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1 Poderes, hierarquias e conflitos na Capitania de Sergipe Del Rei (1763-1808): a trajetória de vida do sargento-mor Bento José de Oliveira.

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Poderes, hierarquias e conflitos na Capitania de Sergipe Del Rei (1763-1808): a trajetória de vida do sargento-mor Bento José de Oliveira.

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“ele tem mais de vinte matadores a sua ordem, uns em casa, e outros agregados, tem mandado matar [...], manda açoitar, manda dar palmatoriadas, tem cárcere privado, e se paga um a um a pataca de carceragem, dá mulheres, e as tira de seus maridos, faz pagar a quem não deve, e manda que não pague quem deve; tem mandado alçada dos seus agregados à capitania de Pernambuco a fazerem mortes; dão-se as sentenças que quer tanto no Ordinário, como na Ouvidoria, tiram-se as devassas que quer, e como quer, e ficam suspeitadas nas que ele é cumplice; tem roubado a [Santa Casa de] Misericórdia desta Vila [sic], e está consumindo o resto, ficando pelas terras dois anos provedor, sendo cobrador. Finalmente é impossível que se possa dizer o seu préstimo que é para tudo quanto quer e faz aqui tudo quanto quer, e é mais respeitado o seu nome que o do Príncipe Nosso Senhor, que aqui pouco se conhece1

O excerto acima foi escrito por Manoel Inácio Morais de Mesquita Pimentel, capitão-mor da Capitania de Sergipe, e endereçado ao Governador Geral da Bahia, Conde da Ponte, em 1806. É perceptível o inconformismo do capitão-mor contra um subalterno ligado às forças militares que há décadas vinha inquietando seus antecessores. Era o sargento-mor Bento José de Oliveira o alvo de pesadas acusações. Hierarquicamente, um capitão-mor deveria receber a devida obediência das ordenanças, de capitão-mor aos soldados “voluntários”. Porém, esse sargento-mor não lhe obedecia. Essa e outras acusações fazem parte de uma série de documentos coligidos no intuito de elencar os crimes cometidos por esse militar que seria preso e remetido a um cárcere em Lisboa. E não foi apenas o capitão-mor que enviou correspondências para se queixar dos procedimentos do dito sargento-mor.

O ouvidor interino da Comarca de Sergipe Henrique Luiz de Araújo Maciel indignado com as atitudes de Bento José não busca relatar os supostos delitos do sargento-mor ao Governador Geral da Bahia, como fez o capitão-mor acima citado, e sim ao Regente do trono português D. João VI:

Conhecendo bem que partes seus procedimentos na presença de Vossa Alteza Real ficará correto separar os escândalos e procedimentos bárbaros pacificarão os povos e estará ilesa a autoridade real sem temor de um homem que passa de humano a ser fera e querer que sejam vitimas de seus bárbaros desejos as vidas dos próprios vassalos de Vossa Alteza Real [...] e eu que não vivo com a

1 Carta do Capitão-mor de Sergipe Manoel Inácio Morais de Mesquita Pimentel ao governador geral da Bahia, em 10 de junho de 1806. Arquivo Histórico Ultramarino. Brasil-Sergipe. Cx. 6, Inv. 481, Doc. 8. fl. 02.

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vida segura por não concordar com a sua vontade com mais vassalos fieis, vivendo livres da sem razão de homem tão inumano.2

Além das duas principais autoridades da Capitania, os camaristas da Vila de Santo Amaro das Brotas, o juiz ordinário da mesma vila bem como o capitão-mor de ordenanças denunciam o sargento-mor. O Juiz Ordinário da Vila de Santo Amaro das Botas José de Barros Pimentel qualifica suas atitudes como a formação de um poder paralelo e ilegítimo que deve ser extirpado:

[...] se introduz na maior parte dos negócios desta Câmara e ainda fora dela de absoluto poder, fazendo e desfazendo quando intentava e atualmente a sua casa como uma feira, ali se procedem inventários, partilhas, composições, ajustamentos de contas, tudo a favor daquela parte que maior interesse lhe faz, ficando por isso outros descontentes, contudo calados pelo muito temor que dele tem. É verdade que todos os julgadores desta Comarca, tanto ouvidores, como juízes ordinários, câmaras e capitães-mores cumpriam tudo quanto era intentado pelo dito sargento-mor porque se temiam de faltarem a seus pedidos por não experimentarem o que viam praticar em tudo quanto era sua vontade e por isso não era possível que as justiças punissem os delitos dos seus aliados [...]3

Já a câmara de vereadores da vila de Santo Amaro das Brotas chega ao ponto de julgar Bento José o inimigo público número um, mencionando a Sua Majestade que:

Representam a Vossa Alteza Real os moradores da comarca de Sergipe d’El Rei, que defendendo a tranquilidade e sossego dos mesmos da Proteção Régia, [...] pede, rogam e suplicam com as mais ternas Lagrimas, haja Vossa Alteza de os amparar dos seus vexames, e contínuos estragos em que vivem neste lugar [...]Os mesmos Ministros de Vossa Alteza Real moram junto com ele, despovoando a Cabeça da Comarca [São Cristóvão]4

Nesse mesmo documento é relatado alguns dos crimes de Bento José de Oliveira e seus aliados. Solicitam a proteção real para que o sossego público seja reestabelecido. Bento José é qualificado depreciativamente como sendo:

“homem todo facinoroso com coito de facinorosos, matador [...] roubando os patrimônios alheios e todo o escravo, que foge, e ainda aqueles que não querem servir á seus Senhores procuram todos o Engenho dele, e já mais saem, e nem os seus próprios

2 Carta do Ouvidor interino, Henrique Luiz de Araújo Maciel, ao Príncipe Regente D. João VI, em 14 de setembro de 1805. Arquivo Histórico Ultramarino. Brasil-Sergipe. Cx. 6, Inv. 481, Doc. 12. fl. 04.3 Carta do Juiz Ordinário da Vila de Santo Amaro das Brotas José de Barros Pimentel a D. João VI em 7 de dezembro de 1806. Arquivo Histórico Ultramarino. Brasil-Sergipe. Cx. 6, Inv. 481, Doc. 16. fl. 05.4 Carta da Câmara de Vereadores da Vila de Santo Amaro das Brotas a D. João VI em 5 de outubro de 1805. Arquivo Histórico Ultramarino. Brasil-Sergipe. Cx. 6, Inv. 481, Doc. 01. fl. 01 e 05.

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Senhores os procuram pelo temor do tal, e nem há justiça neste Lugar, que com ele possa.”5

A denuncia prossegue com a informação que o grupo liderado de Bento José dizia em alto e bom som "atrevidamente que aonde mandava o Sargento Mor Bento Joze de Oliveira, nem General, e nem Ministro se opunham, e assim havião de fazer tudo quanto ele determinasse".6

O Governador Geral da Bahia também transmite a D. João VI, em correspondência oficial de 1807, a imagem maculada pelo crime do sargento-mor:

A condescendência deste célebre Réu não só chegara aos mesmos chefes de Justiça, Armas e Religião daquela Capitania [Sergipe], o que prova não equivocadamente os documentos que tenho em meu poder, mas até as poderosas e influentes personalidades desta cidade [Salvador, capital da Capitania Geral da Bahia], o que imaginário parecerá aos que não conhecem os estilos e costumes destes países: que partes se atreveriam a acusar este monstro? E que escrivães escreverão os seus crimes? E que testemunhas jurarão contra tal malvado de tal condição, que com a morte premiaria seus acusadores?7

Mesmo nos últimos dias de vida, preso numa masmorra úmida, Bento José de Oliveira é impiedosamente castigado pelos membros do Conselho Ultramarino em seu pedido de ser solto sob fieis carcereiros a fim de tratar da debilitada saúde pelos: “delitos cometidos e mandados praticar pelo suplicante com uma depravação e imoralidade quase incrível [...] não o fazem digno das equidades, antes lhe faltam o rigor e severidade das Leis, para todos os despotismos e atrocidades.” 8

A historiografia sergipana não menos que os documentos manuscritos criou uma imagem negra de Bento José de Oliveira e da segunda metade do século XVIII na Capitania de Sergipe. A fase final do período colonial são considerados pelos diversos pesquisadores como tempos caóticos. Contraditoriamente, as obras sobre esse momento histórico apresentam o enriquecimento e o fortalecimento da elite econômica local (açucareira, em especial) e a desordem política-administrativa e social. O inconformismo com a submissão administrativa à Capitania Geral da Bahia e o poderio dos senhores de engenho são apontados como os elementos da anarquia administrativa. Bento José de Oliveira é apresentado como o principal perturbador da ordem para os historiadores. É bastante ilustrativa as palavras de Carvalho Lima Júnior:

“Este nome, que recorda uma phase calamitosa do passado sergipano, enche um periodo de sua historia dos tempos coloniaes, na

5 Idem. Fl. 03.6 Idem. Fl. 07.7 Ofício do Conde da Ponte a D. João VI em 13 de junho de 1807. Arquivo Histórico Ultramarino. Brasil-Sergipe. Cx. 6, Inv. 481, Doc. 04. fl. 03.8 Oficio do Conselho Ultramarino ao desembargador régio em 07 de outubro de 1808. Arquivo Histórico Ultramarino. Brasil-Sergipe. Cx. 6, Inv. 481, Doc. 17. Fl. 01.

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qual figura de modo muito saliente. Apezar de notavel, esse periodo ainda não foi escripto, de modo que Bento José é conhecideo de poucos, e vagamente, isto mesmo pela tradição dos seus feitos, ou antes, de suas façanhas extraordinárias.”9

Em 1920, Carvalho Lima Junior, o primeiro a escrever uma “crônica” sobre ele chega a adjetiva-lo negativamente: “Bento José, a princípio um estroina, depois um malvado, um facinora, um estellionatario, um ladrão, um despota, um tyranno, parecia attingir ás raias da loucura, á proporção que ia avançando em annos. Nada lhe embargava o passo na sua marcha devastadora”10.

O passado colonial sergipano é estudado inicialmente na clássica obra inaugural da historiografia sergipana de Felisbelo Freire, “História de Sergipe”, publicada em 1891. Esse livro é na realidade dividido em três partes: a primeira dedicada a formação de Sergipe (1575-1696) e a segunda é destinada a expansão colonial (1696-1822) e, por último, a terceira dedicada à política imperial (1822-1855). O século XVIII é o que tem menor número de capítulo. São apenas três capítulos. Basicamente, Felisbelo aborda nessas poucas linhas três temas: as relações com a Bahia durante a fase inicial da comarca de Sergipe, especialmente os primórdios das disputas de limites com a Bahia, a expulsão dos jesuítas e a situação sócio-política e econômica no final do século. Neste último tema encontramos referências ao clima de desordem e abuso de autoridade. Nesse contexto o nome de Bento José de Oliveira é mencionado. De forma vaga três vezes. Em duas menções para informar que sucedeu ao capitão-mor José Gomes da Cruz, em 1776, ao cargo de capitão-mor, e que deixou a administração em 1782, cujo sucessor foi José Caetano da Silva Loureiro, informações equivocadas, pois Bento José não foi capitão-mor da Capitania, apenas capitão-mor de ordenanças. Na menção seguinte, Bento aparece como peça importante na prisão do capitão-mor José Gomes da Cruz por se indispor com Francisco Felix de Oliveira, irmão de Bento José, e tentar obstruir a ordem de recrutar a população sergipana11. Apesar das vagas e equivocadas informações, Felisbelo traça um retrato do clima tenso na capitania de Sergipe no ultimo quarto do século XVIII. O quadro pintado pelo historiador são-cristovense é de anarquia. As revoltas das populações escravas, indígenas e os conflitos entre as principais autoridades locais delineavam um período de turbulências sociais. Essa visão servirá de base para as próximas pesquisas.

Contemporâneo a Felisbelo Freire, o já citado Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior é autor da mais completa síntese histórica do século XVIII na historiografia sergipana. No começo do século passado, Lima Júnior pesquisou nos arquivos baianos o passado colonial sergipano, no intuito de contribuir para a história dos litígio de limites entre Sergipe e Bahia. O trabalho de Lima Júnior, apesar de ser escrito nos primeiros anos do século passado, continuava inédito. Em 1985, o Arquivo Público de Sergipe resolve publicar os manuscritos. Essa ação resultou a obra Capitães Mores de Sergipe

9 LIMA JÚNIOR, Francisco Antônio de Carvalho. Bento José de Oliveira (famoso sargento mór de Sergipe). Chronica do seculo XVIII (1). Correio de Sergipe, Aracaju, 29 de agosto de 1920, p. 2.10 Idem.11 FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe (1575-1855). Rio de Janeiro: Tipographia Perseverança, 1891. pp. 200-203.

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(1590-1822), um amplo estudo narrativo e cronológico, baseado em documentos manuscritos, muito dos quais inéditos, com dados sobre as administrações de todos os capitães-mores da capitania de Sergipe. A obra é um diálogo com História de Sergipe. Lima Júnior lista uma série de crimes cometidos por Bento José e seus protegidos. O sargento-mor é apresentado como a principal autoridade da capitania, temido pelos capitães-mores e ouvidores. Ele era o motivo principal das inquietações do capitão-mor Mesquita Pimentel. Com seu estilo literário, Lima Júnior descreve Bento José como uma figura lendária, símbolo da prepotência e dos vícios da sociedade colonial sergipana, um herói por suas façanhas extraordinárias, mesmo sendo duramente criticado por seu gênio criminoso12.

Esses dois últimos historiadores viveram a segunda metade do século XIX e começo do século XX. Eram republicanos históricos e viam o passado colonial como de sinônimos de atraso, obscurantismo, trevas e prepotência dos poderosos. A República era para eles a salvação contra um passado maléfico provocado pela monarquia colonial (lusitana) e imperial (nacional). O período colonial era a época de formação da sociedade colonial com seus vícios que influenciam o presente e precisavam ser eliminadas. Bento fazia parte desse passado que precisava ser esquecido e superado.

Aproveitando-se das pesquisas de Felisbelo Freire e Lima Júnior, Clodomir Silva publica uma síntese histórica no Álbum de Sergipe, obra lançada em 1920, em decorrência do centenário de emancipação política de Sergipe (1820-1920). O sétimo capítulo, cujo título é Sergipe e o seu novo estado, os jesuítas e o confisco de seus bens. 1696-1819, é bastante rico em transcrições documentais. O nome de Bento José aparece brevemente ao lado de Felipe de Faro Leitão como homens que “exerciam o espirito de desordem e tumultos (...) praticavam um espécie de ditadura, impondo-se ao capitão-mor e às suas autoridades, sua vontade, discrecionariamente, não respeitando as determinações reaes, nem as ordens do governador geral”13.

Armindo Guaraná, reconhecido pela obra póstuma Dicionário Biobibliográfico Sergipano (1925), ao biografar Antonio Muniz de Souza, importante literato do final do período colonial e primeira metade do século XIX, cita brevemente Bento José criticando o “negrume d’alma do sanhudo sargento-mor”. De acordo com GUARANÁ, as peripécias de Bento serviram de inspiração para que o poeta e teatrólogo sergipano Constantino Gomes de Souza escrevesse sua obra-prima A Filha do Salineiro (1860), obra teatral que conta a história de um desditoso pai que vê sua única filha sequestrada por um malfeitor que tenta abusar da inocência da jovem14.

Na década de 30, o vigário da cidade de Laranjeiras, berço de Bento José de Oliveira, Filadelpho Jhonatas de Oliveira em História de Laranjeiras Católica não deixa de mencionar Bento José de Oliveira. Há apenas uma única passagem, no subitem sargentos-mores, figura como sargento-mor de grande prestígio e assassino de uma escrava de José Alves Quaresma e de Manoel Alves, marido de sua sobrinha. Um

12 LIMA JÚNIOR, F. A. de Carvalho. Capitães-mores de Sergipe. Aracaju: SEGRASE, 1985. P. 58-72.13 SILVA, Clodomir de Souza e. Album de Sergipe: 1534 - 1920. Aracaju, Se: Governo de Sergipe, [1920]. P.42-43.14 GUARANÁ, Armindo. Antonio Muniz de Souza. Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, ano 3, n. 5, vol. 3, 1919.

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detalhe importante cita o vigário: o nome popular do famoso sargento-mor era Bento José de Laranjeiras15.

Em 1970, o escritor J. Pires Wynne publica História de Sergipe (1575-1930). Curioso é que se parece que não houve nada de importante em todo século XVIII na Capitania de Sergipe. Não há sequer uma linha sobre esse período. É como se a História de Sergipe tivesse dado um salto de 1696, data da elevação à condição de comarca, a 1817, época da Revolução Pernambucana16. Da mesma forma, em 1972, o autodidata e rábula Sebrão Sobrinho lança Fragmentos da História de Sergipe. A obra é uma série de apontamentos sobre o passado colonial sergipano. As menções ao século XVIII são esparsas e diminutas. SEBRÃO (1972) se ocupou mais com o século XVII e XIX17. Acrísio Torres é outro autor sergipano que pouco se ocupou com o século XVIII18.

Dos anos 50 a 70 é uma fase de decadência da historiografia sergipana. Contudo, nos anos 80, a documentação sobre Sergipe pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal, é microfilmada. De posse desse rico acervo, Maria Thétis Nunes lança, em 1989, Sergipe Colonial I, importante obra sobre a formação histórica de Sergipe. Sete ano depois, NUNES dá continuidade as suas pesquisas sobre o passado colonial sergipano e publica Sergipe Colonial II. O livro é uma síntese das principais escritos sobre o século XVIII e início do século XIX. É a principal obra sobre o século XVIII em Sergipe. Ao se deter sobre as estruturas de poder e a dinâmica de poder na capitania de Sergipe, Thétis escreve longas linhas sobre a atuação de Bento José de Oliveira. Segundo a historiadora, Bento dominou a vida política de Sergipe por mais de duas décadas19. NUNES (1996) descreve os inúmeros processos, as reações favoráveis e contrarias de elementos das classes dominantes às ações de Bento José de Oliveira. Para ela, a derrocada de Bento José se deve a cisão da classe dominante que passa a vê-lo como um perigoso inimigo e a ação firme do capitão-mor Mesquita Pimentel. Segundo ela, essa situação de divisão possibilitou a sua prisão e consequente morte num cárcere em Lisboa. Contudo, Thétis apenas se valeu dos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino para construir a trajetória de Bento José de Oliveira.

Em 2003, o sergipano Fernando Afonso Ferreira Júnior escreve sua tese de mestrado “Derrubando os mantos purpúreos e as negras sotainas: Sergipe del Rey na crise do antigo sistema colonial (1763-1823)”, orientado pelo Prof. Dr. Fernando Novais. É o mais importante trabalho sobre a segunda metade do século XVIII em Sergipe. Essa tese estuda o processo de fissura do antigo sistema colonial em Sergipe, em especial as transformações administrativas e os conflitos sociais que resultariam no processo de independência nacional e local. FERREIRA JÚNIOR (2003) é de todos esses autores o que menos elevou o nome de Bento José de Oliveira ao status de grande autoridade do final do século XVIII. Bento é apresentado como mais um na estrutura

15OLIVEIRA, Filadelfo Jonatas. História da Laranjeirascatholica. Aracaju: Ed. Casa Ávila, 1935. p. 50.16WYNNE, J. Pires. História de Sergipe: 1575-1930. Vol. 1. Rio de Janeiro: Pongetti, 1970.17 SEBRÃO, sobrinho. Fragmentos da historia de Sergipe. Aracaju, SE: Livraria Regina, 1972. 18ARAÚJO, Acrísio Tôrres. História de Sergipe. 2. ed. Aracaju, SE: s.e., 1967; ___. Pó dos arquivos. Brasilia, DF: Thesaurus, 1999. 19 NUNES, Maria Thetis. Sergipe colonial II. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. P.130-135

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social que se vale do prestígio e das armas para ter poder. Um dos grandes méritos desse trabalho é a pesquisa exaustiva em fontes manuscritas do Arquivo Público da Bahia20.

Bento José é mencionado como um dos mais importantes personagens históricos da cidade de Santo Amaro das Brotas em Retratos da História de Santo Amaro da Brotas. O historiador Clóvis Bonfim lhe dedica um capítulo, que na realidade é apenas uma reprodução parafraseada das informações legadas por Maria Thétis Nunes e dos documentos do projeto Resgate21.

Apenas em 2008 é que temos um estudo especifico sobre Bento José de Oliveira. Por ocasião do I Congresso Sergipano de História, organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH), escrevemos a comunicação oral A Capitania de Sergipe sob o ronco do trabuco de Bento José de Oliveira (1773-1806). Nesse trabalho esboçamos uma breve biografia do famoso sargento-mor e seus inúmeros crimes, baseados nas documentações do Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Público da Bahia e Arquivo do Poder Judiciário de Sergipe22.

Facínora, assassino, temido, atrevido, corrupto e até mesmo monstro, esses os adjetivos utilizados pelas principais autoridades da Capitania de Sergipe, pelo Governador Geral da Bahia e pelos historiadores. Diante de tal quadro se suscita muitos questionamentos: Quem é este homem que inquietou altas autoridades? Por que agia assim? Como essa situação perdurou por mais de três décadas sem que fosse preso? A essas perguntas se somam outras como as relações entre as autoridades da Capitania de Sergipe. Assim, se faz necessário estudar as relações de poder e hierarquia na sociedade sergipana da segunda metade do século XVIII e os conflitos decorrentes, com ênfase nas relações entre as forças militares (poderes locais) e as altas autoridades da Capitania de Sergipe Del Rei (ouvidores e capitães-mores, em especial) para entendermos o porquê da “A condescendência deste celebre Réu não só chegara aos mesmos chefes de Justiça, Armas e Religião” mencionada pelo Conde da Ponte a D. João VI. A partir da trajetória do sargento-mor Bento José de Oliveira (1748-1808?), procuramos entender os conflitos entre capitães-mores e ouvidores da capitania subalterna de Sergipe Del Rei durante o período de sua integração à Capitania Geral da Bahia (1763) à vinda da família Real Portuguesa à América Portuguesa, em 1808.

Por que entre 1763 e 1808, tivemos quatro casos de embates entre Capitães-mores e ouvidores na Capitania/comarca de Sergipe Del Rei. Em 1764, o capitão-mor Joaquim Antonio Pereira Serra é preso por ordem do ouvidor-geral Ayres Lobo por ordenar a prisão do escrivão do cartório Sebastião Gaspar Botto, amigo do ouvidor. Antonio Pereira Falcato, na década seguinte, com ouvidor João Batista Dacier. e Joaquim José Martins contra o ouvidor José Antonio Alvarenga Barros Freire. Os

20 FERREIRA JÚNIOR, Fernando Afonso. Derrubando os mantos purpúreos e as negras sotainas: Sergipe del Rey na crise do antigo sistema colonial (1763-1823). Campinas, 2003. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia. Dissertação de Mestrado. 219p.21 BOMFIM, Clóvis. A prisão histórica de Bento José de Oliveira e outros detentos. Retratos da História de Santo Amaro das Brotas. Santo Amaro das Brotas: s/d, 2007. p.79-93;22MENEZES, Wanderlei de O. A Capitania de Sergipe sob o ronco do trabuco de Bento José de Oliveira (1773-1806). I Congresso Sergipano de História: história e memória. São Cristóvão: ANPUH/SE; Aracaju: IHGSE, 2008.

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quatro outros ouvidores não mencionados também tiveram empasses com camaristas, autoridades militares e etc23. Quais os motivos da persistência desses atritos nesse período específico? Só para ilustrar a especificidade desse período pouco estudado da História do que futuramente chamar-se-á Estado de Sergipe: com a vinda da Família Real Portuguesa à colônia, não teremos atritos entre os ouvidores e capitães mores (1808-1822).

A pesquisa tem por marco temporal os anos de 1763 e 1808. Nosso personagem no primeiro ano era apenas um adolescente de 15 anos, alistado no segundo regimento de ordenanças. Bento José era oriundo de uma família de senhores de engenho e gado. Ele viverá um período de profundas transformações sócio-políticas. Em 1759, os jesuítas são expulsos de Portugal e todas suas possessões ultramarinas24. É a época do despotismo esclarecido lusitano, com D. José I (1750-1777), e seu ministro Marquês de Pombal. Posteriormente, Ascende ao trono D. Maria I, e seu filho D. João VI, na condição de príncipe-regente25.

Em 1763, há a transferência da sede do governo colonial de Salvador para a cidade do Rio de Janeiro. Por conseguinte, a Capitania/Comarca de Sergipe é integrada na condição de Capitania subalterna à Capitania Geral da Bahia, como ocorreu com as capitanias de Ilhéus e Porto Seguro26. A partir dessa data, os capitães-mores eram nomeados pelo governador-geral da Bahia com a autorização do Rei de Portugal. Durante essa fase, os atritos entre capitães-mores, ouvidores e autoridades locais se intensificam de modo a historiografia considerar esse período uma fase bastante anárquica e administrativamente ingovernável27. Contudo, a historiografia define essa fase como uma época florescente economicamente. O número de engenhos cresce espantosamente e a economia baseada na pecuária começa a ceder espaço para a produção de açúcar e fumo voltado ao comercio com a Bahia e com Portugal e outras partes do Império Ultramarino Lusitano28. O sargento-mor Bento José presencia a ampliação das instituições burocráticas na Capitania de Sergipe. Novos regimentos, ordenanças, câmaras de vereadores e cargos são criados. Aliado a isso temos a ocupação mais sólida das margens dos rios Cotinguiba, Sergipe e Vasa Barris29.

23LIMA JÚNIOR, F. A. de Carvalho. Capitães-mores de Sergipe. Aracaju: SEGRASE, 1985. P. 58-72.

NUNES, Maria Thetis. Sergipe colonial II. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. P.130-135

24 LIMA JUNIOR, Francisco A. de Carvalho. Uma página sobre a Companhia de Jesus em Sergipe. [Manuscrito]. Arquivo Público Estadual de Sergipe. Coleções Particulares. Fundo Carvalho Lima Júnior. Doc. S/N. 25CANAXIDE, 26 SILVA, Ignacio Accioli de Carqueira. Memorias históricas e políticas da província da Bahia.27 Vide NUNES (1996), FREIRE (1891), LIMA JUNIOR (1985), SILVA (1920), FERREIRA JUNIOR (2003)28 MOTT, Luis.NUNES, Maria Thétis29 FREIRE, Felisbelo. História Territorial do Brasil. Vol. 1. LIMA JUNIOR. História dos Limites

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O sargento-mor Bento José de Oliveira nasceu e passou boa parte de sua vida na região do Cotinguiba, área geográfica situada no meio da parte litorânea, entre os rios Sergipe e Cotinguiba. Essa área era (e ainda o é) bastante fértil e com condições ecúmenas (solo massapê, grande número de rios e afluentes, terreno plano). No século XVII, era um tanto quanto impresso sua delimitação geo-administrativa. A área pertencia a freguesia de Nossa Senhora do Socorro do Cotinguiba, estava no termo da Cidade de São Cristóvão de Sergipe Del Rei e as dois principais aglomerados urbanos eram a cidade de São Cristóvão (capital da Capitania), a vila de Santo Amaro das Brotas e as povoações de Laranjeiras, Maruim e Socorro do Cotinguiba. Era a área mais densamente ocupada e com o maior número de templos religiosos e o principal eixo econômico da Capitania pela considerável produção de açúcar , farinha e outros gêneros alimentícios30.

Contudo, em 1808, com a chegada da família real portuguesa à América Portuguesa, encerra-se, conforme PRADO JUNIOR (2000), o período colonial, e novas relações administrativo-burocráticas são instaladas, pois a sede do Império Ultramarino Português não era mais a cidade de Lisboa, e sim o Rio de Janeiro. O príncipe-regente governava a principal possessão portuguesa não mais, unicamente, por meio de seus funcionários régios. Nesse mesmo ano, o sargento-mor Bento José está preso e bastante enfermo numa masmorra em Lisboa, ocupada pelas tropas francesas e luso-britânicas.

Escolhemos o sargento-mor Bento José de Oliveira como indivíduo que nos revelará os conflitos administrativas da Capitania de Sergipe na segunda metade do século XVIII por três motivos:

1. Abundância relativa de fontes sobre sua trajetória profissional e pessoal, tanto em fontes primárias quanto em relatos de natureza historiográfica. Bento José é o personagem que mais se escreveu, pouco e esparsamente, sobre o marco temporal adotado nesta pesquisa. As valiosas informações resultantes do pedido da câmara de vereadores da vila de Santo Amaro das Brotas (1805) e os documentos anexados ao extenso processo por si só já daria uma pesquisa de folego sobre ele e o seu tempo. Há ainda que se destacar a quantidade de fontes sobre esse sargento-mor ainda inexploradas nos Arquivos Públicos da Bahia, Alagoas e Pernambuco e no Arquivo Nacional. Em Sergipe, há no Arquivo do Poder Judiciário vasta quantidade de informações sobre sua vida nos livros de notas da comarca de São Cristóvão31.

2. É um personagem que viveu boa parte da segunda metade do século XVIII na Capitania de Sergipe, pertencendo a uma das famílias mais ricas (Sandes Ribeiro) e, além disso, ocupou importantes cargos como o de sargento-mor de ordenanças, Provedor dos ausentes e membro da comissão militar de

30 CASTRO E ALMEIDA, Freguesias, MENEZES, Wanderlei.31SERGIPE. Tribunal de Justiça. Arquivo Geral. Catálogo da documentação dos séculos XVII e XVIII,

da Comarca de São Cristóvão (1655/1800). Aracaju, SE: TJSE, 2000. 170 p.

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recrutamento da Capitania. Assim, Bento era membro da elite econômica e administrativa local, diferente dos capitães-mores e ouvidores que ficavam, geralmente, curtos períodos em seus cargos. Bento José foi sargento-mor de 1775 a 1808, ou seja, mais de três décadas. Com isso, ele viveu intensamente as disputas por poder entre as principais autoridades administrativas da capitania de meados da década de 70 do século XVIII aos primeiros anos do século XIX.

3. Só temos estudos esparsos e breves sobre sua vida. Não há nenhum estudo completo de natureza biográfica sobre esse importante personagem do passado colonial da Capitania de Sergipe. No pequeno número de referência em que seu nome é citado, há uma verdadeira demonização dos seus feitos. Bento José para a historiografia sergipana é um criminoso ousado, insolente, truculento, astuto e extremamente audacioso. É um indivíduo que carece de revisão historiográfica, que o situe dentro de seu tempo histórico, com seus valores e dilemas, ou seja, tratá-lo como um homem de seu tempo.

Para descortinarmos as ações e motivações que levaram Bento José escolhemos a biografia como ferramenta e a história político-administrativa. O crescimento do gênero biográfico na historiografia contemporânea é notável. Nunca os historiadores se lançaram de forma tão intensa no desnudamento de personagens importantes ou de indivíduos esquecidos do passado recente ou longínquo. Acreditamos que o crescimento do gênero biográfico na historiografia contemporânea está relacionado com a crise do paradigma estruturalista que orientou uma porção significativa da historiografia a partir dos anos 60. De acordo com este paradigma, a história deveria dissolver os indivíduos nas estruturas (LEVI, 1992). Em contrapartida, os historiadores atuais “quiseram restaurar o papel dos indivíduos na construção dos laços sociais” 32. Metodologicamente, essa mudança implica o recuo da história quantitativa e serial e o avanço dos estudos de caso. Academicamente, é importante salientar a aproximação da História com a Antropologia, na qual o resgate das histórias de vida tem longa data, e com a Literatura, preocupada com as técnicas narrativas de construção dos personagens e de enredo. A tendência biográfica vem sido marcada, sobretudo, pelo interesse no resgate de trajetórias singulares e de suas relações com o contexto e a coletividade.

A escolha dos personagens biografados é outro ponto que chama a atenção: não apenas os “grandes homens” da política, mas também as pessoas comuns e personagens significativos dentre de um dado contexto social, porém pouco conhecido pela historiografia. Neste sentido, Carlo Ginzburg ressalta a importância de se estender o conceito histórico de indivíduo para as classes mais baixas: “alguns estudos biográficos mostraram que um indivíduo medíocre, destituído de interesse por si mesmo – e justamente por isso representativo – pode ser pesquisado como se fosse um microcosmo de um estrato social inteiro num determinado período histórico” 33.

32 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos históricos. Rio de Janeiro, Cpdoc/FGV, vol. 7, nº 13, 1994, p. 102.

33 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes:o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.27.

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Admitia-se a possibilidade de abordagem de indivíduos desde que eles se situassem nos marcos permitidos pela sua época e seu meio social. Ou, nas palavras de Le Goff (1990, p. 7- 8), “a biografia histórica nova, sem reduzir as grandes personagens a uma explicação sociológica, esclarece-as pelas estruturas e estuda-as através de suas funções e papéis”.

Cabe destacar que a historiografia brasileira vem produzindo importantes trabalhos sobre os mais variados temas abordados a partir de indivíduos, com uso da biografia como ferramenta. Mesmo historiadores das mais diversas orientações teórico-metodológicas.

Merece especial destaque as obras O nome e o sangue: uma fraude genealógica no Pernambuco colonial. Nessa obra, o historiador Evaldo Cabral de Melo estuda a vida do Capitão-mor da vila do Cabo Felipe Pais Barreto. A partir desse homem do começo do século XVIII, o autor perscruta o sistema de discriminação racial-social do Brasil colonial, que impedia aos descendentes de judeus, negros, índios, mouros e trabalhadores braçais o acesso às funções públicas e honrarias e mercês dispensadas pela coroa. O autor mostra a trama de poder que envolve a acusação do capitão-mor do Cabo dentro do contexto de rivalidade entre as localidades de Recife e Olinda, durante a época da Guerra dos Mascates.

Outro estudo, praticamente no mesmo marco temporal da obra anterior, é feito pelo antropólogo e historiador Luiz Mott. Em 1993, Mott escreve Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. A biografia de Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz é bastante curiosa. Ela nasce na África, donde é capturada e vendida como escrava. O seu senhor a estupra e a força a se prostituí, contudo visões sobrenaturais mudam sua vida. Torna-se beata e funda uma instituição religiosa. A inquisição a persegue de forma cruel e Rosa é presa e enviada para ser julgada em Lisboa. A partir dessa mulher cativa desconhecida, Mott estuda os valores sexuais e religiosos do Brasil colonial.

Sobre a temática da história administrativa, merece especial destaque a obra clássica da historiadora Heloisa Bellotto Autoridade e Conflito no Brasil Colonial: o governo do Morgado de Matheus em São Paulo (1765-1775). Belloto estuda a vida e as ações de um dos mais emblemáticos administradores da Capitania de São Paulo. Nobre português, D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, o Margado de Matheus, é designado em 1765 para restaurar a capitania de São Paulo, que estava anexada ao Rio de Janeiro, em virtude da forte ameaça dos espanhóis nas capitanias de Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande e a necessidade de maior proteção na região das Gerais. O Morgado de Matheus busca dinamizar a capitania e encontra fortes oponente que são responsáveis por sua saída da frente da Capitania e, consequente, processo administrativo34.

34BELLOTTO, Heloisa L. Autoridade e Conflito no Brasil Colonial: o governo Morgado de Mateus em São Paulo, 1765-1775. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979.

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Também referente à história administrativa, temos a dissertação de mestrado de Augusto da Silva, intitulada Rafael Pìnto Bandeira: de bandoleiro a governador (relações entre os poderes privados e público em Rio Grande de São Pedro (1999). Nesse trabalho, Augusto biografa um militar de expressão e um destacado membro da elite estancieira do sul da América Portuguesa da segunda metade do século XVIII, focando principalmente nas relações entre os poderes públicos (real) e os poderes privados. Os conflitos desse militar com o capitão-mor José Marcelino de Figueiredo, que resultou num extenso processo-criminal, mostram as tensões nas relações políticas na colônia.

Recentemente, Laura de Souza e Mello, em O Sol e a Sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII (2006) buscou na trajetória de indivíduos célebres extratos para suas conclusões acerca da administração do Brasil colonial, a partir da Capitania de Minas Gerais, como por exemplo, D. Pedro de Almeida (Conde de Assumar), Sebastião da Veiga Cabral, Rodrigo Cesar de Menezes, Luis Diogo Lobo da Silva e D. Antonio de Noronha.

Assim, as relações entre indivíduo e sociedade é fundamental. Sobre esse aspecto AROSTEGUI e ELIAS entendem que não há como pensar a sociedade sem pensar os indivíduos que a compõe. Ela se dá numa relação de interação, se constrói e se estrutura, economicamente, culturalmente, politicamente... Por que o homem faz parte dela como e se ajusta as suas estruturas organizacionais. Pensar a sociedade sem estar inserido no seu contexto histórico é estar fora dela, da cultura que a sustenta. Portanto, conhecer o indivíduo Bento José de Oliveira nos possibilitará perceber vestígios da estrutura social e organizacional da sociedade da Capitania de Sergipe das últimas décadas do século XVIII. É importante se referi que mesmo estando sujeito a todo um conjuntos de regras jurídicas e morais, os indivíduos possuem liberdade de escolhas. Levi menciona que a relações entre sociedade e indivíduo é comparável a uma “jaula flexível”. Homens como Bento José estavam sujeito a normas e sanções sociais bem como ao que BECKER denomina de “rótulos”. A importância do efeito do rótulo público em um indivíduo foi também analisada e ressaltada pelo sociólogo Howard Becker (1977) em seu estudo sobre “marginais e desviantes”. Segundo o autor, ser rotulado publicamente como desviante constitui em um fator crucial para manter um padrão neste tipo de comportamento, pois tal situação implica em consequências na identidade pública do indivíduo, levando-o a mudanças em relação aos seus grupos sociais.

Assim, esta pesquisa fomentar debates acerca das relações entre poder, administração e forças militares (ordenanças, em especial) e hierarquias sociais na América Portuguesa, focando no papel desempenhado por um indivíduo que viveu intensamente as continuidades e rupturas de seu tempo.