Apostila Política 1

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  • 8/4/2019 Apostila Poltica 1

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    APOSTILA POLTICA I

    CURSOS: CINCIAS SOCIAISRELAES INTERNACIONAIS

    PROFESSOR: JOS RICARDO

    CAPTULO 1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

    1.1 - O QUE POLTICA

    Chamamos de poltica o conjunto de atividades e organizaes que se destinam adefinir as regras que organizam a vida em uma sociedade. Qualquer coletividade, sejauma famlia, uma escola, uma empresa ou um pas, precisa definir normas (regras, leis)

    para regular as relaes entre seus membros. Se essa tal coletividade for muito extensa,formada por um nmero grande de pessoas, como so os pases, por exemplo,certamente ocorrero divergncias e conflitos de interesses que precisam ser resolvidos

    por meio de decises a serem tomadas. esse processo de formao e de tomada dedecises que afetam a vida dos membros de uma coletividade que chamamos de

    poltica. D para perceber a importncia da poltica: nenhuma sociedade existe sem ela,pois todas as sociedades - no importa se so simples ou mais complexas, as do passadoe as do presente - no podem se estabelecer sem que haja uma organizao para queseus membros possam viver em ordem e em relativa harmonia. por essa razo que ogrande filsofo grego Aristteles afirmou que o homem um animal poltico, ou seja,o homem organiza sua vida coletiva por meio dessas regras de convivncia que so

    definidas por um processo poltico, ao contrrio dos outros animais que tambm vivemem grupo, mas que se organizam por orientaes decorrentes de instintos, dedeterminantes biolgicos. Com os homens diferente porque somos capazes deconstruir, de forma racional e planejada, modelos de ordem social, e por isso queencontramos tantas diferenas entre os tipos de sociedade.

    Como se trata de definio de regras e equacionamento de interesses, a polticatem a ver, naturalmente, com relaes de poder e autoridade. Uma deciso polticaimplica o respeito a uma orientao determinada, ainda que esta possa desagradar aalguns ou a muitos. As formas pelas quais essas relaes de poder e autoridade seestruturam sero analisadas ao longo desse livro. Por ora, o que interessa quetenhamos a conscincia de que nenhuma coletividade organizada pode existir na

    ausncia dessas relaes. Sem uma autoridade constituda, os homens no se sentiriamobrigados a respeitar as regras ou qualquer padro de convivncia: seria o caos. Talautoridade pode ser exercida ora pela fora ora pelo convencimento, por meio da

    possibilidade de punio aos resistentes ou por meio do consentimento moral, mas omais comum que ambas as coisas se combinem em realidades concretas.

    Assim, em ltima anlise, todos os aspectos de nossa vida sofrem influncia dasdecises polticas: o preo dos alimentos que comemos ou das roupas que vestimos, aquantidade de impostos que pagamos, a nossa liberdade de ler livros ou de ouvir asmsicas que queremos, as nossas prticas religiosas, os programas que assistimos nateleviso, nossos direitos e deveres, enfim, tudo isso, e muito mais, regulado por leis,normas ou regulamentos que so o resultado de decises polticas. Decorre desse fato

    que a participao poltica uma necessidade para todos que querem ter algum controlesobre o seu prprio destino, e que tambm querem contribuir para tornarmos o mundo

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    melhor; quem sabe um mundo livre da violncia da misria e dos preconceitos: esse oobjetivo mais nobre que a poltica pode pretender alcanar. Em suma, quem afirma que apoltico est incorrendo num equvoco; ningum, vivendo em sociedade, apoltico.Podermos ser desinteressados pela poltica ou nos recusar a participar diretamente dela,o que no significa que estejamos imunes sua influncia; e se adotarmos esse

    comportamento, o de negar a poltica, a nica conseqncia de nossa postura ser a derenunciarmos ao nosso direito de influenciar no contedo das decises que, gostemos ouno, interferem profundamente em nossas vidas.

    1.2 - PODER E DOMINAO

    Se a poltica envolve relaes de poder e autoridade possvel analisarmos os processos que levam ao estabelecimento dessas relaes no interior de umacoletividade. O socilogo alemo Max Weber (1864-1920) props uma classificaoque pode ser bem til para essa finalidade. Inicialmente ele diferencia poder dedominao. Poder a probabilidade de algum impor sua vontade, enquanto a

    dominao a probabilidade de se encontrar obedincia a um mandato. A diferena que a dominao envolve a idia de legitimidade, ou seja, o reconhecimento por partedos liderados da validade do comando do lder ou lderes. Em outras palavras, alegitimidade ocorre quando a obedincia se d de forma consentida. No necessrioque tal autoridade seja reconhecida pela totalidade dos membros do grupo, mas por umamaioria significativa que confira ordem estabelecida uma certa estabilidade, sem quese elimine a possibilidade do uso da fora contra os membros recalcitrantes. O que sedepreende desse raciocnio que um sistema de autoridade, para se manter, no pode se

    basear exclusivamente na coero, na imposio preciso que a fonte que exerce ou deonde emana a autoridade seja assimilada e aceita por aqueles que se submetem a ela.

    Segundo Weber, podemos identificar trs tipos puros de dominao legtima:1.2.1 - CARISMTICA

    a) A fonte de legitimidade o carisma: qualidades excepcionais, extraordinriasimputadas a um lder;

    b) A autoridade puramente pessoal; s pessoas podem ter carisma, e ele , viade regra, intransfervel;

    c) O lder a nica fonte legisladora, o que confere dominao carismtica umcarter geralmente autoritrio;

    d) Os seguidores so discpulos e recrutados para a realizao de tarefas deacordo com a vontade do lder, independente de critrios de especializao ecompetncia;

    e) A dominao carismtica possui, relativamente, curta durao, pois depende,para a sua manuteno, da presena fsica do lder, do contato direto dele com seusseguidores. Quando o lder morre, a tendncia a dissoluo do sistema, a no ser queum novo lder carismtico assuma o controle ou que o sistema assuma outra forma;

    f) Profetas religiosos, heris militares, lideranas demaggicas, de grande poderde oratria, so exemplos de lderes carismticos.

    1.2.2 TRADICIONAL

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    a) Autoridade constituda com base na tradio criada em torno de uma posiode status no interior do ordenamento social. O que conta a posio e no o indivduoque a ocupa;

    b) Autoridade do lder limitada exclusivamente pela tradio e costumes;c) Ordem hierrquica que envolve privilgios e regalias garantidos pelo costume

    ou por concesso do lder. Tambm se desconhece, geralmente, critrios de competnciae especializao para o recrutamento dos servidores;e) A dominao tradicional se subdivide em trs tipos: a patriarcal quando o

    lder exerce diretamente sua autoridade -, a patrimonial quando o lder conta com umgrupo de servidores ou funcionrios - e a estamental quando a autoridade exercida

    por um grupo detentor de privilgios adquiridos que os diferencia dos demais membrosda coletividade;

    f) O pai de famlia, os reis, o Papa, o professor so exemplos de lderestradicionais.

    1.2.3 RACIONAL-LEGAL

    a) A fonte de legitimidade a lei, entendida como regras formais: estatutos,regimentos, constituio. No interessa a pessoa, mas o cargo que ela ocupa dentro deuma hierarquia formalmente instituda;

    b) Burocracia: funcionrios responsveis pelas atividades administrativas;c) Autoridade limitada s atribuies do cargo definidas pelas leis ou regras

    formais da organizao;d) Critrio de competncia e especializao para o recrutamento de servidores.

    Controle e hierarquia burocrtica;e) O Estado moderno, empresas, partidos, sindicatos so exemplos desse tipo de

    dominao.

    Essa caracterizao refere-se aos tipos puros de dominao, ou seja, quando noh a ocorrncia de combinao de elementos de dois ou dos trs tipos num casoconcreto. Na realidade, no entanto, o que se encontra majoritariamente so situaes nasquais essas combinaes de fato esto presentes. Por exemplo: um poltico pode usarseu carisma pessoal, se ele o tiver, para se eleger prefeito ou governador ou presidente,tanto faz, e ter que se submeter lei do Estado, combinando, assim, caractersticas dadominao carismtica e racional-legal. O importante, para a continuidade de nossadiscusso, que as instituies polticas modernas - objeto de investigao desse livro -esto fundamentadas em elementos tradicionais e/ou racional-legais. O tipo carismtico,

    por ser efmero e puramente pessoal, dificilmente se concretiza como sistema dedominao de sociedades complexas como as de hoje, ficando restrito a pequenosgrupos ou seitas.

    1.3 - O ESTADO E SEU PAPEL NO MUNDO MODERNOO Estado a organizao poltica mais importante do mundo moderno. Num

    pas, nenhuma outra organizao concentra maior poder de deciso que o Estado, o que chamado de soberania. O mundo formado por Estados soberanos, que exercem suaautoridade sobre um determinado territrio, envolvendo todas as pessoas que ali vivem.Por razes que ainda sero explicadas, a maioria dos Estados que conhecemos hoje so

    divididos em trs partes, os chamados poderes de Estado: o Executivo, o Legislativo eo Judicirio. Ao Executivo cabe a administrao pblica, as relaes com outros pases

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    e o controle das foras armadas, tudo de acordo com o que as leis estabelecem. OLegislativo responsvel pela elaborao das leis e pela fiscalizao das aes doExecutivo. O Judicirio zela pelo cumprimento das leis e determina a punio paraaqueles que no as respeitam, incluindo os membros dos dois outros poderes. Divididadessa forma, a autoridade do Estado pode ser melhor controlada. Voc j imaginou se as

    pessoas que fizessem as leis fossem as mesmas que as executassem? Ou se afiscalizao de um ato fosse feita pela mesma pessoa que o comete? claro que ascoisas no funcionariam bem desse jeito. Alm de exercer sua soberania sobre uma

    populao num determinado territrio, a organizao estatal possui outras caractersticase atribuies bsicas: o controle da segurana e da justia, a existncia de um corpo defuncionrios responsveis pela efetivao das atividades estatais, um sistema tributrio(impostos) para garantir seu funcionamento e a remunerao de seus agentes, o controleda moeda nacional e uma estrutura jurdica (leis). Todo o funcionamento do Estado - adefinio de seus rgos constitutivos, seus limites e atribuies - so definidos por leis,sendo a principal delas a Constituio do pas.

    Nem todas as sociedades at hoje existentes possuram Estado. Somente quando

    atingem determinado grau de complexidade o que inclui uma populao relativamenteextensa, um grau mnimo de diferenciao social entre seus membros em termos declasse, profisso ou outras formas de segmentao funcional, que produzem conflitos deinteresses, entre outros fatores que as coletividades passam a necessitar de umaorganizao especfica que, embora faa parte da sociedade, se diferencie dela paraassumir as funes de autoridade e garantir a ordem. Da forma como o conhecemoshoje, o Estado uma realidade que se apresenta em sua plenitude apenas no mundomoderno. O prprio termo Estado s aparece nessa poca histrica de transio para amodernidade. Isso no significa dizer que nenhuma sociedade, anteriormente, tenhaconstitudo um Estado. Certamente ele existiu nas grandes civilizaes da antiguidade,ainda que no plenamente desenvolvido. Por outro lado, quase consenso entre oscientistas polticos que no havia Estado entre os povos indgenas que viviam no Brasilantes da chegada dos portugueses ou entre a maioria dos povos nativos da frica negra,como os conhecemos no perodo da colonizao ou mesmo antes disso, sendo umaexceo o Egito dos faras. De qualquer forma, o importante que o Estado aorganizao que corporifica o poder poltico, e, medida que as sociedades vo setornando mais complexas e diferenciadas apresentando, por isso, maior diversidade deinteresses particulares e setoriais , a interveno do Estado na vida social, em todas assuas dimenses, tende a ser cada vez mais necessria.

    De acordo com suas caractersticas de constituio e do papel que lhe atribudonuma sociedade, o Estado pode ser classificado a partir de vrios critrios distintos. Ao

    longo desse livro, iremos explorar algumas dessas classificaes. Antes, porm,precisamos fazer uma distino entre Estado e governo. Passemos a ela.

    1.4 - ESTADO E GOVERNO SO A MESMA COISA?

    No, Estado e governo no so a mesma coisa. O Estado uma organizao, umconjunto de instituies articuladas por leis que demarcam a esfera pblica, que dizrespeito aos assuntos coletivos. O governo um grupo de pessoas que temporariamentese ocupa da direo do Poder Executivo. O Legislativo e o Judicirio so partes doEstado, mas no so governo. Governo basicamente a cpula do Poder Executivo,sendo responsvel pela administrao pblica e pela coordenao e direo de todos os

    rgos que esto diretamente subordinados a esse Poder, de acordo com o que as leisestabelecem. Mudanas de governo ocorrem quando esse grupo dirigente substitudo.

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    Mudanas no Estado implicam alteraes nas leis, especialmente na constituio.Assim, enquanto os governos possuem um carter transitrio, o Estado permanente.

    por isso que podemos dizer, por exemplo, governo Lula, mas no Estado Lula; oEstado o brasileiro.

    Os governos podem ser constitudos de diferentes formas de acordo com sua

    organizao e com os critrios fixados para a sucesso dos governantes. Essasdiferenas sero analisadas mais adiante.

    1.5 - CIDADOS? O QUE CIDADANIA?

    Cidadania uma condio definida por um conjunto especfico de direitos edeveres atribudos aos indivduos que integram uma determinada comunidade reunidasob a autoridade de um Estado. Ser cidado significa estar plenamente integrado vidadessa comunidade, contribuindo para o seu desenvolvimento e tendo acesso aos

    benefcios pblicos produzidos por meio das aes do Estado. Os direitos e deveres dacidadania so definidos pelas leis e devem ser reforados constantemente para que ns

    no nos esqueamos deles. Geralmente, os direitos individuais so divididos em trsgrupos:

    a) Polticos: participar de eleies como eleitor e/ou candidato;b) Civis: as liberdades individuais bsicas, como expresso, pensamento,

    opinio, locomoo, religio, associao, entre outros;c) Sociais: a garantia de que todos tero assegurados condies dignas de

    sobrevivncia, incluindo educao, sade, emprego, moradia, etc.Quanto aos deveres, incluem-se o respeito s leis e o cumprimento das

    obrigaes morais que fundam o nosso vnculo com os demais cidados e com odesenvolvimento da comunidade.

    A cidadania pode ser analisada a partir de sua trajetria histrica em cada pas epelo tipo de vnculo que se estabelece entre os cidados e o Estado. H trs critrios declassificao.

    a) Quanto forma de conquista.1) De baixo para cima: quando a populao conquista direitos por meio de lutas

    e presses sobre os governantes;2) De cima para baixo: quando os direitos so concedidos pelos governantes

    sem que haja reivindicaes populares que os forcem a isso.b) Quanto esfera enfatizada.1) Pblica: quando a nfase do exerccio da cidadania recai sobre a participao

    poltica, com a conseqente ampliao do escopo das decises coletivas;

    2)Privada: quando se enfatiza os direitos individuais (civis) como forma de seproteger os cidados de uma interferncia ampla do Estado nos assuntos e interessesparticulares.

    c) Quanto ao tipo de cultura poltica.1) Paroquial: quando no h por parte dos cidados uma percepo acerca da

    existncia de um sistema poltico ou de uma esfera pblica, o que os torna dependentesda ao direta de um lder poltico protetor;

    2) Sdita: quando os cidados percebem a existncia do sistema poltico, masno h meios formais de acess-lo ou no h disposio para a participao poltica;

    3) Participativa: quando os cidados apresentam grande disposio para aparticipao poltica sendo por meio dela que os direitos so conquistados.

    Cada pas possui sua prpria combinao entre os elementos desses trscritrios. Na segunda parte do livro, veremos que, no Brasil, a combinao

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    predominante : conquista de cima para baixo, nfase na esfera privada e cultura sdita.Por ora, examinemos outro importante conceito.

    1.6 NAO E NACIONALISMO

    Nao um tipo coletividade que compartilha uma determinada identidade: aidentidade nacional, que tem servido historicamente como base para a constituio deEstados independentes, os chamados Estados nacionais. No h um critrio nico,especfico, que defina a nao em todos os casos. O sentimento nacional algosubjetivo, que pode ser construdo a partir de diferentes fatores: lngua, religio, raa,ao de uma liderana poltica carismtica, ou mesmo a combinao de vrioselementos que caracterizam a cultura de um povo. No entanto, isoladamente, nenhumdesses fatores pode ser considerado como aquele que sempre define a existncia de umanao. Com efeito, h naes multilnges (ndia) e naes diferentes que falam amesma lngua (Brasil e Portugal). H naes que se constituram por razes deidentidade religiosa (Israel) e outras que apresentam grande diversidade de crenas

    (EUA, Brasil). H casos em que o fator raa foi decisivo (Alemanha nazista), enquantoque em outros se verifica a pluralidade tnica e tambm cultural (mais uma vez o Brasil um exemplo). H naes que no possuem Estado prprio (palestinos, curdos) eEstados que congregam mais de uma nao em seu territrio (Rssia).

    Uma das caractersticas mais marcantes da formao do mundo moderno foi aconstituio dos Estados nacionais, que surgiram primeiramente na Europa, ainda no

    perodo medieval. Como se trata de uma construo histrica, as identidades nacionaisque conhecemos hoje nem sempre existiram, elas foram sendo definidas aos poucos, deacordo com a trajetria prpria de cada povo. Esse processo continua em andamento,

    pois ainda assistimos, na atualidade, a formao de novas naes independentes, comoaconteceu na antiga Iugoslvia, pas que se desmembrou em seis novos pases(Eslovnia, Bsnia-Herzegvina, Crocia, Srvia, Macednia e Montenegro) aps umasangrenta guerra civil no final do sculo passado. Da mesma forma, novas identidadesesto sendo desenvolvidas, substituindo progressivamente as antigas, que o que pareceestar ocorrendo na Europa com a criao da comunidade europia. Alguns analistasacreditam que a chamada globalizao ir, num futuro prximo, diluir as atuaisidentidades nacionais e criar uma identidade nica, que abranger toda a populao do

    planeta.Embora o nacionalismo seja considerado por muitos um sentimento positivo,

    confundindo-se com o patriotismo, o fato que as identidades nacionais so geralmentecriadas e reforadas a partir do contraste ou do confronto com outras identidades e

    naes, gerando preconceitos e xenofobia. Praticamente todas as guerras que o mundopresenciou nos ltimos sculos tiveram componentes nacionalistas, e esses sentimentosso estimulados, em muitos casos, por governantes oportunistas que buscam aumentarsua popularidade por meio de conquistas ou pela exaltao da honra e orgulhonacionais, o que no tem nada de positivo. Assim, podemos considerar que a nao no um atributo natural ou biolgico; ela uma entidade fundamentalmente ideolgica,que ganha consistncia jurdica quando se transforma num pas, com Estado prprio, ouquando reconhecida formalmente por esse Estado e pela comunidade internacional.

    1.7 - FORMAS DE GOVERNO: MONARQUIA E REPBLICA

    A expresso formas de governo designa um dos parmetros para aclassificao do Estado. O critrio utilizado o da formao do governo, o que inclui as

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    regras de sucesso dos governantes, uma concepo acerca da natureza do poderpoltico e o tipo de relao estabelecida entre os governantes e os governados. Aprimeira classificao das formas de governo, proposta por Aristteles, partia de umcritrio mais simples: o nmero de pessoas aptas a participarem ou a exercerem afuno de governar. De acordo com o filsofo, seriam trs as formas de governo: a

    monarquia governo de um s -, a oligarquia governo de um grupo restrito -, e ademocracia governo de muitos ou de todos. No caso das oligarquias, dependendo dogrupo que governa, h diferentes denominaes, por exemplo: plutocracia governodos ricos -, sofocracia governo dos sbios, dos filsofos -, tecnocracia governo dosespecialistas -, entre outros.

    A moderna classificao das formas de governo a que foi proposta porMaquiavel pensador italiano que viveu nos sculos XV e XVI e que considerado ofundador da cincia poltica. Para Maquiavel, cujas idias discutiremos no captulo 2,so duas as formas: monarquia e repblica, sendo que a ltima pode ser democrtica ouoligrquica. Passemos, ento, caracterizao delas.

    1.7.1 - MONARQUIA

    A monarquia se caracteriza por adotar um critrio sucessrio baseado em regrasde hereditariedade aplicadas a uma dinastia: uma determinada famlia fornece osgovernantes distribudos numa linha de sucesso de acordo com os graus de parentesco.O poder poltico visto como algo que deriva da vontade de Deus ou dos Deuses, e porisso ele s pode ser exercido por quem supostamente foi escolhido por Deus o direitodivino do governante - ou por algum que reconhecido como divindade como osfaras egpcios, alguns imperadores romanos e, at recentemente, o imperador do Japo-, sendo esta condio definida pelo nascimento ou conquistada por meio de feitosextraordinrios. Essa concepo tem como conseqncia a idia de que os governados,chamados geralmente de sditos, no esto aptos a interferir na formao do governoou nos assuntos de Estado, e seus direitos no resultam de uma participao polticaformal, derivando unicamente das tradies consolidadas ou da benevolncia domonarca. O poder do monarca vitalcio, e ele s deve satisfao por seus atos a Deusou aos Deuses, ou ainda, sendo ele divindade, a ningum. No h uma separao entreesfera pblica e esfera privada; as decises de governo e os assuntos de Estado seconfundem com os interesses privados do monarca, sendo ele a encarnao daautoridade de origem divina.

    preciso advertir, entretanto, que essa caracterizao geral se aplica, sobretudo,s monarquias antigas ou tradicionais, e que mesmo entre essas h algumas variaes

    dependendo de cada caso, sendo as mais importantes as que dizem respeito ao critriode escolha do sucessor (em algumas situaes o monarca pode ser eleito por umconselho e no por aplicao de regras de hereditariedade ) e aos poderes do monarca que podem ser mais extensos, como nas monarquias absolutistas, ou mais limitados,quando o poder dividido com a nobreza ou com chefes militares.

    J as monarquias de hoje, com raras excees, so chamadas monarquiasconstitucionais, e se distinguem bastante dos tipos tradicionais caracterizados acima. que nesse modelo os monarcas no possuem mais o poder poltico, e suas funes sode natureza cerimonial e protocolar. Quem governa o primeiro ministro apoiado porum parlamento, constituindo um sistema de governo denominado parlamentarismo,sobre o qual falaremos mais adiante. A manuteno de monarcas que no mais

    governam - embora sejam, naturalmente, pessoas respeitadas e que gozam de muitoprestgio - se justifica pela opo desses povos que querem conservar uma tradio que

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    faz parte de sua identidade cultural, de sua histria: continua havendo uma dinastia (afamlia real), os ttulos de realeza permanecem vitalcios e as regras de sucesso soaplicadas, mas a autoridade efetiva, formal, j lhes foi quase toda retirada. S paracitarmos alguns exemplos mais conhecidos, so monarquias constitucionais a Inglaterra,a Espanha, a Sucia, a Holanda, a Blgica, a Noruega, o Japo e mais algumas dezenas

    de pases. A Arbia Saudita conserva ainda o carter absolutista de sua monarquia,sendo uma das atuais excees; nesse pas no h eleies, partidos polticos, PoderLegislativo, e nem mesmo uma Constituio, o que d uma boa medida dos poderesreais. Por fim, a ttulo de curiosidade, h diversas denominaes para os monarcas: reiou rainha (o mais comum), Czar (Rssia), Kaiser (Alemanha), Imperador (Japo, Romaantiga), X (antiga Prsia), Sulto (Turquia, quando ainda era Imprio Otomano), entreoutros.

    1.7.2 - REPBLICA

    A repblica uma forma de governo caracterizada por adotar critrios eletivos

    para a escolha dos governantes. No h regras de hereditariedade e nem dinastias deonde saem os governantes (as excees ficam por conta de alguns regimes ditatoriaisnos quais certos lderes conseguem impor seus filhos como sucessores, casos como o daCoria do Norte e da Sria, por exemplo. No entanto, essa sucesso dinstica no

    prevista nas leis ou em regras tradicionais, apenas um indicativo do enorme poderconcedido ao governante pela oligarquia dominante). O poder poltico visto comoassunto humano e no divino, como na monarquia. Prope-se, e essa uma distinoessencial, uma clara separao entre esfera privada - a dos interesses e direitosindividuais - e esfera pblica, - a dos assuntos de interesse coletivo. No seu sentidooriginal, a repblica implica o direito de participao da coletividade na formao doEstado e nas decises de governo. A extenso dessa participao e os graus de liberdadede que a coletividade desfruta determinam o tipo de repblica, se oligrquica oudemocrtica. Diferente da situao dos sditos numa monarquia tradicional, os cidados

    possuem direitos formais que os capacitam a participar e interferir nos assuntospblicos, incluindo, em muitos casos, a escolha dos governantes. O esprito republicanoincentiva a comunidade poltica a se envolver nas questes que dizem respeito ao bemcomum, e esse envolvimento se traduz no somente em termos de direitos imputadosaos membros dessa comunidade, mas tambm em deveres que revelam a exigncia da

    participao como elemento constituidor de uma cultura cvica adequada e necessria plena realizao dos ideais republicanos.

    Se os direitos de cidadania so extensivos a um grande nmero de indivduos

    que desfrutam de altos graus de liberdade de participao, ento a repblica democrtica. Se, por outro lado, pequeno o nmero de pessoas aptas a participar ou seno h ampla liberdade de opinies e debates sobre os assuntos de governo, ento arepblica oligrquica. A passagem de um tipo ao outro um problema de aplicaodesses princpios gerais a cada caso especfico, e depende da prpria evoluo histricado conceito e da prtica da democracia, que foi progressivamente concedendo direitos

    polticos a parcelas cada vez maiores da populao. Assim, a republica ateniense dossculos VI a IV A.C. foi considerada a primeira experincia democrtica no mundo,embora os direitos de participao estivessem restritos a pouco mais de dez por cento da

    populao, pois s eram cidados plenos os homens maiores de dezoito anos, nascidosem Atenas ou filhos de atenienses, ficando de fora as mulheres e os escravos. Esse

    modelo jamais seria considerado democrtico hoje.

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    importante observar que essas diferenas entre as formas de governo s sosignificativas quando comparamos a repblica com as monarquias tradicionais. Napoca em que essas monarquias predominavam, a adoo do modelo republicanosignificava uma mudana poltica radical em todos os aspectos da organizao doEstado. Significava o fim dos poderes reais, a criao de direitos de participao para a

    populao, em maior ou menor grau, e tambm a transformao do Estado em coisapblica, no mais patrimnio de uma dinastia. Hoje, As monarquias constitucionais(modernas) transformaram sditos em cidados, separaram as esferas pblica e privadae os governos passaram a ser eleitos, compondo uma ordem muito semelhante darepblica. Na verdade, a escolha por uma dessas formas repblica ou monarquiaconstitucional est mais ligada trajetria histrica de cada pas e aos valoressimblicos de sua populao do que propriamente a diferenas essenciais entre elas. Oque define, hoje, de fato, a distino entre Estados e governos no que ser refere relao entre governantes e governados o regime poltico da cada pas. Esse o nosso

    prximo assunto.

    1.8 - REGIMES DE GOVERNO: DEMOCRACIA E DITADURAEssa expresso designa uma segunda forma de classificao do Estado que leva

    em conta os graus de abertura do sistema poltico, ou seja, a capacidade dos cidados deinterferir na formao e fiscalizao do governo e na organizao do Estado. Osregimes polticos so divididos em dois tipos: a democracia e a ditadura. Passeemos caracterizao deles.

    1.8.1 - A DEMOCRACIA

    Democracia uma forma de organizao do Estado que consagra um princpiofundamental: a soberania popular. Na democracia, em tese, o poder poltico e o controledo Estado esto, em ltima instncia, nas mos do conjunto dos cidados. O significadoliteral do termo governo do povo revela um certo exagero, pois haver sempre uma

    parte do povo as crianas, por exemplo que no estar apta a participar do processopoltico. Por isso, para nos aproximarmos mais da realidade dos fatos, prefervel nosreferirmos ao conjunto dos cidados os que possuem direitos polticos plenos do queao povo como um todo. Para que o princpio da soberania popular possa ser efetivado,duas condies primeiras so essenciais: a participao poltica e o debate pblico.Quanto maior for o nmero de cidados aptos a participar e quanto mais livre for essa

    participao em termos do debate de idias e pontos de vista mais democrtico ser

    o regime. Uma segunda questo a forma pela qual a soberania exercida. Por essecritrio, as democracias podem ser classificadas em trs tipos bsicos.

    A) Democracia Direta

    aquela em que os cidados decidem diretamente, eles prprios, sobre osassuntos de governo. Era assim que funcionava a democracia ateniense, na antiguidadegrega, qual fizemos breve referncia no item sobre a repblica. Os cidados ateniensesse reuniam eventualmente formando uma assemblia, chamadaEclsia, na qual todos osassuntos de interesse pblico eram discutidos e decises tomadas. No havia a figura do

    poltico, ou, em outras palavras, todos os cidados assumiam as funes que os polticostm hoje. As deliberaes eram implementadas de acordo com a vontade da maioria,

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    no havendo distino de direitos entre os cidados: todos tinham direito de voz e voto.Nas sociedades atuais, a democracia assumiu uma forma diferente. Vejamos.

    B) Democracia Representativa

    No mundo moderno, os direitos polticos da cidadania foram sendo ampliadospara parcelas cada vez maiores da populao, totalizando, em quase todos os pases,milhes ou pelo menos centenas de milhares de cidados. Esse nmero inviabiliza aaplicao do modelo da democracia direta, pois seria impossvel, nessas condies,fazer funcionar uma assemblia como a dos atenienses. Alm disso, os assuntos tratados

    pelos governos de hoje so muito mais variados e complexos. Os gregos dispunham deescravos que trabalhavam para que os cidados pudessem se dedicar poltica. Isso noexiste mais; todos ns trabalhamos em diversas profisses e no dispomos de tempo

    para conhecermos a fundo essa gama variada de temas que so objeto de decises polticas e governamentais. Assim, o exerccio de nossa soberania se d de formaindireta: elegemos pessoas, os polticos profissionais, que vo decidir em nosso nome.

    Essa forma de democracia, na qual elegemos representantes, chamadademocracia representativa, e tambm conhecida como democracia moderna oudemocracia liberal. fcil percebermos trs importantes aspectos desse modelo.

    O primeiro que o voto constitui um instrumento fundamental, embora no onico, para que possamos efetivar nossa cidadania. Na prtica, o voto funciona como sefosse uma procurao, uma autorizao que damos a algum para que ele decida porns. Por isso, votar um ato de extrema responsabilidade, que deve ser sempre exercidode forma consciente, por meio de um conhecimento prvio acerca de quem so oscandidatos para que possamos ter o mximo de segurana possvel ao escolhermos umdeles ou mesmo um partido. Da mesma maneira que no damos nossa autorizao paraque qualquer um administre nosso dinheiro, no devemos dar nosso voto para algumsem checar sua biografia e seus propsitos, e jamais podemos deixar de fiscalizar ocomportamento de nossos representantes para termos certeza do que eles esto fazendoem nosso nome.

    O segundo ponto a necessidade que temos dos polticos, afinal quem tomariaas decises na impossibilidade de uma democracia direta? A carreira poltica, quandolevada a srio, uma das vocaes mais importantes que encontramos no interior dassociedades complexas, pois, como j vimos, no h sociedade sem poltica. Maisfrutfero do que criticarmos generalizadamente os polticos fundamentarmos bemnossas escolhas para que eles no se desviem do esprito pblico que essa atividadeexige, e fazermos com que eles percebam que precisam estar cada vez melhor

    preparados para pleitearem a condio de nossos representantes.E o terceiro ponto que os polticos no podem deixar de ser profissionais, isto, pagos para exercerem essa atividade, pois, caso contrrio, a poltica s estaria aoalcance dos ricos, dos que pudessem se dedicar exclusivamente a ela sem qualquerremunerao, o que no o caso dos trabalhadores.

    Para que a democracia representativa possa ser posta em prtica, respeitando-seseus fundamentos bsicos, so necessrias algumas condies que foram sendodesenvolvidas, na teoria e na prtica, ao longo do tempo. Tais condies estorelacionadas ao surgimento do pensamento liberal, da o nome democracia liberal. Maisadiante, quando falarmos do liberalismo, voltaremos a esse ponto e completaremos acaracterizao desse modelo de democracia. Passemos, agora, ao terceiro tipo de nossa

    classificao.

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    C) Democracia Participativa

    Uma das crticas mais comuns democracia representativa que a maioria doscidados acaba limitando sua participao poltica ao momento eleitoral; o eleitor vota edepois se esquece da poltica at a eleio seguinte. A maneira de se corrigir esse

    problema e aumentar os nveis de participao seria a implementao de mecanismos dedemocracia direta, que ampliariam o nmero de decises a serem tomadas pelosprprios cidados e no mais pelos polticos que nos representam. Na verdade, ademocracia representativa j dispe de alguns desses mecanismos, como o plebiscito e oreferendo, que so utilizados eventualmente para decidirmos sobre assuntosimportantes. claro que tambm podemos participar da poltica por meio demanifestaes pblicas, projetos de lei de iniciativa popular (ver a segunda parte desselivro, captulo 2, item 2.4) e outras prticas que expressam nossos direitos de cidadania.

    No entanto, a idia da democracia participativa envolve mais que isso: ela implica queum conjunto de decises governamentais seja retirado da esfera de competncia dos

    polticos e agentes pblicos e passe para a responsabilidade dos cidados, que reunidos

    em diferentes organizaes sociais exerceriam diretamente essa prerrogativa. Aexperincia do chamado oramento participativo, implantado em algumas cidades

    brasileiras, seria um exemplo desse modelo. O objetivo da democracia participativa ode aumentar os nveis de participao estimulando os cidados, bem de acordo com oesprito republicano, a se envolverem mais nos assuntos de interesse coletivo. Algunsanalistas acreditam que, de forma gradual, o aperfeioamento da democracia dever

    passar pela expanso dos mecanismos de participao direta no processo poltico. Serpreciso, contudo, superar alguns obstculos, notadamente o prprio desinteresse doscidados, que mostram pouca disposio para se envolverem mais a fundo com asquestes pblicas, e a falta de um arranjo que defina precisamente como a sociedade iriase organizar para assumir essa responsabilidade; em outras palavras, quais organizaesou quais processos seriam criados ou legitimados como instncias de deciso, comoseria feita a fiscalizao e coordenao dessas diferentes instncias para que no haja asobreposio de poderes e para que as competncias sejam bem definidas e delimitadas?Ainda no h resposta para essas perguntas, e s o tempo dir at que ponto essemodelo vivel.

    Passemos, agora, para a caracterizao do segundo tipo de regime poltico: asditaduras.

    1.8.2 - DITADURAS

    A ditadura o regime de governo que reduz significativamente a participaopoltica ou o debate pblico, ou ambas as coisas. De acordo com sua constituio eprincpios, podemos distinguir dois tipos de ditadura.

    A) Ditaduras Autoritrias

    So aquelas em que a suspenso ou no implantao do modelo democrtico no

    decorre de um projeto especfico de sociedade que se quer criar e no qual a democraciano tem lugar. O autoritarismo resulta, geralmente, de uma situao poltica especfica

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    que leva um grupo ou segmento social a usurpar o poder mediante a justificativa de quea sociedade no est preparada para o regime democrtico. Crises polticas, econmicase sociais que se arrastam ameaando a manuteno da ordem social podem levar aoestabelecimento de governos autoritrios que se apresentam como salvadores da

    ptria, aqueles capazes de resolver as crises preparando o terreno para uma futura

    democratizao. Esse tempo de preparao pode durar alguns anos ou algumas dcadas,pois o autoritarismo tende a se perpetuar caso no haja uma fora contrria que oabrevie. Em alguns casos, os regimes autoritrios buscam sua legitimao na dennciade que a democracia vigente est em risco pela ao de grupos polticos que queremsolap-la, e que preciso, portanto, proteg-la da ameaa, ainda que para isso sejanecessria a sua supresso temporria. O golpe de 1964, no Brasil, um exemplo dessescasos. Os regimes autoritrios podem conviver com uma oposio limitada e controlada,com algum debate pblico, como aconteceu na ditadura militar brasileira, que admitiaum partido de oposio, o MDB. No h a preocupao dos governos autoritrios deexercer um controle absoluto sobre todas as atividades sociais. A preocupao dessesgovernantes limitada ao exerccio do poder poltico, mantendo-se um certo grau de

    pluralismo no que se refere produo artstica e cultural, prticas religiosas e estilos devida. A censura imprensa e s artes feita somente quando se entende que a ordem

    poltica ou os valores morais esto sendo ameaados. A oposio ilegal duramentecombatida por meio da violncia, priso e exlio; direitos individuais so suprimidos em

    parte, especialmente os direitos polticos, e a participao s tolerada at o ponto emque no ameace a estabilidade e manuteno do governo. So caractersticas tpicas dasditaduras a centralizao do poder com o enfraquecimento das estruturas de poderregionais e municipais a submisso do Legislativo ao Executivo e a supresso daseleies, ou pelo menos a sua restrio aos cargos de menor importncia. Em algunscasos, os limites participao e ao debate pblico podem ocultar o vis autoritrio doregime, ainda que formalmente haja uma ordem aparentemente democrtica. ARepblica Velha (1889-1930), no Brasil, no classificada como ditadura, pois haviaat eleies presidenciais, mas, no entanto, o fato dos analfabetos e das mulheres no

    poderem votar exclua por volta de noventa por cento da populao do processoeleitoral. Da mesma forma, eleies fraudadas e arbitrariedades cometidas contracandidatos e partidos oposicionistas so tambm mtodos usados por governantesautoritrios que querem dissimular suas tendncias polticas forjando um processosupostamente democrtico.

    Algumas ditaduras autoritrias resultam simplesmente da capacidade de certosgrupos ou lideranas de imporem-se como governantes para proveito prprio.Amparados por armas, pelo terror que patrocinam ou pela apatia e desorganizao da

    populao, esses ditadores acalentam o projeto de manterem-se no poder o tempo quefor possvel, pilhando o Estado, usando privadamente o patrimnio pblico e criandoum sistema de benesses e privilgios para seus amigos, parentes e aliados. Taisgovernos costumam ser alijados do poder por meio de revoltas sangrentas, motivadas

    pelo descontentamento popular ou ento por disputas dentro do prprio grupo dirigente.No Brasil, o Estado Novo (1938-1945) e o regime militar (1964-1985) so

    exemplos de ditaduras autoritrias.

    B) Ditaduras Totalitrias

    As ditaduras totalitrias so aquelas que apresentam um projeto global de

    sociedade do qual a democracia representativa no faz parte por ser considerada umregime inadequado de governo, que precisa ser definitivamente excludo. Todas as

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    atividades sociais so controladas diretamente pelo Estado. Nega-se o pluralismopoltico social e cultural. No se tolera qualquer forma de oposio; so regimes de umnico partido, e os dissidentes so severamente punidos. A violncia largamenteutilizada por um aparato repressivo que exerce uma vigilncia permanente sobre asociedade em busca de possveis ameaas ordem estabelecida.

    O totalitarismo, em suas variaes, apresenta uma concepo orgnica desociedade (organicismo), na qual cada atividade ou instituio social vista como parteintegrante de um todo, um sistema que deve estar perfeitamente articulado para que sealcance o mximo de harmonia social, evitando-se os conflitos e disputas que possamcompromet-la. Assim, as artes, atividades culturais, organizaes sociais, religio,empresas, etc., devem ser ajustadas de acordo com as determinaes oficias, visando-sea adequao das expectativas e interesses individuais aos objetivos coletivos definidos

    pelo grupo dirigente. No se reconhece direitos individuais cujo exerccio possa levar auma contradio com esses objetivos. H uma ampla primazia do Executivo sobre osdemais poderes, sendo que o Legislativo costuma nem mesmo existir, ou quando existe transformado em uma instituio figurativa. A participao poltica pode ser

    estimulada quando se trata da exaltao do regime, jamais contra ele. O debate pblico suprimido, e o modelo democrtico representativo visto como nocivo ordem, ummodelo gerador de conflitos, demagogia e corrupo que deve ser definitivamenteeliminado.

    Os exemplos de ditadura totalitria so: o nazismo (Alemanha), o fascismo(Itlia) e o comunismo (URSS e China, at os anos oitenta). Sobre o fascismo, importante ressaltar que essa doutrina serviu de inspirao para muitos regimesautoritrios que copiaram alguns de seus aspectos. Por isso, o termo fascismo passou aser usado como sinnimo de ditadura em geral, mas preciso ter cuidado para noigualar casos que no so idnticos. No captulo sobre as ideologias polticas voltaremosa falar sobre essas doutrinas.

    1.9 - SISTEMAS DE GOVERNO: PRESIDENCIALISMO EPARLAMENTARISMO

    A expresso sistemas de governo designa uma terceira forma de classificaodos Estados que focaliza a organizao do Poder Executivo e suas relaes com oLegislativo. No h nenhuma demonstrao clara acerca da suposta superioridade de umsistema de governo sobre o outro, mas as diferenas entre eles so bastantesignificativas. Para analis-las, precisamos, primeiro, fazer uma distino entre funesde Estado e funes de governo. O Executivo tem suas atribuies divididas nessas duas

    funes. As primeiras englobam o comando da poltica externa a relao com outrospases o controle das foras armadas e alguns outros poderes constitucionais quevariam de caso a caso. J as funes de governo dizem respeito direo daadministrao pblica, ou seja, ao exerccio de fato dos poderes governamentais quantos questes internas do pas. O responsvel pelas primeiras funes chamado de chefede Estado, e, pelas ltimas, de chefe de governo. Vejamos, agora, as diferenas entre osdois sistemas: o presidencialismo e o parlamentarismo.

    1.9.1 - PRESIDENCIALISMO

    Inventado nos Estados Unidos, que adotou esse sistema aps sua independncia.

    O presidente ao mesmo tempo chefe de Estado e chefe de governo. Se for um regimedemocrtico, sua eleio se d pelo voto popular, e o vencedor do pleito ganha o direito

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    de governar por um determinado perodo, dependendo da constituio de cada pas.Esse mandato s pode ser abreviado pela morte, incapacitao por doena, renncia ouimpeachment do presidente, sendo este ltimo caso resultado de um processo noLegislativo que s aberto caso o presidente tenha cometido alguma irregularidadegrave na opinio dos legisladores. Isso significa que o presidente no pode ser

    substitudo simplesmente por no estar fazendo um bom governo; ele tem direito deconcluir seu mandato ainda que a opinio pblica lhe seja desfavorvel. No presidencialismo, os poderes Executivo e Legislativo esto nitidamente separados; opresidente no depende da existncia de uma maioria parlamentar que o apie para queele possa permanecer no cargo ou para tomar decises de sua exclusiva competncia. O

    presidente tem tambm autonomia para montar seu ministrio. O presidente tem ainda opoder de veto, ou seja, ele pode vetar leis, ou partes delas, aprovadas no Legislativo,havendo, em contrapartida, a possibilidade do legislativo de derrubar o veto

    presidencial, o que geralmente exige um qurum elevado. Percebe-se que esse sistemaconfere poderes considerveis ao presidente, o que criticado por muitos analistas. O

    presidencialismo s compatvel com a forma republicana de governo; no existe

    presidencialismo combinado com monarquia.

    1.9.2 - PARLAMENTARISMO

    Inventado pelos ingleses aps a guerra civil (sculo XVII) que ps fim spretenses absolutistas dos monarcas da poca. Lembrando que o parlamento representao Poder Legislativo e, como veremos, ele possui algumas funes que interferemdiretamente na estruturao e funcionamento do Poder Executivo de forma muito maisdecisiva do que a que se verifica no presidencialismo. O parlamentarismo pode sermonrquico ou republicano. Vejamos cada caso.

    Monarquias parlamentaristas so o mesmo que monarquias constitucionais.Formalmente, o monarca o chefe de Estado, reconhecido e consagrado pelas regras dehereditariedade dinstica j comentadas anteriormente. No entanto, ele no exerce, defato, as funes de Estado; suas atribuies so protocolares e cerimoniais, e suaautoridade muito mais simblica do que efetiva. o primeiro ministro, chamado chefede governo, que assume tanto as funes de Estado quanto as de governo.

    Nas repblicas parlamentaristas, o chefe de Estado o presidente, geralmenteeleito pelo parlamento. Suas funes variam de caso para caso, mas na maioria dos

    pases que adotam esse modelo tambm o primeiro ministro a figura de maiorimportncia poltica, assumindo as funes de governo e a maior parte das funes deEstado (Frana e Portugal possuem sistemas de governo que equilibram os poderes do

    presidente e do primeiro ministro, e por isso so chamados por muitos de sistemasmistos, um meio termo entre parlamentarismo e presidencialismo).Em ambos os casos na repblica e na monarquia - o primeiro ministro o lder

    do partido majoritrio no parlamento. Aps as eleies parlamentares, o partido queconquistou a maioria ganha o direito de indicar o primeiro ministro. Se nenhum partidosozinho obtiver a maioria, o mais votado tem a preferncia para constituir alianas com

    partidos menores para que essa maioria seja alcanada. Aqui se encontra uma diferenafundamental entre os dois sistemas. Ao contrrio do presidencialismo, no que se refereao mandato do presidente, no parlamentarismo o primeiro ministro s se mantm nocargo enquanto contar com o apoio de uma maioria parlamentar. Se seu governo estivertendo um desempenho muito ruim, o parlamento pode se reunir e retirar seu apoio

    majoritrio, forando a mudana do chefe de governo. Esse mecanismo chamado devoto de censura ou de desconfiana. Essa troca pode ocorrer tambm se o prprio

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    partido resolver substituir seu lder em razo de suas deficincias com governante ou atmesmo por disputas internas. Dessa forma, o primeiro ministro no possui um mandatofixo, podendo ser substitudo a qualquer momento. Se durante uma legislatura houverdificuldades para se formar uma maioria, o chefe de Estado, na maior parte dos casos,

    pode dissolver o parlamento e convocar novas eleies com o objetivo de superar o

    impasse. Outro ponto importante que como o primeiro ministro depende doparlamento, ele obrigado a prestar contas aos parlamentares regularmente, e os nomesque ele escolhe para compor o seu gabinete (o mesmo que ministrio) precisam tambmda aprovao do parlamento. As eleies parlamentares ocorrem regularmente, de formadireta, e caso um partido consiga vencer eleies seguidas possvel que um primeiroministro fique muitos anos no poder.

    Essas so as caractersticas mais gerais do parlamentarismo. Por ser um sistemamais complexo, h muitas variaes entre os pases que o adotam. Porm, o maisimportante que nesse sistema o Executivo muito mais dependente e condicionado

    pelo Legislativo do que no presidencialismo. Isso implica uma maior responsabilidadedos parlamentares nos assuntos e no desempenho dos governos, o que para alguns

    analistas positivo, e para outros, negativo.So exemplos de monarquia parlamentarista a Inglaterra, o Japo, a Espanha,

    entre outros. Itlia e Alemanha so algumas das repblicas parlamentaristas existenteshoje.

    1.10 - SISTEMAS ELEITORAIS: MAJORITRIO E PROPORCIONAL

    Os sistemas eleitorais so parte essencial dos regimes democrticos, pois pormeio deles que se determina o critrio a ser utilizado para transformar os votos doscidados em representantes eleitos. Cada pas possui o seu sistema eleitoral com regrasespecficas, mas essas variaes ocorrem em torno de dois sistemas bsicos.

    1.10.1 SISTEMA MAJORITRIO

    aquele em que os candidatos ou chapas que recebem o maior nmero de votosso eleitos, independente de qualquer outro fator. fcil perceber que em eleies ondeh somente um cargo em disputa prefeito, governador, presidente o mais votado sero vencedor. Mas tambm possvel adotar esse sistema em eleies para compor rgoscoletivos, como as assemblias legislativas e as cmaras municipais e federal. Nessescasos, o territrio do pas, estado ou municpio dividido em pequenas regies, comaproximadamente o mesmo nmero de eleitores, chamadas distritos eleitorais. Cada

    partido apresenta um nico candidato por distrito, e os eleitores s podem votar emcandidatos do seu distrito. O nmero de distritos igual ao nmero de vagas em disputa,e o candidato mais votado em cada um deles est eleito, preenchendo-se todas as vagas.Em uma outra forma de se aplicar o princpio majoritrio, o eleitor vota numa chapa

    para a composio da diretoria de uma entidade qualquer. A chapa mais votada elegetodos os seus integrantes. No Brasil, adotamos o sistema majoritrio para a eleio dossenadores e dos cargos do Executivo: prefeito, governador e presidente.

    1.10.2 SISTEMA PROPORCIONAL

    aquele em que as vagas em disputa so divididas proporcionalmente entre os

    partidos de acordo com seu desempenho eleitoral. Assim, se um partido obteve vintepor cento dos votos nas eleies, ele ter direito de preencher o nmero correspondente

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    de vagas. Os eleitos podem ser os mais votados se for possvel votar em candidatosseparados ou os nomes de uma lista apresentada pelos partidos e votadas peloseleitores. No Brasil, usamos o sistema proporcional para a eleio de vereadores edeputados.

    H variaes considerveis na forma de se operacionalizar os dois princpios

    majoritrio e proporcional adotada em cada pas. H tambm uma intensa controvrsiaentre os analistas acerca das possveis virtudes e dos supostos defeitos de um e de outrosistema. Iremos detalhar um pouco mais esse assunto quando discutirmos o sistemaeleitoral brasileiro.

    CAPTULO 2 O PENSAMENTO POLTICO CLSSICO

    Os conceitos discutidos na primeira parte desse livro so resultado do

    desenvolvimento das idias polticas ao longo dos sculos. Nessa segunda parte,discutiremos introdutoriamente o pensamento de cinco autores considerados clssicosda teoria poltica moderna. A seleo dos nomes obedece ao critrio da importncia desuas obras, medida pela influncia que elas exerceram na definio das instituies e dodebate poltico contemporneos. O perodo de atividade intelectual desses autores vaido final do sculo XV at o sculo XVIII. Embora outros nomes pudessem serincludos, esses cinco so bastante representativos para entendermos as grandesquestes que ainda hoje mobilizam as atenes dos cientistas polticos. Na terceira partedo livro, quando nos voltaremos para a anlise das ideologias polticas, outros autoressero citados e comentados, especialmente Karl Marx, que, no sculo XIX, criou,

    juntamente com seu colaborador, Friedrich Engels, a doutrina do comunismo, uma das

    mais importantes da modernidade.

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    2.1 - NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527)

    Pensador poltico, escritor, diplomata e historiador, o italiano Maquiavel,nascido em Florena, considerado o fundador da cincia poltica moderna. Essereconhecimento se deve ao seu mtodo de anlise dos fenmenos polticos, que era

    totalmente distinto do que se conhecia at ento. Antes de Maquiavel, o pensamento poltico da antiguidade clssica grega e o da poca medieval se caracterizavam,respectivamente, pela especulao filosfica e pela moral religiosa. No primeiro caso, areflexo envolvia concepes de sociedades e de governantes ideais e imaginrios, com

    pouca ou nenhuma correspondncia com a realidade, enquanto que, no segundo, osdesgnios de Deus, como eram interpretados pelos pensadores catlicos, orientavam asanlises acerca do poder e das instituies polticas. Maquiavel ps fim a essastendncias. Seu mtodo de investigao apresenta caractersticas que so prprias dacincia moderna, incluindo:

    a) o compromisso com a realidade dos fatos: trata-se de no especular sobreestados, sociedades ou governantes ideais, mas sim de analisar casos concretos,

    realmente existentes, buscando-se a verdade efetiva das coisas, o mundo como ele defato ;

    b) o estudo da histria como campo emprico de observao;c) separao da poltica da moral religiosa; no se deve analisar as instituies e

    as atitudes dos governantes a partir de consideraes ticas comuns da vida cotidiana. Apoltica um campo prprio de atividade social que precisa ser tratado dentro de suaespecificidade;

    d) a busca pelos fundamentos prticos do poder poltico: a ao dos governantese as razes que levam os Estados a se constiturem, se manterem ou decarem.

    Utilizando esse mtodo de investigao, Maquiavel chegou a algumasconcluses sobre a poltica que podem ser consideradas universais, independentes decontextos histricos. A primeira delas, que a que est mais identificada com o

    pensamento do autor, a de que os governantes so julgados pelos resultados de suasaes e no por seus mtodos. A mxima os fins justificam os meios, embora no sejade sua autoria, representa bem o que se depreende de sua obra mais famosa, OPrncipe. significativo que lderes polticos extremistas, de esquerda ou de direita,tenham confirmado esse ensinamento. Hitler o fez ao eliminar a cpula das SA (Sessesde Assalto), organizao paramilitar do partido nazista que muito contribuiu para a suaascenso ao poder e que era temida e odiada pelo exrcito alemo, do qual Hitlerdependia do apoio. Lnin, por sua vez, dizia que para se fazer uma omelete precisoquebrar os ovos, justificando o terror revolucionrio aps a revoluo russa. Getlio

    Vargas, que era um estadista de idias bem mais moderadas, durante seu primeiro perodo de governo (1930-1945) - que foi uma ditadura de inspirao nitidamentefascista - matou, traiu, censurou e at deportou opositores, mas por conta da legislaotrabalhista que ele implantou passou histria como o pai dos pobres, venerado pelamaioria da populao trabalhadora brasileira.

    A segunda concluso importante foi a de que o poder poltico se fundamenta nasleis e nas armas, justia e coero, o que corresponde perfeitamente ao que vemos hojena constituio dos Estados. Uma terceira concluso, essa bem mais polmica, a dosuposto carter cclico da histria, isto , h situaes genricas, similitudescircunstanciais, que se repetem e que indicam a necessidade do governante de conhecero passado para saber como agir no presente. A esse respeito, ao analisar a trajetria de

    diversos governantes, Maquiavel concluiu que o sucesso deles depende da conflunciade dois fatores: a virtu, que a capacidade de saber agir diante das circunstncias - que

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    inclui esperteza, habilidade e sabedoria e afortuna, que o acaso, as foras que nose pode controlar, a conjugao favorvel ou desfavorvel de eventos que interferemnos resultados. A virtu e a boa fortuna determinam, assim, o sucesso do governante.

    Em O Prncipe seu livro mais famoso, mas no o mais importante Maquiavel apresenta um receiturio para se alcanar a virtu, mostrando como um

    estadista, ou pretendente a tal, deveria agir diante das mais diferentes situaes eproblemas com os quais ele fatalmente se deparar. A obra no foi bem aceita em seutempo por ter sido considerada amoral, e acabou includa no ndex de livros proibidos

    pela Igreja Catlica. No entanto, em outro livro, Discursos sobre a Primeira Dcadade Tito Lvio, com suas acuradas anlises histricas, que o pensamento de Maquiavelatinge o seu ponto culminante.

    Por fim, deve-se salientar ainda que Maquiavel foi o primeiro autor a utilizar otermo Estado, incluindo-o no vocabulrio poltico, e que a forma moderna declassificao dos governos monarquia e repblica tambm um legado seu.

    O realismo analtico, a investigao emprica, a observao dos exemploshistricos e a preocupao com a eficcia da ao poltica, no sentido da conquista e da

    manuteno do poder, so os elementos que conferem a Maquiavel o merecido ttulo defundador da cincia poltica moderna.

    2.2 THOMAS HOBBES (1588-1679)

    O ingls Thomas Hobbes considerado o maior terico do absolutismo, tendo seposicionado contra os liberais na Guerra Civil Inglesa, no final do sculo XVII. Asidias de Hobbes acerca da constituio da sociedade e do poder poltico expressas,sobretudo, em sua obra: O Leviat - ainda hoje so discutidas pelos filsofos ecientistas polticos, o que demonstra a sua atualidade. Hobbes foi um autorcontratualista, e sobre o contratualismo falaremos um pouco mais na terceira parte dolivro.

    Por ora, o mais importante compreendermos que Hobbes fazia uma distinoentre dois perodos da histria da humanidade: o estado de natureza e o estado social.Para o autor, o homem no possui uma sociabilidade natural que o leva a viver emgrupo; os homens vivem em coletividade por interesse pessoal. Vejamos o porqu.

    O comportamento humano sempre pautado, em primeiro lugar, pelo desejo deauto-preservao, de sobrevivncia. No estado de natureza, os homens viviam isoladosuns dos outros; no havia sociedade, poder poltico, noes de moral ou de justia. Naausncia de regras, leis ou qualquer forma organizada de autoridade, os homensusufruam de uma liberdade absoluta, mas em contrapartida encontravam-se numa

    situao de guerra permanente, num estado de misria e violncia, uma vez que,decorrente do direito natural, cada um podia fazer o que bem quisesse visandomaximizar seu interesse, seu bem estar, sua prpria preservao. Da resultava a luta detodos contra todos: o homem o lobo do homem, como dizia um filsofo grego daantiguidade. Mas por serem racionais, ou seja, por serem capazes de adequar suas aesaos fins pretendidos, os homens perceberam que esse estado de natureza era ruim paratodo mundo, pois cada qual se via constantemente ameaado pela violnciageneralizada. Por interesse prprio, para superar o estado de guerra permanente, oshomens resolveram fazer um acordo, um contrato (contratualismo) que deu origem sociedade, ao estado social. Nesse contrato, os homens aceitaram abrir mo da liberdadeabsoluta de que desfrutavam em troca da segurana para melhor preservarem suas

    prprias vidas. Assim, a sociedade decorre de uma ao racional e egosta e no de umatendncia natural sociabilidade.

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    No entanto, para que a sociedade possa existir preciso que um poder polticoabsoluto seja constitudo, caso contrrio o egosmo intrnseco s nossas aes levariatodos de volta ao estado de natureza: o interesse prprio faz com que os homens estejamconstantemente dispostos a violar as regras e as leis da coletividade. Assim, no contrato

    por eles firmado, os homens abrem mo de sua liberdade e a depositam nas mos de um

    soberano o monarca absoluto que dever garantir a paz e a segurana. S um poderdesse tipo seria capaz de evitar que as paixes e os interesses humanos revigorassem oestado de guerra de todos contra todos. Ao soberano cabe fazer as leis e organizar acoletividade de tal modo que o egosmo seja contido e a vida social preservada.

    O mais importante no pensamento de Hobbes no o acerto histrico de suasidias. Provavelmente, esse estado de natureza, no qual os homens viviam isolados,

    jamais existiu. O que importa a sua idia a respeito da natureza humana: aracionalidade e o egosmo. Se nossas aes so de fato orientadas por essas duascaractersticas, ento a existncia e a manuteno da ordem social se tornam

    problemticas, a menos que sejam garantidas pela coero, pela fora. Tomemos umexemplo: pagamos impostos para que os governos possam, em tese, produzir benefcios

    pblicos. Para um indivduo racional e egosta, o ideal que todos paguem impostosmenos ele, pois assim ele ter um duplo ganho: economizar sua contribuio edesfrutar do benefcio produzido pela contribuio de todos os outros. Tudo o que dizrespeito a ao coletiva aquela em que pessoas se unem para alcanar um fim comum

    padece desse dilema, e a sociedade nada mais que um exemplo de ao coletiva, queenvolve a necessidade de cooperao. O problema que, para Hobbes, tal cooperaos se mantm pela fora, pelo poder do Estado que nos obriga a cooperar para nosermos punidos. Afinal, quantas pessoas se disporiam a pagar seus impostoscorretamente se nenhuma punio lhes fosse impingida caso no o fizessem?

    Ao discorrer sobre a racionalidade e o egosmo humanos, Hobbes traz para areflexo poltica uma srie de questes essenciais para a nossa compreenso da vidasocial e da funcionalidade do poder. Qualquer tipo de organizao que se forma emtorno de interesses coletivos sindicatos, partidos, associaes comunitrias ou declasse e a prpria sociedade enfrenta os dilemas propostos pelo autor. Em Hobbes, aexistncia de coletividades no tratada como um fato dado, mas sim como um

    problema terico a ser analisado.

    2.3 JOHN LOCKE (1632-1704)

    O filsofo ingls John Locke autor de Dois Tratados Sobre o Governo Civil,

    obra em que expe de forma sistemtica seu pensamento poltico - considerado o maisimportante precursor do liberalismo (que uma das principais ideologias do mundomoderno e da qual trataremos no terceiro captulo desse livro). Ao contrrio de Hobbes,Locke foi um pensador anti-absolutista, que apoiou, na Guerra Civil Inglesa, as forasque se opunham aos poderes da realeza. Tambm foi um autor contratualista,discernindo estado de natureza e estado social, mas suas idias a respeito das duas fasese do contrato que deu origem ordem social guardam diferenas importantes emrelao ao pensamento hobbesiano.

    No estado de natureza, os homens eram livres porque no havia leis ouautoridade que os coibissem e iguais por estarem todos na mesma situao. Aracionalidade e o auto-interesse determinam as aes humanas; at a as semelhanas

    com Hobbes so bastante claras. No entanto, Locke acreditava que mesmo no estado denatureza os homens, sem qualquer distino, j dispunham de direitos naturais que a

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    eles interessava preservar: o direito vida, liberdade, ao trabalho, propriedade privada e liberdade de conscincia religiosa. Essa noo de direitos naturais,intrnsecos a todos os seres humanos, ficou conhecida como jusnaturalismo (ver

    prximo captulo, item 3.1). Por serem racionais, os homens viviam em relativa paz noestado de natureza diferentemente do que pensava Hobbes pois a guerra

    generalizada no seria compatvel com o interesse da auto-preservao. No entanto, aausncia de leis e de autoridade formalmente constituda gerava um quadro deinsegurana: a possibilidade dos mais fortes de usurparem os direitos dos mais fracos. Asoluo o contrato, o acordo para a criao da sociedade. Tambm nesse caso a ordemsocial vista como resultante de uma ao racional e auto-interessada, mas o estadosocial ganha novos contornos no pensamento lockeano.

    O Estado (o poder poltico) foi criado para servir os homens, para lhes garantirsegurana e o usufruto de seus direitos naturais; ele um meio e no um fim em simesmo. Os homens firmam o contrato, ou o aceitam, no para abrirem mo de seusdireitos e muito menos para depositarem toda a sua liberdade nas mos de um soberanoabsoluto. O estado social um aprimoramento do estado de natureza e no a sua

    completa negao; ele a liberdade com segurana. O poder poltico surge porconsentimento e deve ser controlado por quem o criou. A forma de se fazer isso submeter o governante s leis, que alm de garantirem os direitos individuais limitando a autoridade do Estado devem ser discutidas e aprovadas por uma instnciaformada por representantes da populao: o Poder Legislativo, autnomo e soberano.Contra o poder absoluto, sinnimo de tirania, Locke defendia at mesmo o direito rebelio. O leitor mais atento poderia imaginar que Locke estivesse pregando ademocracia; no chegava a tanto. Seu modelo previa o direito de voto apenas para ossegmentos mais abastados da populao, especialmente os proprietrios, ou seja, o votocensitrio ao invs do voto universal, que o mais compatvel com os valoresdemocrticos.

    De qualquer forma, a sua defesa de um governo limitado por leis, elaboradas emum parlamento independente, e sua nfase na preservao dos direitos individuaisinalienveis que nenhum governante pode suprimir - antecipavam a forma do Estadoliberal que se desenvolveria na Inglaterra, aps o termino da Guerra Civil, e que aolongo dos sculos seguintes se espalharia para outras partes do mundo. Correlatamente,ao centralizar o direito propriedade privada considerado por ele um dos maisfundamentais para a liberdade humana Locke consagrou os interesses da burguesia e aviso individualista de sociedade (ver prximo captulo) que serviu ascenso social,

    poltica e econmica dessa classe.

    2.4 - MONTESQUIEU (1689-1755)Filsofo francs, de famlia nobre, Montesquieu um dos expoentes do

    Iluminismo (um importante movimento intelectual do qual falaremos mais adiante). Emsua principal obra, intitulada O Esprito das Leis, Montesquieu expe suas duas

    principais contribuies ao desenvolvimento do liberalismo e da democracia liberal(temas do prximo captulo desse livro).

    Cultivando a mesma preocupao de Locke com o problema da liberdade civil,ou seja, da necessidade de conteno do poder do Estado, Montesquieu desenvolve umaacurada reflexo sobre a natureza e o papel das leis na constituio da ordem social.Para o autor, a liberdade consiste no direito de fazer tudo o que as leis permitem,

    sendo elas o melhor antdoto contra as tendncias tirnicas dos governantes. Contudo,as leis definidas por ele como relaes necessrias que derivam da natureza das

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    coisas - so feitas para serem aplicadas a coletividades que vivem num contexto sociale geogrfico formado por diversos fatores: tradies e valores culturais, costumes,

    princpios religiosos, prticas econmicas e at mesmo aspectos fsicos, como clima,relevo, vegetao, hidrografia e extenso territorial. As leis, para serem eficazes, devemse adequar a esse complexo de fatores que o autor denominou de o esprito. Cada

    nao, de acordo com o seu contexto cultural e geogrfico, deve possuir o seu prprioarcabouo de leis que reflitam suas particularidades; as que servem para um povopodem ser completamente inadequadas a outros. Nem todos os pases possuem, porexemplo, condies favorveis ao estabelecimento de uma ordem poltica maisdemocrtica. Restries de ordem religiosa ou cultural, hierarquias tradicionais, grandesdistncias a dificultar os contatos sociais de uma populao dispersa podem imporsrios obstculos ao funcionamento da democracia, ainda que esse modelo estejaconsagrado nas leis. por isso que certos povos parecem ser mais avessos a aceitaodas normas de um determinado sistema poltico do que outros. tambm por essa razoque algumas leis costumam no pegar, isto , costumam no ser respeitadas porqueviolam a identidade cultural da coletividade em que se aplicam. Assim, Montesquieu

    alerta os legisladores para a necessidade de harmonizao das leis ao seu esprito, poiscaso contrrio elas no tero eficcia para alcanar seus fins civilizatrios. Por outrolado, o autor admite que as leis podem aprimorar os costumes quando se tem comoobjetivo a expanso e a garantia da liberdade. esse equilbrio entre adequao eaprimoramento que o legislador deve buscar. Mas a despeito da situao da maioria dasnaes de sua poca, Montesquieu era um admirador confesso do sistema

    parlamentarista ingls, considerado por ele o mais perfeito na compatibilizao entreesprito e liberdade civil.

    A segunda grande contribuio desse autor para o desenvolvimento das idiaspolticas a sua muito conhecida e consagrada doutrina da separao dos poderes deEstado (assunto sobre o qual j nos referimos no primeiro captulo). Mais uma vez, a

    justificativa a preservao da liberdade. Segundo o autor s o poder freia o poder.Da que as funes essenciais do Estado devem ser divididas por meio de um sistemade pesos e contrapesos para se evitar a concentrao da autoridade, que o primeiro

    passo rumo tirania. Assim, os trs poderes organizados de forma autnoma,complementar e harmnica assumem, cada qual, uma funo ou funes essenciais: aoExecutivo cabe a execuo das leis, a direo do governo e o poder de vetar leis ou

    parte delas; o Legislativo se encarrega da elaborao das leis e da fiscalizao doExecutivo; e o Judicirio julga e pune.

    Convm lembrar que o parlamentarismo ingls da poca de Montesquieureservava uma importncia muito maior ao chefe de Estado o rei ou a rainha do que

    a que ele tem atualmente. Na verdade (como foi discutido no item sobre o parlamentarismo, no captulo anterior), nesse sistema o Executivo maisespecificamente o primeiro ministro, que o chefe de governo, mas que foi assumindo

    progressivamente tambm as funes de Estado no to autnomo como pretende ateoria, pois a formao e continuidade de um governo dependem da manuteno de umamaioria parlamentar que o apie. Por outro lado, nos sistemas presidencialistas e deregime democrtico que a doutrina de separao de poderes de Montesquieu encontrasua aplicao mais pura, isto , mais fiel sua formulao original, embora tal sistemas tenha sido inaugurado, nos EUA, mais de vinte anos aps a morte do autor.

    2.5 - ROUSSEAU (1712-1778)

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    Jean Jacques Rousseau nasceu na Sua e foi um dos inspiradores da RevoluoFrancesa, de 1789. Pensador iluminista e contratualista, suas idias tiveramrepercusses tanto para o desenvolvimento do socialismo quanto da democracia,embora seu modelo democrtico fosse bem distinto do modelo liberal-representativoque viria a se desenvolver no sculo posterior ao da sua morte. Sua obra mxima Do

    contrato Social, na qual o autor expe seus pontos de vista acerca das leis, daorganizao do Estado e do princpio da representao poltica, que so suas principaiscontribuies para a formao do pensamento poltico moderno.

    Assim como Locke e Montesquieu, Rousseau era um entusiasta das leis para agarantia da liberdade. Ele sonhava com a constituio de um governo no qual as leisestivessem acima dos homens. Sua noo de estado natural, estado social e do contratodiferia bastante da de Locke e mais ainda da de Hobbes. Segundo Rousseau, no estadonatural os homens so bons, puros, e ingnuos, e por isso viviam em harmonia e plenaliberdade. Mas para o seu aprimoramento moral, que s poderia ser alcanado nasrelaes sociais, eles resolvem constituir a sociedade. No estado social, os homens

    perderam sua liberdade natural, e a razo disso - como ele argumenta em seu ensaio

    Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens - apropriedade privada na forma como ela historicamente se desenvolveu, despertando aambio e a cobia nos homens, o que resultou em tirania e escravido. Esse ponto devista coincide, como veremos no prximo captulo, com as tese principal que ossocialistas defenderiam alguns anos depois. No entanto, Rousseau no era um socialista;sua inteno era a de disciplinar e legitimar a propriedade e no de aboli-la.

    O contrato social feito por homens livres e iguais e nele so estabelecidas asleis que do origem sociedade. As leis devem refletir a vontade geral, noo central no

    pensamento de Rousseau. A vontade geral no a vontade da maioria - pois se fosseexcluiria a minoria e no seria geral - e nem a soma das vontades particulares, que

    podem ser contraditrias entre si. A vontade geral a sntese dos desejos e interessesmais profundos da coletividade, o que todos querem ainda que no tenham umaconscincia clara a respeito. A vontade geral apresenta as seguintes caractersticas:

    a) absoluta: uma vez alcanada, todos devem se submeter a ela como condioda liberdade;

    b) infalvel: a vontade geral no pode estar errada, porque ela a vontade decada um;

    c) inalienvel: no pode ser representada; cada um s portador da sua prpriavontade;

    d) indivisvel: no pode haver diviso de poderes, mas apenas um rgosoberano.

    Percebe-se toda a complexidade envolvida nesse conceito de vontade geral. Emsua proposta acerca da organizao do Estado, as dificuldades para se alcanar avontade geral ficam bem claras.

    Rousseau defendia um modelo de democracia direta, pois o princpio darepresentao poltica distorce a vontade, uma vez que ela inalienvel: ningum poderepresentar a vontade do outro, apenas a sua prpria vontade. A soberania estaria naAssemblia do Povo, formada por todos os cidados e que teria poderes legislativos.

    Nada estaria acima da Assemblia; nela buscar-se-ia a vontade geral por meio davotao das leis, aprovadas pela maioria. H aqui uma contradio, pois o prprio autornos alerta que a vontade geral no a vontade da maioria, mas nem todas as leis seriamaprovadas por unanimidade. Para resolver esse problema, Rousseau aponta para a

    necessidade de legisladores, cidados sbios e iluminados capazes de traduzir os anseiosda coletividade na forma das leis; eles seriam uma espcie de guias do povo, aqueles

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    que saberiam discernir a vontade geral. Entre o povo e a Assemblia no deveria havernenhum tipo de sociedade particular: partidos, sindicatos, associaes ou qualquerorganizao constituda pelo princpio da representao poltica; todas elas distorcem avontade geral e impedem que ela seja alcanada. O governo seria a fora a servio davontade. Independente da forma monarquia ou repblica o governo estaria

    submetido s deliberaes da Assemblia do Povo, sendo responsvel pela execuo deseus desgnios. Reunies regulares da Assemblia impediriam qualquer forma de abusopor parte dos governantes, podendo eles ser destitudos a qualquer momento.

    O pensamento de Rousseau apresenta dilemas bastante claros: como viabilizar ademocracia direta em sociedades formadas por milhes de cidados? Como se alcanara vontade geral quando sabemos da existncia de uma pluralidade de interesses,objetivos e expectativas de vida no mundo moderno? O autor reconhecia essasdificuldades, tanto que era pessimista quanto s possibilidades da democracia, umregime afeito somente aos deuses, e defendia o estabelecimento de pequenasrepblicas, com populao pequena e homognea, nas quais seria mais fcil alcanar avontade geral.

    De qualquer forma, Rousseau o primeiro a chamar a ateno para o problemada representao poltica. De fato, quando um representante eleito por milhares de

    pessoas dificilmente suas decises sobre variados assuntos coincidiro com a vontadede todas elas ao mesmo tempo. O representante muito mais algum em quemdepositamos nossa confiana para decidir em nosso nome do que uma correia detransmisso dos nossos pontos de vista. A democracia representativa precisa, nessesentido, buscar um constante aprimoramento dos mecanismos de representao poltica

    para reduzir ao mximo suas deficincias: maior fiscalizao dos representados sobreseus representantes e um nmero menor de cidados representados para cadarepresentante eleito contribuiriam para esse objetivo. Contudo, devemos ter aconscincia de que jamais alcanaremos a representao perfeita, pois isso s seria

    possvel se cada cidado representasse somente a si mesmo, ou, em outras palavras, ademocracia direta, como Rousseau desejava.

    2.6 - O ILUMINISMO

    O Iluminismo foi um importante movimento intelectual que englobou vriospensadores, de diferentes pases europeus, ao longo dos sculos XVII e XVIII. Osiluministas deram forma ao pensamento poltico moderno e de suas idias derivam asduas grandes ideologias contemporneas: O liberalismo e o socialismo, das quaisfalaremos no prximo captulo. Dos autores discutidos acima, Locke, Montesquieu e

    Rousseau so expoentes desse movimento. Entretanto, preciso ressaltar que oiluminismo no foi um projeto intencionalmente construdo de forma organizada esistemtica por seus autores. , antes, um conjunto de idias, no absolutamenteconsensuais, que apresentam pontos em comum e convergncias em torno das quais foiconstruda sua unidade doutrinria. Assim, o melhor caminho para compreendermos aimportncia do movimento o de analisar suas caractersticas essenciais.

    a) Os iluministas eram crticos da sociedade feudal; no aceitavam as hierarquiastradicionais e o modelo estamental, no qual os diferentes segmentos sociais possuamdireitos distintos. Eles defendiam a igualdade jurdica, a universalizao dos direitos.

    b) O iluminismo foi crtico do absolutismo e do pretenso direito divino dos reis.O poder poltico era visto como algo que surgiu do consentimento e de um livre acordo

    entre os homens. As leis devem estabelecer os limites da autoridade e o controle dosgovernos.

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    c) Os autores iluministas eram racionalistas: criticavam as supersties epropunham uma anlise da realidade poltica e social calcada na razo e na experincia.

    d) Eram tambm anti-clericalistas, ou seja, no aceitavam a influncia dasautoridades eclesisticas na poltica e defendiam um Estado laico, separado da igreja,assim como a liberdade religiosa.

    Esses pontos de vista influenciaram decisivamente a revoluo francesa e anorte-americana, serviram de suporte ao desenvolvimento do Estado liberal e,posteriormente, do Estado liberal-democrtico. O iluminismo estimulou a maturao dediversas disciplinas no campo das cincias humanas e lanou as bases para aconsolidao da noo de direitos humanos. Por tudo isso, as idias iluministas podemser consideradas a grande fonte de inspirao para a constituio das instituies

    polticas como as conhecemos hoje, especialmente as de natureza democrtica.

    CAPTULO 3 - IDEOLOGIAS POLTICAS MODERNAS

    O que chamamos de ideologia so grandes vises de mundo que combinamprincpios filosficos, valores morais e teses cientficas construdas com o propsito deorientar a constituio das instituies sociais, em geral, e das instituies polticas, em

    particular. As ideologias polticas modernas so aqueles grandes projetos intelectuaisdesenvolvidos nos ltimos trezentos anos que, em boa parte, determinaram o que associedades so hoje, especialmente no que se refere ao papel e ao modelo do Estado emsuas relaes com o conjunto das demais atividades sociais. A maioria das instituies

    polticas e estatais existentes na atualidade, e que compem a ordem social dosdiferentes pases, foram desenhadas e constitudas a partir dessas ideologias. Aoconhec-las, estaremos aptos a entender os fundamentos dessas instituies e,

    conseqentemente, a avali-las, apoiando-as ou criticando-as de acordo com nossasprprias convices desenvolvidas no embate entre elas. A oposio ideolgica crioudivises profundas entre projetos alternativos de sociedade ao longo de todo o sculoXX, e ainda responsvel por lutas polticas que se processam no mbito do debate

    pblico e das disputas eleitorais. Analisaremos aqui as trs ideologias mais influentes domundo moderno: o liberalismo, o socialismo e o fascismo. O objetivo que o leitor

    possa compreender os aspectos essenciais de cada uma delas e identificar seusprincpios presentes nas instituies que conhecemos hoje.

    3.1 - LIBERALISMO

    O liberalismo uma ideologia que comeou a ser desenvolvida no sculo XVII,na Europa. Nessa poca, os Estados europeus eram, em sua grande maioria, monarquias

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    absolutistas, e foi contra essa forma de governo que os primeiros pensadores liberais seinsurgiram. Como vimos anteriormente, nessas monarquias o poder poltico estava nasmos de um soberano cuja autoridade s encontrava limites nas normas religiosas e nastradies vigentes em seus domnios. A populao, em geral, se submetia a esse sistemade poder sobre o qual no tinha o menor controle por no dispor de quaisquer

    mecanismos formais de participao poltica. Uma ordem social rgida e fortementeestratificada estabelecia uma hierarquia na qual a nobreza e o alto clero ocupavam otopo da pirmide. Laos de lealdade pessoal entre o monarca e os nobres, legitimados

    pela Igreja, constituam o cimento desse sistema de poder e garantiam a sua estabilidadee continuidade, interrompidas, s vezes, por guerras ou lutas internas que resultavam daoposio de interesses de diferentes soberanos.

    O ponto principal que ocupava o centro das preocupaes dos primeirospensadores liberais, e que ainda hoje o cerne dessa ideologia, era a questo daliberdade individual, que se colocava no mbito da relao entre indivduo e Estado,reportando-se, portanto, ao problema da constituio do poder poltico e aoestabelecimento dos limites da autoridade dos governantes sobre os governados. Diante

    de um poder absoluto, calcado no direito divino dos reis, os liberais questionavam avalidade desses princpios luz de uma reflexo sobre a origem do Estado e a condiodo homem na sociedade. Chocando-se frontalmente com o modelo estabelecido, osliberais propunham que a liberdade individual varia na razo inversa do poder doEstado, ou, em outras palavras, quanto menor fosse a autoridade do governante sobre avida das pessoas mais livres elas seriam.

    H todo um conjunto de transformaes histricas nesse perodo quecontriburam decisivamente para a emergncia desse pensamento liberal, entre as quais,a mais importante de todas, a ascenso de uma nova classe social: a burguesia. Formada

    por comerciantes e financistas, sem ttulos de nobreza e sem acesso terra, a burguesiaenriqueceu-se beneficiada pela expanso martima e comercial iniciada no sculoanterior (XVI), que propiciou o crescimento das cidades e o florescimento de umaeconomia urbana. O lento deslocamento do eixo econmico do campo para as cidades,que se completaria no sculo XIX com a revoluo industrial, fortaleceu essa novaclasse e despertou seu interesse pela poltica, at ento dominada pela aristocracianobilirquica. Era preciso, contudo, desafiar as tradies e crenas que legitimavam a

    posio privilegiada do rei e da nobreza. Assim, novas idias a respeito do poder e doEstado foram sendo desenvolvidas e divulgadas. Podemos dizer que o pensamentoliberal parte de trs premissas bsicas que, combinadas, resultam numa noo particularde liberdade individual e num modelo de organizao social que se opunha aos padresvigentes. Essas premissas so produtos dos esforos intelectuais de vrios autores da

    poca. a) Contratualismo: doutrina que afirma que o homem no possui umasociabilidade natural, e que a sociedade e o Estado, portanto, foram criadosintencionalmente; uma ao racional dos homens que estabeleceram um contrato eescolheram viver em grupo por considerarem que esta era a melhor forma de se garantira segurana e o gozo da propriedade privada frente a um quadro de ausncia de leis,autoridade e justia que caracterizava o perodo anterior criao da ordem social. O

    poder poltico visto, assim, como algo institudo por um acordo livre entre os homense no como imposio de foras divinas ou predisposies biolgicas. A utilidade doEstado, racionalmente calculada, a de assegurar a justia e a proteo aos bensindividuais alcanados por meio do trabalho. Se foram os prprios homens que, de

    forma consentida, criaram o poder poltico, so eles prprios que devem control-lo.Nem todos os autores contratualistas concordavam com essa ltima afirmao. O ingls

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    Thomas Hobbes, como vimos no captulo anterior, partia da idia do contrato parajustificar o absolutismo. Mas foi com outro ingls, John Locke, tambm tratado nocaptulo anterior, que o contratualismo evoluiu para uma soluo liberal acerca daconstituio do poder poltico, pois a idia de que os homens deviam controlar o podersignificava o estabelecimento de limites legais para o exerccio da autoridade pblica,

    papel a ser destinado a um Poder Legislativo soberano. De qualquer forma, a simplesnoo de que o Estado resultou de um contrato feito livremente pelos homens j era osuficiente para abalar a crena no direito divino dos reis, um dos alicerces doabsolutismo.

    b) Jusnaturalismo: doutrina dos direitos naturais do homem. Todos os homensnascem dotados pela lei natural, a lei de Deus, de certos direitos inalienveis, como odireito vida, liberdade, ao trabalho, propriedade e conscincia religiosa. Nenhumgovernante pode retirar esses direitos, e a tarefa fundamental do Estado, sendo esta a suautilidade, a de proteg-los. O jusnaturalismo a referncia histrica para a noo dedireitos humanos como a conhecemos hoje, e fcil perceber que assim como ocontratualismo essa doutrina tambm implica uma limitao do poder do Estado que

    deve respeitar esses direitos existentes antes mesmo de sua criao.c) Individualismo: uma concepo de ordem social que afirma que a

    sociedade composta por indivduos que agem racionalmente visando satisfazer seusinteresses pessoais. Racionalidade e egosmo so os dois fundamentos das aeshumanas. Decorre dessa noo que o melhor modelo de ordem social aquele em quese permite ao mximo o livre jogo dos interesses individuais. Para alguns economistas efilsofos, sobretudo do sculo XVIII, essas condutas egostas dos homens produziriamuma situao coletivamente benfica, levando ao progresso da nao e felicidadeindividual: vcios privados, virtudes publicas. Vamos dar um exemplo: imagine ummdico que quer ficar rico e famoso (interesse pessoal) e que desenvolve a cura docncer; assim que uma ao egosta leva obteno de um benefcio coletivo. Arealizao desse ideal de organizao social depende, mais uma vez, da limitao dos

    poderes do Estado, ou seja, da maximizao das liberdades individuais, sobretudo as denatureza econmica e profissionais.

    Nenhuma dessas premissas passvel de comprovao cientfica, mas so elasque compem a viso de mundo que fundamentou a noo de liberdade cultivada pelosliberais dos dois primeiros sculos. Mais tarde, no sculo XIX, as duas primeiras

    premissas foram sendo revistas ou mesmo questionadas, seja quanto sua validadecomo realidade histrica, caso especfico do contratualismo, seja como justificativaracionalmente consistente, caso do jusnaturalismo. Contudo, esses questionamentos nosignificaram a negao dos desdobramentos tericos e filosficos que delas derivaram

    no que tange ao problema da liberdade, cuja concepo permaneceu inabalada em suaessncia.Durante todo esse perodo de trs sculos, considerado a fase clssica do

    liberalismo, os autores mais importantes foram John Locke, Adam Smith, Montesquieu,Kant, Stuart Mill e Tocqueville, s para citarmos alguns nomes, deixando outros tantode fora.

    Para que uma ordem liberal possa ser constituda com base nessa noo deliberdade, a organizao do Estado deve obedecer a dois princpios fundamentais.

    a) Estado de Direito: visa reduzir o poder do Estado. Os governantes devemestar submetidos a leis discutidas e aprovadas por um Poder Legislativo autnomo, enas quais estejam assegurados os direitos individuais bsicos. As leis passam a ser

    vistas como a melhor forma de se conter o arbtrio e de se garantir a liberdade. A

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    existncia de uma constituio e de um Estado laico so pontos essenciais do modeloliberal