicional, por fim, é aquela em que os agentes se movem em

razão dos hábitos e costumes arraigados. Como a ação afetiva, “escontra-se

por completo no limite e muitas vezes além daquilo que se pode chamar, em

geral, ação orientada pelo sentido. Pois frequentemente não passa de uma

reação surda a estímulos habituais que decorre na direção da atitude

arraigada” (p. 15).

Weber assinala que só raramente, quase nunca, um indivíduo orienta-se

exclusivamente por somente um dos tipos de ação acima. Além disso, tais tipos

não representam uma classificação completa dos possíveis tipos de

orientações do agir, mas a construção pura, conceitual, tendo em vista fins de

análises sociológicas.

Os Tipos de Dominação

As bases puras da dominação legítima, segundo Weber, são três: a

dominação legal, a dominação tradicional e a dominação carismática.

A dominação legal está assentada na noção de direito e sua forma mais

pura é a burocracia. Nesse tipo de dominação a obediência a outrem decorre

não em virtude do direito próprio de quem domina, mas em função de regra

estatuída, que define que e em que medida se deve obedecer e, aquele que

está em posição de mando assim está por obedecer a uma lei, um

regulamento. O tipo puro daquele que manda é o “superior” e o do que

obedece é o “funcionário”. Ambos agem em razão de administração

profissional fundada no estatuto. Atuam por procedimento puro que visa uma

ação sem influência de motivos pessoais e de sentimentos de qualquer ordem.

A dominação tradicional é aquela cuja legitimidade deriva da crença na

santidade das ordens e dos poderes do senhor há muito existentes. Obedece-

se a alguém em virtude de atributos próprios santificados pela tradição. O tipo

daquele que está em posição de mando é o “senhor” e o tipo daquele que

obedece é o “súdito”. O quadro administrativo na dominação tradicional está

organizado pela ocupação por dependentes pessoais do “senhor”, de parentes,

de amigos ou de pessoas a ele ligado por vínculo de fidelidade. Não há aqui o

princípio da competência, da especialização, típico à burocracia.

As formas puras da dominação tradicional são a gerontocracia, o

patriarcalismo, o patrimonialismo, etc. A gerontocracia é o tipo de dominação

tradicional em que o grupo de associados é dominado pelos mais velhos, que

são os melhores conhecedores da tradição. No patriarcalismo a dominação

numa associação é exercida por um indivíduo definido conforme regras

estabelecidas na tradição. Na gerontocracia e no patriarcalismo há ausência de

um quadro administrativo do “senhor”; aqueles que o obedecem o fazem em

virtude de e em acordo coma tradição. A dominação patrimonialista, por sua

vez, caracteriza-se por um tipo que originalmente assenta-se na tradição mas

que se exerce em virtude de pleno direito do indivíduo que ocupa a posição de

“senhor”. No patrimonialismo não há distinção entre interesses públicos e

privados: os interesses particulares do “senhor” se misturam com os interesses

públicos. Desse modo, os bens públicos são apropriados privadamente pelo

“senhor” e por aqueles que lhe estão mais próximos.

A dominação carismática decorre da crença afetiva na pessoa do senhor

e em seus dotes sobrenaturais, como a profecia, o heroísmo, condições

intelectuais ou poder de oratória. Disso observa-se que o tipo puro de líder

carismático é o profeta, o herói guerreiro ou o demagogo. Aquele que manda é

o “líder” e aquele que obedece é o “apóstolo”. Obedece-se exclusivamente em

razão das qualidades extraordinárias do líder e enquanto estas, o carisma,

subsistirem. Na administração carismática há a ausência de orientação por

regras estatuídas ou tradicionais. ”A autoridade carismática baseia-se na

“crença” no profeta ou no reconhecimento que pessoalmente o herói guerreiro,

o herói da rua e o demagogo encontram, e com eles cai” (Weber, 1992, p. 355).

A Neutralidade Axiológica e referência a valores

Segundo Kalberg, o comportamento ideal dos cientistas sociais

decorrentes da análise weberiana caracteriza-se pela adoção de uma

disposição imparcial na observação, medição e comparação dos fenômenos

sociais analisados. Não há o desejo de buscar um significado objetivamente

‘correto’ ou verdadeiro. Menos ainda, deve ser considerada a empatia ou a

hostilidade que o observador tenha em relação aos agentes observados. Ao

longo dos processos de investigação os pesquisadores devem isentar-se de

seus valores ideológicos, gostos e aversões pessoais.

Weber, todavia, compreendia que uma vez que os pesquisadores são

seres de cultura, os seus modos de agir e pensar estarão sempre povoados de

valores. Isso explica um lugar essencial que a referência a valores ocupa no

processo de pesquisa científica: concorrem de maneira decisiva na seleção dos

temas de estudo. Tal escolha estará inevitavelmente relacionada aos nossos

valores. Durante a pesquisa científica para lidar com os problemas relativos ao

tema selecionado, Weber adverte novamente para o esforço em deixar fora

desse ambiente os juízos de valor.

Sobre a possiblidade de existir uma ciência objetiva, não falseada pelos

juízos de valor, Aron (2002) assinala que para tal Weber estabelece uma

distinção entre o julgamento de valor (Werturteil) e a relação com os valores

(Wertbeziehung). “O julgamento de valor é uma afirmação moral ou vital, a

relação aos valores é um procedimento de seleção e de organização da ciência

objetiva” (p.737).

Por meio dessa distinção Weber propõe a necessidade de se ter o senso

daquilo que efetivamente moveram os homens para compreendê-los

autenticamente; e ao mesmo tempo é preciso encontrar o distanciamente em

relação a tais interesses a fim de que as paixões humanas tenham uma

interpretação universalmente válida.

Isso significa que não é tarefa da ciência dizer como os homens devem se

comportar, viver, se organizar. E muito menos é tarefa científica apontar o

futuro para os homens. O homem de ciência não é um profeta e nem um

político.

A ciência é, atualmente, uma ‘vocação’ alicerçada na especialização e

posta ao serviço de uma tomada de consciência de nós mesmos e do

conhecimento das relações objetivas. A ciência não é produto de revelação,

nem é graça que um profeta ou visionário houvesse recebido para assegurar a

salvação das almas; não é também porção integrante da meditação de sábios

e filósofos que se dedicam a refletir sobre o sentido do mundo. Tal é o dado

inelutável de nossa situação histórica, a que não poderemos escapar, se

desejarmos permanecer fiéis a nós mesmos (Weber, 1993, p. 47).

LEITURA COMPLEMENTAR

TEXTO 01

O fato básico de que dependem todos os fenômenos que denominamos

de “sócio-econômicos”, no sentido mais amplo, é o de que a nossa existência

física, tal como a satisfação das nossas necessidades mais ideiais, depara por

todo o lado com a limitação quantitativa e a insuficiência qualitativa dos meios

externos que lhes são indispensáveis, de que, para a sua satisfação, é

necessário uma previsão planificada, o trabalho, a luta contra a natureza e a

socialização com outras pessoas.

A qualidade de um acontecimento, que faz com que o consideremos

como um fenômeno “sócio-econômico”, não é precisamente um atributo que

lhe seja inerente de “forma objetiva”. Pelo contrário, ela está condicionada pela

direção tomada pelo interesse do nosso conhecimento, tal como resulta da

importância cultural específica que conferimos, em cada caso, ao

acontecimento em questão (...).

Entre os problemas econômicos-sociais, é para nós possível distinguir

diversos tipos. Em primeiro lugar, econtram-se os acontecimentos, os

complexos de normas, as instituições, etc., cujo significado cultural reside

basicamente, para nós, no seu aspecto econômico. É o caso, por exemplo,

dos acontecimentos da vida bancária e da bolsa, que nos interessam

sobretudo sob este aspecto. Com regularidade, mas não de modo exclusivo,

tal sucede quando se trata instituições que foram criadas conscientemente ou

se utilizam para fins econômicos. A tais objetos do nosso conhecimento

poderemos chamar, em sentido estrito, acontecimentos ou instituições

“econômicas”.

Existe uma segunda categoria de fenômenbos – como os da vida

religiosa- que nos não interessam sob o ponto de vista da sua importância

econômica ou por causa dela, ou pelo menos não nos interessam,

primordialmente sob este aspecto. Porém, em determinadas circunstâncias,

podem adquirir uma importância econômica sob esse ponto de vista, dado que

deles resultam determinados efeitos que nos interessam sob uma perspectiva

econômica. Trata-se de fenômenos “economicamente importantes”.

E, por último, entre os fenômenos que não são “econômicos” neste nosso

sentido, encontram-se alguns cujos efeitos econômicos pouco ou nenhum

interesse oferecem para nós. É o caso, por exemplo, da orientação que toma o

gosto artístico de uma dada época. No entanto, tais fenômenos mostram em

determinados aspectos fundamentais do seu caráter uma influência, mais ou

menos intensa, por parte de motivos econômicos, em nosso caso através da

natureza do meio social do público interessado pela arte. Trata-se de

fenômenos economicamente condicionados (...).

Os motivos especificamente econômicos – isto é, os motivos que pelas

suas particularidades, importantes para nós, estão ligados a esse fato básico –

atuam sempre onde a satisfação de uma necessidade, por muito imaterial que

esta seja, se liga à utilização de meios externos limitados. Assim, o seu poder

determina e transforma por todo o lado não só a forma da satisfação, como

também o conteúdo das necessidades culturais, inclusivamente as de tipo

mais íntimo.

Max Weber. A objetividade do conhecimento

nas ciências e nas políticas sociais.

As Ciências Sociais e a Globalização

A globalização constitui-se num processo sócio-histórico de

consequências profundas, que abalam os quadros de referências dos

indivíduos e das coletividades. Uma teia de estruturas e sociabilidades inéditas

se impõe sobre as tribos, os povos, as comunidades, sobre as localidades.

Segundo Ianni, a globalização deve ser compreendida como “relações,

processos e estruturas de dominação e apropriação desenvolvendo-se em

escala mundial. São relações, processos e estruturas polarizados em termos

de integração e acomodação, assim como de fragmentação e contradição,

envolvendo sempre as condições e as possibilidades de soberania e

hegemonia. Todas as realidades sociais, desde o indivíduo à coletividade, ou

povo, tribo, nação e nacionalidade, assim como corporação transnacional,

organização multilateral, partido político, sindicato, movimento social, corrente

de opinião pública, organização religiosa, atividade intelectual e outras passam

a ser influenciadas pelos movimentos e pelas configurações do globalismo; e a

influenciá-lo”.

Tal contexto coloca novos desafios teóricos, metodológicos e

epistemológicos para as ciências sociais, uma vez que na era da globalização

seu objeto de investigação deixa de ser principalmente a realidade histórico-

social local, nacional, individual. O local passar a ter sua significação produzida

no escopo do globalismo. Desse modo, “muito do que é social, econômico,

político, cultural, lingüístico, religioso, demográfico e ecológico, adquire

significação não só extra-nacional, internacional ou transnacional, mas

propriamente mundial, planetário ou global”.

Os conceitos dominantes nas ciências sociais, forjados pelos autores

clássicos e no diálogo com estes, face às profundas transformações em escala

planetária, parecem perder significação, tornam-se anacrônicos ou adquirem

novos sentidos. Assim, são desafiadas a recriar seu objeto de pesquisa e os

procedimentos metodológicos, bem como a submeter o acúmulo de

conhecimento, até então alcançado, à crítica.

Isso explica o fato de que as referências à globalização não tenham ainda

um conjunto conceitual sólido, de modo a criar um consenso em torno do

significado desse período. Daí a proliferação de aproximações que se dão

através de metáforas:“multinacional, transnacional, mundial, planetário e global;

aldeia global, nova ordem econômica mundial, mundo sem fronteiras, terra-

pátria, fim da geografia e fim da história; desterritorialização, miniaturalização,

ubiquidade das coisas, gentes e idéias, sociedade informática, infovia e

internet; sociedade cilvil mundial, estruturas mundiais de poder, classes sociais

transnacionais, globalização da questão social, cidadão do mundo e

cosmopolitismo; ocidentalização do mundo, orientalização do mundo,

globalização, globalismo, mundo sistêmico, capitalismo global, neoliberalismo,

neonazismo, neofascismo, neo-socialismo e modernidade-mundo”.

A globalização emerge desse modo como um enigma teórico que ganha

explicações diversas quanto diversas são as ciências sociais que a tomam por

objeto.

Para o historiador o fenômeno do globalismo é assinalado da seguinte

forma: “Poucas afirmações provocam tão pequenas controvérsias como a de

que os seres humanos estão hoje em contacto uns com os outros em todo o

mundo, como nunca na história. A lista de exemplos tornou-se uma litania: a

comunicação instantânea de informação, a cultura universal de estilos e

experiências, o alcance mundial de mercados e mercadorias,os produtos

compostos de partes oriundas de diferentes continentes. E a referência à aldeia

global tornou-se um clichê que poucos contestam” (Raymond Grew Apud

Ianni,1998).

Os antropólogos também se debruçam sobre este tema: “A idéia de que o

mundo pode ser visto como um pequeno viveiro ligado pela abrangente força

da mídia e do capitalismo internacional é o pano de fundo que serve de base

ao empenho de muitos intelectuais, à atividade comercial e às diretrizes de

governos na atualidade. Uma das coisas que a tecnologia realmente

revoluciona é a escala, ou são as escalas, em que operam as relações sociais”

(Moore Apud Ianni, 1998).

Os sociólogos, por sua vez, refletem sobre a globalização nos seguintes

termos: "Globalização diz respeito àqueles processos pelos quais os povos do

mundo são incorporados em uma sociedade mundial, uma sociedade global."

(Albrow, Apud Ianni, 1998).

A ciência política também apresenta sua leitura: Globalização diz respeito

à multiplicidade de relações e interconexões entre Estados e sociedades,

conformando o moderno sistema mundial. Focaliza o processo pelo qual os

acontecimentos, decisões e atividades em uma parte do mundo podem vir a ter

consequências significativas para indivíduos e coletividade em lugares

distantes do globo. (McGrow, Apud Ianni, 1998).

Finalmente, os economistas têm contribuído para uma interpretação do

globalismo: “A economia global é o sistema gerado pela globalização da

produção e das finanças. A produção global beneficia-se das divisões

territoriais da economia internacional, jogando com as diferentes jurisdições

territoriais, de modo a reduzir custos, economizar impostos, evitar egulamentos

antipoluição e controles sobre o trabalho, bem como obtendo garantias de

políticas de estabilidade e favores. A globalização financeira construiu uma

rede eletrônica conectada 24 horas por dia, sem controles. As decisões

financeiras mundiais não estão centralizadas nos Estados, mas nas cidades

globais — Nova York, Tóquio, Londres, Paris, Frankfurt —, estendendo-se por

computadores para o resto do mundo”. (Cox, Apud Ianni, 1998)

LEITURA COMPLEMENTAR

Texto 01

Lembremos as razões pelas quais é preciso preferir a expressão “mundialização

do capital” àquela muito vaga “mundialização da economia”. Em inglês a palavra

global refere-se tanto a fenômenos ligados à (ou às) sociedade(s) humana(s) no sentido

do globo como tal (é o caso da expressão “global warming” que significa “efeito

estufa”), quanto a processos cuja característica é ser “global”, unicamente na

perspectiva estratégica de um “agente econômico” ou de um “ator social” específico.

Na ocasião, o termo “globalização”, que apareceu pela primeira vez nas business

schools americanas por volta de 1980, revestiu essa palavra com o segundo sentido.

Referia-se, de início, aos parâmetros pertinentes à ação estratégica do grande grupo

industrial e à necessidade deste adotar uma aproximação e uma conduta “globais”,

dirigindo-se aos mercados de demanda solvente, às fontes de abastecimento e aos

movimentos dos rivais oligopólicos. Mais tarde, com a globalização financeira, ele

estendeu-se até a visão do investidor financeiro e suas estratégias mundiais de

arbitragem entre as diferentes localizações financeiras e os diferentes tipos de títulos.

Para um industrial e um financista anglo-saxão, a “globalização” é realmente a

“mundialização do capital” e ele não vê porque deveria se esconder disto.

Nada é mais seletivo que um investimento ou um investimento financeiro que

procura rentabilidade máxima. É por isso que a globalização não tem nada a ver com

um processo de integração mundial que seria um portador de uma repartição menos

desigual das riquezas. Nascida da liberalização e da desregulamentação, a

mundialização liberou, ao contrário, todas as tendências à polarização e à desigualdade

que haviam sido contidas, com dificuldades, no decorrer da fase precedente. “A

economia do arquipélago” da mundialização a “balcanização” com suas conseqüências

geopolíticas muito graves e a marginalização dramática de continentes e

subcontinentes, são a conseqüência da forte seletividade inerente aos investimentos

financeiros, mas também aos investimentos diretos quando os grupos industriais se

beneficiam da liberalização e da desregulamentação das trocas como movimentos de

capitais. A homogeneização, da qual a mundialização do capital é portadora no plano

de certos objetos de consumo e de modos de dominação ideológicos por meio das

tecnologias e da mídia, permite a completa heterogeneidade e a desigualdade das

economias. O fato de que se tenha integração para uns e marginalização para outros,

resulta do processo contraditório do capital na busca de rentabilidade, ao mesmo tempo

que ele determina os limites. Deixando-o por sua conta, operando sem nenhuma rédea,

o capitalismo produz a polarização da riqueza em um pólo social (que é também

espacial), e no outro pólo, a polarização da pobreza e da miséria mais “desumana”. A

polarização é uma das expressões do caráter sistêmico dos processos com os quais se

tem que negociar.

François Chesnais. Mundialização: o capital financeiro no comando.

Referências Bibliográficas

ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo:

Martins Fontes, 2002.

ARON, Raymond. O Marxismo de Marx. São Paulo: Arx, 2005.

BERGER, Peter L. Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística.

Petrópolis: Vozes: 2002.

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista.Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 2001.

COLLINS, Randall. Quatro Tradições Sociológicas. Petrópolis: Vozes,

2009.

FERNANDES, Florestan. Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada. São

Paulo: Pioneira, 1976.

GALLIANO, A.G. Introdução à Sociologia. São Paulo: Harper & Row do

Brasil, 1981.

IANNI, Octávio. As Ciências Sociais na época da Globalização. In:

Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 13, n. 37, pp. 33-41, São Paulo:

Junio, 1998.

KALBERG, Stephen. Max Weber: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar,

2010.

KONDER, Leandro. O Futuro da Filosofia da Práxis: o pensamento de

Marx no século XXI. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

LOWY, Michael. Método Dialético e Teoria Política. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1978.

POE, Edgar Alan. El diablo en el campanario. Em:

http://www.letrasperdidas.galeon.com/consagrados/c_poe22.htm. Acesso: 25 de

outubro de 2006.

MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São

Paulo:Martins Fontes, 2003.

MUSSE, Ricardo. Marx e a Sociologia. Disponível em:

Http://revistacult.uol.com.br/home/2011/01/marx-e-a-sociologia. Acessado em:

março de 2011.

RUBIN, Isaac Illich. Ensayo Sobre la Teoria Marxista del Valor. Mexico:

Siglo XXI Editores, 1979.

WEBER, Max. Economia e Sociedade, volume I. Brasília: Editora da UnB,

1991.

------------------- Metodologia das Ciências Sociais, parte I e II. São Paulo:

Cortez; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1992.

------------------ Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993.

------------------ Sobre a Teoria das Ciências Sociais. São Paulo Editora

Moraes, 1991.

WRIGHT, Erik Olin. Classes. London/New York: Verso, 1985.