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Departamento de Administração
APRENDIZADO DE CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA A
RECLAMAR
Aluno: Brenda Pravato
Orientador: Marcus Hemais
Introdução
Antes da criação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em 1991, no
Brasil, o Código Civil e o Código Penal já tratavam de questões relacionadas ao
consumo, embora sem mencionar essa palavra (ZÜLZKE, 1991). Não se considerava,
até então, que o consumo merecesse um tipo de lei específica que justificasse a criação
de um código. Assim, para se estabelecer no País, a defesa do consumidor enfrentou
diversas barreiras durante sua história. Um dos impeditivos foi a morosidade dos
processos judiciais, formalismos, custos e, como fator de desestímulo, a irrelevância dos
ressarcimentos e multas a consumidores (ZÜLZKE, 1991). Além disso, os dispositivos
das Leis em poucos momentos eram aplicados pelos órgãos fiscalizadores, o que
facilitava a negligência por parte de empresas. Outro fator relevante era a cultura
organizacional, que enrijecia políticas de lucratividade com base na enganação. A falta
de uma visão voltada para atender o consumidor, em favor de uma que valorizava a
produção, criava resistências a mudanças internas, levando consumidores a “preferir”
não reclamar a empresas quando tinham problemas de consumo, pois acreditavam que
de nada adiantaria (CHAUVEL, 2000).
Esse quadro mudou, entretanto, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. A
Constituição Brasileira, de 1988, estabeleceu que o Estado promoveria a defesa do
consumidor, especificamente na forma de um CDC. O Código reconheceu e detalhou os
direitos básicos do consumidor, criou normas específicas para a responsabilidade civil
do fornecedor, inverteu o ônus da prova, dispôs sobre a publicidade, estabeleceu
mecanismos para o controle das condições gerais dos contratos e dos contratos de
adesão, instituiu instrumentos para serem utilizados pelos consumidores para sua
autodefesa e dispôs sobre o aparato repressivo administrativo e penal (ZÜLZKE, 1991).
Dessa forma, a Constituição e o CDC passaram a representar uma poderosa força para a
sociedade civil, abrindo-lhe oportunidade para desempenhar um papel mais ativo, o que,
para consumidores, significou ter mais poder para reclamar com empresas (ZÜLZKE,
1991).
Dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC)
mostram que foram realizados 2,64 milhões de atendimentos em 2015 nos Procons do
Brasil, o que representa um aumento de 6,3% em relação ao ano anterior, com média
mensal de 220.000 consumidores atendidos. A maior parte das pessoas procurou o
órgão para fazer algum tipo de reclamação (65%). O restante foi atrás de consulta ou
orientação. (AMARANTE, 2016).
Em parte, o que explica esse aumento no número de reclamações a órgãos de
defesa do consumidor no Brasil é a maior participação de consumidores de baixa renda
no consumo. Após o advento do Plano Real, em 1994, o poder de compra desses
indivíduos cresceu, tornando-se um mercado consumidor atrativo para empresas.
Somente a classe C, por exemplo, movimentou 1,35 trilhão de reais em 2015
(ZIRONDI, 2015).
Esse aumento do poder de compra e seus efeitos no consumo no Brasil também
fizeram com que consumidores de baixa renda passassem a buscar seus direitos quando
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se encontravam em situações de insatisfação de consumo, mesmo entendendo que existe
uma hierarquização entre eles e empresas (CHAUVEL; SUAREZ, 2009). Diferentes
pesquisas em marketing mostram como esses consumidores se dirigem a órgãos de
defesa do consumidor quando não conseguem resolver seus problemas com empresas
(HEMAIS; CASOTTI, 2015; CHAUVEL; SUAREZ, 2009). Esses indivíduos acreditam
que, ao fazê-lo, estão exercendo seu direito e garantindo que empresas sofram as
consequências por desrespeitá-los.
Embora reclamações a empresas e a órgãos de defesa do consumidor sejam uma
realidade para consumidores de baixa renda, pouco se sabe sobre como esses indivíduos
aprenderam sobre seus direitos para reclamar. Assim, o presente projeto pretende buscar
entender como consumidores de baixa renda aprendem a reclamar a empresas ou órgãos
de defesa do consumidor quando em situações de insatisfação.
Referencial Teórico
O item a seguir discute as bases teóricas do estudo. Divide-se, então, em dois
subitens. O primeiro discute o comportamento de reclamações de consumidores de
baixa renda. O segundo versa sobre o processo de aprendizagem de consumidores.
Reclamações de consumidores de baixa renda
As atitudes de consumidores de baixa renda quanto ao ato de reclamar se
modificaram com o passar do tempo. Enquanto que, no final dos anos 1990, o
comportamento dominante era mais passivo em relação à reclamação, no início dos
anos 2010 houve uma mudança, sendo mais comum que esses consumidores vissem na
reclamação um ato mais aceitável. Cabe, nesse instante, discutir cada um desses
momentos.
Final dos anos 1990
Chauvel e Suarez (2009) realizaram um estudo no final dos anos 1990, que
discute o comportamento de consumidores de baixa renda insatisfeitos, especialmente
no que diz respeito às suas reclamações a empresas. Segundo as autoras, esses
indivíduos eram passivos quanto ao ato de reclamar.
A passividade de consumidores de baixa renda em reclamar acontecia por
diversos motivos. Um aspecto relevante observado na pesquisa foi o receio de ir à
empresa reclamar. Os consumidores sentiam medo, pois sabiam que o ato de reclamar
geraria conflito, algo que preferiam evitar. Havia uma percepção entre esses indivíduos
de que não possuíam força para ganhar tal “disputa”; sua condição social os levava a
pensar que eram inferiores, sem poderes para enfrentar empresas, claramente mais
fortes. Além disso, consumidores de baixa renda acreditavam que sua condição social
era um motivo de discriminação. Empresas não davam valor para esses clientes e nem a
devida importância. Por conta disso, suas reclamações não seriam levadas a sério.
Consumidores de baixa renda também tinham receios de serem julgados em
relação à veracidade de suas reclamações. Eles tinham medo de que a empresa
associasse o defeito do produto a algum erro causado por eles. Em alguns casos, os
próprios consumidores acreditavam que o erro poderia ter sido causado por eles (mesmo
quando era uma clara falha do produto) e, devido a isso, preferiam não arriscar a
reclamar.
Outra questão levantada por Chauvel e Suarez (2009) sobre a passividade da
reclamação de consumidores de baixa renda é a visão entre esses indivíduos de que
empresas querem apenas vender e lucrar, sem se preocupar em fomentar
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relacionamentos de longo prazo com seus clientes. Por conta disso, tais instituições não
se interessariam em resolver problemas após o produto já ter sido comprado, visto que
seu objetivo (de vender) já fora cumprido. Esse ceticismo faz com que esses
consumidores achassem que era inútil qualquer esforço para tentar resolver problemas
de insatisfação pós-compra.
Para evitar esses problemas, consumidores de baixa renda preferiam comprar
produtos de marcas bem estabelecidas no mercado, pois, mesmo sendo mais caras,
provavelmente não causariam problemas com tanta facilidade, evitando perda de
dinheiro caso o produto viesse quebrado e a tensão de uma situação de reclamação.
Esses consumidores acreditavam que a empresa “de marca” lhes daria um suporte
maior, pois teria mais consciência de que, por seus produtos serem mais caros, qualquer
pessoa que os comprasse merecia ser tratado igualmente, independentemente da classe
social.
Início dos anos 2010
Mais de dez anos depois do estudo de Chauvel e Suarez (2009), essa percepção
passiva de consumidores de baixa renda quanto a reclamar com empresas mudou.
Hemais e Casotti (2014), a partir de uma pesquisa realizada no início dos anos 2010,
mostram que houve uma mudança nesse comportamento. Segundo os autores, esses
consumidores demonstram duas atitudes em relação à insatisfação pós-compra. A
primeira mostra um consumidor passivo à reclamação, assim como aquele descrito por
Chauvel e Suarez (2009), e a segunda apresenta um consumidor mais ativo, que reage
quando em situação de insatisfação.
O segundo grupo de consumidores de baixa renda descrito por Hemais e Casotti
(2014) demonstra consciência de que pode reclamar quando vivencia um problema de
consumo. Por conta do seu aumento de poder de compra, esses consumidores passaram
a exigir melhores condições de consumo e atendimento. Esse fato fez com que esses
indivíduos passassem a sentir mais autonomia para realizar reclamações, pois sentiam
que tinha esse direito quando se encontravam com problemas de consumo. Em parte,
essa maior autoconfiança para reclamar ocorre devido à influência adquirida por esse
público com consumidores das classes A e B. Por se colocarem no mesmo nível de
poder de reclamação que estes, os consumidores de classes mais baixas passam a
assumir uma postura mais ativa.
Tais influências e sentimento de empoderamento fizeram com que esses
consumidores passassem a mais bem conhecer seus direitos e as possibilidades legais
para apoiar suas insatisfações. A uma maior facilidade de acesso a informação, além do
aumento do número de consumidores que expõem publicamente suas insatisfações por
meio de redes sociais e/ou em sites de reclamação, tais como o Reclame Aqui e o
Denuncio, também auxiliou nesse processo (CAFARDO, 2014).
Esses consumidores mais reclamadores passaram a se apegar não apenas aos
sites de reclamação, mas também às ferramentas legais, oferecidas pelo sistema jurídico,
tais como os órgãos de defesa do consumidor, entre eles o Procon e o Núcleo de Defesa
do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública (HEMAIS; CASOTTI, 2015). Essa
possibilidade transformou a visão de consumidores de baixa renda quanto às condições
para reclamarem, aumentando suas chances de resolução de problemas com empresas.
Estes indivíduos, agora, não se sentem inferiores quando buscam seus direitos por meio
da lei, pois sabem que uma instituição com poder para controlar a ação de empresas está
ao seu lado.
Diferenças de comportamento
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As diferenças do comportamento de reclamação de consumidores de baixa renda
nos dois momentos apresentados anteriormente são ilustrados no Quadro 1, a seguir:
Final dos anos 1990 Início dos anos 2010
Assimetria das relações entre empresas e
consumidores de baixa renda
Consciência de seus direitos por parte dos
consumidores de baixa renda
Medo dos consumidores de baixa renda em serem
considerados “espertos”
Crescente número de consumidores com acesso à
internet, que a utilizam para expor suas insatisfações
Consumidores são discriminados pela empresa por
conta de sua classe social
Maior importância dada por empresas a
consumidores de baixa renda.
Ceticismo de consumidores de baixa renda em
relação a empresas
Influência do comportamento que os consumidores
das classes A e B exercem sobre como os
consumidores de classe baixa percebem seus
direitos
Quadro 1 - Diferença de comportamento de reclamação de consumidores de classe
baixa em dois momentos
Processo de aprendizagem de consumidores
Há diversas formas como consumidores incorrem em um processo de
aprendizado. A aprendizagem é uma mudança relativamente permanente no
comportamento, causada pelo acúmulo de experiências. Duas principais linhas teóricas
explicam como ocorre o processo de aprendizagem, a teoria behaviorista e a teoria
cognitivista. (SOLOMON, 2011).
Teoria behaviorista de aprendizagem
A teoria behaviorista mostra que o aprendizado ocorre como resultado de
respostas a eventos externos ao ser humano. Há duas principais abordagens desse
processo de aprendizagem: o condicionamento clássico e o condicionamento
instrumental.
Segundo Solomon (2011, p.121), “o condicionamento clássico ocorre quando um
estímulo que acarreta uma resposta é igualado a um outro estímulo que inicialmente não
provoca uma resposta própria. As respostas são involuntárias e muito simples. Ele
envolve a combinação próxima de dois estímulos”. A Figura 1, a seguir, ilustra essa
teoria:
Figura 1: Processo de condicionamento clássico
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Fonte: Solomon (2011)
Solomon (2011) explica que os efeitos do condicionamento têm mais chances de
darem certo se ocorrerem após os estímulos condicionados e não condicionados terem
sido combinados diversas vezes. Exposições repetidas aumentam a eficácia das
associações estímulo-resposta e impedem o desaparecimento dessas associações da
memória. A repetição deve ser feita com uma combinação de exposições espaçadas que
se alternem, sendo de certa forma envolventes.
A tendência que estímulos semelhantes a um estímulo condicionado tem de
provocar respostas condicionadas semelhantes é conhecida como generalização de
estímulo. Tal resposta é importante para as decisões relativas a marcas e embalagens, na
tentativa de fazer os consumidores formarem uma associação positiva com o nome da
empresa (SOLOMON, 2011).
Quando um estímulo semelhante a um estímulo condicionado não é seguido de
um estímulo não condicionado, há um enfraquecimento das reações do indivíduo, que
logo podem desaparecer. O processo de aprendizagem envolve a produção de uma
resposta a alguns estímulos, mas não a estímulos que sejam semelhantes. Esse processo
é conhecido como discriminação de estímulos (SOLOMON, 2011).
O condicionamento instrumental, por sua vez, ocorre quando o consumidor é
recompensado ou punido por ter agido de determinada forma. Quando ele incorre em
uma experiência positiva em um processo de compra, por exemplo, é ensinado por
empresas a repetir determinado comportamento, ganhando benefícios, tais como futuros
descontos, em suas próximas compras (SOLOMON, 2011). Por outro lado, quando a
experiência de consumo é negativa, o consumidor não recebe os estímulos positivos da
empresa, de forma que precisa voltar a agir da “outra” forma para recebê-lo novamente
(SCHIFFMAN; KANUK, 2009).
Teoria cognitiva de aprendizagem
A teoria cognitiva de aprendizagem enfatiza a importância dos processos
mentais internos do consumidor. Essa perspectiva descreve as pessoas como passíveis
de solucionar problemas utilizando-se de informações acumuladas por experiências
passadas (SOLOMON, 2011).
Enquanto a teoria behaviorista enfatiza a natureza rotineira e automática do
condicionamento, a cognitiva argumenta que o condicionamento está baseado em
fatores cognitivos, a partir dos quais a aprendizagem acontece por meio de um
complexo processamento mental de informação. O condicionamento ocorre porque os
indivíduos criam hipóteses conscientes, de acordo com expectativas de que um estímulo
será seguido de uma resposta e, a partir disso, agem sobre essa hipótese.
Solomon (2011) mostra que uma forma de aprendizado cognitivo é por meio da
observação, que ocorre quando as pessoas aprendem como resultado da experiência de
outros, e não de suas próprias experiências. Nesse caso, observam-se os reforços que as
outras pessoas recebem, distinguindo-se aqueles positivos dos negativos, imitando as
ações, a fim de receber os mesmos tipos de reforços.
A forma como a aprendizagem ocorre cognitivamente é por meio do
processamento de informação através da memória, que envolve a captação de uma
informação, sua codificação (que ocorre quando um dado é associado a outros, já
previamente memorizados), e, por fim, a recuperação (que ocorre quando a informação
armazenada é encontrada, após ter sido estimulada para tal). A figura 2 ilustra e resume
o processo da memória:
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Figura 2 – Processo de memorização de informações
Fonte: Solomon (2011)
A forma como uma informação é codificada pelo cérebro ajuda a determinar
como será representada na memória. Os dados associados a informações que já existem
na memória têm mais chances de serem retidos.
O processamento de informações pode ser feito por meio de três sistemas
distintos de memória. Primeiramente, há a memória sensorial, por meio da qual as
informações que recebemos de nossos sentidos são armazenadas e transmitidas para o
cérebro, que, por sua vez, sincroniza essas informações. Além dessa, existe a memória
de curto prazo, que também armazena informações por um período de tempo limitado,
mas sua capacidade é restrita. Caso a informação no depósito de curto prazo seja
repetida, ela é transferida para a memória de longo prazo. A memória de longo prazo é o
sistema que permite reter informações por um longo período de tempo (SOLOMON,
2011; SCHIFFMAN; KANUK, 2009).
A retenção da informação se dá com a organização e reorganização das
informações contidas na memória de longo prazo. Consequentemente, existe um
processo de ativação que consiste na expansão das redes de relação e a busca de
informação adicional. Quando um sistema é ativado, temos um esquema, que ocorre
quando um pacote completo de associações é trazido à mente (SCHIFFMAN; KANUK,
2009).
A recuperação ocorre quando informações armazenadas na memória de longo
prazo voltam à consciência do indivíduo. Segundo Solomon (2011), esse processo
depende do estado do consumidor. As pessoas têm maior capacidade de se recordar de
determinada informação se seu estado interno no momento da recordação for igual ao
do momento em que a informação foi aprendida.
Metodologia do estudo
A fim de se alcançar o objetivo proposto, foi conduzida uma pesquisa
exploratória, com o objetivo de mais bem compreender as dimensões do problema e
ajudar em sua análise (ZIKMUND, 2006). Os fatores que motivaram a escolha por esse
tipo de pesquisa foi o seu caráter flexível e sua capacidade de obter um grande número
de informações. Em linha com pesquisas exploratórias, foi decidido que o presente
estudo seria de natureza qualitativa, pois se espera entender como esse fenômeno se
estabelece em um contexto particular, assim como a visão dos indivíduos que
participam desse contexto (ZIKMUND, 2006).
Ao todo, foram realizadas 15 entrevistas com consumidores de baixa renda que
fizeram reclamações a empresas de serviços financeiros, telecomunicações e saúde. O
perfil de cada um dos entrevistados é exibido no Quadro 2, a seguir:
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Entrevistado Idade (em anos) Bairro onde
reside
Nível de
instrução
Renda familiar
mensal
1 47 Campo Grande Ensino Médio D
2 38 Campo Grande Ensino Médio D
3 54 Campo Grande Fundamental D
4 50 Centro Fundamental D
5 28 Campo Grande Superior D
6 48 Jacarezinho Fundamental D
7 49 Campo Grande Fundamental C
8 42 Centro Ensino Médio C
9 59 Centro Ensino Médio D
10 57 Pavuna Ensino Médio E
11 42 Rio Comprido Ensino Médio D
12 56 Centro Ensino Médio D
13 48 Santa Cruz Ensino Médio D
14 38 Guaratiba Fundamental E
15 47 Santa Cruz Ensino Médio E
Quadro 2- Perfil dos entrevistados
A coleta de dados se deu por meio de entrevistas em profundidade com os
participantes da pesquisa. Com o objetivo de garantir que todas as informações
necessárias fossem coletadas durante a entrevista, foi elaborado um roteiro (disponível
no Apêndice 1). Todas as entrevistas foram gravadas com a autorização dos
entrevistados, de forma que pudessem ser transcritas, posteriormente.
A análise dos dados foi feita em duas etapas. Primeiro, os dados foram
organizados, de forma a agrupar todas as respostas de cada uma das perguntas feitas aos
entrevistados. Em seguida, os relatos foram comparados entre si e com a revisão de
literatura, a fim de encontrar semelhanças e diferenças entre eles. Assim, foi possível
criar as categorias de análise da pesquisa.
Análise dos dados
O presente item apresenta a análise dos dados. Está dividido em três subitens, a
saber: insatisfação de consumo e reclamação a empresas, conhecimentos sobre direitos
para reclamar, e, por fim, ajuda para reclamar.
Insatisfação de consumo e reclamação a empresas
Em todas as entrevistas, foram relatados casos de insatisfação de consumo, nos
quais os entrevistados se viram obrigados a reclamar a empresas. Na maioria dos
relatos, os entrevistados acreditavam que sua insatisfação havia ocorrido por conta de
algum erro ou enganação das empresas, na forma de pagamentos indevidos, altas
cobranças, aumentos gradativos sem consulta do cliente, entre outros problemas.
Tais ações empresariais geraram sentimentos de indignação entre os
entrevistados. Essa indignação os levou a contarem seus problemas com empresas para
amigos e familiares, seja porque sentiam que precisavam desabafar a alguém, seja para
ter algum conselho sobre como agir.
No que diz respeito ao processo de reclamação, alguns consumidores viram
dificuldade em reclamar. Outros, por sua vez, não viram essa dificuldade. A maioria,
entretanto, não conseguiu solucionar seu problema de consumo, pois a empresa não deu
uma resposta ao seu pedido, ou deu alguma solução que não resolvia de fato o problema
do cliente, como relatado por uma das entrevistadas que teve problema com um banco:
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“cada gerente me dava uma solução diferente. E a solução que eles me davam era
absurda”. A entrevistada em questão estava devendo ao banco e tentou negociar a
dívida. O banco parcelou sua dívida, porém, em uma segunda tentativa de acordo, o
mesmo quis esquecer tudo o que a cliente já havia pagado e fazer um novo acordo, o
que aumentava o montante da dívida consideravelmente. Cada vez que a consumidora
tentava fazer um novo acordo, o que era proposto pelo banco era inviável e aumentava o
valor da dívida exponencialmente.
Os relatos dos entrevistados indicam que as reações de funcionários de empresas
ao receberem as reclamações desses consumidores foram diversas. Em um caso, um
entrevistado contou que o atendente o xingou quando relatou sua situação e acusou a
empresa de estar errada. Outros relatos, por outro lado, contam uma situação mais
amena, na qual funcionários foram solícitos com os clientes, porém não ofereceram
solução para o problema.
Diante deste quadro, pode-se observar um comportamento mais ativo por parte
dos consumidores em reclamar. Como mencionado anteriormente, esse comportamento
começou a ser visto mais frequentemente no início dos anos 2010 (HEMAIS;
CASOTTI, 2015). Entretanto, alguns consumidores ainda se sentem passivos à
reclamação, às vezes preferindo ter prejuízo ao invés de reclamar com a empresa. Uma
entrevistada, que teve problema com uma empresa de telecomunicações, conta que
contratou um serviço de TV a cabo, porém sem nunca ter recebido o decodificador de
sinal, apesar de ser cobrada todo mês pelo serviço. Dado o problema, a consumidora
tentou cancelar várias vezes o serviço e não conseguiu. Quando finalmente conseguiu, o
dinheiro que tinha pago todos os seis meses sem o usufruto do serviço não foi
devolvido, mas ela preferiu não colocar a empresa na justiça. Segundo a entrevistada,
sua decisão foi “para evitar dor e cabeça”.
Ajuda para reclamar a empresas
Apesar da mudança de comportamento dos entrevistados, que deixaram de ser
passivos, adotando uma postura mais ativa em relação à reclamação, esses
consumidores não sabem ainda ao certo como fazer reclamações, pois não possuem
certeza sobre quais são seus direitos ou quais são os primeiros passos para reclamar
sobre um problema de consumo.
Diversos entrevistados disseram que, quando reclamaram, não fizeram isso a
partir de instruções formais sobre como reclamar; reclamaram porque achavam que
estavam sendo injustiçados. Porém, deve-se considerar que um comportamento passivo
quanto à reclamação não muda para um ativo sem que haja alguma forma de
aprendizagem. O acúmulo de experiências em relação à reclamação, seja ela do próprio
consumidor ou de outros com os quais possui contato, pode ter sido o que fez com que o
comportamento dessas pessoas mudasse (SOLOMON, 2011).
Programas de televisão, experiências de parentes e amigos, e a internet foram as
principais fontes que ajudaram os entrevistados a saberem que poderiam reclamar sobre
problemas de consumo. Diversos deles relataram que já viram algum programa de
televisão que comentava sobre reclamação de consumidores e que já presenciaram
experiências de outras pessoas em relação à reclamação. Pode-se considerar que tais
fatos ficaram guardados no subconsciente da memória, pois essas pessoas utilizaram
informações acumuladas por experiências passadas (suas ou de outros consumidores)
para resolver seus problemas (SOLOMON, 2011).
Consumidores aprendem a reclamar, também, por meio de observação, sem
necessariamente ter consciência disso. Essa forma de aprendizado ocorre quando se
observa o comportamento dos outros (SCHIFFMAN; KANUK, 2009). Uma
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entrevistada, que passou por um problema com uma empresa de telecomunicações,
relatou que o pastor de sua igreja comentou com ela sobre uma experiência que havia
passado, na qual precisou reclamar com a empresa para resolver seu problema. Isso,
aparentemente, inspirou a consumidora a reclamar quando enfrentou problemas com a
empresa em questão.
Embora os entrevistados não tenham relatado que foram influenciados por alguém
a reclamar, dizem que as experiências de outros consumidores os ajudaram a ter mais
consciência sobre o que fazer. Maria, por exemplo, relatou que a experiência da
cunhada com um banco serviu para ela como algo positivo: “a gente acaba aproveitando
alguma coisa daquela experiência do outro. A gente sempre tira um pouquinho pra
gente”.
Alguns dos entrevistados, que eram evangélicos, mencionaram a “ajuda de Deus”
no processo de reclamação. Diversos deles se sentiam inseguros para resolver seu
problema de consumo, seja por falta de conhecimento ou por medo de que as empresas
achassem que eles estavam mentindo, algo também encontrado por Chauvel (2000) em
suas pesquisas. Com isto, essas pessoas relatavam seus casos para a comunidade de suas
igrejas, para que os ajudassem. Alguns relataram que “foi Deus que deu força” para
irem reclamar com empresas.
A insegurança em reclamar a empresas foi percebida em vários relatos. Diversos
entrevistados procuraram ajuda de alguém que consideravam "ter mais conhecimento"
ou mais estudo. Em geral, buscaram ajuda de seus empregadores. Uma entrevistada, por
exemplo, pediu ajuda à dentista para quem trabalhava: “Como eu trabalho em um
consultório dentário, procurei me informar com a dentista, porque ela tem mais
experiência. Eu expliquei a situação e ela disse pra eu buscar os meus direitos e me
indicou um advogado."
Conhecimento sobre direitos para reclamar
A maioria dos entrevistados procurou entender sobre os seus direitos para
reclamar, porque se viram prejudicados por empresas. Esses consumidores não viam
benefício a mais em fazer uma reclamação, a não ser deixar de ter o nome sujo por
culpa da empresa. Uma entrevistada, que teve um problema com uma operadora de
telecomunicações, conta que o valor combinado do plano contratado com a empresa
nunca era cumprido, sempre sendo cobrado a mais. Ela relatou que o benefício em
reclamar era de pagar um valor justo para os serviços contratados, e nada além disso.
Esses consumidores assumem que estavam em seu direito em reclamar, até
mesmo quando de fato não estavam. Um entrevistado, que devia dinheiro a um banco, e
contava com uma dívida que crescia exponencialmente, não entendia o porquê da dívida
estar tão alta e estava indignado por estar sendo cobrado um valor maior do que a dívida
original. Por conta disto, se achava no seu direito de reclamar.
Pode-se observar que os consumidores estão mais reativos às empresas (Hemais
e Casotti, 2014), mantendo um receio em confiar nas informações da mesma. Outra
explicação para tal acontecimento é que, com o processo de aprendizagem, fica
armazenado em sua memória (Solomon, 2011) que qualquer cobrança a mais da
empresa pode ser uma cobrança indevida. Isso influencia uma busca sobre como
reclamar para as empresas. Apesar desse comportamento, os entrevistados alegaram não
conhecer o Código de Defesa do Consumidor a fundo, apenas superficialmente. O
conhecimento adquirido sobre seus direitos é de boca a boca. Essas pessoas buscam
informações através de pessoas confiáveis, e se baseiam nisso para fazer suas
reclamações. O conhecimento é adquirido mais de forma empírica, a partir das
experiências vividas ao longo do tempo, e das pessoas ao redor.
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Esse conhecimento empírico poder ser explicado pela teoria cognitiva de
aprendizagem (SOLOMON, 2009), que explica que as pessoas têm capacidade de
resolver problemas utilizando-se de informações acumuladas pela experiência. Isso
ocorre através do processo de memorização, em que as pessoas codificam dados
externos, armazenam e os recuperam quando necessário. Por conta disso, alguns
entrevistados afirmaram que não aprenderam em lugar algum a reclamar, mas
inconscientemente, pelas experiências observadas e vividas, esses indivíduos acabaram
aprendendo.
Conclusão
O presente projeto teve como objetivo estudar como consumidores de baixa renda
aprendem a reclamar a empresas ou órgãos de defesa do consumidor quando em
situações de insatisfação. Para isso, foi conduzida uma pesquisa exploratória com
consumidores de baixa renda do Rio de Janeiro, a fim de compreender como
aprenderam a reclamar. A partir da análise dos dados, foi possível chegar a uma
conclusão do estudo.
Consumidores de baixa renda, quando em situação de insatisfação, se sentem
injustiçados, e por conta disso procuram reclamar, comportamento esse que começou no
início de 2010.
Foi possível observar, através das entrevistas, que são várias as fontes de
aprendizado que influenciam, por vezes inconscientemente, no comportamento dessas
pessoas. Eles aprendem a reclamar por meio de experiências vividas e observadas, por
meio de programas de televisão, jornais e revistas e até mesmo em conversas informais.
Quando em situação de insatisfação, eles procuram saber como agir com pessoas que
consideram mais entendidas. Não há um conhecimento ou aprendizado formal, ele é
adquirido através de repetição de comportamento ou armazenamento de informação.
Esse fato mostra que as empresas devem ficar atentas no cuidado com esses
consumidores, visto que são a maior parte da população e estão se impondo e buscando
seus direitos como consumidores. As empresas devem respeitar esses direitos, porque a
tendência é cada vez mais essas pessoas buscarem seus direito quando em situação de
insatisfação.
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Referências
1-ZIKMUND, W. Princípios da Pesquisa de Marketing. 2.ed. São Paulo: Thompson, 2006.
2-SOLOMON, Michael R . O Comportamento do Consumidor. 9.ED. Porto Alegre, 2011.
3-SCHIFFMAN, Leon G. Comportamento do Consumidor. 9ed. São Paulo, 2009.
4-HEMAIS, Marcus Wilcox; CASOTTI, Leticia Moreira. INSATISFAÇÕES PROJETADAS
DE CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA: DISSATISFACTION PROJECTED OF LOW
INCOME CONSUMER. Pensamento Contemporâneo em Administração, Rio de Janeiro, v., n. 8, p.65-84, 01 dez. 2014. Trimestral. Disponível em:
<http://www.uff.br/pae/index.php/pca/index>.
5-AMARANTE, Luciano. “Telefonia lidera lista de reclamações ao Procon em 2015. ”
Veja.com [Rio de Janeiro, RJ] 1 fevereiro 2016. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/economia/telefonia-lidera-lista-de-reclamacoes-ao-procon-em-2015/>
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Apêndice 1 – Roteiro de entrevistas
Bom dia/ tarde. Eu sou aluna de graduação da PUC-Rio e o objetivo dessa entrevista
hoje é nós termos uma conversa sobre suas experiências e insatisfações como
consumidor e seu aprendizado em possíveis reclamações. Não pense que existem
respostas certas ou erradas às perguntas que vou fazer, o importante é o que você pensa.
Em nenhum momento da pesquisa você será identificado. Eu não vou citar o seu
nome na pesquisa; somente vou identificar você por um número. Então, fique a vontade
para falar o que quiser. As informações que você relatar para mim hoje serão usadas
somente para fins acadêmicos.
Para facilitar o meu trabalho, eu vou gravar a nossa conversa. Assim, não preciso
ficar tomando notas e posso lhe dar mais atenção. Eu garanto que essa gravação vai ser
utilizada somente para a análise do que conversamos aqui, hoje, e nada mais. Tudo
bem?
Se você precisar me fazer alguma pergunta durante a entrevista, pode interromper
nossa conversa a qualquer momento.
Considerações sobre insatisfação de consumo
Você já teve alguma experiência negativa com uma empresa de telecomunicações,
serviços financeiros ou planos de saúde? Caso sim, conte como foi, por favor.
Você contou para alguém (familiar ou amigo) sobre o seu problema? Para quantas
pessoas você contou? O que eles falaram?
Você reclamou com a empresa sobre o problema? Como foi essa reclamação? Você
precisou reclamar para muitas pessoas da empresa? Você precisou ir à empresa ou
reclamou pelo telefone?
Qual foi a reação da empresa para a sua reclamação? A empresa ofereceu alguma
solução para o seu problema, quando você fez a reclamação? Houve alguma
dificuldade para você reclamar à empresa?
Considerações sobre aprendizagem para reclamar
Por que você pensou em reclamar com a empresa? Viu algum beneficio que a
reclamação poderia lhe trazer?
Você achava que estava em seu direito reclamar para a empresa? Por quê?
Departamento de Administração
Você chegou a procurar a ajuda de alguém, para saber se poderia reclamar com a
empresa sobre o problema? Caso sim, conte como foi, por favor?
Você conhece o Código de Defesa do Consumidor? Caso sim, como você tomou
conhecimento dele? Em algum momento, você já leu o Código?
Você já assistiu, ouviu ou leu alguma matéria na televisão, na rádio ou no jornal
falando sobre reclamações de consumidores a empresas? Caso sim, o que essa
matéria disse?
Alguém próximo a você (familiar ou amigo) já reclamou sobre algum problema de
consumo com uma empresa de telecomunicações, serviços financeiros ou planos de
saúde? Caso sim, como foi esse caso?
Você aprendeu alguma coisa com a reclamação dessa pessoa? Você acha que ela
serviu de inspiração para você reclamar?
Você voltaria a reclamar de novo com alguma empresa caso se deparasse com um
problema em serviços contratados? Por quê?
Perfil do entrevistado
Qual é a sua idade?
Qual é a sua profissão?
Qual é o seu estado civil?
Qual é o seu nível de instrução?
Qual é a sua renda familiar mensal?
Obrigado por sua participação