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CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL “PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO” MÓDULO - I Autora: Tatiana Benevides Magalhães Braga Revisão: Profª Ms. Lílian Teixeira de Sousa Coordenação Pedagógica Instituto Prominas Site: www.institutoprominas.com.br Email: [email protected] Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horário de Atendimento: 08 às 18 h (Segunda a Sexta-feira) GUIA DE ESTUDO – 02 Impressão e Editoração

Aprendizagem e Desenvolvimento

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CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL

“PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E

DESENVOLVIMENTO”

MÓDULO - I

Autora: Tatiana Benevides Magalhães Braga Revisão: Profª Ms. Lílian Teixeira de Sousa

Coordenação Pedagógica

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 - A APRENDIZAGEM: O APRENDER A CONHECER . ..................................................... 3

UNIDADE 2 - APRENDIZAGEM: ASPECTOS FÍSICOS E AFETIV OS ................................................. 7

UNIDADE 3 - TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: CONTRIBUIÇÕ ES PARA A COMPREENSÃO DA APRENDIZAGEM ................................................................................................. 13

UNIDADE 4 - PAULO FREIRE: RELAÇÃO DIALÓGICA NA EDUC AÇÃO ...................................... 31

UNIDADE 5 - AQUISIÇÃO DE LEITURA E ESCRITA: FASES D A ALFABETIZAÇÃO ................ 36

UNIDADE 6 - O PROFESSOR E AS TEORIAS ........................................................................................ 40

UNIDADE 7 - PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: DIFICULDADES NAS INTERFACES ENTRE DESENVOLVIMENTO E ESPAÇO ESCOLAR ....................................................................................... 44

UNIDADE 8 - A RELAÇÃO PROFESSOR / ALUNO: ESCOLA E SOCIEDADE ................................ 57

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 60

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UNIDADE 1 - A APRENDIZAGEM: O APRENDER A

CONHECER

A aprendizagem se realiza em processos de constituição do conhecimento.

Ela permite aos homens a experiência de transformação: aprendendo, eles se

modificam e modificam o real. A construção de nossa sociedade e do mundo em

que vivemos relaciona-se tanto aos processos de aprendizagem e às concepções

acerca do conhecimento que formulamos quanto às concepções de educação

advindas dessas noções. Como o processo de aprendizagem pode ser definido

dentro da educação? Qual a relevância de compreender os processos de

aprendizagem? O que se aprende e como se aprende? Qual a influência dos

instrumentos pedagógicos no processo de aprendizagem? Qual a importância do

processo de aprendizagem na construção de uma proposta de Educação? Essas

questões devem acompanhar a prática e o estudo da aprendizagem a fim de

possibilitar uma atuação crítica em Educação.

Para compreendermos melhor o que é aprendizagem, é importante

resgatar a origem do termo. Aprendizagem deriva de aprender, que provém do

latim apprehendere, o que significa segurar, apanhar, agarrar, tomar conta de

algo, apoderar-se. Assim, leva-nos a compreender que a aprendizagem é o ato de

tomar conhecimento e guardar na memória, mas também de apropriar-se de algo,

segurando-o, de tomar conta de algo que passa a ser próprio. É importante,

desse modo, não considerar a aprendizagem apenas como processo de

memorização, e sim como construção e apropriação vivida do conhecimento.

A etimologia de duas outras palavras ligadas à aprendizagem,

conhecimento e educação, pode ainda trazer mais esclarecimentos. A palavra

conhecimento é formada pelos termos cognoscere (nascer com) e coire (coito)

designando, segundo Morato (1999) “fusão para dar nascimento”. “Isto implica

numa relação de conhecimento com penetrabilidade. Fusão da interioridade do

sujeito com o objeto a ser apreendido” (p.67). Já educação é constituída pelo

partitivo, que significa por e pelo termo ducere conduzir, denotando conduzir por,

que implica uma concepção de educação como constituição de caminhos na

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relação com outros, ou seja, é através do percurso com aqueles que vieram antes

de mim que minha educação se realiza.

Embora as palavras conhecimento e educação designem, em seu sentido

original, ações humanas constituídas na relação dos homens entre si e com o

mundo, o desenvolvimento das teorias da aprendizagem, configurando-se em

diferentes modos de compreender essas relações, muitas vezes, se constituiu

com uma visão parcial do ato de aprender. O debate entre as primeiras teorias

acerca da aprendizagem, denominadas inatismo e empirismo, ilustra a questão.

Ele esteve presente ao longo do desenvolvimento das ciências e ainda hoje há

representantes inatistas e empiristas, embora muito se questione a ausência de

uma consideração ampla e além do fator biológico nessas posições. Como se

expressa na etimologia das palavras anteriormente referidas, o aprender remonta

às relações humanas, que não podem ser consideradas apenas de uma

perspectiva biológico-evolucionista.

A concepção inatista entende que todo o conhecimento nasce conosco – é

inato e adquirido a priori (anterior à experiência sensível). O precursor do inatismo

foi Descartes (1596-1650), que fundamentou a teoria racionalista. Para ele, as

idéias distintas “são idéias gerais que (...) já se encontram no espírito, como

instrumentos de fundamentação para a apreensão de outras verdades. São idéias

inatas e, portanto, não estão sujeitas a erro, pois vêm da razão (...)” (ARANHA,

1996, p.129). A Teoria do Dom, muito popular na educação brasileira até a

década de 30, concebe a aprendizagem como inata e baseia-se na idéia do

desenvolvimento enquanto simples afloramento das potencialidades genéticas.

O empirismo, por sua vez, entende que o conhecimento é adquirido pela

experiência, através dos sentidos – ou seja, a posteriori (depois da experiência

sensível). Entre os teóricos empiristas encontra-se Locke (1632-1704), que “critica

as idéias de Descartes, afirmando que a alma é como (...) uma tábua em que não

há inscrições (...) Dessa forma, o conhecimento somente começa após a

experiência sensível. Daí, sua teoria ser conhecida como empirismo, termo cuja

origem é a palavra grega empeiría, que significa experiência” (ARANHA, 1996,

p.129). Uma das teorias empiristas mais famosas é a teoria do “learning”. Ela

afirma que o conhecimento se forma através de respostas repetidas do organismo

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aos estímulos exteriores, consolidadas por reforços do ambiente, criando cadeias

de associações e “modelos” funcionais. Essa concepção de aprendizagem ainda

considera o conhecimento como “cópia” do real. Alguns de seus críticos afirmam

que ela desconsidera o papel do próprio sujeito, concebido como elemento

passivo do processo.

Atualmente, muitas concepções acerca da aprendizagem levam em

consideração tanto o papel do indivíduo quanto a realidade à sua volta, entendida

não apenas como “meio ambiente”, mas como uma teia de relações humanas em

que também influenciam aspectos políticos, sociais, econômicos, institucionais,

afetivos, etc. compreendendo a aprendizagem como um processo multiplamente

engendrado. Essas concepções estão presentes muitos trabalhos importantes

para a educação, como os de Piaget, Vygotsky, Wallon, Paulo Freire e outros.

Podemos observar, desse modo, que o processo de aprendizagem não é

um fenômeno simples. Para entender a aprendizagem, portanto, além das bases

epistemológicas, devemos conhecer as fases de desenvolvimento do indivíduo,

as condições sociais da realidade na qual o processo de aprendizagem se

desenrola, os processos neurológicos relacionados à aprendizagem, os fatores

psíquicos que permeiam as relações de aprendizagem, entre outros.

Atividade de aprofundamento

Leia os textos seguintes e reflita sobre sua prática pedagógica. Como é

possível considerar os saberes das crianças na relação de ensino-aprendizagem?

Faça uma resenha do tema “Educar: ensinar e aprender” a partir dos textos.

A educação que se impõe (...) não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres “vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência espacializada, mecanicista, compartimentada, mas nos homens como corpos conscientes e na consciência intencionada do mundo.(...) Nesse sentido, a educação libertadora, ou problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir ”conhecimentos” e valores aos educandos (...) Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (...) Dessa maneira , o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não

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valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita estar sendo com as liberdades e não contra elas. (FREIRE, 2001, p. 67,68).

O saber não pode ser mais encarado como depósito enciclopédico, na

medida em que ele não ocupa um ponto fixo, (...), nem pode o educador ser visto

como aquele que detém o saber, mas antes, aquele que fará circular os saberes

(BARTHES, s.d.), aí incluído o seu próprio. (CAMPOS & CURY, 1997, p. 1)

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UNIDADE 2 - APRENDIZAGEM: ASPECTOS FÍSICOS E

AFETIVOS

Alguns aspectos sensório-psico-neurológicos

Algumas funções neurológicas são essenciais para o desenvolvimento da

criança e para a aprendizagem, pois se desenvolvem ao longo dos primeiros anos

de vida. O ser humano, comparado aos outros animais, nasce prematuramente.

Seus sistemas anatômicos ainda não adquiriram maturidade estrutural nem

funcional. Isso porque o seu sistema nervoso central ainda está muito distante da

completa maturação, e é esse sistema que irá regular o funcionamento de todos

os outros sistemas do nosso organismo, associado aos hormônios fabricados

pelas glândulas de secreção interna. O sistema nervoso central (SNC), está

contido no interior de uma caixa óssea. É formado por três porções: cérebro e

cerebelo, contidos na cabeça, na porção chamada neurocrânio; e medula

nervosa, localizada no canal espinhal, formado pela superposição das vértebras.

Na primeira semana de vida, a visão da criança é imperfeita e as imagens

se formam no cérebro invertidas. A audição é pouco desenvolvida, assim como o

olfato, a gustação, as sensibilidades táteis, térmicas e dolorosas. O mesmo

acontece com o seu centro de equilíbrio e seu reflexo postural. O recém-nascido

não tem noção de sua posição no espaço, nem da posição de seus membros, das

partes do corpo e da cabeça. Está, portanto, impossibilitado de se locomover.

Com o desenvolvimento físico da criança, o sistema nervoso central vai

aos poucos entrando em maturação. Os sistemas dos sentidos, formados pelos

receptores de estímulos do meio, os nervos e os seus respectivos centros

nervosos – localizados no SNC – vão amadurecendo na estrutura e entrando em

funcionamento. Só então a criança começa a tomar conhecimento do meio

externo, de sua posição nesse meio e da posição das partes de seu corpo. Essas

informações chegam a ela do meio exterior através dos órgãos dos sentidos. São

seis os sistemas dos sentidos: sistema tátil térmico doloroso, sistema do equilíbrio

associado ao reflexo postural, visão, audição, gustação, olfato. Para cada sistema

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sensorial existe um centro nervoso específico, localizado na camada periférica do

cérebro (a córtex cerebral) ou no cerebelo.

Aprendizagem e memória

O sistema nervoso do bebê ainda não está morfológica e fisiologicamente

completo. Nos primeiros anos de vida, ele aprende apenas pelos estímulos

sensoriais e pelos movimentos, através de experiências práticas. Os processos

de aprendizagem e memória envolvem várias áreas cerebrais, relacionando

diferentes campos do sistema nervoso numa rede neuronal complexa. Algumas

destas áreas são: sistema límbico, principalmente hipocampo, giro pára-

hipocampal, corpo amigdalóide, corpos mamilares e fórnix, o neocórtex, o córtex

temporal e o córtex pré-frontal (MACHADO, 1993). Algumas das áreas

relacionadas ao aprendizado e à memória estão ainda ligadas às emoções e a

alguns reflexos viscerais. Desse modo, aprendizagem e memória se articulam a

outras funções e regiões cerebrais, formando circuitos neuronais que podem

envolver áreas muito distantes do cérebro, numa teia neuronal difusa e plástica.

É essa teia neuronal que se transforma e se amplia no processo de

aprendizagem. Para que novas informações façam parte do mecanismo cerebral,

novas sinapses são constituídas. Mesmo que não se construam a nível

morfológico, elas se realizam no nível funcional: um circuito neuronal presente

atua em determinada potência elétrica na transmissão da nova informação. Esse

circuito pode também conectar-se a outros circuitos neuronais, formando cadeias

associativas, que auxiliam na assimilação e armazenamento da nova informação.

Quando a criança se defronta com um objeto ou um fato que já conhece e sobre o

qual já aprendeu alguma coisa, o centro da memória ativa o circuito neuronal no

qual está associada aquela informação. A arborização sináptica possui um papel

importante na aprendizagem e se amplia no próprio processo de aprendizagem.

Por isso, quanto mais o indivíduo exercita e é estimulado na aprendizagem, maior

facilidade terá para aprender e armazenar informações no futuro.

Em neurologia, se distinguem dois tipos de memória: a memória recente,

que relaciona informações por um curto período (horas ou dias) e a memória

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remota, que armazena informações por muitos anos. Embora aparentemente

nosso Sistema Nervoso seja capaz de armazenar todas as experiências pelas

quais passamos, nem tudo o que é aprendido é armazenado na memória remota.

A memória remota é estável e se mantém mesmo após danos cerebrais graves,

enquanto a memória recente é mais lábil e comprometida mais facilmente em

patologias. Acredita-se que a memória remota esteja localizada no neocórtex e

sabe-se que a memória recente liga-se ao sistema límbico, que está envolvido

nos processos de consolidação de novas informações, no armazenamento

temporário ou permanente e é também associado às emoções. O corpo

amigdalóide também é uma importante estrutura nos processos da memória.

Aprendizagem e comunicação verbal e escrita

A criança começa a desenvolver a linguagem desde os primeiros tempos

de vida. Para que ela possa falar, não bastam boas condições do aparelho

auditivo e fonador, é preciso o desenvolvimento de ações reflexas em resposta às

estimulações do ambiente. O ambiente é considerado pobre de estimulação

quando é destituído de estímulos visuais, estímulos sonoros e, sobretudo, de

oportunidades de diálogo com adultos. No início, a ação reflexa responderá à

estimulação visual, tátil, auditiva e sinestésica (de movimentos). Essas ações vão

evoluindo e criando experiências perceptivas, noções de conhecimento do próprio

corpo e de postura, que permitem a articulação de sons com a boca. A criança vai

ainda exercitando a motricidade e a linguagem gestual (movimentos articulatórios

e a mímica, que vão estruturar as bases de aquisição da fala). Em seus exercícios

de articulação de sons, a criança vai progressivamente articulando sílabas e,

posteriormente, palavras. Nesse processo, a estimulação de adultos falantes é

muito importante, principalmente ao conversar com a própria criança.

As noções do próprio corpo (esquema corporal) e da postura também são

fundamentais para a comunicação. Para adquiri-las, a criança deve interagir com

o meio exterior – o tempo, o espaço, outras pessoas e os objetos que a cercam –

através das percepções, do contato corporal, da evolução dos gestos e da

motricidade. Assim, a linguagem não pode ser considerada como uma função

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autônoma e isolada. Ela depende das mesmas funções motoras e perceptivas

que lhe serviram de base e que ela ajuda a desenvolver e deve ser compreendida

no contexto do processo contínuo do desenvolvimento.

Se a criança tiver dificuldades em seu desenvolvimento que prejudiquem a

aprendizagem, haverá provavelmente dificuldade na aquisição da linguagem

falada, que é uma das tarefas mais difíceis do desenvolvimento. Uma criança que

adquiriu a fala e aprendeu a andar tem boas condições para a aprendizagem da

leitura e escrita, pois possui um bom desempenho da função simbólica

(CAGLIARI, 1997). No entanto, podem também ocorrer dificuldades de

alfabetização em crianças com desenvolvimento normal até a entrada na escola.

Nesses casos, provavelmente as causas não se situarão no ambiente até então

freqüentado pela criança ou a disfunções neurológicas, sendo preciso buscar as

causas da dificuldade nas experiências da criança no próprio interior da escola.

Assim, o preparo de uma criança para o processo de aprendizagem

depende de uma complexa integração das funções neurológicas, que precisam

ser exercitadas para amadurecerem em harmonia. Muitos trabalhos comprovam a

influência do ambiente sobre o desenvolvimento perceptivo, lingüístico e cognitivo

da criança, chegando a transformar crianças que possuíam potencialidade normal

em crianças com dificuldade de aproveitamento da aprendizagem formal. Ao

mesmo tempo, a plasticidade cerebral permite que mesmo crianças com

disfunções neurológicas possam reconstituir, em algum grau, desempenhos ou

funções cognitivas por meio de estimulação e exercício. Desse modo, todos os

indivíduos são capazes de aprender, e seu desempenho refletirá as condições de

estimulação e aprendizagem de seu meio social, principalmente escolar.

Alguns elementos do aspecto afetivo-social

A subjetividade dos indivíduos vai se constituindo na interação das

experiências que tiveram desde o nascimento, no entrecruzamento entre suas

condições biológicas, as condições sociais e culturais do meio em que vivem,

suas relações e interações afetivas, suas lembranças e compreensões de si, de

sua história e do mundo. Por meio da linguagem, a criança vai instituindo uma

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organização simbólica do mundo e operando atos de reflexão e consciência sobre

o mundo. Assim, a linguagem, enquanto ato de comunicar, pode ser

compreendida como ato de tornar comum um sentido, socializando significados e,

como mediadora do real, possibilita um ponto de referência de uma identidade,

pelo distanciamento em relação à vivência. É através do distanciamento do vivido

que se pode falar em eu (interno) em oposição a mundo (o externo a mim),

permitindo ao sujeito ver-se como distinto do mundo. Assim, a constituição

vivencial e simbólica da subjetividade se faz indissociavelmente, orientando os

modos de olhar a si e ao mundo. Constituindo-se na teia de relações humanas, a

subjetividade é permeada pelas relações nas quais se engendra.

Portanto, quando a criança chega à escola, ela já possui vivências e modos

de ação constituídas em sua história de vida, que podem ainda transformar-se,

mas constituem seu quadro atual de referências quanto a si mesma e ao mundo.

Por outro lado, o ambiente escolar, completamente novo e seguramente diferente

de seu lar, passará também a influenciar na constituição de sua subjetividade.

Trabalhando para a aquisição de uma linguagem específica sobre o mundo, a

escola se constitui enquanto espaço de socialização. Assim, é na promoção de

um bom espaço escolar, que considere a afetividade da criança, que a

aprendizagem pode se desenvolver plenamente.

Na fase entre 6 e 7 anos, em que se dá a entrada na escola, a criança está

saindo do período do egocentrismo, em que o espaço subjetivo e interno de suas

imaginações e desejos não está totalmente diferenciado do espaço externo do

mundo concreto. Assim, a criança não tem uma boa percepção do desejo, do

pensamento e da perspectiva dos outros, pois relaciona os acontecimentos do

mundo a seus próprios pensamentos e sentimentos. Com a diminuição do

egocentrismo e o início da fase das operações concretas, a criança transfere seus

interesses, antes dirigidos apenas a si própria, aos objetos e fatos que acontecem

ao seu redor. Começa a preocupar-se com os outros e com o que eles pensam

dela, a cooperar com os amiguinhos e fazer trabalhos em grupo.

A entrada da criança na escola significa um delicado período de transição.

Ela perde a liberdade de ação, ficando sujeita a regras de disciplina e às ordens

do professor. O contato com um ambiente desconhecido e a obrigatoriedade de

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cumprir regras que não correspondem ao seu desejo são fatores que podem

contribuir para sua insegurança e exigirão dela um novo esforço de

desenvolvimento no sentido da socialização. Será, portanto, necessário construir

uma capacidade de adaptação que lhe permitia superar esse período de crise que

é sua introdução a um espaço de socialização diferente do núcleo familiar.

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UNIDADE 3 - TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO:

CONTRIBUIÇÕES PARA A COMPREENSÃO DA

APRENDIZAGEM

As contribuições de Lev Vygotsky

Para Vygotsky, o homem se constitui enquanto ser social, pois nasce num

contexto saturado de valores culturais. Desse modo, para o homem transformar-

se de ser biológico em ser social, o convívio social é fundamental (VYGOTSKY,

1991). A criança nasce com funções psicológicas elementares e, pelo

aprendizado na cultura, estas se transformam em funções psicológicas superiores

(VYGOTSKY, 1991). Esse processo é mediatizado pelas pessoas que interagem

com ela e essa intermediação dá ao conhecimento um sentido social e histórico.

Os significados culturais historicamente produzidos na palavra, na cultura, nos

valores, são internalizados de forma individual e possuem um sentido pessoal,

articulando-se à realidade, à vida e aos motivos de cada indivíduo.

Nesse processo de constituição social e histórica do homem, a linguagem

possui dupla relevância na construção do saber: ela simplifica e generaliza a

experiência, organizando os fatos do mundo concreto em conceitos cujo

significado pode ser partilhado pelos homens pela utilização da mesma língua. A

linguagem intermedeia a relação entre os homens, o que implica duas funções

básicas no desenvolvimento. A principal função é a de intercâmbio social: é para

se comunicar com outros que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem.

Para que seja tornado comum (comunicado), o mundo da experiência, vivido de

modo particular por cada indivíduo, tem que ser generalizado e traduzido em

signos que possam ser transmitidos a outrem.

No processo de comunicação, se institui a segunda função da linguagem: o

pensamento generalizante. Para Vygotsky, um conceito expresso por uma palavra

constitui um ato de generalização. A linguagem ordena o real, agrupando fatos ou

objetos do mesmo tipo numa mesma categoria conceptual. Essa aptidão de

generalizar e abstrair, incluindo os vários seres, objetos ou ações em certas

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categorias, nos liberta dos limites da experiência concreta. Não é preciso estar em

contato direto com algo para referenciá-lo, e a linguagem torna-se ferramenta do

pensamento: ela constitui conceitos e modos de organização, mediando a relação

entre sujeito e objetos do mundo, e torna o homem um ser sócio-histórico ao

instituir novos modos de ação e relação com o mundo e consigo mesmo.

O significado da palavra se distende ao integrar novas conotações e

sentidos. Segundo Vygotsky (1987:50),

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à atenção, à associação, à formação de imagens, à inferência, ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos.

Assim, o desenvolvimento conceitual se dá gradualmente: se a princípio a

criança formula conceitos na relação direta estabelecida com a realidade

concreta, aos poucos circunscreve certos atributos do objeto, rumo a abstrações e

generalizações cada vez mais complexas A escola deve levar a criança a

entender que o signo da escrita não possui significado em si mesmo, é apenas

uma representação do real (OLIVEIRA, 1993; VYGOTSKY, 1991). A

compreensão do signo e seu significado deve se realizar por meio de ações que

vinculem o mundo concreto e suas representações (OLIVEIRA, 1993),

favorecendo a formação de conceitos.

Vygotsky definiu dois tipos de conceitos: os "cotidianos" e os ”científicos".

Conceitos cotidianos são aqueles que, durante o desenvolvimento, a criança vai

formulando na medida em que utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos

presentes no cotidiano. Ao falar, ela vai se referindo à realidade exterior e, quanto

mais interage dialogicamente com outros, mais se distancia da ligação direta

entre o conceito e o concreto, tornando a designação da realidade cada vez mais

abstrata e genérica. Já os conceitos científicos são aqueles formados na

aprendizagem sistematizada da criança na escola. Os conceitos científicos

derivam de um corpo articulado de conhecimento e aparecem nas propostas

curriculares, compondo os conteúdos a serem trabalhados com os alunos.

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Para Vygotsky, existem três esferas importantes de aprendizagem da

criança: a zona de desenvolvimento potencial (aquilo que a criança ainda não

domina, mas pode vir a ser capaz de realizar), a zona de desenvolvimento real

(tudo o que a criança já é apta a realizar sozinha) e a zona de desenvolvimento

proximal (aquilo que a criança é capaz de realizar com ajuda de outras pessoas).

É na zona de desenvolvimento proximal que a "interferência de outros indivíduos

é mais transformadora. Isso porque os conhecimentos já consolidados não

necessitam de interferência externa". (OLIVEIRA, 1993, p. 61).

O ensino-aprendizagem deve ter como ponto de partida o desenvolvimento

real da criança e como horizonte sua zona de desenvolvimento potencial. Desse

modo, a aprendizagem ocorrerá na relação da criança com outros indivíduos à

sua volta, principalmente na zona de desenvolvimento proximal, e a escola terá,

em nossa sociedade, o papel de fazer a criança avançar em sua compreensão do

mundo. O professor deve estimular a zona de desenvolvimento proximal, porém

sua interferência não pressupõe uma pedagogia diretiva ou uma relação

hierárquica e autoritária, mas a interação e o diálogo com a criança, estimulando

a construção de hipóteses, conceitos e conhecimentos (VYGOTSKY, 1991).

Para Vygotsky, o erro deve ser valorizado como parte do processo ensino-

aprendizagem. A consideração do desenvolvimento proximal recoloca a relação

erro/acerto sob o prisma de que o erro deve ser percebido como indicador dos

conhecimentos que precisam ser estimulados, e não como incapacidade. A

correção possibilita ao aluno perceber quais conhecimentos ainda não domina e

reorientar sua compreensão. Para que esse processo possa se consolidar, o

diálogo deve integrar o trabalho escolar – para Vygotsky, a linguagem é a

ferramenta psicológica mais relevante. Desse modo, o trabalho em grupo estimula

a interação social, sendo ocasião para aprimorar conhecimentos e amadurecer

idéias. Por outro lado, o contato individualizado entre professor e aluno será a

situação em que o professor pode inferir seu desenvolvimento real e proximal

(OLIVEIRA, 1993). Outro instrumento importante para Vygotsky é o brinquedo. As

brincadeiras de "faz-de-conta" criam zonas de desenvolvimento proximal, pois

levam a criança a situações de ensaio e invenção de valores e à imitação de

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papéis sociais. A escola deve criar situações de brincadeira, para ampliar as

possibilidades de estímulo ao desenvolvimento e à interação social.

Segundo Vygotsky, a Psicologia sempre se ocupou em detectar o

desenvolvimento real do indivíduo, por exemplo, na utilização de testes ou

escalas que visavam inferi-lo. Na escola, também se tende a valorizar, ainda hoje,

apenas o nível de desenvolvimento real dos alunos: avaliações individuais, provas

somente do tipo “múltipla escolha” ou a ausência de discussão das questões com

o professor e os colegas, consideram apenas o produto, ou seja, o que os alunos

conseguem responder, e não o modo pelo qual chegaram às respostas. Perde-se,

então, a ocasião de observar o desenvolvimento de pontos ou temas nos quais os

alunos apresentam dificuldade, mas que seriam passíveis de compreensão se

realizados com a mediação de outros. Ou seja, se desconsidera conteúdos e

articulações que estão em processo de compreensão pelo aluno e já contêm

aspectos mais ou menos desenvolvidos de saberes, noções e conceitos.

O conhecimento do processo mental realizado pela criança revela que o

desempenho correto pode significar apenas uma resposta mecânica e atenta para

o estímulo ao raciocínio, ao exercício e ao pensar próprio do aluno. Ciente do

trajeto feito pela criança para chegar à resposta, o professor pode questionar,

intervir, estimular e apoiar nas dificuldades, dedicando-se a aspectos ainda não

consolidados e criando novos pontos de aprendizagem e curiosidade. Ao ressaltar

a zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky destaca o papel da interação

social, da escola e da consideração positiva do potencial da criança na

aprendizagem e na prática pedagógica, pois a aprendizagem bem articulada deve

consolidar e, principalmente, criar zonas de desenvolvimento proximal sucessivas.

Nesse contexto, o professor não é situado no papel central de transmissor

de informações para alunos passivos, nem no papel periférico de organizador de

tarefas que os alunos devem realizar sem sua intervenção. Ele é o mediador do

processo, propondo desafios aos alunos e ajudando-os a resolvê-los, trazendo e

realizando com eles atividades em grupo, em que os diversos saberes podem ser

cambiados na colaboração entre alunos, rompendo-se com a idéia de turmas

homogêneas. Com sua intervenção, o professor contribui para aprimorar funções

ainda não consolidadas, ou para criar zonas de desenvolvimento proximal.

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A aprendizagem escolar implica apropriação de conhecimentos que exigem

exercício constante e reconfiguração contínua de experiências significativas dos

alunos. Desse modo, as atividades de aprendizagem devem considerar tanto o

nível de desenvolvimento real do aluno (sua produção independente) e seu nível

de desenvolvimento proximal (sua produção auxiliada) quanto seu percurso e

raciocínio na realização de ambas as produções. Considera-se muito mais

amplamente o processo de aprendizagem do aluno, o "curso interno de seu

desenvolvimento" (VYGOTSKY, 1991), que orienta o planejamento pedagógico.

A relação do homem com o mundo, mediada por instrumentos e signos,

orienta a constante reconfiguração humana, e a zona de desenvolvimento

proximal, enquanto esfera de aprendizagem, se constitui nessa relação mediada

de auxílio com outros. Assim, os conhecimentos são constituídos por meio de

processos de mudança cognitiva e auto-regulação, em que o sujeito co-opera na

construção da realidade e, nessa construção, aprende. Eles não emergem nem

do sujeito nem do objeto, mas de uma fusão entre ambos, numa relação dialética

em que o conhecedor participa dos atos de conhecer e entender, sendo sua

atividade necessária à aprendizagem e o conflito cognitivo fundamental para

provocar o desenvolvimento: o sujeito progride questionando suas construções.

Para Vygotsky, o conceito é mais do que a soma de conexões associativas

formadas pela memória, mas um ato real e complexo de pensamento que não se

realiza pelo treino, mas apenas pelo exercício e abertura de novas experiências

cognitivas nas relações de ensino. Vygotsky (1987) se opõe à acepção tecnicista

de ensino, e afirma:

Uma escola de pensamento acredita que os conhecimentos científicos não (...) passam por nenhum processo de desenvolvimento, sendo absorvidos já prontos (...) No entanto, é uma concepção que não resiste a um exame mais aprofundado. (p.71).

A consciência de conceitos surge apenas tardiamente no desenvolvimento,

após sua utilização e prática inconsciente e espontânea, muitas vezes, a criança

opera corretamente relações entre objetos ou conceitos de que ela ainda não tem

consciência. Para Vygotsky, o aprendizado escolar induz a percepção

generalizante, tendo notável papel na conscientização da criança em relação a

seus processos mentais.

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A compreensão de conceitos e significados implica o desenvolvimento de

várias funções intelectuais (memória, atenção, abstração, etc). A constituição de

conceitos não-espontâneos – advindos do contato com o adulto e, portanto,

também na escola – deve considerar o pensamento da criança em cada nível de

desenvolvimento, numa interação dinâmica com suas atividades e experiências

de aprendizagem. A constituição de conceitos espontâneos e não espontâneos se

relaciona e influencia, partilhando o mesmo processo de formação de conceitos. A

criança enfrenta problemas diferentes ao assimilar conceitos espontâneos e não-

espontâneos, gerando caminhos de desenvolvimento diversos, pois esses diferem

quanto à relação com a experiência da criança e quanto à atitude da criança face

ao objeto. Quando se transmite um conhecimento sistemático, ensina-se coisas

que a criança não pode ver ou vivenciar diretamente.

Dessa forma, Vygotsky destaca o papel da linguagem e da formação de

conceitos na construção da realidade e na organização do real e do pensamento.

Ao mesmo tempo, resgata a importância da interação social na formação dos

conceitos e da linguagem, ressaltando tanto o papel dos espaços de socialização,

principalmente a escola, quanto o papel fundamental do próprio educando na

construção de seu conhecimento. Ao longo desta construção estão presentes as

experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria linguagem daqueles

que interagem com a criança, em seu grupo familiar, bem como a história e a

cultura de outros indivíduos com quem a criança se relaciona e em outras

instituições próximas, como a escola, ou contextos mais distantes da própria

cidade, estado, país. Ao mesmo tempo, a criança participa ativamente da

construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e provocando

transformações nos demais sujeitos que com ela interagem. Assim, a importância

da cultura, da linguagem e das relações sociais na teoria de Vygotsky embasa

uma educação na qual o homem seja visto na sua totalidade: na multiplicidade de

suas relações com outros; na sua especificidade cultural; na sua dimensão

histórica, ou seja, em um processo de construção e reconstrução permanente.

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As contribuições de Jean Piaget

Para Piaget, a inteligência é um comportamento adaptativo desenvolvido

desde os primeiros anos de vida, e “suas funções básicas consistem em

compreender e inventar, em outras palavras, construir estruturas estruturando o

real” (1980, p. 36). O conhecimento construído pelo homem resulta do seu

esforço de entender e dar significado ao mundo. Interagindo com o ambiente, a

criança organiza-o, orienta-o e nele se orienta. Para esta construção e nessa

construção, ela constitui estruturas e modos de compreender e atuar,

aprimorando processos neurológicos e intelectuais. A aprendizagem ocorre na

estrutura cognitiva de modo similar à organização do organismo na adaptação

dos alimentos que podem ser úteis e na sua assimilação para satisfazer as

necessidades do corpo. A cognição “seleciona” e “organiza” informações e

estímulos, numa dinâmica de contínua interação entre homem e ambiente, por

meio da apreensão do que é útil à adaptação do homem no mundo. Ela se

desenvolve através de processos de assimilação (compreensão) e acomodação

(invenção), em estágios ou fases sucessivas, que têm uma idade esperada, mas

que, dependendo do ritmo do indivíduo, podem ser alçados em idades diferentes.

O processo de aprendizagem se dá então com toda criança, mesmo com

deficiência mental, considerando-se, porém, que seu desempenho não

corresponderá ao esperado para a idade.

O processo de organização, adaptação e assimilação de um novo

conhecimento depende de esquemas assimilativos como a generalização e a

repetição. As ações, reflexões e representações, ao se repetirem em situações

diversas, tornam-se novos conhecimentos e novas estruturas. Portanto, a

repetição reforça conhecimentos assimilados, ou prévios, tornando-os mais

consistentes e facilitando a aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência.

Para Piaget, a estrutura cognitiva vai se construindo concomitantemente à

construção de novos conhecimentos, pela busca do homem de se adaptar ao

ambiente. Logo, o homem é ativo dentro do processo de aprendizagem, pois ele

constrói conhecimento na ação no mundo e na interação com objetos do mundo,

construindo a si mesmo e ao real numa relação simultânea e indissociável.

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As diferenças de ritmo de aprendizagem ocorrem em virtude da

estimulação do meio ambiente cultural e social, da motivação, das diferentes

potencialidades de cada criança (herança genética) e, ainda, do exercício dessas

potencialidades. Por exemplo, crianças nascidas cegas sofrem um atraso na

constituição de operações gerais (generalizações), que não ocorre em cegos

tardios, o que sugere insuficiência de exercício dos esquemas de deslocamento e

da noção de localização relativa no espaço durante o estágio sensório motor. Mas

essa diferença é compensada até o final da adolescência, permitindo a formação

da inteligência formal (PIAGET, 1985). Uma criança nascida cega precisará então

de maior assistência para a compreensão das noções de espaço e deslocamento,

a fim de constituir posteriormente as estruturas formais de generalização e

análise. Ocorrem, ainda, inúmeros casos de crianças que possuem desempenho

abaixo do esperado para sua idade em função de um ambiente pouco propício

para a aprendizagem ou de conflitos com o ambiente escolar, ou de crianças que

não possuem um potencial normal, mas conseguem um bom desempenho devido

à estimulação e orientação ao exercício de suas habilidades pelos adultos.

Estágios de desenvolvimento da inteligência

Piaget denomina o primeiro estágio de desenvolvimento da inteligência de

sensório-motor, de 0 a 2 anos de idade em média. Nesse estágio, a inteligência é

prática, utiliza apenas movimentos e percepções dos órgãos dos sentidos, sem

pensamentos ou representações. A criança puxa, empurra, aperta, manipula, leva

objetos à boca e, por meio dessas ações, constitui esquemas de ação que irão

servir de subestruturas às estruturas posteriores. Por exemplo, os esquemas de

permanência dos objetos, organização dos deslocamentos, retornos e desvios,

serão importantes para a formação ulterior de noções de reversibilidade, relações

causais, conservação, noções de espaço e tempo. O movimento da criança no

espaço e sua experiência com objetos a auxilia ainda a perceber-se como objeto

entre objetos, a compor um universo espaço-temporal e a adquirir uma percepção

sinestésica de si mesma. Esse estágio se finda por volta dos dois anos de idade,

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com a formação da função simbólica, que permite representar objetos ou eventos

na sua ausência, por meio de sinais – a imagem mental, o desenho, a linguagem.

Com o advento da função simbólica, inicia-se a fase pré-operatória, que vai

dos 2 aos 7 ou 8 anos, junto às experiências escolares iniciais. Nessa fase

configura-se uma interiorização das ações motoras em pensamento e a formação

contínua de uma descentralização na qual a criança gradualmente será capaz de

compreender os objetos e relações entre coisas e pessoas como constituindo

uma rede de relações que a supera.

A terceira fase é a das operações concretas, que vai de 7 a 11/12 anos em

média. Após implementar as interiorizações, coordenações e descentralizações, a

criança adquire os dois princípios fundamentais para a aprendizagem formal. O

princípio da invariância, ou seja, a capacidade de perceber a reciprocidade e

constância de relações entre quantidades, e que uma mudança de aspecto não

as altera. Por exemplo: a distância entre A e B é a mesma que entre B e A; um

líquido num vidro B terá quantia igual se despejado num frasco A, mais estreito ou

menor. Já pelo princípio da reversibilidade, a criança constrói a noção de que as

sucessivas fases de um evento podem ser reconstruídas no pensamento, e de

que as ações podem ser completadas e depois desmanchadas, feitas em sentido

inverso ou reiniciadas. Essas noções são a base da classificação, da seriação

(A>B>C...), das divisões espaciais e deslocamentos ordenados. Quando a criança

maneja palavras, sílabas, letras, ela lida com essas noções, pois compõe e

decompõe signos e torna a arranjá-los, formando novas palavras com os mesmos

elementos. Nessa fase, é preciso voltar-se a um ensino concreto, com atividades

em que a criança exercite praticamente as habilidades e conteúdos escolares.

A última é a fase das operações formais, que ocorre dos 11 a 12 anos em

diante, e a criança torna-se capaz de formular hipóteses (proposições que se

deduz como causa ao avaliar as conseqüências), realizar implicações (se...então),

disjunções (ou...ou), incompatibilidades, conjunções, etc. Essas relações não só

comportam um agrupamento de classes, como uma combinatória, mais distante

da ação e voltada ao pensamento, de modo que relações e operações diversas

funcionam num sistema conjunto, constituindo o pensamento lógico.

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A interação social que ocorre em nosso cotidiano é um elemento definidor

das ações e comportamentos sociais. Piaget pensa o ser social como um

indivíduo que se relaciona com os outros de forma equilibrada. Contudo, Piaget

pondera que a relação equilibrada apenas pode existir entre pessoas que estão

na mesma fase de desenvolvimento. Ou seja,

a maneira de ser social de um adolescente é uma, porque é capaz de participar de determinadas relações (...) e a maneira de ser social de uma criança de cinco anos é outra, justamente porque ainda não é capaz de participar de relações sociais que expressam e que demandam um equilíbrio de trocas intelectuais. (T AILLE, 1992, p.14).

Portanto, em razão do estágio em que a criança esteja, ela se encontrará

num grau diferente de socialização. Para Piaget, a socialização começa no grau

zero, quando a criança é recém-nascida, e evolui até o grau máximo, que

configura o momento de autonomia do indivíduo, quando ele já superou o

egocentrismo e consegue estabelecer uma relação de trocas intelectuais

recíprocas com os outros. Visto que a moral e a socialização vão sendo

consolidadas ao longo da infância, o trabalho coletivo em Piaget tem o papel de

mediador das relações e de instigador da capacidade de participação, cooperação

e respeito mútuo. A ação coletiva socializa, estabelece laços de afetividade e

permite à criança perceber-se como parte de uma coletividade.

Piaget atribui, ainda, grande importância à atividade do aluno em sala de

aula, privilegiando-a em relação à mera exposição de conceitos e conteúdos pelo

professor, pois considera que o exercício e a verificação de hipóteses por parte do

aluno, bem como sua atividade prática, formam a esfera fundamental na qual se

dá a aprendizagem. Pode-se privilegiar, ainda, a solução de problemas, para

facilitar o exercício de conteúdos pelo aluno, buscando níveis de interpretação de

acordo com a idade, e verifica-se uma maior dificuldade na compreensão dos

conteúdos sociais e históricos, em comparação à aquisição de noções do mundo

físico, pois que são de alta complexidade e supõem um domínio de conceitos que

não têm tradução direta na realidade empírica, não sendo assim favorecidos pela

ação prática e concreta da criança.

Considerando a importância do exercício e da ação prática pela criança, no

construtivismo piagetiano, o educador não é detentor do saber, mas facilitador do

processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de conhecimento,

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mas agente ativo que o constrói. O conhecimento deve ser compreendido como

uma construção em constante processo, no qual a criança pode criar, recriar e

experimentar de forma autônoma, impulsionando seu próprio desenvolvimento.

Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como falha, e sim como um

momento necessário da aprendizagem: a ausência do erro denuncia a ausência

da experimentação e, portanto, ausência de aprendizagem.

As contribuições de Henri Wallon

Para Wallon, o organismo e pensamento se constituem de modo conjunto e

dialético, visto que toda função psíquica supõe um componente orgânico e que o

homem produz seu ambiente e seu meio de vida ao interagir no mundo: o sujeito

é determinado fisiológica e socialmente. Wallon procurou entender a pessoa

completa, integrada ao meio em que está imersa, com os seus aspectos afetivos,

cognitivos e motores integrados. Ele denominou Psicogênese seus estudos sobre

a origem da pessoa na sua totalidade, enquanto ser biológico, afetivo, social e

intelectual, considerando o sujeito como "geneticamente social".

Para ele, o início do desenvolvimento se dá na relação do organismo do

recém-nascido com o meio humano, a partir das reações das pessoas a seus

reflexos e movimentos impulsivos. A criança não consegue precisar seu estado

fisiológico e o adulto deve interpretar a expressão de suas manifestações

viscerais. Interpretando-as, ele insere a criança no mundo cultural, que irá

permear as situações de natureza biológica. Nessa inserção, criança passa a

atuar no meio humano, formando o que Wallon denomina motricidade expressiva,

ou dimensão afetiva do movimento. A ação motriz orienta o surgimento e o

desenvolvimento das funções mentais: o movimento espontâneo transforma-se

em gesto que, ao ser realizado intencionalmente, reveste-se de significado. Antes

do início da fala, a motricidade tem grande relevância: a imitação revela as

origens do ato mental, precedendo a palavra e integrando a criança na cultura.

Em Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista

da construção da pessoa quanto do conhecimento. A emoção, enquanto

exteriorização da afetividade, é tanto um fato fisiológico que se expressa no

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humor e nos atos quanto um comportamento social na sua função de adaptação

do homem ao meio. A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado pelo

recém-nascido para estabelecer uma relação com o mundo externo. Os

movimentos de expressão evoluem de fisiológicos a afetivos, em que a emoção

cede terreno aos sentimentos e, depois, às atividades intelectuais. Assim, a

emoção é veículo para o afeto e anterior à consciência de si. No psiquismo inicial,

não há diferenciação entre a criança e o mundo exterior: afetos e necessidades

se confundem no e com o mundo. Nesse processo de tomada de consciência, a

criança vai aprendendo e sua consciência se constitui de modo vinculado ao

movimento de afirmação em direção à autonomia.

As várias fases pelas quais passa a criança em seu desenvolvimento se

assinalam por mudanças em que se alternam os focos de atenção que dirigem

sua atividade, e ela se concentra ou em si mesma ou no outro. Nas palavras de

Wallon,

As diferentes idades em que se pode decompor a evolução psíquica da criança opõem-se como fases à orientação alternativamente centrípeta e centrífuga, orientada para a edificação cada vez maior do próprio indivíduo ou para o estabelecimento das suas relações com o exterior, para a assimilação ou para a diferenciação funcional e adaptação subjetiva. (WALLON, 1975 p.105-106).

Nesse percurso, alternam-se momentos de tristeza e alegria, expectativa e

surpresa, contenção e abertura para o mundo, etc. Essas variações possibilitam à

criança se situar gradualmente na relação com o outro, do qual ela se distingue

progressivamente, circunscrevendo e afirmando a si mesma: o indivíduo se

constitui no esforço em se diferenciar da sociedade. Embora se alternem, afeto e

cognição mantêm entre si uma relação de horizontalidade e reciprocidade. Para

Wallon, sob a orientação global “é possível encontrar componentes mais

elementares, que compreendem este vaivém e reconhecem mesmo em cada um

desses períodos uma ambivalência que lhe faz assumir (...) quer a função da

elaboração íntima, quer o de reação relativa ao meio” (WALLON, 1975 p.106).

Assim, conquistas no transcorrer de uma fase dominada pelo afeto são

incorporadas pela cognição, cuja dinâmica passa a atuar em bases

qualitativamente diferentes.

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Por meio da assimilação dos signos sociais pelo sujeito (fala, escrita, etc.),

a comunicação motora vai sendo substituída por outros meios, constituindo a

disciplina mental, ou seja, o controle do sujeito sobre suas próprias ações. No seu

desenvolvimento, o sujeito vai articulando os sentimentos e idéias, antes vividos

de forma genérica e confusa, clareando sua compreensão do mundo e dos fatos

que se apresentam. A linguagem é indispensável ao progresso do pensamento:

ela exprime o pensamento e ao mesmo tempo o estrutura. Para Wallon, o

desenvolvimento humano não é linear e contínuo, mas, sim, uma integração: as

novas funções/aquisições somam-se a outras, adquiridas anteriormente.

Para Wallon, a pessoa deve ser vista como parte integrante do meio em

que está inserida. O processo de socialização ocorre pelo contato com o outro e,

também, pelo contato com a produção do outro (texto, pintura, música etc.). Por

isso, Wallon afirma que a cultura geral aproxima os homens, pois permite a

identificação de uns com os outros. Para ele, o meio social e a cultura constituem

as condições, as possibilidades e os limites do desenvolvimento do sujeito. Por

isso, a criança precisa ser entendida em seu contexto, e seu desenvolvimento

como resultado de sua interação com esse meio: o desenvolvimento é histórico,

dialético, portanto, é também descontínuo.

As contribuições de Philippe Perrenoud

O aspecto central da teoria de Perrenoud (1999) é o conceito de

competência. Para esse autor, competência é a faculdade de mobilizar um

conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para

solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações.

Segundo Perrenoud, os seres humanos não vivem todos as mesmas

situações, eles desenvolvem competências adaptadas a seu mundo. Sendo a

competência a capacidade de resolver determinados problemas através de

conhecimentos acumulados e de outras habilidades desenvolvidas pelas

experiências no mundo. Para o autor, a educação deve caminhar no sentido de

que alunos e professores se conscientizem de suas capacidades, respeitando as

diferenças que emergem das diferenças culturais.

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Nessa perspectiva, é fundamental diferenciar competência de habilidade. A

competência é um conjunto de esquemas de percepção, pensamento, avaliação e

ação, enquanto a habilidade é menos ampla e pode servir a várias competências.

Perrenoud (1999, p.7) acredita que "para enfrentar uma situação da melhor

maneira possível deve-se, via de regra, pôr em ação e em sinergia vários

recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos".

Assim sendo, as competências são construídas na mesma medida em que

evolui a formação dos esquemas mentais que mobilizam os conhecimentos

adquiridos, num determinado tempo ou circunstância. A mobilização dos recursos

cognitivos, numa determinada situação, é garantida através das experiências

acumuladas. As competências não devem ser apenas assimiladas à medida que

se adquirem novos conhecimentos, é preciso internalizar reflexivamente,

tornando-as uma prática pertinente às situações de existência.

A discussão a respeito das competências traz à tona a discussão sobre o

currículo escolar. O trabalho com as competências exige de todos os agentes

envolvidos no processo educativo uma mudança de visão integrada do

conhecimento e, por conseguinte, um permanente trabalho pedagógico integrado,

no qual todas as práticas sejam apreciadas em um processo contínuo de

avaliação. Através do currículo, pode-se conduzir o processo pedagógico para

além dos conteúdos e disciplinas, transformando-o em uma totalidade que articula

os diversos saberes. O currículo deve permitir uma relação entre a construção de

novos conhecimentos e uma postura reflexiva diante da realidade. Para tanto, a

escola deve repensar suas formas de conduzir a educação, buscando modos

alternativos de trabalhar com as competências. (PERRENOUD,1999).

É um grande desafio para a educação e seus agentes ressignificar e

repensar sua prática pedagógica, assim como sua proposta político-pedagógica.

Para tanto, a formação dos educadores precisa ser potencializada para fomentar

o desenvolver das competências no processo de ensino-aprendizagem; ou seja,

para potencializar as competências dos alunos, o professor precisa, antes, ter

suas próprias competências potencializadas. Rever algumas práticas e ampliar as

competências em diversas outras áreas do processo educativo é fundamental

para atingir-se uma ampla formação educacional.

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Teorias do desenvolvimento: divergências e aproxima ções entre

os teóricos

Ao relacionar, comparativamente, as idéias dos principais teóricos do

interacionismo construtivista – Wallon, Piaget, Vygotsky – não se expressa um

confronto entre as posições teórico-práticas de cada um. Embora possuam

diferenças teóricas importantes, esses autores compartilham muitas idéias e, em

alguns aspectos, completam-se. No tocante à perspectiva sobre o conhecimento,

suas oposições não estão situadas na oposição filosófica entre empirismo e

racionalismo/inatista, ampliando essa duplicidade e colocando-se entre o ser

biológico e o mundo concreto ao compreender sujeito e contexto da experiência

como entrelaçados e indissociáveis. Para eles, o conhecimento não decorre

somente das capacidades inatas do homem, nem apenas do meio externo, mas é

fruto das interações homem-mundo. Por isso, Wallon, Vygotsky e Piaget não são

inatistas ou empiristas, são interacionistas.

Suas divergências, por outro lado, apontam diferentes acepções acerca do

modo de articulação das interações humanas, trazendo em seu bojo diferentes

concepções acerca do homem e da sociedade. Por exemplo, ao tomar a

linguagem como anterior ao pensamento e o pensamento como reflexo da

linguagem, Vygotsky atribui às redes de significação constituídas socialmente

uma grande importância em termos das possibilidades de desenvolvimento e

conhecimento de cada indivíduo, bem como da própria constituição de sua

história e seu modo de ser. Por outro lado, ao situar a linguagem como reflexo do

pensamento, Piaget parte da concepção de uma estrutura originária de

pensamento, no contexto lógico e inicialmente atrelado à ação motriz, que

intensifica a relação do pensamento com o mundo concreto em relação ao mundo

social. Para Wallon, no entanto, não há pensamento sem linguagem e nem

linguagem sem pensamento, a relação entre esses elementos não é hierárquica,

porque eles somente existem na complementaridade, no desenvolvimento mútuo,

dialético. Essa compreensão está relacionada à importância que Wallon atribui à

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afetividade e sua relação com a cognição, enquanto escopo dinâmico no qual

ocorrem as relações recíprocas entre diferentes dimensões do desenvolvimento.

Outra diferença entre Wallon e Piaget diz respeito ao objeto de estudo:

para Piaget, interessava entender o desenvolvimento do conhecimento e, para

chegar a isso, precisou compreender o desenvolvimento da criança; Wallon, por

sua vez, buscou entender desde o início o desenvolvimento psicológico da

criança e, em conseqüência disso, o desenvolvimento do conhecimento (MATUÍ,

1995). A teoria de Wallon apresenta outros subsídios à reflexão pedagógica, pelo

fato de buscar entender o desenvolvimento da pessoa completa, em suas

dimensões emotivas, motoras, biológicas e cognitivas.

Desse modo, embora ambos considerem os múltiplos aspectos – culturais,

biológicos, práticos, semânticos – em que se dá o desenvolvimento, as ênfases

atribuídas nas diferentes teorias do desenvolvimento se modificam. Wallon e

Vygotsky trazem uma maior ênfase na dimensão cultural. Esses autores

entendem a produção do conhecimento como resultado das teias de relações

sociais, estabelecidas pelo homem num tempo histórico; para eles, tudo quanto

há no mundo é cultura, é obra humana. Assim, para Vygotsky, a aprendizagem,

enquanto interação humana, favorece o desenvolvimento das funções mentais: "O

aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e

põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,

seriam impossíveis de acontecer." (VYGOTSKY, 1987, p.101).

Pode-se, inclusive compreender as teorias construtivistas a partir dos

diferentes aspectos abordados e enfatizados por cada autor, a fim de possibilitar

uma visão mais global do desenvolvimento: Piaget dá grandes contribuições

sobre os aspectos cognitivos, Vygotsky contribui com os aspectos sócio-históricos

e Wallon, com os aspectos afetivos da personalidade (MATUÍ, 1995). Os três

autores são dialéticos, embora isso seja mais intenso e declarado em Vygotsky e

Wallon, e mais velado em Piaget. No entanto, alguns pesquisadores piagetianos

têm ressignificado o conceito de conflito cognitivo em Piaget, referindo um conflito

sócio-cognitivo, que se dá nas relações sociais e interpessoais do indivíduo com

seus semelhantes, no sentido sócio-interacionista. (CHAKUR, 2005).

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O referencial histórico-cultural apresenta uma nova maneira de entender a

relação entre sujeito e objeto na construção do conhecimento. Enquanto no

referencial construtivista de Piaget o conhecimento se dá a partir da ação do

sujeito sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), para Vygotsky, esse

mesmo sujeito é, sobretudo, interativo, pois se constitui e constitui conhecimentos

a partir de relações intra- e interpessoais. É na troca consigo e com outros que se

vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite formar

conhecimentos e a própria consciência, num processo que parte do plano social –

relações interpessoais – para o plano individual interno – relações intrapessoais.

Por sua concepção multireferenciada, o construtivismo é considerado

sócio-histórico, ou seja, percebe a realidade como sendo produto da mudança e

em que o homem é o sujeito principal. Esses autores contribuem de forma

fundamental para uma educação na qual a realidade seja tomada como histórica,

portanto, mutável; na qual o homem seja visto como sujeito histórico, portanto,

construtor de sua própria história. Ora, se o homem e a realidade são históricos, o

mundo, o homem e o conhecimento são inacabados, estão em constante

processo de construção. Como diz Becker, citado por Matuí (1995, p.46),

O construtivismo significa que o conhecimento não é dado como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e constitui-se por forças de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que, antes da ação, não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento.

Já o mérito da teoria de Perrenoud é discutir, pela problematização do

termo competência, questões sobre profissionalização dos professores, avaliação

dos alunos e currículo escolar. Para ele, a escola deveria desenvolver um modelo

de avaliação mais capaz de identificar as dificuldades do aprendizado e no qual

alunos e professores tivessem melhores condições de agir e corrigir. Para tanto,

os professores precisariam estar em formação permanente, compreendendo a

aprendizagem como atrelada a vários saberes (Centro de Referência Educacional

– CRE, 2002). Além disso, esse autor enfoca o mister de a escola compreender a

educação como processo transdisciplinar, de modo que os saberes se articulem,

complementem-se e não se excluam. Nesse sentido, o respeito às experiências

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dos alunos que Perrenoud enfatiza alinha-se à idéia de zona de desenvolvimento

proximal de Vygotsky, já que para ambos o ensino-aprendizagem deve partir dos

conhecimentos e vivências dos alunos, mesmo quando tais saberes não sejam

totalmente desenvolvidos. O conceito de competências, em Perrenoud, articula-se

ainda à idéia de pessoa completa de Wallon, pois as competências podem ser

entendidas como capacidades motoras, afetivas e cognitivas que o homem

desenvolve nas relações que estabelece com os outros e com o mundo concreto.

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UNIDADE 4 - PAULO FREIRE: RELAÇÃO DIALÓGICA NA

EDUCAÇÃO

Em sua proposta, Paulo Freire (1987) ressalta a experiência do educando

como ponto de partida na aprendizagem e o diálogo como forma de refletir sobre

esta experiência e construir um conhecimento que lhe seja próprio, destacando o

papel do aluno como agente da aprendizagem. Assim, Freire critica a

aprendizagem compreendida apenas de modo técnico, que ele denomina

“educação bancária”, pois privilegia interesses econômicos em prejuízo do

movimento de constituição do homem como sujeito de si e do mundo. Freire

propõe a educação como prática da liberdade e uma pedagogia na qual o

educando tenha condições de descobrir-se e conquistar-se, reflexivamente, como

sujeito da própria destinação histórica.

Aprender é aprender a dizer a sua palavra e alfabetizar é aprender a

escrever a sua vida, como autor e testemunha de sua história e de sua trajetória.

Assim, a pedagogia se vincula ao processo de constituição histórica da própria

existência humana e às contradições da aventura histórica: a pedagogia é

conectada à antropologia e à política. Aprendizagem não é apenas conhecimento

ou reconhecimento, mas direcionamento, opção e compromisso. Dado que as

palavras do universo vocabular do educando são significações constituídas ou

reconstituídas em suas ações, configuram situações existenciais ou nelas se

configuram. Na educação, o alfabetizando ganha distância para ver sua própria

experiência e reconhecê-la, e esse processo lhe permite começar a descodificar e

possibilita o movimento pelo qual “Essas palavras, oriundas do próprio universo

vocabular do alfabetizando, uma vez transfiguradas pela crítica, a ele retornam

em ação transformadora do mundo.” (FIORI, apud FREIRE, 1987, p.12).

Essa descodificação é análise, bem como reconstituição do vivido e, assim,

é reflexo, reflexão e abertura de possibilidades de ultrapassagem. Mediada pela

objetivação, a experiência antes imediata torna-se lúcida interiormente, podendo

refletir a si mesma. Nessa abertura, a consciência se constrói como consciência

crítica, já que “passa a escutar os apelos que a convocam além de seus limites”

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(p. 13). Assim, pela descodificação do representado e comunicado pela palavra,

na educação, Freire percebe uma abertura para o sujeito refletir e reconstruir a si

e ao mundo, tornando o conhecimento aí engendrado próprio na medida em que

possui relação direta com a realidade e a experiência daquele que conhece e que

possibilita a ampliação das reflexões e ações no mundo, ampliando a liberdade e

a autonomia. Aprendendo, o homem redescobre a possibilidade de refazer aquilo

que fez de si, pela e na redescoberta do movimento que o faz e refaz, pois o que

fala e escreve constitui expressão de si mesmo.

A palavra designa o mundo, e pode recriar-se para expressar novos juízos

e compreensões. O educando se faz consciente dessa conexão na

descodificação crítica, que permite não se aprisionar nos mecanismos de

composição vocabular. Nesse prisma, Freire ressalta o papel da palavra e da

linguagem, a um só tempo organizadora e perspectivante. Pensar o mundo é

julgá-lo e o educando não copia palavras, mas expressa juízos, inventando novas

experiências com o mundo e reproduzindo o movimento de sua própria

experiência. Ele assume, ao dar-lhe forma escrita, a consciência de autor e

testemunha de sua história. A linguagem matiza o mundo em sua organização

semântica e fonêmica e a educação pode favorecer, pela conscientização desse

agir, a reapropriação da palavra como dizer de si mesmo e como instrumento de

construção de história e de cultura.

Para Freire, essa conscientização é fundamental, pois “os homens se

propõe a si mesmos como problema e descobrem que pouco sabem de si, de seu

lugar no mundo.” (p.29) Essa constatação implica reconhecer a desumanização,

não apenas como possibilidade, mas como realidade histórica. Quando Freire faz

referência à desumanização, está colocando a questão da humanidade na

consciência de si mesmo, no fazer-se dos homens como “seres para si”. Para ele,

as possibilidades de humanização e desumanização histórica são conseqüência

dos homens como seres inconclusos e conscientes dessa inconclusão.

Dado que a humanização só ocorre ao retomar a construção do homem

como “ser para si”, o diálogo assume importância capital na proposta freiriana. Ao

afirmar que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se

educam entre si, mediatizados pelo mundo.” (p.68). Freire considera a educação

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como prática recíproca, em que a formação não se dá de modo unilateral, mas no

intercâmbio como condição de cada homem fazer a si mesmo. Etimologicamente,

diálogo se origina dos termos gregos dia (dois) e logos, que é originário do verbo

grego leigen, que significa dizer, e opõe-se a monólogo, no qual apenas um

elemento é portador da palavra. Assim, a construção da educação no diálogo

aponta uma imersão na linguagem que é, também, sua tessitura: denota a mesma

condição de ouvintes e falantes para todos os participantes da relação. Para que

esse processo, que é compromisso, ocorra, implica decisão e busca. É preciso

que o próprio educando, como agente dessa construção, comprometa-se com sua

educação. A motivação subjacente à educação como escolha faz parte da ação,

precisa permear o próprio ato e estar “dentro do conhecimento, pelo estudante, da

importância que o conhecimento tem para ele”. (FREIRE & SHOR, 1986, p. 15).

Paulo Freire e a educação: o universo do aluno na s ala de aula

A partir da articulação da educação ao contexto em que ela está implicada

e da importância da palavra do educando para a constituição do conhecimento no

processo de aprendizagem, configuraram-se, para Paulo Freire, alguns momentos

na prática pedagógica, visando contemplar o contexto e experiência do educando

no processo de aprendizagem. Em seu livro Educação como Prática da Liberdade

Freire propõe algumas práticas que possibilitam a ação e reflexão do educando a

partir do contexto, e por meio das quais se compreendem os diversos momentos

que devem se cerzir a fim de que a aprendizagem se articule de modo global.

Primeiramente, Freire aponta a importância do levantamento do universo

vocabular dos educandos, numa investigação temática de seu contexto. Esse

universo expressa, para além das palavras, a percepção do educando sobre sua

realidade, superando a simples constatação de fatos, e abarcando a investigação

e o entrelaçamento de significados e ações numa teia de relações humanas. A

investigação e conhecimento do grupo e seu contexto aproximam educador e

educando, numa relação matizada pela afetividade, e permite a aproximação com

a linguagem expressiva e típica de tal grupo. Esse mergulho na vida do educando

fornecerá condições para interagir no processo, ajudando-o a definir seu ponto de

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partida, e se traduzirá no tema gerador geral, que se configura numa perspectiva

interdisciplinar e global, como esfera de discussão sobre a realidade concreta.

Por meio do tema gerador geral é possível avançar para além do limite de

conhecimento que os educandos têm de sua própria realidade, ampliando sua

compreensão para nela intervir criticamente. A partir do tema gerador geral sairá

o recorte para cada área do conhecimento ou para palavras geradoras, ou seja,

palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado. Essa seleção deve ser

conjunta, porém cabe ao educador a seleção gradual das dificuldades fonéticas.

Considera-se então a riqueza e as dificuldades fonéticas, numa seqüência

gradativa dessas dificuldades, de maneira que a seqüência englobe todos os

fonemas da língua. Além disso, as palavras geradoras devem possuir um teor

pragmático, ou seja, devem estar inseridas no seu contexto social e abrigar uma

pluralidade de engajamento em sua realidade social, cultural, política etc...

Cada palavra geradora deve ter sua ilustração, que permitirá suscitar novos

debates. Essa ilustração (desenho, fotografia), ligada ao tema, tem como objetivo

a "codificação": a representação de um aspecto da realidade, de uma situação

existencial construída pelos educandos em interação com os elementos dela. Por

meio da seleção de temas e palavras geradoras, realiza-se ainda a decodificação

desses temas, buscando o seu significado social, ou seja, a consciência do vivido.

Freire relata uma situação de codificação, na qual se pode compreender a

importância do debate sobre o significado da palavra na constituição do

pensamento crítico e no resgate e reinterpretação da experiência do educando:

certa vez, uma alfabetizanda nordestina discutia, em seu círculo de cultura, uma codificação que representava um homem que, trabalhando o barro, criava com as mãos um jarro. Discutia-se, através da "leitura" de uma série de codificações que, no fundo, são representações da realidade concreta, o que é cultura. O conceito de cultura já havia sido apreendido pelo grupo através do esforço da compreensão que caracteriza a leitura do mundo e/ou da palavra. Na sua experiência anterior, cuja memória ela guardava no seu corpo, sua compreensão do processo em que o homem, trabalhando o barro, criava o jarro, compreensão gestada sensorialmente, lhe dizia que fazer o jarro era uma forma de trabalho com que, concretamente, se sustentava. Assim como o jarro era apenas o objeto, produto do trabalho que, vendido, viabilizava sua vida e a de sua família. Agora, ultrapassando a experiência sensorial, indo mais além dela, dava um passo fundamental: alcançava a capacidade de generalizar que caracteriza a "experiência escolar". Criar o jarro como o trabalho transformador sobre o barro não era apenas a forma de sobreviver, mas também de fazer cultura, de

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fazer arte. Foi por isso que, relendo sua leitura anterior do mundo e dos que-fazeres no mundo, aquela alfabetizanda nordestina disse segura e orgulhosa: "Faço cultura. Faço isto". (FREIRE , 2001, P. 29).

Portanto, codificação e descodificação estão profundamente articuladas à

problematização, ou seja, à busca da superação de um olhar ingênuo por um

olhar crítico, capaz de transformar o contexto vivido. A problematização vincula-se

à consciência que os homens adquirem de si mesmos, em sua inconclusão e em

seu pouco saber de si, que os leva a se transformar e a colocar a si mesmos

como problema. É nesse sentido que se dá a construção de situações existenciais

típicas do grupo de educandos, pois são desafiadoras, codificadas e carregadas

de elementos que serão descodificados pelo grupo com a mediação do educador.

São situações locais que, discutidas, abrem horizontes para analisar problemas

regionais e nacionais, compondo a análise e síntese de temas e palavras.

Os fonemas trabalhados numa aula devem ser registrados para que o

educando, em casa, seja desafiado a construir novas palavras (uma vez que

algumas já foram criadas pelo grupo), comparar com as já criadas, descobrindo

semelhanças e/ou diferenças entre elas. Nesse processo de construção de novas

palavras, leitura e escrita acontecem simultaneamente, permitindo sua fixação. O

educador deve ainda mostrar a articulação oral dos valores das vogais nos

fonemas para facilitar o reconhecimento sonoro de cada uma das vogais.

Pode ainda auxiliar os educadores a elaboração de fichas-roteiro, que irão

servir não como roteiro rígido a seguir, mas como subsídio, e aos educandos a

elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonéticas correspondentes

aos vocábulos geradores, que poderão ser confeccionadas de diversas formas. A

proposta de utilização dessa metodologia na alfabetização de jovens e adultos foi

inovadora, pois partiu da problematização e não da mera adaptação de cartilhas

infantis e possibilitou uma aprendizagem que, contrariamente à visão mecanicista

da educação, demanda e permite posicionar-se frente aos problemas do contexto

em que ocorre. Assim, integra, abrange e impede a fragmentação dos diversos

aspectos da realidade, promovendo a horizontalidade na relação pedagógica, e

ainda a valorização da cultura, da oralidade e da ação do educando.

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UNIDADE 5 - AQUISIÇÃO DE LEITURA E ESCRITA:

FASES DA ALFABETIZAÇÃO

A alfabetização é um processo de compreensão do mecanismo de

articulação dos signos da linguagem. Ao aprender a ler e escrever, a criança na

verdade reinventa a escrita, passando pelo mesmo processo de desenvolvimento

que originou a escrita entre os homens. Ou seja, do processo de utilização de

signos simples, a criança passa à constituição de signos articulados, e através de

sua articulação, à mediação cada vez mais complexa de signos para chegar aos

significados. Assim, a compreensão de que uma letra representa um fonema, que

a articulação de fonemas representa a palavra e de que a articulação de palavras

constitui o significado da mensagem a ser comunicada requer a progressiva

mediação de signos, em que a criança passará da representação simples do

desenho, da palavra, do gesto ou de outro tipo de signo direto à representação

complexa de signos que representam outros signos (por exemplo, o conjunto de

letras articulado de determinada forma, que representa uma palavra escrita que,

por sua vez, representa uma palavra falada que, enfim, representa um objeto).

Fase pré–silábica

A fase pré-silábica, também denominada fase de garatuja ou escrita

indecifrável, está bastante vinculada à primeira forma de representação gráfica

realizada pela criança: o desenho. A criança, nessa fase, já tem consciência de

que a escrita é uma forma de representação, e muitas vezes pode conhecer e

lidar com as letras, porém não reconhece na escrita e nas letras um valor sonoro,

mas um valor gráfico. Desse modo, ela compreende a escrita em sua relação

direta de signo e significado, sem passar pela codificação e decodificação sonora.

Como para a criança nessa fase qualquer letra tem o mesmo valor, ela realiza

uma variação de letras (ela pode, por exemplo, utilizar EEE para designar “leão”

e, em outra ocasião, utilizar ALSI para o mesmo objeto) e organiza as letras em

quantidade (mínimo e máximo de letras para ler).

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Pela mesma forma de compreender a escrita, ela relaciona o tamanho da

palavra com o tamanho do objeto, preservando a relação entre o objeto e sua

representação gráfica, e não fonética. Por exemplo, para escrever “elefante”, ela

utiliza muitos traços ou letras, enquanto para escrever “formiga”, utiliza traços

pequenos ou poucas letras. Ao familiarizar-se mais com as letras, ela não é capaz

de ler ou escrever fonema por fonema, nem sílaba por sílaba, e considera mais

importante a letra inicial do que as demais ao escrever. É importante, nesse

período, tanto estimular a criança ao conhecimento das letras quanto questionar

suas hipóteses e exercitar com ela o valor sonoro das letras, individualmente,

articulando-as progressivamente em palavras e sílabas curtas. Do mesmo modo,

é preciso compreender que o raciocínio da criança está vinculado à sua

experiência simbólica e de representação, não constituindo um erro, mas um

outro modo de compreensão da representação simbólica que, no entanto, deverá

ser ampliado pelo exercício e compreensão da representação escrita.

Fase silábica

Nessa fase, a criança consegue perceber a relação entre o som e a grafia

das palavras, passando a compreender a escrita como representação de uma

representação, ou seja, como representação de sons e fonemas que, por sua vez,

representam objetos ou elementos do mundo. Ela desvincula, dessa forma, a

escrita da representação gráfica direta, porém relaciona a letra, enquanto unidade

fundamental da escrita, ao som silábico, que considera como unidade fonética

fundamental. Desse modo, para representar o fonema silábico, em geral a criança

irá optar pela vogal ou pela consoante que compõe a sílaba, correspondendo

cada sílaba a uma letra, como no exemplo seguinte:

Ex: CA VA LO

C V O

Pode ocorrer também, embora com menos freqüência, que a criança utilize

outras letras que não as que compõe a silaba que deseja representar, ou que ela

mescle vogais e consoantes nesta representação.

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Ex: CA VA LO

S A I

C A L

No auge dessa fase, a criança relaciona sua representação com o valor

sonoro convencional, começando a articular a letra ao fonema. No exercício

contínuo dessa metodologia de escrita, a criança se defronta com problemas. No

aspecto quantitativo, o número de letras utilizado em cada palavra não

corresponde ao número de letras que ela própria utiliza. No aspecto qualitativo,

ela compreende a necessidade de repetição da mesma letra para sua utilização

como signo, porém a escrita silábica acaba por gerar a mesma representação

para objetos diferentes.

Ex: CA VA LO = MA CA CO

A A O causa conflito A A O

Desse modo, a criança passa a acrescentar mais letras e buscar novas

hipóteses, passando para a fase seguinte, silábica alfabética.

Fase silábica alfabética

A hipótese silábica foi descartada pela criança e ela começa a acrescentar

letras. Nessa fase, muitos professores afirmam que a criança “troca letras” ou

“come letras”, chegando algumas vezes a acreditar que sua escrita é um indício

de dislexia ou discografia. Na verdade, a criança está testando a hipótese

alfabética, porém ainda não abandonou completamente a hipótese silábica

anterior. Assim, ela alterna entre a representação de uma letra por uma sílaba e

de uma letra por um fonema, construindo palavras em que as duas hipóteses se

mesclam.

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SAPATO TOMATE CAJU

2ª fase - S A O TOMTE C J

3ª fase SA TO TOMT CJUA

Após exercitar as duas hipóteses, a criança percebe como uma boa

solução representar a letra pelo fonema e passa a escrever na fase alfabética.

Fase alfabética

Essa fase está relacionada ao desenvolvimento da consciência fonética, ou

seja, da capacidade de a criança compreender a escrita como representação do

som, reconhecendo o valor sonoro das letras. A partir deste reconhecimento, a

criança passa a querer representar cada fonema. Nesta fase, a criança ainda irá

enfrentar problemas ligados à ortografia, pois em nenhuma língua escrevemos

exatamente do modo como falamos. Assim, do ponto de vista fonético, a

representação de “casa” com a letra z não é incorreta. É o exercício e o contato

com a língua que permitirá à criança, gradualmente, ampliar seu arcabouço de

palavras, compreender exceções da língua e utilizar a articulação entre palavras e

sentidos de modo criativo, porém respeitando as regras de articulação de signos

de modo a se fazer compreensível e comunicar.

Na construção da base alfabética, o contato com a narrativa, por exemplo,

é imprescindível. Mesmo inconscientemente, a criança interioriza os elementos da

narrativa (narrador, personagem, ação - conflito e desfecho- espaço e tempo) e

essa é a base para a construção de suas próprias histórias. Através desse

contato constante e intenso, a criança passa a ter a chance de ser sujeito da

narração, descrição e até da dissertação (se o discurso argumentativo não

aparece na narrativa, pode surgir em um debate posterior sobre as atitudes das

personagens, o desfecho da história etc.). A narração, a descrição e, sobretudo, a

dissertação continuam sendo objeto de estudo e aprofundamento ao longo da

vida escolar.

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UNIDADE 6 - O PROFESSOR E AS TEORIAS

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência ara a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDT, 1979, p.247)

Teoria e Prática: o professor na perspectiva da prá xis pedagógica

A educação enquanto práxis se entrelaça as múltiplas dimensões e

agentes. Dessa forma, é fundamental ao educador refletir sobre o modo como

constrói sua atuação e sua atitude pedagógica. Os fundamentos teóricos, as

experiências práticas, a articulação que realiza entre essas esferas, as

possibilidades de pesquisa e análise de suas ações pedagógicas, a compreensão

das implicações educacionais, sociais e políticas de seu posicionamento

profissional são aspectos que se refletem no cotidiano da práxis. Não é possível

auxiliar numa formação crítica sem realizar a crítica da própria práxis formativa.

Em relação à teoria, podemos resgatar seu princípio etimológico.

Na formação do professor, existe uma gama enorme de trabalhos teóricos,

que influenciam seu percurso educacional. É importante, no entanto, uma

preocupação em desenvolver nessa formação uma articulação consistente que

fundamente uma posição ético-política na reflexão, na postura e na prática

profissional. Assim, questões como o que trabalhar e como trabalhar, para quem

trabalhar e para que educar, devem acompanhar o desenvolvimento de uma

educação integral e crítica. Se compreendermos que a educação tem um papel

transformador da sociedade e que, portanto, o educador é um dos instrumentos

desta transformação, podemos ressignificar a fundamentação teórica e a atuação

prática como modos histórico-socialmente construídos de abordar o homem e os

problemas do mundo humano, que implicam conseqüências diversas não apenas

na prática pedagógica, mas na vida e na socialização dos educandos.

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Dessa perspectiva, podemos resgatar o sentido etimológico de teoria. Do

grego théorein, composto dos termos théa que se refere ao desvelamento que

presentifica os fenômenos, e oráo, que denota consideração e deferência, theoria

significa desvelamento que se realiza a partir do que se contempla, atenção

reflexiva dada ao que se manifesta aos homens (HEIDEGGER, 1958). Muitas

vezes compreendida como mera construção especulativa, ou como constructo

que explica ou justifica os fenômenos de modo acabado, teoria refere-se, na

verdade, ao olhar reflexivo e fundamentado, capaz de descrever a realidade e

comunicá-la, resgatando a historicidade do mundo humano para a ação humana.

Nesse sentido, a teoria não contém a verdade, mas cuida da verdade enquanto

fenômeno que se desvela aos homens.

A educação pensada a partir da pedagogia da práxis, não pode entender

que o educador é um transmissor de teorias, mas deve favorecer a inter-relação

entre as teorias, enquanto modo de contemplar e debruçar-se sobre a prática, e

as experiências efetivamente vividas no cotidiano pedagógico, submetendo

ambas a um processo analítico reciprocamente alimentado e capaz de identificar

suas contradições e entendendo sua importância na leitura do mundo. Desse

modo, a relação entre teoria e prática se faz didática. Como afirma Luckesi (1994)

A didática, como direcionamento imediato da prática do ensino e da aprendizagem, servirá de elemento articulador entre as proposições teóricas e a prática escolar (...) Ela, tanto em sua fase de planejamento, quanto em sua fase de execução, é a mediação necessária para garantir a tradução da teoria pedagógica em prática pedagógica. Através dela, a concepção teórica da educação pode se fazer concreticidade histórica. (p.163).

Dessa forma, é interessante percebermos que a educação não é estática,

mas é dinâmica, se configurando num permanente processo em movimento, em

transformação, que se constrói a partir dos problemas, questões e reflexões que

ocorrem nas relações humanas. Assim, a partir dos problemas enfrentados em

conjunto, o diálogo e a participação no processo educativo se faz de modo

pertinente ao contexto social e possibilitador das mudanças que lhe são próprias.

Os problemas que emergem da vida e da prática social tornam-se (...) o objeto principal de conhecimento, o conteúdo próprio da prática educacional libertadora. Na busca de compreender e resolver os

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problemas que surgem da própria prática, as pessoas discutem, trocam opiniões e experiências, buscam informações e elaboram novos conhecimentos. O diálogo sobre os problemas vividos torna-se, pois, a base principal de aprendizagem e de elaboração teórica, que se faz de maneira estritamente ligada à prática. A teoria, com efeito, surge a partir da prática, é elaborada em função da prática e sua verdade é verificada pela própria prática. (FLEURI, 1994, p.59)

Enfim, é importante manter uma relação dialética entre teoria e prática, na

qual o educador, não isoladamente, analisa os diversos aspectos que envolvem

suas práticas educativas. Essa postura não deve ser somente do educador, mas

de todos os agentes envolvidos no processo, com o intuito de desenvolver uma

educação mais ampla e democrática, preocupada com a formação de cidadãos.

Atividade de Aprofundamento

Leia os textos abaixo e escreva um texto analisando a própria prática

pedagógica à luz de suas compreensões teóricas e reflexões sobre ela. Como

você concebe hoje a educação? Qual a sua função na sociedade? É possível

conceber na prática possibilidades de transformação social? Como fazê-lo? Quais

os problemas enfrentados no cotidiano escolar para a construção de uma práxis

democrática? Como possibilitar que educador e educando sejam agentes ativos

no processo educativo?

Todo planejamento educacional, para qualquer sociedade, tem de responder as marcas e aos valores dessa sociedade. Somente assim é que pode funcionar o processo educativo, ora como força estabilizadora, ora como fator de mudança. Às vezes, preservando determinadas formas de cultura. Outras, interferindo no processo histórico, instrumentalmente. De qualquer modo, para ser autêntico, é necessário ao processo educativo que se ponha em relação de organicidade com a contextura da sociedade a que se aplica. Paulo Freire

Tomando por base as características fundamentais do educador e do educando, como seres humanos e como sujeitos da práxis pedagógica, verificamos que o papel do educador está em criar condições para que o educando aprenda e se desenvolva, de forma ativa, inteligível e sistemática. (...) Para tanto, o educador, de modo algum, poderá obscurecer o fato de que o educando é um sujeito ativo e que, para que aprenda, deverá criar oportunidades de aprendizagens ativas, de tal modo que o educando desenvolva suas capacidades cognoscitivas assim como suas convicções afetivas, morais, sociais, políticas. (...) O educador, como sujeito direcionador da práxis pedagógica escolar, no seu trabalho docente, estar atento a todos os elementos necessários

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para que o educando efetivamente aprenda e se desenvolva. Para isso, além das observações aqui contidas, deverão ter presente o resultado das ciências pedagógicas, da didática e das metodologias específicas de cada disciplina. (...) O planejamento, a execução e avaliação do ensino serão insatisfatórios, se não forem processados dentro de mínimos parâmetros de criticidade. (...) O estudo deste capítulo tem por intenção chamar a atenção de educadores e de futuros educadores para o fato de que os sujeitos da práxis pedagógica não estão dados definitivamente, mas, sim, que eles devem ser permanentemente repensados e recompreendidos, se querem produzir uma ação docente-discente de forma crítica. (LUCKESI, 1994, p.119).

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UNIDADE 7 - PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: DIFICULDADES

NAS INTERFACES ENTRE DESENVOLVIMENTO E ESPAÇO

ESCOLAR

Problemas de aprendizagem: alguns elementos históri cos de um

debate transdisciplinar

Atualmente, muitos estudos apontam para uma constituição dos problemas

de aprendizagem que, se estão vinculados ao aluno e à sua relação com o

professor, possuem também importantes fatores sociais, políticos, institucionais e

históricos. No entanto, historicamente, a compreensão individual dos problemas

de aprendizagem acompanhou muitos períodos da Psicologia, da Medicina e da

Educação. O desenvolvimento de testes psicológicos e medidas de seleção e

avaliação de habilidades ocorreu justamente em atendimento a uma demanda de

classificação de habilidades e adaptação de indivíduos ao mercado e à sociedade

industrial capitalista, assim como o próprio sistema de ensino desenvolveu-se

com essa finalidade (PATTO, 1984). Desse modo, a existência de indivíduos fora

do padrão das escalas montadas a partir de necessidades de mercado não

poderia ser observada a partir de outro olhar senão o de uma diferenciação

individual, cuja responsabilidade é, portanto, da constituição de cada sujeito.

Nessa conjuntura, a aplicação desses testes e medidas no contexto escolar

tomou a forma de um sistema de identificação de problemas de desenvolvimento

individuais utilizado com a finalidade de sanar, através de mecanismos técnicos,

os problemas encontrados, muitas vezes com causas mais profundas na política

educacional, na falta de formação e condições de trabalho do professor e no

preconceito em relação a alunos de baixa renda. Esse contato da Psicologia com

a queixa escolar que se dá a partir dos estudos sobre o desenvolvimento

cognitivo da criança coloca o enfoque desenvolvimentista como centro das

explicações sobre a queixa escolar, concebida como fruto de dificuldades nos

processos de aprendizagem. É nesse âmbito que perdurou, até a década de 60, a

utilização das terapias de reeducação psicomotora, dos testes de inteligência e

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dos inventários de habilidades e interesses, nos quais entender as dificuldades

escolares era, segundo Patto (1997) “medir capacidades e habilidades, o que

fazia dos testes ferramentas imprescindíveis à atuação escolar dos psicólogos”.

Igualmente, outros discursos acerca das queixas escolares se colocaram

como sistemas de explicação, identificação e tratamento dos problemas escolares

em cujo âmbito principal eram situados os problemas do aluno e sua família.

Assim, na medicina, os primeiros estudos sobre os distúrbios de leitura e escrita,

realizados no século XIX, formularam teorias que explicavam o fenômeno através

de um olhar organicista, no qual os fatores inatos e a herança genética possuíam

papel predominante (PRISZKULNIK,1993). Esse enfoque orgânico dos distúrbios

de aprendizagem acabou por transformar-se ao longo do século XX,

desconstruindo explicações acerca da origem dos distúrbios de leitura e escrita

que postulavam um caráter anatômico de lesão, porém conservando a idéia de

que sua causa estaria, de alguma forma, inscrita no corpo orgânico.

Nesse contexto, desenvolveu-se na década de 70 o conceito de Disfunção

Cerebral Mínima, devido ao fato de não haver sido detectada nenhuma lesão

cerebral através dos exames médicos disponíveis, que esteve presente desde a

década de 30 até a década de 80. Esse mesmo pensamento está presente em

outra queixa escolar muito comum, a de indisciplina, considerada pela medicina

como “hiperatividade”. Atualmente, o debate médico sobre a queixa escolar volta

a atenção para o funcionamento cerebral, a partir da concepção de problemas de

leitura e escrita e de indisciplina como conseqüência de disfunções do ponto de

vista fisiológico, e não mais anatômico, em relação à formação dos circuitos

neuronais e deficiência de neurotransmissores.

Já a Pedagogia, outra área que se interessa pela queixa escolar, parte de

uma construção semelhante às primeiras formulações da psicologia em relação

aos problemas escolares. Até a década de 20, a concepção predominante nessa

área era a de que o aluno nasceria ou não com “dom” para a aprendizagem,

determinado geneticamente, numa perspectiva bastante próxima da medicina. A

partir da década de 30, a teoria da Escola Nova passa a conceituar o aprendizado

como dependente do interesse do aluno, em que o papel do professor é estimular

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esse interesse e a habilidade necessária para esse estímulo é a “vocação”. O

professor deveria ainda adaptar o conteúdo do ensino às “aptidões” do alunado.

Do mesmo modo que a teoria da Escola Nova, várias outras teorias

acabaram por conceber o problema em um âmbito que, em última análise

considera a questão da queixa escolar como fruto exclusivo de dificuldades do

aluno. Por exemplo, a teoria da Carência Cultural, vigente no Brasil na década de

70, se coloca como explicação da desigualdade educacional entre alunos

oriundos de diferentes classes sociais e considera que “a pobreza ambiental nas

classes baixas produz deficiências no desenvolvimento psicológico infantil que

seriam a causa de suas dificuldades de aprendizagem e de adaptação escolar”.

(PATTO, 1984). O ensino pré-escolar como educação compensatória, a

tecnologia aplicada ao ensino, a educação para a criatividade e a educação de

superdotados são algumas das práticas relacionadas a essas teorias. Aqui, é

interessante observar que o primeiro tema concebe que há um déficit no aluno a

ser suprido e os outros três que os problemas educacionais são passíveis de

soluções apenas técnicas, desconhecendo questões políticas e sociais envolvidas

no tema.

A psicanálise também acabou por tratar a queixa escolar como individual

até pelo menos a primeira metade do século XX. Ao conceber o sintoma como

fruto de uma história individual de origem sexual, Freud obscurece a possibilidade

de pensá-lo em suas interfaces com o todo social. Na psicanálise, pode-se falar

do sintoma como algo que revela uma questão para o sujeito ou ampliá-lo como

algo que revela uma questão para o meio social em que ele vive. Porém, há na

prática clínica uma tendência para a consideração individual ou, no máximo,

familiar do sintoma. Assim, o encontro da psicanálise com a educação e com o

psicólogo interessado em intervir de modo ‘não alienado’ (...) criou ainda um outro

impasse: as explicações dadas pela psicanálise a respeito da origem dos

problemas das pessoas parece não coincidir nem um pouco com as explicações

que colocam um grande peso sobre os determinantes sociais. (FRELLER, 1997).

A concepção dos problemas de aprendizagem como fruto exclusivo das

dificuldades do aluno desconsiderando sua relação com questões escolares está

relacionada a fatores sócio-políticos que fazem parte do cotidiano em que a

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escola, como instituição, está inserida. Assim, faz-se necessária uma análise

crítica acerca dos discursos que fornecem explicações de caráter individual sobre

o fenômeno, pois esses discursos são comprometidos ideologicamente com o

sistema social do qual participam, partindo da consideração de que o sucesso ou

o insucesso na escola depende exclusivamente do desempenho individual e não

está relacionado com um sistema educacional, cultural e social de classes.

Ao conceber a escola como inserida em uma sociedade de classes, pode-

se pensar as dificuldades de aprendizagem como fruto de um cotidiano de

relações que reproduz as relações sociais de classe, excluindo o aluno pobre da

escola. Da mesma forma, ao individualizar um problema relacionado às relações

sociais, ofusca-se o questionamento da própria sociedade que o produziu,

mantendo o sistema de relações que gera muitas das dificuldades escolares.

Ampliando o olhar acerca da queixa escolar de forma a considerar aspectos

envolvidos na questão que não eram acolhidos pelos discursos individualizados, é

possível demonstrar que muitas das explicações utilizadas, além de não levarem

em conta os fatores sociais envolvidos na questão, demonstravam-se falsas em

seus argumentos.

Assim, na área médica, concepção dos distúrbios de comportamento e de

leitura e escrita como inscritas no corpo orgânico apóia-se no paradigma médico

do corpo como um sistema onde um sintoma tem de estar, necessariamente,

inscrito biologicamente. Assim, a visão médica considera influências externas

apenas como possíveis interferências sobre o corpo biológico que podem

influenciar o aparecimento da doença, mas desconsidera a possibilidade de

inscrever-se, nesse corpo, e ainda, no sujeito ao qual esse corpo pertence, um

sintoma que diz respeito não apenas e ele, mas que indica problemas nas

relações humanas e, portanto, nas relações representadas. Assim, o saber

médico, ao tratar das queixas escolares, acaba por inscrever, em sua prática,

uma vertente ideológica: se o problema está inscrito no corpo, é esse que precisa

ser, necessariamente, ajustado ao meio, e não é preciso pensar as relações

afetivas e sociais que o acompanham.

Essa posição, se tem funcionalidade e eficácia no âmbito da prática

médica, torna-se preocupante quando desconsidera outros possíveis fatores a

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atuarem no problema, “biologizando” uma questão social. Além disso, essa

perspectiva é não apenas também presente no senso comum, mas ainda no olhar

de profissionais de outras áreas interessadas na questão, como a pedagogia e a

psicologia, já tendo sido chamado por Patto (1984) de “medicalização do fracasso

escolar”.

Quando nos voltamos para a explicação, no âmbito da pedagogia, de que

os problemas de aprendizagem são gerados pela existência de uma “cultura da

pobreza” para a qual a escola não está adequada, observamos que essa forma

de pensar a educação carrega uma concepção ideológica: a de que existem

crianças mais ou menos preparadas e/ou interessadas em aprender, como um

fator intrínseco às crianças. Além disso, essa explicação ainda carrega a

concepção de que as escolas para populações carentes devem ser diferentes de

outras escolas, adequando-se a essa “cultura da pobreza”. Como um pensamento

intrínseco a essa idéia é de que a cultura de populações carentes é menos

favorecida intelectualmente do que a das classes médias, a idéia veiculada por

essa explicação é a de que as classes pobres têm menos condições de aprender,

devendo-se ser relegada a elas uma escola com menor conteúdo intelectual.

A partir dessa análise, vários estudos, entendendo a concepção intrínseca

a essa explicação, criticaram a existência de uma “cultura da pobreza” e de outras

explicações que alegavam a menor capacidade da criança pobre, ampliando a

visão acerca do problema. Assim, Carraher, Schliemann & Carraher (1996)

demonstram que as dificuldades de alunos para o aprendizado de matemática

estão muito mais relacionadas às questões escolares do que a uma pretensa falta

de capacidade dos alunos pobres, e Cagliari (1997) demonstra que o ensino da

linguagem escrita não está relacionado a uma pretensa falta de capacidade da

criança, já que essa aprendeu a andar, a falar, etc, demonstrando sua

capacidade, mas a uma visão equivocada acerca dessa criança, exatamente por

essa ser percebida como incapaz.

Assim, também a explicação psicanalítica da queixa escolar como sintoma

de um problema que diz respeito unicamente à história do sujeito carrega em seu

âmbito a concepção de que o sofrimento psíquico nada tem a ver com o todo

social, ao mesmo tempo em que coloca o problema exclusivamente sobre o

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âmbito emocional. Nesse sentido, um estudo de Souza (1995) possibilita criticar

essa visão, através de uma constatação bastante simples, de que, se nas escolas

particulares, os índices de reprovação na primeira série em 1990 foram da ordem

de 7% e nas escolas públicas esse índice sobe para 35%, não é possível atribuir

tamanha defasagem a problemas emocionais.

No campo da Psicologia, a concepção de que a queixa escolar é um

problema do desenvolvimento carrega tanto a concepção de que o problema da

queixa escolar é técnico, e não social, quanto a concepção de que a criança

pobre sofre de distúrbios em seu desenvolvimento, estando menos preparada

para aprender. A partir da análise das concepções ideológicas que atravessam

essa explicação, muitos estudos, como os de Frayze-Pereira, Telles e Camillo

(1989) e Souza (1996) fizeram a crítica ao uso da avaliação de inteligência e de

terapias de re-educação como estratégias para lidar com os problemas escolares.

Assim, vários aspectos envolvidos na questão formam considerados: Frayze-

Pereira, Telles e Camillo (1989) questionam a fidedignidade e legitimidade dos

testes psicológicos para avaliar problemas escolares e Souza (1996) a questão da

“padronização” de um modo de atendimento e de realização de psicodiagnósticos.

Porém, não apenas a qualidade dos atendimentos foi questionada, como

também a própria concepção de que o fracasso escolar é fruto de problemas

emocionais ou de desenvolvimento. Patto (1984), em estudo de caso, aponta as

conseqüências do diagnóstico psicológico na vida escolar de uma criança, ao

mesmo tempo em que o questiona. Ao confrontar tal diagnóstico com a história

escolar de Ângela, demonstra uma relação muito mais estreita entre sua

reprovação e a sua história escolar, inclusive a maneira preconceituosa e

equivocada como era percebida pela escola, do que a relação que a psicóloga

quis articular entre a relação de Ângela com a mãe e seu desempenho escolar.

Assim, ao contrário da concepção adotada por Freire (1979) do ensino

como “libertador”, na medida em que se coloca como instrumento para a

percepção da possibilidade de transformação do mundo pelos indivíduos, as

concepções predominantes de ensino se aliam a uma concepção liberal, que

prioriza a ação individual, ou totalitária, que concebe a educação como

instrumento de manutenção do status quo e de uma situação social estática.

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As classes especiais e a criança com deficiência

Historicamente, a definição do nível de inteligência ou deficiência física de

crianças muitas vezes se concentrou no saber médico especializado. No entanto,

muitas pesquisas revelam que a simples localização orgânica de distúrbios ou

lesões não produz um retrato fidedigno da capacidade do indivíduo. No caso de

cegos, por exemplo, constatou-se, na década de 70, que muitas crianças

consideradas cegas pelo exame oftalmológico do nível de acuidade visual liam o

método Braille com os olhos (AMARILIAM, 1986). Desse modo, a cegueira não

pode ser determinada apenas pelo nível orgânico de acuidade visual, mas pela

eficiência visual: a utilização satisfatória ou não da capacidade visual, ainda que

baixa, no processo de aprendizagem. Assim, houve uma mudança fundamental

do critério biológico para o pedagógico: “antes, o Braille era indicado aos sujeitos

diagnosticados como cegos; agora, são considerados cegos aqueles que

necessitam do método Braille para a aprendizagem da leitura e da escrita”. (p.31).

Em 1989, Edouard Claparede, professor de Psicologia em Genebra, com

auxílio do neurologista François Neville, introduziu pela primeira vez na escola

pública classes para a educação de crianças retardadas – as classes especiais.

Essa foi primeira colaboração dos médicos pedagogos na reeducação de

deficiências sensoriais e do retardo mental. Entre 1904 e 1908, iniciaram-se as

primeiras consultas médico-pedagógicas, para estabelecer critérios de admissão

e seleção de crianças para formar essas classes especiais. A primeira equipe

médico-pedagógica foi formada pelo educador Seguin e pelo psiquiatra Esquirol,

nos fins do século XIX.

Em 1905, dois psicólogos franceses, Alfred Binet e Theodore Simon,

criaram em Paris a primeira escala de desenvolvimento intelectual: a Escala

Binet-Simon, para medir o quociente intelectual (QI) dos alunos das escolas

públicas francesas, com a finalidade de selecionar aqueles que poderiam

ingressar na escola fundamental e aqueles que não poderiam. Esse teste é

utilizado até hoje, com algumas modificações e acréscimos. No Brasil, os testes

de inteligência mais aplicados são o Teste ABC e o Teste Metropolitano. A

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utilização de testes psicológicos, no entanto, deve considerar inúmeros fatores. O

teste metropolitano, por exemplo, já pressupõe determinados conhecimentos

escolares, assim como o WISC. Desse modo, uma criança pode ter um

desempenho melhor ou pior nesses testes devida à qualidade do ensino formal

que lhe foi oferecido, configurando um retrato não apenas de sua potencialidade,

mas daquilo que ela consegue desempenhar no momento, na interação de sua

capacidade com os recursos que lhe são oferecidos. Assim, a avaliação

psicológica de uma criança deve ser realizada com base em múltiplas referências

e um desempenho um pouco mais baixo, isoladamente, não deve ser considerado

fator de inclusão em uma classe especial.

Inspirada nos trabalhos de Itard e Seguin, Maria Montessori, psiquiatra

italiana, criou na mesma época um método de aprendizagem, que ficou conhecido

como Método Montessori. Esse método princípio destinava-se somente a crianças

retardadas em aprendizagem, mas posteriormente foi estendido a todas as

crianças. Começou a ser empregado nas Casas dei Bambini, que eram centros

de educação infantis criados junto às moradias de operatórios fabris. O Método

Montessori é usado até hoje, inclusive em colégios de elite, principalmente

religiosos. Ele se preocupa com a educação da vontade e a alfabetização e tem

como objetivo principal a estimulação dos órgãos dos sentidos. Por esse motivo, é

chamado de método sensorial. Para sua aplicação, Maria Montessori criou um

material muito rico e variado, cuja finalidade é estimular as percepções.

As idéias de “distúrbio” e “excepcionalidade” de co mportamento e os

problemas de aprendizagem

A idéia de distúrbios de aprendizagem não se apóia numa definição precisa

de distúrbio de comportamento ou do que seja um comportamento normal.

Qualquer definição de mudança ou variação de um comportamento será sempre

relativa ao ambiente cultural, social e histórico do indivíduo. Além disso, dois

graves problemas que acompanham este tipo de classificação são a geração de

preconceitos e exclusão dos indivíduos considerados portadores de distúrbios,

num processo de desumanização e desvitalização de seus relacionamentos

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interpessoais, diminuindo ainda mais as oportunidades do desenvolvimento de

suas potencialidades, e o contorno de um lugar social demarcado para esses

indivíduos, que, passando a ser tratados e, conseqüentemente, a reagir de acordo

com o diagnóstico elaborado.

Assim, o termo distúrbio, embora venha sendo usado na literatura

especializada em várias acepções, é bastante controverso, tanto pela dificuldade

em descrever e orientar em relação aos problemas de aprendizagem quanto pela

facilidade com que reproduz preconceitos na escola e na sociedade. Para alguns

médicos, psicólogos ou educadores, distúrbios são problemas ou dificuldades no

processo de ensino-aprendizagem. Isso porque, para esse grupo, distúrbios são

perturbações de origem biológica, neurológica, intelectual, psicológica, sócio-

econômica ou educacional, encontradas em escolares, que podem tornar-se

problemas para a aprendizagem dessas crianças.

Um segundo grupo, por sugestão de Kirk e Bateman, em 1962, utiliza a

expressão distúrbios de aprendizagem para casos de crianças com dificuldade de

aprendizagem cuja causa é considerada desconhecida, uma vez excetuam-se

problemas físicos, sensoriais, emocionais ou intelectuais. Suas dificuldades

recebiam várias designações, tais como: hiperatividade, hipercinesia, síndrome de

criança hiperativa, disfunção cerebral mínima, dificuldade de aprendizagem ou

disfunção na aprendizagem. É importante observar que nessa concepção não são

considerados os problemas institucionais e relacionais constituídos no próprio

âmbito da escola enquanto instituição.

Assim, o termo distúrbio pode abranger uma variedade de problemas de

diferentes espécies e devidos a causas diferentes, ocasionando confusão no

diagnóstico dos problemas escolares e obscurecer algumas de suas causas. Há

ainda psicólogos que denominam de problemas de aprendizagem a todos os

problemas psicopedagógicos que interferem diretamente em como a criança se

apresenta na escola e considerando a análise de fatores orgânicos e

constitucionais da criança, fatores específicos da área perceptivo-motora (visão,

audição, coordenação motora), fatores emocionais e intelectuais e fatores sócio-

ambientais, representados pelo lar, pela escola e pela comunidade como um todo.

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O conceito estatístico de normalidade baseia-se nos comportamentos mais

comumente encontrados em uma população, que ocupam a faixa média da Curva

de Gauss. Assim, a normalidade refere-se a uma média populacional, o que pode

alterar-se de acordo com o tempo histórico, a sociedade e a cultura.

N

Curva de Gauss

Por esta concepção, qualquer desvio da expectativa de comportamento do

grupo etário a que pertence, e o significado de “normal” terá a mesma raiz de

“medíocre”, que se refere àquele que está na média. Assim, o desvio não se

refere apenas àqueles que possuem dificuldades, mas também aos que estão

mais adiantados que sua idade ou possuem uma compreensão à frente de seu

tempo em determinado aspecto. Há muitos relatos de gênios que foram

consideradas pessoas diferentes, excêntricas, estranhas, fora dos parâmetros

normais de seu grupo, e até mesmo loucos. Assim, a normalidade refere-se mais

ao que é socialmente aceito do que a critérios promotores de uma boa saúde,

educação e desenvolvimento humano.

Historicamente, a psicologia e a pedagogia no Brasil buscaram uma prática

do ajustamento, voltada ao tratamento e profilaxia daqueles que não se

encontravam nos padrões da maioria, considerando esse um comportamento

perturbado e reificando preconceitos referentes às normas sociais. Nesse

contexto, é importante ressaltar que a própria exclusão social produz e constitui

as dificuldades às quais refere. Ou seja, o apontamento de determinadas

características e o processo de exclusão levam o indivíduo a reconhecer tais

características em si e a excluir-se, intensificando o problema. Muitas vezes, a

criança sofre até punições por parte de companheiros ou superiores. E problemas

anormal Inferior

( - )

Faixa de normalida-

de

anormal superior

( + )

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de aprendizagem podem se manifestar como reflexo de uma situação de

exclusão.

Texto de apoio

O texto a seguir é extraído do livro “Estigma: notas sobre a manipulação da

identidade deteriorada”, de Erving Goffman, e aborda o tema do estigma. O autor

afirma que as possibilidades de proteção social e construção de uma identidade

digna frente ao preconceito parecem cada vez mais difíceis na América. Como

podemos analisar o tema frente à educação e aos problemas de aprendizagem

brasileiros? Leia com atenção e a seguir escreva um texto relacionando as

compreensões usuais de distúrbio e a questão do preconceito.

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos

considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os

ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles

encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um

relacionamento com “outras pessoas” previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando

um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os

seus atributos, a sua “identidade social” – para usar um termo melhor que “status social”, já que

nele se incluem atributos como “honestidade” da mesma forma que atributos estruturais, como

“ocupação”.

Baseando-nos nessas preconcepções, nós as transformamos em expectativas normativas, em

exigências apresentadas de modo rigoroso. Caracteristicamente, ignoramos que fizemos tais

exigências ou o que elas significam até que surge uma questão efetiva. Essas exigências são

preenchidas? É nesse ponto, provavelmente, que percebemos que durante todo o tempo

estivemos fazendo algumas afirmativas em relação àquilo que o indivíduo que está à nossa frente

deveria ser. Assim, as exigências que fazemos poderiam ser mais adequadamente denominadas

de demandas feitas “efetivamente” e o caráter que imputamos ao indivíduo poderia ser encarado

mais como uma imputação feita por um retrospecto em potencial – uma caracterização “efetiva”,

uma identidade social virtual. A categoria e os atributos que ele, na realidade, prova possuir, serão

chamados de sua identidade social real.

Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo

que o torna diferente dos outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído,

sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente

má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo uma criatura comum e total, reduzindo-o a

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uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu

efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma

fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade social

virtual e a identidade social real. Observe-se que há outros tipos de discrepância entre a

identidade social real e a virtual como, por exemplo, a que nos leva a reclassificar o indivíduo

antes situado numa categoria socialmente prevista, colocando-o numa categoria diferente mas

igualmente prevista (...) nem todos os atributos indesejáveis estão em questão, mas somente os

que são incongruentes com o estereótipo que criamos para um determinado tipo de indivíduo.

O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente

depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos.

Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é,

em si mesmo, nem honroso nem desonroso. Por exemplo (...) alguns cargos (...) obrigam seus

ocupantes que não tenham a educação universitária esperada a esconderem isso; outros cargos,

entretanto, pode levar os que os ocupam e que possuem uma educação superior a manter isso em

segredo para não serem considerados fracassados (...).

Um estigma é, então, na realidade, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo,

embora (...) há importantes atributos que em quase toda a sociedade leva ao descrédito (...).

As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com um estigma, e os atos que

empreendemos em relação a ela são bem conhecidos na medida em que são as respostas que a

ação social benevolente tenta suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém

com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de

discriminações através das quais, efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas

chances de vida. Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua

inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma

animosidade baseada em outras diferenças (...) Utilizamos termos específicos, tais como aleijado,

bastardo, retardado, em nosso discurso diário como fonte de metáfora e representação, de

maneira característica, sem pensar no seu significado original.

Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original e, ao mesmo

tempo, a imputar ao interessado alguns atributos desejáveis mas não desejados (...) Além disso,

podemos perceber sua resposta defensiva a tal situação como uma expressão direta de seu

defeito e, então, considerar os dois, defeito e resposta apenas como retribuição de algo que ele,

seus pais ou sua tribo fizeram e, consequentemente, uma justificativa da maneira como o

tratamos.

Parece também possível que um indivíduo não consiga viver de acordo com o que foi

efetivamente exigido dele e, ainda assim, permanecer relativamente indiferente ao seu fracasso;

isolado por sua alienação, protegido por crenças de identidade próprias, ele sente que é um ser

humano completamente normal e que nós é que não somos suficientemente humanos. Ele

carrega um estigma, mas não parece impressionado ou arrependido ao fazê-lo. Essa possibilidade

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é celebrada em lendas exemplares sobre os menonitas, os ciganos, os canalhas impunes e os

judeus muito ortodoxos.

Na América atual, entretanto, os sistemas de honra separados parecem estar decadentes. O

indivíduo estigmatizado tende a ter as mesmas crenças sobre identidade que nós temos; isso é

um fato central. Seus sentimentos mais profundos sobre o que ele é podem confundir a sua

sensação de ser uma “pessoa normal”, um ser humano como qualquer outro, uma criatura,

portanto, que merece um destino agradável e uma oportunidade legítima (...) os padrões que ele

incorporou na sociedade maior tornam-no intimamente suscetível ao que os outros vêem como

seu defeito, levando-o inevitavelmente, mesmo que em alguns poucos momentos, a concordar

que, na verdade, ele ficou abaixo do que realmente deveria ser. A vergonha se torna uma

possibilidade central, que surge quando o indivíduo percebe que um de seus próprios atributos é

impuro e pode imaginar-se como um não-portador dele.

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UNIDADE 8 - A RELAÇÃO PROFESSOR / ALUNO:

ESCOLA E SOCIEDADE

Ao abordar a relação professor - aluno, é necessário primeiramente

considerar que ela é constituída no seio de uma teia de relações muito mais

ampla, que contempla as relações institucionais na escola e as relações sociais e

políticas em que a escola está inserida. Questões como as políticas de gestão e

organização da escola, as concepções sociais acerca da população atendida pela

escola e da relação ensino-aprendizagem, as idéias sobre quais são os

problemas educacionais e como resolvê-los se refletem na relação entre

professor e aluno. Muitas vezes, esses aspectos são desconsiderados e se

responsabiliza o professor, ou o aluno, isoladamente, por um mau desempenho.

Primeiramente, é mister abordar certas acepções históricas que marcaram,

sobretudo no Brasil, as políticas educacionais. Nesse sentido, um primeiro

aspecto a ser abordado é a compreensão histórica dos problemas escolares

enquanto problemas unicamente técnicos (PATTO, 1984). Essa compreensão faz

parte da cultura liberal, na qual o indivíduo é responsabilizado por seu

desempenho econômico e social, desconsiderando-se os fatores próprios de uma

sociedade de classes e os preconceitos e exclusões vividas pelas classes menos

favorecidas. Assim, as políticas educacionais não consideraram as necessidades

do alunado, constituindo uma escola distante de sua realidade e destituindo as

atividades escolares de um significado próximo à realidade do aluno. As

autoridades educacionais desconsideram as condições reais de trabalho e

adotam medidas que, antes, exigiriam mudanças nas estruturas das escolas.

Esse abismo foi justificado por um discurso de defasagem técnica, no qual

as teorias referidas nos planos de educação brasileiros entendiam os problemas

escolares em termos de déficit infantil a ser sanado por uma determinada

concepção teórica, implantada sem discussão com professores e trabalhadores

diretos da escola. Segundo Patto (1990), o fracasso escolar se constitui no bojo

dessa questão, como produto do conjunto de relações institucionais vividas no

interior da escola e de um cotidiano no qual tudo conspira para que crianças e

adolescentes pouco se beneficiem da escolarização.

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Além disso, as condições políticas brasileiras, pouco democráticas em

muitos momentos históricos, contribuíram para a constituição hierarquizada da

escola brasileira, transformando as possibilidades de debate democrático sobre

os problemas enfrentados em questões técnicas a serem resolvidas por agentes

governamentais que muitas vezes nem sequer conheciam as escolas para as

quais formulavam soluções. Segundo Braga (2005, p.32)

O contexto político ditatorial acentuou no Brasil as práticas educativas encontradas na concepção técnico-científica e enfraqueceu os processos culturais e criativos de uma identidade e uma educação brasileira que emergiram em construção na década anterior (FRANCO, 2001; PATTO, 1992). Neste período, a tecnologia invade o educacional, aliada ao mito do fazer competente, substituindo a possibilidade do fazer crítico e reflexivo.

Nesse embate, as teorias pedagógicas são muitas vezes impostas aos

professores que se vêem na necessidade de implantá-las e adequar-se sem uma

boa preparação para tanto, sem serem considerados os seus próprios problemas

no cotidiano de trabalho, sem reflexões e avaliações profundas ou

acompanhamento de resultados. Assim, mesmo quando uma compreensão

técnica ou teórica poderia contribuir para o cotidiano do professor sua adoção no

interior da escola é vivida com autoritarismo e arbitrariedade, gerando

insegurança e rejeição, havendo ainda o temor do risco de uma nova alteração.

Assim, do mesmo modo que a culpabilização individual do discurso liberal

perpassa o cotidiano do aluno, ela é também vivida pelo professor. A

desconsideração de seu saber e sua possibilidade de pesquisa na prática

educativa (ANDRÉ, 2001), os entraves a uma gestão democrática dos

procedimentos e recursos da escola (HORA, 1997), administrados de modo

hierarquizado e desconsiderando as necessidades apontadas pelos professores,

a divisão de escolas e universidades de nível técnico, que devem apenas

reproduzir o saber, e nível científico, que devem produzi-lo, distanciam o

professor de uma vivência autônoma de seu trabalho.

Assim, as dificuldades de construir uma relação democrática, autônoma e

pautada pelo diálogo com o aluno se vinculam ao fato de o próprio professor não

vivenciar esta autonomia em seu cotidiano de trabalho, na instituição escolar, na

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política educacional, na cultura e na sociedade. A relação professor/aluno,

considerada nas teorias atuais como fundamental no processo de aprendizagem,

é falseada por uma compreensão tão individualizada quanto historicamente foi a

responsabilização individual do aluno pelos problemas escolares.

Para pôr em prática o diálogo, o educador não pode colocar-se na posição ingênua de quem se pretende detentor de todo o saber; deve, antes, colocar-se na posição humilde de quem sabe que não sabe tudo, reconhecendo que o analfabeto não é um homem “perdido”, fora da realidade, mas alguém que tem toda a experiência de vida e por isso também é portador de um saber. (GADOTTI, 1999, p.2)

É preciso, portanto, compreender que a consideração da ausência de

alfabetização como ausência de pensamento apontada por Gadotti, por exemplo,

se configurou num contexto muito mais amplo na teia de relações sociais, cujo

quadro político e histórico possuiu papel preponderante. Um exemplo é o atual

discurso e pressão pela aprovação. Esse distorce a compreensão contínua do

processo de aprendizagem, tornando-a uma simples diminuição de exigências,

que encobre problemas do cotidiano escolar e a dificuldade das instituições

educacionais brasileiras em levar a cabo a formação de seus alunos, resolvendo

os índices de evasão, repetência e alfabetização, porém não sua ocorrência

concreta na vida de alunos e professores. Além disso, culpabiliza exclusivamente

o professor por um desempenho constituído num contexto muito mais complexo.

No processo pedagógico, a relação entre professores e alunos, a realidade

escolar e a realidade de mundo vivenciada por docentes e discentes, bem como

as experiências aí constituídas e sua relação com as concepções de mundo

produzidas e reproduzidas no cotidiano configuram uma teia indissociável de

relações, signos, significados e sentidos nos quais a aprendizagem e a educação,

enquanto práticas e processos de criação de si mesmo e do mundo, estão

imersas e tomam parte, numa relação recíproca: o meio social modifica e constitui

a educação, que, por sua vez, configura e transforma o meio social.

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