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Espectroscopia de Impedância Eletroquímica - L.M. Da Silva - Versão 2013 1 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI PPGQ - UFVJM APOSTILA “Introdução a analise de sistemas eletroquímicos no domínio da frequência” Autor e docente responsável: Prof. Dr. Leonardo Morais da Silva Versão 2013

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Apostila de espectroscopia de impedância eletroquímica

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    MINISTRIO DA EDUCAO

    UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

    PPGQ - UFVJM

    APOSTILA

    Introduo a analise de sistemas eletroqumicos no domnio da

    frequncia

    Autor e docente responsvel:

    Prof. Dr. Leonardo Morais da Silva

    Verso 2013

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    EMENTA

    Relao causa-efeito no domnio da freqncia: anlise vetorial complexa das

    quantidades eltricas; Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica: conceito de Funo

    de Transferncia e os Sistemas no Estado Estacionrio; Espectros no domnio da

    freqncia: interpretao dos diagramas de Nyquist e de Bode para casos ideais e no-

    ideais; Desvios da idealidade: eletrodos ideais vs. eletrodos no ideais; Fugas da

    idealidade, disperso da freqncia e o Elemento de Fase Constante (EFC); Simulaes

    de sistemas reais empregando-se modelos baseados em circuitos equivalentes e linhas

    de transmisso: o mtodo CNLS; Linhas de Transmisso e a difuso em barreira finita

    (transmissiva e reflectiva); Sistemas Reversveis, Quase-reversveis e Totalmente

    Irreversveis: controle cintico vs. difusional.

    BIBLIOGRAFIA

    1. Orazem & Tribollet, Electrochemical Impedance Spectroscopy, Electrochemical

    Society, New York, 2008.

    2. Barsoukov & Macdonald, Impedance Spectroscopy, 2nd

    ed., Wiley & Sons, New

    Jersey, 2005.

    3. Gabrielli, Identification of Electrochemical Processes by Frequency Response

    Analysis, Technical Report Number 004/83, Solartron Instrumentation Group, 1998.

    4. Lasia, Modern Aspects of Electrochemistry, No 32 (Conway, Bckris and White,

    eds.), Kluwer, New York, 2002.

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    Bibliografia Complementar

    1. Klaus J. Vetter, Electrochemical Kinetics Theoretical and Experimental Aspects,

    Academic Press, NewYork, 1967.

    2. Brian E. Conway, Theory and Principles of Electrode Processes, Ronald Press, New

    York, 1965.

    3. Paul Delahay, Double Layer and Electrode Kinetics, Interscience, New York, 1965.

    4. Lev I. Antropov, Theoretical Electrochemistry, Mir, Moscow, 1977.

    5. Digby D. Macdonald, Transient Techniques in Electrochemistry, Plenum, London,

    1977.

    6. M.Sluyters-Rehbach e J.H. Sluyters, em Comprehensive Treatise of

    Electrochemistry, Vol. 9, Plenum, London, 1984.

    7. John OM. Bckris e Amulya K. N. Reddy, Modern Electrochemistry, 2nd

    ed.,

    Kluwer, New York, 2000.

    8. Allen J. Bard, Larry R. Faulkner, Electrochemical Methods - Fundamentals and

    Applications, 2nd

    ed., Wiley, New York, 2001.

    9. Hubert H. Girault, Analytical and Physical Electrochemistry, EPFL, New York,

    2004.

    10. John Newman e Karen E. Thomas-Alyea, Electrochemical Systems, 3rd

    ed., Wiley,

    New York, 2004.

    11. Jean-Michel Savant, Elements of Molecular and Biomolecular Electrochemistry

    An Electrochemical Approach to Electron Transfer Chemistry, Wiley, New York, 2006.

    12. Celso P. Bottura, Anlise Linear de Sistemas, Guanabara Dois, Rio de Janeiro,

    1982.

    13. Czeslau L. Barczak, Uma Introduo Anlise de Sistemas Lineares, Edgar

    Blcher, So Paulo, 1977.

    14. James J. Brophy, Basic Electronics for Scientists, 3rd

    ed., McGraw-Hill, London,

    1977.

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    RESUMO

    Comumente, o estudo de sistemas eletrdicos complexos pode ser efetuado

    combinando-se tcnicas eletroqumicas fundamentadas na analise de respostas

    transientes em corrente ou potencial, ou pela analise de respostas estacionarias lineares.

    Neste contexto, tem-se que o estudo de sistemas em condies estacionarias pode ser

    conduzido no domnio da freqncia mediante a tcnica de Espectroscopia de

    Impedncia Eletroqumica (EIS), a qual fundamenta-se na analise da resposta linear da

    razo Perturbao/Resposta (Funo de Transferncia) quando uma perturbao

    senoidal de baixa amplitude e utilizada.

    A EIS uma tcnica poderosa fundamentada na aplicao de um estmulo

    eltrico contnuo (voltagem ou corrente) ao eletrodo de trabalho sobre o qual

    sobreposto um estmulo eltrico alternado de baixa amplitude em diversos valores da

    freqncia.

    Esta abordagem permite a obteno da resistncia generalizada do sistema

    eletrdico denominada de Impedncia, Z = E(j)/I(j), em funo da freqncia da

    perturbao alternada que, no caso de sistemas lineares, e idntica a freqncia do sinal

    de resposta. assumido nos estudos de EIS que as propriedades do sistema eletrdico

    sejam invariantes e recprocas, ou seja, que o sistema eletrdico seja estvel durante a

    varredura da freqncia e que o teorema da reciprocidade (Teorema de Cauchy) seja

    valido para a razo perturbao/reposta.

    Visto que o comportamento exibido pelos sistemas eletroqumicos e

    caracterizado por fenmenos no-lineares (e.g., Lei de Tafel), ocorre que a condio de

    linearidade nos estudos de EIS e somente obtida quando o sistema e perturbado por

    sinal de baixa amplitude (e.g., ERMS 5 mV). A confirmao da condio de linearidade

    e conferida para cada conjunto de dados obtidos no domnio da freqncia mediante o

    uso das Transformadas de Kramers-Krnig, onde um modelo linear baseado na

    combinao semi-infinita de elementos passivos (Resistor: XR = R, Capacitor: XC = -

    (jC)-1 e Indutor: XL = jL, sendo = 2f) e ajustado numericamente aos dados

    experimentais empregando-se a analise dos mnimos quadrados complexos no-lineares.

    Valores do 2 < 10-4 obtidos no processo de ajuste numrico asseguram que o

    comportamento exibido pelo sistema eletrdico e linear.

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    O grande destaque da EIS reside no fato desta ser uma tcnica essencialmente

    de estado estacionrio que permite o acesso a diferentes fenmenos interfaciais

    caracterizados por diferentes constantes de tempo (e.g., (s) = RC, onde R = resistncia

    e C = capacitncia).

    A condio de estado estacionrio permite a obteno de uma elevada preciso

    nos dados de impedncia, visto que cada resposta senoidal linear de mesma freqncia

    do sinal de perturbao e, de fato, constituda do valor mdio obtido pela amostragem

    em tempo real efetuada pelo analisador de resposta em freqncia (FRA) via aplicao

    da transformada de Fourier rpida (FFT Fast Fourier Transform).

    Visto que diversos fenmenos interfaciais apresentam diferentes constantes de

    tempo devido s diferenas na dinmica dos processos elementares que os constituem a

    EIS permite, na grande maioria dos casos, a investigao simultnea durante uma nica

    varredura da freqncia de diferentes processos fsico-qumicos. Na maioria dos casos

    uma varredura no intervalo de 100 kHz a 1 mHz e suficiente para contemplar os

    diferentes fenmenos eletroqumicos.

    Na anlise dinmica de um sistema com resposta estacionria busca-se o

    estabelecimento das relaes causa-efeito, ou seja, das relaes entrada-sada que

    caracterizam o sistema e da respectiva Funo de Transferncia que rene as

    informaes inerentes ao sistema. Nesta abordagem, adota-se o emprego de entradas

    (perturbaes) bem definidas para se obter a resposta correspondente na restrio da

    linearidade imposta. Normalmente, emprega-se como perturbao na EIS a funo

    senoidal: f(t) = Asen(t), a qual possui uma Transformada de Laplace conhecida, sendo

    F(s) = A/(s2 + 2), e de fcil implementao na analise numrica em tempo real

    mediante o uso da Transformada Rpida de Fourier (FFT) via substituio onde s = j.

    Segundo os conceitos estabelecidos para o estudo de fenmenos de natureza

    eltrica a funo impedncia, Z, definida no domnio da freqncia para todos os

    sistemas que satisfaam as restries impostas pela Teoria Linear de Sistemas (TLS)

    [X]. Um sistema dito linear quando se aplica o Princpio da Superposio, ou seja,

    quando cada causa corresponde a um nico efeito, sendo estes aditivos.

    Para um sistema dinmico estacionrio a razo entre as transformadas de

    Laplace de sada C(s) e de entrada R(s) definida como sendo a Funo de

    Transferncia do sistema G(s), a qual contm toda informao sobre a dinmica do

    sistema estacionrio exibindo comportamento linear. No caso dos sistemas eltricos

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    (elementos passivos) e eletroqumicos (elementos ativos na condio de baixa

    perturbao) a funo G(s) e a prpria Impedncia Z(s), ou seja, a resistncia

    generalizada do sistema descrita por:

    Z(s) = E(s)/I(s) (1)

    onde s a freqncia de Laplace. E(s) e I(s) so as respectivas transformadas da

    perturbao e da resposta registradas no domnio do tempo.

    Consideraes gerais a respeito da resposta em freqncia obtida para um

    sistema eletrdico linear (perturbaes de baixas amplitudes) no estado estacionrio, ou

    seja, quando os termos transitrios da resposta (E ou I) so totalmente amortecidos,

    revelam que a resposta no estado estacionrio para uma entrada senoidal tambm

    senoidal e de mesma freqncia angular , ou seja, E = I..

    Considerando-se a Transformada de Fourier onde s = j, sendo j = (-1)1/2, tem-se

    que cada onda senoidal estacionaria no domnio do tempo corresponde a um simples

    diagrama de barras Amplitude vs. Freqncia (A vs. ). Portanto, a manipulao dos

    dados de EIS e amplamente efetuada tendo-se como base o uso de Espectros de

    Freqncia em diversos formatos: Diagrama de Nyquist ou Plano Complexo (Z/ vs. Z

    //),

    Diagrama de Bode, etc..

    Portanto, tem-se a seguinte expresso para a definio da impedncia na forma

    complexa:

    Z(j) = E(j)/I(j), (2)

    onde E(j) e I(j) so as respectivas perturbaes e respostas senoidais estacionarias de

    amplitudes E e I, respectivamente.

    Visto que na notao complexa as quantidades E(j) e I(j) so quantidades

    vetoriais caracterizadas por mdulo e ngulo de fase (), tem-se que a impedncia Z(j)

    pode ser representada no Plano Complexo (Argand-Gauss) pela seguinte expresso:

    Z(j) = Z/ - jZ()// , (3)

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    a qual implica na presena de um ponto no diagrama para cada valor da freqncia,

    sendo esta a varivel independente no explicita. O sinal negativo indica que a reatncia

    capacitiva, XC, atrasa a fase da onda em = -/2 enquanto que reatncia indutiva, XL,

    adianta a fase em = /2. Obviamente, como a impedncia hmica independe da

    freqncia esta fica associada como sendo a projeo do vetor sobre o eixo real (Z/), ou

    seja, = 0.

    Diagramas em 3D do tipo Z/

    vs. Z// vs. log() podem ser prontamente

    construdos para explicitar a influencia da freqncia sobre o comportamento dinmico

    do sistema.

    A magnitude (ou mdulo) de Z(j) est relacionada com o angulo de acordo

    com a seguinte expresso:

    2//2/)( ZZjZ , (4)

    onde: tang() = -Z///Z/.

    Devida a complementaridade existente entre os diversos diagramas que

    representam os espectros de freqncia, tem-se que a analise dos dados de impedncia e

    comumente efetuada tendo-se como base os diagramas de Nyquist e de Bode.

    A funo de transferncia Z(j) deve ser explicitada para cada sistema

    eletroqumico particular visando tornar possvel a analise quantitativa dos espectros

    experimentais de EIS. No entanto, visto que cada sistema se comporta como sendo uma

    caixa preta, tem-se que a obteno de modelos tericos para a EIS constitui o grande

    desafio no uso desta tcnica, ou seja, o estudo de cada sistema particular envolve a

    busca de uma funo de transferncia representativa dos valores da impedncia

    experimental para todo o intervalo da freqncia.

    A derivao de modelos para a EIS deve contemplar a realidade fsica do

    sistema investigado, sendo os modelos contendo o menor numero de parmetros

    ajustveis os mais significativos. Isto deve-se ao fato que a incluso excessiva de

    elementos no modelo terico pode forar a obteno de resultado satisfatrios durante o

    processo de ajuste numrico via CNLS sem, no entanto, apresentar uma coerncia

    satisfatria com os processos fsico-qumicos elementares inerentes ao sistema sob

    investigao.

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    Independentemente das peculiaridades adotadas na derivao de modelos para a

    EIS, tem-se que os fenmenos primordiais localizados na interface eletrodo/soluo

    so representados pelo circuito de Randles-Ershler apresentado abaixo:

    Este circuito mimetiza a interface eletrodo/soluo considerando-se a separao

    dos eventos capacitivos daqueles associados ao processo de transferncia eletrnica

    descrito pela resistncia de transferncia de carga, Rct, e resistncia complexa referente

    ao processo de difuso linear semi-infinita denominada de impedncia de Warburg, RW,

    a qual se comporta como se fosse um arranjo seriado de um resistor com um capacitor

    sendo, este arranjo, possuidor de uma impedncia com fase constante de -/4; i.e., reta

    com inclinao unitria no plano complexo.

    Portanto, tem-se na grande maioria dos sistemas eletrdicos complexos que os

    modelos derivados so correspondentes a alguma tipo de modificao do circuito de

    Randles-Ershler, seja pela eliminao do elemento RW no modelo e, ou pela adio de

    outros ramos em paralelo e, ou em serie. A impedncia difusional pode ser tambm

    derivada em certos casos para o caso da difuso linear finito (Barreira Reflexiva e

    Transmissiva). Modelos para a difuso considerando-se a segmentao dos processos

    elementares ao longo da dimenso caracterstica do material eletrdico podem ser

    derivados empregando-se o conceito de uma Linha de Transmisso.

    A Fig.1 mostra um diagrama representativo da coleta dos dados de EIS onde e

    destacado o Analisador de Resposta em Freqncia (FRA Frequency Response

    Analyser) utilizados na gerao do sinal de entrada (perturbao) e na deteco do

    ngulo que fase que permite a separao dos dados de impedncia nos respectivos

    componentes reais e imaginrios.

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    Figura 1. Diagrama representativo da coleta digital dos dados de EIS empregando-se

    um sistema Analisador de Resposta em Freqncia (FRA).

    A no idealidade dos processos resistivos-capacitivos inerente aos processos

    eletrdicos em relao aos modelos passivos extrados da teoria dos circuitos eltricos

    considerada na EIS frente ao fenmeno de disperso da freqncia. Normalmente, estes

    desvios so atribudos rugosidade e a heterogeneidade superficial do material

    eletrdico. Portanto, as constantes de tempo obtidas na EIS so, de fato, valores mdios

    que seguem uma distribuio normal.

    O elemento de circuito universal empregado no ajuste numrico do modelo aos

    dados experimentais que leva em considerao a disperso da freqncia conhecido

    como elemento de fase constante, EFC, sendo sua impedncia ZEFC definida pela

    seguinte expresso:

    n

    EFC jQZ )()( (5)

    onde n apresenta valores entre -1< n < 1, sendo n = /. Q o parmetro de ajuste

    universal que apresenta a dimenso de C V-1

    cm-2

    s(n 1)

    .

    Conforme apresentado na Fig.2, no caso do comportamento reisistivo-capacitivo

    o expoente n est relacionado com o ngulo de depresso () pela seguinte equao:

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    = (1- n) (6)

    No caso capacitivo ( -/2) o comportamento exibido pelo EFC aparece no

    diagrama do plano complexo como uma rotao no sentido anti-horrio dada pelo

    ngulo . Portanto, tem-se que Q = C somente no caso ideal onde n = 1.

    Figura 2. Deslocamento (depresso) do semicrculo no plano complexo para um

    sistema Capacitivo-Resistivo simples e a interpretao geomtrica deste fenmeno em

    termos do EFC onde = (1- n) e n = /.

    A definio de ZEFC permite estabelecer os seguintes casos limites:

    i) n = 1: comportamento capacitivo ideal.

    ii) n = 0,5: impedncia de Warburg.

    iii) n = -1: comportamento indutivo ideal.

    iv) n = 0: resistor hmico.

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    1 - Introduo

    Por definio, um Sistema Eletroqumico aquele onde h a presena de pelo

    menos uma fase condutora eletrnica em contato direto com uma fase condutora

    inica, as quais originam a interface Eletrodo(eletrnico)Soluo(inico)

    comumente designada de Dupla Camada Eltrica.

    A dupla camada eltrica e suas reatncias capacitivas intrnsecas so

    caracterizadas fisicamente por seus tempos de relaxao, ou mais realisticamente pela

    distribuio de seus tempos de relaxao. A resposta eltrica da interface

    eletrodosoluo pode variar consideravelmente com o tipo de carga, a microestrutura

    do eletrlito, e a textura e a natureza qumica e eltrica do material eletrdico.

    Devido impossibilidade experimental da confeco de um dispositivo que

    seja capaz de medir a diferena de potencial eltrico (ddp) num ponto qualquer da

    superfcie eqipotencial localizada nesta interface eltrica, ocorre que nos estudos

    eletroqumicos as medidas do potencial do eletrodo de interesse (Eletrodo de

    Trabalho, ET) so efetuadas conectando-se eletricamente a interface investiga com

    outra interface tambm eletrnicainica, ou seja, utiliza-se um Eletrodo de

    Referncia, ER (p.ex. Pto/H2(g)-1atm-1M; Ag

    o/AgCl(s)/0,1 M KCl, etc.) que possui um

    terminal eltrico eletrnico (fio condutor) e um terminal condutor inico (ponte salina).

    Como o requisito bsico, todo ER deve apresentar um potencial nico (padro),

    reprodutvel e independente da corrente que passa no sistema ET-ER quando as

    densidades de corrente so desprezveis do ponto de vista prtico (i

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    caracterstica do tipo de interface e de sua geometria. Neste contexto, a nfase nos

    estudos eletroqumicos tem sido deslocada da dependncia tempo-concentrao para

    fenmenos relacionados com a resposta do sistema em termos de sua resistncia

    generalizada (Impedncia) obtida em diferentes valores da freqncia (polarizao a.c.

    de baixa amplitude).

    A Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica (EIE) uma tcnica

    poderosa fundamentada na aplicao de um estmulo eltrico (contnuo) fixo (uma

    voltagem ou corrente conhecida) ao eletrodo de trabalho, onde adicionalmente

    sobreposto outro estmulo eltrico (alternado) de amplitude fixa e freqncia variante

    com o tempo. Esta abordagem permite se observar a impedncia (resposta) frente a

    perturbao alternada realizada num extenso intervalo de freqncia. assumido nos

    estudos de EIE que as propriedades do sistema eletrdico so invariantes com o tempo.

    As espectroscopias de impedncia, EI, so tcnicas onde o parmetro essencial

    o tempo ou a freqncia e, portanto, so tcnicas amplamente empregadas na

    investigao da dinmica de diferentes sistemas. Dentre os diferentes tipos de EI vale a

    pena destacar:

    1) Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica (EIE)

    2) Espectroscopia de Impedncia Fotoeletroqumica (EIFE)

    3) Espectroscopia de Impedncia Fratural (EIF)

    4) Espectroscopia de Impedncia Termoleletroqumica (EIT)

    O grande destaque da EI reside no fato desta classe de espectroscopia ser uma

    tcnica essencialmente de estado estacionrio que permite o acesso ao fenmeno de

    relaxao cujo tempo de relaxao varia sobre muitas ordens de magnitude. O estado

    estacionrio permite o uso da amostragem de sinal dentro de um nico experimento

    permitindo assim um ganho de alto nvel na preciso. Tais caractersticas das EI

    permitem que diferentes processos fsicos e qumicos caracterizados por diferentes

    constantes de tempo possam ser detectados individualmente com grande preciso em

    diferentes domnios da freqncia.

    Princpios Gerais: Como ser visto com mais detalhes posteriormente, um

    mtodo bastante genrico para a investigao da dinmica de um sistema fsico ou

    qumico consiste no estudo de sua resposta frente a uma pequena excitao. Assim,

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    algum parmetro fsico, A, pode ser derivado por uma pequena quantidade A, e a

    subseqente variao B de algum outro parmetro B pode ser medida. Considerando-

    se o exemplo de uma excitao senoidal em uma freqncia /2, pode-se escrever que:

    )]exp(Re[ tjAA o (1)

    )]exp(Re[ tjBB o (2)

    onde a razo BA() = Bo/Ao a funo resposta de B para A (ou susceptibilidade

    generalizada, ou admitncia). Esta uma funo complexa ( /// j ). Sua

    definio pode ser estendida para todos os valores reais de (/ uma funo par de

    e // uma funo mpar). A impedncia generalizada a funo )(/1 BA .

    Considerando-se excitaes pequenas, estas podem ser sobrepostas (teoria da

    resposta linear), e da, efetuando a decomposio de Fourier, a resposta para toda forma

    de excitao pode ser prevista do conhecimento de BA(). Isto especialmente

    verdadeiro para um pulso de excitao ( a funo de Dirac):

    2/)exp()()( dtjAtAtA oo (3)

    Da,

    2/)exp()()( dtjAtB BAo (4)

    )()( tfAtB BAo (5)

    A resposta )(tf BA para um pulso de excitao a transformada de Fourier de

    BA(), a qual deduzida de )(tf BA pela transformada inversa de Fourier. Isto significa

    que informaes equivalentes podem ser obtidas de medidas senoidais (como uma

    funo de ) ou de medidas do transiente (como uma funo de t).

    O uso das perturbaes senoidais de potencial (ou corrente) para o estudo de

    processos eletrdicos, ou seja, a EIE cresce a cada dia. Uma das maiores vantagens da

    EIE que a impedncia da cela eletroqumica pode ser medida com muita preciso

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    empregando-se diferentes mtodos. Alm disso, o emprego de perturbaes senoidais

    de baixa amplitude (< 10mV (p/p)) resulta em um tratamento matemtico dos dados

    experimentais relativamente simples. Tal caracterstica da EIE reside no fato das baixas

    amplitudes senoidais da perturbao conferir linearidade na relao corrente-potencial e

    garantirem que uma perturbao em uma freqncia fundamental resulte em uma

    resposta nica em corrente de mesma freqncia , sem a interferncia indesejvel de

    respostas harmnicas devido s freqncias 1, 2..n.

    Diferentes tcnicas experimentais j foram empregadas na anlise da resposta ac

    de sistemas eletroqumicos: (i) tcnica da ponte ac, (ii) deteco sensvel de fase (lock-

    in amplifier), (iii) medida direta da impedncia (Lissajous figures). Com o avano da

    eletrnica a aquisio dos dados de impedncia normalmente tem sido feita

    empregando-se um equipamento digital chamado analisador de reposta em freqncia

    (FRA) interfaciado a um microcomputador. Estes equipamentos operam com a

    transformada de Fourier convertendo o sinal de resposta ac do domnio do tempo para o

    domnio da freqncia. Assim, atravs de seleo prvia possvel efetuar uma restrio

    nos valores da freqncia onde deseja-se obter a impedncia da cela e o respectivo

    angulo de fase. Normalmente isto pode ser feito para um intervalo de freqncia entre 5

    mHz-100 kHz.

    A Fig.1 mostra um diagrama representativo da coleta dos dados de EIE e os

    diversos mdulos utilizados para a gerao (sinal de entrada - perturbao) e o

    processamento do sinal alternado (sinal de sada resposta). O uso do detector sensvel

    de fase (lock-in) permite que o PC receba os dados de impedncia separados em suas

    componentes Real e Imaginria.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

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    Figura 1. Diagrama representativo da coleta dos dados de EIE e os diversos mdulos

    utilizados para a gerao (sinal de entrada - perturbao) e o processamento do sinal

    alternado obtido (sinal de sada resposta).

    Esta apostila tem o objetivo de apresentar os conceitos bsicos empregados na

    EI, dando nfase na tcnica de EIE, e no desenvolvimento de modelos usados na

    interpretao da resposta em freqncia de sistemas eletrdicos. Para tal fim ser

    discutido a interpretao da resposta em freqncia para diferentes sistemas

    eletroqumicos envolvendo eletrodos de xido condutor, polmeros condutores,

    eletrodos semicondutores e na corroso de metais em ligas.

    2 - A corrente alternada e a EIE

    Visto a analogia normalmente feita entre sistemas eltricos e eletroqumicos na

    interpretao dos dados de EIE, faz-se necessrio uma pequena introduo nos

    conceitos envolvidos quando se emprega uma perturbao de natureza senoidal.

    Um sinal que possui uma variao peridica com o tempo, correspondente a um

    Movimento Harmnico Simples (MHS), pode ser analisado projetando-se o

    correspondente Movimento Circular Uniforme (MCU) sobre um dado eixo de

    referncia. Assim, tem-se que o valor instantneo do potencial e pode ser

    correlacionado com a amplitude senoidal E , frente a um dado sistema cartesiano de

    referncia, considerando-se o respectivo ngulo de fase :

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    16

    E

    e

    sen (6)

    Considerando-se que as variaes do ngulo de fase com o tempo sejam dadas pela

    seguinte equao caracterstica do MCU,

    to , onde f 2 , (7)

    tem-se que a variao peridica do potencial com o tempo, )(tfe (equao horria

    para o potencial em um circuito ac) dada de acordo com a seguinte expresso:

    )sen( tEe o (8)

    Finalmente, considerado-se a fase o do potencial senoidal como sendo uma

    fase de referncia para a corrente ac tambm senoidal, onde 0o , obtm-se a

    equao horria caracterstica para o potencial alternado em um circuito ac:

    )sen( tEe (9)

    Como pode ser constatado na eqs. 6 e 8, os estudos empregando-se a anlise de

    circuitos ac introduz duas novas variveis, ou seja, a velocidade angular e o ngulo

    de fase , as quais so ausentes nos estudos eletroqumicos mais convencionais onde

    trabalha-se com o emprego do potencial sob condies no-peridicas. A Fig.2 mostra o

    diagrama fasor para uma voltagem alternada e a defasagem entre a corrente e o

    potencial em um dado valor da freqncia angular.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    17

    Figura 2. Diagrama fasor e a dependncia da corrente e do potencial com o tempo.

    A Fig.3 mostra a dependncia da corrente referente ao harmnico fundamental

    e ao segundo harmnico 2 e do potencial com t, considerando-se uma amplitude

    senoidal de 10 mV(p/p).

    Figura 3. Dependncia da corrente referente ao harmnico fundamental e ao segundo

    harmnico 2 e do potencial com t.

    Conforme esperado para fenmenos ondulatrios, verifica-se que a contribuio

    do segundo harmnico na resposta em corrente bem inferior a do harmnio

    fundamental.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    18

    3 - Clculo do ngulo de fase para um elemento de circuito ideal

    O emprego de perturbaes ac leva ao aparecimento de um importante

    parmetro chamado de ngulo de fase, o qual caracterstico de cada elemento de

    circuito. O clculo da fase para um elemento de circuito pode ser demonstrado

    empregando como exemplo o caso do capacitor. Considerando-se que a capacidade de

    um capacitor em estocar carga seja dada pela seguinte expresso:

    de

    dqC (23)

    e que a corrente instantnea seja dada por:

    dt

    dqi (24)

    Substituindo-se a eq.24 em 23 tem-se que:

    )cos()]sen([

    tECdt

    tEdC

    dt

    deCi

    (25)

    Considerando-se a identidade trigonomtrica: 2

    sencos xx ,

    )2

    sen( tECi (26)

    Portanto, de acordo com a eq.26 constata-se que um comportamento capacitivo

    caracterizado por um atraso no ngulo de fase da corrente, em relao ao potencial de

    referncia, em 2

    .

    Definindo-se a impedncia capacitiva (reatncia capacitiva) Xc, como sendo:

    CX c

    1 (27)

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    19

    tem-se que:

    )2

    sen(

    tX

    Ei

    c

    (28)

    Como pode ser observado na eq.28, a reatncia Xc possui dimenso de

    resistncia (Ohm, ) e funo da velocidade angular , ou seja, da freqncia f.

    Analogamente possvel demonstrar os demais ngulos de fase e as respectivas

    reatncias para os elementos indutores e resistores, os quais se encontram na Tabela 1.

    Tabela 1. ngulos de fase e as respectivas reatncias para os elementos de circuito.

    Elementos de circuito ngulo de fase , em radianos Reatncia X, Ohm

    Resistor hmico 0 X = R

    Capacitor - 2/ Cj

    XC

    1

    Indutor 2/ LjX L

    Valores intermedirios aos tabelados de representam uma combinao

    qualquer em srie ou em paralelo destes elementos em um dado circuito. A introduo

    do nmero complexo 1j efetuada para separar as reatncias indutivas e

    capacitivas das resistncias puras R, resultando assim na representao dos dados de

    impedncia na forma de diagramas no plano complexo.

    A anlise de circuitos ac no plano complexo (Diagrama de Argand-Gauss), que

    um plano vetorial, simplifica de forma considervel o tratamento matemtico dos dados

    de impedncia.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    20

    4 - Diferenas existentes entre sistemas eltricos (passivos) e sistemas

    eletroqumicos (ativos)

    Cuidados devem ser tomados ao se fazer uma comparao direta entre a resposta

    ac de um sistema eletroqumico com o comportamento anlogo dos elementos de um

    circuito eltrico que produzem uma correspondente resposta ac. Assim, certas

    diferenas devem ser ressaltadas entre os sistemas eltricos e os eletroqumicos:

    a) Sistemas eltricos:

    - So constitudos de elementos passivos.

    - Relao I vs. E linear descrita pela Lei de Ohm.

    - Os elementos so passivos e, portanto, estveis com o tempo.

    - Os elementos passivos no apresentam resistncia ou capacitncia negativas.

    b) Sistemas eletroqumicos:

    - Relao I vs. E exponencial descrita pela equao de Butler-Volmer.

    - Os elementos so em sua grande maioria ativos (elementos que operam com uma fonte

    interna de energia) e que, portanto, tendem a apresentar instabilidade com o tempo.

    - Elementos ativos podem apresentar resistncia ou capacitncia negativas (modelo de

    passivao primitiva).

    5 - Conceitos mais empregados na EIE

    O fato da tcnica de EIE ser baseada em conceitos de corrente alternada difere

    esta tcnica da grande maioria das outras tcnicas eletroqumicas onde a perturbao

    efetuada de forma no peridica. Assim, torna-se necessrio definir certos termos que

    so de comum uso na EIE.

    Impedncia (Z): Resistncia genrica a passagem de corrente eltrica que rene tanto

    uma resistncia pura R (hmica, independente da freqncia), apresentada por

    elementos resistores, quanto uma reatncia X (resistncia que dependente da

    freqncia aplicada ao sistema) apresentada por elementos indutores (XL), capacitores

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    21

    (XC), etc.. Ex: XL = j.L; XC = - (j.C)-1

    , onde = 2 e j indica que as reatncias

    esto presentes na parte imaginria da impedncia. Embora ambas as resistncias e a

    reatncias sejam de carter fsico real, a teoria de nmeros complexos amplamente

    empregada para o estudo de EIE. A impedncia no plano complexo representada pela

    seguinte expresso genrica:

    /// jZZZ (29)

    onde:

    Z/ = componente real que incorpora as resistncias hmicas.

    Z// = componente imaginrio que incorpora as reatncias.

    Assim, toda a lgebra desenvolvida para o estudo dos nmeros complexos se aplica nos

    estudos de EIE.

    Admitncia (Y): o inverso da impedncia (Y = 1/Z). Seu uso as vezes simplifica os

    clculos matemticos.

    ngulo de Fase ( ): No diagrama Z/ vs. Z// o ngulo de fase representa o ngulo

    existente entre o componente real e imaginrio do vetor impedncia total Z medido a

    partir da origem. Fisicamente representa o ngulo de defasagem existente entre o

    potencial (sistema de referncia para a fase) e a corrente no diagrama fasor (E vs. I),

    onde estes termos representam as respectivas amplitudes senoidais. Uma anlise dos

    elementos de circuitos revela que a existncia de um dado elemento pode ser

    caracterizada pelo seu respectivo ngulo de fase.

    Estado Estacionrio: este termo empregado na EI significa que durante a anlise da

    resposta frente a uma dada perturbao de baixa amplitude o sinal amostrado em um

    dado valor da freqncia, estvel com o tempo no possuindo portanto nenhuma

    contribuio transiente.

    Constante de tempo e tempo de resposta: A constante de tempo definida como

    sendo a medida da velocidade de resposta de um sistema. Os termos transitrios de uma

    resposta frente a uma perturbao tem a forma A.exp(), onde a raiz da equao

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    22

    caracterstica que descreve o sistema. Quando real, define-se a constante de tempo

    como sendo o instante onde o expoente assume valor absoluto unitrio 1 , ou

    seja, como > 0, /1 .

    Teoria Linear de Sistemas (TLS): a teoria na qual os modelos empregados para a

    anlise dos espectros de EIE se baseia. Assim a anlise de sistemas eletroqumicos

    frente anlogos eltricos, ou modelos de reao (cinticos) linearizados, fica restrita

    as condies exigidas pela TLS.

    Funo de Transferncia (FT): a funo matemtica que relaciona a resposta de um

    dado sistema estvel no domnio do tempo com uma dada perturbao. O emprego de

    uma FT de acordo com as restries da TLS requer, alm da condio de linearidade,

    que o sistema seja causal (a resposta nunca precede a perturbao no tempo

    considerado; todo sistema realizvel fisicamente causal) e estvel (aps o

    desaparecimento da resposta transitria as caractersticas do sistemas devem ser

    invariantes com o tempo).

    Reciprocidade: uma propriedade que exprime a reversibilidade do sistema. Ou seja,

    ZY = 1. Assim, se a perturbao imposta pela voltagem induz uma corrente, ento uma

    perturbao imposta pela corrente induzir uma voltagem.

    Impedncia de Warburg: uma impedncia caracterstica de um processo eletrdico

    onde a corrente limitada pelo transporte difusional das espcies eletroativas (ver

    apndice 1).

    6 - Fundamentos tericos do emprego da anlise no domnio da freqncia em

    sistemas eletroqumicos utilizando-se perturbaes de baixa amplitude

    Na anlise dinmica de um sistema qualquer procura-se o estabelecimento das

    relaes causa e efeito, ou seja, das relaes entrada-sada que caracterizam o sistema.

    Um sistema dinmico aquele onde algum de seus aspectos varia com o tempo. Na

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    23

    anlise dinmica de um sistema essencial a determinao do seu comportamento a

    partir do conhecimento dos parmetros que o caracterizam e das perturbaes a que

    submetido. No estudo de sistemas dinmicos adota-se o emprego de certas entradas

    (perturbaes) especficas para se obter a resposta correspondente. A entrada deve ser

    de fcil representao analtica e realizvel do ponto de vista prtico. Normalmente

    emprega-se a funo senoidal (f(t) = A sent) e a funo impulso unitrio, ou funo

    delta de Dirac (f(t) = (t)) que por definio, tem durao nula, amplitude infinita, rea

    unitria e aplicada no instante t = 0+.

    Segundo os conceitos estabelecidos para os sistemas eltricos a funo

    impedncia definida estritamente no domnio da freqncia para sistemas que

    satisfaam as restries impostas pela teoria linear de sistemas (TLS). Um sistema dito

    linear quando se aplica o princpio da superposio (cada causa corresponde a um nico

    efeito, sendo estes aditivos). A maioria dos sistemas fsicos, devido a sua complexidade,

    exibe um comportamento no-linear o que dificulta a sua anlise dinmica. No entanto,

    com uma margem de erro pequena a maioria dos sistemas no-lineares podem ser

    linearizados considerando-se apenas os termos lineares do modelo expandido em sries

    de Taylor.

    Para um sistema estacionrio a razo entre a transformada de Laplace de sada

    C(s) e a transformada de entrada R(s) definida como a funo de transferncia do

    sistema G(s) (ver apndice 2). A funo de transferncia contm toda a informao

    sobre a dinmica o sistema. No caso dos sistemas eltricos a designao de uma funo

    de transferncia como uma impedncia, de acordo com a TLS, requer no somente a

    satisfao da condio de linearidade, mas tambm uma concordncia com as condies

    de causalidade e de estabilidade. Portanto, antes que um fenmeno eletroqumico possa

    ser analisado em termos de anlogos eltricos ou de modelos de reao linearizados, os

    dados experimentais devem satisfazer as restries impostas pela TLS. Enquanto que a

    linearidade pode sempre ser assegurada atravs da escolha de perturbaes de baixa

    amplitude (< 10 mV), as restries de causalidade e de estabilidade so de difcil acesso

    de ambos os pontos de vista terico e experimental.

    As perturbaes de baixas amplitudes fazem com que somente os termos de

    primeira ordem da resposta do sistema sejam considerados (isto significa que a resposta

    linearizada). Desse modo, de acordo com a TLS, o comportamento dinmico do

    sistema pode ser descrito por sua impedncia tanto no domnio do tempo quanto no

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    24

    domnio da freqncia. O tempo e a freqncia neste caso so interligados pela

    respectivas transformadas de Fourier e de Laplace.

    No domnio do tempo a funo de transferncia dada por:

    )(

    )()(

    ~

    ~~

    sP

    sRsH (30)

    onde s a freqncia de Laplace e P(s) e R(s) so as respectivas transformadas da

    perturbao e resposta no domnio do tempo.

    No domnio da freqncia a funo de transferncia dada por:

    )(

    )(

    )(

    )()(

    ~

    ~~

    jP

    jR

    tFP

    tFRjH (31)

    onde F significa a transformada de Fourier e R(j) e P(j) so as respectivas funes

    da resposta e perturbao senoidais.

    Considerando-se que as restries da TLS sejam obedecidas, as FT podem ser

    identificadas como sendo as respectivas impedncias Z(s) e Z(j) no domnio de

    Laplace e de Fourier. Visto que estas quantidades so vetoriais, H(j) e Z(j) so

    nmeros complexos caracterizados por um mdulo e um ngulo de fase.

    O domnio de Fourier da impedncia Z pode ser escrito na forma de diagrama no

    plano complexo de acordo com a seguinte expresso:

    Z(j) = Z/ - jZ// (32)

    onde j = 1 . Concordantemente, a magnitude (ou mdulo) da impedncia Z est

    relacionada com o angulo de fase de acordo com a seguinte expresso:

    2//2/)( ZZjZ (33)

    onde

    /

    //

    )tan(Z

    Z (34)

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    25

    Os dados de impedncia podem ser representados de vrias formas, sendo entre

    elas as mais conhecidas o diagrama no plano complexo (Z/ vs. Z

    //), tambm conhecido

    como diagrama de Argand-Gauss, Nyquist ou Sluyters. Outra representao bastante

    empregada o diagrama de Bode ( Z e vs. log()). A Fig.4 mostra algumas das

    representaes mais empregadas para representar a resposta em freqncia de um

    sistema.

    Figura 4. Representaes equivalentes para a funo resposta geral () = (a +

    ib)/(1 + i), onde no caso da EIE Z .

    A anlise dos resultados de EIE depende do conhecimento prvio das

    caractersticas da perturbao introduzida ao sistema eletroqumico sob investigao

    (potencial, e) e da sua correlao com o respectivo sinal de resposta obtido (corrente, i).

    Assim, visto que as caractersticas da perturbao de entrada so conhecidas ( ,E ) e

    considerando-se que o sistema sustente uma resposta linear de corrente conforme as

    restries requeridas pela TLS, tem-se que a resposta em corrente ir carregar as

    informaes sobre o sistema sob investigao. Portanto, informaes sobre um sistema

    qualquer frente a uma dada perturbao de caractersticas conhecidas podem ser obtidas

    empregando-se a respectiva funo de transferncia caracterstica do dado sistema.

    Portanto, como pode ser observado nos estudos de EIE o sistema sob

    investigao atua como uma caixa preta cujas caractersticas so obtidas a partir de

    uma resposta linear proveniente de uma fonte perturbadora com caractersticas

    conhecidas:

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    26

    Excitao com

    caractersticas

    conhecidas

    Sistema sob

    investigao

    Resposta com

    caractersticas do

    sistema

    Tais consideraes podem ser melhor visualizadas empregando-se um sistema

    modelo representado por uma funo de transferncia G(s) e considerando-se um

    sistema linear de primeira ordem onde as restries impostas pela TLS lhe so

    intrnsecas. Para tal fim, a resposta em freqncia caracterstica do sistema modelo sob

    investigao pode ser obtida empregando-se uma perturbao senoidal genrica de

    amplitude A e de velocidade angular .

    I Funo de transferncia de primeira ordem para um sistema linear genrico

    1)(

    )()(

    s

    k

    sF

    sysG

    (35)

    ii) Para um sistema genrico de primeira ordem tem-se que:

    rbcaDca oo 1 (36)

    onde oa

    a1 a constante de tempo do sistema e o

    o

    ab

    k a sensibilidade esttica.

    Se f(t) uma entrada senoidal com a amplitude A e freqncia ,

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    27

    tAtf sen.)( (37)

    tem-se que a funo correspondente em termos no domnio de Laplace dada por:

    22)(

    s

    AsF (38)

    onde s a varivel no plano de Laplace e F(s) a respectiva funo.

    Fazendo-se as devidas substituies nas equaes anteriores, obtm-se:

    221)(

    s

    A

    s

    ksy (39)

    A eq.39 pode ser expandida pelo mtodo das fraes parciais originando uma nova

    funo,

    js

    C

    js

    C

    s

    Csy

    321

    /1)( (40)

    Assim, pode-se determinar o valore das constantes C1, C2 e C3 e ento obter

    atravs da transformada inversa de Laplace a funo contendo os parmetros originais

    da perturbao, ou seja, o tempo, t:

    tkA

    tkAtkA

    ty

    sen

    1cos

    1exp

    1)(

    222222

    (41)

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    28

    A anlise da eq.41 revela que para t , o termo transiente desaparece, ou seja,

    exp(-t/) 0. Portanto, aps um longo tempo (t >> ), verifica-se que a resposta de um

    sistema de primeira ordem frente a uma perturbao senoidal estacionria (sem

    termos transitrios):

    tkA

    tkA

    ty

    sen

    1cos

    1)(

    2222

    (42)

    Empregando-se a identidade trigonomtrica:

    a1cosb + a2senb = a3sen(b + ) (43)

    onde a3 = 2

    2

    2

    1 aa e 211 /tan aa , obtm-se a partir da eq.42:

    tkA

    ty sen1

    )(22

    (44)

    onde:

    1tan (45)

    Consideraes gerais e importantes para a EIE com respeito a resposta em

    freqncia obtida para um sistema linear de primeira ordem:

    i) A resposta no estado estacionrio para uma entrada senoidal tambm senoidal e

    com a mesma freqncia angular .

    ii) A razo entre a amplitude de sada e a amplitude de entrada chamada razo de

    amplitude (ou argumento) e funo da freqncia:

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    29

    122

    kArg (46)

    iii) A sada atrasada em relao a entrada por um ngulo de fase que tambm

    funo da freqncia :

    1tan (47)

    7 - Anlise da resposta em freqncia de circuitos empregados na representao de

    sistemas eletroqumicos

    Os dados de EIE podem ser representados de vrias maneiras, cada uma com as

    suas vantagens e normalmente complementando-se entre si. As representaes grficas

    mais empregadas na EIE so o diagrama no plano complexo (diagrama polar de

    Argand-Gauss, Nyquist, Sluyters) e o diagrama de Bode. Grande parte das

    contribuies pioneiras na anlise da impedncia de sistemas eletrdicos no plano

    complexo provm dos trabalhos de Sluyters e cols. Uma anlise da aplicao do

    diagrama no plano complexo na representao dos dados de EIE pode ser feita

    considerado os trs casos a seguir:

    CASO 1: Anlise de um sistema eletroqumico eletrodo/soluo na ausncia de

    processos faradicos.

    Circuito equivalente e diagrama no plano complexo correspondente:

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    30

    Figura 5. Circuito RC e o respectivo diagrama de Nyquist.

    No circuito mostrado na Fig.5 o resistor, R, representa a resistncia do eletrlito

    entre o eletrodo de referncia (extremidade do capilar de Luggin) e o eletrodo de

    trabalho. O capacitor, C, representa o comportamento capacitivo estabelecido pela

    separao de cargas na interface slido(eletrodo)/lquido(soluo), a qual

    normalmente conhecida como dupla camada eltrica.

    Equao caracterstica:

    CjRZ

    1 (48)

    Discusso: Como pode ser observado no diagrama no plano complexo, considerado-se

    os elementos ideais (passivos) para valores da freqncia entre 0 < < , a resposta

    em freqncia de um eletrodo imerso em um eletrlito, na ausncia de processos

    faradicos, caracterizada por uma reta no 1o quadrante paralela ao eixo imaginrio, a

    qual tende a cortar o eixo real no dado valor da resistncia R. Assim, o valor da

    capacitncia, C, pode ser calculado projetando-se o componente imaginrio do vetor

    impedncia em um dado valor da freqncia ( f 2 ) onde Z// = 1/C. Em sistemas

    reais (ativos) constitudos por eletrodos rugosos/porosos, observa-se desvios do

    comportamento ideal previsto, o qual normalmente caracterizado pela presena de um

    pequeno arco no domnio das altas freqncias. Fatores como diferenas na

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    31

    condutividade nas diferentes regies que constituem a interface

    rugosa(porosa)/eletrlito e uma dependncia da penetrao da freqncia com a

    dimenso dos poros e rachaduras tem sido atribudos como a provvel origem de tais

    desvios.

    CASO 2: Anlise de um sistema eletroqumico eletrodo/soluo na presena de

    processos faradicos desprezando-se o transporte de massa.

    Circuito equivalente e o diagrama no plano complexo correspondente:

    Figura 6. Circuito RC e o correspondente diagrama de Nyquist.

    Na Fig.6 a combinao em paralelo RC representa a distribuio da corrente

    total no processo capacitivo de carregamento da dupla camada eltrica e no processo de

    transferncia de carga (faradico) entre o eletrodo e alguma espcie a ser oxidada (ou

    reduzida) na soluo.

    Equao caracterstica:

    22 )(1)(1 RC

    RCj

    RC

    RZ

    (49)

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    32

    Discusso: Na prtica um semicrculo pode no estar completamente centralizado sobre

    o eixo real. Neste caso a no idealidade pode ser devida o tempo de relaxao

    caracterstico da combinao RC no apresentar um valor nico, mas sim uma

    distribuio ao redor de um valor mdio m. Em eletrodos rugosos/porosos distores

    (achatamento) no semicrculo podem ser observadas, e so normalmente atribudas ao

    fenmeno da disperso da freqncia sobre a superfcie no uniforme. Nestes casos o

    elemento capacitor substitudo por um elemento de fase constante, EFC, o qual possui

    um parmetro de correo para estes desvios.

    Para casos onde h o aparecimento de mais de um semicrculo (mais de uma

    combinao RC) o sistema sob investigao ser caracterizado por mais de uma

    constante de tempo. Cada combinao RC caracterstica de um semicrculo possui uma

    constante de tempo particular (=RC), ou tempo de relaxao, que dado pela seguinte

    equao:

    1 RCoo (50)

    onde o a velocidade angular dada por:

    oo f 2 (51)

    sendo fo a freqncia de relaxao.

    A determinao da freqncia de relaxao caracterstica fo ocorre no ponto de

    mximo do semicrculo e permite calcular o valor da capacitncia C:

    Rf

    Co2

    1 (52)

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    33

    CASO 3: Anlise de um sistema eletroqumico eletrodo/soluo na presena de

    processos faradicos considerando-se o transporte de massa (circuito de Randles-

    Ershler).

    Circuito equivalente e o diagrama no plano complexo correspondente:

    Figura 7. Circuito de Randles-Ershler e o correspondente diagrama de Nyquist.

    Na Fig.7 R representa a resistncia do eletrlito que desloca o semicrculo da

    origem do plano complexo. No circuito de Randles-Ershler alm dos elementos

    presentes no caso 2, aparece um novo elemento chamado de impedncia de Warburg

    (ver Apndices). Este elemento caracteriza a existncia de uma resistncia devido o

    transporte de massa da espcie oxidada (ou reduzida) na interface eletrodo/soluo

    (camada difusional) limitar a passagem de corrente na via faradica. Este

    comportamento caracterizado por um ngulo de fase de - 45o.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    34

    Equao caracterstica:

    22/12222/1

    2/12/122/1

    22/12222/1

    2/1

    )()1(

    )1()(

    )()1(

    TCdd

    dTCd

    TCdd

    TC

    RCC

    CRCj

    RCC

    RRZ

    (53)

    Caso limite 1: 0 :

    Z = Z/ - jZ

    // (54)

    onde,

    2/1/

    TCRRZ (55)

    DCECZ22/1// 2 (56)

    Assim,

    DCETC CRRZZ2/// 2 (57)

    OBS: Esta a equao de uma reta de inclinao unitria ( = - 45o) no plano Z/ vs. Z//.

    Caso limite 2: : A impedncia de Warburg desprezvel em relao a RTC.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    35

    Z = Z/ - jZ

    // (58)

    222

    /

    1 TCDCE

    TC

    RC

    RRZ

    (59)

    222

    2//

    1 TCDCE

    DCECT

    RC

    CRZ

    (60)

    Eliminando-se tem-se que:

    22//2/ )2

    ()()2

    ( TCTCR

    ZR

    RZ (61)

    OBS: esta a equao de uma circunferncia centrada em R + RTC/2 e com raio RTC/2.

    Discusso: O aparecimento da impedncia de Warburg pode ser verificado em eletrodos

    porosos e rugosos devido o transporte das espcies eletroativas at as regies de mais

    difcil acesso (parte mais interna dos poros e rachaduras) da superfcie do eletrodo ser

    dificultado.

    8 - Verificao da qualidade dos dados da EI empregando-se as transformaes K-

    K : linearidade, causalidade e estabilidade

    Um grande problema enfrentado em toda anlise de impedncia envolve a

    validao dos dados experimentais no sentido destes poderem ser interpretados em

    termos de modelos lineares baseados em anlogos eltricos. Conforme descrito por

    Macdonald e Urquidi-Macdonald este problema pode ser solucionado usando as

    transformaes de Kramers-Kronig (K-K) (ou de Bayard-Bode). As transformadas K-K

    so artifcios puramente matemticos que no reflete nenhuma caracterstica fsica

    particular do sistema. Sua base o teorema de Cauchy e, portanto, define um sistema

    causal onde cada perturbao caracteriza uma nica resposta correspondente. Portanto,

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    36

    se um sistema eletroqumico pode ser representado por um anlogo eltrico ele deve ser

    transformvel via K-K.

    Transformadas K-K da impedncia real:

    dxx

    ZxxZZZ

    0

    22

    ////// )()(2)()(

    (62)

    22

    0

    ////// )()(2

    )0()(

    x

    dxZxZ

    xZZ (63)

    Transformadas K-K da impedncia imaginria:

    0

    22

    //// )()(2)( dx

    x

    ZxZZ

    (64)

    0

    22

    )(ln2)( dx

    x

    xZ

    (65)

    No caso particular dos sistemas eletroqumicos alm da linearidade, as condies

    de maior interesse verificadas pelas transformaes K-K so a causalidade e a

    estabilidade. O termo causalidade implica que a resposta no pode preceder a

    perturbao, enquanto que a estabilidade demanda que o sistema perturbado relaxe ao

    seu estado original aps a remoo da perturbao. Do ponto de vista prtico a

    aplicao do teste de K-K nos estudos da EIE pode ser feita atravs do emprego de um

    software de ajuste onde faz-se o uso de uma combinao de elementos passivos com

    comportamento linear, onde o nmero de elementos est relacionado com o nmero de

    pontos experimentais. Assim, visto que tal circuito sempre linear, um bom ajuste deste

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    37

    circuito aos dados experimentais implica em satisfao das condies de linearidade

    reciprocidade e de causalidade requerido pela TLS. Tal teste implica que mesmo em

    0 e a impedncia do sistema seja finita. A qualidade dos dados experimentais

    verificada em temos do chi-quadrado (2) onde na maioria dos casos valores de 2 <

    10-3

    so indicativos de um bom ajuste, ou seja, havendo uma representatividade fsica

    do modelo empregado, frente ao sistema sob investigao, pode-se dizer que o mesmo

    descreve com grande preciso o sistema investigado.

    9 - Os sistemas no-ideais: o fenmeno da disperso da freqncia e o elemento de

    fase constante (EFC)

    A no idealidade dos elementos ativos, frente aos anlogos passivos de circuitos

    eltricos, normalmente refletida em um deslocamento da freqncia frente a

    impedncia medida. Tais desvios da idealidade so normalmente atribudos

    rugosidade e a heterogeneidade superficial do eletrodo, o que normalmente resulta em

    uma distribuio no uniforme da freqncia sobre a superfcie do eletrodo.

    O elemento de circuito ajustado empiricamente aos dados experimentais via um

    software especfico qualquer e que leva em considerao a disperso da freqncia,

    conhecido como elemento de fase constante, EFC. Sua impedncia ZEFC definida pela

    seguinte expresso:

    n

    EFC jQZ )()( (66)

    onde n apresenta valores entre -1< n < 1, sendo n = /90o. Q o parmetro de ajuste

    global. No caso capacitivo, o parmetro Q expresso em F cm-2

    s(n 1)

    .

    Em todos os casos, a potncia n do EFC est relacionada com o ngulo de

    depresso () de acordo com a seguinte equao:

    = (1- n)90o (67)

    Experimentalmente, o comportamento descrito pelo EFC aparece no plano

    complexo como uma rotao no sentido horrio por um ngulo (veja Fig.8). Portanto,

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    38

    tem-se que Q = C somente quando o sistema eletroqumico se comporta idealmente (n =

    1).

    Figura 8. Deslocamento (depresso) do semicrculo no plano complexo para um

    sistema Capacitivo-Resistivo simples e a interpretao geomtrica deste fenmeno em

    termos do EFC onde = (1- n)90o e n = /90o.

    A definio da ZEFC permite estabelecer os seguintes casos limites:

    i) n = 1, comportamento capacitivo ideal.

    ii) n = 0,5, impedncia de Warburg.

    iii) n = -1, comportamento indutivo ideal.

    iv) n = 0, comportamento resisitvo (resistncia pura).

    O procedimento de ajuste de um dado modelo baseado em um circuito

    equivalente, aos dados experimentais da EIE, consiste basicamente no uso dos softwares

    desenvolvidos por Boukamp (EQUIVCRT) e por Macdonald (LEVM). Tais programas

    envolvem o ajuste baseado no mtodo dos mnimos quadrados complexos no-lineares

    (complex non-linear least square fiting, CNLS), onde pode-se obter o valor 2

    correspondente ao ajuste, e o erro relativo referente a cada elemento de circuito

    empregado.

    O objetivo do CNLS encontrar valores dos parmetros que minimize a soma

    com peso estatstico da funo dos quadrados de acordo com a seguinte expresso:

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    39

    N

    i

    ii

    I

    iii

    R

    i YywYyw1

    2///2//2 )()(1

    (68)

    onde:

    1 MN .

    Riw fatores da parte real.

    Iiw fatores da parte imaginria.

    /iy parte real dos dados.

    /Y funo de ajuste real.

    //iy parte imaginria dos dados.

    //Y funo de ajuste imaginria.

    grau de liberdade.

    N nmero de dados experimentais.

    M nmero de parmetros empregados no ajuste.

    O mtodo numrico de ajuste envolvendo a CNLS normalmente feita

    empregando-se o algoritmo de Levenberg-Marqvardt. Este algoritmo permite a

    combinao de um melhor desempenho na aplicao dos recursos matemticos

    disponveis frente ao mtodo de linearizao da funo de ajuste empregada. Tal

    procedimento proporciona uma melhor convergncia quando se emprega valores

    iniciais dos parmetros a serem ajustados distantes do ponto de timo real, e uma rpida

    convergncia para os valores que se localizam aos arredores do ponto de timo.

    10 - Modelos de impedncia empregados no estudo do comportamento

    eletroqumico de eletrodos slidos

    Os dados de EIE so geralmente interpretados seguindo diferentes abordagens,

    onde atravs de suas consideraes particulares extrai-se um modelo de circuito

    equivalente capaz de representar o sistema investigado. Normalmente, a interpretao

    dos dados de EIE segue alguma das abordagens presentes no seguinte fluxograma:

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    40

    Resultados

    experimentais,

    Z/ vs. Z

    //

    Mtodo dos circuitos

    equivalentes

    Mtodo cintico Modelo das linhas de

    transmisso

    a) Abordagem terica baseada no emprego de circuitos equivalentes:

    Em tal mtodo o sistema eletroqumico representado por um circuito eltrico

    equivalente que possua uma mesma resposta em freqncia. Uma das principais crticas

    ao emprego deste mtodo devido ao fato de uma dada resposta em freqncia poder

    corresponder a mais de um circuito equivalente. Assim, nestes casos o bom senso indica

    que o circuito empregado no ajuste aos dados experimentais deve ser aquele que possua

    uma maior representatividade das caractersticas fsico-qumicas do sistema sob

    investigao, e com um menor nmero de elementos possvel.

    Como exemplo da aplicao do mtodo baseado em circuitos equivalentes

    consideraremos os seguintes casos: (i) estudo de caracterizao de materiais

    semicondutores; (ii) investigao da corroso metlica e (iii) caracterizao superficial

    in situ de eletrocatalisadores constitudos de xidos condutores.

    Caso (i): eletrodos semicondutores

    A tcnica de EIE constitui uma poderosa ferramenta para o estudo de eletrodos

    semicondutores, permitindo a aquisio de informaes sobre a estrutura da interface

    eletrodo/eletrlito e do mecanismo das reaes eletroqumicas. Uma investigao a

    respeito do comportamento da camada de carga difusa no interior do semicondutor pode

    ser conduzida indiretamente atravs de medidas de capacitncia efetuadas empregando-

    se a tcnica de EIE. Para uma melhor compreenso da derivao de um modelo baseado

    em um circuito equivalente, faz-se necessrio uma pequena introduo sobre as

    caractersticas de uma interface semicondutor/eletrlito.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    41

    De uma forma breve pode-se dizer que a maior diferena existente entre um

    metal e um semicondutor a magnitude de sua condutividade. Enquanto que os metais

    possuem uma condutividade da ordem de 106 ohm

    -1.cm

    -1, os semicondutores

    apresentam valores na faixa de 102-10

    -9 ohm

    -1.cm

    -1. Esta grande diferena de

    condutividade reflete predominantemente a concentrao dos transportadores de cargas

    livres. Contrariamente aos condutores metlicos, onde a concentrao de

    transportadores de carga eltrica elevada, os semicondutores apresentam uma reduzida

    concentrao de transportadores com capacidade de locomoo, e sua acumulao no

    interior do semicondutor corresponde a uma distribuio de carga espacial diferente dos

    metais, os quais apresentam uma distribuio de cargas superficial.

    No interior dos semicondutores do tipo-n a carga dos eltrons mveis

    compensada pelos doadores positivos imobilizados, enquanto que nos do tipo-p tem-se

    buracos mveis e aceptores negativos imobilizados, mantendo-se assim um equilbrio

    entre os transportadores de carga. No caso dos semicondutores do tipo-n os

    transportadores majoritrios (aqueles em maior concentrao) so os eltrons,

    enquanto que nos do tipo-p os transportadores majoritrios so os buracos.

    A Fig.9 mostra um diagrama de energia (Energia vs. posio) proposto por

    Gerischer para um eletrodo semicondutor do tipo-n para diferentes distribuies da

    carga difusa espacial.

    Figura 9. Diagrama representativo da dupla camada eltrica em um semicondutor do

    tipo-n em contato com um eletrlito. Acima: distribuio dos transportadores de carga;

    Meio: posicionamento das bordas das bandas; Abaixo: variao do potencial eltrico

    com a posio.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    42

    Primeiramente, observa-se na parte posterior da Fig.9 as trs distribuies

    possveis da carga na interface, ou seja, na ausncia de excesso de cargas (ponto de

    carga zero pcz, condio de banda plana), na deficincia de eltrons (camada de

    depresso) e no excesso de eltrons (camada de acumulao). Posteriormente observa-

    se no meio da figura as posies das bordas das bandas de energia e finalmente, na

    poro inferior da figura, observa-se as respectivas dependncias do potencial eltrico

    com a posio no interior do eletrodo.

    No caso da situao de banda plana tem-se que a distncia entre a posio do EF

    e das bordas da banda refletem a concentrao local dos transportadores de carga.

    Assim, considerando-se a distribuio de Boltzmann, a concentrao eletrnica n(x) no

    interior do eletrodo dada pela seguinte expresso:

    kT

    ExENxn FCC

    )(exp.)( (69)

    onde NC a densidade efetiva dos estados na borda da banda. Se uma perturbao

    positiva aplicada a um semicondutor do tipo-n, CE se torna positivo e a posio das

    bordas da banda deslocada para baixo no interior em relao a superfcie, como pode

    ser observado na Fig.9. O resultado uma camada de depresso e um decrscimo de n

    na superfcie do eletrodo. Assim, se a concentrao eletrnica no interior nb, a

    concentrao superficial ns torna-se neste caso:

    kT

    enn CEobs

    exp. (70)

    Contrariamente, no caso de uma camada de acumulao, com um CE negativo,

    os eltrons acumulam-se na superfcie do eletrodo.

    No h uma metodologia disponvel at o momento que permita a medida direta

    da distribuio espacial de cargas no interior do semicondutor. No entanto, pode-se

    obter informaes indiretas, a respeito da variao da distribuio de cargas, a partir de

    medidas de capacidade diferencial.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    43

    Assumindo-se que a contra carga de equilbrio (de sinal oposto) esteja em frente

    a superfcie do semicondutor, a capacidade diferencial CCE da camada de carga espacial

    difusa pode ser dada pela seguinte expresso:

    21

    21

    .2

    CE

    Doo

    CE

    CE

    Ne

    d

    dQC

    (71)

    Considerando-se que a voltagem aplicada se distribua em duas regies distintas

    da interface slido/lquido (interior do semicondutor e no eletrlito), o modelo mais

    apropriado para representar a interface constitudo pela associao em srie de dois

    capacitores. Tal modelo, leva em considerao que a concentrao do eletrlito seja alta

    o suficiente para que contribuies referentes a dupla camada eltrica difusa possam ser

    desprezadas:

    CEH CCC

    111 (72)

    Visto que em uma combinao em srie de capacitores a capacidade total

    determinada pelo menor valor da capacidade, para valores de voltagem positiva (Ex:

    semicondutor do tipo-n), a capacidade total limitada pela capacidade da carga espacial

    residente no interior do slido j que esta em magnitude a menor das capacidades

    (< 1F cm-2). Para semicondutores do tipo-p a situao a mesma, porm deve ser

    invertido o sinal da voltagem aplicada. Assim, obtm-se das eqs.(70) e (71),

    considerando-se CH constante ( 20 F cm-2

    ), a seguinte relao:

    CE

    Doo NeC

    .

    212

    (73)

    Considerando-se que somente a voltagem externa aplicada U possa ser variada,

    mede-se a capacidade diferencial em funo de U. Se a queda do potencial no eletrlito

    H permanecer constante, CE variar em paralelo com U de acordo com a seguinte

    expresso:

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    44

    CE = U - UBP, para CE > 100mV (74)

    O potencial UBP chamado de potencial de banda plana devido a energia dos

    eltrons nas bordas das bandas ser constante do interior do semicondutor at a

    superfcie. Assim, UBP corresponde ao potencial onde no h excesso de carga (pcz) no

    interior do semicondutor, e seu valor frente a um sistema padro de referncia (Ex:

    ERH, Eletrodo Reversvel de Hidrognio) pode ser determinado por extrapolao do

    grfico 1/C 2 vs. U, tambm conhecido como grfico de Mott-Schottky.

    A extrapolao para 1/C2 0 fornece o potencial de banda plana UBP, e a partir

    da eq.(72) obtm-se o valor de CE para o intervalo onde a relao Mott-Schottky

    linear. O coeficiente angular do grfico fornece a concentrao de doadores ND, se

    conhecido.

    A Fig.10 mostra um grfico de Mott-Schottky obtido em diferentes valores de

    freqncia para um eletrodo de GaP do tipo-p, com uma orientao cristalogrfica

    (111), em pH 1, sob condio de depresso.

    Figura 10. Grfico de Mott-Schottky obtido em diferentes valores da freqncia em

    condio de depresso; Eletrodo: GaP do tipo-p; pH 1.

    Como pode ser observado na Fig.10, as extrapolaes efetuadas em diferentes

    valores da freqncia convergem para um ponto em comum o qual caracteriza o valor

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    45

    do potencial de banda plana. Assim, conhecendo-se o valor do potencial de banda plana

    UBP, a queda do potencial sobre a camada de depresso e portanto da quantidade de

    envergadura da banda em um dado potencial, pode ser determinada fornecendo assim

    informaes sobre a concentrao de transportadores de carga livres na superfcie do

    eletrodo, o qual de grande importncia do ponto de vista cintico.

    A Fig.11 mostra resultados de EIE na ocorrncia de um processo faradico para

    o semicondutor n-GaAs em meio de H2SO4 0,5 mol.dm-3

    , juntamente com o respectivo

    circuito equivalente empregado.

    Figura 11. Diagrama de Nyquist e o respectivo circuito equivalente para o

    semicondutor n-GaAs em H2SO4 0,5 mol dm-3

    .

    Neste circuito RF representa o processo faradico, e se dispe em paralelo com

    duas capacitncias em srie: capacitncia de Helmholtz e a capacitncia da carga

    espacial difusa. O papel desempenhado neste caso pelos estados superficiais

    representado pelos elementos RSS e CSS. A resistncia do eletrlito RS adicionada em

    srie.

    Caso (ii): Estudos de corroso

    Diferentes mtodos experimentais j foram propostos para o estudo da corroso

    metlica. Dentre estes, vale a pena destacar os mtodos baseados na perda de massa e na

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    46

    polarizao via tcnicas eletroqumicas do tipo corrente contnua (voltametrias) e

    alternada (EIE). No caso particular dos ensaios de corroso via tcnicas eletroqumicas,

    tem-se que a estimativa da taxa de corroso (e.g. mm ano-1

    ) efetuada com base na

    determinao da corrente de corroso (Icorr) e/ou da resistncia a polarizao (Rp).

    De acordo com o modelo de Stern-Gearn os valores de Icorr podem ser obtidos a

    partir do registro de curvas de polarizao (voltmaetria de varredura linear), em baixas

    velocidades de varredura do potencial (< 1 mV s-1

    ), cobrindo um intervalo de potencial

    que cubra ambos ramos catdico (e.g. 2H+/H2) e andico (M

    o/M

    Z+). Outra abordagem

    experimental empregada na investigao do processo de corroso baseado na

    determinao do Rp atravs da tcnica de voltametria ccilica. Este procedimento foi

    proposto por Macdonald, e baseia-se no registro de voltamogramas cclicos (E vs. j) em

    um curto intervalo de potencial ( 5 mV) centrado ao redor do potencial de corroso

    livre (potencial em circuito aberto). As vantagens e desvantagens de cada um destes

    mtodos experimentais so discutidos na literatura pertinente.

    Vrios estudos mostram que os componentes metlicos das ligas comumente

    usadas em implantes ortopdicos podem ser txicos e dissolver nos fluidos do corpo

    devido corroso. Dessa forma, a resistncia corroso de uma liga e a toxicidade dos

    seus metais individuais so os principais fatores que determinam a sua

    biocompatibilidade.

    A corroso dos metais em soluo aquosa ocorre via um mecanismo

    eletroqumico, de acordo com as seguintes semi-reaes genricas:

    Semi-reao andica:

    M Mn+ + ne- (75)

    Semi-reaes catdicas (em meio cido):

    2H+ + 2e

    - H2 (75a)

    e/ou

    O2 + 4H+ + 4e

    - 2H2O (75b)

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    47

    Semi-reaes catdicas (em meio alcalino):

    O2 + 2H2O + 4e 4OH- (75c)

    e/ou

    2H2O + 2e H2 + 2OH- (75d)

    Quanto mais nobre for o metal, menor ser a sua tendncia de sofrer corroso.

    Reaes ocorrendo na superfcie de um metal e num dado ambiente podem causar

    mudanas radicais na sua nobreza terica. Aps o implante, o metal exposto a

    diversos ons (fosfato, clcio, sdio, cloreto, etc), protenas e clulas, os quais podem

    apresentar um efeito nas reaes de corroso. Portanto, em diversos casos observa-se

    que a corroso de um metal em meio no-fisiolgico e fisiolgico, ambos in vitro,

    quando comparada com o respectivo processo corrosivo ocorrendo in vivo, ou seja, em

    condies reais, pode variar drasticamente.

    Todo implante metlico sofre corroso dentro do corpo humano e, portanto, aps

    longos tempos de sua implantao comum verificar concentraes elevadas de metal

    at mesmo em rgos distantes do local onde ocorreu o metal foi introduzido. Isto

    devido no s a ionizao, mas tambm s clulas fagocticas que transportam pequenas

    partculas metlicas e de xidos metlicos, contribuindo assim para a distribuio do

    metal por diferentes partes do corpo do implantado.

    Do ponto de vista terico, qualquer tipo de alterao nas propriedades estruturais

    em escala atmica (Teoria das Pilhas) ou variaes ocorridas no Potencial Qumico

    local, propiciado pelo contato entre tomos distintos, pode ocasionar no aparecimento

    da corroso espontnea. Por exemplo, a corroso galvnica pode ocorrer quando um

    metal (ou liga) menos nobre (p.ex. ao inoxidvel ASTM 316) mantido em contato

    com outro mais nobre (p.ex. titnio), e/ou quando estes materiais sofrem algum tipo de

    tenso mecnica. Neste caso o ao torna-se nodo (sofre oxidao) enquanto que o

    titnio permanece inalterado como ctodo.

    Inmeros fatores afetam a corroso de um metal. A porosidade e a rugosidade

    aumentam a rea superficial reativa dos implantes e com isso a sua suscetibilidade

    corroso. A parte porosa/rugosa dos implantes so mais susceptveis corroso quando

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    48

    comparada com as reas mais polidas. Os metais contm defeitos no retculo cristalino,

    impurezas e contaminantes, os quais podem afetar a reao de corroso.

    Existem vrias formas possveis para o aparecimento da corroso localizada que

    comprometem o desempenho do material. Alguns dos tipos mais freqentes esto

    apresentados na Fig. 12.

    (A)

    (B)

    (C)

    Figura 12. Tipos freqentes de corroso localizada: (A) corroso induzida por variaes

    do potencial qumico e/ou stress mecnico na interface entre metais distintos; (B) do

    tipo fenda (crevice); (C) corroso por pites nas regies pobres em oxignio e sua

    propagao.

    A corroso relacionada com o aparecimento de pequenos pontos chamada de

    corroso por pites, enquanto que a corroso por fretting ocorre quando um pequeno

    movimento entre dois metais rompe suas camadas de passivao. No entanto, o tipo

    mais freqente de corroso conhecido como fenda (ou do ingls crevice), a qual em

    diversos casos pode ser acentuada pelo fretting. Alguns estudos mostram que a corroso

    por fenda responsvel por cerca de 90% dos casos de corroso. Da Silva et al. j

    verificaram que cerca de 70% dos biomateriais implantados sofreram algum tipo de

    corroso aps seu uso in vivo.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    49

    A resistncia corroso dos metais e das ligas metlicas baseada

    principalmente no fenmeno da passivao. A passivao de um metal um fenmeno

    decorrente da formao de uma camada compacta, denominada de Camada de

    Passivao, a qual consiste de um filme de xido puro ou misto, caso seja constitudo

    por diferentes metais.

    A estrutura, composio e espessura do filme passivo so dependentes do tipo de

    metal e do ambiente que o circunda. Verifica-se que o uso de tratamento trmico altera

    o tamanho de gro causando heterogeneidade superficial, modificando assim o estado

    energtico do metal em sua superfcie e, portanto, a natureza do filme passivante.

    Verifica-se tambm que o filme de xidos mais espesso no metal implantado do que

    no metal no implantado, e que o mesmo contm ons de clcio e de fsforo.

    Os diferentes fluidos biolgicos so matrizes complexas constitudas por

    diferentes tipos de sais e complexos orgnicos e inorgnicos. Portanto, quando os ons

    metlicos provenientes do implante so dissolvidos dentro do organismo vivo a partir

    dos pontos onde o filme de xidos no totalmente desenvolvido, ocorre a formao de

    hidrxidos e/ou de complexos metlicos. Estas espcies so imediatamente circundadas

    por molculas de gua e ento aderidas ao filme passivo.

    Quando ons cloreto esto presentes, como no caso do plasma humano, estes

    substituem a molcula de gua no filme passivo. Se o filme passivo no for totalmente

    desenvolvido, acontece que os ons metlicos dissolvidos formam um complexo com o

    cloreto, o qual dissolvido nos fluidos biolgicos, impedindo assim a ocorrncia da

    passividade local (corroso por pites). Assim, quando o filme passivo rompe

    localmente, essa rea andica muito pequena e a rea catdica circundante muito

    grande, podendo conduzir a uma corroso localizada muito rpida e destruio do

    material implantado.

    Estudos tambm revelam que ligas ortopdicas constitudas de ao inoxidvel,

    ou base de titnio, devem a sua alta resistncia a corroso devido a formao

    espontnea de um filme passivo compacto e estvel sobre suas superfcies. Alm disso,

    devido ao fato que a superfcie de xidos permanece em contato ntimo com o tecido

    celular, verifica-se tambm que a estrutura e a composio desses filmes so cruciais

    para o bom desempenho de um implante sugerindo, portanto, que o controle das

    propriedades do filme passivo implica na modulao da prpria resposta biolgica

    frente ao material implantado.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

    50

    Alguns estudos realizados com biomateriais de titnio apresentando diferentes

    rugosidades mostraram que as caractersticas morfolgicas superficiais influenciam

    diretamente na resposta do sistema biolgico. Devido a estas constataes, diversos

    estudos baseados no uso de tratamento trmico, implantao de ons, revestimentos, etc,

    tm sido conduzidos com a finalidade de promover uma modulao adequada das

    propriedades superficiais de diversos biomateriais com o intuito de aumentar a sua

    biocompatibilidade.

    A Fig. 13 mostra um esquema proposto por Okamoto para representar a camada

    passiva e a influncia dos ons cloreto na instabilidade da camada de xido.

    (A)

    (B)

    Figura 13. Modelo representativo da Camada de Passivao. (A) ons metlicos

    formam o filme passivo atravs da formao de pontes via ligaes OH; (B) ons

    cloreto substituem molculas de gua e inibem a ao de formao de pontes, resultando

    na ruptura do filme.

    Verifica-se experimentalmente que o filme de xido que constitui a camada

    passiva pode ser amorfo ou cristalino e que sua composio pode mudar a partir da sua

    parte mais externa at a superfcie metlica. Normalmente verifica-se que a camada de

    xido mais interna (vizinha ao metal) mais compacta e de menor condutividade,

    enquanto que a camada de xido mais externa (vizinha ao fluido) menos compacta,

    cheia de defeitos estruturais e de micro-canais, e possuidora de uma maior

    condutividade. Alm disso, verifica-se em todos os casos que a camada passiva, em

    suas diversas regies, apresenta propriedades semicondutoras. Portanto, o entendimento

    do comportamento semicondutor da Camada Passiva essencial para os estudos

    envolvendo biomateriais metlicos.

  • Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica - L.M. Da Silva - Verso 2013

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    Verifica-se do ponto de vista termodinmico que o domnio de estabilidade e de

    ocorrncia dos diversos tipos de xidos metlicos podem ser verificados atravs da

    anlise do diagrama Potencial-pH proposto por M. Pourbaix. No entanto, para se

    investigar tanto as propriedades semicondutoras da Camada Passiva, bem como os

    aspectos inerentes s cinticas de sua formao e de sua ruptura em meios agressivos,

    faz-se necessrio o uso de estudos complementares, os quais podem ser conduzidos

    empregando-se diferentes estudos eletroqumicos em virtude natureza eletroqumica do

    processo de corroso.

    Os estudos eletroqumicos podem ser conduzidos atravs de estudos

    fenomenolgicos (onde os modelos matemticos podem ser obtidos atravs do estudo do

    comportamento emprico dos metais e ligas), do uso de modelos estocsticos e

    determinsticos. Conforme discutido anteriormente por Macdonald, o uso de modelos

    determinsticos baseados numa abordagem fsico-qumica do comportamento da

    interface metal(liga)/soluo permite se obter um maior entendimento sobre os

    processos majoritrios que governam o comportamento dos materiais investigados.

    Diferentes modelos determinsticos j foram propostos para representar o

    fenmeno da corroso com base com comportamento da Camada Passiva. No entanto, a

    reviso da literatura revelou que o modelo proposto por Macdonald e cols. no incio dos

    anos 80, e posteriormente aprimorado por estes e por outros autores, sem dvida o

    modelo mais abrangente do ponto de vista terico e pelos especialistas da rea de

    corroso.