APP’s urbanas e intervenções públicas em áreas de Baixadas em Belém (PA)

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    APP Urbana 2012 – GT2

    APP’s urbanas e intervenções públicas em áreas de Baixadas emBelém (PA): implicações das intervenções públicas nas margens de cursos

    d’água

    Roberta Menezes Rodrigues (professora da FAU-UFPA, Pós-doutora pela FAU-USP, pesquisadorado LABCAM-FAU-UFPA)

    José Júlio Ferreira Lima (professor da FAU-UFPA, doutor pela Oxford Brookes University,coordenador do LABCAM-FAU-UFPA)

    Juliano Ximenes Ponte (professor da FAU-UFPA, doutor pelo IPPUR-UFRJ, pesquisador doLABCAM-FAU-UFPA).

     Arqª Monique Bentes Machado Sardo Leão (Mestranda PPGAU-UFPA, pesquisadora LABCAM-FAU-UFPA).

    Rebeca Silva Nunez Lopes (bolsista IC LABCAM-UFPA, aluna FAU-UFPA)Nayara Sales Barros (bolsista IC LABCAM-UFPA, aluna FAU-UFPA)

    Resumo

    O paper  aborda as Áreas de Preservação Permanente em meio a intervenções quevisam melhorar a macrodrenagem dos rios urbanos localizados em Belém do Pará. Ao analisar as intervenções em áreas urbanas alagáveis e pobres, localmentechamadas de baixadas, especificamente aquelas compreendidas na Bacia do Una edos projetos para a Bacia da Estrada Nova, ambas localizadas na porção maisadensada do Município de Belém, é possível identificar que os projetos desaneamento realizados em Belém têm sido projetos de melhoria urbanística deforma ampla. Nestes projetos tem sido priorizado o aspecto sanitário nas áreas maisadensadas da cidade, onde a concepção recomendava usar os rios como meio deafastar os efluentes e resíduos da área central da cidade, sem incorporá-los nadinâmica de percolação de águas nas faixas de domínio dos canais, garantindo

    alguma capacidade do ciclo hidrológico ser mantido no meio urbano. Deste modo,no processo de ocupação de Belém, os rios urbanos e entorno foram utilizadoscomo elementos técnicos de drenagem, não mais como elementos naturais. Estarealidade convive com a revisão de procedimentos técnicos da Engenharia Ambiental, onde a nova problemática tem conflito potencial entre dinâmicas físico-ambientais na cidade e a apropriação do solo para habitação. Palavras-chave: Baixadas; Obras de Macrodrenagem; Faixas de Domínio; Belém.

    AbstractThis paper addresses the issue of Permanent Preservation Areas within theinterventions aimed at increasing the capacity of macro drainage of urban rivers

    located in Belém, capital of Pará State. The analysis conducted on the interventionsof the Una Basin and of proposed sanitation projects for Estrada Nova Basin, bothlocated in the area with the highest density of the city, it is possible to identify thatsanitation projects in Belém have been used to fulfill urbanization improvement rolesin a broad sense. It has been emphasized as priority the sanitation aspect as a meanto avert sewage from the center of the city, not including in the projects theincreasing difficulty of water permeation and the capacity to guarantee thecontinuation of the river-várzea (amazon river valley)-mainland cycle within the urbanarea. In this way, throughout the process of urban occupation of Belém, the urbanrivers and their protection areas have been used as technical issues in the drainagesystem, not recognized as a natural element, became a sewage canal.Key-words: Baixadas; macro drainage; protection areas; Belém.

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    APP’s urbanas e intervenções públicas em áreas de Baixadas emBelém (PA): implicações das intervenções públicas nas margens de cursos

    d’água

    INTRODUÇÃO

    Observa-se que o avanço da ocupação urbana nas áreas de várzea leva àinstalação de usos do solo não condizentes com os princípios de preservaçãoambiental aplicados ao meio urbano. Na Amazônia, as peculiaridades do sítionatural de várzea fazem com que tais áreas sejam ainda mais sensíveis à ocupaçãohumana adensada. Nestas áreas, a precariedade da infraestrutura urbana leva auma série de problemas para a manutenção das condições naturais de cursosd´água: utilização como esgoto, ocupação por palafitas, obstrução por lixo na calhae nas áreas marginais. Ao longo do tempo, tais áreas constituem as chamadasbaixadas  de Belém, capital do estado do Pará, dentro das quais já existemexperiências de intervenções consolidadas e que podem apresentar elementos de

    análise para futuras intervenções.

     As premissas utilizadas nas intervenções voltadas à regularização da ocupação nasáreas lindeiras aos cursos d´água com ocupação consolidada têm papelfundamental na gestão das áreas de preservação localizadas nas bacias urbanas.Este  paper   propõe uma reflexão sobre as características constantes dasintervenções de macrodrenagem em Bacias Hidrográficas de Belém, buscandoevidenciar as práticas de intervenção pública em áreas de várzea, que se constituemem APPs e de que forma novas intervenções de mesma natureza acabam porincorporar e reproduzir as práticas anteriores. Para tanto, serão analisadas asintervenções de macrodrenagem já realizadas na Bacia Hidrográfica do Una, e as

    intervenções em andamento na Bacia Hidrográfica da Estrada Nova, ambaslocalizadas em Belém.

    Grandes investimentos foram feitos em obras de saneamento e macrodrenagem,que permitiram a integração espacial de vários bairros da área consolidada.Entretanto, o resultado da ação se caracterizou pelo reforço da segregaçãosocioespacial, quando as melhorias urbanas influenciaram o mercado de terras,trazendo impactos no acesso e na possibilidade de permanência da populaçãopobre residente nessas áreas (CARDOSO et. al, 2007). Nesse processo, famíliaspobres e periféricas, assentadas sobre palafitas, foram remanejadas para conjuntoshabitacionais que estavam localizados, em sua maioria, afastados do centro; fora da

    primeira légua patrimonial, área considerada rural, até então (PONTE, 2009;CARDOSO et al, 2007). Passa-se então a uma discussão referente àscaracterísticas destas intervenções e seus desdobramentos recentes para a gestãourbana municipal.

    Sugere-se a realização de uma análise das soluções de engenharia a partir dasobras de macrodrenagem e suas implicações na ocupação urbana e no sistemaviário urbano nas duas Bacias Hidrográficas citadas. No Projeto de Macrodrenagemda Bacia do Una e durante o planejamento de semelhante proposta para a Bacia daEstrada Nova as faixas de domínio são tratadas como caixas de vias que margeiamos canais, perdendo o propósito ambiental de manter áreas permeáveis nonaedificandi  que pudessem permitir a manutenção do movimento natural dos rios emfunção das estações. Como se tornou comum reconhecer no urbanismo moderno,

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    os esforços de racionalização do espaço e de suas funções suplanta os valores deuso do espaço, e os cursos d´água, de meios de vida e fatores de indução daocupação, tornaram-se estruturas técnicas de escoamento, de fluxos. As legislações nacionais, como o Código Florestal, Lei Federal n. 4.771/2011(BRASIL, 2011), e a Lei Lehmann, Lei Federal n. 6.766/79 (BRASIL, 1979),

    estabelecem diretrizes a respeito das faixas de domínio para os córregos urbanos; anível local, o antigo Plano Diretor Urbano do Município, Lei nº 7.603/93 (BELÉM,1993) indicava os valores adequados para cada canal da cidade.O Plano Diretor emvigor, Lei nº8.655/2008 (BELÉM, 2008), entretanto, não considera as margens doscursos d’água como áreas a serem preservadas e portanto, não há parâmetros arespeito. Tal constatação indica a despreocupação da gestão municipal emconsiderar as margens de canais como Áreas de Preservação Permanente.

    O paper inicia-se com considerações sobre o processo de ocupação das baixadas belenenses e a forma característica das intervenções de infraestrutura urbananessas áreas, e em especial nas áreas de proteção permanente lindeiras aos cursos

    d’água e, a seguir, são apresentados os dois casos de macrodrenagem. Asconclusões do texto dizem respeito às limitações dos resultados observados a partirdas intervenções dessa natureza já realizados e dos projetos que hoje estãoimplementados em Belém.

    1. OCUPAÇÃO URBANA EM BELÉM E INTERVENÇÕES EM ÁREAS DE“BAIXADAS” E APP’s

    Belém do Pará está localizada na confluência do Rio Guamá com a Baía deGuajará, entrecortada por diversos cursos d’águas e igapós, integrantes do estuárioguajarino. A posição da cidade foi estrategicamente escolhida com objetivos

    militares no século XVII, o que favoreceu a sua atividade portuária, servindo comoentreposto comercial e centralizando uma rede urbana entre as outras cidades evilarejos localizados ao longo da bacia fluvial do Amazonas. Essas característicasgeográficas demonstraram-se um fator importante na estruturação de seu espaçourbano e acabaram representando um obstáculo para a expansão urbana da cidade,sendo necessária uma constante “luta” contra as áreas alagadas (PENTEADO,1968; MOREIRA, 1966). Por outro lado, a conformação urbanística de Belémestruturou “interstícios” que, sobretudo ao longo do século XX, induziram o desenhodas áreas de baixada.

    Desde o período colonial, a ocupação do sítio foi orientada por um traçado retilíneo,

    e em relação aos seus cursos d’água a retitude prevalecia às condições topográficasdo sítio, preferindo-se secar, aterrar ou contornar os cursos. Deste modo, é descritoque o crescimento urbano de Belém se deu em torno de áreas alagadas, e quandopossível “devorava-se” as áreas alagadas através de aterros, nivelamentos, etubulação das águas (MOREIRA, 1966). Moreira (1966) relatava uma falta deinteresse em investimentos públicos na orla do Rio Guamá, descrevendo que a “acidade não se volta para o rio, antes vira-lhe às costas, como que tomada de umaestranha pudicícia” (MOREIRA, 1966, p. 132). Esta imagem, da cidade “de costaspara o rio”, tornou-se um poderoso senso comum, capaz de mobilizar as elites locaisrumo à adoção de um ideal e um “desejo de litoral” (CORBIN, 1988) para ocupaçãoe reconfiguração das margens fluviais da cidade em padrões urbanísticos maiselevados.

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    Figura 1: Localização das bacias de drenagem, extensão da área alagável canais de macrodrenagemdas bacias do Una e Estrada Nova na porção continental do Município de Belém. Fonte: adaptado deCODEM, 2000.

    Segundo Ponte (2009), durante as décadas de 1960 e 1980, as intervenções nainfraestrutura de saneamento na cidade de Belém foram responsáveis pela alteraçãoda paisagem urbana e das formas de uso e apropriação da rede hidrográfica na

    cidade. Os cursos d’ água vão tornando-se elementos de uma rede técnica, parte deum sistema de escoamento de micro e macrodrenagem, presenciando-se a

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    mudança do “rio” para o “canal”, expressando a instrumentalização do curso d’águapara garantir condições sanitárias e permitir as funcionalidades do que seria umacidade moderna. Isto colaborou para que os cursos d’água passassem a serreconhecidos pelos moradores não mais como elemento natural e parte dapaisagem, mas como canal de escoamento de esgoto, favorecendo a idéia de

    “aversão” aos cursos d’água e ao risco de transbordamento (BUENO, 2005; PONTE,2010).

    Nesse mesmo período, em especial a partir da década de 70, as intervenções desaneamento em Belém passam a seguir uma tendência orientada pelas diretrizes doPlano Nacional de Saneamento (PLANASA), que consolidou um padrão deintervenção de saneamento nacionalmente, orientado por projetos em que, arespeito da drenagem urbana na região, a tendência era de retificação dos cursosd’água e a geometrização de suas calhas (PONTE, 2010).

    Bueno (2005) explica que esse padrão convencional de intervenções em rios

    urbanos favorece a aceleração e o aumento da vazão dos canais de drenagem,sobretudo através da retificação e canalização dos cursos d’água, o que causa atransferência do pico de cheia para jusante, o que segundo Ponte (2010) provocaviolentas descargas em cotas mais baixas, em geral coincidentes com ocupaçõesprecárias e altas densidades, o que tende a agravar enchentes e a problemática daocupação urbana.

     Assim, as intervenções de saneamento em rios urbanos em Belém, em áreas degrande adensamento construtivo e populacional, consolidaram-se a partir dautilização das faixas de domínio como vias marginais estreitas, pavimentadas, detamanho suficiente para a manutenção dos canais  como parte da operação dosistema de macrodrenagem da cidade, juntamente com diques e comportas paracontrole de inundações, de forma que as faixas de domínio existentes nãocorrespondem às exigidas pela legislação e não cumprem a função de recuperaçãoambiental. Ademais, a própria ideia de faixa de domínio é, freqüentemente,conflituosa em relação à ocupação urbana pobre e precária.

     As “baixadas” de Belém representam a expressão da cidade informal,autoconstruída a partir da ocupação de terras desvalorizadas pelo mercado formal,ainda que próximas da porção mais central e infraestruturada da cidade. Asestratégias de ocupação dessas áreas pela população mais pobre incluem a

    ocupação intensiva do solo, vencendo as áreas alagadas através de construçõesadaptadas à várzea amazônica como a palafita e a estivaiii. Porém, sob condiçõesde alta densidade construtiva e populacional em áreas urbanas consolidadas, essasáreas acumulam sérios problemas de saneamento, e, consequentemente, deprecariedade habitacional e de saúde pública.

    Cabe aprofundar as características de tais intervenções já realizadas e emdesenvolvimento em áreas de baixadas em Belém como meio para discutir oalcance das soluções empregadas e como as faixas de domínio foram alteradas,não necessariamente com a garantia de preservação permanente para as faixas dedomínio. De uma forma geral, como as intervenções tem concorrido para alterar o

    ciclo hídrico composto na Amazônia pelo rio-várzea-terra firme em áreas urbanas.

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    passarelas; sistema de saneamento (microdrenagem; coleta, tratamento disposiçãofinal de esgoto sanitário; água potável); construção de equipamentos públicos depequeno porte e posteriormente programa de aterro de quintais.

    O criterioso estudo realizado acerca da hidrologia da Bacia do Una culminou com a

    determinação das faixas de domínio adequadas para cada um deles (que podem serencontrados no antigo Plano Diretor do Município), entretanto, as dimensõespropostas não foram executadas por conta das ocupações existentes próximas aestes córregos (o que acarretaria um alto custo econômico para remanejar seushabitantes). O quadro 01 mostra as atuais dimensões dos canais pertencentes àBacia do Una após a execução do Projeto de Macrodrenagem (com exceçãodaqueles que foram transformados em galerias), e os valores relativos às faixas dedomínio propostas pela legislação em vigor no período do projeto, o Código Florestale o antigo Plano Diretor de 1993.

    Quadro 1: Faixa de domínio dos canais do Una

    CANAL LARGURA DOCANAL* (m)

    FAIXA DE DOMÍNIOEXISTENTE (m)

    FAIXA DE DOMÍNIO PROPOSTA PELALEGISLAÇÃO (m)PLANO DIRETORDE 1993

    CÓDIGOFLORESTAL (1986)

    Una 101,0 6 120,0 200Galo 29,0 6 93,0 50

    3 de Maio 6,5/23,0 6 40,0 15/50 AntônioNunes

    4,0 0/5 25,0 30

    HonoratoFilgueiras

    4,0 5 25,0 30

    Jacaré 31,0 5,5 100,0 50 Antônio

    Baena23,5 6 46,0 50

    Pirajá 7,5 7 30,0 30São Joaquim 63,5 6 90,0 200

    Benguí 6,5 7 40,0 30 Água Cristal 24,0 6,5 90,0 50

    Fonte: Belém (1993), Brasil (1986) e Google Earth, 2009, adaptado pelos autores.Nota: * Medida tomada a partir do limite de uma margem a outra de cada curso d ’água a partir dasimagens do Google Earth de 2009.

     Analisando os valores, observa-se que os canais do Una que sofreram intervençãonão se adequavam à legislação ambiental em vigor no período e que, independenteda largura dos córregos (e consequentemente de seu volume de água), as faixas de

    domínio possuem em média o mesmo valor (entre 5 e 7m). O maior motivador paraa implantação da mesma faixa de domínio para todos os canais (e se tratando deuma via pode-se dizer que o valor adotado é o mínimo) é o fator econômico, a fim deminimizar os custos de implantação da obra e facilitar a manutenção do canal,melhorando a condição de acessibilidade das áreas de baixada. Em alguns trechosdos igarapés onde havia grande densidade populacional ou em outros córregos compouco volume, optou por transformá-los em galerias. No Una, foram construídos2.235m de galerias que facilitaram a abertura de vias, o quadro abaixo indica asgalerias construídas:

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    Quadro 2: Galerias implantadas durante o Projeto Una.

    Bacia Galeria Extensão (m)

    Una

     Av. Visconde de Inhaúma 483Rua Honorato Filgueiras 263

    Tv. Antônio Baena 403

    Passagem Cametá 386Rua Boaventura da Silva 520

    Rua Soares Carneiro 60Tv. Pirajá 120

    Fonte: Silva (2004).

     A experiência do Projeto de Macrodrenagem do Una leva à identificação dos fatoresque definem a execução dos canais retificados: a consolidação de cada área, ovolume de água dos igarapés e os desníveis topográficos. Estes fatores manifestam-se à medida que a ocupação urbana da área onde está o canal apresenta maior oumenor densidade populacional e a morfologia urbana é mais ou menos articulada.

    Nas áreas mais próximas ao centro da cidade, onde a vazão atual dos córregos émenor e as áreas abaixo de 4m são menos freqüentes, houve uma preferência peloperfil de canal ilustrado a abaixo por conta de seu alto grau de consolidação. Porconta da ocupação e do alto adensamento, estes canais receberam taludes deconcreto com seções retangulares (mais profundo do que largos) para permitir avazão do rio. Tais canais possuem área permeável, embora tivessem sidocalculados para suportar o volume de água fluvial do sistema de microdrenagem(Figura 2). O mesmo motivo que levou à opção por este tipo de talude foi utilizadopara a concepção das vias marginais que dão suporte à manutenção dos canais: afim de evitar maiores remanejamentos, inviabilizando a execução do projeto de

    engenharia.

    Figura 2: Canal com seção retangular.

    Fonte: Lopes (2012).

    Diferente do primeiro caso, nas áreas de cotas altimétricas mais baixas (próximas aorla fluvial da cidade), o grande volume de seus córregos permitiu manter os taludesdos canais vegetados. Estes possuem seções trapezoidais com larguras que variamentre 30 e 100m e permitem que o rio mantenha seu movimento natural, sendo maislargo do que fundo (Figura 3). A opção por manter o revestimento do talude naturalcontribui para a infiltração no solo e permitiu o plantio de capim e palmeiras (queajudavam a evitar o seu rompimento), tornando estes canais mais semelhantes aoseu estado natural. Como estes canais maiores recebem a vazão dos outros citadosanteriormente, para evitar seu transbordamento ou até mesmo secamento, foram

    construídas comportas no encontro destes com a baía do Guajará.

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    Figura 3: Canal com seção trapezoidal.Fonte: Lopes (2012).

    Como o foco das intervenções era principalmente as questões de drenagem esaneamento, o projeto apresentou diversas falhas em relação à urbanização, aoferta de infraestrutura, a articulação com o sistema viário e nas próprias soluçõestécnicas que não foram executadas como previsto inicialmente. Dez anos após otérmino do projeto, diversos problemas podem ser constatados em relação aotratamento físico, as soluções técnicas de intervenção nos canais e o modo como apopulação reconheceu e se apropriou deste espaço.

    Por serem tomadas medidas exclusivamente técnicas em relação ao modo como oscanais seriam executados (por conta de seu volume e a vazão necessária) pode serobservada uma distinção no modo como a população lindeira aos córregos ospercebe de acordo com a sua localização na bacia. Nas áreas mais altas próximasao centro da cidade, onde os canais retificados tiverem seu talude construído emconcreto, a população trata os canais como “valas” e esgotos a “céu aberto”, quedeveria ter sido transformado em galeria. Esta concepção está relacionada ao modocomo os canais foram tratados, como estruturas técnicas, sem caráterpúblico outratamento paisagístico, apenas vias marginais de 5m. Um pouco diferente desteprimeiro caso, nos canais com larguras superiores localizados nas áreas mais

    baixas do Una, os moradores que ocupam as margens ainda reconhecem aexistência de um rio, por conta de suas dimensões e do talude natural com seçãotrapezoidal que permite a infiltração do movimento de cheia. A sua população, comoé o caso dos canais Água Cristal e São Joaquim, planta árvores e constrói pequenos jardins, praças e hortas nas margens do rio. A apropriação dos canais pelosmoradores nas áreas mais afastadas não se limita ao modo como foi realizada aintervenção pública, mas a outros fatores, como a renda da população que habitaem suas margens.

    Mesmo sendo um projeto técnico com foco sanitário, as soluções executadas no quese refere à coleta e tratamento dos esgotos não podem ser consideradas resolvidas.

    Inicialmente, propunha-se construções de ETEs, porém, por motivos financeirosforam dadas "soluções isoladas e individuais para coleta e tratamento do esgotosanitário", como a construção de fossas sépticas (individuais ou coletivas). Pereira eMendes (2003, p. 144) retratam ainda o problema com o lançamento de efluentesnos canais e nos sistemas de drenagem fluvial. O quadro abaixo indica as principaisalterações ocorridas no projeto original de esgotamento sanitário até as soluçõesfinais:

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    Quadro 4: Comparação entre a concepção original de 1987 dos sistemas detratamento de esgoto sanitário e o projeto final de 1997.

    PROJETO INICIAL (1987)Concepção Limites Lançamento

    Sistema separador absoluto(rede convencional)

    Canais do Una e do Galo, Av.

    Senador Lemos e pela Rod. ArthurBernardes

    EEE final localizada na Rod.

     Arthur Bernardes, comlançamento n o canal do Una

    Sistema separador absoluto comtratamento coletivo em tanqueImhoff (rede convencional)

    Margem esquerda do Canal doGalo, Rua Ferreira Pena, RuaCuruçá, Trav. Luiz Bentes e Av.Senador Lemos.Margem direita dos canais SãoJoaquim, Uma, Rod. ArthurBernardes e Pass. Mirandinha

    Lançamento em canais

    Sistema unitário com tratamentoindividual em tanque séptico(micro-redes)

     Área restanteLançamento em canais apóscoleta em rede de drenagempluvial

    PROJETO FINAL (1997)

    Sistema separador absoluto

    (rede convencional)

    Redução da área: Canis do Una,

     Av. Pedro Álvares Cabral e pelaRod. Arthur Bernardes

    EEE final localizada na Rod.

     Arthur Bernardes, comlançamento no canal do UnaSistema mistov: tratamento emtanque séptico (individual ecoletivo) e rede simplificada decoleta de esgoto

     Área restanteLançamento em canais, apóscoleta em rede coletora deesgoto sanitário

    Fonte: Pereira (2003).

    Outro problema é a prática da população de despejar resíduos no sistema demacrodrenagem, que tem manutenção irregular de canais, favorecendo o depósitode lixo e entulho em suas margens, que com as fortes chuvas são arrastados e seacumulam. Por conta destes dois fatores, o canal com talude de concreto que tem

    sua seção calculada para dar vazão a determinado valor de água não conseguerealizar este transporte, ocasionando o transbordamento de suas águas. No casodos canais com este tipo de talude, o risco de transbordamento é mais alto, já quenão existem áreas permeáveis; portanto nos canais em que os taludes naturaisforam mantidos este risco é mais baixo. Para evitar que isto ocorra, as comportasinstaladas próximo a baía do Guajará impedem que o período de cheia da maréultrapasse o limite dos canais.

    Figura 5: Canal Honorato Filgueiras, no bairrode Fátima. Localizado próximo a uma das

    principais vias da capital paraense.Fonte: autores (2012)

    Figura 4: Canal São Joaquim, no bairro doBarreiro. Localizado na área mais baixa do Una,

    próximo a baía do Guajará.Fonte: autores (2012)

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    2.2. PROJETO DE MACRODRENAGEM DA BACIA DA ESTRADA NOVA:

     A Bacia da Estrada Nova, quinta maior bacia hidrográfica da cidade de Belém estásofrendo uma série de intervenções sob a iniciativa da Prefeitura Municipal de Belémdesde 2006. O Programa de Reabilitação Urbana e Ambiental da Bacia da Estrada

    Nova (PROMABEN) possui duas frentes de ações, a primeira é a revitalização daorla da Bacia e a outra é a macrodrenagem dos cursos d´água e canaisanteriormente executados. Os principais problemas encontrados na bacia, segundoo RIMA do projeto, incluem a acessibilidade viária comprometida devido à falta deligações entre os bairros que compõem a bacia, lançamento direto de esgotos “innatura” na rede de drenagem pluvial e nos canais, desrespeito às faixas depreservação permanente e transbordamento dos canais.

    O programa propõe a detecção e remoção de ligações clandestinas de esgoto narede pluvial, tratamento adequado dos efluentes sanitários coletados, odesassoreamento e saneamento ambiental dos pontos críticos dos corpos hídricos,

    e a implantação de dispositivos de drenagem (BELÉM, 2007), em tais soluções seincluem intervenções nas áreas lindeiras visando a garantia da função hídrica nasáreas de preservação permanente da Bacia, podendo ser ocupadas por vias e usosprevistos na legislação ambiental federal. O conjunto de intervenções deverá atingircom remanejamento uma população estimada em 2.119 famílias que vivem emsituações precárias (Figura 5). Para suprir a necessidade habitacional gerada ésugerida a implantação de conjuntos habitacionais a serem localizados nasproximidades dos canais onde a população reside atualmente (BELEM, 2007).

    Figura 5: Palafita a ser removida no Canal da Rua Quintino Bocaiuva na

    Bacia da Estrada Nova, Belém. Fonte: Belém, 2007.

    Na parte da orla da Bacia localizada nas proximidades do centro histórico de Belémestá sendo implantada uma via denominada “Orla da Estrada Nova”. Esta nova viaserá o resultado da utilização de aterro hidráulico e se estenderá por 6 quilômetrosparalelamente ao continente e se conectará à Av. Bernardo Sayão (Figura 6). Naprimeira etapa da obra será executado o aterro com 2.180 m de extensão e 70 m delargura, contados rio adentro a partir da margem. Além disso, a urbanização da orlaincluirá: passeio, canteiro central arborizado, estacionamento, ciclovia, passeio apósa ciclovia, área de lazer de 22m de largura pavimentada com pedra portuguesa,arborização e quadras poli-esportivas e  play-grounds  (BELÉM, 2006). Porém, na

    seção tipo desenhada no RIMA do PROMABEN (2007) para nesta via não hápasseio após a ciclovia, e a área para equipamentos é de 25m.

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    Figura 6: Estado das obras de construção da construção da via “Orla da Estrada Nova” em2009. Observar a formação de via por meio de área aterrada.

    Fonte: Google Earth, 2009.

    O projeto de macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova tem suas propostas deintervenção organizadas a partir da divisão em quatro sub-bacias, prevendo otratamento de sete canais. Os canais são apresentados nos Quadros 5 e 6, bemcomo as dimensões propostas para as faixas de preservação permanente, aquidefinidas como vias laterais, segundo a discussão já iniciada neste trabalho quandoda análise da Bacia do Una.

    Quadro 5: Dimensões dos canais propostas pelo PROMABEN e pela Legislação pertinente

    Canal Larguraexistente(m)

    Dimensões propostas peloPROMABEM (m)

    FAIXAS DE DOMÍNIO PROPOSTAS PELALEGISLAÇÃO (M)

    ComprimentoFaixa dedomínioprevista

    Caixatotal

    PLANODIRETORDE 1993

    CÓDIGOFLORESTAL(1986)

    NOVOCÓDIGO

    FLORESTAL(2011)

    Timbiras 6 620 9,2 28,4 31 30 15Dr. Moraes 6 500 11,8 41,6 27 30 15

    14 deMarço

    9 740 11,8 41,6 33 30 15

    Quintino 11 1.360 11,8 41,6 46 50 503 de Maio 6 1.000 11,8 35,6 40 30 15BernardoSayão

    (trecho 1)6 1040 12 29 38 30 15

    Bernardo

    Sayão(trecho 2)

    6 3400 29* 37 38 30 15

    Caripunas 12 Não existiráNão

    existirá17,2 36 50 50

    Fonte: Belém (1993), Brasil (2011), Brasil (1979), Belém (2007), e Google Earth (2009), adaptadopelos autores.Nota: *Apenas em um dos lados, por onde passa a via. A outra lateral não chegou a ser definida.

     As intervenções nos canais da Bacia da Estrada Nova incluem a construção debacias para detenção de cheias localizadas em três pontos diferentes caracterizadospela presença de igapós pela baixa cota topográfica e por não existirem ocupaçõespor edificações. Para os canais será adotada a solução de seção trapezoidal, com

    taludes revestidos em placas pré-moldadas de concreto fixadas entre “montantes”de concreto armado, já o fundo do canal permanecerá em leito natural. Porém, são

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    encontradas algumas distinções nas propostas de cada canal, assim, as diferençasencontram-se nas larguras das bases do trapézio da seção e nos perfis das viasmarginais. Tais áreas, eventualmente consideradas “livres”, são, entretanto,criticadas em sua localização por moradores da área, por sediarem manifestaçõesculturais tradicionais do bairro, como a procissão do Glorioso São Benedito e outros

    eventos de relevância local.

    Foram identificadas duas exceções; a primeira diz respeito ao aterramento porcompleto do menor canal a sofrer alterações previstas pelo PROMABEN (CanalCaripunas), justificado pela construção por uma das bacias de detenção de cheias.E a segunda trata do maior canal da bacia (Canal Bernardo Sayão), para o qual sãoprevistos dois modelos de perfil, nos primeiros 1.040 metros, o canal, que selocalizará no centro da via, terá seção retangular com 5 m de largura e revestimentoem concreto armado, e, no trecho seguinte, a largura da seção aumenta para 8metros passando a ser disposto na lateral da via (Quadro 6).

    Quadro 6: Seções projetadas para cada canal da Bacia da Estrada NovaCanal Seção Tipo

    Timbiras

    Dr. Moraes,14 de Março

    e Quintino

    3 de Maio

    BernardoSayão

    (trecho 1)

    BernardoSayão

    (trecho 2)

    Caripunas(após aterro)

    Fonte: Belém (2007), adaptado pelos autores.

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    No relatório de impacto ambiental, embora seja considerado de “relevanteimportância para o equilíbrio ambiental, o saneamento dos corpos hídricos e a fielobediência ao disposto no Código Florestal Brasileiro” (BELÉM, 2007, p. 18), écitado que a Lei nº 7.803 de 18 de julho de 1989, responsável pela alteração do Art.2°do referido código transfere à legislação municipal a definição das áreas de

    preservação permanente. Assim, embora tenha sido aprovada a lei de revisão doPlano Diretor de Belém em 2008 (BELÉM, 2008), há referências no Plano da Baciada Estrada Nova a dimensões de faixas laterais do Plano Diretor de Belém de 1993(BELÉM, 1993). Porém, o exame dos projetos de canais e vias laterais, mostra queas propostas de intervenção não atendem a tais medidas, as faixas de domíniopropostas são menores quando comparadas à lei do Plano Diretor de 1993.

     Assim, é explicado que para garantir o melhor desempenho das obras demacrodrenagem, dentre as diversas obras complementares é necessária a“implantação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nos trechoscorrespondentes aos cursos d’água em leito natural, preferencialmente através da

    desapropriação de áreas particulares e áreas non aedificandi   e da integração às APPs de áreas públicas” (BELÉM, 2007, p. 20). Contudo, no mesmo não foramencontradas as especificações que determinem e indiquem as larguras das faixas dedomínio que deverão ser adotadas para os canais, ou seja, não é esclarecido queáreas deverão ser consideradas como APPs. Assim, as propostas para as viaslindeiras aos canais só definem as caixas das mesmas, não sendo especificado oalinhamento das edificações. Assim, o programa propõe diferentes alternativas paracada sub-bacia, mas não esclarece como será a relação entre as vias propostas eas edificações, além disso, o que vem a justificar a escolha das referidas soluçõessomente dizem respeito às questões relacionadas a drenagem urbana, pois éconsiderado que os cursos d’água existentes são canais de escoamento das águaspluviais, e é esquecido que estes eram igarapés, braços do Rio Guamá, e sendoassim, deveria ser também mantida a função ambiental dos mesmos.

    Partes das obras do programa já foram executadas, contudo se verificou a adoçãode uma calha de canal diferente daquela proposta pelo PROMABEN. Por exemplo,na Rua 14 de Março, a seção do canal já executada é retangular, e não trapezoidalcomo no projeto descrito.

    3. LIMITAÇÕES DAS INTERVENÇÕES REALIZADAS E PERSPECTIVASFUTURAS

    Os estudos de caso apresentados revelam a reprodução de uma enorme dificuldadede tratamento de APP’s em áreas urbanas consolidadas, de forma que nem alegislação existente, federal e local, consegue orientar de forma adequada otratamento de tais áreas, nem as intervenções técnicas postas em prática pelo poderpúblico apresentam soluções que conciliem a preservação/recuperação ambientalcom a qualificação do espaço urbano.

    No caso do projeto de macrodrenagem da Bacia do Una, não foram encontradasinformações a respeito da legislação que seria utilizada como referência para aslimitações de faixas de domínio, assim, cada córrego tem seu talude variando de

    acordo com o nível de ocupação de suas margens e do volume de água existente,com sua faixa de domínio variando entre 5m e 7m.

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     A configuração densa e com altas taxas de ocupação das baixadas, geralmenteapresentando as caixas de via estreitas e os canais de drenagem assoreadosimpedem ou dificultam a manutenção e dragagem mecânica, condicionando aadoção de soluções de tratamento de taludes com paredes impermeáveis einclinações proporcionalmente mais elevadas. Este padrão resulta na elevação do

    pico de cheia a jusante, isto é, na descarga de drenagem que desemboca na foz, nocaso de sistemas de macrodrenagem predominantemente dependentes de canaisconcretados.

    Neste sentido, a proposta do PROMABEN na Bacia da Estrada Nova, inicialmenteapresentou medidas que indicavam avanços ligados ao uso de novas técnicas deengenharia ambiental, propondo tanques de acumulação, fossas coletivas, taludesde canais permeáveis, maiores áreas vegetadas, a sinuosidade de seus cursosentre outros (BELÉM, 2007). Pontos que estariam de acordo com o atual debateambiental de reavaliação das condutas de tratamento de águas urbanas,recuperação ambiental e convívio social com o elemento natural (BUENO, 2005). No

    entanto, com o andamento das obras observa-se que o modelo de intervençãoempregado não sinaliza a mudança esperada em relação ao tratamento dos cursosd’água na cidade, reproduzindo-se o padrão de intervenção de saneamento baseadoem diretrizes das experiências anteriores como a na Bacia do Una.

    Vale ressaltar ainda que parte significativa das áreas que sofreram intervenções desaneamento como na Bacia do Una ainda foram identificados como aglomeradossubnormais no Censo 2010 (IBGE, 2011), o que indica que a baixa qualidade eefetividade das intervenções não redundaram em uma transformação mais profundadas condições de acesso à infraestrutura urbana, incluindo água e esgoto, que eramos principais objetivos do projeto.

    Na figura 7 são apresentadas as manchas que identificam as áreas de cotasaltimétricas abaixo de 4m e as poligonais de aglomerados urbanos subnormais nabacia do Una e na bacia da Estrada Nova, conforme o trabalho do IBGE (IBGE,2011). Considerando as duas bacias analisadas, observou-se que existe umasobreposição entre a localização das áreas baixas, próximas aos principaisrios/canais que formam as bacias e os setores de aglomerados subnormaisconforme o Censo 2010.

     Ainda segundo o Diagnóstico Habitacional de Belém

    (MCIDADES/BID/CAIXA/PMB/IAGUA, 2008), apesar da identificação de melhoriaspela intervenção do poder público em alguns assentamentos, sobretudo através darealização de projetos de macrodrenagem, ainda apontam-se demandas deinfraestrutura e de serviços nessas áreas, sendo que 48,30% dos assentamentosque foram ou são objeto de intervenção física pelo poder público encontram-seclassificados como urbanizados parcialmente, caracterizando o desenvolvimento deações de ordem mais pontual na provisão de infraestrutura e equipamentos. Ouseja, as intervenções não resolveram a questão dos assentamentos precários emáreas de baixada, tendo um efeito limitado na estruturação urbana e deixando dequalificar o espaço urbano em uma escala maior, tampouco viabilizaram arecuperação das APPs, tendo ainda descaracterizado a dinâmica hídrica

    caracteristicamente amazônica. Desta maneira, identifica-se que em Belém, arelação entre assentamentos precários e APP’s é relevante, e por isso devem ser

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    encarados como um desafio a ser enfrentado de forma que se articulem soluções dediferentes ramos da engenharia, de planejamento e desenho urbano.

    Figura 7: Localização das áreas de baixada (abaixo da cota 4, em azul) e dos aglomeradossubnormais (em vermelho) nas Bacias do Una e Estrada Nova. Fonte: Adaptado de CODEM, 2000.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     Até recentemente, as intervenções de saneamento em Belém não apresentavamuma proposta clara e integrada quanto ao tratamento e recuperação das áreas de APP lindeiras aos cursos d’água. Considerando-se as características apontadas

    pelas intervenções na bacia do Una e as perspectivas de desenvolvimento doprojeto da bacia da Estrada Nova em Belém, depreende-se que há limitaçõesseveras para a gestão das APP’s nas áreas de baixada.

    Pesquisas indicam que as obras de engenharia são pensadas na lógica dofinanciamento das obras, de maneira que o alto custo da remoção de benfeitorias(que tendem a se restringir ao um mínimo necessário) e de aquisição de áreas deremanejamento limita a capacidade de ampliação das faixas de domínio nos termosda legislação, o que preservaria, ainda que parcialmente, as condições naturais doscursos d’água. A isto acrescenta-se que as características pontuais das intervençõesurbanísticas colaboraram para que não ocorresse uma melhoria das condições de

    vida nas áreas precárias, muitas das quais continuam apresentado problemas

    Bacia da Estrada Nova

    Bacia do Una

     Aglomerados Subnormais, Censo 2010.

     Áreas abaixo da cota de 4m, sujeitas à alagamento

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    habitacionais, sociais e infraestruturais conforme os resultados da pesquisa doCenso 2010 demonstraram.

    Por fim, os projetos de saneamento realizados em assentamentos precários emBelém têm sido intervenções de melhoria urbanística de forma genérica, priorizando-

    se o aspecto sanitário. Nestes projetos não há evidências sobre a função de áreasde preservação permanente. Nas áreas mais adensadas da cidade a opçãoescolhida foi usar os rios como meio de afastar o esgoto da área central, sem incluí-los na crescente dificuldade com a percolação de águas e com a capacidade dociclo rio-várzea-terra firme ser mantida no meio urbano. Deste modo, ao longo doprocesso de ocupação de Belém, os rios urbanos e suas áreas de proteçãopermanente foram utilizados como elementos técnicos do sistema de drenagem,reconhecidos não mais como elemento natural, mas como canais de esgoto,levando a uma profunda transformação da paisagem. E os novos padrões, poralguns apelidados de drenagem sustentável , não necessariamente garantem apermanência de formas espaciais de coexistência entre as intervenções de

    saneamento ambiental e a moradia.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

    BELÉM, Prefeitura Municipal de. Plano Diretor do Município de Belém. Lei Nº 7.603, de13 de janeiro de 1993. Dispõe sobre o Plano Diretor do Município de Belém, e dá outrasprovidências.

     __________________. Relatório de Impacto Ambiental: Programa de reabilitaçãourbana e ambiental da bacia Estrada Nova  –  PROMABEN. TOMO 01/02. EngesoloEngenharia LTDA. Setembro/2007.

     __________________. Plano Diretor do Município de Belém. Lei Nº 8.655, de 30 de Julhode 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor do Município de Belém, e dá outras providências.

    BRASIL, República Federativa do. Código Florestal (texto aprovado em 2011). AgênciaCâmara de Notícias. Infográfico: veja as mudanças no código florestal aprovadas nacâmara. Brasília, mai/2011. Disponível em: . Data de acesso: 1 de fev. 2012.

     __________________.  Código Florestal. Lei Nº 7.511, de 7 de julho de 1986. Alteradispositivos da Lei nº 4.771,  de 15 de setembro de 1965, que institui o novo CódigoFlorestal. 

    BUENO, Laura Machado de Mello. O tratamento especial de fundos de vale em projetosde urbanização de assentamentos precários como estratégia de recuperação daságuas urbanas. 17 f. Campinas/SP: 2005. In: Anais: I Seminário Nacional sobreRegeneração Ambiental de Cidades: Águas Urbanas, Rio de Janeiro, 5 a 8 de dezembro de2005; [orgs.] Vera Regina Tângari, Mônica Bahia Schlee, Rubens de Andrade.  –  Rio deJaneiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,2005.1 CD-ROM. Disponível em:http://www.cidades.gov.br/secretariasnacionais/programasurbanos/biblioteca/regularizacao-fundiaria/textosdiversos/laurabueno_fundo_de_vale.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2009.

    CARDOSO, Ana Claudia; LIMA, José Júlio F.; SENA, Lucinda F. A.; SANTOS, Ricardo B.;CRUZ, Sandra H. R.. A estrutura socioespacial da Região Metropolitana de Belém:

    reflexões sobre a distribuição dos tipos sócio-ocupacionais de 1990 a 2000.  NovosCadernos NAEA, v. 10, p. 143-183, 2007.

    http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91627/c%C3%B3digo-florestal-lei-4771-65http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91627/c%C3%B3digo-florestal-lei-4771-65http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91627/c%C3%B3digo-florestal-lei-4771-65http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91627/c%C3%B3digo-florestal-lei-4771-65http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91627/c%C3%B3digo-florestal-lei-4771-65http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91627/c%C3%B3digo-florestal-lei-4771-65

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    CODEM, Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém.Plano de Recuperação das Baixadas  –  Programa de Intervenção na Bacia do Una:Reestruturação Espacial, fotocopiado. Belém. 1987.

     ________________, Mapa de Belém com as curvas de nível.  Arquivo de computador.Belém, 2000.

    CORBIN, Alain. O território do vazio.  A praia e o imaginário ocidental. São Paulo:Companhia das Letras, 1988. 

    IBGE, Aglomerados subnormais, primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

    LIMA, H. N, S. Estudo da Conceituação e Implementação de Vias Sanitárias em Belém:o caso da bacia de drenagem estrada nova. 2004. 119 f. Dissertação (Mestrado emEngenharia Civil). Instituto de Tecnologia, Universidade Federal do Pará. Belém, 2004.

    Ministério das Cidades, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Caixa EconômicaFederal, Prefeitura Municipal de Belém, Instituto Amazônico de Planejamento, GestãoUrbana e Ambiental. Diagnóstico Habitacional de Belém. Belém,MCIDADES/BID/CAIXA/PMB/IAGUA. 2008.

    MOREIRA, Eidorfe. Belém e sua expressão geográfica.  Belém, Imprensa Universitária,1966. In: Obras reunidas de Eidorfe Moreira, v.1, Belém: CEJUP, 1989.

    PENTEADO, Antonio Rocha. Belém do Pará (Estudo de geografia urbana). Belém: Ed.UFPA, 1968. 2 v. (Coleção Amazônica, Série José Veríssimo).

    PEREIRA, José Almir Rodrigues (Org.). Saneamento ambiental em áreas urbanas. -Belém: UFPA/NUMA, EDUFPA, 2003.

    PONTE, Juliano Pamplona Ximenes. Cidade e água no estuário guajarino. 319 f. Rio deJaneiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2010. Tese (Doutoradoem Planejamento Urbano e Regional, IPPUR-UFRJ). 2010.

     __________________. Belém-PA: cidade, água e convergência no ordenamento. In: XIIIENANPUR - Encontro Nacional da ANPUR, 2009, Florianópolis-SC. Anais: XIII ENANPUR.Planejamento e gestão do território: escalas, conflitos e incertezas. Florianópolis: ANPUR,2009. v.1.

    SILVA, Kleber Roberto Matos da. A Implantação de Obras Civis e de Saneamento naBacia do Una, em Belém do Pará, e as Condicionantes Relacionadas àsCaracterísticas Geológicas e Geotécnicas. 2004. Dissertação (Mestrado em EngenhariaCivil). Belém: Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal doPará. 

    i  O território do município de Belém foi formado inicialmente através da destinação de terras pela Coroa

    Portuguesa em 1627, por meio da doação de uma légua de terra (cerca de 6.600m em linha reta do núcleo deorigem da cidade) através de uma Carta de Doação e Sesmarias em favor do antigo conselho da Câmara. Achamada “Primeira Légua Patrimonial” de Belém corresponde atualmente à porção mais central e de ocupaçãomais antiga do município, onde anteriormente vigia o regime enfitêutico de gestão de tal patrimônio (PMB, 2000).Posteriormente, em 1899 foi doada pelo governo do estado uma “Segunda Légua Patrimonial”, que nunca foidefinitivamente demarcada, e que hoje correspondem à área de expansão de Belém, atualmente a principalfrente de valorização imobiliária no município.ii O relatório técnico localmente conhecido por Monografia das baixadas de Belém (SUDAM; DNOS; PARÁ, 1976)consagra o critério das terras alagáveis situadas abaixo da cota altimétrica de 4,0 m (ou 4,50 m,alternativamente) para caracterizar as áreas de baixadas, na verdade, locais favelizados  da atual periferiapróxima ao centro do município de Belém. Este critério eminentemente fisiográfico, já era à época associado aoperfil da população e às estratégias de sobrevivência e informalidade econômica de seus moradores. Seria,então, uma forma de assentamento precário, na terminologia oficial atual. O relatório, e por conseqüência o

    critério altimétrico adotado, dizia respeito às bacias hidrográficas da Primeira Légua Patrimonial de Belémsubdivididas em 5 áreas de estudo (Bacia do Una; Bacia do Armas e do Reduto; Bacia do Comércio, Tamandaré

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    e São José; Bacia da Estrada Nova; Bacia do Tucunduba). Assim, tal critério não foi proposto comogeneralizante de forma que caracterizasse todas as situações de assentamentos precários próximos aos cursosd’água e sujeitos a alagamento em todo o território de Belém. Porém, tornou-se um termo utilizado localmente deforma genérica para designar locais com problemas de saneamento, ocupados por população pobre e nãoexclusivamente abaixo da cota de 4m.

    iii Estiva é o termo utilizado localmente para as pontes de madeira, não necessariamente construídas pelo poderpúblico, mas também de iniciativa dos moradores, localizadas em meio às edificações existentes nas baixadas,conectam tanto as edificações palafitas como as demais localizadas na várzea com as ruas existentes nasbaixadas.iv Os taludes naturais puderam ser mantidos nas áreas mais baixas, onde se encontravam os igarapés de maiorvolume.v A descarga na rede coletora (sistema misto) na rede pluvial evitaria a construção de estações elevatórias deesgoto que as redes convencionais com grandes profundidades exigiriam, acarretando um alto custo nãoprevisto no orçamento da obra (PEREIRA, 2003, p.148).