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APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA NA MODALIDADE ESCRITA COMO SEGUNDA LÍNGUA
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO
MESTRADO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS
JUSSARA LINHARES GRANEMANN
APRENDIZAGEM DA LNGUA PORTUGUESA NA MODALIDADE ESCRITA
COMO SEGUNDA LNGUA
Campo Grande MS Julho - 2015
2
JUSSARA LINHARES GRANEMANN
APRENDIZAGEM DA LNGUA PORTUGUESA NA MODALIDADE ESCRITA
COMO SEGUNDA LNGUA
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de
Mestre ao Programa de Ps-Graduao em Estudos
de Linguagens, da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, sob a orientao da Prof. Dr.
Raimunda Madalena Arajo Maeda.
rea de Concentrao: Lingustica e Semitica
Campo Grande MS Julho 2015
3
JUSSARA LINHARES GRANEMANN
APRENDIZAGEM DA LNGUA PORTUGUESA NA MODALIDADE ESCRITA
COMO SEGUNDA LNGUA
APROVADA POR:
RAIMUNDA MADALENA ARAJO MAEDA, DOUTORA (UFMS)
MARIUZA APARECIDA CAMILLO GUIMARES, DOUTORA (UFMS)
GERALDO VICENTE MARTINS, DOUTOR (UFMS)
Campo Grande, MS, 30 de Julho de 2015.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeo, primeiramente, a Deus, pelo dom da vida e pelas graas concedidas.
Agradeo, de forma especial, minha famlia que, diariamente, me incentiva, me alegra e me
proporciona um amor incondicional, que me fez e faz superar todos os obstculos da vida.
Aos estudantes surdos, professores e instrutores mediadores, sujeitos desta pesquisa que,
gentilmente, se propuseram a contribuir com este estudo e sem os quais ela no teria sido
possvel.
Prof. Dr. Raimunda Madalena Arajo Maeda, no somente pela orientao, mas tambm
pela confiana, compreenso e pacincia, colaborando na superao dos desafios, durante a
jornada do mestrado.
Prof. Dr. Claudete Cameschi de Souza, pelas contribuies na ocasio da qualificao, e
em especial, ao Prof. Dr. Geraldo Vicente Martins e Prof. Dr. Mariuza Aparecida Camillo
Guimares, pelas relevantes e valiosas contribuies pelo respeito com que trataram minha
pesquisa na ocasio da defesa da dissertao.
Aos demais professores do PPGMEL, pelos ensinamentos.
Aos colegas do curso Mestrado em Estudos de Linguagens, pelas trocas de experincias e
laos de amizade.
Enfim, agradeo a todos que, direta ou indiretamente, contriburam para que eu conseguisse
subir mais um degrau da escada da vida. Sou grata a todos por este momento mpar em minha
vida.
5
A voz dos surdos so as mos e os corpos que pensam, sonham e expressam. As lnguas de sinais
envolvem movimentos que podem parecer sem sentido
para muitos, mas que significam a possibilidade de
organizar as ideias, estruturar o pensamento e
manifestar o significado da vida para os surdos.
Pensar sobre a surdez requer penetrar no mundo dos
surdos e ouvir as mos que, com alguns movimentos,
nos dizem que para tornar possvel o contato entre os
mundos envolvidos se faz necessrio conhecer a lngua
de sinais.
(Ronice Muller de Quadros)
6
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Perfil dos informantes ....................................................................................... 53
TABELA 2 - Fluncia e Proficincia em L1 e L2 ................................................................... 59
7
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Texto 1 ............................................................................................................. 63
QUADRO 2 - Texto 2 .............................................................................................................. 63
QUADRO 3 - Texto 3 .............................................................................................................. 65
QUADRO 4 - Texto 4 .............................................................................................................. 66
QUADRO 5 - Texto 5 .............................................................................................................. 67
QUADRO 6 - Texto 6 .............................................................................................................. 68
QUADRO 7 - Texto 7 .............................................................................................................. 69
QUADRO 8 - Texto 8 .............................................................................................................. 70
QUADRO 9 - Texto 9 .............................................................................................................. 72
QUADRO 10 - Texto 10 .......................................................................................................... 73
8
LISTA DE GRFICOS
GRFICO 1 - Perda auditiva .................................................................................................. 56
GRFICO 2 - Graus de surdez .............................................................................................. 57
GRFICO 3 - Nveis de estgios de aquisio da Libras ....................................................... 58
GRFICO 4 - Nveis de interlngua ....................................................................................... 59
9
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 15
1 CONTEXTO DA PESQUISA ............................................................................................ 19
1.1 LINGUAGEM E LNGUA ............................................................................................. 19
1.1.1 A lngua no contexto da educao de surdos ........................................................... 20
1.2 AQUISIO E APRENDIZAGEM DAS LNGUAS .................................................. 22
1.2.1 Aquisio X aprendizagem: aspectos tericos ........................................................ 22
1.2.2 Aprendizagem da lngua e suas concepes ........................................................... 23
1.2.1.1 Lngua como expresso do pensamento .......................................................... 24
1.2.1.2 Lngua como instrumento de comunicao ..................................................... 24
1.2.1.3 Lngua como forma ou processo de interao .................................................. 25
1.3 INTERLNGUA ............................................................................................................. 25
1.3.1 Interlngua e o surdo ................................................................................................ 27
1.3.2 Nveis de interlngua ............................................................................................... 28
1.4 LNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS E LNGUA PORTUGUESA NA
MODALIDADE ESCRITAC ............................................................................................... 30
1.4.1 Lngua Brasileira de Sinais Libras ....................................................................... 30
1.4.2 Poltica da Lngua: Bilinguismo na Educao de Surdos ....................................... 32
1.4.1.1 Libras: legislao .............................................................................................. 34
1.4.1.2 Libras Histrico ............................................................................................. 35
1.4.3 Como ocorre a aprendizagem da Lngua de Sinais e da Lngua Portuguesa pelo
surdo? ............................................................................................................................... 36
1.4.4 O processo de aprendizagem da escrita L2 por surdos ........................................... 37
1.4.5 A apropriao da segunda lngua pelo surdo ........................................................... 40
1.4.6 Dificuldades do surdo na aprendizagem da escrita ................................................. 41
1.4.7 Alfabetizao na perspectiva do letramento na educao dos surdos ..................... 41
1.5 A ESCOLA BILNGUE ................................................................................................. 42
1.6 AS ABORDAGENS EDUCACIONAIS REFERENTES EDUCAO DE SURDOS
............................................................................................................................................... 44
1.6.1 Oralismo ................................................................................................................... 44
1.6.2 Comunicao Total .................................................................................................. 45
1.6.3 Bilinguismo .............................................................................................................. 46
1.7 O TRADUTOR INTRPRETE DE LIBRAS E O INSTRUTOR MEDIADOR ........... 47
2 O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ..................................................................... 50
2.1 METODOLOGIA ........................................................................................................... 50
10
2.2 INSTRUMENTOS E COLETA DE DADOS ............................................................... 52
2.3 CARACTERIZAO DO GRUPO DE INFORMANTES ........................................... 52
2.3.1 Perfil dos informantes ............................................................................................. 53
2.3.2 Graus e tipo de perdas auditivas .............................................................................. 56
2.3.3 Estgios de aquisio na Libras .............................................................................. 57
2.3.4 Nveis de Interlngua ............................................................................................... 59
2.3.5 Fluncia e Proficincia lingustica ........................................................................... 59
2.2.1.1 Lngua como expresso do pensamento ........................................................... 24
2.2.1.2 Lngua como instrumento de comunicao ...................................................... 24
2.2.1.3 Lngua como forma ou processo de interao .................................................. 25
3 APRESENTAO DOS DADOS E RESULTADOS ..................................................... 61
3.1 ANLISE DOS DADOS ................................................................................................ 61
3.1.1 Informante A ............................................................................................................ 62
3.1.2 Informante B ............................................................................................................ 64
3.1.3 Informante C ............................................................................................................ 66
3.1.4 Informante D ............................................................................................................ 68
3.1.5 Informante E............................................................................................................. 71
3.2 ANLISE DOS RESULTADOS ................................................................................... 74
CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 79
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 84
APNDICES ........................................................................................................................... 93
APNDICE A ....................................................................................................................... 94
APNDICE B ....................................................................................................................... 95
APNDICE C ....................................................................................................................... 96
APNDICE D ....................................................................................................................... 97
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AEE - Atendimento Educacional Especializado
ASL - Lngua Americana de Sinais
CAS - Centro de Capacitao dos Profissionais da Educao e de Atendimento s Pessoas
com Surdez
CM - Configurao de mos
dB - Decibis
EF/C - Expresso facial e/ou corporal
IL - Interlngua
INES - Instituto Nacional de Educao de Surdos
L1 - Primeira lngua
L2 - Segunda lngua
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao
LE - Lngua estrangeira
Libras - Lngua Brasileira de Sinais
LM Lngua materna
LP - Lngua Portuguesa
LS - Lngua de Sinais
LSF - Langue des Signes Franaise
M - Movimento
MEC - Ministrio da Educao
MS - Mato Grosso do Sul
O - Orientao
OSV - Objeto, sujeito e verbo
OVS - Objeto, verbo e sujeito
PA - Ponto de articulao
PCN - Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa
SED - Secretaria Estadual de Educao
SEESP - Secretaria de Educao Especial
SEMED - Secretaria Municipal de Educao
SV - Sujeito e verbo
SVO - Sujeito, verbo e objeto
12
UFMS - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura.
VO - Verbo e objeto
13
RESUMO
O tema aprendizagem da Lngua Portuguesa na modalidade escrita como segunda lngua (L2)
para estudantes surdos tem suscitado diversas indagaes entre os profissionais, uma vez que
esses estudantes encontram dificuldades, no decorrer desse processo. Essa pesquisa teve como
objetivo evidenciar a importncia da Libras (L1) no transcorrer da aprendizagem da L2,
durante o processo de letramento, e analisar os diferentes estgios de interlngua vivenciados
pelos estudantes surdos, visto que utilizam, em seus textos escritos, aspectos gramaticais da
Libras, para conferir segurana aos enunciados produzidos na nova lngua. Para tanto,
utilizamos a metodologia de natureza qualitativa, de carter etnogrfico, a partir de estudos de
caso de cinco estudantes surdos, matriculados nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em
escolas da rede estadual de Educao, do Estado de Mato Grosso do Sul. Os dados da
pesquisa consistem em entrevistas, observaes e textos escritos pelos estudantes
participantes, coletados durante as aulas. Esses dados foram analisados, a partir do referencial
terico proposto por Bakhtin (2010), Brochado (2003), Quadros (1997 e 2004), Quadros e
Karnopp (2004), Quadros e Schmiedt (2006), Soares (2003 e 2009), Uyeno, Cavallari e
Mascia (2014), entre outros. Dentre as concluses desse estudo, destacam-se a influncia e a
relevncia da Libras, como suporte para a aprendizagem da Lngua Portuguesa na modalidade
escrita. Os resultados desta investigao podem contribuir para subsidiar possveis projetos na
rea de aprendizagem da Lngua Portuguesa como L2, para estudantes surdos em processo de
letramento.
Palavras-chave: Letramento. Libras. Lngua Portuguesa. Interlngua. Surdos.
14
ABSTRACT
The theme learning the Portuguese language in the written form as a second language (L2) for
deaf students has raised several questions among professionals, since these students encounter
difficulties during this process. This research aimed to highlight the importance of Pounds
(L1) in the course of learning L2, during the process of literacy, and analyze the different
stages of interlanguage experienced by deaf students, as they use in their written texts,
grammatical aspects of pounds, to give security to utterances produced in the new language.
To this end, we used the qualitative methodology of ethnographic, from case studies of five
deaf students enrolled in the early elementary school years in the state system schools of
Education, the State of Mato Grosso do Sul. Survey data consist of interviews, observations
and texts written by the participating students collected in class. These data were analyzed
from the theoretical framework proposed by Bakhtin (2010), Paperback (2003) Tables (1997
and 2004), Tables and Karnopp (2004), Tables and Schmiedt (2006), Soares (2003 and 2009),
Uyeno, Cavallari and Mascia (2014), among others. Among the findings of the study
highlight the influence and relevance of pounds as a support for learning the Portuguese
language in the written form. The results of this research can contribute to support possible
projects in the area of learning Portuguese as L2, for deaf students in the literacy process.
Keywords: Literacy. Libras. Portuguese Language. Interlanguage. Deaf.
15
INTRODUO
Em uma sociedade grafocntrica, como a nossa, a modalidade escrita apresenta alto
grau de relevncia como prtica social, pois se destaca como meio de informao, de
comunicao, de aprendizagem e, at mesmo, de lazer. No ambiente escolar, uma das
formas constituintes da avaliao, portanto, imprescindvel que todos os estudantes a
utilizem no transcorrer do processo de escolarizao. Para os estudantes surdos, a Lngua
Portuguesa (LP) na modalidade escrita reconhecida como uma segunda lngua (L2) e a
Lngua Brasileira de Sinais Libras como primeira lngua (L1), por meio da Lei n
10.436/2002 e do Decreto n 5626/2005, colocando-os como sujeitos bilngues, ou seja, os
seus atos comunicativos podem efetivar-se por intermdio dessas duas lnguas.
Entretanto, apesar das garantias em leis e do trabalho realizado nas salas de aula,
atualmente, as pesquisas relacionadas com a produo escrita de estudantes surdos
demonstram resultados insatisfatrios. Fernandes (1990) enfatiza que as dificuldades de
escrita dos surdos equivalem s mesmas de um falante que tenha sido privado do convvio
com a primeira lngua. Desse modo, no especificamente a surdez que provoca tais
dificuldades, mas a falta de contato e o uso da lngua; assim, os surdos, por estarem em
processo de aprendizagem de uma segunda lngua, assemelham-se aos estrangeiros que
utilizam a lngua na modalidade oral e que necessitam de metodologias diferenciadas para a
consolidao efetiva.
Portanto, aprender uma nova lngua no se trata da simples troca de palavras da L1
para a L2. fundamental a apropriao de conceitos para torn-los significativos, a partir de
um dado contexto, uma vez que cada lngua apresenta especificidades e est ligada
diretamente cultura de seus usurios, sendo necessrias interaes para a construo de
conceitos e a elaborao do pensamento, estabelecendo relaes na perspectiva da nova
lngua. Nesse sentido, o desenvolvimento lingustico em uma segunda lngua no resulta
apenas da substituio de conhecimentos da primeira lngua.
Para Guarinello (2007), a escrita dos surdos pode deixar de configurar a natureza
dialgica da linguagem, reduzindo-se a um mero cdigo, deixando de existir como relao
significativa entre sujeitos. Nesse sentido, importante, primeiramente, a valorizao da
Libras como L1, como lngua de instruo dos contedos curriculares ensinados na escola e
como forma de comunicao; e tambm o ensino da Libras e o trabalho especfico com
metodologia de ensino de segunda lngua nas aulas do Atendimento Educacional
Especializado AEE. Nessa perspectiva, Moita Lopes (1996) sugere algumas alternativas
16
metodolgicas para o ensino de leitura na lngua materna ou estrangeira, por exemplo,
partindo-se da construo e verificao de hipteses sobre um ttulo ou uma imagem,
considerando todos os elementos na compreenso de textos.
Assim, para Salles et al (2004), as atividades de leitura e de produo tm implicaes
mtuas no ensino de uma lngua e, no caso dos surdos, sobretudo, o sucesso de uma produo
escrita depende, principalmente, dos inputs a que esto expostos. Em vista disso, durante o
processo de ensino da L1, o ato de produzir por escrito passa obrigatoriamente em receber
informaes de naturezas diversificadas, como por exemplo: as de natureza lingusticas e
socioculturais, por meio da leitura, no ensino de segunda lngua, sendo tal processo de
fundamental importncia. Ou seja, quanto mais o professor inserir os aprendizes na situao
em que se enquadra a atividade proposta, melhor ser o resultado, pois defendem que um
texto sempre gerado a partir de outro(s) texto(s), dependendo, portanto, das suas prprias
condies de produo.
A dificuldade na aprendizagem da lngua na modalidade escrita torna-se mais visvel
quando observamos os estudantes surdos matriculados no Ensino Fundamental, em processo
de aprendizagem da L2 e, concomitante, de sua L1. Nesse sentido, o desafio a ser enfrentado
pelos estudantes surdos e pelos profissionais perpassa por questes de mbito lingustico e de
prticas pedaggicas, que fomentam a educao de surdos, tanto no ensino de L1 quanto de
L2, na perspectiva de que a Libras pr-requisito para aprendizagem da Lngua Portuguesa na
modalidade escrita.
Assim, a escolha do objeto de investigao desta pesquisa resultante das inquietudes
e percepes, decorrentes de vrios anos de trabalho na rea da educao de surdos, as quais
foram construdas no decurso de minha trajetria profissional, que iniciou no ano de 1995,
como professora do Ensino Fundamental, em uma escola especial com atendimento a
estudantes surdos e tambm com o trabalho em sala de Atendimento Educacional
Especializado (AEE) com estudantes com deficincia auditiva e com surdez, no municpio de
Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul - MS. Aps esse perodo, no ano de 2002,
iniciei o trabalho na Secretaria Municipal de Educao (SEMED), com atendimento,
orientao e acompanhamento de tradutores intrpretes e professores do AEE, e a
implementao de cursos de Libras para ouvintes e surdos. A partir do ano de 2007, comecei
a desenvolver atividades voltadas para a rea pedaggica, com orientao e acompanhamento
na rede estadual de educao.
A pesquisa fundamenta-se a partir das ideias de diversos autores, como por exemplo:
Bakhtin (2010); Brabo (2001); Brochado (2003); Dallan (2012); Ferreira Brito (1993 e 1995);
17
Ferreiro (1996); Ferreiro e Teberosky (1985); Finau (2006 e 2007); Freire (2009); Klein
(1998); Moita Lopes (1996); Mortatti (2004); Perlin (1998); Quadros (1997 e 2004); Quadros
e Cruz (2011); Quadros e Karnopp (2004); Quadros e Schmiedt (2006); S (1998); Skliar
(1997, 1998 e 2001); Soares (2003 e 2009); Uyeno, Cavallari e Mascia (2014); Vygotsky
(1987 e 2002); e outros; partindo, assim, de duas vertentes: a educao e a lingustica aplicada
ao ensino de lnguas, e a Lngua Portuguesa na modalidade escrita (L2) e a Libras (L1).
Tambm enfoca diferentes ngulos da problemtica da aprendizagem da segunda
lngua, para alunos surdos matriculados no Ensino Fundamental, na rede estadual de
educao; isto , tem-se como pressuposto analisar produes textuais de alunos surdos, em
fase de letramento, que so usurios tanto da Lngua Brasileira de Sinais quanto da Lngua
Portuguesa na modalidade escrita, partindo de uma proposta bilngue, na qual sero
observados os estgios de interlngua vivenciados por eles no transcorrer do processo de
aprendizagem da Lngua Portuguesa como L2, bem como se evidenciar a importncia da
Libras como L1 no transcorrer da aprendizagem da L2, durante esse processo de letramento.
Esta dissertao encontra-se estruturada do seguinte modo: no Captulo 1,
apresentamos os pressupostos tericos, iniciando com as questes relacionadas com a lngua
no contexto da educao de surdos, a aquisio e a aprendizagem da lngua e da linguagem; o
processo e os nveis de interlngua do surdo; a Lngua Brasileira de Sinais/Libras e Lngua
Portuguesa como modalidade escrita. Tambm discorremos sobre como ocorre a
aprendizagem da Libras e da Lngua Portuguesa na modalidade escrita pelo surdo, o processo
de aprendizagem da escrita desta L2, a apropriao da segunda lngua, as dificuldades do
surdo na aprendizagem da escrita, a alfabetizao e letramento para surdos; as polticas da
Libras e o bilinguismo; a escola bilngue; as abordagens educacionais; o trabalho do tradutor e
intrprete de Libras e instrutor mediador em sala de aula.
No captulo 2, focalizamos o desenvolvimento da pesquisa, a partir do perfil dos
informantes, seguido do tipo de perdas auditivas, graus de perda auditiva, estgios de
aquisio da Libras, os nveis de interlngua, a fluncia e a proficincia lingustica; a
metodologia da pesquisa e a descrio dos dados, os instrumentos de coleta de dados e a
caracterizao do grupo de informantes.
No captulo 3, apresentamos a anlise e a discusso de textos de diferentes gneros
textuais produzidos pelos informantes durante as aulas ministradas nas disciplinas de Lngua
Portuguesa, Histria e Geografia, correlacionando-os com os estgios de interlngua
vivenciados pelos estudantes no processo de produo de textos escritos.
18
Nas consideraes finais, abordaremos as condies lingusticas (L1 e L2), as
sugestes para encaminhamentos lingusticos e a necessidade de novas pesquisas e aes que
podero ser implementadas com os estudantes, no decorrer do processo de aprendizagem das
duas lnguas envolvidas.
19
1 CONTEXTO DA PESQUISA
No captulo 1, Contexto da Pesquisa, objetivamos desenvolver a base terica deste
estudo, por meio de breve levantamento bibliogrfico sobre a educao de surdos, refletindo
sobre os seguintes temas: diferenciao entre os conceitos de linguagem e lngua, a lngua no
contexto na perspectiva da surdez, a aquisio e aprendizagem das lnguas, as concepes de
lngua, o processo e os nveis de interlngua, a Libras e a Lngua Portuguesa na modalidade
escrita, a escola bilngue, as abordagens educacionais, a funo e atribuies do tradutor
intrprete de Libras e o instrutor mediador em sala de aula com o estudante surdo.
1.1 LINGUAGEM E LNGUA
A linguagem a forma de expresso vinculada aos fenmenos comunicativos de todas
as ordens, como por exemplo: a msica, a pintura, os gestos, os smbolos grficos, sinais
convencionais (escrita e mmica), que permeiam todas as situaes envolvidas na
comunicao. Assim, a linguagem engloba todos os tipos de manifestaes.
Todo ato de linguagem depreende diversidade e multiplicidade de discursos dos
interlocutores, ou seja, a manifestao do pensamento e, consequentemente, a expresso
exterior origina-se da interior, organizada de maneira lgica.
A lngua formada por elementos (sons e gestos) que oportunizam a comunicao, por
meio de regras gramaticais, manifestando-se de forma verbal (escrita e oral) e no verbal
(gestos, sinais, expresses faciais). Portanto, uma atividade essencialmente coletiva, a qual
Bakhtin (2010) define como reflexo das relaes sociais realizadas por um determinado
grupo, pois:
[...] a verdadeira substncia da lngua no constituda por um sistema abstrato de
formas lingusticas nem pela enunciao monolgica isolada, nem pelo ato
psicofisiolgico de sua produo, mas pelo fenmeno social da interao verbal,
realizada atravs da enunciao ou das enunciaes. A interao verbal constitui
assim a realidade fundamental da lngua. (BAKHTIN, 2010, p. 123).
Desse modo, para o autor, a lngua se constitui na interao verbal entre interlocutores
inseridos em diferentes contextos; por isso, para haver dilogo efetivo, preciso que os
interlocutores estejam integrados numa situao social e pertenam mesma comunidade
lingustica, o que cria um terreno que torna possvel a troca lingustica.
20
Portanto, a competncia comunicativa em uma lngua est eminentemente associada s
diversas situaes lingusticas, derivadas das interaes sociais dos indivduos inseridos em
um determinado grupo.
O ensino sistemtico de uma lngua busca desenvolver a competncia comunicativa
dos usurios, para que a possam utilizar competentemente, em diferentes situaes. Para
tanto, as atividades de ensino originam-se a partir das prticas sociais e vivncias dos
aprendizes; importante ressaltar a funo das interaes vivenciadas pelo aprendiz. Nesse
sentido, Bakhtin (2010, p. 106) afirma que o sentido da palavra totalmente determinado por
seu contexto. De fato h tantas significaes possveis quantos contextos possveis. Desse
modo, o ensino de uma lngua busca a ampliao do vocabulrio, do discurso e das
experincias, a partir de um contexto social, mas no de forma estanque.
Uyeno, Cavallari e Mascia (2014) complementam que a lngua responsvel pelo
nosso psiquismo e pelas relaes que estabelecemos com o mundo e com as pessoas.
Consequentemente, fundamental que a lngua seja parte integrante do indivduo, para que
esse possa, ao longo de sua vida, expor seus sentimentos, suas ideias e seus conhecimentos.
1.1.1 A lngua no contexto da educao de surdos
As lnguas de sinais (LS) so empregadas por surdos, uma vez que estes no utilizam
sons como forma de comunicao, mas sinais e expresses faciais/corporais. Ocorrem por
meio visual e a produo acontece em um determinado espao, no so universais, ou seja,
cada pas pode adotar lnguas de sinais diferentes, como acontece com as lnguas orais. Da
mesma forma, existem as variaes lingusticas, dependendo das regies onde so praticadas,
isto , os regionalismos, que no so verses ou derivaes sinalizadas das lnguas orais, mas
sim so autnomas e independentes.
No Brasil, as lnguas de sinais so conhecidas como Lngua Brasileira de Sinais
Libras, sendo reconhecida legalmente como lngua, por meio da Lei N 10.436/2002,
constituindo-se por elementos gramaticais, tanto quanto qualquer lngua oral.
Quadros e Karnopp (2004) afirmam que as lnguas de sinais no so uma patologia,
mas lnguas naturais1. A Libras, derivada de um sistema lingustico prprio e como L1 dos
surdos, desempenha funes relevantes nos aspectos lingusticos, sociais e psicolgicos.
1 So lnguas utilizadas de forma no sistemtica ou planejada, buscando facilitar a comunicao.
21
Assim, no contexto escolar, torna-se crucial para o desenvolvimento do processo de
significao, em relao Lngua Portuguesa na modalidade escrita L22.
As pesquisas de Quadros (1997) com bebs surdos que conviveram, efetivamente,
com a Libras desde o nascimento, ou seja, receberam input lingustico no perodo adequado
aquisio da L1, constataram semelhanas no processo de aquisio de lnguas dos bebs
ouvintes, uma vez que esse processo ocorre independente da modalidade utilizada, seja ela
oral ou sinalizada.
A autora esclarece que o processo de aquisio da lngua das crianas surdas em
relao s crianas ouvintes acontece na mesma fase, mas de forma diferenciada: a primeira
recorre modalidade sinalizada e a segunda, modalidade oral. Os bebs ouvintes iniciam a
primeira fase de aquisio da lngua com o balbucio, por meio dos estmulos sonoros e orais,
com o apoio de feedback auditivo; assim, comeam a utilizar e a relacionar as palavras
empregadas em seu meio social e cultural. J os bebs surdos iniciam balbuciando sons que,
para eles, no fazem sentido lingustico, buscando estabelecer uma comunicao direta com
os familiares, visto que os mesmos s utilizam a lngua oral.
Nessa perspectiva, os bebs surdos apresentam desenvolvimento equivalente ao
balbucio oral, ou seja, emitem sons, visto que o aparelho fonador no apresenta
comprometimento, mas com o tempo e pela falta de audio, interrompem-no e passam a
utilizar gestos e apontamentos, buscando o estabelecimento da comunicao. Com o
transcorrer dos anos e com a falta de oportunidades de contato com surdos sinalizantes ou
ouvintes fluentes em Libras, a criana surda no a adquire no perodo apropriado, como as
crianas ouvintes adquirem a Lngua Portuguesa.
Nestes casos, aprendem a Libras somente quando iniciam o perodo de escolarizao,
o que lhes causa uma srie de danos, dentre eles: a dificuldade de organizao do pensamento,
pois h grande atraso lingustico. Assim, por falta do uso da lngua adquirida, de forma
natural e no perodo adequado, acabam fixando-se apenas nos atributos concretos dos objetos,
comprometendo, sobremaneira, a aprendizagem lingustica, conceitual e dos contedos
curriculares, de forma abstrata. Goldfeld (1997, p. 60) afirma que se a criana com surdez
no se desvincula do ambiente concreto ela no ter condies favorveis de desenvolver as
funes organizadora e planejadora. Assim, a questo da surdez est intimamente
relacionada com a aquisio e/ou aprendizagem e com o uso efetivo da lngua.
2 A utilizao da Lngua Portuguesa, no Brasil, como L2 reconhecida, a partir da convivncia entre
comunidades locais e imigrantes ou indgenas, podendo assim, ser um critrio para a incluso de determinada lngua no currculo escolar [...] Em comunidades indgenas e comunidades de surdos, nas quais a lngua materna
no o portugus, justifica-se o ensino de Lngua Portuguesa como segunda lngua. (PCN - MEC, 1998, p. 23).
22
Desse modo, o que normalmente acontece nesse contexto pedaggico que os
estudantes surdos, sobretudo na escolarizao inicial, no dominam a lngua oral, e os
professores, por sua vez, no so usurios efetivos da Libras. No entanto, alguns professores
se dispem a aprender a Libras (pelo menos, no contexto de escolas ou salas especiais), mas
focalizando correspondncias de vocabulrio entre sinais e palavra falada (Lngua
Portuguesa), numa busca de incorporao de itens lexicais, sem explorao do uso das regras
de enunciao naquela lngua.
Os estudantes surdos, ento, iniciam o processo de aprendizagem da Libras (L1); no
entanto, alguns autores conceituam-na como lngua materna (LM), tal qual estrangeiros que
aprendem a Lngua Portuguesa na modalidade escrita como L2. Vygotsky (1987) esclarece a
importncia da LM para o aprendizado de uma lngua estrangeira (LE), no sentido de que as
crianas transferem para a nova lngua todo o conhecimento que possuem da primeira lngua e
que o contrrio ocorre da mesma forma, pois a lngua estrangeira pode contribuir tambm no
aprendizado da lngua materna. Contudo, o aprendizado dessa nova lngua depende,
fundamentalmente, da maturidade em relao lngua materna.
Nessa perspectiva, para Vygotsky (2002) a lngua o mecanismo que possibilita a
comunicao entre os seres humanos, sendo construda historicamente, e a lngua escrita
constitui-se por sistema de signos que identificam as palavras da lngua oral.
1.2 AQUISIO E APRENDIZAGEM DAS LNGUAS
1.2.1 Aquisio X aprendizagem: aspectos tericos
Os termos aquisio e aprendizagem, muitas vezes, so confundidos como sinnimos,
entretanto, diferem-se de modo considervel, pois apresentam acepes, origem e finalidades
diferentes, podendo, contudo, ocorrer simultaneamente. Em primeiro lugar, a aquisio
remete ao processo em que o aprendiz desenvolve sua lngua materna, ou seja, a sua L1 de
forma natural, objetivando apenas a comunicao com sua comunidade e famlia.
Segundo Schtz (2006), o termo aquisio entendido como um processo de
assimilao natural, subconsciente, e que se efetiva em situaes reais de atividades dirias,
atravs do contato com usurios dessa lngua. Portanto, o aprendiz um ser ativo que
compreende e se faz compreender pelas outras pessoas, mesmo sem frequentar escolas. J
Akerberg (2006) utiliza a metfora do mercado ou feira para exemplificar o termo aquisio,
23
uma vez que esta acontece pelo contato direto entre seus falantes, de forma espontnea, sem
finalidades didticas.
Nesse sentido, a aquisio est relacionada ao contato lingustico e imerso direta
com a lngua, mas no somente com a lngua materna, por exemplo: pessoas que fazem parte
de programas de intercmbio cultural podem atingir um grau de fluncia na lngua estrangeira
prximo ao da lngua materna, mas sem conhecimento terico do novo idioma e o utilizam
intuitivamente pelo contato com a comunidade nativa. Logo, o termo remete ao fato do
aprendiz no ter a preocupao de internalizar as regras gramaticais da lngua, sendo seu
nico objetivo a comunicao; nesse caso, o aprendiz encontra-se totalmente imerso no
ambiente lingustico.
J a aprendizagem ocorre de forma consciente e sistemtica, por meio de um estudo
formal, sendo necessrio conhecer as regras e a gramtica da nova lngua, exigindo esforo e
dedicao. Para Schtz (2006), a aprendizagem de uma lngua relaciona-se mais com a
abordagem de ensino formal que acontece nas escolas, tanto nas escolas regulares quanto nos
cursos de lnguas, onde o aprendiz deve sistematizar a estrutura gramatical e as regras do
novo idioma, por esforos intelectuais e capacidade dedutivo-lgica, e por intermdio de um
planejamento didtico, com atividades elaboradas previamente. Em relao ao conceito de
aprendizagem, Akerberg (2006) utiliza a metfora do claustrodo: o estudo em um lugar
fechado com o objetivo de instruo, sendo esta baseada na exposio de materiais
lingusticos e atividades programadas ou provocadas com finalidades didticas.
O conceito de aprendizagem vincula-se ao conhecimento consciente de uma L2, a
partir de estudos, de atividades planejadas e sistemticas, com nfase em regras gramaticais,
ou seja, de modo formal, demandando tempo e empenho. Entretanto, esse processo no est
condicionado somente ao ensino de uma nova lngua, pois decorre de vrias outras questes,
envolvendo fundamentalmente os desenvolvimentos lingustico, cognitivo, psicolgico e
social; por conseguinte, a aprendizagem de uma lngua no deve ser estanque, fora de um
contexto.
1.2.2 Aprendizagem da lngua e suas concepes
A aprendizagem de uma lngua envolve diversas definies, pois, no decorrer da
histria, vrios pesquisadores procuraram embasamento terico para explicar como o
indivduo aprende uma lngua e suas implicaes para o ensino. Baseadas nos estudos
24
lingusticos, a seguir sero apresentadas trs principais concepes, que norteiam a
aprendizagem de uma lngua:
- como expresso do pensamento;
- como instrumento de comunicao;
- como forma ou processo de interao.
1.2.2.1 Lngua como expresso do pensamento
Na concepo de lngua como manifestao do pensamento humano, a expresso
exterior origina-se da interior, sendo organizada de maneira lgica. Nesse contexto
lingustico, Koch (2002) explica que a lngua se caracteriza individualmente, portanto, o
sujeito detentor de sua fala e de suas aes.
Assim, a lngua elaborada mentalmente por toda pessoa, independente dos aspectos
culturais, sociais ou histricos, pois compreendida como um sistema de normas, sem
interao com as questes sociais, considerando apenas a norma culta e ignorando, por
completo, as outras formas de uso da lngua, desprezando o seu uso cotidiano.
1.2.2.2 Lngua como instrumento de comunicao
Segundo Geraldi (1997), a concepo da lngua como instrumento de comunicao
um sistema organizado de signos, que servem como meio de comunicao. Assim, esse
sistema estruturado por regras e possibilita ao emissor transmitir a mensagem desejada ao
receptor, desde que os dois envolvidos nesse ato a compreendam.
Linguistas, como Ferdinand de Saussure e Noam Chomsky, respaldaram essa
concepo. Saussure, no livro Curso de Lingustica Geral (2006), considerava a lngua como
um sistema abstrato, homogneo, uma realidade psquica e uma instituio social, e que, por
no ser propriedade do indivduo, no h possibilidade que esse a modifique. J Chomsky
(2002), por sua vez, discorda do estruturalismo pela falta de criatividade na linguagem; para
ele, o locutor-ouvinte gera e interpreta um nmero infinito de frases (gerativismo),
consequentemente, entendendo a lngua em uma concepo mais dinmica que Saussure.
Orlandi (1986, p. 48) pontua que os recortes e excluses feitos por Saussure e por Chomsky
deixam de lado a situao real de uso (a fala, em um, e o desempenho, no outro) para ficar
25
com o que virtual e abstrato (a lngua e a competncia). Assim, o contexto social, para eles,
no relevante, uma vez que no reconhecem as condies de produo da fala.
1.2.2.3 Lngua como forma ou processo de interao
Para Travaglia (1997), nessa concepo da lngua como forma ou processo de
interao, o indivduo no apenas traduz informaes, mas pode agir e atuar sobre o
interlocutor, de forma ampla. Portanto, nessa perspectiva, a lngua manifesta-se a partir das
relaes sociais, correspondendo lingustica da enunciao: Lingustica Textual, Teoria do
Discurso, Anlise do Discurso, Anlise da Conversao, Semntica Argumentativa e todos os
estudos ligados Pragmtica.
Para Bakhtin (1997), as concepes da lingustica limitam a linguagem a um sistema
abstrato ou de enunciao monolgica; a conscincia lingustica, tanto do leitor quanto do
receptor, no se apresenta como sistema abstrato de formas normativas, uma vez que
indissocivel de seu contedo ideolgico, pois se constitui como fenmeno social atravs do
dilogo; assim, todo enunciado apresenta um destinatrio.
Desse modo, essa concepo da lngua compreendida a partir de um processo scio-
histrico, caracterizando-se por meio de sua ao social. Os indivduos so partes de uma
sociedade e, assim, participam ativamente de todas as situaes, ou seja, so construtores
sociais, agindo e reagindo a cada estmulo provocado, a partir das novas representaes, sem
as quais a comunicao deixaria de existir.
1.3 INTERLNGUA
Na dcada de setenta, Selinker (1972) definiu como interlngua a fase que os
aprendizes de uma segunda lngua perpassam, a partir de sua primeira lngua, at atingir a
fluncia de uma nova lngua. O processo de interlngua constitui-se por um sistema
transitrio, utilizado pelo aprendiz no perodo de aprendizagem de uma segunda lngua.
Carvalho e Silva (2011) apresentam o conceito de interlngua como:
Etapas de gramticas construdas pelo indivduo no processo de aquisio de uma
lngua alvo, primeiramente sugerido por Selinker (1972), constitui uma ferramenta
conceitual de grande utilidade ao campo de ensino de lngua estrangeira, uma vez
que elucida o objetivo deste, ou seja, o de diminuir a distncia entre a variedade
produzida pelo aprendiz e a produzida por um falante nativo da lngua alvo.
(CARVALHO; SILVA, 2011, p. 01).
26
Desse modo, o processo de interlngua caracteriza-se pela interposio dos aspectos da
L1 para a L2, criado pelo prprio aprendiz, ao longo da aprendizagem, ou melhor, pode ser
determinado pela interferncia de caractersticas lingusticas da L1, havendo a utilizao de
estruturas intermedirias entre as duas lnguas em questo. Assim, o aprendiz mistura as
estruturas gramaticais, os aspectos sintticos, os fonolgicos, os semnticos e os lexicais,
procurando ajustar os conhecimentos, j consolidados na L1, para os novos conhecimentos
adquiridos na L2.
Brabo (2001) salienta que a interlngua torna-se uma competncia lingustico-
comunicativa com existncia de regras prprias, transpassando os seguintes perodos:
variabilidade, regresses, instabilidades e possveis fossilizaes, at o seu estgio final. Mas
importante destacar que tal perodo apresenta duas marcas contraditrias, sendo: a primeira
a sistematicidade (conjunto de regras de toda lngua) e a segunda a variabilidade (os estgios
seguem hipteses sistemticas).
O processo de interlngua ocorre no decurso da aprendizagem de outra lngua que no
seja a sua primeira lngua; distingue-se pela interferncia da L1, perpassando por diferentes
nveis at ascender fluncia em outra lngua. O aprendiz procura elementos conhecidos em
sua primeira lngua para encontrar bases significativas para a outra lngua, ou seja, realiza a
estabilizao do processo.
Para Chan Vianna (2008), os padres utilizados durante o processo de aquisio da L2
no so resultados de analogias decorrentes dos conhecimentos encontrados na L1. Nesse
sentido, a interlngua organiza-se a partir de sequncias de operaes mentais, de
estruturaes de ideias, de articulaes de sons, de sinais ou palavras novas.
Portanto, o processo de interlngua forma-se a partir de um sistema lingustico
elaborado mentalmente, com influncias de maior ou menor grau da L1, ocorrendo durante a
aprendizagem de qualquer lngua estrangeira, independente da modalidade (oral ou
sinalizada), evoluindo em etapas cada vez mais complexas. Esse processo transitrio, pois o
aprendiz constri e reconstri hipteses, medida que aumenta o seu conhecimento da L2.
Assim, a aprendizagem altera-se constantemente, a partir dos inputs recebidos e das
estratgias desenvolvidas para justificar cada hiptese surgida. Nessa perspectiva, o erro
visto como mais uma estratgia para se chegar aprendizagem da L2.
27
1.3.1 Interlngua e o surdo
No aprendizado da Lngua Portuguesa como modalidade escrita, o surdo perpassa pelo
mesmo processo de interlngua que o ouvinte na modalidade oral, desde que este possua
fluncia ou, no mnimo, a suficincia na L1 e, assim, possa realizar representaes mentais
exigidas pelos conhecimentos. Nesse sentido, Fernandes (2006) considera que o
desenvolvimento da lngua escrita, tanto pelo surdo quanto pelo ouvinte, est atrelado ao
domnio dos aspectos funcional, lexical e gramatical, explcitos ou implcitos, que possuem. O
confronto de modalidades natural, durante o aprendizado, principalmente, no caso dos
surdos como aprendizes de uma segunda lngua dentro do prprio pas. So os conflitos
diglssicos caracterizados pelas relaes existentes no mesmo espao scio geogrfico.
Assim, Chan Vianna (2008) retrata o processo de interlngua:
Embora a situao em que os surdos aprendem uma lngua oral seja diferente da
situao das crianas ouvintes que a aprendem como uma primeira lngua ou a de
estudantes ouvintes que aprendem uma lngua como segunda lngua, Lillo-Martin
(1998) ressalta que h padres comuns nos dados obtidos em tarefas de produo e
compreenso escrita de crianas, em fase escolar, surdas e ouvintes. Os estudantes
surdos cometem mais equvocos do que os estudantes ouvintes, porm estes desvios
no violam os princpios da GU, conforme a autora, o comportamento dos
aprendizes surdos difere do comportamento dos ouvintes na marcao no
convergente de parmetros e alguns padres no convergentes refletem a fixao de
parmetros da lngua de sinais. (CHAN VIANNA, 2008, p. 67).
Pesquisadores afirmam que o processo de interlngua pode ser subdividido em alguns
estgios intermedirios. Desse modo, para os surdos, a aprendizagem da Lngua Portuguesa
na modalidade escrita reflete as estruturas lingusticas apresentadas na lngua de sinais e as
representadas pela Lngua Portuguesa. Em conformidade, Quadros e Schmiedt (2006)
ressaltam que:
A segunda lngua apresentar vrios estgios de interlngua, isto , no processo de
aquisio do portugus, as crianas surdas apresentaro um sistema que no mais
representa a primeira lngua, mas ainda no representa a lngua alvo. Apesar disso,
estes estgios da interlngua apresentam caractersticas de um sistema lingustico
com regras prprias e vai em direo segunda lngua. A interlngua no catica e
desorganizada, mas apresenta sim hipteses e regras que comeam a delinear outra
lngua que j no mais a primeira lngua daquele que est no processo de aquisio
da segunda lngua. (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 34).
28
Pesquisas confirmam a importncia que o modelo de desempenho representa para o
aprendiz de uma nova lngua. Tal interferncia apresenta-se em maior ou menor grau, durante
o perodo de interlngua; no caso dos surdos, tais modelos so representados pelos professores
surdos ou ouvintes fluentes em Libras, e instrutores mediadores.
De acordo com Brochado (2003), no decorrer dos estgios de interlngua, alm de
fatores externos, como a competncia dos profissionais, metodologia, materiais adequados e
qualidade de input da L2, os surdos utilizam estratgias de transferncia da L1 para L2, como
a simplificao, a hipergeneralizao e a transferncia de instruo.
1.3.2 Nveis de interlngua
Uyeno, Cavallari e Mascia (2014) reforam que a estrutura do pensamento dos surdos
se efetiva a partir da ordem da Libras, visto que sua primeira lngua. Portanto, a produo
escrita, ou seja, a sua segunda lngua dever ser analisada dentro da perspectiva da fala de um
estrangeiro em seu prprio pas.
Brochado (2003) descreve trs nveis de interlngua apresentados em produes
escritas, realizadas por alunos surdos, a saber:
INTERLNGUA I (IL1)
Nesse estgio, observamos o emprego predominante de estratgias de transferncia
da lngua de sinais (L1) para a escrita da Lngua Portuguesa (L2) desses
informantes, caracterizando-se por:
- predomnio de construes frasais sintticas;
- estrutura de frase muito semelhante Lngua de Sinais Brasileira (L1),
apresentando poucas caractersticas do Portugus (L2);
- aparecimento de construes de frases na ordem SVO, mas maior quantidade de
construes tipo tpico-comentrio;
- predomnio de palavras de contedo (substantivos, adjetivos, verbos);
- falta ou inadequao de elementos funcionais (artigos, preposio, conjuno);
- usar verbos, preferencialmente, no infinitivo;
- empregar raramente verbos de ligao (ser, estar, ficar), e, s vezes,
incorretamente;
- usar construes de frase tipo tpico-comentrio, em quantidade,
proporcionalmente maior, no estgio inicial da apropriao da L2;
- falta de flexo dos nomes em gnero, nmero e grau;
- pouca flexo verbal em pessoa, tempo e modo;
- falta de marcas morfolgicas;
- uso de artigos, s vezes, sem adequao quanto ao uso;
- pouco emprego de preposio e/ou de forma inadequada;
- pouco uso de conjuno e sem consistncia;
- semanticamente, possvel estabelecer sentido para o texto.
INTERLNGUA II (IL2)
Nesse estgio constatamos na escrita de alguns alunos uma intensa mescla das duas
lnguas, em que se observa o emprego de estruturas lingusticas da Lngua de Sinais
Brasileira e o uso indiscriminado de elementos da Lngua Portuguesa, na tentativa
29
de apropriar-se da lngua alvo. Emprego, muitas vezes, desordenado de constituintes
da L1 e L2, como se pode notar:
- justaposio intensa de elementos da L1 e da L2;
- estrutura da frase ora com caractersticas da Lngua de Sinais Brasileira, ora com
caractersticas da frase do Portugus;
- frases e palavras justapostas confusas, no resultam em efeito de sentido
comunicativo;
- emprego de verbos no infinitivo e tambm flexionados;
- emprego de palavras de contedo (substantivos, adjetivos e verbos);
- s vezes, emprego de verbos de ligao com correo;
- emprego de elementos funcionais, predominantemente, de modo inadequado;
- emprego de artigos, algumas vezes concordando com os nomes que acompanham;
- uso de algumas preposies, nem sempre adequado;
- uso de conjunes, quase sempre inadequado;
- insero de muitos elementos do Portugus, numa sintaxe indefinida;
- muitas vezes, no se consegue apreender o sentido do texto, parcialmente ou
totalmente, sem o apoio do conhecimento anterior da histria ou do fato narrado.
INTERLNGUA III (IL3)
Nesse estgio, os alunos demonstraram na sua escrita o emprego predominante da
gramtica da Lngua Portuguesa em todos os nveis, principalmente, no sinttico.
Definindo-se pelo aparecimento de um nmero maior de frases na ordem SVO e de
estruturas complexas, caracterizam-se por apresentar:
- estrutura da frase na ordem direta do Portugus;
- predomnio de estruturas frasais SVO;
- aparecimento maior de estruturas complexas;
- emprego maior de palavras funcionais (artigos, preposio, conjuno);
- categorias funcionais empregadas, predominantemente, com adequao;
- uso consistente de artigos definidos e, algumas vezes, do indefinido;
- uso de preposies com mais acertos;
- uso de algumas conjunes coordenativas aditiva (e), alternativa(ou), adversativa
(mas), alm das subordinativas condicional (se), causal e explicativa (porque),
pronome relativo (que) e integrante (que);
- flexo dos nomes, com consistncia;
- flexo verbal, com maior adequao;
- marcas morfolgicas de desinncias nominais de gnero e de nmero;
- desinncias verbais de pessoa (1 e 3 pessoas), de nmero (1 e 3 pessoas do
singular e 1 pessoa do plural) e de tempo (presente e pretrito perfeito), com
consistncia;
- emprego de verbos de ligao ser, estar e ficar com maior frequncia e correo.
(BROCHADO, 2003, p. 308-310).
importante ressaltar que a aprendizagem da Lngua Portuguesa na modalidade
escrita, bem como o uso de categorias gramaticais e grau mais elevado, em relao aos nveis
de interlngua, dependem do tempo de aprendizagem que o estudante tem dessa segunda
lngua.
30
1.4 LNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS E LNGUA PORTUGUESA NA
MODALIDADE ESCRITA
1.4.1 Lngua Brasileira de Sinais - Libras
Com relao s lnguas de sinais, Quadros (2004) refora a ideia de no ser um
problema do surdo ou uma doena, mas o conceito considerado pela lingustica. As lnguas
naturais so e fazem parte de um sistema lingustico, balizado por leis, com normas e
caractersticas especficas.
Para Ferreira Brito (1995), a Libras uma lngua, pois:
[...] uma lngua natural com toda a complexidade que os sistemas lingusticos que
servem comunicao e de suporte de pensamento s pessoas dotadas da faculdade
de linguagem possuem. uma lngua natural surgida entre os surdos brasileiros da
mesma forma que o Portugus, o Ingls, o Francs, etc. surgiram ou se derivaram de
outras lnguas para servir aos propsitos lingusticos daqueles que as usam.
(FERREIRA BRITO, 1995, p. 11).
Assim, segundo a autora, a Libras considerada uma lngua natural, com o objetivo
de servir s necessidades lingusticas de seus usurios: a comunicao. Por apresentar
complexidade, serve como suporte para a formao e a estruturao do pensamento,
preenchendo as mesmas funes que a linguagem falada tem para os ouvintes.
Como ocorre com crianas ouvintes, espera-se que a lngua de sinais seja adquirida na
interao com usurios fluentes dessa lngua, envolvendo as crianas surdas em prticas
discursivas e interpretando os enunciados produzidos por elas, inserindo-se em seu
funcionamento. Segundo Ferreira Brito (1995), a Libras constituda a partir de parmetros
que se combinam entre si: configurao das mos (CM), movimento (M), ponto de articulao
(PA), orientao (O) e expresso facial e/ou corporal (EF/C)3.
Historicamente, os surdos perpassaram por diferentes prticas comunicativas, como por
exemplo: o bimodalismo, no qual a lngua de sinais era subjugada lngua oral. Lodi (2005)
descreve que:
lngua de sinais foram aplicadas foras lingusticas coercitivas, para aproxim-la
ao mximo da gramtica da lngua nacional e, excluda de seus processos
discursivos, ela sofreu um tratamento como se estivesse morta: fizeram-lhe uma
3 CM: diferentes formas em que uma ou as duas mos seguem, durante a realizao de um sinal; no se restringe
somente ao uso do alfabeto manual.
M: envolvem formas e direo, a partir de movimentos.
PA: espao em frente ao corpo ou regio do corpo onde os sinais so produzidos.
O: Os sinais apresentam uma direo e, a inverso desta, pode significar sentido de oposio ou concordncia
nmero-pessoa. EF/C: os sinais apresentam, como trao diferenciador, tambm a expresso facial e/ou corporal.
31
anlise em unidades, recortaram seus itens lexicais para poder reorganiz-los e
mold-los s regras sintticas e morfolgicas da lngua nacional, imputando-lhes
flexes verbais e nominais. Com o isolamento das palavras dos contextos
discursivos determinantes de todo e qualquer processo de significao, buscou-se a
estabilizao dos sentidos dos sinais e, na justaposio de lnguas, um paralelismo
entre ambas. (LODI, 2005, p. 418).
Goldfeld (1997) revela que pesquisas demonstram que 90% dos bebs surdos nascem
em famlias no surdas e que permanecem, por muito tempo, apenas em contato com a lngua
oral. Tal fato costuma alterar-se somente quando a criana surda matriculada em um
estabelecimento educacional, mas, nesse perodo, as crianas deveriam estar em contato com
adultos surdos e fluentes em Libras para que, em aes articuladas com as famlias e
comunidade, pudessem participar de uma educao, de fato, bilngue.
Lodi, Rosa e Almeida (2012) destacam que a educao bilngue considera a
importncia dos estudantes surdos apropriarem-se da Libras como L1, por meio de
professores surdos e usurios dessa lngua, apresentando-se como modelos lingusticos e
assumindo lugares sociais na comunidade surda.
Quadros e Karnopp (2004) reiteraram as pesquisas de William C. Stokoe Jr. (estudioso
da Lngua Gestual Americana que, enquanto trabalhou na Universidade Gallaudet, nos
Estados Unidos, foi o primeiro estudioso a analisar as lnguas de sinais como estruturas
constitudas e, a partir desse pressuposto, a examinar suas partes constituintes) que constata,
nas lnguas de sinais, todos os requisitos necessrios de uma lngua, independente da sua
modalidade sinalizada.
Quadros e Cruz (2011) apresentam uma sntese de aquisio e desenvolvimento da
linguagem, que se aplica tanto lngua falada quanto lngua de sinais e, nessa perspectiva,
constatam que crianas surdas, que advm de uma comunidade que utiliza a Libras como L1,
ou seja, vivenciam experincias lingusticas com usurios da lngua de sinais de diferentes
faixas etrias, constituem-se em interlocutores efetivos nessa lngua. Em vista disso, as
autoras ressaltam que:
As investigaes delineadas at ento indicam que as crianas surdas, filhas de pais
surdos, adquirem as regras de sua gramtica de forma muito similar s crianas
ouvintes adquirindo lnguas faladas. Assim, na medida em que avanamos os
estudos, verificamos que a constituio da gramtica da criana independe das
variaes das lnguas e das modalidades que as lnguas se apresentam. (QUADROS;
CRUZ, 2011, p. 17-18).
Conforme discutido por Quadros e Karnopp (2004), os primeiros enunciados
construdos em Libras por crianas surdas caracterizam-se pela combinao de poucos sinais,
32
porm, seu ordenamento realizado com vistas ao estabelecimento de relaes gramaticais,
como sujeito-verbo (SV) ou verbo-objeto (VO) para, posteriormente, tornarem-se sujeito-
verbo-objeto (SVO).
Uyeno, Cavallari e Mascia (2014) esclarecem que os mecanismos na modalidade
escrita das lnguas orais e na de sinais so diferentes; assim, a organizao sinttica das frases
poder seguir a ordem OSV, OVS ou SVO; h a ausncia de verbos de ligao e verbos
auxiliares, artigos, preposies, conjugaes e pronomes relativos; h a ausncia tambm de
desinncia para gnero e nmero; e o tempo poder ser expresso por locativos temporais,
manifestados por relaes espaciais: passado, presente e futuro.
1.4.2 Poltica da Lngua: Bilinguismo na Educao de Surdos
Historicamente, as questes lingusticas relacionadas educao de surdos sempre
estiveram relacionadas s discusses nos mbitos polticos, culturais e sociais. As leis e
decretos, atualmente vigentes no Brasil, procuram garantir o direito dos surdos nas escolas,
desde a Educao Infantil at o Ensino Superior, reforando a importncia da Libras como L1
e da Lngua Portuguesa na modalidade escrita como L2.
Na dcada de oitenta, alguns marcos legais buscaram garantir os direitos dos surdos,
em relao escolarizao e lngua (L1 e L2), no pas. Assim, a partir da Constituio da
Repblica Federativa do Brasil (1988), da Declarao Mundial sobre Educao para Todos
(UNESCO, 1990) e da Declarao de Salamanca (UNESCO, 1994), vrios direitos das
pessoas com deficincia foram assegurados por leis. Outras determinaes tambm asseguram
os direitos, de forma mais ampla, garantindo os direitos sociais e educacionais, definindo os
princpios e as prticas educacionais da Educao Especial.
A Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educao - LDB expressa, em seu
Artigo 58, que: Entende-se por educao especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educao escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com
deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotao.
O Decreto 5.626/2005 regulamenta a Lei n 10.436/2002, e o artigo 2 conceitua
surdo como:
Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda quela que, por ter perda
auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experincias visuais,
manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Lngua Brasileira de Sinais -
Libras.
33
Pargrafo nico - Considera-se deficincia auditiva a perda bilateral, parcial ou total,
de quarenta e um decibis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequncias de
500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
O Decreto 5.626/2005 conceitua o surdo a partir de perda bilateral de audio e como
aquele que se comunica por meio da Libras, mas importante ressaltar outros critrios
preponderantes, quando pensamos na pessoa surda, por exemplo: as questes de sua histria,
de sua lngua, de sua identidade e de sua cultura.
A Lei n. 9.394/1996, artigo 27, inciso III, dispe sobre o Atendimento Educacional
Especializado AEE para os estudantes e o inciso IV, sobre a educao bilngue:
III - o projeto pedaggico que institucionalize o atendimento educacional
especializado, assim como os demais servios e adaptaes razoveis, para atender
s caractersticas dos estudantes com deficincia e garantir o seu pleno acesso ao
currculo em condies de igualdade, promovendo a conquista e o exerccio de sua
autonomia;
IV - oferta de educao bilngue, em Libras como primeira lngua e na modalidade
escrita da lngua portuguesa como segunda lngua, em escolas e classes bilngues e
em escolas inclusivas.
A proposta de educao bilngue apresenta o surdo como participante de duas prticas
lingusticas bem diferentes, comeando pela modalidade (sinalizada e escrita). Assim, o surdo
deixa de se adequar realidade do ouvinte e entender a surdez como uma deficincia,
passando a assumi-la, assim, como parte importante na construo de sua identidade como
pessoa, tendo seus direitos e deveres resguardados pelas leis vigentes no pas.
A Lei 10.436/ 2002, artigo 22, inciso II, concebe escolas bilngues da seguinte
maneira:
Escolas bilngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos
surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino mdio ou
educao profissional, com docentes das diferentes reas do conhecimento, cientes
da singularidade lingustica dos alunos4 surdos, bem como com a presena de
tradutores e intrpretes de Libras - Lngua Portuguesa.
O Decreto n 5.626/2005, artigo 14, pargrafo 1, estabelece critrios para a realizao
da avaliao com estudante surdo:
VI - adotar mecanismos de avaliao coerentes com aprendizado de segunda lngua,
na correo das provas escritas, valorizando o aspecto semntico e reconhecendo a
singularidade lingustica manifestada no aspecto formal da Lngua Portuguesa;
4 Nesse trabalho, o termo utilizado estudante.
34
VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliao de
conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vdeo
ou em outros meios eletrnicos e tecnolgicos.
As escolas bilngues objetivam o ensino a partir da singularidade lingustica, e no
apenas a garantia da presena do tradutor intrprete de Libras nas salas de aula, pois o
trabalho exige uma pedagogia visual que favorea questes pertinentes ao ensino e
aprendizagem dos estudantes surdos. Portanto, nesse contexto educacional, sobressaem-se
todas as aes inerentes ao trabalho com o estudante surdo, visando qualidade de ensino,
como por exemplo: ensino e uso constante das duas lnguas, formao dos profissionais
envolvidos, avaliao dos contedos, entre outros.
A Lei 12.319/2010, artigo 2, regulamenta a profisso de tradutor intrprete de Libras
ao determinar que: O tradutor e intrprete ter competncia para realizar interpretao das 2
(duas) lnguas de maneira simultnea ou consecutiva, e proficincia em traduo e
interpretao da Libras e da Lngua Portuguesa.
fundamental partirmos dessa premissa, em relao aos direitos dos surdos, para
aprofundarmos os debates em relao poltica lingustica, garantindo uma educao com
aes pedaggicas voltadas para as questes lingustico/culturais, e no somente para a
deficincia; ou seja, uma nova relao da pessoa surda e de sua identidade cultural.
1.4.2.1 Libras: legislao
A Lei n. 13.146/2015 institui a Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia
(Estatuto da Pessoa com Deficincia), no artigo 2, inciso IX, discorre sobre a comunicao:
Forma de interao dos cidados que abrange, entre outras opes, as lnguas,
inclusive a Lngua Brasileira de Sinais (Libras), a visualizao de textos, o Braille, o
sistema de sinalizao ou de comunicao ttil, os caracteres ampliados, os
dispositivos multimdia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas
auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos
aumentativos e alternativos de comunicao, incluindo as tecnologias da informao
e das comunicaes.
O processo de incluso tem como base a comunicao e a expresso, pois o ser
humano necessita expor seus sentimentos e pensamentos, trocar experincias e interagir no
seu grupo social. Assim, diferentes formas de comunicao (oral, escrita, sinalizada,
computadorizada, ilustrada e outras) so criadas e atualizadas, constantemente, buscando
facilitar cada vez mais as relaes sociais e o aprendizado das pessoas com deficincia. No
35
caso das pessoas surdas, no Brasil, a Lei 10.436/2002, artigo 1, compreende a Libras como
meio legal de comunicao:
Art. 1 - reconhecida, como meio legal de comunicao e expresso, a Lngua
Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expresso a ela associados.
Pargrafo nico - Entende-se como Lngua Brasileira de Sinais - Libras a forma de
comunicao e expresso, em que o sistema lingustico de natureza visual-motora,
com estrutura gramatical prpria, constitui um sistema lingustico de transmisso de
ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
O Decreto n 5.626/2005 regulamenta a Lei no 10.436/2002, que dispe sobre a Lngua
Brasileira de Sinais Libras, assim como o artigo 18, da Lei no 10.098/2000. Tais
dispositivos legais objetivam garantir no somente o acesso do surdo, mas tambm a incluso
de forma plena. Assim, o estudante surdo tem a lei como um grande aliado para a
consolidao de seus diretos.
1.4.2.2 Libras Histrico
Desde a Antiguidade, h registros de casos de surdez; no entanto, no se sabe precisar
quando as lnguas de sinais iniciaram. Somente no sculo XVI foram organizadas as primeiras
instituies especializadas na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos. O agrupamento
dos surdos nas instituies facilitou a sistematizao dos sinais, originando a Lngua de Sinais
Francesa (Langue des Signes Franaise LSF), sendo esta a primeira lngua de sinais do
mundo. A colonizao europeia possibilitou a sua disseminao e a Lngua de Sinais Francesa
fundamentou a formao das lnguas de sinais em diferentes pases.
A lngua de sinais, como qualquer outra lngua, a manifestao lingustica e social de
um grupo, difere de pas para pas, apresenta variaes regionais, possui gramtica prpria e
perpassa de gerao em gerao, perpetuando-se.
No Brasil, foi introduzida pelo professor surdo francs Eduard Huet, no Rio de
Janeiro, no sculo XIX, na primeira escola de surdos brasileira, atualmente Instituto Nacional
de Educao de Surdos INES, em 26 de setembro de 1857. Esta data foi escolhida,
nacionalmente, para comemorar o dia do surdo. Por meio de vrios movimentos, discusses e
pesquisas, no ano de 1993, um projeto de lei comeou a ser discutido para a regulamentao
e, somente no ano de 2002, a Libras foi reconhecida atravs da Lei n 10.436/2002, em
vigncia, no Brasil.
36
1.4.3 Como ocorre a aprendizagem da Lngua de Sinais e da Lngua Portuguesa pelo surdo?
Como exposto anteriormente, a lngua essencial para os seres humanos. A
comunicao faz parte de nossa vida e est presente em todos os momentos. No caso dos
surdos, a Libras L1 fundamental, para que os surdos sejam proficientes para a manuteno
e atualizao de sua prpria lngua, no decorrer do tempo. Durante o processo de
aprendizagem da L2, os aprendizes utilizam o seu conhecimento da L1 e o seu conhecimento
de mundo, a respeito do tema a ser discutido ou ensinado. Para tanto, fundamental que os
surdos sejam fluentes em sua L1, para que possam iniciar a aprendizagem de novas lnguas.
No ensino da leitura e escrita, de acordo com Quadros (1997), para os surdos usurios
da Libras como L1, no h a associao entre sons e sinais grficos; portanto, a lngua escrita
dever ser ensinada visualmente, uma vez que os sinais grficos so, por completo, abstratos
para quem no consegue ouvir seus sons e entonaes. Tanto para estudantes surdos quanto
para estudantes ouvintes, o ato de escrever necessita ser objetivo, claro e, principalmente, ter
significado. Somente haver apropriao do sistema de escrita, se os estudantes surdos
participarem, ativamente, nas atividades de leitura e escrita, ou seja, necessrio que essa
prtica faa sentido, para que possam realmente envolver-se no universo do letramento5.
Assim, a aprendizagem da Lngua Portuguesa pelos estudantes surdos depende das
estratgias utilizadas, durante todo o processo de ensino. Desse modo, a aprendizagem da
produo textual, em L2, dever estar ligada, ter conexes, com as experincias vivenciadas
pelos surdos em sua L1, estabelecendo assim, efetivamente, relaes lingusticas. Fernndez
(2004) destaca que a relao entre as duas lnguas inevitvel, pois o conhecimento em L1
facilitar a aprendizagem na L2.
Em relao aos textos produzidos pelos estudantes surdos, os Parmetros Curriculares
Nacionais de Lngua Portuguesa PCNs (1998) propem que ocorra uma avaliao
diferenciada, ou seja, respeitando a interferncia dos aspectos estruturais da lngua de sinais,
uma vez que, durante a correo dos textos escritos a partir da perspectiva de uma L2,
fundamental que o professor analise as especificidades lingusticas apresentadas.
A utilizao da lingustica contrastiva defendida por Quadros (1997) como uma
forma de trabalhar com o conhecimento explcito, no ensino de lnguas, e envolve a
comparao entre duas ou mais lnguas quanto aos nveis fonolgico, semntico/pragmtico, 5 Para Magda Soares (2003), a traduo para o portugus da palavra inglesa literacy que, etimologicamente,
se origina da forma latina littera, cujo significado letra. Ao latim littera foi adicionado o sufixo -cy, que expressa estado ou condio, para formar o vocbulo ingls literacy. Parece que, do mesmo modo, se fez em portugus, ou seja, ao radical letra- foi acrescentado o sufixo -mento, formando assim, a nova palavra.
37
morfolgico e sinttico. A utilizao da lingustica contrastiva a metodologia sugerida
apenas para ensino da Lngua Portuguesa, para surdos adolescentes e adultos, mas no para o
ensino de crianas, pois trabalha com o conhecimento explcito das lnguas. Assim, durante o
processo de aprendizagem da Lngua de Sinais e da Lngua Portuguesa na modalidade escrita,
os surdos baseiam-se nos significados de sua L1, para compreenderem as relaes lingusticas
na aprendizagem da L2, pois as duas lnguas no se desprendem completamente e os usurios,
sempre que possvel, buscam pontos em comum entre elas para a elaborao lingustica.
importante que o professor, mesmo com o apoio de profissional tradutor intrprete de Libras,
tenha o mnimo de conhecimentos em L1 e L2, para favorecer o desenvolvimento do processo
de aprendizagem dos estudantes surdos.
1.4.4 O processo de aprendizagem da escrita L2 por surdos
O processo de aprendizagem da escrita como L2 para os surdos no acontece da
mesma forma que para os ouvintes, pois a lngua que os surdos utilizam no a mesma
utilizada na escrita, tanto na estrutura quanto na modalidade6. A aprendizagem de uma nova
lngua, independente da modalidade, perpassa por diferentes etapas, como a construo de
hipteses e relaes de significao.
Ferreiro (1996) e Ferreiro e Teberosky (1985) pesquisaram e identificaram estgios de
evoluo da escrita com estudantes ouvintes, os quais foram caracterizados em quatro grandes
nveis: Pr-Silbico, Silbico, Silbico-Alfabtico e Alfabtico. Entretanto, com os estudantes
surdos, esses perodos no so identificados, pois os estgios dos ouvintes se correlacionam
com som e grafia, e so baseados em uma lngua oral-auditiva; para os surdos, a
aprendizagem da escrita corresponde apreenso de uma segunda lngua, pois estruturam seu
aprendizado, conforme a estrutura da lngua de sinais. Portanto, estudantes surdos e ouvintes
perpassam por diferentes etapas no processo de aprendizagem da escrita, devido s diferenas
nas modalidades das lnguas.
Para Snchez (2002), o termo alfabetizao, por relacionar-se diretamente com letras e
sons, no suficiente para efetivar o sucesso, durante o ensino da lngua escrita para os
surdos, mas sim o termo letramento, baseado na lngua de sinais, ao aprenderem a L2 na
modalidade escrita. Fernandes (2006) esclarece que o desenvolvimento da lngua escrita, seja
6 A Lngua Portuguesa se apresenta na modalidade oral e Libras, na modalidade visomotora.
38
para os surdos ou para os ouvintes, implica no domnio de trs distintos aspectos: o funcional,
o lexical e o gramatical, explcitos ou implcitos na organizao textual.
A lngua de sinais estabelece a base lingustica e o estabelecimento dos aspectos
citados acima, pois, para Fernandes (2006, p. 14): Sem sua mediao, os alunos no podero
compreender as relaes textuais na segunda lngua, j que necessitam perceber o que igual
e o que diferente entre sua primeira lngua e a lngua que esto aprendendo. Para tanto,
imprescindvel ter bases slidas e conhecimento de mundo na L1.
Quadros (1997) salienta que a aprendizagem da escrita, como L2 para os surdos,
relaciona-se com os tipos de conhecimentos envolvidos no processo de ensino: o
conhecimento explcito e o conhecimento implcito. Assim, o conhecimento explcito
(consciente, dedutivo) fomentado na escola e combinado com a aprendizagem implcita
(inconsciente, indutiva) da lngua, envolvendo os processos de percepo, de comparao e de
integrao. A partir desses conhecimentos, surgem os nveis de pr-escrita (planejamento ou a
preparao para a escrita), de escrita (transposio de ideias para o papel, por meio de
smbolos grficos) e de reescrita (processo de reelaborao). Portanto, para o bom
desenvolvimentos desses nveis, so necessrios e relevantes, em primeiro lugar, o acesso
sua L1, o ambiente, o tipo de interao (input, output e feedback), a idade, as estratgias e
estilos de aprendizagem, os fatores emocionais e sociais, e a motivao dos alunos.
Assim, os estudantes fluentes na L1 tero mais facilidade em aprender a L2. Desse
modo, em muitos casos, os surdos, filhos de pais surdos, por serem fluentes na Libras, esto
mais preparados para a aprendizagem da Lngua Portuguesa na modalidade escrita,
apresentando bom desempenho na leitura e na escrita.
De acordo com os PCNs de Lngua Portuguesa (1998), para que a aprendizagem da
lngua escrita ocorra, h a necessidade de um ambiente que estimule os estudantes
permanentemente, com prticas envolventes, para que possam manipular a ortografia da
lngua, uma vez que:
[...] a atividade realizada pode ter sido muito interessante, mas no ter permitido a
apropriao do contedo e, nesse caso, os resultados podem no ser satisfatrios; os
contedos selecionados podem no corresponder s necessidades dos alunos ou porque se referem a aspectos que j fazem parte de seu repertrio, ou porque
pressupem o domnio de procedimentos ou de outros contedos que no tenham,
ainda, se constitudo para o aprendiz , de modo que a realizao das atividades pouco contribuir para o desenvolvimento das capacidades pretendidas. (BRASIL,
1998, p. 77).
39
Nesse sentido, observamos que os estudantes surdos encontram muitas dificuldades na
produo escrita, visto que a Lngua Portuguesa representa a L2 e, de acordo com Fernandes
(2009), as dificuldades encontradas pelos surdos, durante o processo de aprendizagem da
Lngua Portuguesa, decorrem dos mtodos de ensino e do fato de desconhecerem tal lngua.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (1996) define, no Art. 22, como
objetivo da disciplina de Lngua Portuguesa na educao bsica, desenvolver o educando,
assegurando-lhe formao indispensvel para o exerccio da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos superiores. J em seu Art. 26, no pargrafo 1,
dispe sobre a obrigatoriedade do estudo da Lngua Portuguesa, na perspectiva de entender o
idioma como objetivo de conhecimento em expresso escrita, pois o aluno necessita desse
domnio, em diferentes graus, para interagir em sociedade.
De acordo com os PCNs de Lngua Portuguesa (1998), a linguagem uma atividade
discursiva7, o texto uma unidade de ensino e a gramtica o conhecimento que o falante
tem de sua linguagem. Portanto, o ensino da Lngua Portuguesa e de sua gramtica deve
considerar o domnio da expresso oral e escrita em situaes de linguagem, a partir da
produo social e material do texto, e da escolha dos gneros para a escrita textual.
Consequentemente, necessrio refletir sobre como os estudantes devem aprender e
pensar os diversos usos da lngua que est sendo ensinada, considerando a sua diversidade,
para relacion-la em diferentes contextos e objetivos.
Os estudantes surdos encontram muitas dificuldades em relao aprendizagem da
Lngua Portuguesa na modalidade escrita, como j foi salientado, pois, em muitos casos, esse
ensino no est pautado em metodologias para ensino de segunda lngua. Nesse contexto, o
ensino, torna-se mecnico, sem significado e, por conseguinte, desmotivador. Saviani (2006)
destaca que os estudantes no so apenas consumidores, mas produtores de conhecimento;
desse modo, o intuito da escola, em relao aos estudantes, no deve se basear em apenas
transferncia de contedos.
7 Uma prtica constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de produo de textos orais e
escritos, que devem permitir, por meio da anlise e reflexo sobre os mltiplos aspectos envolvidos, a expanso
e construo de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua competncia discursiva.
(PCN, 1998, p. 27).
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1.4.5 A apropriao da segunda lngua pelo surdo
A apropriao da segunda lngua pelos surdos transforma-se em uma tarefa
extremamente complexa e desafiadora, pois as metodologias de ensino de lnguas esto
voltadas para o aspecto fnico, tornando-se, em muitos casos, descontextualizadas e
mecnicas, reproduzindo apenas modelos pr-estabelecidos. Desse modo, o ensino torna-se
insuficiente e sem sentido, para os estudantes surdos em processo de aprendizagem de uma
segunda lngua.
Durante o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, segundo Silva (2001),
necessrio compreender que os surdos, antes de demonstrarem dificuldades na aprendizagem
de contedos, apresentam defasagens na aquisio ou aprendizagem de lngua. Constatamos,
nessas situaes, que as lacunas provocadas pela falta ou poucos conhecimentos em L1 e L2
podem acarretar srias dificuldades durante a vida acadmica dos alunos surdos.
Lodi e Lacerda (2009) reforam que o ensino da Lngua Portuguesa, como segunda
lngua, emprega estratgias descontextualizadas, desfavorecendo as relaes discursivas entre
os surdos e a produo escrita, causando insucessos e aumentando a barreira lingustica
existente em relao aprendizagem da Lngua Portuguesa. Para as pesquisadoras, ntida a
importncia do uso de metodologias que agreguem a escrita aos valores socioculturais e o
ensino da Libras como base para o aprendizado. Assim, enfatizam que os resultados dessa
prtica so adultos surdos, no final da escolarizao, incapazes de ler e escrever
satisfatoriamente e, por conseguinte, com severas dificuldades em compreender os contedos
curriculares.
Segundo Quadros e Schmiedt (2006), quando os surdos so fluentes em Libras, a
aprendizagem da Lngua Portuguesa na modalidade escrita acontece tal qual para os ouvintes
fluentes na lngua oral.
Entretanto, segundo Quadros (1997), quando comeam a constituir relaes com as
letras e as palavras, vivenciam uma interrupo, uma vez que o sistema escrito expressa a
lngua de sinais. Dessa forma, inicialmente, imprescindvel a apropriao da Libras para que
o aprendizado da Lngua Portuguesa se efetive, na sequncia. Em vista disso, o ensino da
Lngua Portuguesa na modalidade escrita no pode ser apenas uma reproduo dos sinais,
pois a Libras uma lngua com gramtica e estrutura prprias.
A produo escrita, como L2, pressupe um repertrio anterior em L1, o que assegura
uma combinao entre os sinais da Libras e as palavras da Lngua Portuguesa, atuando em
diferentes contextos.
41
Lodi e Lacerda (2009) enfatizam que a metodologia empregada no ensino com
estudantes surdos, historicamente, foi calcada em estratgias isoladas do contexto enunciativo,
e no como uma relao discursiva entre os aprendizes e a produo escrita.
Desse modo, eles no desenvolvem o processo de leitura e escrita necessrios para a
efetiva aprendizagem. As autoras entendem que esse ensino deve se fundamentar em uma
metodologia que conduza interao entre a escrita e os valores socioculturais que a
determinam. importante ressaltar que, de acordo com Lei N 10.436/2002, a Libras no
poder substituir a modalidade escrita da Lngua Portuguesa, de forma alguma.
1.4.6 Dificuldades do surdo na aprendizagem da escrita
Uma questo surge, a partir das afirmaes anteriormente discutidas: quais so as
formas de ensino que permitem o letramento de surdos na lngua escrita? Inicialmente,
necessrio repensar os papis que a Libras e a Lngua Portuguesa, na modalidade escrita,
representam para o surdo, durante o processo de aprendizagem, pois, como foi dito, a
aquisio tardia da Libras e o ambiente em que se desenvolve dificultam a aprendizagem da
Lngua Portuguesa.
Para Uyeno, Cavallari e Mascia, (2014), a questo da aprendizagem da lngua de sinais
perpassa pelos seguintes pontos:
A estimulao na rea da linguagem, principalmente na lngua de sinais de surdos
filhos de pais ouvintes, faz-se necessria, pois a maioria das crianas surdas inicia
sua aquisio tardiamente e, por falta de input lingustico na lngua de sinais, h
atraso na compreenso e na expresso, considerando a faixa etria. (UYENO;
CAVALLARI; MASCIA, 2014, p. 119, grifo do autor).
Assim, se a aquisio acontecer em uma comunidade lingustica, em que a lngua alvo
no utilizada como meio de comunicao entre seus usurios, o grau de dificuldade ser
muito maior prejudicando ou atrasando o processo de aprendizagem da L2, repercutindo,
consideravelmente, na aprendizagem dos contedos curriculares e na escolarizao como um
todo.
1.4.7 Alfabetizao na perspectiva do letramento na educao dos surdos
Para o processo de letramento dos surdos, fundamental levar em considerao suas
experincias visuais, as hipteses e as formas de pensamento estruturadas por meio da Libras,
42
o que difere, em muito, do trabalho realizado com alunos ouvintes. Desse modo, no podemos
considerar que estes aprendizes apenas decifrem e produzam um amontoado de palavras sem
sentido na Lngua Portuguesa, haja vista que, primeiramente, esse processo deve acontecer na
lngua de sinais.
Botelho (2010) compreende o letramento como natureza poltica; como tal, a leitura e
a escrita podem mostrar a realidade e, assim, transform-la, mas, infelizmente, com os
estudantes surdos isso no tem ocorrido, perdendo, portanto, seu objeto principal: o uso de
textos com funo social, em uma sociedade cen