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APRESENT AÇÃO E ste ano, os docentes da Universidade de São Paulo comemoram duas datas marcantes: os 40 anos de fundação da Associação dos Auxiliares de Ensino e os 20 anos da Associação dos Docentes da USP (Adusp). A primeira entidade, surgida em 1956, após a redemocratização do país com a derrocada do Estado Novo, dava início à organização dos docentes na universidade, encaminhando e estimulando sua participação nas lutas pela valorização de seu trabalho. Com o golpe de 1964, a Associação acabou perdendo sua força por razões várias. Em 1976, quando trabalhadores, estudantes, grande parte da intelectualidade e da Igreja começam a reagir contra os horrores da ditadura militar, os professores da USP retomam a sua luta e transformam a antiga entidade na atual Associação dos Docentes (Adusp), que acaba de completar seus vinte anos. Diante da importância desses eventos, a revista da Adusp, em sua última edição de 1996, publica uma edição especial, mostrando um pouco da história das mobilizações do docentes da universidade e o papel das associações no encaminhamento das lutas travadas ao longo desses últimos 40 anos. Vários articulistas foram convidados para analisar os últimos 20 anos de atuação da Entidade. Nesse período, a sociedade brasileira passou por transformações aceleradas, sobretudo na área econômica. De país agrário, exportador de matérias-primas e com uma população predominantemente rural, até os anos 50, o Brasil se transforma radicalmente, levando cerca de 75% de seus habitantes a viver nas cidades, doze delas com mais de um milhão de habitantes. Essas mudanças, entretanto, acabaram por concentrar fortemente a riqueza, nas duas últimas décadas, em níveis sem precedentes na história do país. Paradoxalmente, tanto a industrialização, quanto a urbanização, sinônimos de melhor qualidade de vida nos países desenvolvidos, acabaram agravando os problemas sociais enfrentados pela maioria dos brasileiros. O período anterior a 1976, é abordado num encarte especial que resgata uma entrevista com vários integrantes da primeira diretoria da Adusp.que compreende. Esta edição especial traz, ainda, artigos avaliando as transformações políticas, educacionais e sindicais ocorridas entre 1976/96. A transição, que vai do abrandamento da censura aos meios de comunicação, da retomada das lutas sindicais contra o arrocho e por melhores condições de trabalho, em 1979, até às conquistas das liberdades democráticas, com a derrocada final da ditadura, também foi abordada pelos articulistas. Convidamos também todos os ex-presidentes que dirigiram a Adusp, nos seus 20 anos de existência, para fazerem uma avaliação crítica de suas atuações. Seis deles aceitaram prontamente a idéia e seus textos estão publicados na seção “Presidente Adusp”. O jornalista Igor Fuser, editor da revista Veja, faz um retrospecto político do Brasil, Moacir Gadotti, ex-professor da USP, analisa a educação nacional e os professores Warwick Estevam Kerr e José Goldemberg traçam um retrato da Universidade de São Paulo, entre 1976 e 1996. Carlos Malhado Baldijão, Lígia Marcondes Machado e José Luís Pio Romero traçam o perfil da Adusp enquanto entidade sindical, a sua importância no cenário nacional e o relacionamento do Fórum das Seis Entidades Representativa de Docentes e Funcionários da USP, Unesp e Unicamp com o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).

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APRESENTAÇÃO

Este ano, os docentes da Universidade de São Paulo comemoram duas datasmarcantes: os 40 anos de fundação da Associação dos Auxiliares de

Ensino e os 20 anos da Associação dos Docentes da USP (Adusp). Aprimeira entidade, surgida em 1956, após a redemocratização do país com a

derrocada do Estado Novo, dava início à organização dos docentes nauniversidade, encaminhando e estimulando sua participação nas lutas pela

valorização de seu trabalho. Com o golpe de 1964, a Associação acabou perdendosua força por razões várias. Em 1976, quando trabalhadores, estudantes, grande

parte da intelectualidade e da Igreja começam a reagir contra os horroresda ditadura militar, os professores da USP retomam a sua luta e transformam a

antiga entidade na atual Associação dos Docentes (Adusp), que acaba decompletar seus vinte anos. Diante da importância desses eventos, a revista da

Adusp, em sua última edição de 1996, publica uma edição especial, mostrandoum pouco da história das mobilizações do docentes da universidade e o papel das

associações no encaminhamento das lutas travadas ao longo desses últimos 40anos. Vários articulistas foram convidados para analisar os últimos 20 anosde atuação da Entidade. Nesse período, a sociedade brasileira passou portransformações aceleradas, sobretudo na área econômica. De país agrário,

exportador de matérias-primas e com uma população predominantemente rural,até os anos 50, o Brasil se transforma radicalmente, levando cerca de 75% de

seus habitantes a viver nas cidades, doze delas com mais de um milhão dehabitantes. Essas mudanças, entretanto, acabaram por concentrar fortemente a

riqueza, nas duas últimas décadas, em níveis sem precedentes na história dopaís. Paradoxalmente, tanto a industrialização, quanto a urbanização, sinônimos

de melhor qualidade de vida nos países desenvolvidos, acabaram agravandoos problemas sociais enfrentados pela maioria dos brasileiros. O período

anterior a 1976, é abordado num encarte especial que resgata uma entrevista comvários integrantes da primeira diretoria da Adusp.que compreende. Esta edição

especial traz, ainda, artigos avaliando as transformações políticas, educacionais esindicais ocorridas entre 1976/96. A transição, que vai do abrandamento da

censura aos meios de comunicação, da retomada das lutas sindicais contra oarrocho e por melhores condições de trabalho, em 1979, até às conquistas

das liberdades democráticas, com a derrocada final da ditadura, também foiabordada pelos articulistas. Convidamos também todos os ex-presidentes que

dirigiram a Adusp, nos seus 20 anos de existência, para fazerem uma avaliaçãocrítica de suas atuações. Seis deles aceitaram prontamente a idéia e seus textosestão publicados na seção “Presidente Adusp”. O jornalista Igor Fuser, editor

da revista Veja, faz um retrospecto político do Brasil, Moacir Gadotti, ex-professorda USP, analisa a educação nacional e os professores Warwick Estevam Kerr e

José Goldemberg traçam um retrato da Universidade de São Paulo, entre 1976 e1996. Carlos Malhado Baldijão, Lígia Marcondes Machado e José Luís Pio

Romero traçam o perfil da Adusp enquanto entidade sindical, a sua importânciano cenário nacional e o relacionamento do Fórum das Seis Entidades

Representativa de Docentes e Funcionários da USP, Unesp e Unicamp com oConselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).

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DIRETORIAMarco A. Brinati, Osvaldo Coggiola, Jair Borin, Heloísa D. Borsari, Valéria De Marco,

Primavera Borelli, José Nivaldo Garcia, Antonio César Fagundes,José Marcelino Rezende Pinto, Ozíride Manzolli Neto.

Comissão EditorialAdilson O. Citelli, Bernardo Kucinski, Fernando Leite Perrone,

Francisco Gorgônio da Nóbrega, Jair Borin, Khaled Goubar, Lígia M. Marcondes Machado, Nelson Achcar, Nilza Nunes da Silva,

Norberto Luiz Guarinello e Zilda M. Gricoli Iokoi.

Editor: Marcos Luiz Cripa vdEditoração eletrônica: Luís Ricardo Câmara e Maria Cristina Waligora

Capa: Doriana Madeira (Dmag)Ilustrações: Osvaldo

Projeto Gráfico: Dmag - Artes GráficasRevisão: Francisco José Mendonça Couto

Secretaria: Alexandra Moretti Carillo e Rogério YamamotoDistribuição: Marcelo Chaves e Walter dos Anjos

Fotolitos: Bureau BandeiranteGráfica: Poolprint

Tiragem: 9.000 exemplares

Adusp - S. Sind.Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 374

Cidade Universitária - São Paulo - SPCEP 05508-900

Telefones: (011) 813-5573/818-4465/818-4466Fax: (011) 814-1715

A RReevviissttaa Adusp é uma publicação da Associação dos Docentes da Universidade de SãoPaulo - S. Sind., destinada aos associados. Os artigos assinados não refletem,necessariamente, o pensamento da diretoria da entidade e são de responsabilidade dosautores. Contribuições serão aceitas desde que os textos inéditos sejam entregues emdisquete e tenham no mínimo dez mil e no máximo vinte mil caracteres. Os artigos serãoavaliados pela Comissão Editorial, que decidirá sobre seu aproveitamento.

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ÍÍNNDDIICCEE6

VVIINNTTEE AANNOOSS DDEE UUMMAA HHIISSTTÓÓRRIIAA SSEEMM FFIIMMIgor Fuser

14EESSTTAADDOO EE SSIINNDDIICCAALLIISSMMOO DDOOCCEENNTTEE

2200 AANNOOSS DDEE CCOONNFFLLIITTOOSSMoacir Gadotti

21AA UUSSPP NNEESSTTEESS ÚÚLLTTIIMMOOSS AANNOOSS

Warwick Estevam Kerr

24UUSSPP –– AASS ÚÚLLTTIIMMAASS DDÉÉCCAADDAASS

José Goldemberg

28EENNTTRREEVVIISSTTAA

Paulo Renato Souza

36JJUUDDIITTHH KKAARRDDOOSS KKLLOOTTZZEELL ((8855--8877))

38FFRRAANNCCIISSCCOO MMIIRRAAGGLLIIAA ((8877--8899))

42FFLLÁÁVVIIOO AAGGUUIIAARR ((8899--9911))

45JJOOÃÃOO ZZAANNEETTIICC ((9911--9933))

47OOTTAAVVIIAANNOO HHEELLEENNEE ((9933--9955))

49MMAARRCCOO AA.. BBRRIINNAATTII ((9955--9977))

52DDIITTAADDUURRAA DDOO PPEENNSSAAMMEENNTTOO ÚÚNNIICCOO

AA AADDUUSSPP EE AA CCOONNJJUUNNTTUURRAA NNAACCIIOONNAALLCarlos Eduardo Malhado Baldijão

56SSEENNTTIINNEELLAA

Lígia Marcondes Machado

59OO FFÓÓRRUUMM DDAASS SSEEIISS

EE OO FFUUTTUURROO DDAASS UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEESSJosé Luís Pio Romera

63AA CCRRIIAAÇÇÃÃOO DDOO IIEEAA

Alberto Luiz da Rocha Barros

64GGAALLEERRIIAA

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Dezembro 1996 RReevviissttaa Adusp

Mil e novecentose setenta eseis, marco dafundação daAdusp, estálonge de ser

aquilo que se costuma chamar “umano inesquecível” – exceto, espera-se, para os professores da USP. Oano não assinala o princípio nem ofim de alguma era. Começa com acassação de três deputados: ospaulistas Marcelo Gatto e NelsonFabiano, acusados de comunistas,e o carioca Lysâneas Maciel, quedenunciou esse ato como uma con-fissão, pelo regime militar, de que“a força é a única maneira de semanter no poder”. E termina coma “chacina da Lapa”, em que trêsdirigentes do PCdoB – Pedro Po-mar, Ângelo Arroyo e João BatistaDrummond – são mortos ao finalde uma reunião do partido. É oano em que o presidente ErnestoGeisel é chamado de “fasciste” porestudantes durante visita a Paris.São proibidos no Brasil o BaléBolshoi, por ser russo, os desenhoseróticos de Picasso, por serem eró-

ticos, e a palavra dos candidatos aprefeitos e vereadores, obrigadospela Lei Falcão (esta, sim, inesque-cível) a mostrar apenas seus retra-tos 3x4.

O país dá marcha-à-ré por um la-do, mas avança por outro. Em janei-ro, a morte do operário Manuel FielFilho, em circunstâncias semelhan-tes às do jornalista Vladimir Herzogtrês meses antes no mesmo DOI-Codi de São Paulo, muda o panora-ma político, com a demissão do co-mandante do II Exército, generalEdnardo d’Ávilla Mello, de linha-duríssima. Para o seu lugar é no-meado Dilermando Monteiro, umgeneral que dizia ler o Tio Patinhasantes de dormir. Em junho é criadoo DCE-Livre da USP. A repressãoamolece em relação à imprensa dasgrandes empresas (fim da censuraprévia para Veja) e endurece com osjornais alternativos. O semanárioMovimento é impedido de publicara Declaração de Independência dosEstados Unidos, de 1776, porquenela se diz que o povo tem o direitoe o dever de se rebelar contra osgovernos despóticos.

O ano de 1976 exibe as contradi-ções da mais longa transição políti-ca na história das ditaduras latino-americanas. Nas pontas dessa cami-nhada existem duas datas. A pri-meira é a de 15 de novembro de1974, quando uma avalanche de vo-tos oposicionistas atropela o ritualdas eleições (Geisel achava o even-to tão desimportante que sequeracompanhou as apurações pela te-levisão: preferiu ficar em casa estu-dando relatórios). Na outra pontaestá a posse de José Sarney comopresidente, no dia 15 de março de

1976-1996VINTE ANOS DE UMA HISTÓRIA SEM FIM

Igor Fuser

Em 76, Geisel é vaiado em Paris...

Luís Humberto/Abril Imagens

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Dezembro 1996RReevviissttaa Adusp

1985, depois da eleição de Tancre-do Neves pelo Colégio Eleitoral edo dramático episódio, na véspera,da hospitalização de Tancredo, queviria a morrer em 38 dias.

Um olhar retrospectivo podetrazer lições valiosas num momen-to em que o presidente FernandoHenrique Cardoso, um dos gurusda luta democrática de outrora,justifica sua adesão ao conservado-rismo com a “paixão pelo possí-vel”, inspirada em Hirshman. Nosenso-comum de 1976, o “possível”estava contido nos limites estreitosda abertura que Geisel oferecia àsoposições: “lenta, gradual e segu-ra”. O fim da ditadura era um so-nho distante. Coisa para românti-cos, utópicos, radicais. O generalGolbery do Couto e Silva, o estra-tegista-mor da distensão, deixa cla-ro que a meta é a “liberalização”do regime. “Democratização”, ja-mais. Na prática, isso significa queas greves de trabalhadores conti-nuam a ser reprimidas e seus sindi-catos, mantidos sob intervenção.Mas as informações sobre a grevepassam a ser registradas, como um

termômetro da febre social. De-pois, algumas reivindicações po-dem ser atendidas, desde que nãocontrariem a política econômica. OCongresso pode espernear, até cer-to ponto, mas os militares contro-lam as rédeas do poder.

Até hoje os estudiosos se per-guntam por que cargas-d’água oregime permitiu que as eleições setornassem um conduto para a mu-dança. A maioria das análisesmencionam a busca de uma legiti-midade para o regime de 1964, naausência de uma ideologia consis-tente, como o fascismo, e depoisque os inimigos da nova ordem jáestavam neutralizados, com a pri-são, o exílio, a morte. “A ditadurase valia do seu momento de maiorforça para tentar construir umainstitucionalidade que congelasseo máximo possível aquele momen-to”, escreveu o sociólogo Emir Sa-der, da USP, em O Anjo Torto.Além das eleições de 1974, que ca-nalizaram a insatisfação popularpara o MDB, a crise econômica

contribuiu para acentuar as debili-dades do regime.

Pela lógica, o momento maisapropriado para a abertura seria ofinal da década de 60, o auge do“milagre”. Aquele é, ao contrário,o período de maior “fechadura”.As circunstâncias fazem com que aabertura coincida com o fim do pe-ríodo de vacas gordas do capitalis-mo internacional, o que obriga oBrasil a baixar o ritmo de cresci-mento econômico e a depender,cada vez mais, de empréstimos ex-ternos. Resultado: a transição polí-tica se dá sobre um pano de fundoem que a vida dos brasileiros pioraem vez de melhorar. As chances deascensão social minguam e os assa-lariados começam a sentir na peleos efeitos da inflação. Não é de es-tranhar, portanto, o impacto dasprimeiras denúncias de privilégiosdos donos do poder, como a repor-tagem que revela as despesas daresidência oficial do ministro doTrabalho, Arnaldo Prieto, servidapor 28 empregados. Embora ma-

Assembléia dos metalúrgicos, liderada por Lula, desafia o poder militar.

... e vê manifestante ser preso.

Leonid Streliaev/Abril Imagens

Sommer Andrey/Abril Imagens

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gro, Prieto consumia mensalmente600 quilos de arroz, 300 de açúcar,432 de manteiga, 36 de camarão e954 de carne.

Intrusos no baile

Sem dar ouvido aos “pragmáti-cos”, que aconselham cautela, opovo arrebenta, aos poucos, a ca-misa-de-força da distensão. 1977 éo ano dos estudantes, que comgrandes passeatas popularizam aspalavras de ordem das liberdadesdemocráticas, da anistia e da As-sembléia Constituinte. Uma siglapouco conhecida, a SBPC, de So-ciedade Brasileira para o Progres-so da Ciência, torna-se um símboloda resistência dos intelectuais. Gri-fes mais famosas, como a OAB, re-vigoram-se nas trincheiras da opo-sição. O regime contra-ataca como Pacote de Abril, que fecha oCongresso por duas semanas. Ovocabulário político se enriquecedia a dia com novos termos: casuís-mo, senadores biônicos, retroces-so. Geisel debela uma tentativagolpista do general Sílvio Frota,um partidário da volta à repressãopura e dura. Em 1978, é a vez dostrabalhadores, que irrompem co-

mo intrusos no baile da transição,na histórica greve dos metalúrgicosde São Bernardo do Campo. OMovimento contra a Carestia reú-ne mais de 1 milhão de assinaturaspelo congelamento dos preços.

Bancários, médicos, professores,motoristas de ônibus, trabalhadoresrurais – não há, praticamente, gru-po profissional que tenha deixadode provar o gostinho da greve. Amaré grevista projeta a figura deLuís Inácio Lula da Silva, o líderdos metalúrgicos, como contrapon-to aos timoneiros da oposição libe-ral, Ulysses Guimarães e FrancoMontoro. O despertar da sociedadecivil é o assunto da moda. Em 1979renasce a União Nacional dos Estu-dantes, num congresso em Salva-dor, enquanto os professores inten-sificam o processo que culmina, em1981, com a criação da AssociaçãoNacional dos Docentes do EnsinoSuperior, a Andes. O regime reage.Intervém nos sindicatos mais com-bativos e chega a prender os diri-gentes dos metalúrgicos, por algunsdias. Mas a abertura já havia atingi-do o ponto de não-retorno. Pressio-nado pela mobilização popular, onovo presidente, João Figueiredo,primeiro general a assumir o poder

sem o AI-5, inclui a anistia no paco-te que dá continuidade à distensãoiniciada por Geisel. A anistia é am-pla, geral e irrestrita, como exigia aoposição, apesar da garantia de im-punidade aos torturadores do regi-me. Os presos políticos deixam ocárcere e milhares de exilados vol-tam ao país. Entre eles, Leonel Bri-zola, Miguel Arraes e Luís CarlosPrestes. As manobras do governopara represar a democratização dãoerrado, invariavelmente. “Estou fa-zendo uma força desgraçada paraser político, mas não sei se vou mesair bem”, confessou Figueiredo,num de seus arroubos de sincerida-de. “No fundo, o que eu gosto mes-mo é de clarim e de quartel.”

É sempre mais fácil dissecar opassado (no nosso caso, a umaconfortável distância de mais dequinze anos) do que decidir no ca-lor dos fatos. Mesmo assim, é im-portante registrar, para a reflexãoatual, o contraste entre a posiçãorecuada dos moderados da época,sempre prontos para recomendarprudência, e a efetiva marcha dosacontecimentos. Tancredo Neves,por exemplo, aproveita a interven-ção nos sindicatos do ABC para jo-gar água fria no movimento, que

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Fundação da CUT, em1978, FHC fala sobre democracia na SBPC. Brizola retorna, anistiado, em setembro 1979.

Pedro Martinelli/Abril Imagens Pedro Martinelli/Abril Imagens

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claramente o assusta. “Eles foramcom muita sede ao pote: quebra-ram o pote e ficaram com sede”,afirma, num comentário tido comoprova de “sabedoria mineira”.Hércules Corrêa, membro da dire-ção do PCB, publica um livro comas “lições” da greve do ABC em1980. “Derrota é derrota”, escreveCorrêa. “Não se pode transformarderrota em vitória, e os grevistassabem disso.” Em vez de “potesquebrados”, a ofensiva grevistatraz conquistas econômicas reais eum poder de fogo que favorece ossindicatos por mais de uma décadade quedas-de-braços com os pa-trões. A “derrota” aparente dagreve de 1980 abre o caminho paraa fundação, no mesmo ano, deuma força inteiramente nova naesquerda brasileira, o Partido dosTrabalhadores, fruto da união desindicalistas combativos, intelec-tuais de oposição, ativistas de baseda Igreja e militantes egressos daluta revolucionária. No ano seguin-te, o movimento sindical dá umsalto de qualidade: a formação daCentral Única dos Trabalhadores,a CUT. É também nessa época queo empresário Eugênio Staub, donoda Gradiente, fornece registro em

carteira para Luís Antônio de Me-deiros, que com uma brevíssimaexperiência como operário se tor-naria presidente do Sindicato dosMetalúrgicos de São Paulo e, maistarde, líder da Força Sindical, acentral trabalhista moderada, arti-culada para se contrapor à CUT.

Pacto das elites

“A democracia no Brasil foisempre um lamentável mal-enten-dido”, escreveu o historiador Sér-gio Buarque de Hollanda. “Umaaristocracia rural e semifeudal im-portou-a e tratou de acomodá-la,onde fosse possível, aos seus direi-tos e privilégios, os mesmos privilé-gios que tinham sido, no VelhoMundo, o alvo da luta da burguesiacontra os aristocratas.” Estas pala-vras parecem ter sido redigidas sobmedida para o desenlace da lutacontra o regime de 1964. Depois doatentado do Riocentro, em 1981,que assinala a existência de umaextrema-direita terrorista dentrodas Forças Armadas, a transiçãoescapa ao controle de Figueiredo,num contexto de agravamento dacrise financeira. O panorama inter-nacional, com as pressões dos EUA

pela “redemocratização” na Amé-rica Latina, deixa pouco espaço pa-ra um retrocesso. Os credores ex-ternos, com o FMI à frente, man-têm o governo acuado, sem fôlegopara concessões econômicas, en-quanto os empresários começam aabandonar o barco, somando-se aocoro dos descontentes. Henry Kis-singer é recebido com ovos e vaiasna Universidade de Brasília. Aseleições estaduais de 1982 dão opo-sição na cabeça, num quadro parti-dário renovado. O PMDB se con-sagra como o grande partido datransição democrática. Brizola éeleito governador do Rio, peloPDT, mas fica como coadjuvantena cena política, junto com o PT.

Os dias do regime estão conta-dos. Os militares fazem de tudopara esticar os prazos da transição,mas já não conseguem conter a in-disciplina no próprio partido go-vernista, o PDS, herdeiro da antigaArena, onde proliferam as dissi-dências. O ambiente no país se de-teriora com a escalada do desem-prego. Ocorrem saques e quebra-quebras. Em São Paulo, desempre-gados chegam a derrubar a cercado Palácio dos Bandeirantes, numamanifestação. Fala-se em “ruptura

agosto de 83. Conservadores se unem no Colégio Eleitoral.Figueiredo tira a farda e mantém a transição.

Rogério Reis/Abril ImagensElena Assumpção/Abril Imagens Carlos Namba/Abril Imagens

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do tecido social”. A inflação au-menta – já não pode ser atribuídaao chuchu, como fez o ministroMário Henrique Simonsen, em1977 – e os credores apertam. “Seo Brasil não o efetivar, o acordocom o FMI vai sair pelo ralo”, ad-verte Jacques de Laroisière, o pre-sidente do Fundo, em 1983. “OBrasil está sambando sobre umvulcão”, registra a revista francesaLe Point, de direita. Figueiredoameaça “recrudescer”, mas já nin-guém o leva a sério.

É nesse cenário que irrompe, noinício de 1984, a campanha pelaseleições diretas para presidente daRepública, lançada pelo PT em no-vembro do ano anterior. A bandei-ra empolga a opinião pública. Ulys-ses e Lula, as figuras máximas daoposição, cruzam o país animandograndes comícios pelas diretas-já.José Sarney, presidente do PDS,comanda a reação às diretas, sob oargumento de que aceitá-las seriaum “suicídio” ao estilo de Jim Jo-nes. A Emenda Dante de Oliveira,que restabelece o voto direto parapresidente, é derrotada no Con-gresso, com 22 votos a menos doque os dois terços necessários. Aoposição popular, que em nome daaliança com os liberais tinha deixa-do de vincular a causa das diretascom as demandas de mudança eco-nômica e social, mergulha no desâ-nimo. Os liberais, mais do que de-pressa, decidem participar do Colé-gio Eleitoral criado pela ditadura,com senadores biônicos e outrosmecanismos antidemocráticos.Ulysses capitula, depois de ter cha-mado o Colégio de “Bastilha no-jenta e repugnante”.

O pêndulo se incli-na, então, para a direi-ta. No PMDB, Ulyssesé ultrapassado por Tan-credo Neves, líder daala “moderada”, que jávinha costurando nasurdina sua candidatu-ra pelo voto indireto,em parceria com dissi-dentes do regime. Aaliança se concretiza apartir do desenlace daluta no PDS pela suces-são de Figueiredo. Pau-lo Maluf, correndo porfora, ganha a conven-ção, empurrando umnutrido lote de insatis-feitos para os braços daoposição. Nasce a cha-pa Tancredo-Sarney, vi-toriosa no ColégioEleitoral com os votosde todos os oposicionistas, com ex-ceção da bancada do PT, que deci-de abster-se por julgar que um re-gime nascido de um instrumentoespúrio traria sempre essa marca.A luta pela democracia, movidadesde o início por um forte compo-nente popular, deságua, assim,num pacto entre as elites. Consa-gra-se a “transição por cima”, las-treada na dobradinha entre os mo-derados do PMDB e o PFL, queagrupa os trânsfugas de última ho-ra do regime militar, como Antô-nio Carlos Magalhães, o czar dascomunicações, e Marco Maciel, oMaquiavel de Pernambuco. A fata-lidade, ao substituir Tancredo porSarney, só acentua a hegemoniaconservadora na “Nova Repúbli-ca”, como se intitula o governo

que emerge do Colégio. Mais umavez na história do Brasil, os confli-tos políticos se resolvem pela con-ciliação entre os grupos dominan-tes, como na Independência, naAbolição da Escravatura, na Repú-blica e na Revolução de 1930. Ademocracia permanece um tre-mendo mal-entendido.

O voto inútil

Os guardiães do pragmatismo,como de costume, recriminam oPT por ter ficado à margem do Co-légio Eleitoral (ainda que sua au-sência em nada tenha alterado avotação). É o mesmo argumento jáusado para tentar dissuadir o parti-do de disputar as eleições de gover-nador, em 1982 – a lógica do “voto

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Dezembro 1996 RReevviissttaa Adusp

Em todo o país, milhões de pessoas exigem eleições

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Dezembro 1996RReevviissttaa Adusp

útil”, repetida nas campanhas paraprefeituras em 1985, segundo aqual se deve evitar, a qualquer pre-ço, a “divisão no campo democráti-co”. Por trás dessa retórica se es-conde a concepção, apontada pelosociólogo argentino Atilio Borón,de que a democracia é um projetoque se esgota na “normalização”das instituições políticas. “Para osque são tributários dessa perspecti-va”, afirma Borón, “a gigantescaempresa de instaurar a democraciase reduz à criação e institucionali-zação de uma simples ordem políti-ca – isto é, um sistema de regras dojogo que faz abstração de seus con-teúdos éticos e da natureza profun-da dos antagonismos sociais – eque só coloca problemas de gover-nabilidade e eficácia administrati-

va.” Na visão de boaparte do antigo MDB(já excluídos os oportu-nistas de ocasião), a lu-ta antiditatorial eraexatamente isso, umacruzada pela volta ao“estado de direito”,com as reivindicaçõessociais mantidas em se-gundo plano, no me-lhor dos casos. Não poracaso, a turma do “votoútil” veio mais tardeconstituir o núcleo doPSDB e, mais tardeainda, dar suporte polí-tico à guinada de FHCda social-democraciaao neoliberalismo.

A dinâmica da No-va República mostraque o isolamento doPT no episódio do Co-

légio Eleitoral é apenas aparente.Depois de um início titubeante,Sarney lança o Plano Cruzado, umaudacioso projeto antiinflacionárioengendrado por economistasoriundos da oposição à ditadura.Um sucesso no início, em fevereirode 1986, o Cruzado dá a Sarneymais de 90% de aprovação popu-lar. A festa do preço congelado edo consumo desenfreado dura até21 de novembro – o tempo sufi-ciente para o PMDB eleger 22 dos23 governadores e a maioria abso-luta no Congresso Constituinte. Apartir daí, o plano naufraga estre-pitosamente, vítima dos tubarõesempresariais que já vinham burlan-do o congelamento através do ágiogeneralizado e do desabastecimen-to intencional. O desencanto é

proporcional às enormes ilusõesdepositadas numa panacéia queprometia “inflação suíça e cresci-mento japonês”. Em 1987, com suapopularidade em queda livre, Sar-ney chega a ser apedrejado dentrode um ônibus no Rio de Janeiro.

As turbulências do Cruzado – edos planos meia-sola adotados dian-te da volta da inflação – roubam asatenções à Constituinte. A novaCarta, aprovada em 1988, mantémos privilégios das elites, mas faz con-cessões em temas como os direitostrabalhistas e as liberdades indivi-duais. No capítulo essencial da pro-priedade fundiária os conservadoresvencem de cabo a rabo, tornando areforma agrária mais difícil do queno Estatuto da Terra, de 1967. OMovimento dos Sem-Terra, criadoem 1985, ainda é uma força embrio-nária. O que polariza os debates, àfalta de uma esquerda numerosa ede um movimento social capaz deinfluir a partir de fora, é a luta de-sesperada de Sarney para espicharem um ano seu mandato de quatro.Ele acaba conseguindo, à custa detransformar a Constituinte nummercado persa. Antônio Carlos Ma-galhães, o ministro das Comunica-ções, distribui 1.203 concessões derádio e TV, um recorde nacional,em troca de votos para o quinto anode mandato. É a era do “é dandoque se recebe”, na cínica interpreta-ção da máxima franciscana na bocado líder governista Roberto Cardo-so Alves. Uma fatia do PMDB, soba liderança de FHC, Mário Covas eTasso Jereissati, aproveita a indig-nação nacional para formar um no-vo partido, o PSDB, com um perfilde “centro-esquerda”. Outro pee-

para presidente. O Congresso frustra a Nação.

Sérgio Berezovsky/Abril Imagens

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medebista desgarrado, o governa-dor alagoano Fernando Collor,lança uma campanha demagógicacontra os “marajás” do funcionalis-mo público.

A crise social explode em umaonda de greves sem precedentes.O PT e a CUT, que durante o Cru-zado pareciam condenados à irre-levância, ressurgem com força re-dobrada. Abre-se um período deintenso conflito distributivo, noqual os avanços salariais são ime-diatamente corroídos pela espiralinflacionária, em meio à crise fiscale financeira do Estado. O outonode Sarney é marcado pela medio-cridade, com a política econômicado “arroz com feijão” (leia-se, pas-sividade) do ministro Maílson daNóbrega, inflação vertiginosa e umvendaval de denúncias de corrup-ção. A alternativa neoliberal, “ges-tada nos países centrais e de lá ex-portada no ombro de anões comPhD” (como aponta César Benja-min), amadurece entre as elites. Ofracasso do Cruzado marca a últi-ma vez que o país apostou num ca-minho autônomo em relação aocentro do sistema capitalista mun-dial. Até mesmo entre os setores“progressistas” das classes domi-nantes, representados pelo PSDBe fatias do PMDB, nota-se a re-núncia a buscar um novo projetode desenvolvimento, o abandonoda idéia de uma versão tupiniquimdo “Estado do bem-estar social”.Ganha terreno o discurso da “mo-dernidade”, senha para a desestru-turação do Estado, a privatizaçãoselvagem, a capitulação perante osinteresses externos. Ainda nãoexistia a palavra “globalização”.

A "pizza" e o príncipe

O dilema dos poderosos é en-contrar um candidato capaz de ga-nhar as eleições e aplicar o thatche-rismo à brasileira. Os nomes maisóbvios, Ulysses Guimarães e Aure-liano Chaves, estão “contaminados”pelo longo conluio com Sarney.Paulo Maluf é arrogante demais,com fama de corrupto. GuilhermeAfif Domingos é um almofadinha.A essa altura, as elites já não estãosozinhas no palco. Em contraposi-ção à retórica da “modernidade”,fortalece-se um discurso alternativo,carregado de rebeldia. É a denúnciado “apartheid social”, das injustiças,da exclusão que mantém a maioriados brasileiros à margem dos bene-fícios da vida civilizada. A “décadaperdida”, como os anos 80 entrampara a história da América Latina,cobra sua fatura, que se expressa emestatísticas brutais. O salário míni-mo urbano no Brasil, medido emtermos reais, desceu de 100 para 70entre 1980 e 1989. No mesmo perío-do a concentração de renda se tor-nou a mais elevada do planeta. Os10% mais ricos da população brasi-leira, que em 1980 já detinham 51%para riqueza nacional, dez anos de-pois tinham ampliado sua fatia nobolo para 54%. Cifras como estas setraduzem num poderoso combustí-vel eleitoral na voz de dois políticosde grande credibilidade e carismajunto às massas pobres: Brizola e,principalmente, Lula.

É nessa época que Roberto Ma-rinho, o patriarca das Organiza-ções Globo, manifesta sua preocu-pação com as eleições presiden-ciais de 1989: “Sem um nome que

reúna o centro, poderemos acabarpropiciando a vitória de um candi-dato que não seja do nosso meio”,afirma. A saída é Collor, que a im-prensa se encarrega de vender àopinião pública com o rótulo de“caçador de marajás”. A aposta nogovernador de Alagoas tem lá seusriscos, pois se trata claramente deum aventureiro, alguém que não éexatamente “do nosso meio”. Masnão há opções. Com a promessa delevar o Brasil “ao Primeiro Mun-do” e o apoio relutante das elitesque dizia desprezar, Collor derrotaLula, por uma diferença apertadano segundo turno, depois de umacampanha movida a dinheiro farto,golpes baixos e manipulação des-carada da mídia em favor do can-didato conservador.

Seguem-se três anos de sobres-saltos, exibicionismo, escândalos efortes emoções, do confisco dapoupança no primeiro dia do go-verno à renúncia do presidente,em dezembro de 1992, já na imi-nência do impeachment, após a hu-milhação de ser afastado peloCongresso. A derrubada de Collornão é uma tarefa simples. No iní-cio das investigações as classes do-minantes se apresentam divididas,com uma tendência predominantea encerrar o assunto “em pizza”.Surge então o imponderável – oacúmulo das evidências de corrup-ção além do ponto em que seriapossível encobrir, ou tolerar. So-ma-se a gradual mobilização da so-ciedade em favor do impeachment.À frente desse movimento de reto-mada da luta política de massas es-tão, mais uma vez, o PT e a CUT.O setor mais combativo da esquer-

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da brasileira empreendeu a traves-sia do deserto, depois da derrotade 1989, da desorientação inicialperante as mandrakarias da minis-tra Zélia Cardoso de Mello e doinevitável isolamento na fase emque a opinião pública se deixou se-duzir pelo marketing do “IndianaJones brasileiro”, como o presi-dente americano George Bush sereferiu a Collor. Não faltam, nosprimeiros tempos, os apelos paraque Lula deixe de lado o “ressenti-mento” e venha apertar a mão dovencedor. O líder petista resisteaos cantos de sereia. Como prêmiopor sua coerência, emerge da cam-panha pelo impeachment como onome mais cotado nas pesquisassobre a sucessão.

Ao contrário das diretas-já, a lu-ta contra Collor é vitoriosa. Mas odesfecho, outra vez, decepcionaquem esperava criar um ambientefavorável a mudanças na distribui-ção da riqueza e do poder. Comona campanha das diretas, a esquer-da se curvou à agenda dos liberais,em nome da unidade contra o ini-migo comum. A mobilização peloimpeachment, impulsionada emgrande medida pelo PT, limitou-seao discurso da “ética na política”,sem questionar a linha econômicaantipopular e antinacional do go-

verno Collor – ponto que a impren-sa sempre fez questão de preservar,mesmo nos momentos de ataquemais duro à delinqüência presiden-cial. Pior, a esquerda aceita a pas-sagem do bastão para o vice ItamarFranco como “natural”. Endossa,assim, o continuísmo neoliberal ese recusa a propor a convocaçãoimediata de eleições gerais. Resul-tado: um “day after” apagado emelancólico como o próprio Ita-mar. A oposição popular ingressano período seguinte de luta políticanuma situação de defensiva, vulne-rável às pressões para se deixarcooptar pelo novo governo e emmeio a uma grande confusão inter-na, apesar da posição privilegiadade Lula nas prévias eleitorais. Umcaso em que a vitória escapa porentre os dedos do vencedor, até sedissipar completamente.

O que veio depois está fresco namemória de todos. As elites apro-veitam o intermezzo itamariano pa-ra se reaglutinarem em torno daplataforma econômica que se tor-nou o Plano Real. O “príncipe” tãoesperado surge na pessoa de FHC,sob as bênçãos dos “mercados” –um eufemismo que encobre os in-teresses dos centros financeirosglobalizados, os donos do mundo.O PT vacila. Aposta até o fim nu-

ma aliança impossível com o PSDBe, quando se torna explícita a op-ção dos tucanos pela direita tradi-cional, centra fogo no ataque aoPFL, como se o problema de Fer-nando Henrique residisse em seusacompanhantes. As elites, comuma arma poderosíssima nas mãos– um plano antiiflacionário que,num primeiro momento, dá alíviomaterial às massas pobres e tran-qüilidade às classes médias –, in-vertem o jogo eleitoral e elegemseu candidato logo no primeiro tur-no. O país mergulha de cabeça naaventura neoliberal, com a devasta-ção econômica e social que a cadadia se torna mais visível. A esquer-da paga um preço caro por suas ilu-sões. O aprendizado é doloroso. Asorganizações sociais enfrentam, co-mo podem, o ataque de uma políti-ca que, para ter êxito, pressupõe acompleta desarticulação da socie-dade. Há derrotas, mas também si-nais alentadores de resistência, co-mo a luta dos sem-terra e a expres-siva votação do PT nas últimas elei-ções. O futuro é uma página embranco. A História não acabou.

Igor Fuser é jornalista, editor de As-suntos Nacionais da revista Veja.Publicou em 1995 o livro Méxicoem Transe e organizou, em 1996, acoletânea A Arte da Reportagem.

Greve dos professores em SP.Ato pelo impeachment de Collor.MST reacende o debate fundiário.

Antônio Milena/Abril Imagens Orlando Brito/Abril Imagens João Bittar/Abril Imagens

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Aeducação na América Latina está pas-sando por profundas mudanças em re-lação à sua concepção, aos seus con-teúdos, métodos e objetivos, enfren-tando problemas crônicos, como aevasão, a repetência e a baixa qualida-

de. Essas mudanças têm suscitado as reações mais di-versas por parte dos docentes, tanto universitáriosquanto do ensino fundamental e médio.

Algumas reformas reduziram as despesas comeducação, em prejuízo dos salários dos professores,outras realizaram descentralizações de encargos paraas municipalidades e sobrecarregaram as escolas e osdocentes. Seja como for, elas estão traçando novosrumos para a educação – sobretudo para a educaçãobásica – diante dos quais os sindicatos e associaçõesde docentes vêm se posicionando.

Nas últimas décadas, as condições de vida e de tra-balho na área educacional causaram a expulsão deum significativo número de professores. Muitos delesviram-se obrigados a ir em busca de carreiras maisbem remuneradas. Em certos momentos, o sistema deensino, por isso, quase entrou em colapso, pois muitasescolas públicas não conseguiram iniciar o ano letivonas datas previstas. Em 1994, por exemplo, das 6000escolas urbanas da rede estadual de ensino de SãoPaulo, 2000 não iniciaram o ano letivo na data previs-ta por falta de professores.

Todo início de ano letivo, focos de conflito surgeme se desenvolvem entre professores, sindicatos e Esta-do. As medidas governamentais, seguindo de perto oreceituário neoliberal, estão dando uma resposta ape-nas tecnocrática – que não deixa de ser política – a es-

se contexto de crise. Elas se concentram no ensinofundamental, deixando o ensino universitário, a edu-cação infantil e a educação de jovens e adultos para omercado resolver. Por isso é de se esperar, para ospróximos anos, novos conflitos. A crise deverá apro-fundar-se enquanto os governos se omitirem ou igno-rarem as reivindicações dos trabalhadores em educa-ção e mostrarem-se inábeis para negociar com a so-ciedade as necessárias reformas nesse setor. A quali-dade da educação é condição para a eficiência econô-mica. Mas a qualidade educacional que gera a eficiên-cia econômica que se opõe ao paradigma neoliberalnão será atingida sem uma reforma das políticas so-ciais que conte com a participação da comunidade.

Trabalhadores em educação

A primeira reunião de educadores brasileiros deque se tem notícia deu-se no Rio de Janeiro, em 1873,convocada por iniciativa do Governo. Dela participa-ram apenas professores das escolas daquele municí-pio. Dez anos depois, realizou-se, na mesma cidade,uma Conferência Pedagógica que reuniu professoresde escolas públicas e particulares da região.

A Proclamação da República (1889) levou o Gover-no Federal a retrair-se no que diz respeito à convocaçãode reuniões e conferências de âmbito nacional. Enten-dia-se que o ensino deveria estar isento das “interven-ções” do poder central, iniciando-se um longo períodode omissão da União diante do ensino fundamental.

Em 1924 foi criada a ABE (Associação Brasileirade Educação), que contava com a participação deprofessores e interessados em questões educacionais.

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ESTADO E SINDICALISMO DOCENTE:20 ANOS DE CONFLITOS

Moacir Gadotti

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A ABE ocupou lugar de destaque pela sua valiosacontribuição ao processo de transformação do campoeducacional. A partir de 1927, organizou conferênciasnacionais em diversas cidades sobre diferentes temas.Foram ao todo 13 conferências entre 1927 e 1967,que chegaram a influir na política educacional emconjunturas determinadas.

O golpe político-militar (1964) afastou liderançasconsolidadas e emergentes nos mais diversos ramosdas ciências, da tecnologia, das artes e da educação.Ainda assim, em 1967 foi realizada no Rio de Janeiroa 13ª Conferência Nacional de Educação promovidapela ABE. Essa conferência já não teve repercussãoalguma no meio educacional, resumindo-se a pales-tras proferidas para poucas pessoas.

Na reorganização dos trabalhadores em educaçãofoi importante a contribuição da SBPC. A partir de1970, as reuniões da SBPC – fundada em 1948 – dei-xaram de ser eventos que só diziam respeito aos pro-fessores universitários e pesquisadores, abrangendotambém outros setores da sociedade, uma vez que es-se era um dos poucos espaços que permitiam a ex-pressão das opiniões públicas e propiciava o livre de-bate da sociedade civil. Na década de 70, em conse-qüência do movimento estudantil de 1968 e outros fa-tos que marcaram essa época, a situação educacionalbrasileira foi particularmente debatida. Mas os movi-mentos restringiam-se, muitas vezes, ao protestodiante da maneira autocrática de reformar o sistemaeducacional adotada pelo regime militar.

A partir da segunda metade da década de 70, a so-ciedade civil foi se reorganizando. Nos mais variadossetores surgiram novas associações, e as antigas come-çaram a adquirir maior dinamismo. Desde 1975, asAssociações de Docentes do Ensino Superior se multi-plicavam nas universidades públicas e privadas. Em ju-lho de 1977 foi criado, no Rio de Janeiro, o CEP(Centro Estadual de Professores), que congregava omagistério do estado do Rio de Janeiro. Em 1978 foireestruturada a APEOESP (Associação dos Professo-res do Ensino Oficial do estado de São Paulo). Issoocorreu também em outros Estados. Nessa épocacresceu muito a CPB (Confederação dos Professoresdo Brasil), por conta do fortalecimento das entidadesestaduais. Mais tarde (1989), a CPB transformou-se

na CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadoresem Educação). A denominação “trabalhadores emeducação”, em vez de “educadores”, “professores” ou“profissionais da educação”, reflete a mudança de per-cepção da própria categoria no conjunto dos trabalha-dores em geral. Ela toma consciência de que os pro-blemas que afetam os docentes são basicamente osmesmos de outras categorias de trabalhadores. Por-tanto, as lutas do magistério são consideradas, a partirde então, semelhantes às dos trabalhadores em geral.

Em 1978 foi fundada a ANPEd (Associação Na-cional de Pós-Graduação em Educação), hoje Asso-ciação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa emEducação (com a mesma sigla), inicialmente uma as-sociação de coordenadores de Programas de Pós-Gra-duação em Educação que logo se abriu (1979) paraprofessores, alunos e pesquisadores em educação.

Em 1979 foi criada a ANDE (Associação Nacionalde Educação). Isso se deu no momento em que oseducadores retomavam a bandeira de luta pela “edu-cação pública e gratuita para todos” contra a políticaprivatista do regime militar.

A união dessas três entidades – CEDES, ANPEd eANDE – na preparação da CBE (Conferência Brasi-leira de Educação) deu-se a partir da reunião anual daANPEd de Salvador (1979), onde os participantes de-monstraram interesse pelo mesmo tema: “políticaeducacional”, proposto pelo CEDES, para a realiza-

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Professores ocupam Brasília em defesa da educação.

Orlando Britto/Abril Imagens

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ção do II Seminário de Educação Brasileira. O encon-tro mudou de nome para Conferência Brasileira deEducação, mantendo-se o tema do seminário propostopelo CEDES. Essa iniciativa contou logo com o apoiodo CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contem-porânea). Essas quatro entidades realizaram, no iníciode 1980, na Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo – um dos mais importantes bastiões de resistên-cia ao regime militar –, a I Conferência Brasileira deEducação, chamada de “brasileira” para distingui-ladas Conferências “nacionais” da ABE.

É no final da década de 70 e início de 80 que surgeo maior número de entidades educacionais, tanto asque se referem à educação formal quanto às que se si-tuam na área de educação sindical, popular e não-for-mal ou extra-escolar.

Após uma fase de repressão e outra de relativaabertura, depois de 1985, vivemos uma fase de conso-lidação das entidades e organização dos trabalhadoresem educação. De uma fase crítica, com intensa mobili-zação, greves e manifestações públicas, passou parauma fase orgânica de propostas, participando na ela-boração de políticas públicas em todos os níveis e par-ticularmente na elaboração do capítulo da educaçãoda Constituição de 1988 – a despeito de toda a des-consideração que sofreu posteriormente – e, depois,na elaboração da nova LDB (Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional), hoje ainda em tramitação.

Movimento sindical docente

Na década de 50, por mais que tenham sido fre-qüentes os congressos de educadores, até mesmo coma presença do presidente da República — como foi ocaso do Segundo Congresso Nacional de Alfabetiza-ção, realizado em 1958 no Rio de Janeiro —, não seconseguiu criar uma entidade nacional de educadores.A primeira só veio a nascer em 1960, como resultadode discussões ocorridas entre 1953 e 1959 em trêsCongressos realizados em Salvador, Belo Horizonte ePorto Alegre. Onze entidades, reunidas no IV Con-gresso, realizado em Recife em 1960, criam a Confe-deração dos Professores Primários do Brasil (CPPB).

O período que vai de 1960 a 1972 pode ser carac-terizado como o período de organização e consolida-

ção da entidade ao nível nacional e vinculação ao ní-vel internacional.

Nacionalmente, a CPPB incentivou a formação deentidades estaduais, incluindo os Territórios. Este in-centivo foi dado através de contatos constantes comos professores das regiões onde não existia aindaqualquer tipo de organização. Havia, no entanto, difi-culdades geradas pela falta de recursos. Problema queafetava até as reuniões da diretoria, pois os seusmembros – presidente, tesoureiro, secretário – geral-mente não residiam no mesmo estado.

Internacionalmente, a CPPB filiou-se, em 1962, àConfederação Mundial das Organizações de Profis-sionais do Ensino (CMOPE), com sede na Suíça. A fi-liação à CMOPE facilitou financeiramente a sobrevi-vência da entidade, que até então vinha sendo apoia-da apenas pelos órgãos oficiais ligados à educação.

O período de 1973 a 1978 pode ser consideradocomo um período de ampliação da entidade, que,nessa época, passa a chamar-se CPB (Confederaçãode Professores do Brasil), representando não somenteprofessores primários, mas também professores deoutros níveis de ensino.

Os anos de 1979 e 1980 configuram-se como osanos de crise e transição para a democratização daconfederação, com uma presença maior das entidadesfiliadas, que mudam os estatutos (1979): ela passa a seradministrada pelos presidentes das entidades filiadas.Nesse período de transição, o movimento dos professo-res cresceu ao nível nacional, organizando greves emvários Estados, o que levou a CPB a um debate internoe a uma crise quanto à decisão de acompanhar o avan-ço do movimento grevista nacional. Ocorreram articu-lações de algumas entidades, que não faziam parte daCPB, para a formação de outra entidade nacional.

Nos anos seguintes, a CPB consolidou sua estrutu-ra democrática. Cresceu e reformou novamente seusestatutos (1983): definiu as eleições não mais por votodireto de todos os professores, mas por delegados emCongresso Nacional. Em janeiro de 1989, mudou denome e passou a ser chamada de Confederação Nacio-nal dos Trabalhadores em Educação (CNTE), com aunificação da CPB com três outras entidades nacio-nais de educadores: a FENASE (Federação Nacionalde Supervisores do Ensino), a FENOE (Federação

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Nacional de Orientadores Educacionais) e a Coorde-nação Nacional de Servidores do Ensino Público.

Na sua maioria, a CNTE hoje é composta por tra-balhadores do ensino público e congrega atualmentemais de trinta entidades estaduais, representandouma base de mais de dois milhões de trabalhadores,seiscentos mil dos quais sindicalizados. A CNTE é fi-liada à CUT (Central Única dos Trabalhadores) des-de 1988. Segundo João Antônio Cabral de Monlevade(in Sociedade civil e educação, Coletâneas da C.B.E.,Campinas, Papirus, 1992, p. 184), ela passou por trêsmomentos: a) de 1965 a 1980, em que era considera-da uma “caixa de ressonância”; b) de 1980 a 1987, co-mo um agitado “palco de debates”; c) de 1987 para cá,na qual os trabalhadores em educação têm sido “pro-dutores e defensores de propostas”.

Essa evolução de uma fase crítica para uma fasemais orgânica e propositiva deu-se no momento em queos professores precisaram apresentar suas propostaspara a Constituinte (1986-1988). A organização do Fó-rum Nacional em Defesa da Escola Pública, em marçode 1987, com outras 10 entidades, é uma data marcantedessa mudança de rumos do movimento sindical dosdocentes. Assim, “da postura crítica e questionadora, aslideranças do magistério de 1º e 2º graus foram obriga-

das a flexionar para um novo comportamento: o decontribuição competente para se construir e se defen-der propostas alternativas concretas para a realidadebrasileira e que, ao mesmo tempo, contemplassem asposições políticas do movimento” (Idem, p. 188).

Os professores do ensino superior no Brasil agluti-nam-se em torno da Andes (Associação Nacional deDocentes do Ensino Superior), que nasceu da união dasADs (Associações de Docentes), surgidas em várias uni-versidades, a partir de 1976. A sua unidade foi consegui-da a partir da greve das universidades autárquicas de1980, a primeira greve nacional desde 1964, a qual mos-trou a necessidade da criação de uma entidade nacional.

Fundada em 1981, os eixos fundamentais de luta daAndes, eram, na época – e de certa forma continuamaté hoje – os seguintes: a) contra a privatização da edu-cação fomentada pelos governos brasileiros desde1964; b) rejeição da estrutura universitária imposta pe-la reforma de 1968; c) combate à deterioração das con-dições de trabalho dos docentes. Ela teve uma partici-pação importante no movimento pela anistia, pelaseleições diretas para presidente e pela convocação daAssembléia Nacional Constituinte. Promulgada a novaConstituição, a Andes passou a exercer, por direito, aação sindical que já exercia de fato e, em 1989, trans-

formou-se em SindicalNacional, mantendo amesma sigla histórica(Andes-SN). No mesmoano filiou-se à CUT. Ho-je está filiada à Federa-ção Internacional deSindicatos de Educado-res (FISE), à Confedera-ção Mundial de Sindica-tos Profissionais do En-sino (CEMOP) e à Con-federação de Professoresda América (CEA).

As organizações na-cionais dos educadoressão sustentadas por for-tes bases estaduais comoo CPERS, no estado doRio Grande do Sul, e a

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A década de 80 foi marcada por greves no setor educacional em todo o estado.

Carlos Fenerich/Abril Imagens

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Apeoesp, no estado de São Paulo. A Apeoesp foi fun-dada com o nome de Apenoesp (Associação dos Pro-fessores do Ensino Oficial Secundário e Normal do es-tado de São Paulo), em 1945, em São Carlos. Em 1973seu nome foi mudado para Apeoesp. É consideradauma das entidades de docentes mais organizadas, de-mocráticas e combativas do Brasil.

A partir de 1964 a Apeoesp passou a ser controla-da por grupos de pessoas conformadas com o regimemilitar. Nos anos 1976 e 1977 surgiram dois movi-mentos de oposição: o MUP - Movimento de Uniãodos Professores e o MOAP - Movimento de OposiçãoAberta dos Professores. Temendo a sua organização ecrescimento, a diretoria da Apeoesp de então denun-ciou esses movimentos às forças de repressão da dita-dura, o DEOPS. Quando os setores combativos domagistério contra o chamado “peleguismo” venceramas eleições de 1979, a entidade tinha 32 mil associa-dos. Hoje conta com 122 mil associados, 207 regionaise 76 subsedes. O Conselho Estadual de Representan-tes (CER) é formado por 1403 conselheiros eleitosem todo o estado de São Paulo.

Conflito, consenso, pacto ou parceria?

As relações entre o Estado e os sindicatos de tra-balhadores em educação são muito dinâmicas, variamde conjuntura para conjuntura e dependem, sobretu-do, do regime de governo, que pode ser de caráter de-mocrático, autoritário ou totalitário. Há contudo pos-sibilidade de montar alguns “tipos ideais” (Max We-ber). Segundo o método compreensivo da sociologiaweberiana, chega-se a um “tipo ideal” de comporta-mento acentuando os elementos explicitados, enca-deando os elementos isolados e difusos e ordenando-os segundo um ponto de vista.

Pela observação e leitura de farta documentação,colecionada durante os últimos 20 anos (1977-1996),como boletins, recortes de jornais, revistas, livros, ar-tigos, panfletos, bem como entrevistas com sindicalis-tas e assessores sindicais, podemos chegar a três “ti-pos ideiais”, constitutivos das relações mantidas entreEstado e sindicato docente.

1º - Sindicalismo de contestação (ou de confrontopolítico). Marcado principalmente pela oposição a uma

situação vigente, este é um sindicalismo que se nega aparticipar de uma dada realidade, pois entende que ascontradições existentes entre Estado e sindicato são detal magnitude que se torna impossível qualquer nego-ciação. Não existem canais de diálogo nem áreas detangência que justifiquem aproximações. Este tipo desindicalismo revela na sua atuação um alto grau de de-pendência frente aos partidos políticos. Em 1980, umadas manchetes do jornal Folha de S. Paulo foi a seguin-te: “Apeoesp quer agitar, acusa o Secretário. ‘Agitador éele’, reage o presidente da entidade”. Um grupo de maisde sessenta professores havia realizado um ato públicopedindo ao Secretário adiamento da nomeação deaprovados num concurso de ingresso. “Fleury reafirmaódio aos professores”, é a grande manchete do Boletimda Apeoesp, nº 12 de 8 de dezembro de 1994, 14 anosdepois. Os outros títulos da primeira página do Boletimsão: “hipocrisia”, “omissão”, “mordomia”, “irresponsabi-lidade”, “rapinagem”, todos com referência ao governa-dor do estado de São Paulo, Antônio Fleury Filho.

Esse confronto com o Estado mostra a enorme di-ficuldade de diálogo entre essas instituições. Dificul-dade essa que se acentuou durante a ditadura militarpelo autoritarismo presente no regime. Uma simplesassinatura num abaixo-assinado a ser entregue ao Se-cretário de Educação podia, naquela época, ser moti-vo de demissão, quando não de encarceramento. Ossindicatos, quando não eram proibidos de funcionar,viviam sob estrita tutela e controle do Estado, que osreprimia quando ameaçavam a sua hegemonia. Quan-do funcionavam, era sob vigilância. As ditaduras sem-pre hostilizaram o magistério e consideraram os pro-fessores como cidadãos de segunda categoria.

2º - Sindicalismo reivindicativo. Outro modo de re-lação entre Estado e sindicato docente é do tipo reivin-dicativo, mais corporativo em suas relações com as au-toridades. Enquanto o sindicalismo de confronto polí-tico tem uma conformação basicamente pelas liberda-des políticas, o sindicalismo reivindicativo tem umaconformação mais economicista, característica essapredominante no sindicalismo chamado de “pelego”.

Os sindicatos que atuam com essa orientação es-tão mais preocupados com as questões específicas dacategoria. Nesse caso, eles não se sentem tão respon-sáveis pelos destinos do país, da educação e da quali-

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dade do ensino: apresentam sistematicamente lista-gens de reivindicações da categoria e medem seu êxi-to pelo atendimento ou não a essas reivindicações.Em geral elas se resumem na melhoria salarial e namelhoria das condições de trabalho. Por isso, os sindi-catos marcados por essa corrente sindical têm atua-ção mais intensa nos meses que precedem a data-basede reajustes salariais. A pauta quase única de mobili-zação é a “campanha salarial”. Quando abordam te-mas educacionais é porque eles afetam diretamenteos salários dos docentes.

3º - Sindicalismo autônomo (ou crítico). Na faltade uma expressão melhor, chamo a esse sindicalismoemergente de sindicalismo autônomo e crítico, quenão é nem o sindicalismo “pelego” – que, emborainexpressivo, também existe – e nem o sindicalismode oposição sistemática ao Estado. O sindicalismo aque me refiro mantém certa margem de independên-cia, tanto diante dos partidos políticos quanto do Es-tado. Trata-se de um sindicalismo crítico, porque,mesmo não fazendo oposição sistemática ao Estado,confronta-se com ele, dialoga quando necessário e es-tá disposto a dividir a responsabilidade do enfrenta-mento dos desafios educacionais. Nesse sentido, alémde contestar e reivindicar, é também propostivo.Mantém sua autonomia – não isolamento – tanto nodiálogo sério e responsável quanto no conflito de in-teresses com o Estado e desenvolve a capacidade au-tônoma de negociação. O chamado “sindicato cida-dão” é uma das expressões desse novo sindicalismo.

Como dissemos, as relações entre o poder públicoe os sindicatos de professores são dinâmicas, portantonão existem em “estado puro”. Estão em permanenteevolução e traduzem, na prática, certas concepções(correntes ou tendências) do sindicalismo. O queocorre é que certos sindicatos se aproximam desta oudaquela tipologia, que pode variar segundo a conjun-tura. Contudo, nesses últimos 20 anos, as relações en-

tre Estado e sindicalismo docente foram predominan-temente tensas e conflituosas, preocupando cada vezmais não só os secretários de educação mas tambémos dirigentes sindicais.

Por uma nova cultura escolar

Nos seus últimos congressos, a CNTE vem destacan-do a importância que tem a qualificação do professor,questão que ela não quer que fique apenas nas mãos dogoverno. Com isso o movimento docente e sindical dosprofessores ganhou mais força. Em 1994, por conta domovimento em torno do Plano Decenal de Educaçãopara Todos, alguns sindicatos passaram a se preocupartambém com o “planejamento educacional”, tanto nointerior da escola quanto nas Secretarias de Educação.

As lutas sindicais da categoria do magistério mobi-lizam cada vez mais trabalhadores em educação nosúltimos anos, mas os resultados práticos não têm sidomuito animadores. Houve, nesse período, um grandedesgaste dos instrumentos de luta, como as greves. Ossindicatos de professores se fortaleceram, “a entidadesindical cresceu bastante numericamente, mas qualita-tivamente se enfraqueceu na luta”, como sustenta So-nia Kruppa em sua dissertação de mestrado sobre “Omovimento de professores em São Paulo”, defendida naFaculdade de Educação da USP em 1994. Ela analisouexaustivamente o movimento de professores e con-cluiu que existe a “entidade sindical” e o “movimentodocente”: O movimento dos professores é mais amplodo que a entidade. Há momentos em que a entidadeestá mais perto do movimento e outros em que seafasta. Ela reconhece que a Apeoesp tem uma organi-zação interna democrática, mas o modelo de sindica-lismo que está embutido na sua prática é o da empresaprivada, da relação direta “capital contra trabalho”.

Como em todo mundo, também no Brasil o movi-mento sindical passa por uma crise provocada não só

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As relações entre o Estado e os sindicatos de trabalhadores em educação são muito

dinâmicas, variam de conjuntura para conjuntura e dependem, sobretudo, do regime

de governo, que pode ser de caráter democrático, autoritário ou totalitário.

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pela revolução da microeletrônica e pela automação,mas também pelo modelo econômico pós-fordistaque provoca desemprego, baixando a taxa de sindica-lização. Nesse contexto, os sindicatos estatais são osque têm melhores condições de sobrevivência. Osgrandes movimentos de massa de suas bases são hojemais raros. Isso não significa que não possam ressur-gir de um momento para outro. A última década foimarcada pela alternância entre momentos de intensaparticipação popular e de apatia.

Pelas novas pautas de discussão dos debates sindi-cais recentes no magistério, percebe-se que a questãodos salários e das condições de ensino ainda prevale-cem. Isso se justifica plenamente na medida em queesses são os temas mais preocupantes. Salários e con-dições de trabalho vêm se deteriorando. Todavia,cresce também a preocu-pação com a melhoria daqualidade da educação pú-blica, que se traduz pornovas publicações, semi-nários e debates, substi-tuindo um certo ativismoimediatista da sua fase ini-cial por uma capacidadede pensar a longo prazo asquestões educacionais.

A CNTE assinou dia 19de outubro de 1994, junto com a UNDIME, o CON-SED e o MEC, o Pacto pela Valorização do Magistérioe Qualidade da Educação. Esse Pacto foi resultado deum caminho percorrido a partir de 1989 com as reu-niões preparatórias à Conferência Mundial sobre Edu-cação para Todos (Tailândia, 1990) até a ConferênciaNacional de Educação para Todos, realizada em Brasí-lia, em 1994, onde a entidade assinou o Acordo Nacio-nal de Educação para Todos. O Pacto foi decorrênciade um “Programa de Emergência” proposto no Acor-do. Estabelecia um amplo programa de reformas comcalendário para a sua concretização. Estabelecia ainda“linhas de ação”, entre as quais estava a realização deestudos e pesquisas, a formação inicial e continuada domagistério, revisão dos Estatutos e planos de carreirado magistério, a melhoria das condições de trabalhodocente e a disseminação de experiências inovadoras.

Dois pontos centrais eram atacados: a responsabili-dade compartilhada entre as diversas esferas de gover-no (União, Estados e Municípios) e entidades repre-sentativas dos trabalhadores em educação com relaçãoà educação básica e o “estabelecimento do piso sala-rial profissional nacional de, no mínimo, R$ 300,00(trezentos reais), com garantia de seu poder aquisitivoem 1º de julho de 1994, como a remuneração total noinício da carreira e excluídas as vantagens pessoais,para o professor habilitado, pelo menos, em nível mé-dio, e que esteja no exercício de atividade técnico-pe-dagógica em instituição educacional”. Isso equivaleriahoje aproximadamente a R$ 450.

No ano seguinte, esse acordo foi julgado “irrealis-ta” pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O Mi-nistério da Educação preferiu convidar especialistas

do Banco Mundial e ini-ciar um grande programade reformas educacionais,algumas até acertadas,mas sem a participaçãodos educadores. O MECperdeu o papel de articu-lador que havia conquista-do com dificuldade. OPacto foi rompido pelo go-verno. A entidade retirou-se das negociações, e o

confronto com o governo vem se intensificando.Como se vê, os educadores têm feito esforços no

sentido do entendimento com o Estado, mas as nego-ciações têm esbarrado freqüentemente na questãosalarial. A busca de novas relações, com base numaética integral, deveria ser incentivada. Estudos sobrea mentalidade político-ideológica que fundamentaessas relações, tanto no interior dos sindicatos quan-to no exercício do poder público, deveriam preocu-par pesquisadores e políticos. Precisamos construiruma nova cultura escolar com base na experiênciademocrática.

Moacir Gadotti é professor titular da Faculdade de Edu-cação da USP. Foi professor de Filosofia e História daeducação na PUC/SP, PUC/Campinas e na Unicamp.Publicou os livros: Pensamento pedagógico brasileiro,História das idéias pedagógicas e Pedagogia da Práxis.

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No RS, a PM reprime o movimento docente.

Adolfo Gerchmann/Abril Imagens

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A USP NESTES ÚLTIMOS ANOS

Primeiro coordenador científico da Fapesp e membro da National Academy of Sciences, oprofessor Warwick Estevam Kerr afirma, neste artigo, que o evento inovador mais importanteda USP, no que se refere a ensino, qualificação e treinamento universitário, foi a implantaçãodo curso de pós-graduação, em 1968. Para a defesa do cidadão universitário, no entanto, foia criação da Adusp, em 1976. Atual coordenador do curso de pós-graduação de genética e

bioquímica da Universidade Federal de Uberlândia, o professor Warwick Kerr analisatambém a importância da Fapesp para o progresso e desenvolvimento da pesquisa.

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AUniversidade deSão Paulo devemuito do seu pres-tígio às violênciasde Hitler, que, em20 de janeiro de

1933, tornou-se “chanceler” da Ale-manha e, após a morte de Hinden-burg (02/08/34), “Führer und Chan-zeler”, em outras palavras: Ditador(1934/1945). Escreveu seu livro Mi-nha luta durante os nove meses emque esteve na cadeia – nele manifes-ta seus temores, seu ódio aos judeuse seu desprezo pela democracia.

As violências e persegui-ções começaram em 1933,com intimidações, telefone-mas anônimos, quebra-que-bras e perseguições que seincrementaram até os“campos de concentração”,com torturas e mortes. Porisso, a partir de 1933, mui-tos democratas e professo-res judeus fogem da Alema-nha sendo que uma parcelaexpressiva deles vêm para oBrasil. Vários chegam àUSP (criada em 1934), o que a fezdar um salto de qualidade frente àsdemais universidades da AméricaLatina.

Lembro-me, rapidamente, de 10que vieram para o estado de SãoPaulo: Friedrich Gustav Brieger(geneticista, colaborador de K. Co-rens), Ernest Marcus e sua senhora(zoólogos), Félix Rawicher (botâni-co), H. Hauptmann (químico),Giorgio Schreigber (citologista), H.Breslau (zoólogo), A. Levy-Straus(antropólogo), H. Gilbertsmith(microbiologista) e F. Ottensooser(hematologista). Três pessoas fo-

ram responsáveis por colocar a ge-nética brasileira, em 1964, em 4ºlugar no mundo: F. G. Brieger (naESA Luís de Queiroz, da USP, emPiracicaba), A. Dreyfus (na Facul-dade de Filosofia, Ciências e Le-tras da USP, em São Paulo, comforte auxílio de Theodosius Dobz-hansky, da Columbia University) eCarlos Arnaldo Krug (no InstitutoAgronômico de Campinas).

De 1º de abril de 1964 até de-zembro de 1974, a genética foi,com outras ciências, muito prejudi-cada por prisões, perseguições, de-

missões e exílios de cientistas deprimeira linha. O Dr. Júlio Pudlesestava prestes a descobrir um anes-tésico perfeito estudando garotosque não sentiam dor; o Dr. LuizHildebrando Pereira da Silva esta-va terminando a criação do labora-tório de Genética de Microorganis-mos e aglomerando pesquisadoresde ótimo nível na Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto (USP).

Nas esferas universitárias, o casomais grave aconteceu na USP, ondetrês professores dedos-duros acusa-ram 44 colegas de serem comunis-tas, o que era considerado um crime

pela ditadura militar. Mais tarde,quando os próprios militares exami-naram os processos, encontram ape-nas 5! Em 1978, o general SílvioFrota apresentou uma lista de 95comunistas que ocupavam cargosimportantes em órgãos federais dopaís: a lista era uma vergonha tantocomo tentativa de perseguição co-mo por demonstração de deficiênciade informação; continha nomes depessoas mortas, ou que trabalhavamem empresas particulares ou que ti-nham emigrado do país. Até eu (naépoca diretor do INPA) estava nes-

se listão, e posso dizer quesempre fui socialista masnunca comunista - o comu-nismo ditatorial de linhasoviética, inclusive, proibiao ingresso de geneticistasno partido.

O evento inovador maisimportante da USP no quese refere a ensino, qualifi-cação e treinamento uni-versitário foi a criação decursos de pós-graduaçãoem 1968; para a defesa do

cidadão universitário, foi a funda-ção da Adusp em 1976, e para oprogresso da pesquisa científica,em que a USP foi a maior benefi-ciada, foi a instalação em alto nívelda Fapesp em julho de 1962.

Dialogando sobre o papel daUniversidade na Indústria e Agri-cultura com o Dr. Tetsuo Tsugi,doutor pela USP e hoje professorda Universidade Federal do Mara-nhão, sobre pesquisa básica e apli-cada, chegamos a duas conclusões:

a) Os professores e alunos dasnossas universidades não gostamde fazer extensão universitária. E

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O evento inovador mais importante

da USP no que se refere a ensino,

qualificação e treinamento

universitário foi a criação de cursos

de pós-graduação em 1968; para a

defesa do cidadão universitário, foi

a fundação da Adusp em 1976, ...

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parece que isso é característica dagrande maioria das universidadesdo mundo, talvez sendo Cuba aúnica exceção.

O Dr. Neal Lane, diretor daNational Science Foundation, dosEUA, diz (em um artigo de EliotMarshall, 1996) que a coisa que elemais procura é um “cientista-cida-dão que ame a sua terra, que tenhacompromisso com o seu povo. Ocientista cívico, larga, de vez emquando, o seu laboratório e cons-trói a fascinação do público paracom o mundo natural, fazendocom que a ciência esteja semprenos primeiros lugares da agendada sociedade. Ele critica a atual di-minuição de verba para a pesquisa,dizendo que é “um experimentoinsensato”, porém, “acrescenta”:parte da culpa é dos próprios cien-tistas, pois é óbvio que “o públicogosta da ciência, porém, será queos cientistas gostam do público?”.As diminuições de verbas para apesquisa científica, que o Dr. NealLane chama de “experimento in-sensato” (pois os asiáticos estãofazendo o contrário), fazem-noslembrar do grande professor Char-les William Eliot, que por 40 anos(1864-1904) foi reitor da HarvardUniversity, elevando-a à categoriade uma das melhores universida-des do mundo. O Dr. Eliot apre-sentou ao Presidente TheodoreRoosevelt (1901-1909), como seuconselheiro que era, uma lista degastos com a educação nos três ní-veis. Rooselvet olhou a lista e dis-se: “A Educação está muito cara!”O Dr. Eliot replicou imediatamen-te: “Se você acha a educação muitocara, experimente a ignorância”.

Infelizmente, tanto o governofederal como os estaduais e muni-cipais de nosso país ainda nãoaprenderam a lição de Darcy Ri-beiro: “O Japão deu certo porquecriou escolas”.

b) A segunda conclusão é quenos países desenvolvidos a indús-tria e a agricultura, além de produ-zirem ciência, têm fortes laços deligação com as universidades, oque nos países subdesenvolvidosnão acontece. Como triste com-pensação, as universidades do ter-

ceiro mundo têm ligações com asuniversidades do primeiro mundo,e a indústria subdesenvolvida temlaços de submissão com a indústriados países desenvolvidos.

O último número de Interciên-cia traz um artigo muito interes-sante de três autores mexicanos(Tovar et al. 1996). Começam coma universidade medieval, que so-freu sua primeira revolução ao fi-nal do século XIX, quando a ex-perimentação passa a ser um fun-ção da universidade. A segundarevolução deu-se quando a uni-

versidade se integrou ao desenvol-vimento econômico, ou seja, seproduziu a “capitalização do co-nhecimento”. Esses autores criti-cam o governo mexicano, que, nosúltimos 12 anos, privilegiou a ma-nipulação financeira em vez defortalecer a produção e as univer-sidades. Como satirizava um cô-mico brasileiro: “Nós brasileiros,que não estamos acostumadoscom isso, estranhamos”.

Aqueles três cientistas citam emseu artigo quatro casos de transfe-rência de tecnologia dos quais men-cionarei o primeiro. É a colaboraçãode um industrial mexicano, que bus-cou auxílio da Universidade Nacio-nal Autônoma de México. Desen-volveram uma bebida isotônica, En-erplex, que permitia ao desportistarecuperar rapidamente água, sais,vitaminas hidrossolúveis e carboi-dratos. Cinco anos depois a QuakerOates (que no México se chama LaAzteca) introduziu no México a Ga-torade, que faz quase a mesma coi-sa. Neste caso a única deficiênciadesta colaboração foi a falta de pa-triotismo, de um maior apoio do co-mércio e, talvez, de uma melhorpropaganda com apelo nacionalista.

Algumas pessoas da alta admi-nistração comparam o preço de umaluno nas universidades particula-res com o das governamentais, es-quecendo-se das pesquisas, dos hos-pitais e dos institutos. Costumo di-zer que universidade sem pesquisaé ginásio piorado, e, sem extensão,é um corpo sem coração.

Aqui estão alinhavados algunsproblemas aos quais a Adusp pre-cisa estar atenta para bem cum-prir sua missão. RRA

Infelizmente, tanto o

governo federal como

os estaduais e

municipais de nosso

país ainda não

aprenderam a lição de

Darcy Ribeiro:

“O Japão deu certo

porque criou escolas”.

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AUniversidade de São Paulo passou,nas últimas décadas, por duas im-portantes transformações estrutu-rais que a modernizaram e permiti-ram que continuasse a ocupar umaposição de liderança inconteste no

cenário nacional.A primeira delas foi a imposta pelo governo mili-

tar, em 1969, extinguindo as cátedras, criando a estru-tura departamental e os Institutos Básicos. Acompa-nhada de cassações e aposentadorias forçadas de umnúmero significativo de professores, esta reforma –apesar de seus aspectos modernizantes, não devida-mente apreciados na ocasião – teve um enorme efeitodesmoralizador, cujas conseqüências foram sentidasna USP por muitos anos.

Coube ao professor Miguel Reale, indicado co-mo Reitor em 1970 através de um processo quepouco teve de democrático, implantar a Reforma etentar estabelecer um ambiente de trabalho tolerá-vel na universidade. Durante seu período como rei-tor, de 1970 a 1973, as obras da Cidade Universitá-ria tiveram grande impulso com a transferência paraaquele campus de diversas unidades e a consolida-ção dos Institutos Básicos como Matemática, Física,Química, Ciências Biomédicas e Geociências. Ape-sar de sua origem autoritária, o professor Reale de-fendeu a universidade da interferência aberta dosórgãos de segurança e criou condições para umacerta tranqüilidade das atividades universitárias, oque permitiu que ela se beneficiasse do esforço dogoverno federal em áreas tecnológicas nas quais ti-

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USP – AS ÚLTIMAS DÉCADAS

José Goldemberg

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nha interesse especial através da ação da FINEP,Comissão Nacional de Energia Nuclear e CNPq.Pouco progresso ocorreu nas áreas das Ciências Hu-manas, apesar de ter sido criada, na época, a Escolade Comunicações e Artes.

Seus sucessores na Reitoria, professores OrlandoMarques de Paiva (1974-1977), Waldyr Muniz Oliva(1977-1980) e Hélio Guerra Vieira (1981-1985), ten-taram prosseguir no mesmo caminho, realizando,porém, administrações essencialmente burocráticas,enfrentando resistências crescentes das associaçõesde docentes, alunos e funcionários. Além de proble-mas salariais, foi-se gerando grande insatisfação comos métodos pouco democráticos de escolha dos diri-gentes universitários e do próprio reitor, de modoque os períodos pré-eleitorais se caraterizaram poramplos debates e tentativas de organização de listassêxtuplas para os cargos de direção que se originas-sem na “comunidade” universitária.

Com o declínio do regime autoritário, aos níveisnacional e estadual, estes movimentos ganharamgrande impulso, levando o reitor a uma posição cres-centemente imobilista, e, por essa razão, o período1975-1985 se caracteriza como uma década de estag-nação e perda de vitalidade da USP.

Com a eleição do governador Franco Montoro, emfins de 1982, as condições políticas no estado de SãoPaulo melhoraram muito do ponto de vista de umamaior participação democrática, e a escolha do reitor,em 1985, refletiu estas novas condições.

Houve, na época, o sentimento claro de que erapreciso sacudir a universidade para reerguê-la aos ní-veis de desempenho que ela havia tido no passado.

Os três setores da universidade (docentes, estu-dantes e funcionários) elegeram listas sêxtuplas decandidatos. Venceu entre os docentes o professorJosé Goldemberg, que pareceu reunir, na ocasião,melhores condições de atender os seus anseios. Es-colhido pelo governador, o professor Goldembergexerceu a Reitoria de 1986 a 1989, período no qualos Estatutos da Universidade foram reformados,ganhando a feição institucional que têm hoje.

Ao mesmo tempo, o reitor obteve um emprésti-mo de US$ 60 milhões do BID (Banco Interamerica-no de Desenvolvimento), o que permitiu a retomada

de obras na Cidade Universitária e nos campi do in-terior, reequipando e modernizando os laboratóriosde diversas unidades e, sobretudo, promovendo a“informatização” da universidade, tanto na área depesquisa como na administrativa.

As transformações mais significantes foram, po-rém, no campo institucional – consubstanciadas nonovo Estatuto –, e o esforço que se fez para elevar onível científico dos docentes e departamentos e seudesempenho.

No campo institucional, algumas das inovaçõesforam:

i. maior participação dos representantes dos estu-dantes e funcionários nos órgãos de direção da uni-versidade (20% de estudantes e 10% de funcionáriosno Conselho Universitário);

ii. listas tríplices para a escolha de dirigentes (in-clusive reitor) em lugar de listas sêxtuplas, como ante-riormente, batalha esta já vencida no Supremo Tribu-nal Federal, em que a USP teve reafirmada sua auto-nomia para a escolha de dirigentes;

iii. promulgação do novo Estatuto pelo reitor dauniversidade no exercício pleno da autonomia univer-sitária e não pelo governador.

Tão importantes como estas inovações foi, po-rém, a obtenção da autonomia financeira real daUSP (e das demais universidades estaduais) atravésde decreto do governador, alocando uma fração de-terminada do ICMS (Imposto sobre a Circulação deMercadorias e Serviços) para as universidades. Comisso, foram assegurados recursos estáveis (mesmoque insuficientes) para permitir um planejamentomais sério nas universidades públicas e criar umsenso de responsabilidade maior entre os reitores.Isto é o que se conseguiu fazer em São Paulo, ondeuma porcentagem fixa dos impostos é alocada àsuniversidades. Desta forma, a “irresponsabilidadecívica” tão comum entre os reitores das universida-des federais, que criam despesas e depois correm aoministro da Educação para suplementar suas verbas,acabou. Os reitores de São Paulo, de modo geral,sabem com que recursos podem contar e não se ar-riscam a ir além deles autorizando expansões irres-ponsáveis, mesmo quando pressionados por grevese movimentos corporativos.

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Além disso, um enorme esforço foi feito para ele-var os padrões de desempenho e o nível geral do tra-balho científico dos pesquisadores da USP.

Pelas suas origens e longa tradição (pelos padrõesbrasileiros) de mais de 60 anos, as finalidades da uni-versidade são a docência, pesquisa e prestação de ser-viços à comunidade, que provêm da concepção deuniversidade do “Manifesto dos Pioneiros da Educa-ção Nova” no início da década dos 30.

“A educação superior ou universitária (....) deveser organizada de maneira que possa desempenhar atríplice função que lhe cabe de

elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos

(ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições

de extensão universitária, das ciências e das artes”.Observe-se que não constava do ideário dos Pio-

neiros a “prestação de serviços à comunidade”, eu-femismo usado freqüentemente como meio de asse-gurar posições ou empregos em certos setores dauniversidade. Várias destas atividades, como atendi-mento hospitalar e odontológico gratuitos à popula-ção, creches e outros serviços fortemente subsidia-dos, caem na categoria de assistência social, que po-de ser necessária, mas que deveria ser coberta comrecursos de outra origem que não os dedicados àeducação pública.

A melhoria dos padrões e desempenho da univer-sidade passa claramente por avaliações externas paraevitar o corporativismo dos departamentos e outrossetores. Esta questão se revelou extremamente con-trovertida, o que reflete o quanto as universidadesbrasileiras e a própria USP se tornaram, na prática,verdadeiras “repartições públicas”, imitando fre-qüentemente empresas estatais que evitam um escru-tínio maior da sociedade sobre suas atividades.

Nos países mais avançados os padrões são estabe-lecidos por publicações em revistas científicas de al-to nível (que submetem os artigos recebidos a umexigente sistema de referees não identificados) ou pe-las organizações de amparo à pesquisa (governa-mentais ou fundações privadas do tipo Fapesp ouVITA no Brasil) e que só aprovam recursos parapesquisas após aprofundado julgamento. A resistên-

cia de certos setores da USP em se submeter a ava-liações propondo duvidosas “auto-avaliações” chegaàs raias do absurdo, como foi demonstrado pela po-lêmica provocada pelo reitor ao iniciar a publicaçãode um relatório contendo a produção acadêmica dosdocentes todos os anos. É bem verdade que tal pu-blicação – pelo simples fato de existir – demonstrariaclaramente que muitos docentes são mais ativos ecriadores do que outros, e a tentativa que foi feita deevitar que isto acontecesse (ou de desqualificá-laatribuindo-lhe propósitos “policialescos”) mostrou oempenho de certos setores da universidade em es-conder a sua mediocridade.

O fato do ICMS crescer pouco nos últimos anos (econseqüentemente os recursos das universidades) le-vou a movimentos reivindicatórios e greves de eficá-cia muito duvidosa porque é simplesmente inapro-priado tentar trazer para dentro das universidades astáticas de luta sindical que tiveram sucesso em SãoBernardo ou Santo André. Não deixa de ser encoraja-dor verificar, porém, que mais recentemente umgrande número de docentes tenha percebido isto eque certos líderes sindicais reconheçam agora, umpouco embaraçados, que sua luta não era em defesada universidade, mas tinha por objetivo a mobilizaçãopolítica dos docentes.

A remuneração, na visão de alguns docentes, nãodeve ser tratada na base do mérito individual, masnuma pretensa isonomia que não existe nos demaissetores da sociedade, que reflete uma visão burocrá-tica da universidade que acaba por transformá-la nu-ma repartição pública. O que a isonomia salarial temconseguido – em nome da eqüidade – é achatar o sa-lário dos mais qualificados. Uma das formas de me-lhorar os salários é a adoção do regime de turnocompleto e a permissão de um dia por semana paraconsultoria para os professores que trabalham em re-gime de dedicação exclusiva, que foi adotada na USPna gestão do professor Goldemberg, apesar de míopeoposição de certos setores.

Com o salto qualificativo e quantitativo realizadono período 1986-1989 a USP se modernizou, mas vá-rios dos avanços conseguidos estão ameaçados portrês problemas não resolvidos:

o número crescente de aposentadorias “preco-

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ces” que a Constituição autoriza e que está aumen-tando desmesuradamente a folha de pagamento dosinativos (que são pagos com recursos da própria uni-versidade). A solução para este problema é mudar aConstituição (o que não é fácil) ou criar um sistemapróprio de aposentadoria atuarialmente correto paraos professores e funcionários;

a estabilidade quase absoluta e total que gozamos funcionários e professores das universidades, an-tes mesmo de concursados. É razoável que uma fra-ção pequena dos professores mais titulados sejamprotegidos por estabilidade funcional (como juízes)para assegurar sua autonomia intelectual e de pes-quisa – sobretudo em períodos de governo autoritá-rio. O que é absurdo – e uma distorção completa – éo que os interesses corporativos fizeram estendendoa estabilidade para todos;

a multiplicação desmesurada de cursos de pós-graduação ou mesmo de graduação em áreas quenão têm justificativa social nenhuma nem demanda.Isto ocorre em nome de uma visão abstrata de que auniversidade tem que cobrir todas as áreas, o quenão é o caso na maioria dos lugares do mundo, nemestava ligado ao próprio conceito de universidadequando elas foram criadas, no século 12. A defesadestas teses provêm freqüentemente de interessesmuito localizados.

Não resta a menor dúvida de que o Estado (isto é,o governo federal e o estadual) atingiu o limite possí-vel dos dispêndios destinados à educação superior eque há outras áreas prioritárias, como educação fun-damental, saúde, habitação, transportes e segurança,que necessitam recursos crescentes.

O governo federal despende hoje mais de R$ 5bilhões por ano com as universidades federais, alémde R$ 1 bilhão em bolsas de estudo e subvenção à

pesquisa, o que é uma fração significativa do orça-mento federal.

A Universidade de São Paulo recebeu, em 1996,cerca de 700 milhões de reais diretamente do estadode São Paulo, mais cerca de 400 milhões em bolsasde estudo e auxílios, o que não é pouco (20.000 reaispor aluno), mesmo quando comparado com o querecebem as universidades americanas. Daqui para afrente ela só pode avançar – expandindo seus cen-tros de pesquisa, laboratórios, bibliotecas e instala-ções – pelo exercício do mérito que irá atrair inver-sões de recursos privados, que é uma área pratica-mente inexplorada no Brasil.

Quando o mérito tem prioridade, questões comoisonomia e igualitarismo perdem o sentido e acabampor se transformar num obstáculo corporativo. Segun-do Hobsbawn, uma das maiores conquistas da Revolu-ção Francesa de 1789 foi justamente abrir ao talentoinúmeras carreiras antes exclusivamente nas mãos deuma reduzida minoria de aristocratas (aproximada-mente 400 mil pessoas numa população total de 23 mi-lhões). A “explosão” de oportunidades no exército re-volucionário francês (onde a promoção em todos os ca-sos passou a ser por mérito) e nos negócios criou umaclasse média francesa que modernizou aquele país.

É por essa razão que propostas de reformas cujocorporativismo é indisfarçável, como “eleições dire-tas para reitor”, “estabilidade para todos”, “promo-ções automáticas” (como ocorreu nas universidadesfederais), “aumentos salariais pelo piso”, que não co-locam o mérito como prioritário, são obstáculos àmodernização da USP, que necessita de um “terceirosalto” – um salto de qualidade –, além dos dois des-critos acima para enfrentar os desafios da século 21.

José Goldemberg foi reitor da Universidade de São Pau-lo de 1986 a 1989.

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Quando o mérito tem prioridade, questões como isonomia e igualitarismo perdem o sentido e

acabam por se transformar num obstáculo corporativo. Segundo Hobsbawn, uma das

maiores conquistas da Revolução Francesa de 1789 foi justamente abrir ao talento inúmeras

carreiras antes exclusivamente nas mãos de uma reduzida minoria de aristocratas.

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Entrev is ta

Paulo Renato Souzapor Marcos Cripa

ENSINO FUNDAMENTAL É A PRIORIDADE DO MEC

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Desde que assumiu o cargo de ministro da Educação do governo FHC, Paulo RenatoSouza vive no olho do furacão. Nenhuma proposta de seu ministério é aprovada sem

antes gerar intensa polêmica. A última delas foi o “provão”, mecanismo implantado peloMEC para avaliar as universidades e que desencadeou um acalorado debate nos meios

acadêmico e estudantil. No início da gestão, ele foi taxado de marketeiro por tentar“vender idéias e programas” que não tinham sequer sido avaliados pelos técnicos do

ministério, como por exemplo o projeto Educação à Distância. Nesta entrevista, PauloRenato afirma que a prioridade do governo FHC na área da educação é o ensino

fundamental e que é preciso levar em consideração as transformações da sociedade. Dosindicalista que presidiu a Adunicamp, entre os anos de 79 e 81, e liderou manifestaçõescontra o governo Paulo Maluf, ele guarda poucos traços. Justifica-se dizendo que lutava

contra a ditadura e que o país mudou. Paulo Renato fala, ainda, sobre o polêmico projetode autonomia das universidades federais e de sua distante relação com as Associações e

com o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior.

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Adusp - Gostaria que o sr. fizesseuma avaliação da educação no Brasilnos últimos 20 anos.

Paulo Renato - Não há dúvidas quea educação vem melhorando. Se obser-varmos todos os dados de cobertura dosistema educacional em relação à po-pulação em idade escolar, a proporçãoé muito maior hoje em relação a 20anos atrás. Nós fomos capazes de insta-lar a pós-graduação no Brasil pratica-mente nestes últimos 20/30 anos. Ela éo que temos de melhor no nosso siste-ma educacional. A pós-graduação temdado uma contribuição muito impor-tante para o nosso desenvolvimento naárea de pesquisa e formação de recur-sos humanos de alta qualidade. Enfim,acho que há muitas coisas positivas adestacar na evolução da educação noBrasil neste período. Entretanto, a sen-sação que nós temos, a consciência quenós temos, é que a educação é um pro-blema porque, apesar dessa melhoria,os indicadores de analfabetismo, de re-petência e evasão escolar são muito al-tos, sérios e negativos. Apenas 50% dosalunos, hoje, concluem o primeirograu, e quem conclui leva em média 11anos. Além disso, a taxa de analfabetis-mo continua acima de 15%. Portanto,não é que o sistema não tenha melho-rado; talvez ele não tenha melhoradono ritmo requerido pelo nosso desen-volvimento. Se observarmos outros paí-ses, como a Coréia, que se desenvolve-ram nos últimos 30 anos de uma ma-neira muito rápida, veremos que elestambém desenvolveram o seu sistemaeducacional. Eles partiram, 30 anosatrás, de uma situação muito pior que abrasileira e hoje estão numa situaçãobem melhor. Eles evoluíram mais rapi-damente, e isso eu acho que é uma coi-sa importante. Nós não melhoramos noritmo que deveríamos.

Adusp - Não houve melhoria por fal-ta de verbas ou de decisão política?

Paulo Renato - Há vários fatores.Um problema é o da escassez de recur-sos, mas um outro, muito mais sério, é

o da má distribuição de recursos. Estespaíses que citei anteriormente semprededicaram uma porção muito maior doseu orçamento da educação para aeducação básica e não para o ensinosuperior. Acho que, de alguma forma,o desenvolvimento do sistema educa-cional brasileiro correspondeu ao mo-delo do desenvolvimento econômicoque estávamos seguindo; um modelofechado, de substituição de importa-ções, e era um modelo funcional. Nãoprecisávamos, naquele modelo, teruma educação de base ampla; nós tí-nhamos um mercado restrito, mas pre-cisávamos ter tecnologia de ponta, tec-nologia nacional e, portanto, desenvol-vimento de segmentos de alta qualida-de dentro do sistema educacional brasi-leiro. Eu diria que o modelo de desen-volvimento da educação que nós segui-mos foi coerente com o modelo de de-senvolvimento econômico que segui-mos hoje. Outros países tiveram queenfrentar a questão da abertura de suaseconomias de uma forma muito maisprecoce do que o Brasil e isto talvez ostenha incentivado a um investimentomaior na educação de base. Agora, istose coloca para nós como uma questãocrucial porque, de alguma forma, en-tramos no modelo de economia globa-lizada, onde a evolução técnica é extre-mamente rápida e em que o exercícioda cidadania, em qualquer dimensão,requer educação de qualidade.

Adusp - O sr. fala em educação dequalidade proporcionada pelo Estado,aí entendendo-se os governos federal, es-taduais e municipais, ou a praticada pe-la iniciativa privada?

Paulo Renato - A proporção dealunos no primeiro grau é de 90% noensino público e 10% na rede particu-lar; no segundo grau é de 80% para opúblico e 20% para o particular e, noterceiro grau, é da ordem de 60% doparticular e 40% público, consideran-do todo o setor público (municipal, fe-deral e estadual). Acho que temos quebuscar qualidade na educação inde-

pendentemente da forma jurídica ouda vinculação institucional da entida-de. Este é o grande desafio, nós nãopodemos esperar que haja qualidadeapenas na escola pública, temos quecontar também com a melhoria e aqualidade na escola privada E isto estáhavendo. Acho que a universidade pri-vada vem melhorando também.

Adusp - O ensino privado vem me-lhorando por reorientação do Ministérioda Educação ou por uma questão mera-mente mercadológica?

Paulo Renato - Por uma necessida-de da própria sociedade. Não é umaquestão de mercado, é que a socieda-de passa a exigir mais qualidade naformação dos alunos, e se os alunosvem do setor público ou privado istopara o mercado de trabalho não im-porta muito. Há uma busca justamen-te de melhorar a qualidade para aten-der melhor a demanda social.

Adusp - Gostaria que o sr. analisasseos seguintes dados: em 1962, 60% dasvagas no terceiro grau eram oferecias pe-las universidades públicas, em 84, 20%,e atualmente apenas 22% dessas mesmasvagas são oferecidas pelo setor público.Porque houve essa inversão?

Paulo Renato - Se você analisar sóo percentual na proporção, supõe-seuma visão estática, como se o númerode alunos tivesse permanecido o mes-mo. Na verdade, neste período, o nú-mero de alunos no sistema universitá-rio multiplicou-se por quatro ou cincovezes. Portanto, houve uma expansãodo sistema público e privado em que osistema privado expandiu-se mais rapi-damente. Isto inclusive por uma formade financiamento da área pública, dauniversidade pública. Nos últimosanos, por exemplo, nós tivemos umcrescimento de financiamento (nasuniversidades federais) que passou deUS$ 1 bilhão a oito anos atrás paraUS$ 5 bilhões no ano passado. E mais,o crescimento do número de matrícu-las nas universidades públicas federais

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aumentou em cerca de 25% pa-ra uma multiplicação dos recur-sos da ordem de cinco vezes.Então, aqui há um problema,não se pode explicar tudo comofalta de recursos. É muito sim-plismo explicar tudo como faltade recursos. Nós temos que vero problema da eficiência dentrodo sistema. É muita responsabi-lidade, uma vez que este dinhei-ro é público, proveniente de im-postos, e quem paga isto, namaior proporção, é a populaçãocarente deste país. A educaçãonão é gratuita, e acho muito im-portante dizer isto. Alguém paga pelaeducação, e quem paga não são os alu-nos que estão freqüentando e sim apopulação em geral. Este é o pontocrucial e por isto mesmo nós temosque exigir eficiência dentro do setorpúblico, o que não está havendo. Háum problema de recursos. Eles podemser melhor utilizados.

Adusp - A que eficiência, ou ineficiên-cia, o sr. está se referindo?

Paulo Renato - Por exemplo, acho osistema de aposentadoria que temos nauniversidade um absurdo. Significa umgrande desperdício de recursos. Em ne-nhum país do mundo existe este siste-ma, ou seja, a aposentadoria com 25anos e salário integral. Isto significaque o custo é muito alto. Nós temoshoje quase 40% de gasto de pessoal, nauniversidade federal, com aposentados.Significa também que os salários nãopodem ser maiores. Se o sistema deaposentadoria fosse mais racional, co-mo ocorre em outros países, os saláriospoderiam ser mais elevados e podería-mos ter mais alunos. O sistema poderiaser maior, e isto para falar apenas daaposentadoria. Podemos falar tambémdas regras do serviço público que sãoimpostas às universidades, das regrasde contratação de pessoal, das regrasvinculadas ao regime único do servidor,das regras da própria gestão da coisapública que submete tudo à Lei

nº 8.666, que nós sabemos que produzineficiência na aquisição de bens e pro-dutos. Há um conjunto de fatores queleva a esta ineficiência.

Adusp - O sr. foi presidente da Adu-nicamp, entre 79 e 81; no governo Mon-toro, assumiu as secretarias do Planeja-mento e da Educação; entre 86 e 90, foireitor da Unicamp; entre 91 e 94, assu-miu a gerência de operações do BID e,depois, assumiu o Ministério da Educa-ção. O que mudou nesta trajetória entreo sindicalista e o ministro?

Paulo Renato - Eu me sinto basica-mente a mesma pessoa. Obviamente omundo evoluiu, e não dá para ficar pa-rado, estático. Nós tínhamos um mode-lo de economia, naquele momento, porexemplo, totalmente fechado. Hoje, te-mos que nos dar conta de que o mundomudou e que o Brasil precisa acompa-nhar esta mudança. O mundo muda, ascircunstâncias mudam, e nós temos queolhar estas circunstâncias e mudar tam-bém, mantendo uma coerência básica,que eu acredito que tenho mantido aolongo destes anos. Por outro lado, seme convencesse do contrário, teria mu-dado. Mas, se eu for olhar quando assu-mi a Adunicamp, por exemplo, a minhagrande preocupação era a questão daqualidade da universidade. Nós passa-mos a realizar seminários; era umaquestão de não lutar apenas pelos salá-rios dos professores, mas lutar por uma

universidade de qualidade. Istoestava na minha plataforma paraser eleito presidente da Aduni-camp e esteve presente em todaa minha gestão como presidentedaquela entidade, e depois suces-sivamente. Acho que em todosos cargos que exerci acabei sen-do encarregado da educação sembuscar isso. Acabei sendo esco-lhido secretário, depois eleitoreitor e agora ministro. Eu nãome preparei especialmente paraisto; aconteceu, e hoje tenhouma experiência acumulada mui-to grande nesta área. Talvez pou-

cos tenham esta experiência, hoje, noBrasil. Na área da educação, a questãoda qualidade eu busco sempre com amesma intensidade, com a mesma for-ça. Um dia desses, reli um artigo queescrevi em 89, sobre a proposta daLDB, e subscreveria este artigo aindahoje sem nenhuma dúvida. Naquelaocasião eu era reitor da Unicamp.

Adusp - Em síntese, o que dizia oartigo?

Paulo Renato - O artigo era anticor-porativo e, na verdade, procurava mos-trar a necessidade de a educação seabrir para enxergar a sociedade e bus-car qualidade na educação. Falava,também, sobre a avaliação universitá-ria. Fiquei satisfeito, porque estava de-fendendo a mesma bandeira.

Adusp - O sr. acredita que as asso-ciações docentes têm comportamentocorporativo? Elas têm a necessidade dediscutir o nível, ou seja, a qualidade dauniversidade, pública ou particular?

Paulo Renato - Eu acho que é ne-cessário, sim, mas confesso que nãotenho acompanhado o debate internonas associações. Parece-me que é ne-cessário, e esta é a visão que nós tí-nhamos. Sou fundador da Andes, eera presidente da Adunicamp, quandonós fundamos a Andes em Campinas,e a visão que tínhamos era de uma en-tidade que se preocupasse com a ques-

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A educação não é gratuita, eacho muito importante dizer isto.

Alguém paga pela educação, equem paga não são os alunos que estão freqüentando e sim

a população em geral. Este é oponto crucial e por isto mesmonós temos que exigir eficiênciadentro do setor público, o que

não está havendo.

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tão da universidade no seu conjunto.Talvez o caráter sindical da entidadetenha sublinhado em excesso os as-pectos corporativos e salariais em re-lação ao que se pensou inicialmentecomo um associação de docentes.

Adusp - O sr. é contra o sindicato?Paulo Renato - Não, ao contrário,

acho que é preciso haver espaço paratudo. O que eu reclamo é a necessida-de de um debate maior sobre a ques-tão da universidade.

Adusp - Qual é a relação que o sr.tem, hoje, com a Andes?

Paulo Renato - É uma relação umpouco distante. Hoje, observo umainstrumentalização política na entida-de. Não se estão discutindo seriamen-te os argumentos, não se estão usandoos dados com transparência e serieda-de para buscar uma solução; está seprocurando uma contraposição ao go-verno por uma questão até político-partidária. Estou numa idade em quepenso mais em realizar coisas que meparecem mais importantes do que es-tar me preocupando com questõesmeramente político-partidárias.

Adusp - Em 79, quando era presi-dente da Adunicamp, o sr. teve umgrande embate com o governo Maluf.Qual é o problema de a Andes se contra-por ao governo FHC? Não é uma ativi-dade licita a da Andes?

Paulo Renato - A diferença é que ogoverno FHC foi eleito e o governoMaluf foi imposto pela ditadura. Pare-ce que as pessoas não perceberam estadiferença, que o Brasil mudou, quehouve eleição e que as pessoas que es-tão aqui estão fazendo seriamente otrabalho. Eu estou disposto a discutirqualquer dado, mas vejo um docu-mento da Andes que analisa a questãoda autonomia em que os dados sãovergonhosamente manipulados. Bastabotar o olho para ver uma manipula-ção grosseira na tentativa de demons-trar que a proposta do governo reduz

em 50% a verba para a universidade.Este trabalho não é sério. É um poucorevoltante para mim, o sangue fervequando eu vejo estas coisas.

Adusp - O Ministério da Educação éhistoricamente ligado ao PFL; o sr. jádesmontou essa estrutura?

Paulo Renato - Eu trabalho muitobem com as pessoas de todos os parti-dos, inclusive há pessoas do PT traba-lhando comigo. Tenho pessoas filiadasao PFL que estão colaborando comigo,e não me preocupei em desmontar má-quina nenhuma. Procurei ter uma pro-posta clara e trabalhar com todo mun-do que quisesse trabalhar positivamen-te no sentido daquela proposta.

Adusp - O anuário da Unesco de1994 divulgou os seguintes dados comgastos públicos totais na educação, le-vando-se em consideração o percentualdo PIB: em 86, 4,7%; em 88, 4,3%, eem 89, 4,6%. Acontece que, quando oIBGE consolidou os dados, em 86 apercentagem apurada foi de 3,3%; em88, 3,74%, e em 89, 3,58%. Portanto,

uma diferença significativa. O sr. acre-dita que os dados possam ter sido mani-pulados? E mais, os dados encaminha-dos na sua gestão à Unesco tambémnão podem estar errados?

Paulo Renato - Eu contratei, pararealizar este estudo, um dos maioresespecialistas em questões fiscais noBrasil, que é o José Roberto Afonso.É ele quem está cumprindo este tra-balho neste momento. O que nós leva-mos foram dados preliminares; os da-dos que ele está concluindo são inclu-sive superiores àqueles apresentados.O José Roberto Afonso é doutor pelaUnicamp, pessoa de muita respeitabi-lidade, que trabalha no PNDS. Euconfio nos meus dados. Quem tem ou-tros dados que se apresente e contestecom base em argumentos sólidos.

Adusp - Evidentemente a diferençaaparecerá, se é que existe, quando forfeita a consolidação dos dados.

Paulo Renato - O problema não éda consolidação, trata-se de umaquestão de metodologia. Os dadosdos anos anteriores eu não estudei;eu quis fazer uma avaliação a partirdos dados que temos hoje, que são osdados orçamentários, uma estimativado gasto privado.

Adusp - Pesquisamos alguns dadosda Unesco exatamente para tentar es-clarecer esta questão.

Paulo Renato - Realmente eu nãoolhei estes dados referentes aos anos an-teriores para saber qual a metodologia.Parti da idéia de que tínhamos que esta-belecer uma metodologia que levasseem consideração o conjunto.

Adusp - A manipulação dos dadosencaminhados à Unesco é uma hipóteseestapafúrdia?

Paulo Renato - Não, eu acho quenão... acho que estes dados nos anosanteriores... me parece... eu precisariaanalisá-los... me parece que são muitomais relacionados a uma diferença demetodologia. O IBGE, provavelmen-

Não sou contra osindicato, ao contrário,

acho que é preciso haver espaço para tudo.

O que eu reclamo é a necessidade de um debate maior sobre a questão da universidade.

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te, está trabalhando apenas com dadosda educação pública, e muitas vezes setrabalhava apenas com dados federais,sequer levando em consideração osdados estaduais e municipais.

Adusp - Ministro, o Brasil é um dospouquíssimos países, se não o único, quejamais informa à Unesco os seus gastoscorrentes com educação. Informa apenasos gastos totais. Acontece que, ao se com-putar apenas os gastos totais, o país podeestar fornecendo um índice maior do queaquele efetivamente gasto em educação.

Paulo Renato - Acho que a dificul-dade que nós temos hoje no Brasil é deinformação de dados. No Brasil, é umproblema consolidar dados de gastosestaduais e municipais, fazer a consoli-dação nacional dos gastos. Em geral is-to é muito difícil. Eu sei disso um poucoaté pela profissão de economista. Terum desdobramento dos dados, inclusivecom a coisa corrente e capital, é sempremais difícil. Acho que não há uma preo-cupação com manipulação.

Adusp - A LDB, ainda em tramita-ção no Congresso, estabelece o que é gas-to com educação. Pressuponho que oMEC também tenha as suas regras paraestabelecer o que deve entrar na contaeducação e o que deve ficar de fora. Gos-taria que o sr. falasse da pratica brasi-leira de se incluir iluminação, constru-ção de praças e a compra de ônibus, porexemplo, como gasto de educação.

Paulo Renato - A LDB vai tocarneste ponto adequadamente. O grandedesperdício de recurso com a educaçãono ensino de primeiro e segundo grausestava vinculado à má distribuição dosrecursos. Os prefeitos de municípiosmuito ricos, que tinham suas necessida-des de educação supridas pelo Estado,acabavam indo ao Tribunal de Contasdizer que não tinham que aplicar emeducação e permitiam que se aplicas-sem recursos em transporte, em cons-trução de ginásio de esportes, em sam-bódromos, na pavimentação de ruas, namerenda escolar – que não é gasto com

educação. Isto era muito típico no esta-do de São Paulo, porque a alegação eraque não havia mais o que gastar na es-cola, porque a escola não era responsa-bilidade do município. Isso foi corrigi-do, ou será corrigido, a partir da Emen-da Constitucional nº 14, que foi aprova-da no Congresso. Essa emenda redistri-bui os recursos da educação: 15% deacordo com o número de alunos, e obri-ga que 60% sejam gastos com salário doprofessor em atividade. Eu acho que,com isto, vamos, na verdade, limitar aprópria liberdade dos Tribunais deContas de aceitar aplicação de recursosque não sejam estritamente educaçãocomo se fosse educação.

Adusp - Essa emenda não desmontaprojetos educacionais que muitos muni-cípios estão fazendo em outras sériesque não seja o I Grau?

Paulo Renato - Eles vão deixar deatender pavimentação de rua, constru-ção de ginásio, bolsas de estudo parafaculdade privada. Nós temos 25% pa-ra ser aplicado em educação, 15% dosquais têm de ir para o ensino funda-mental; os outros 10% deverão seraplicados prioritariamente pelo muni-cípio na pré-escola, prioritariamentepelo Estado no segundo grau. Agora,eu tenho no primeiro grau, no Brasil,cerca de 80% dos alunos da rede pú-blica. Portanto, estou reservando para80% dos alunos apenas 60% dos re-cursos, 15 sobre 25. Há mais dinheirodo que o suficiente, se aplicado comseriedade. E repito, mais do que sufi-ciente para uma educação de qualida-de na pré-escola e no segundo grau.

Adusp - Voltando à questão do ensi-no universitário, a taxa de inscrição noensino superior, medida entre jovens de20/24 anos, é de 11%, ainda segundodados da Unesco, e 17%, segundo os da-dos do IBGE para o estado de São Pau-lo. Acontece que estes percentuais sãobaixos quando comparados aos índicesda Argentina, que registra 43%, Uru-guai, 32%, Bolívia, 23% e EUA, 76%.

Como o Ministério da Educação enfren-ta este grave e urgente problema?

Paulo Renato - Investindo no pri-meiro grau. Explico: o número de va-gas no sistema de ensino superior noBrasil, hoje, é equivalente ao númerode alunos formandos no segundo grau.A relação formandos no segundo graue vagas na universidade é de 1,2%apenas. Portanto, o sistema de ensinosuperior no Brasil é exatamente aquiloque o Brasil precisa hoje. Em SãoPaulo e Rio Grande do Sul é 0,9%.Há mais vagas no sistema de ensinosuperior do que alunos formandos dosegundo grau. No Nordeste, a relaçãoé mais desfavorável. O número de va-gas no segundo grau é suficiente, hoje,para o número de alunos que con-cluem o primeiro grau. Entretanto,menos da metade dos alunos que co-meçam a primeira série do primeirograu concluem a oitava série, e quemconclui a oitava série leva em média11 anos. Portanto, o aluno que concluia oitava série é um aluno velho para osegundo grau, é um aluno que prova-velmente já terá que trabalhar, e, porisso, o segundo grau no Brasil é emi-nentemente noturno, o que significauma preocupação ineficiente para oingresso na universidade. Não há dúvi-da que, face a estes números, para me-lhorar e ampliar o sistema de ensinouniversitário no Brasil, temos que me-lhorar o primeiro grau.

Adusp - Melhorar não só o primeiro,mas também o segundo grau e o ensinosuperior.

Paulo Renato - Nesse momento,estamos gastando com o ensino supe-rior no Brasil, no âmbito federal, seconsiderarmos inativos e ativos, maisde 18% do que deve ser dedicado àeducação. Estamos gastando R$ 5,3bilhões, e oito anos atrás gastávamosR$ 1 bilhão. O problema não é a faltade recursos, mas sim a boa utilizaçãodos recursos. É por isso que a propos-ta de autonomia universitária popõeflexibilizar o uso dos recursos.

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Adusp - Gostaria que o sr. fizesseuma análise da autonomia conquistadapelas estaduais paulistas, uma vez quenaquela ocasião, 1988, o sr. era reitorda Unicamp. Como foi o processo?

Paulo Renato - Eu escrevi o decreto,ainda tenho o manuscrito. Hoje, seolharmos os resultados da autonomiano estado de São Paulo, não há dúvidaque são positivos. A universidade émais eficiente, aumentou o número dealunos, reduziu custos, melhorou a rela-ção professor/aluno, funcionário/aluno;se tornou mais eficiente, ampliou o ser-viço social que presta. Li uma avaliaçãofeita recentemente quemostra claramente isto.Para a universidade signifi-cou uma defesa e umamaior responsabilidade.Na universidade hoje, libe-rar um professor sem ven-cimentos é impossível. Osdepartamentos não libe-ram porque sabem que vãoaumentar a carga de traba-lho sobre os demais. A uni-versidade se tornou maisconsciente dos recursos deque dispõe e da necessidade de gerirbem estes recursos. Naquele momento,basicamente, nós saíamos de uma grevemuito prolongada, onde havia grandeinsensibilidade por parte do governo,inclusive de receber os próprios reito-res. Nós tínhamos dificuldades de serrecebidos pelo governador para tratardo assunto, e aquilo foi uma decisão dogoverno para se livrar do problema. Anossa grande briga, naquele momento,foi negociar os percentuais com a Se-cretaria da Fazenda, e, ali, contei com aajuda de gente muito competente. Basi-camente foi a Unicamp que liderouaquele processo de discussão. Eu tinhacomigo o Waldemar Giomi, que tinhasido o chefe de Planejamento Orça-mentário no governo Montoro e queajudou a consolidar aqueles dados, epudemos definir um critério que real-mente significou uma garantia para auniversidade. Naquele momento as en-

tidades foram resistentes à idéia. Foramos reitores que tomaram a liderança, eeu me lembro que dentro da universi-dade tivemos que enfrentar uma certaresistência. Acho, portanto, que o resul-tado é positivo.

Adusp - O caminho adotado na auto-nomia das universidades federais não é omesmo das estaduais paulistas. Ainda as-sim o sr. considera a proposta de autono-mia das federais muito melhor. Por quê?

Paulo Renato - Ela é melhor por-que coloca uma garantia de recursosna própria Constituição. Não é um

decreto, não é algo que pode ser mu-dado. Ela absorve a experiência deSão Paulo e inova para melhor. Sãoquatro os aspectos da autonomia: 1)orçamento global, é o que nós temosem São Paulo; 2) possibilidade de de-finição das próprias carreiras, tam-bém é o que temos em São Paulo; e,agora, o que não temos em São Paulo3) a garantia constitucional dos recu-ros e 4) a constituição de um fundocom os 75%, em que a cada ano 95%do dinheiro – isto não está na propos-ta de emenda constitucional, será dis-cutido depois, em lei complementar –são distribuídos de acordo com o ca-ráter histórico que a universidade teveno ano anterior e os 5% restantes sãodistribuídos de acordo com o númerode alunos, com as pesquisas. Enfim,com critérios para estimular as uni-versidades a aumentar o serviço quepresta à sociedade.

Adusp - Se é, realmente, um avançocomo o sr coloca, por que até o reitorda USP, Flávio Fava de Moraes, se po-sicionou contra, preocupado em relaçãoà possibilidade de a autonomia nas fe-derais vir a afetar a autonomia das es-taduais paulistas?

Paulo Renato - Acho que o Favafoi equivocado na sua crítica, e, alémdisso, a crítica dele se referia a umaproposta anterior que tínhamos, queera a de deixar para definir em lei mui-tos aspectos da autonomia. O texto di-zia: “na forma da lei”. Essa idéia foimal compreendidas e nós a abandona-

mos. Partimos para o con-trário, ou seja, para defi-nir o que queremos, o queé necessário, como o pará-grafos do artigo 207 daConstituição para garantira autonomia das federais.Nesse aspecto ele se refe-re especificamente às fe-derais. Não toca em nadaque seja de outro sistemade ensino.

Adusp - Um dos artigosda proposta de alteração do artigo 207da Constituição diz: “A União transferi-rá, anualmente, por 10 anos, 75% dototal dos recursos vinculados ao ensinoque arrecadar...para a formação doFundos de Manutenção e Desenvolvi-mento do Ensino Superior”. Não há,portanto, nenhuma garantia de recursosa partir desses 10 anos. O que vai ocor-rer após esse prazo?

Paulo Renato - Não vai cair parazero. Daqui a 10 anos pode haver umpresidente que queira aumentar ou fa-zer proposta de aumentar para 100%dos 18%, ou pode haver outro que di-ga que vai criar um sistema novo, umsistema, por exemplo, de escolas técni-cas superiores, como existe na Alema-nha. Daqui a 10 anos, temos que sen-tar de novo e ver o que está aconte-cendo. Acho que seria realmente ir-responsável colocarmos na Constitui-ção, para sempre, que 75% vai para

Hoje, se olharmos os resultados da autonomia no estado de São Paulo,

não há dúvida que são positivos. A universidade é mais eficiente, aumentou o número de alunos,

reduziu custos, melhorou a relaçãoprofessor/aluno, funcionário/aluno;

se tornou mais eficiente, ampliou o serviço social que presta.

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este sistema de ensino superior quetemos aqui hoje. A sociedade tem quesentar, daqui a 10 anos, e rever essaquestão. O Fundo de Desenvolvimen-to do Ensino Fundamental tambémfoi fixado em 10 anos, porque sei que,talvez daqui a 10 anos, o nosso proble-ma principal seja o ensino secundárioe não o fundamental. A população es-tá mudando, a taxa de natalidade estácaindo; o mundo muda, e nós não po-demos fixar uma regra que seja paratodo o sempre.

Adusp - Desculpe, mas diante destaexplicação só posso acreditar que, daquia 10 anos o sr. pretende ser o presidenteda República para garantir que os in-vestimentos nas universidades federaisnão venha a ser zero.

Paulo Renato - Em primeiro lu-gar, eu não pretendo nunca ser can-didato a presidente da República, e,em segundo, este zero não pode serzero porque a universidade continua-rá sendo pública. Haverá semprecompromisso. Nós temos que pararcom a paranóia de estar sempre bus-cando um mecanismo de acabar coma universidade pública. A universida-de é valiosa. Não podemos fecharuma UFRJ, ela tem uma contribuiçãoimportantíssima para o nosso desen-volvimento. Nós não podemos fecharuma Unicamp, uma USP. Não se tra-ta disso, a universidade se coloca, àsvezes, um pouco paranóica de acharque a sociedade quer matá-la. Issonão é verdade. Nós devemos, comtranqüilidade, observar que, quantomais serviço a universidade prestarpara a sociedade, mais a sociedadevai depender dela. Esta autonomiavai permitir que a sociedade a valori-ze porque ela será mais eficiente, elaampliará as vagas. Não vejo motivopara temer em relação ao que vaiacontecer daqui a 10 anos.

Adusp - Se o sr. não pretende se can-didatar à presidência da República paragarantir estes recursos, é bem possível

que, daqui a 10 anos, tenha de haveruma grande mobilização para que asverbas para as federais venham a sergarantidas pela União.

Paulo Renato - Por que não? Podeser que, daqui a 10 anos, em vez de di-zer que valerá por 10 anos, este percen-tual venha a ser revisado, tudo bem.

Adusp - Segundo avaliação da Andes,esta proposta de autonomia do governofederal vai reduzir os investimentos nasuniversidades federais. O sindicato apli-cou esta proposta ao exercício consolida-do de 1995 e chegou à conclusão que, sea lei já estivesse sendo aplicada naqueleano, haveria uma sensível queda nos in-vestimentos, algo em torno de 53%.

Paulo Renato - Olhei estes dados edemorou quinze segundos para verque eles são falaciosos. Lamento queprofessores universitários estejam ten-tando manipular os dados da formacomo foram manipulados. Sempredeixei claro no nosso projeto que os75% dos 18% se referem à garantia definanciamento da parte ativa da uni-versidade. Eles comparam, no ano de95, os 75% com o total dos gastos, in-

cluindo os inativos. Um aluno bem-in-tencionado de segundo ano do cole-gial não faria este cálculo.

Adusp - Mas o pagamento dos inati-vos não entra nessa conta?

Paulo Renato - Entra, mais ficoumuito claro que não entrará na garan-tia dos 75%. Está escrito isso.

Adusp - Até aqui mantivemos umaentrevista em cima de dados, valores epropostas. Gostaria de, a partir de ago-ra, formular perguntas gerais sobre asua pasta e também sobre educação. E aprimeira delas é a seguinte: A revista Ve-ja já o taxou de marketeiro numa maté-ria intitulada “O marketing na educa-ção”. A matéria era verdadeira? Existealgum problema entre o sr. e a revista?

Paulo Renato - Não, a Veja temcoberto bem o Ministério da Educa-ção. As matérias têm um viés críticocom relação a tudo, e, na verdade, ho-je, temos resultados para mostrar. Te-mos o Fundo de Desenvolvimento deEducação, que já foi aprovado; cria-mos a TV Escola, descentralizamos osrecursos direto para a escola, dobra-mos o número de livros didáticos, ouseja, tapamos a boca de quem criticavaeste assunto.

Adusp - E com relação aos R$ 300reais de salário para os professores,num primeiro momento o sr. falou emmínimo nacional, depois em salário mé-dio. Afinal, é mínimo ou médio?

Paulo Renato - Isso é fácil de secomprovar, porque a primeira banca-da com quem eu me reuni para discu-tir o fundo antes de apresentar o pro-jeto foi uma bancada do PT na Câma-ra dos Deputados. Se você for olhar odocumento que eu distribuí para abancada do PT, estava escrito saláriomédio. Então, nunca houve esta coisaque era o mínimo e depois ficou mé-dio. Isso foi uma maldade comigo. Narevista Veja, na coluna do AnselmoGóis, ele fez esta maldade em dizerque eu havia mudado, quando tenho

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Em primeiro lugar, eunão pretendo nunca sercandidato a presidente

da República, e, emsegundo, este zero não

pode ser zero (seminvestimento) porque auniversidade continuará

sendo pública...Nós temos que pararcom a paranóia de

estar sempre buscandoum mecanismo de

acabar com auniversidade pública. Auniversidade é valiosa.

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documento queprova o contrário.Minha especiali-dade é salários,emprego e salá-rios, e esta foi aminha tese dedoutorado na Uni-camp. Eu traba-lhei na OIT mui-tos anos, e esta é aminha especialida-de. Este cálculo eunão erraria nunca.

Adusp - E aquestão do gasto deR$ 300 por aluno/-ano, como anda?

Paulo Renato -Nós vamos garantir o mínimo nos Es-tados mais carentes, mas nos Estadosmais ricos esta média já é maior hoje,e será maior ainda. Portanto, calculoque a nossa média nacional de aplica-ção de recursos no primeiro grau, apartir do ano que vem, andará em tor-no de R$ 450/500. É claro que ainda épouco, nós precisamos investir maisno ensino fundamental, e é precisobuscar mais recursos para isso. Temosque entender que o orçamento é fini-to, isto é uma regra básica, e temosque decidir onde é que queremos sa-crificar para investir mais no ensinofundamental.

Adusp - O fato de esses R$ 300/alu-no não estarem especificados no orça-mento de 97 significa uma derrota doseu ministério para a área econômicado governo?

Paulo Renato - Não, isto está garan-tido, quem propôs a emenda constitu-cional fomos nós. O problema é que,quando a apresentamos ao orçamento,ela não estava sequer aprovada. Então,não podíamos colocar no orçamentoum fundo que era inexistente. Coloca-mos no orçamento uma rubrica ondepoderemos suplementar os recursospara garantir o valor de R$ 300.

Adusp - Estava lendo, na ante-salado seu gabinete, uma publicação doMEC na qual o sr. afirma ter adotado“medidas eficazes para erradicar o anal-fabetismo do país”. Como nós temos ape-nas dois anos para que seja cumprido opreceito constitucional de erradicarmos oanalfabetismo no país, gostaria de sabercomo o MEC pretende alfabetizar cercade 20 milhões de pessoas até 1998?

Paulo Renato - Não, isso não serápossível em dois anos. O que houve ba-sicamente foi o seguinte: nunca foi apli-cado o preceito constitucional que man-dava dedicar 50% do recurso da educa-ção para o primeiro grau. A universida-de absorveu mais do que isso. Nunca seaplicou, nos últimos anos, o recurso ne-cessário, e por isso mudamos, agora, nosentido de garantir mais recursos, inclu-sive federais, com a mudança no artigo60 das disposições transitórias.

Adusp - Qual a expectativa de prazono MEC para erradicar o analfabetismo?

Paulo Renato - Estamos iniciandoum programa de parcerias através doprograma de alfabetização solidáriacom o setor privado, com as universida-des, com as escolas de segundo grau,especialmente no Nordeste, onde seconcentra o maior índice de analfabe-

tos, e acho que va-mos acelerar esseprocesso. Acreditoque poderemos,num espaço de cin-co ou seis anos, tereste índice reduzi-do significativa-mente.

Adusp - O pro-fessor Francisco deOliveira, em entre-vista à RevistaAdusp, afirma que opresidente Fernan-do Henrique estámatando as oposi-ções, as idéias, edestruindo os seto-

res organizados da sociedade. Gostariaque o sr. comentasse essa análise e falas-se de sua relação com a Andes, enquantoentidade sindical.

Paulo Renato - Não concordo comChico de Oliveira. O problema que en-frentam as oposições é definir um ru-mo para elas próprias. Isto não é opresidente que está matando, e nãocreio que o presidente tenha esse po-der de matar as oposições. O problemaé que as oposições estão sem projetono Brasil. Este ponto me parece funda-mental. Elas estão se autodestruindopor falta de projeto. Voltando à ques-tão da Andes, quero reafirmar que te-nho o maior interesse em poder con-versar com todos os segmentos da uni-versidade. Tenho o maior interesse emconversar com a Andes numa base detransparência e honestidade. Quandovejo coisas como estes dados que dis-cutimos antes, realmente fico um pou-co revoltado com a manipulação. Achoque isto não é próprio e não conduz aoentendimento. Tenho me mostradodisposto a começar um entendimentodesde que seja numa base em que va-mos para o debate desarmados de pre-conceitos, de idéias pré-concebidas, ese possa realmente discutir o futuroviável para a universidade brasileira.

O problema que enfrentam asoposições é definir um rumopara elas próprias. Isto não éo presidente que estámatando, e não creio que opresidente tenha esse poder

de matar asoposições. O

problema é queas oposições

estão semprojeto no

Brasil.

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ADiretoria 85-87 atuou num período detransição política na universidade e nopaís. Havia dificuldade de diálogo como reitor, professor Hélio Guerra Viei-ra, identificado com a ditadura. Umexemplo de suas práticas foi a queima

de arquivos secretos da USP no fim da sua gestão, re-ferentes à triagem ideológica. Num processo sobre estaqueima, prestei depoimento no DOPS, em julho de1986, citando um ofício da 2a. Secção do Quartel Ge-neral do II Exército, de 1972, do qual tínhamos xerocó-pia. Este ofício, assinado pelo comandante do Destaca-mento de Operações de Informações, era dirigido aomagnífico reitor, autorizando-o a entregar os docu-mentos do universitário Enzo Nico Filho aos seus pais,“não havendo nenhum obstáculo do DOI-CODI nestesentido”. Talvez esta seja a única prova material querestou da grave interferência do Exército na universi-dade durante a ditadura.

Apesar de abertura parcial do regime, ainda emmeados de 1986, o Coronel João Manuel Sinch Brocha-do propôs implantar novamente órgãos de segurançanas universidades, o que acabou não se concretizando,por pressões de vários setores das universidades, in-clusive da Adusp. Outro exemplo do clima reinante foia proibição da projeção do filme Je vous salue, Marie.Um aluno, responsabilizado por esta projeção na USP,foi intimado a depor na Polícia Federal, onde foi acom-panhado por representante da OAB e por mim.

Quanto aos problemas acadêmicos, logo no iníciode nosso mandato estava em discussão na Cert a insti-tuição de regime de trabalho de 40 horas semanais,sem dedicação exclusiva. Em agosto de 1985, organiza-mos um seminário de três dias, com participação da

Adunicamp, Adunesp e Andes, e outros convidados(representantes do Sindicato de Arquitetos, da Secre-taria de Ciência e Tecnologia, entre outros), abordandoo problema sob vários ângulos. O consenso era contrá-rio a este regime, que se prestaria à burla instituciona-lizada, motivo pelo qual estava sendo abadonado nasuniversidades federais. O único defensor da hipóteseargumentava pela sua necessidade nas escolas profis-sionalizantes, onde a experiência dos professores nomercado de trabalho seria um imperativo e havia a exi-gência de um número adequado de professores comtempo “integral” para o credenciamento dos cursos depós-graduação. A Adusp desenvolveu intensa campa-nha junto aos membros do Conselho Universitário(CO), e certamente contribuiu para que o regime de 40horas sem dedicação exclusiva não fosse adotado.

Publicamos o conteúdo do seminário no ano se-guinte, quando o assunto entrou na pauta do CO, nadiscussão da reforma dos Estatutos. Nossa tese preva-leceu, em essência, abrindo-se a possibilidade deprestação de consultorias, o que alguns participantesdo seminário haviam advogado.

A questão salarial permeou, como em outras épo-cas, todo o nosso mandato, como é natural em períodosde alta inflação. As assembléias somente despertavaminteresse maior durante as campanhas salariais, e comoconseqüência outras discussões sobre a universidade fi-caram prejudicadas. Ficou claro para nós que é muitodifícil conjugar atividade sindical eficiente com ques-tões universitárias e de política educacional.

Com esta dificuldade de mobilização, a diretoriada Adusp e o Conselho de Representantes optarampor uma consulta ampla aos professores da USP, en-focando os pontos principais do Estatuto. Um grupo

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JUDITH KARDOS KLOTZEL

85-87

PRESIDENTE ADUSP

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de 115 associados pediu, em moldes estatutários, aconvocação de uma assembléia extraordinária, queapenas atraiu 90 professores, além dos cinco mem-bros da diretoria. Esta assembléia resolveu susbstituira consulta por dois dias de discussão. Tal atitude eraconseqüência da visão diferenciada de dois grupospoliticamente distintos atuando na entidade. Em nos-sa gestão sempre procuramos um ponto de equilíbrioentre os mesmos. A participação nestes debates foimodesta, porém pontos polêmicos eram discutidosem comissões, e publicamos artigos de diversos pro-fessores, expressando seus pontos de vista sobre vá-rios problemas. Muitas destas propostas acabaram le-vadas ao CO, sendo algumas incorporadas aos Estatu-tos da USP, tais como o aumento da representação es-tudantil no CO e a inclusão de representantes de fun-cionários nos órgãos colegiados.

Pouco depois da nossa posse começou o processode indicação do novo reitor. A Adusp, a Asusp e oDCE, fizeram eleições paralelas. A maneira da consul-ta foi debatida, e a liderança do processo foi assumidaem boa parte pela Adusp. Os nomes dos três primeiroscolocados na votação dos professores foram encami-nhados para o CO, pleiteando-se que fossem incluídosna lista sêxtupla submetida ao governador. A Asusp e oDCE optaram por encaminhar um único nome. Nossalista era constituída pelos professores José Goldem-berg, Guilherme Rodrigues da Silva e Dalmo de AbreuDallari. A Asusp elegeu o professor Guilherme e oDCE, o professor Dalmo. Os três figuraram na lista doCO, e o governador indicou o Professor José Goldem-berg, primeiro colocado no CO. Nosso relacionamentocom a reitoria melhorou, apesar de grandes divergên-cias existentes entre a Adusp e a direção da universida-de, permitindo a defesa de professores injustiçados, oencaminhamento de reivindicações dos pesquisadoresdos museus e o apoio aos funcionários, sempre que ne-cessário. Durante este período também houve lutacontínua pela reintegração de professores vítimas daschamadas “cassações brancas”.

As contínuas lutas salariais, as greves com amplaadesão e a negociação das entidades do funcionalis-mo tiveram como resultado uma boa recuperação sa-larial. Deve-se lembrar que durante o governo Mon-toro, e no início do governo Quércia, os nossos salá-

rios eram negociados diretamente com o governo es-tadual, necessitando de aprovação da Assembléia Le-gislativa. Somente no decorrer do governo Quérciafoi instituída a autonomia universitária financeira, apartir da qual a negociação se dá diretamente com osreitores, que ficam limitados à porcentagem do ICMSdestinada às universidades.

No período houve duas grandes greves do funcio-nalismo em que a Adusp assumiu papel importante,tanto na mobilização como nas negociações no grupode associações, que passou de “Grupo dos 13” para“Grupo dos 19”.

Com a posse do governador Quércia, diminuiu adiálogo com o governo, e o governador procurou detodas as maneiras esquivar-se do pagamento do “gati-lho salarial”, mecanismo que reajustava os salários au-tomaticamente toda vez que a inflação atingia 20%. AAdusp participou, com as demais associações do fun-cionalismo, de pressão diária na Assembléia Legislati-va, sem muito sucesso. O governador lançava mão detodo tipo de manobra para burlar parte do que nos eradevido. A questão acabou no Supremo Tribunal, e es-tivemos pessoalmente em Brasília para conversar comos conselheiros e acompanhar o processo. A partir deentão, os nossos salários entraram novamente em de-cadência. As conquistas dos anos anteriores foramsendo perdidas, por negociações que o governadormantinha em separado com várias associações, enfra-quecendo assim o poder de barganha.

No nível da organização nacional das AssociaçõesDocentes, houve intensa participação da Adusp nasreuniões, e no Conad. Pela primeira vez na história daAndes duas chapas disputaram a sucessão da direto-ria em 1987. Cada um dos dois grupos políticos queatuavam em nossa entidade apresentou um candidatoem uma das chapas. Isto é um testemunho do empe-nho da associação em reconhecer a necessidade de in-teração das associações ao nível nacional.

Encerramos nosso mandato com os níveis salariaismais elevados da década e uma razoável mobilização.O Conselho de Representantes participava assídua eativamente das decisões fora das assembléias. Comeste clima, e o interesse de grande número de profes-sores, apresentaram-se novamente duas chapas à nos-sa suscessão, em saudável disputa pela diretoria.

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Operíodo de maio/87 a maio/89 foirepleto de lutas,algumas condu-zindo a vitóriasimportantes do

movimento docente. Há muito doque falar e o espaço é limitado. Ireime concentrar nas questões de ca-ráter mais local, se bem que todastenham repercussões nacionais:1) O III Congresso de docentes,alunos e funcionários e a reformados estatutos da USP; 2) A fami-gerada “lista dos improdutivos”;3) A greve de 88 e a obtenção daautonomia e do reajuste mensalde salários.

A chapa Participação, oposiçãoàs diretorias da Adusp entremaio/79 e maio/87, foi eleita para obiênio maio/87 a maio/89.

Fundada em 83, a Participaçãoé uma corrente de opinião e açãopolítica formada por docentes daUSP, militantes da luta pela de-mocracia social, econômica e po-lítica. Concorremos às eleiçõespara a diretoria da Adusp a partir

de maio de 1983, postulando anecessidade de que a entidade setornasse um instrumento efetivode luta dos docentes da USP, sejanas nossas questões específicas,seja nas questões gerais da uni-versidade e da sociedade. Semprepresentes na vida política daAdusp, tivemos papel importantenas lutas travadas desde a suafundação, em 76, principalmenteapós a posse do governador Fran-co Montoro em 83.

Francisco Miraglia (IME), Flá-vio Aguiar (FFLCH), Márcia R.Car (Enfermagem), Amando S.Ito (Física), Henrique A. CunhaJr. (Engenharia de São Carlos),Kátia Primavera (Farmácia) e Car-los Alberto B. Tomaz (FFCLRP),formavam a diretoria da Adusp apartir de junho/ 87.

A primeira tarefa da nova dire-toria foi estabelecer uma infra-es-trutura mínima para que a Adusppudesse ser um instrumento da lu-ta organizada. Boletins periódi-cos, clareza e presteza na infor-mação, abertura da associação à

participação dos associados, estí-mulo à constituição de grupos detrabalho sobre os principais temasda nossa intervenção política, fo-ram algumas das providênciasfundamentais. As instâncias dediscussão e deliberação coletivasda entidade, Assembléias Gerais eConselho de Representantes, pas-saram a ser os fóruns de decisãodos rumos da entidade. Importan-te também foi desenvolver a capa-cidade de analisar tecnicamente aevolução dos orçamentos públi-cos. Além da capacidade de argu-mentação política, era necessáriosaber discutir “os números”...

A “abertura democrática” (narealidade, uma tentativa de con-trole conservador do fim da dita-dura militar) induziu na USP odebate sobre a modificação dosEstatutos, impostos pelos milita-res. Era central que o corpo dauniversidade discutisse os rumosda instituição, em particular aconcepção de universidade quedeveria pautar a redação dos seusestatutos. Com este fim, foi orga-

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FRANCISCO MIRAGLIA

87-89

PRESIDENTE ADUSP

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nizado, no segundo semestre de87, o III Congresso da USP. Cercade 250 delegados eleitos nas uni-dades da USP compareceram àssessões do Congresso, cujas deli-berações foram submetidas a ple-biscito. As resoluções do plebisci-to tornaram-se balizas nacionais,especialmente para o MovimentoDocente, através da Andes.

Os arquivos da Adusp mostramque a concepção de universidadeque emergiu do III Congresso eraa de uma articulação orgânica detrabalhadores intelectuais, não deum amontoado de especialistas,cujo nexo global só é dado pelo po-der institucional. Por isto mesmo,postulava a democratização de to-dos os níveis de poder, a autono-mia da universidade em relação agoverno e a partidos, juntamentecom a constituição de um Conse-lho Social amplo, órgão de discus-são e avaliação das relações dauniversidade com a sociedade. Aquestão da avaliação era tratadacom o respeito devido ao trabalhoindividual e às necessidades da ins-tituição. A universidade públicadeveria construir a excelência noensino, na pesquisa e na extensão,representando um instrumento dereversão da injustiça social e eco-nômica do Brasil.

As propostas do plebiscito fo-ram apresentadas, como emendas,à proposta oficial de estatuto feitapor uma comissão do ConselhoUniversitário (CO), coordenadapelo futuro reitor (na época, vice-reitor), Roberto Lobo.

Muitos dos artífices da violên-cia cometida pelos militares contraa universidade estavam (e ainda

estão) ocupando cargos de impor-tância na universidade. Além dis-so, o reitor José Goldemberg, jáhavia dado mostras de que prefe-ria manter a estrutura como esta-va. A Adusp fez uma campanhapara que o voto sobre as questõesestatutárias no CO fosse aberto enominal. Nem esta providênciamínima de democracia e transpa-rência foi adotada. Ficou claroque o processo estatuinte patroci-nado por Goldemberg serviu paraque as oligarquias que passaram acontrolar a universidade com osventos de “democratização” –muitos ardentes democratas antesde assumir algum poder – insti-tuíssem para si os privilégios, o si-gilo, a falta de transparência, de-mocracia e compromisso com opúblico dos tempos do arbítrio.Não houve nenhum prurido emutilizar o estatuto da ditadura parapromulgar um “novo”, na realida-de pior do que o anterior. A únicaproposta do plebiscito que foiaprovada foi o encurtamento dacarreira docente com a criação dafunção de professor associado. Opoder institucional na USP, arro-gante e prepotente, não mostrounenhuma disposição à negociaçãoe ao diálogo, o oposto do que de-veria vigir numa universidade.

Muito embora tenhamos nosorganizado para fazer propostas ediscutir idéias, a transformação doestatutos da USP exigia algumaforma sustentada de desobediên-cia civil, que mostrasse à oligar-quia no poder que não poderiausurpar a universidade. Como estaação estava, na época, fora daspossibilidades organizativas das

categorias, convivemos com esta-tutos autoritários e que dão pode-res imperiais ao reitor. Tenho cer-teza que ainda não está escrito oúltimo capítulo desta história. Acúpula dirigente da USP mostrasinais cada vez mais claros de queestá incapacitada para a conduçãointelectual da universidade.

Garantidos estatutos autoritá-rios, em 21 de fevereiro de 88, Jo-sé Goldemberg e assessores ata-cam traiçoeiramente a USP, seucorpo docente e a universidadepública. O futuro ministro do go-verno Collor fornece à Folha de S.Paulo uma lista de docentes que épublicada, nominalmente, sob o tí-tulo “lista dos improdutivos”. Ocorpo docente está em estado dechoque, submetido a agressão ehumilhação gratuitas, injustifica-das e irresponsáveis. Como espe-rado, o CO jamais tomou as provi-dências cabíveis de apuração dasresponsabilidades e punição dosresponsáveis. O debate sobre ava-liação que havia se desenroladoaté aquela data mostrava que Gol-demberg e cia. não desejavam dis-cutir coisa alguma, mas criar umclima de terror que viabilizasse ocontrole do corpo docente. Umepisódio ilustra bem esta diretriz.A Adusp convidou José Goldem-berg, Eunice Durham, FlorestanFernandes e Míriam LimoeiroCardoso para um debate sobre aquestão da avaliação. Eu presidiaa mesa, no Anfiteatro Abrahão deMoraes, quando entraram no ple-nário um grupo de alunos, protes-tando contra a atitude do reitor defechar uma sala dos estudantes noprédio da História. Subitamente,

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descobrimos que o anfiteatro esta-va cercado pela Polícia Militar,convocada, evidentemente, peloreitor. O então diretor da Físicafoi negociar a retirada do aparatomilitar. Por iniciativa de FlorestanFernandes, o debate foi suspenso;o reitor tinha, mais uma vez, con-seguido evitar a discussão públicadas suas idéias.

A única resposta adequada àagressão da “lista dos improduti-vos” era exigir a renúncia do rei-tor. Por outro lado, pouco adianta-va a diretoria da Adusp exigir a re-núncia do reitor; era necessárioque houvesse disposição coletivados professores em sustentar esteembate. Como no caso dos estatu-tos, não tivemos força política paraisto. Compreensivelmente, muitoscolegas ficaram preocupados emlimpar seu nome, publicamente di-famado, enviando respostas à Fo-lha de S. Paulo, que veiculou estasnotas durante muito tempo, semnunca mudar a referência à “listados improdutivos”. Uma comissãoeleita em assembléia da Adusp es-creveu uma resposta contundenteao ocorrido. Flávio Aguiar e eu le-vamos o documento para a edito-ria da Folha. Foi publicado em le-tra corpo 8, num canto insignifi-cante do jornal.

A nossa incapacidade de reagiradequadamente ao “listão” estácustando caro à universidade. Deuforça a uma avaliação institucionalintelectualmente raquítica, desres-peitosa da diversidade do trabalhoacadêmico, do ensino e da exten-são de interesse social.

Em meio a todos estes aconteci-mentos, os nossos salários tinham

seu valor real diminuído dia a dia.Na época participávamos do Gru-po dos 19, um conjunto de entida-des do Funcionalismo Estadual querepresentava, na mesa de negocia-ções, o movimento organizado dosservidores públicos estaduais. Ha-víamos tentado de tudo: ofícios, pa-ralisações, conversa com secretá-rios de governo, com reitores.Orestes Quércia era governador eAlberto Goldman, seu secretáriode Governo. No dia 21 de setem-bro de 1988, havia sido marcadauma reunião no Palácio dos Ban-deirantes para discutir a propostade política salarial do governo. AAdusp chegou a esta reunião já emgreve. Iniciava-se a maior greve dedocentes e funcionários das esta-duais paulistas, desde 1979.

Os docentes e funcionários daUSP, Unesp e Unicamp permane-ceram firmes na luta, mesmoquando voltaram ao trabalho aSaúde e a Educação de 1º e 2ºgraus. A indignação com as nossascondições de vida e trabalho for-neceu energia para organizar ummovimento forte, coeso e que, en-curralando ogoverno do Es-tado e os reito-res, obteve vitó-rias importan-tes e que per-maneceram co-nosco até re-centemente.

O Ato SOSUniversidade,realizado no an-fiteatro de Con-venções da USPno dia 18 de ou-

tubro de 1988, contando com apresença de mais de mil pessoas,entre elas personalidades do mun-do científico, artístico e cultural,trouxe solidariedade e folego à lu-ta das três universidades estaduais.

No dia 27 de outubro de 1988,diante da tergiversação do governoQuércia, foi marcado Ato Públicona frente do Palácio dos Bandeiran-tes. Quércia decide bater em pro-fessores e funcionários que se apro-ximavam do Palácio. A repercussãoda agressão foi imensa. Pressionadopela nossa presença (foto ao lado),Quércia, que havia encerrado asnegociações, se dispõe a reabri-las,marcando uma reunião imediata naSecretaria de Ciência e Tecnologia,lá na Avenida Rio Branco. Realiza-mos um ato de repúdio à violênciado governo do Estado, com partici-pação significativa da sociedade ci-vil. Como o governo Quércia, em-bora desgastado, continuava a evi-tar propostas concretas, a grevecontinuou, com novo ato no Paláciodos Bandeirantes no dia 10 de no-vembro. Aproximavam-se as elei-ções de novembro de 1988.

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Passadas as eleições, o governoQuércia, constatando a perda dasprincipais prefeituras do Estado,decidiu endurecer de vez com osmovimentos reivindicatórios que oenfrentavam. Só como exemplo, ti-nha oferecido 35% de reajuste paraos metroviários, que recusaram aproposta. O governador mandoucancelar qualquer reajuste para acategoria, que foi obrigada a sus-pender o movimento grevista eamargar perda salarial ainda maior.

Neste quadro, foi necessáriodiscutir a saída de uma greve decerca de 70 dias, que tinha maisuma vez mostrado que a nossa or-ganização é capaz de influir decisi-vamente nos rumos da universida-de. Este debate, que demonstrou ademocracia das instâncias delibe-rativas da Adusp, foi da melhorqualidade, discutindo a possibilida-de de ainda obtermos concessõesconcretas do governo Quércia.

Uma lição importante de 88 éque, dada a falta completa de de-

mocracia social, as vitórias muitasvezes vêm depois da greve suspen-sa, fruto do desgaste político im-posto pelo movimento.

No dia 26/12 /88 uma comissãodo governo aceita proposta formu-lada pela Adusp e endossada poroutras entidades do funcionalis-mo, prevendo reajuste mensal desalários segundo uma fórmula en-volvendo as variações mensais doICMS e de um índice de custo devida. Esta fórmula é imediatamen-te comunicada aos reitores, paraque pressionem pela sua implanta-ção imediata.

O governo Quércia percebeque a fórmula de reajuste mensaltinha sido negociada a partir dopoder de fogo do movimento dasuniversidades estaduais. Não ha-veria porque repassá-lo a todofuncionalismo, aparentementecom problemas de mobilização.Em fevereiro de 89, Quércia editaum decreto-lei dando autonomiade gestão financeira para as uni-

versidades estaduais,destinando 8,4% da co-ta parte estadual doICMS para as três uni-versidades. Muito em-bora tenhamos declara-do desde logo que 8,4%eram insuficientes, agreve de 88 obtinhauma vitória estratégica:a autonomia em relaçãoao governo do Estado.Como conseqüência, ti-vemos reajustes mensaisde salários a partir dejaneiro de 89, até queesta política salarial fos-se cancelada, sem nego-

ciação, pelas atuais reitorias.Voltávamo-nos agora para a de-

fesa da Educação e Saúde Públi-cas, bem como da ampliação dadotação da Fapesp para 1% doICMS na Constituinte Estadual.Mas isto já é outra estória....

A oportunidade de escrever so-bre este período traz reflexões no-vas sobre o já pensado e tantas ve-zes discutido, ao mesmo tempo emque renova um contato conscientecom afetos importantes. Tenhoimenso carinho pela idéia da orga-nização autônoma de base, ondenos juntamos para discutir os ru-mos da nossa vida e dos nossosafazeres. Penso que está aí a ener-gia para transformar. Tenho, por-tanto, especial carinho com aAdusp. Continuarei a investir omeu trabalho para que esta organi-zação dos professores da USP, per-manecendo autônoma, democráti-ca e crítica, seja mais um instru-mento da nossa luta contra toda equalquer forma de opressão.

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Aeleição da chapa em que era candida-to à presidência da Adusp foi a última,até agora, em que houve disputa. Fa-ziam parte de nossa chapa os profes-sores Otaviano Helene (1º vice), quedepois viria a ser também presidente

da entidade, José Eduardo Bicudo (2º vice), Hélio Mo-rishita (1º secretário), Ricardo Pontes (2º secretário),Kátia Primavera (1ª tesoureira) e Ozíride Monzoli Ne-to (2º tesoureiro). Estes dois últimos, como eu, tam-bém faziam parte da diretoria imediatamente anterior.

Vivíamos um momento muito delicado. Vínhamosde uma greve (a de 1988) que levara a um enfrenta-mento de grandes proporções com o governo Quér-cia. Este acabara de instituir o percentual do ICMSpara as universidades com a sua “autonomia”, o que,na verdade, era na época uma maneira de livrar-se ede vingar-se delas. Isto é muito curioso: vendo-se atrajetória dos personagens conclui-se, hoje, que a

idéia do percentual correspondia muito mais aosideais dos então reitores José Goldemberg e sobretu-do Paulo Renato de Souza (da Unicamp), respectiva-mente ex- e atual ministro.

A greve, se obtivera alguns avanços, deixara seqüe-las entre os correligionários da nossa chapa, que man-tivera o nome de Participação, pois muitos de nossocolegas não concordaram com a posição da diretoria,em novembro de 88, no sentido de defender o fim damesma. Havia outros que achavam ainda que fôramospouco firmes no episódio da “lista dos improdutivos”ao não se exigir a queda do reitor Goldemberg na-quele momento. Além disso, nossos adversários criti-cavam, como era de tradição, nossa aproximação coma Andes, já naquela altura um sindicato nacional dacategoria, e nossa simpatia pela CUT. O clima da elei-ção, para nós, era bastante apreensivo. Apesar dessasdificuldades, nossa chapa venceu as eleições. Parapresidente, obtivemos no total 1.079 votos (a votação

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FLÁVIO AGUIAR

89-91

PRESIDENTE ADUSP

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era nominal), contra 937 dados ao professor Hamil-ton Correia, nosso adversário. Essa votação da oposi-ção representava uma recuperação de terreno paraela, que tivera, na eleição anterior, 861 votos (1.272em 85 e 1.121 em 83). No entanto, curiosamente, apartir daí a oposição sumiu de vez, e até hoje não seorganizou outra.

Esse foi um ônus muito grande para a gestão, poisa interlocução com o movimento perde um pouco desua dinâmica.

A direção passa quase a funcionar progressiva-mente “por delegação”.

Eleitos, tocamos adiante o nosso programa. Esti-vemos envolvidos em várias frentes de luta, tanto noplano interno como no plano externo. Tínhamos pou-cos recursos, e o sentimento de “delegação” aliadoàquele de “decepção” a que me referi antes foi nosroubando alguns dos militantes mais tradicionais,além das naturais vicissitudes de doutorados, afasta-mentos e atividades semelhantes. Em 1989 os temasmais candentes de que tivemos de cuidar foram aConstituinte Estadual e a escolha do reitor da USPdentro das normas do novo Estatuto. Quanto ao pri-meiro, nos batemos pelo ensino público e pela manu-tenção na constituição da dotação da Fapesp e de suaampliação, além de termos também nos batido pelamanutenção das responsabilidades do Estado quantoao serviço público. Essa atividade, além da luta espe-cífica, levou-nos a um estreitamento de relações coma bancada progressista na Assembléia Legislativa,que, mais tarde, foi útil quando das votações das Leisde Diretrizes Orçamentárias, pois a partir de 1990 opercentual das universidades começou a ser discutidoaí, em lugar do decreto do governador. Quanto à es-colha de reitor, o resultado do processo não foi bompara nós, do movimento docente organizado. Não merefiro aí ao nome do escolhido – o professor Lobo –que, quero ressaltar, como reitor sempre manteve co-nosco, dentro das diferenças e divergências, um trata-mento respeitoso e sério. Refiro-me ao fato de quepela primeira vez não patrocinamos uma eleição dereitor; os candidatos fecharam um pacto de só se ins-creverem nas eleições diretas se todos o fizessem.Conversamos com todos, e houve concordância, me-nos da parte do professor Ubríaco. Ao mesmo tempo

não havia um candidato que se identificasse mais cla-ramente com os princípios do movimento docente.Assim, a escolha de reitor passou muito ao largo denós, e, embora esteja entre aqueles que pensam que omovimento docente de caráter sindical não deva tercandidatos próprios, acho que essa distância muitogrande que se criou não é boa para a universidadenem para o movimento.

A partir de 89 e ao longo de 90, nossa atuação nafrente legal se ampliou muito, com nossa presençaconstante na discussão da Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional, na Câmara Federal, em Bra-sília. A Andes definira um projeto próprio, com umagrande colaboração do professor Chico Miraglia, quefora presidente da Adusp na gestão anterior, e daprofessora Inez Navarro, da Universidade Federal daParaíba, além, é claro, de vários outros companhei-ros. Como tínhamos uma relação muito estreita coma Andes, isso nos credenciava para acompanhar asdiscussões no Fórum Nacional em Defesa da EscolaPública, que tinha interlocução com a Comissão deEducação do Congresso Nacional. Foi uma luta acir-rada, onde se definiu um projeto de lei que, se nãoera o dos nossos sonhos, também não era o dos nos-sos pesadelos. Esse projeto, mais recentemente, foiatravessado, graças a manobras no Senado, pelo doSenador Darcy Ribeiro, que, em sua indefinição, sa-tisfaz mais o atual governo e sua política de fatosconsumados através do executivo.

Do ponto de vista salarial, eu diria que 90 foi umano “de estudos”. Pela primeira vez estávamos com-pelidos – entidades e reitores – a sentarmo-nos fren-te à frente em reuniões sistemáticas para discutir-mos índices, verbas e prioridades. Não havia muitadisposição para greves, pois o furacão do governoCollor semeava dúvidas, atiçava perplexidades, em-bora desde logo tivéssemos uma posição muito firmede discutir a fundo e ser contra seus planos mirabo-lantes, os pessoais e os neoliberais. Durante a cam-panha presidencial, no ano anterior, organizáramosalguns debates, tendo comparecido os candidatosPaulo Bisol (vice da Frente Brasil Popular), RobertoFreire e Ademar de Barros Filho. Nas discussões so-bre salários, as dificuldades eram muitas, pois se jáera difícil conciliar as propostas das entidades, as

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disputas, embora veladas, entre os reitores eram visí-veis e freqüentes. A Unesp vivia uma situação crôni-ca de penúria; a USP ia com uma mão na frente eoutra atrás; a Unicamp estava em posição mais cô-moda. Progressivamente tivemos de ir enfrentando adisposição crescente da Unicamp de dar uma alter-nativa, a nosso ver, muito perigosa para o movimen-to docente e de funcionários nas universidades esta-duais paulistas. E perigosa, entre outros motivos,porque de certo modo atraente.

Ainda em 90, procedemos ao processo de sindicali-zação de nossa entidade, transformando-a, sem perdade sua autonomia, em seção sindical da Andes – Sindi-cato Nacional. No nosso entender isto fazia que elaadquirisse de direito um estatuto que já tinha de fato,além de cobrir espaço que virtualmente poderia vir aser ocupado por aventureiros de ocasião. Ao contráriodo que se previa, a transformação deu-se tranqüila-mente, num processo democrático que atestou o inte-resse que o tema provocava, pois atraiu cerca de 1.500votantes no total, entre favoráveis e contrários. Parale-lamente, tentávamos estreitar os laços entre a capital eo interior, através de visitas freqüentes, acompanha-mento das questões específicas e de iniciativas que le-vassem à abertura de sedes nos outros campi, o queacabou acontecendo. Tivemos muitas iniciativas con-juntas com o movimento dos funcionários, estreitandoas nossas relações também no interior. Levados pelainsatisfação salarial, os funcionários foram a uma gre-ve em separado. Isto deu margem a um incidente mui-to grave, quando muitos deles foram brutalmente es-pancados pela Polícia Militar na rótula de entrada dauniversidade. Alguns foram presos, embora soltos de-pois. O clima ficou muito tenso na ocasião, porquecorreu a versão de que houve interferência da direçãoda Academia de Polícia no episódio. Isso nunca se es-clareceu devidamente, e o episódio terminou com asubstituição do oficial de segurança junto à USP. Masa figura do oficial continuou existindo.

Em 91, tivemos nosso primeiro enfrentamentomais sério com ao Conselho de Reitores das Uni-versidades Estaduais Paulistas em torno da questãosalarial. Além disso, começamos uma luta mais sis-temática para intervir na Lei de Diretrizes Orça-mentárias, defendendo o ensino público e as univer-

sidades. Naquele ano, para surpresa geral, quaseconseguimos modificar o percentual do ICMS atri-buído às universidades: perdemos por muito pouco,o que, é claro, animou o movimento para os anossubseqüentes. A partir de março, começamos as dis-cussões em torno dos índices salariais. A Unicampinsistia em sua política de dar reajustes em separa-do, chamados de “antecipações”. Isso fez às vezescom que o clima se azedasse bastante nas reuniões.Afinal, em 10 de abril, assinamos um protocolo emque se estabelecia o dia 1º de maio como data-basedas universidades e o fórum das entidades e doCruesp como aquele de negociação, conjurando operigo das negociações em separado. Prevíamos, oque se confirmou, uma arrecadação maior do ICMSdo que aquela esgrimida pelos reitores, o que veio ase tornar rotina. Estávamos certos; o descontenta-mento salarial era latente; a conjuração desses fato-res deu ânimo ao movimento para uma greve que,embora não tão candente nem animada como aque-la de 88, conseguiu um desafogo salarial momentâ-neo. Nesse clima processaram-se as eleições e a no-va chapa Participação, com o professor João Zane-tic como presidente, assumiu num clima de festa.No final da gestão, participamos de comissão ondeo representante da reitoria era o professor Cordani,que elaborou projeto de regulamentação dos con-tratos precários. O projeto acabou engavetado.

Hoje avalio que a gestão 89-91, na Adusp, encer-rou um momento na entidade: o corporativo. E abriuoutro, o da sindicalização, que ainda está em proces-so. Ao mesmo tempo, assistimos a transformaçõesmuito sensíveis no imaginário dos professores univer-sitários, na USP e no país. Penso que saímos de umaconcepção onde predominava a visão estamental parauma encruzilhada onde se debatem, nos corações ementes de todos, visões colidentes: de um lado, umaidentificação crescente com a sorte difícil, às vezesamarga, dos trabalhadores; do outro, a crença em queuma universidade gerenciada possa transformar-nosem vetores de recursos individualizados ou departa-mentalizados, ou nucleares, que tragam prestígio eansiados desafogos. Sei que o debate nas almas é can-dente. Esperemos que as respostas sejam boas e cons-trutivas para o ensino público.

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Escrever um balançode gestão de umaentidade tão com-plexa como é a As-sociação de Docen-tes da USP - Seção

Sindical, ainda mais pela ótica dequem atuou na direção nesse pe-ríodo, não é tarefa fácil. Isso por-que, devido à forte presença e re-conhecimento de atuação da enti-dade junto aos mais diversos seto-res da sociedade, fruto do trabalhodas gestões imediatamente anterio-res, muitos foram os acontecimen-tos que a envolveram, dentro e forados muros da universidade, e, dessaperspectiva, apenas alguns serãomencionados neste breve artigo.

O país vivia sob o comando doprimeiro governo democraticamen-te eleito pelo voto popular desde ogolpe militar de 1964. Se a expecta-tiva face ao que poderia ocorrer eraenorme, a frustração com as primei-ras medidas tomadas pelo novo go-verno foi muito maior. Em função

delas, e como vinham fazendo des-de a posse de Collor, a Adusp e aAndes, esta última envolvida com agreve dos 100 dias dos colegas dasuniversidades federais durante o se-gundo semestre de 91, denunciavame lutavam contra os efeitos nefastosda política antipopular que caracte-rizava o governo federal: a maior re-cessão de nossa história, acoplada aum brutal aumento do desemprego;arrocho salarial; sucateamento daeducação e da saúde públicas; dila-pidação dos fundos para o desenvol-vimento científico e tecnológico; en-fim, submissão total aos ditames doFMI e congêneres. Era o ensaio ge-ral, posto em prática sob a batuta deum maestro desastrado, para a im-plementação dos mais recentes re-ceituários neoliberais. A isso se so-mavam as denúncias da prática decrime eleitoral, que poderia ter im-pedido a própria posse de Collor, ede crime constitucional praticadopor ocasião do assalto às poupan-ças, caracterizando um verdadeiro

estelionato eleitoral. Alguns mesesmais e o somatório dos desmandoscresceria exponencialmente, frutodos fatos que revelavam uma amplaaliança de corruptores e corruptos eque iria gerar a CPI do caso PC Fa-rias. A Adusp participou ativamentedo movimento pelo impeachment dopresidente Fernando Collor, publi-cando uma série de artigos analíticossobre a conjuntura que o país entãoatravessava, organizando, juntamen-te com as demais entidades do cam-pus, um grande ato público – Indig-nação não basta! – que teve lugar naUSP no final de agosto de 92, e par-ticipando também dos eventos na-cionais através da Andes. Como ahistória depois deixou bem claro, ti-rar do covil o monstro gerado pelaselites do país, embora necessário,não era suficiente. Caberia aos tra-balhadores organizados nos seus sin-dicatos a tarefa de construir alterna-tivas políticas significativas. Isso con-tinua a valer hoje, no governo co-mandado pelo maestro Fernando.

JOÃO ZANETIC

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PRESIDENTE ADUSP

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Como não poderia deixar deacontecer, um tema que envolveuparte significativa do tempo de atua-ção da diretoria nesse período foi aluta pela tentativa de preservar o po-der aquisitivo dos salários e recupe-rar perdas passadas. Em particular,visava-se a manutenção de uma polí-tica salarial conquistada ao final dagreve de 88; o acompanhamento dasfolhas de pagamento e planilhas queapresentavam o repasse do ICMSpor parte do governo, a definição doíndice de reajuste mensal e a nego-ciação de data-base em maio, comofora acertado entre os três reitores eas seis entidades representativas dosdocentes e funcionários das universi-dades públicas do Estado de SãoPaulo, em abril de 1991. Tudo issoocorria em reuniões regulares entreas três reitorias e as seis entidades.Em função da necessidade de articu-lar a luta em defesa dos salários,consolidou-se desde então, comoinstrumento representativo de do-centes e funcionários das três uni-versidades, o Fórum das Seis, quepassou a coordenar ações unificadasem defesa das reivindicações co-muns, como foi, por exemplo, a deli-beração pela greve na campanha dedata-base de 1992. Na verdade, oFórum das Seis passou a coordenartambém outras importantes campa-nhas, como a luta por mais recursosorçamentários para as três universi-dades através da Lei de DiretrizesOrçamentárias (LDO), em junho, eda proposta orçamentária, em outu-bro, a defesa do ensino público su-perior de qualidade, entre outras.

No que dizia respeito especifica-mente aos interesses dos docentesda USP, a entidade participou de

atividades e promoveu uma série dereuniões e debates sobre a melhoriado atendimento à saúde na universi-dade: a desativação do Coseas, osrecursos do Iamspe, o atendimentodo Hospital Universitário e gestõesjunto ao Legislativo. Outro assuntoque envolveu a entidade foi a políti-ca arbitrária e autoritária da Cert,com relação às renovações de con-trato dos docentes precários, temaque continua cada vez mais na or-dem do dia. Um tema inusitado quetambém envolveu a entidade foi oepisódio, até hoje ainda pouco es-clarecido, da importação de equipa-mentos superfaturados de Israel.Nesse período iniciamos uma sériede seminários, com professores es-pecialmente convidados para ani-má-los, visando a discussão de te-mas que analisavam o relaciona-mento da universidade com a socie-dade, a produção de conhecimento,universidades de outros países, en-tre outros, buscando construir umprojeto para a USP. Infelizmentenão conseguimos o envolvimento deum contingente mínimo de colegasque dinamizasse mais a proposta,embora tal discussão sempre estejapresente nas reuniões de diretoria ede conselho da entidade. Finalmen-te a Adusp esteve envolvida, comonos anos anteriores, na polêmicadiscussão sobre a Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional, queteve um projeto elaborado, de for-ma inédita em nossa história, porum conjunto de entidades da socie-dade civil que iam de sociedadescientíficas a sindicatos de profissio-nais da educação.

A gestão foi também marcada,nesse período, pela necessidade da

reestruturação organizativa da enti-dade, que se ressentia de falta crôni-ca de recursos que possibilitassemuma maior capacidade de interven-ção da Adusp tanto nas questões sa-lariais quanto nas mais diversas ati-vidades que diziam respeito, diretaou indiretamente, aos interesses dosdocentes da USP. Assim, durante1992, através de amplas discussões edeliberações em assembléias e emreuniões do Conselho de Represen-tantes, foi implantada, em três eta-pas sucessivas, a contribuição sindi-cal mensal de 1% sobre o salário-base. Isso permitiu tirar a entidadedo vermelho, regularizar o repasse àAndes/SN e participar mais ativa-mente de suas atividades, contrataruma assessoria de imprensa quepossibilitou tornar o Jornal daAdusp mensal a partir de setembrode 92, estender a assessoria jurídicaaos campi do interior, reequipar osetor de informática das sedes dacapital e do interior, organizar deforma cronológica e temática os do-cumentos de toda a história da enti-dade, reformar a sede da capital eestabelecer um fundo de reserva pa-ra atividades aprovadas pelo Conse-lho de Representantes.

Quem consultar os boletins, osmurais ou os vários números doJornal da Adusp, certamente vaiencontrar uma série de outros te-mas que, como alertei no iníciodeste artigo, aqui não foram men-cionados. Fecho, utilizando umaidéia contida num artigo da colegaLígia Marcondes Machado, dizen-do que foi tudo um grande esforçopara ver se “podemos passar deobjetos a sujeitos do nosso traba-lho” e de nossa história.

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Édifícil fazer uma avaliação da história daAdusp tão pouco tempo após o términode um mandato na diretoria: os fatosmais recentes parecem muito marcantes etendem a esconder a permanência e con-tinuidade de uma história de lutas. Mas,

de forma complementar, uma análise mais limitadapode ajudar a compreender aquela permanência eapontar o futuro.

A Adusp representa uma parte muito significativadaqueles que, neste país, se dedicam à pesquisa cientí-fica e ao ensino superior público e de qualidade. Por is-so, e também por ter mantido ao longo dos anos umagrande consistência de atuação, ela tem sido uma inter-locutora respeitada de diversos segmentos da socieda-de. E é essa respeitabilidade que tem dado sustentaçãoa nossas lutas. Todas as vezes que nossa capacidade deluta pôde ser mobilizada e se superpôs aos esforços deoutros segmentos da sociedade, conseguimos significa-tivas vitórias ou contribuímos, de forma também signi-ficativa, para a vitória de segmentos mais amplos.

Uma lista exaustiva das lutas encaminhadas pelaAdusp seria muito extensa. Entretanto, a luta pela re-democratização do país, a luta na constituinte esta-dual e o movimento contra a aventura Collor podemservir para ilustrar a participação em movimentosmais abrangentes. Entre os movimentos “menores”,mas mais presentes no nosso dia-a-dia, pode-se apon-tar como exemplos as lutas anuais pela dotação orça-mentária na LDO e pela sua regulamentação na LeiOrçamentária, a permanente campanha pela efetivademocratização da universidade, aí incluídas questõesexternas (como a lei orgânica do ensino superior) einternas (como a democratização e transparência naadministração e na escolha de dirigentes). Comoquestões mais específicas temos o problema salarial,cada vez mais grave e, mais recentemente, a intensifi-cação da luta contra as relações trabalhistas grotescase violentas representadas pelos contratos precários.

A legitimidade dessas lutas é permanentementemantida e conquistada a partir de uma perspectivaque vai do mais geral para o mais específico, for-

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OTAVIANO HELENE

93-95

PRESIDENTE ADUSP

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mando uma cadeia racional de atuação que faz comque a respeitabilidade da Adusp seja ampliada cons-tantemente. A mobilização, por sua vez, tende a serconstruída do mais específico para o mais geral, oque garante a permanente manutenção interna deuma base de apoio, manifestada na mobilização dosassociados, quer diretamente, quer por meio doConselho de Representantes, de grupos de trabalhoou de comissões específicas.

Essa prática de atuação tem permitido uma pos-tura rigorosa e mantido a Adusp próxima de outrasentidades comprometidas com as lutas maiores nestepaís, tanto nos momentos de concordância como nosmomentos de discordância. No período 1993-1995,vimos nossa legitimidade reforçada quando lutamosjuntamente com outras entidades representativas doensino público superior e técnico paulistas agrupa-das no Fórum das Seis, ou quando participamos daAndes, nas lutas mais gerais pelo ensino superior oupor outras questões nacionais mais gerais. E vimostambém nossa posição ser reconhecida quando nosmobilizamos contra a visão equivocada de alguns se-tores representativos dos trabalhadores quanto aquestões tributárias e a importância dos serviços pú-blicos como instrumento necessário para a garantiados direitos de cidadania.

A Adusp esteve presente nos atos, votações e dis-cussões ocorridas na Assembléia Legislativa sempreque os temas diziam respeito ao ensino público emtodos os níveis, à pesquisa científica ou a outrasquestões abrangentes. Também aqui, defendendopropostas e posições mais abrangentes, ampliamosnossa legitimidade.

Essas atuações permitem manter nossa proximida-de de entidades representativas de outros setores detrabalhadores paulistas, reforçando nossas lutas espe-cíficas e contribuindo para lutas mais gerais.

A construção da mobilização se faz do mais especí-fico para o mais geral. Como exemplo, as campanhassalariais têm propiciado momentos significativos demobilização. Centradas nos meses de abril e maio, es-sas campanhas apresentam desdobramentos mais am-plos em junho, nas campanhas em torno da LDO, on-de questões sociais gerais saem dos discursos e pas-sam a integrar as orientações e efetivas prioridades

governamentais para o ano seguinte. Esse é o mo-mento em que nossa luta se funde com as de outrasentidades de forma concreta e objetiva. Não há, aí,possibilidades de desvios; qualquer engano ou mesmodemora na ação pode ter custos significativos e viabi-lizar a derrota de outros setores comprometidos comos interesses maiores da sociedade.

O acoplamento de nossas lutas específicas com lu-tas mais amplas é perceptível nesses momentos, quan-do vemos que a mobilização que dá sustentação paraas primeiras é a mesma que alimenta nossa participa-ção na defesa do tão agredido ensino público de pri-meiro e segundos graus, na luta contra as manipula-ções orçamentárias e cortes arbitrários de recursos ena denúncia e luta contra propostas eleitoreiras de fi-nal de mandato. A campanha salarial de 94 foi ricaem exemplos desse tipo.

Participar de forma mais intensa nessa luta é grati-ficante. Os momentos de frustração são amplamentecompensados pelos momentos de vitória e de maiormobilização, mais freqüentes e mais permanentes doque os momentos de recuo. E, para ilustrar com umou outro exemplo, vemos hoje a intensificação dacampanha contra os contratos precários, uma aumen-to da luta pela democratização e transparência dauniversidade e o sempre presente aumento da per-cepção da importância de acoplar nossas lutas especí-ficas às lutas mais permanentes de toda a sociedade.

Neste momento em que novas agressões são fei-tas aos direitos dos trabalhadores e aos interesse deamplos segmentos da população, à educação públi-ca, gratuita e de qualidade, ao desenvolvimentocientífico e tecnológico do país, aos sistemas previ-denciário e de saúde, a responsabilidade de uma en-tidade como a Adusp cresce ainda mais. No planointerno, vemos a universidade se afastar cada vezmais de suas funções mais básicas e aceitar a estag-nação como um fato natural e até como algo que sedeva incentivar; enfrentamos um centralismo e auto-ritarismo perverso e irresponsável, fundamentadoem um estatuto anacrônico; vemos o ensino sucatea-do de forma drástica e os salários e as condições detrabalho vilipendiadas. Também e especialmenteaqui nossa ação é exigida. E, certamente, a Aduspsaberá responder a essa exigência.

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Para entender a situa-ção na universidadeneste último ano emeio, é importantecompreender o climageral do país. Na estei-

ra de um plano de estabilização eco-nômica, que eliminou o fantasma dainflação à custa de desemprego, al-tas taxas de juros e desequilíbrio nabalança comercial, FHC elegeu-sepresidente no primeiro turno, emoutubro de 94. E, com sua eleição,vieram as propostas de reformas decunho liberal, que visavam reduzir otamanho do Estado, privatizandosuas empresas e retirando direitossociais da classe trabalhadora. Pri-meiro, foram as emendas constitu-cionais da ordem econômica, apro-vadas sem muita resistência do con-gresso e da sociedade civil. Depois,para o encaminhamento das refor-mas previdenciária e administrativa,foram lançados balões de ensaio pa-ra avaliar a reação dos cidadãos, sin-dicatos, centrais de trabalhadores epartidos políticos. Diante da resis-tência encontrada e do calendárioeleitoral, as propostas foram sendoalteradas. Vencido agora o segundoturno, o governo deve intensificarsuas ações para aprovação dessas

reformas, se não for atropelado pe-las negociações em torno da emen-da da reeleição. O pacote de medi-das provisórias, lançado em outu-bro, busca mais causar impacto namídia do que resolver definitiva-mente o déficit do governo. A pro-pósito, a reforma tributária, tãoanunciada durante a campanha pre-sidencial, ainda não foi colocada naagenda; o governo procura resolverseus problemas de caixa cortando osgastos com o funcionalismo, manti-do sem reajuste salarial há quasedois anos. Implanta-se, assim, ao ní-vel federal, uma política de destrui-ção dos serviços públicos que sepropaga aos estados e municípios,por meio de uma política fiscal res-tritiva. Omite-se que os gastos pú-blicos, em termos de porcentagemdo PIB, são muito menores no Bra-sil que nos países do primeiro mun-do, e ignoram-se os efeitos da dete-rioração dos serviços públicos sobreo poder aquisitivo e a qualidade devida da população.

No plano da educação superior,a reforma procura atingir a auto-nomia universitária, retirando-a dacarta magna e inserindo-a numa leiinfraconstitucional. Apesar da re-jeição majoritária de docentes,

funcionários, estudantes e dirigen-tes das universidades públicas, ogoverno insiste com a iniciativa,sob o pretexto de que o princípioconstitucional da autonomia pas-sou a impedir que ele controlasse aqualidade da universidade privada.O mesmo argumento frágil é utili-zado para a defesa do “provão” defim de curso. Ora, sendo a educa-ção superior privada uma conces-são do poder público, caberia aogoverno federal exercer uma fisca-lização contínua sobre as institui-ções privadas.

O estado de São Paulo atravessauma grave crise econômica, cons-truída ao longo das gestões anterio-res e amplificada nos dois últimosanos pela política de juros elevadosdo governo federal; na base de tu-do está a baixa arrecadação do Es-tado, provocada por uma sonega-ção fiscal desenfreada. O espaçoque deveria caber a um estadistaestá sendo ocupado por burocrata-contadores, que cortam despesassem avaliar suas conseqüências.

É evidente que a conjuntura ex-terna tem afetado profundamentea vida universitária neste período.As propostas de reforma da previ-dência social, em maior grau, e da

MARCO A. BRINATI

95-97

PRESIDENTE ADUSP

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reforma administrativa geraramum clima de insegurança e descon-forto, provocando uma elevaçãoacentuada dos pedidos de aposen-tadoria. Muitos docentes, apóslongos anos de dedicação à univer-sidade, sentem que um contratosocial está prestes a ser rasgado;direitos à estabilidade e à aposen-tadoria integral e em regime espe-cial, denunciados como privilégios,podem ser suprimidos.

A crise econômica estadualagrava a situação salarial na univer-sidade, fato que, em conjunçãocom as propostas de modernidade,tem estimulado as saídas indivi-duais. Desta forma, realimenta-se aconcepção de que é necessário ser“competente” para complementaro salário, via bolsas de pesquisa,participação em convênios, cursosde extensão, assessorias e consulto-rias. A crise econômica vem provo-cando a redução do quadro docen-te, pois as vagas abertas com a apo-sentadoria e demissão de docentesnão têm sido preenchidas; a sobre-carga didática só não é mais pro-nunciada porque disciplinas optati-vas ou de pós-graduação deixam deser oferecidas e, além disso, a uni-versidade vem recorrendo a alunosde pós-graduação para ministraraulas, fatos igualmente criticáveis.

Neste quadro, as questões coleti-vas são relegadas ao segundo planoe a capacidade de reflexão crítica sereduz; perde-se a noção de conjuntoe se amplifica a relevância de suaspartes. São implementadas soluçõesque resolvem problemas locais semexaminar seus efeitos globais. Nãose questiona se os docentes em tem-po integral recebem duas vezes pelo

mesmo trabalho ou se o setor priva-do se apropria indevidamente daprodução da universidade pública.Não se questionam também as con-seqüências que esta forma de traba-lho tem sobre as atividades-fim dauniversidade. Os dirigentes incenti-vam, implicitamente, as iniciativaspara trazer mais recursos para auniversidade, mas não se preocu-pam com as suas conseqüências.Tampouco se dispõem a defendercom firmeza os recursos públicosdestinados, na Lei de Diretrizes Or-çamentárias, à universidade.

Em meio a essa transformaçãoditada pela conjuntura externa,outros fatores específicos têm con-tribuído para a desagregação davida acadêmica. Observa-se umacirramento dos conflitos em tor-no do regime de trabalho, que fa-zem com que uma considerávelparcela do corpo docente, sob ris-co de futuras avaliações, acabenão se envolvendo, de forma maisativa, na discussão de questõescentrais da universidade.

O cenário torna-se extrema-mente favorável para que uma ges-tão autoritária imponha, sem mui-ta resistência, uma variada gamade medidas afetando desde a vidaacadêmica e as condições de traba-lho até o direito a atendimentomédico e o acesso ao campus.

Assim, é compreensível que te-nham pouca repercussão as chama-das da entidade sindical, buscandoo envolvimento do docente emquestões salariais, acadêmicas oumesmo relativas à democracia uni-versitária ou às reformas constitu-cionais. Ainda que muitos possamconcordar com as iniciativas da en-

tidade, a poucos é delegada a tarefade sair à luta. Esvaziam-se os gru-pos de trabalho do sindicato, reduz-se a participação e adesão às deci-sões de suas instâncias deliberati-vas. O quadro não é, portanto, mui-to diferente do que se ouve falarem outros movimentos organiza-dos, com raras e elogiosas exceções.

Dentro do contexto pouco pro-pício, foram definidas algumasprioridades de atuação. Como dehábito, duas questões de naturezaeconômica foram objeto de inter-venção da Adusp neste período:negociação salarial e defesa de re-cursos para as universidades. Bemno início da gestão, houve o desfe-cho do embate na Assembléia Le-gislativa em torno da Lei de Dire-trizes Orçamentárias para 1996(LDO/96). Diante de pequena mo-bilização de docentes e funcioná-rios e da omissão dos reitores daUSP e Unicamp, as universidadesofreram uma derrota. Não foipossível vencer a proposta do exe-cutivo estadual de que, em caso deaumento real da arrecadação deICMS, a dotação das universidadesfosse congelada ao nível de 95.Atenuou-se um pouco a perdaconseguindo-se adicionar 2,4% doeventual crescimento de arrecada-ção. Mas, as brechas existentes nalei têm permitido à Secretaria daFazenda uma aplicação tendencio-sa que vem agravando a já precáriasituação econômica das universida-des estaduais paulistas.

Após um ano sem reajuste, pe-ríodo em que os salários atingiram opior nível dos últimos 20 anos, a ne-gociação de data-base de 96 foimarcada pela intransigência dos rei-

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tores. Enquanto o reajuste concedi-do, 7,63%, ficou bem abaixo dasperdas que o próprio Cruesp reco-nheceu, os recursos reservados adespesas de custeio e investimentoem 1996 cresceram 25%, em termosreais, com relação a 1995. Esta con-tradição levou funcionários e docen-tes das três universidades a entrarem greve. A duração e o nível deadesão variaram muito de entidadepara entidade e de um campus paraoutro. Entre os docentes da USP,embora a indignação com o reajustefosse grande e algumas assembléiasfossem relativamente concorridas,faltava a disposição e disponibilida-de para ampliar o movimento epressionar a reitoria e o Cruesp. Adecisão de sair da greve, sem ne-nhum avanço, decorreu da avalia-ção de que já não se conseguia exer-cer pressão forte simultaneamentesobre as três reitorias.

Apesar de seu insucesso paraaumentar o reajuste de data-base, agreve propiciou condições para quedocentes, funcionários e, principal-mente, estudantes das três universi-dades exercessem pressão junto áAssembléia Legislativa durante atramitação da LDO/97. Duas vitó-rias foram obtidas: eliminou-se oredutor de repasse vigente naLDO/96 e barrou-se uma emendaque instituía o ensino pago nas uni-versidade públicas estaduais. A pri-meira delas corre agora o risco deescapar entre os dedos da mão, emvirtude de ardilosa manipulaçãocontábil do governo estadual. Esteprojeto de lei orçamentária nãopretende aplicar a alíquota de9,57% sobre o montante transferi-do pelo governo federal, como

compensação pela isenção fiscal aosprodutos de exportação e bens deativo fixo. Graças à iniciativa do Fó-rum das Seis, foram apresentadas,por partidos da oposição, emendasque corrigem esta distorção, maspara que elas possam ser aprovadashaverá necessidade de exercer fortepressão sobre o Legislativo.

A campanha pela extinção doscontratos precários foi uma dasprioridades estabelecidas pela ges-tão. Essa forma de contratação dedocentes adotada pela USP afrontaa legislação vigente no país e preju-dica a qualidade do trabalho emfunção da insegurança que gera pa-ra os docentes. Esses contratos ser-vem, em muitos casos, como armapolítica nas mãos dos detentoresdo poder para controlar o trabalhoe as decisões de parcela do corpodocente. É necessário romper como status quo, evitando que essa for-ma ilegal de contratação se perpe-tue. A Adusp elaborou uma pro-posta que foi, agora em novembro,submetida a um plebiscito e, poste-riormente, deverá ser apreciada pe-lo Conselho Universitário.

Durante esse período, a Aduspesteve envolvida em diversos ou-tros embates, tanto no plano inter-no quanto externo. No nível inter-no, cabe destacar: a campanha HI-VIDA, pelo atendimento aos HIVsoro-positivos da comunidade daUSP, e a campanha USP Aberta,contra o fechamento do campusnos fins de semana. No plano ex-terno, convém ressaltar: as mani-festações de apoio à reforma agrá-ria e ao MST e a denúncia do mas-sacre em Eldorado dos Carajás; or-ganização e participação no I Con-

gresso Nacional da Educação; par-ticipação em seminários sobre au-tonomia universitária, discutindo aexperiência das estaduais paulistas.

A Adusp participou ativamentedo Congresso da Andes-SN e dosConad’s realizados nesse período,bem como promoveu debate e pre-parou Informativo Extra a respeitoda eleição para a renovação da di-reção do Sindicato Nacional dasInstituições de Nível Superior.

A Revista Adusp, lançada na ges-tão anterior, continuou recebendoos mesmos cuidados e tem tratadode temas polêmicos e atuais comoglobalização, reforma agrária, de-saparecidos políticos, as desigual-dades que caracterizam o nossopaís. Uma edição especial foi dedi-cada a Florestan Fernandes, mos-trando um pouco do seu trabalho etrajetória, e da dor de sua perda.

A Adusp completa seus primei-ros 20 anos num momento em quea conjuntura oferece imensos desa-fios, e, pelo muito que já fez, temcondições de enfrentá-los com su-cesso. No plano interno, já há umainiciativa, em fase final de elabora-ção, para reverter o quadro desfa-vorável: a partir do lançamento deuma proposta de programa para opróximo reitor, espera-se que asquestões relevantes para a univer-sidade passem a ser discutidasmais amplamente.

No plano externo, o caminho émais árduo e requer o estreitamen-to da articulação com o movimen-to sindical, objetivando conseguirrespostas ao processo de globaliza-ção e às propostas de reformas li-berais que melhor atendam à po-pulação brasileira.

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AAdusp comemora vinte anos de suafundação em um momento extre-mamente difícil. Vive-se hoje tem-pos em que discordar, dizer não,soa como uma verdadeira blasfê-mia. A ditadura do pensamento

único está emburrecendo as pessoas, está tentandoa cooptação global em tempos de globalização. Naverdade, vive-se, hoje, uma realidade de autoritaris-mo em um cenário de democracia.

A ditadura militar reprimia com violência, prendia,torturava e matava, mas não havia conseguido domi-nar as mentes. Os professores da USP, conscientes daimportância de resistir e lutar, consideraram funda-mental organizar-se em uma entidade para defender auniversidade, assim como seus direitos de cidadãos.

A Adusp nasce desenvolvendo uma série de lutasem defesa da universidade, a exemplo da denúncia detriagem ideológica na contratação de docentes, efetua-da através do chamado “3º estágio”, sob o comando de

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DITADURA DO PENSAMENTO ÚNICOA ADUSP E A CONJUNTURA NACIONAL

Carlos Eduardo Malhado Baldijão

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um general do exército que dispunha de infra-estruturae existência clandestina no interior da reitoria. Editou,ainda, o “Livro Negro da USP”, no qual expunha, demodo detalhado, as perseguições e a delação existentesnaquele período ditatorial. Mostrava, assim, como ooportunismo carreirista foi responsável, em grandeparte, pela cassação de professores. Naquele mesmoperíodo, consegue-se, com a efetiva participação daAssociação, derrotar um projeto de reforma da univer-sidade, que, já naquela altura, traria para o interior daUSP visões que hoje o projeto neoliberal consagra.

Sua forma de organização e suas lutas servem deexemplo para professores de inúmeras universidadesbrasileiras que, inclusive, solicitaram expressamente acolaboração da Adusp para a organização de suas enti-dades. Após um período de muitas lutas e amadureci-mento do movimento docente ao nível nacional, cria-sea Andes – de início a Associação Nacional de Docentesdo Ensino Superior, hoje Sindicato Nacional. A Aduspcolabora, desta forma, de modo decisivo para a organi-zação dos docentes universitários ao nível nacional.

A partir deste período, nasce um movimento sindi-cal renovado e com novas perspectivas em direção aum sindicalismo livre e autônomo. Organiza-se a lutapor democracia política e econômica; cresce o movi-mento pela anistia ampla, geral e irrestrita. O movi-mento docente nasce no mesmo período e participaativamente de todas essas atividades, ou seja o das lu-tas pela anistia, pelas eleições diretas, da fundação daCUT e da luta pela superação da burocracia e do cor-porativismo sindical. Além disto, e por isto mesmo,reforça a existência de um novo interlocutor na vidabrasileira, fundamentalmente necessário para o avan-ço da democracia: o trabalhador organizado.

O movimento docente acresce e a este acervo delutas incorporam-se uma série de propostas em seucampo específico, que, longe de serem corporativis-tas, procuram colocar a universidade e o trabalho ne-la realizado a serviço da maioria da população. E estanão é uma afirmação estereotipada ou vazia! Seu con-teúdo é expresso na Proposta da Andes e das Associa-ções Docentes para a Universidade Brasileira; nas lu-tas de resistência contra os projetos GERES (GrupoExecutivo para a Reformulação do Ensino Superior)e GRIPE (Gratificação Individual por Produtividade

de Ensino); na defesa da autonomia da universidade;na participação ativa no processo constituinte e naelaboração de um projeto da Lei de Diretrizes e Ba-ses para a educação(LDB); na defesa do Sistema Úni-co de Saúde (SUS), desde sua gestação na VllI Con-ferência Nacional de Saúde e na defesa intransigentedos serviços públicos – entendendo ai o servidor pú-blico como um servidor do público e não do Estado.Enfim, na defesa de uma universidade pública, gratui-ta, laica, democrática e de qualidade.

Hoje, apesar da existência de eleições diretas em to-dos os níveis, apesar da existência de um parlamentoem pleno funcionamento, apesar de uma nova Consti-tuição, o executivo governa por medidas provisórias e oParlamento não cumpre seu papel. Vários artigos daConstituição que exigem legislação complementar deli-beradamente não estão em vigor e muitos artigos auto-aplicáveis até agora não foram aplicados. Apesar disto,estão mudando a Constituição exatamente naquilo emque ela atende aos interesses dos trabalhadores. Direi-tos consagrados universalmente são alcunhados de pri-vilégios corporativos. A necessária presença do Estadona vida das pessoas, não para reprimir nem vigiar, maspara garantir direitos, diminuir diferenças, permitir oexercício da cidadania, é chamada de paternalismo.

A universidade vem sendo atacada através da mí-dia, enquanto as verbas são cada vez mais limitadas.Autoritariamente, través de medida provisória (hojeconvertida em Lei) criou-se o Conselho Nacional deEducação e impôs-se o “provão” como medida para“avaliar” a universidade. Com um projeto de lei quetramitou às pressas, definiu-se o método da escolha dedirigentes universitários e até a composição dos órgãoscolegiados, assuntos profundamente tratados na Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (já aprovadapela Câmara dos Deputados) e que vem sendo torpe-deada pelo governo FHC. Dentre as propostas de re-forma da Constituição, algumas afetarão diretamente auniversidade. A reforma do Estado é uma delas.

Ela é, sem dúvida, um dos temas mais importantesna atualidade e, obviamente, será tratada de acordocom a visão de mundo de seu proponente. A reformado Estado é necessária, em primeiro lugar, para tor-ná-lo transparente e democrático e, em segundo lu-gar, para torná-lo forte e presente na vida das pes-

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soas. Não para reprimi-las, mas para possibilitar aigualdade de oportunidades através dos diferentesserviços que devem ser colocados à disposição da po-pulação, além do estabelecimento de políticas (demodo democrático e transparente) nas mais diferen-tes áreas.

Para isto, é preciso financiar o Estado e dotá-lodos instrumentos necessários para que possa exercercom qualidade e em quantidade necessária as ativida-des que vão permitir a construção de uma sociedadeque se possa chamar de civilizada, sem excluídos, eformada por cidadãos, não por súditos.

Para construir uma sociedade nestes termos é pre-ciso de dinheiro, pois a civilização tem seu preço, eeste preço é conhecido: custa, pelo menos, 45% doProduto Interno Bruto (PIB). Este é, por exemplo, ocusto que os chamados países do 1º mundo pagampara ter qualidade de vida.

As comparações internacionais sobre a prevalênciada pobreza, citadas por Adam Przeworski em artigopublicado na Folha de S. Paulo, do “Luxembourg In-came Studies”, mostram que esta prevalência não serelaciona com a renda média, mas inversamente emrelação aos gastos públicos. Os Estados Unidos, porexemplo, com uma renda per capita de US$ 22.204 egastos públicos da ordem de 38% do PIB, tem 18%de sua população considerada pobre, enquanto a Sué-cia, que tem renda per capita de US$ 16.729 e gastospúblicos da ordem de 59% de seu PIB, possui somen-te 8% de todos os adultos, e apenas 3,2% das famíliascom crianças, consideradas efetivamente pobres.

Nos países europeus os gastos com educação sãopor volta de 7% dos respectivos PIB. No Canadá, es-tes gastos chegam a 8%. Estes países têm uma popu-lação praticamente estável e estrutura física da redeescolar em todos os níveis totalmente constituídas.Assim, o dinheiro é usado na manutenção de sistemasque exigem poucos investimentos em sua expansão.

No Brasil, os gastos públicos representam apenas24% do PIB, sendo que em educação eles significammenos de 4% do PIB. O crescimento populacional éda ordem de 1,6% ao ano, enquanto na maioria dospaíses europeus é de menos de 0,5%. Enquanto isto,não se cumpre o dispositivo constitucional da obriga-toriedade do ensino fundamental. Há um sem-núme-

ro de crianças fora da escola; cerca de 20 milhões deanalfabetos; só 34% dos jovens em idade de cursar osecundário estão matriculados e apenas 1,5 milhõesde jovens no ensino superior.

Enquanto isto, a reforma do Estado brasileirovem sendo tratada de acordo com os valores de mer-cado, e as palavras chaves são: eficiência, eficácia,produtividade, administração, competitividade e,principalmente, flexibilização.

Considera-se que a Constituição de 1988 engessoua administração do Estado, que este é muito grande eque precisa ser “flexibilizado”, “enxugado”,“encolhi-do”. A estabilidade do servidor público seria concedi-da apenas aos setores considerados “funções típicasde Estado”, como as Forças Armadas, a Polícia, a Jus-tiça, a Diplomacia, a Fiscalização e um “núcleo” degoverno responsável pelo planejamento.

Educação e saúde, por exemplo, já que podem serefetuadas pelo setor privado, não são consideradas fun-ções típicas de Estado. Contraditoriamente, todos osdiscursos dos neoliberais afirmam que o Estado deve li-vrar-se de atividades consideradas próprias do setor pri-vado para dedicar-se a áreas como saúde e educação.

Como a prática vem demonstrando, desaparece-ram as políticas sociais (se é que efetivamente existi-ram algum dia) e o governo preocupa-se apenas emadaptar o Estado ao mercado, privatizando-o.

No que se refere às universidades, a proposta étransformá-las em organizações sociais, descritas co-mo organizações públicas não estatais, criadas no âm-bito da sociedade civil e com participação no orça-mento da União, podendo receber outros ingressos,através da prestação de serviços, por exemplo. São or-ganizações de direito privado, criadas na forma defundações ou associações para prestar serviços nasárea de educação, saúde, cultura e assistência social.

A implantação destas organizações é cinicamentechamada de “publicização”. Manifestada a intençãodo ministro de Estado de adotar o “Programa Nacio-nal de Publicização”, é feita a indicação de uma insti-tuição autárquica ou fundacional a ser extinta e re-criada como entidade pública não estatal. Esta enti-dade, uma vez registrados seus estatutos em cartóriocivil de pessoas jurídicas, é quem define a composiçãodo Conselho Curador, encabeçado por “pessoas de

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notória capacidade profissional” e “elevado espíritopúblico”. O Conselho Curador designa os dirigentesda Organização Social, dispõe sobre sua estrutura,define suas diretrizes e objetivos, após autorização le-gislativa, e assina-se um contrato de gestão.

A admissão de pessoal pelas organizações sociaisse fará, exclusivamente, sob o regime da Consolida-ção das Leis do Trabalho – CLT. Os servidores públi-cos em exercício nas Autarquias e Fundações Públicascujas atividades forem transferidas para as Organiza-ções Sociais teriam garantidos seus direitos decorren-tes dos respectivos regimes jurídicos, integrariam qua-dro especial do ministério cor-respondente, com cessão semônus para a Organização Social.

A imaginação corre solta nes-tes tempos de neoliberalismo. Auniversidade brasileira, que vemsendo sucateada, aliás, como to-do o serviço público, há anos ne-cessita de apoio e projetos sériosno sentido de sua recuperação,assim como precisa manter seucaráter público como dever doEstado e direito do cidadão.Precisa manter sua autonomiapara que possa exercer devida-mente a indissociabilidade entreensino, pesquisa e extensão.Precisa de democracia interna,para que as diferentes visões te-nham garantia de expressão, precisa de financiamen-to e necessita expandir o número de vagas públicas.

Não é privatizando a universidade pública que sevai garantir a qualidade do ensino e, menos ainda, daprodução científica. Não é a visão gerencial nem oconceito de qualidade total, embutido nas expressõeseficiência, eficácia, produtividade, sem definir emfunção de que e de quem, que permitirá à universida-de servir de maneira adequada aos interesses da gran-de maioria, hoje excluída.

Uma reforma de Estado deveria passar por umareforma tributária de caráter progressivo que per-mitisse uma justa arrecadação de impostos e formasclaras de devolvê-los à população através de servi-

ços públicos de qualidade, com pessoal em númerosuficiente, bem qualificado e bem remunerado.Desta forma o Estado teria as reais condições dedesenvolver políticas públicas que, nas mais diferen-tes esferas, gerem empregos, salários, produção debens materiais e culturais, e que possibilitam o tra-balho e o lazer. Nesta perspectiva, a universidadetem papel fundamental. Seu caráter efetivamentepúblico é decisivo para seu envolvimento, de manei-ra autônoma, em um projeto de desenvolvimentosoberano para o país

Vive-se a década de 90 como se fosse ainda o iní-cio dos anos 70. Naquela época,as pessoas eram caladas pelarepressão. Hoje, pode-se atégritar, mas os gritos ainda nãofazem eco. A visão do fim dahistória, do fim das ideologias,bastante impregnada no pró-prio interior da universidadefortalecida pelo poder da mídiae seu uso ideológico pelas clas-ses dominantes, tem afastadoqualquer possibilidade de visãoplural de mundo.

É nesta difícil conjuntura quea Adusp completa seus vinteanos, e agora, mais que antes, sefaz necessária a sua existência,reformulada para poder resistire superar o isolamento a que es-

tão submetidas as entidades e as pessoas que perce-bem a necessidade e que tem a coragem de dizer não.

Dizer não à ditadura do pensamento único, dizernão ao ideário e à prática neoliberal que atentamcontra a felicidade dos homens, que favorecem a ex-clusão. O movimento docente ao nível nacional tem adifícil tarefa de trabalhar na reaglutinação do movi-mento social organizado, na divulgação de suas ban-deiras, para que possam ser discutidas e renovadas,assim como precisa ser renovada a esperança na pos-sibilidade da construção de um mundo melhor.

Carlos Eduardo Malhado Baldijão é professor da USP.Foi secretário-geral da Adusp (77-79), e presidente daAndes (90-92).

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A universidade brasileira,

que vem sendo sucateada,

aliás, como todo o serviço

público, há anos necessita

de apoio e projetos sérios

no sentido de sua

recuperação, assim como

precisa manter seu caráter

público como dever do

Estado e direito do cidadão.

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SENTINELA

Lígia Marcondes Machado

Ainda bem que não sou socióloga, nem

historiadora e menos ainda economista.

Sendo assim, não preciso entender de

sindicalismo para me colocar como

sindicalista: posso falar da minha

experiência, do que sinto e do que vejo. É

desta posição privilegiada – por que

comprometida com minhas próprias

idéias e crenças, e a partir da minha

própria militância – que quero dizer um

pouco do que penso da Adusp nestes

tempos difíceis.

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Sindicato cheio, assem-bléias com bastantepúblico, reivindicaçõesfortalecidas pela pre-sença maciça da cate-goria não são uma

utopia. A gente já viu acontecer is-so antes e não tem muito tempo.Quem não se lembra – pelo menosos da nossa geração – da greve de79 na USP? Ou das greves dos me-talúrgicos do ABC? Ou dos gran-des e fortes greves da Petrobrás?O que havia, então, e deixou dehaver, ou o que há agora que nãoexistia na época?

Não tenho a pretensão deapontar variável por variável deum fenômeno denso, multideter-minado e multifacetado. Mas,acho que nossa função de cientis-ta é exatamente a de buscar en-tender o mundo a nossa volta. Enão apenas aquele pedaço demundo que a gente pode ver nolaboratório... Então, me arrisco apensar alto e bom som.

Retrospectivamente, é fácil lo-calizar a marca da época a queme referi. Estávamos sob uma se-vera ditadura militar, que apenasse propunha a uma abertura lentae gradual. Quem se metia no tra-balho sindical, em greve ou não,estava correndo riscos ou dispos-to a corrê-los. Estava se identifi-cando com e como um grupo que,acho eu hoje, mais se caracteriza-va por oposição.

Era um grupo que se opunha àditadura – ameaça externa – porpensamentos, palavras e obras. Agrandeza deste grupo se refletiu nomovimento pelas diretas-já, nafundação do Partido dos Trabalha-

dores, que podia ser e se assumiacomo um partido de oposição.

De um certo ponto de vista, eramais fácil fazer um trabalho sindi-cal. Portas e assembléias abertas, otrabalhador participava porque eraquase sempre o seu grupo se mani-festando. Como Chico Buarquepercebeu e manifestou com a com-petência de sempre, éramos “nóscontra eles” e podíamos dizer“apesar de você, amanhã há de seroutro dia... A minha gente hoje an-da...” O sindicato estava cheio deassociados efetivamente partici-pantes das lutas, das reivindica-ções, das eleições internas, do dia-a-dia da atividade sindical. O tra-balhador lia, discutia, se informa-va, se organizava em bases sólidase perspectivas amplas. E o movi-mento sindical crescia num fluxoorganizado e abrangente.

À medida que o tempo foi pas-sando, novos/velhos ingredientesforam se misturando a este fluxo.Em primeiro lugar, a ditadura,aparentemente, mudou de mãos.Deixou de ser comandada pelosmilitares e passou para o comandodireto dos grandes grupos econô-micos. E, no processo, descaracte-rizou-se aos olhos do povo comouma ditadura. Temos eleições, te-mos debate “político”, temos parti-do de esquerda; que sentido teria,então, falar em ditadura?

Era como se a “minha gente”estivesse agora com a concretapossibilidade de tomar as decisões.Para favorecer esta impressão, osdemocratas de hoje são os ditado-res de ontem, travestidos de porta-vozes da democracia. Quem não selembra de Paulo Maluf, Marco

Maciel, José Sarney e cia., de ou-tros tempos e mesma ideologia? Ocontinuísmo, naturalmente, signifi-cou e significa construir uma casa“nova” em cima de fundaçõescomprometidas.

Mas, a confusão entre essênciae aparência acabou por, de fato,enganar muitas pessoas. E gerouum discurso descolado da realida-de. Pior, um discurso velho: o Bra-sil precisa crescer, o Brasil precisase modernizar, tem que se abrir aomercado internacional, critério, ár-bitro e fermento atual do mesmobolo que um dia será dividido. Selembram disso?

Alguns de nós nos lembramos.Para alguns está presente: “tododia ela faz tudo sempre igual...”(Chico Buarque, Cotidiano). En-tre os que se lembram, há os quese calam “com a boca cheia defeijão” (idem, idem). Mas, há,também, quem desatina e, nova-mente como o Chico Buarque diz,“viu chegar quarta-feira, acabar abrincadeira... mas ainda está sam-bando...”

E sambamos, nos manifestamos,nos exprimimos, nos opomos por-que acreditamos que temos umaproposta melhor para todos nós.

Não podemos aceitar, basica-mente, que a nossa vida tenha che-gado a valer tão pouco quanto ho-je. Não vou repetir estatísticas, osjornais estão cheios delas, mas vi-ver em uma cultura na qual o ho-micídio é a principal causa da mor-te entre jovens de 15 a 24 anos de-veria nos deixar preocupados. Tra-ta-se de um dado revelador porquemostra o assassinato como a ter-ceira causa de morte na cidade de

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São Paulo, uma proeza que nostorna os campeões no Brasil.

E porque São Paulo seria privi-legiada? Acho que são questõescomo esta que não nos deixam es-quecer, que fazem com que algunssigam se lembrando sempre. Nãopodemos conviver com este tipo dedado sem localizar a distorção quelhe dá origem. E essadistorção se chamadesigualdade. Umadesigualdade maisevidente em SãoPaulo? É possível.

Enquanto essa de-sigualdade persistir,temos que continuarlembrando. E lutan-do. É nossa – nossa,de quem vê e é capazde enxergar – luta.

Mas, são poucosos que se lembram eenxergam. Os sindica-tos se esvaziam ou setransformam em grê-mios, mantidos ape-nas pelas vantagensque conseguem paraseus associados. E ca-dê o povo? Cadê ofluxo? Cadê as assem-bléias cheias do tempo em que com-parecer a assembléias era perigoso?

O povo está vivendo o pesadeloda violência, aquela mesma queacaba coma a vida dos jovens. Estácomprando carros importados outrabalhando duro – quem tem em-prego – porque acredita que estávivendo um regime com oportuni-dades iguais para todos. O povoacadêmico está escrevendo e escre-vendo papers e produzindo teses ou

trabalhando para estar em condi-ções de fazê-lo, sozinho, individual-mente. Cada um na sua. Mais doque isso: cada um contra o outro.Como dizem Márcio e Lô Borges,fazendo girar “a roda da fortuna,que mói a vida, mói o sonho, mói opão...” Porque, em terra de desi-gualdade, quem está por cima é

rei... Essa é a atitude que esvazia ocoletivo, que mata o solidário.

Entender o vazio, por um lado,é dureza. “Desilusão, desilusão,danço eu dança você na dança dasolidão”, como diz Paulinho daViola. Mas, por outro lado, tornaprivilegiado quem entende: o mero(?) exercício da compreensão tor-na especial o estar no mundo. E, seo privilégio é o da sabedoria, en-tender transforma o entendedor

em responsável.Responsável por sua análise,

responsável por seu contraponto,responsável por colocar na rodasua visão alternativa.

É aí que estão as pessoas quecontinuaram discutindo e avaliandoas transformações deste país, destetempo, desta cultura. É aí que estão

as pessoas que semantiveram quandorefluíram as massasdos sindicatos e dosmovimentos popula-res. Num papel soli-tário talvez, emboramenos solitário doque aquele de quemestá seguindo as nor-mas de se tornar al-guém. Num papel du-rão, porque é precisoter a dureza da cora-gem para se oporquando e onde neces-sário. Num papel ter-no – “hay que endure-cer pero sin perder laternura” – porquecompreensivo, por-que solidário, porquealiado ao companhei-ro de jornada, por-

que disposto a dividir, a repartir.Para mim, um papel de senti-

nela. Aquela sentinela que é guar-diã, que se dispõe a preservar, quese dispõe a repartir. Sentinelapara a vida.

Fernando Brant me ajuda a de-finir a sentinela atuante, a sentine-la que prepara e não apenas espe-ra. Ainda que no refluxo.

Lígia Marcondes Machado é professo-ra do Instituto de Psicologia da USP.

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“... Sentinela sou

do corpo do meu irmão que já se vai

revejo nessa hora tudo que ocorreu

memória não morrerá

...

longe, longe ouço essa voz

que o tempo não levará

...

a morte ainda não vai chegar

se a gente na hora de unir

os caminhos num só

não fugir nem desviar...”

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Embora organizados em entidades re-presentativas autônomas e indepen-dentes, os docentes e técnicos-adminis-trativos da USP, Unicamp e Unesp de-têm uma história rica em campanhasdesencadeadas unitariamente. Os

exemplos são muitos e vão desde as lutas imediatas àsquestões mais amplas: nas campanhas salariais, quan-do negociavam diretamente com o governo do estado(até o final de 1988) ou com as reitorias e o Conselhode Reitores das Universidades Estaduais Paulistas -Cruesp (após a implantação da autonomia universitá-ria, a partir de 1989); nas empreitadas pela democra-tização das universidades, seja nas reformas dos esta-tutos ou na tentativa de eleição de dirigentes universi-tários; a luta em prol da escola pública e por umaLDB voltada aos interesses da maioria da população

brasileira. A defesa da universidade pública, gratuitae de qualidade foi tema de inúmeras lutas, como o“SOS Universidade”, na greve de 1988. A atuaçãocom outros sindicatos, em movimentos na defesa dosinteresses do conjunto dos trabalhadores, também re-gistrou momentos significativos.

Em todas as suas atividades, as entidades repre-sentativas das três universidades estaduais paulistasprocuram respeitar as suas instâncias deliberativas(diretorias, conselhos, assembléias e congressos) parapautar suas atuações. Em nível geral, integram-se emorganizações nacionais. No caso das entidades dostécnicos-administrativos, organizam-se na Federaçãode Sindicatos de Trabalhadores das UniversidadesBrasileiras (Fasubra). As seções sindicais de docentesestruturam-se na Associação Nacional dos Docentesdo Ensino Superior - Sindicato Nacional (Andes-SN).

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O FÓRUM DAS SEISE O FUTURO DAS UNIVERSIDADES

José Luís Pio Romera, técnico-administrativo do Instituto de Artes da Unicamp,assumiu, este ano, pela segunda vez, a coordenação do Fórum das Seis, entidade

representativa de docentes e funcionários das três universidades estaduais paulistas. Aoanalisar a importância e a atuação do Fórum, ele avalia as vitórias e derrotas, e apontapara a necessidade de se reavaliar os métodos de atuação. Segundo ele, o Fórum pode,

e deve, ampliar o debate no interior da USP, Unicamp e Unesp, e interferir de formamais efetiva nas lutas gerais da vida política nacional.

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Tanto esta última quanto a Fasubra são filiadas àCUT e compõem o Departamento Nacional de Tra-balhadores em Educação (DNTE), em conjunto comCONTEE, Sinasefe e CNTE, que neste último perío-do realizou o I Congresso Nacional de Educação (IConed), em unidade com entidades científicas e estu-dantis, em Belo Horizonte, que reuniu mais de 5 milparticipantes e produziu as diretrizes para um planonacional de educação.

A semelhança entre as entidades de docentes e téc-nicos-administrativos e o fato de atuarem em universi-dades estaduais públicas fez com que, em muitas daslutas descritas acima e diversas outras, atuassem con-juntamente. Como consequência, ambas as categoriastambém se aproximaram. Chegaram a se constituirdois fóruns: um das três entidades de técnicos-adminis-trativos e outro das três entidades docentes. Com o ad-vento da autonomia universitária, conquistada na grevede 1988, as negociações saíram do âmbito do funciona-lismo estadual, e o interlocutor para as questões sala-riais passou a ser o Cruesp. Vale ressaltar, no entanto,que as pressões sobre o governo do estado, bem comosobre a Assembléia Legislativa, continuaram a fazerparte das nossas lutas, principalmente por ocasião dasvotações da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),que define as verbas para as três universidades.

Essa conjunção de fatores acabou por favoreceruma aproximação logística entre as seis entidades, le-vando ao surgimento do Fórum das Seis Entidades(Adunicamp, STU, Adunesp, Sintunesp, Adusp e Sin-tusp). Os técnicos-administrativos e os docentes doCentro Estadual de Ensino Tecnológico Paula Souzaacompanharam as lutas encaminhadas pelo Fórumdesde a sua formação. Em 1993, o Sindicato dos Tra-balhadores do Ensino Tecnológico Paula Souza (Sin-teps) passou a integrá-lo formalmente.

Em sua recente existência, o Fórum das Seis Enti-dades foi vitorioso em diversas lutas. Entre elas, po-demos citar a batalha pela ampliação de verbas naLDO, em 1991, quando nossa greve conquistou a mu-dança do percentual de repasse da arrecadação doICMS de 8,4% para 9,0% para a USP, Unicamp eUnesp. Na LDO de 1994, o percentual foi de 9,0%para 9,57%, além da implantação de uma política sa-larial após o Plano Real, que não foi cumprida total-

mente pelos reitores. Na greve de 1996, apesar de nãoconquistarmos a reposição salarial desejada, tivemostambém vitórias, como por exemplo a retirada daemenda do deputado Vaz de Lima (PSDB), que pro-punha a cobrança de mensalidades na USP, Unicampe Unesp; conseguimos, também, descongelar o orça-mento para 1997, derrotando o governo Covas na As-sembléia Legislativa. É preciso ressaltar, neste últimomovimento, a grande participação dos estudantes nagreve e nos atos, o que contribuiu para as vitórias naAssembléia Legislativa; isso demonstra que o Fórumdas Seis soube dialogar com este segmento, conduzin-do unitariamente as atividades.

É fato que na questão salarial perdemos cerca de 2/3do nosso poder aquisitivo desde a autonomia. Mas é fa-to, também, que os picos salariais ocorreram nas datas-base onde o movimento foi mais forte. Mesmo nos mo-mentos de folga financeira, os reitores só concederamreajustes significativos quando estivemos em greve.

Embora tenhamos enumerado significativos aspec-tos positivos, podemos perceber falhas e insuficiên-cias de várias esferas no Fórum das Seis Entidades.Vamos a elas.

Alguns aspectos importantes, até mesmo para am-pliarmos a compreensão da necessidade e da legiti-midade do Fórum, ainda são tratados inadequada-mente nas reuniões. Vejamos dois deles: em primeirolugar, a organização sindical e a relação das entida-des integrantes do Fórum com a base; em segundo, asua intervenção do ponto de vista acadêmico e da po-lítica geral do país.

O Fórum das Seis constitui-se numa forma de orga-nização sindical desatrelada da estrutura oficial, criadapor Getúlio Vargas. Isso não faz, no entanto, com quesupere os vícios do sindicalismo oficial. Tomemos comoexemplo a sua relação com a base sob dois aspectos: acomunicação e a democracia nos processos de delibe-ração. Os poucos boletins produzidos pelo Fórum têmcumprido o importante papel de repassar à comunida-de universitária os dados econômicos e as diferentesformas de interpretação dos orçamentos das universi-dades; têm conseguido, também, atingir o objetivo dedemonstrar que, sistematicamente, o que tem impedi-do os técnicos-administrativos e docentes de teremseus salários reajustados não é a insuficiência de ver-

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bas, mas sim a política desenvolvida pelos reitores dastrês universidades estaduais paulistas e pela superin-tendência do Centro Paula Souza. Temos conseguidomostrar que nossos administradores seguem as “orien-tações” do governo estadual, que, por sua vez, sequervem cumprindo a LDO no que se refere aos repassesde verbas originárias da arrecadação do ICMS. Mas osboletins têm se limitado a este papel.

O que queremos dizer é que a análise da conjuntu-ra política, do papel da universidade pública e da ne-cessidade de sua democratização, ainda está colocadaem segundo plano. Esta situação – reflexo da críticaque faremos mais adiante a respeito do estilo de in-tervenção política e acadêmica do Fórum – é, a nossover, um dos geradores das crises internas ocorridasnas lutas das datas-base e LDO’s anualmente.

É preciso, também, tocar na questão da democra-cia do Fórum. É verdade que, em sua história, ele ja-mais se viu questionado por encaminhar lutas e açõesdistantes das perspectivas de sua base. Isto deve-se àsensibilidade das direções de cada sindicato, que de-vem ser reconhecidas e fortalecidas. No entanto, ostrabalhadores das universidades não podem ficar àmercê da capacidade das direções de suas entidades.Embora consensual no Fórum, a existência de plená-rias deliberativas de base ainda não é uma realidadeno encaminhamento conjunto de nossas lutas. Quei-ramos ou não, isso pode levar à repetição de vícios

que criticamos na Central Única dos Trabalhadores,principalmente o fato de a direção do movimentosentir-se suficientemente representativa para delibe-rar sobre questões que atingem a vida dos trabalha-dores. Esta metodologia pode abrir espaços para dis-torções fenomenais, onde a distância entre a vontadeda base e a percepção de suas direções é monstruosa.O exemplo da negociação da reforma da PrevidênciaSocial, promovida pela CUT, está aí para comprovar.

Mais grave, porém, que os problemas organizati-vos é a atuação política e acadêmica do Fórum dasSeis. É preciso reconhecer que há uma preocupaçãoefetiva em relação a esta questão. Basta verificar osseguidos documentos às instâncias acadêmicas e con-selhos universitários, a defesa do caráter público dasuniversidades, a presença de nossos representantesem Brasília e na Assembléia Legislativa, defendendoquestões de interesse dos trabalhadores em geral.

Observe-se o seguinte fato: USP, Unicamp e Unespsão responsáveis por cerca de 60% da produção da pes-quisa nacional. Têm, entre seus docentes (em especial),estudantes e técnicos-administrativos (em menor esca-la, dentro da realidade que os coloca como meros aces-sórios na vida das universidades), grandes pensadoresda política desenvolvida ao nível nacional. Difícil expli-car, assim, que o Fórum não tenha a atuação política eacadêmica desejada em questões fundamentais para auniversidade pública e a população que a sustenta.

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Professores e funcionários da Unicamp, USP e Unesp votam pela continuidade da greve em 1996.

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Vamos a um exemplo: os hospitais universitáriosvinculados às universidades federais vivem uma cri-se profunda (segundo dados da Fasubra e da An-des), devido ao descaso do governo FHC. Já os hos-pitais universitários paulistas, em vez de cumprir opapel de hospitais-escola (por exemplo, pesquisan-do prioritariamente a cura para males do nosso sé-culo, como a Aids), desempenham a função degrandes centros de saúde, substituindo a responsa-bilidade das prefeituras de suas regiões. Estas, porsua vez, satisfazem a população transportando pa-cientes em ambulâncias e ônibus para os hospitaisuniversitários. Temos a certeza de que as universi-dades e o Fórum das Seis têm acúmulo suficientesobre o funcionamento do SUS. Além de discutir aquestão salarial, o Fórum também deve interferirneste e em outros temas.

Os dados estatísticos comprovam que o ingressode trabalhadores na universidade pública é bastantesuperior ao que afirmam os defensores da cobrançade mensalidades. Contudo, é inegável que as universi-dades públicas paulistas não têm entre seus estudan-tes a proporção de trabalhadores e negros, por exem-plo, que encontramos na sociedade. É fato que pode-mos interferir nestes assuntos e que nossa atuação,hoje, é insuficiente.

Numa conjuntura onde a defesa do Estado míni-mo é a grande moda do momento, organizações co-mo o Fórum das Seis adquirem papel fundamentalna relação com a população e com o futuro do ser-viço público.

O governo FHC – que tem em suas principaispastas, não por acaso, quadros oriundos das univer-sidades estaduais paulistas – baixa pacotes e medi-das que destroem a educação pública, a vida dosaposentados, desconsidera direitos adquiridos, eli-mina postos de trabalho, incentiva demissões volun-tárias (que, invariavelmente, têm sido responsáveispela perda de parte significativa dos melhores pro-fissionais do serviço público). A população será aprincipal atingida por esta política que vem sendoimplementada, cujo principal objetivo é a destruiçãodos serviços públicos e a transferência de seu patri-mônio para a iniciativa privada.

As universidades produzem pesquisa de ponta em

diversas áreas. Temos que intensificar a luta para queo fruto dessas pesquisas seja usufruído pela popula-ção que a sustenta.

Combatemos cotidianamente a destruição dosserviços públicos de saúde e educação, mas é precisoampliar essa atuação e envolver a população, aju-dando no resgate da qualidade e tornando os servi-ços prestados cada vez mais ascessíveis à maioria,nos postos de saúde e escolas dos bairros e cidadescuja localização justifique a ação das universidades.Assusta perceber que, num futuro bem próximo, odesemprego estrutural e o subemprego, conseqüên-cias do projeto neoliberal de FHC, atingirão níveiscatastróficos, superiores aos já alarmantes índicesregistrados hoje.

O Fórum das Seis tem todas as condições paracontribuir mais com esse debate dentro e fora dasuniversidades, já que a existência de serviços públicosé de fundamental importância para a sobrevivênciados excluídos. As universidades, em especial, podemgerar políticas opostas ao receituário neoliberal.

Há quem defenda, certamente influenciado pelasdebilidades elencadas, que o Fórum das Seis já teriacumprido o seu papel histórico. Estamos na outraponta deste debate. Temos a convicção de que o Fó-rum deve criar espaços de discussões, estudos e defe-sa de um projeto para a universidade pública e para asociedade brasileira. Deve buscar, também, gerar al-ternativas de prática sindical radicalmente democráti-ca e emanada da organização da comunidade univer-sitária. O Fórum deve aceitar o desafio de apontarpara o movimento sindical e para a esquerda do Bra-sil que é possível, mesmo numa conjuntura política eeconômica internacionalmente desfavorável, sair dapostura defensiva que tem pautado sua atuação nosúltimos anos para a interferência prática, via movi-mentos sociais, na agenda político, econômica e aca-dêmica de nosso país.

Cúmplices e partícipes destes problemas e desafios(até mesmo porque assumimos a tarefa de coordena-ção do nosso Fórum pela segunda vez), estamos dis-postos a contribuir para a superação de todas as nos-sas debilidades e consolidar definitivamente o Fórumdas Seis como responsável no encaminhamento demuitas lutas vitoriosas. RRA

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Neste ano em que secomemora o 20º ani-versário da Adusp ese relembram mui-tas lutas e vitóriasimportantes, uma de

suas atuações mais significativas de-ve ser ressaltada: a criação do Insti-tuto de Estudos Avançados (IEA). Eum pouco dessa estória será aquicontada. Na mesa-redonda sobre afundação da Adusp, publicada origi-nalmente na revista Ciência e Cultu-ra, da SBPC, e republicada como en-carte especial nesta edição da Re-vista Adusp, narra-se a trajetória daentidade até meados de 1983. Po-rém, a proposta de se fazer um Insti-tuto de Estudos Avançados somenteganhou corpo em 1986.

A idéia surgiu em 1979, por oca-sião da anistia aos professores apo-sentados por Atos Institucionais, e foiinspirada no Institute for AdvancedStudies, que abrigou Albert Einsteine muitos outros cientistas refugiadosdas perseguições nazi-fascistas. Osprofessores afastados da USP poratos da ditadura militar iriam encon-trar uma universidade completamen-te diferente daquela que deixaram, eo papel do novo Instituto seria o defacilitar o retorno à USP destes inte-lectuais e cientistas, que se situaramentre os melhores do país.

Esta idéia somente teve seqüên-cia em 1982, durante a gestão doprofessor José Jeremias de OliveiraFilho (da FFLCH) na presidência daAdusp, quando foi criada uma co-missão de estudos composta pelos

professores Mário Schenberg (IF),Crodowaldo Pavan (IB), AlbertoCarvalho da Silva (ICB), AlbertoLuiz da Rocha Barros (IF), Alexan-dre Martins Rodrigues (IME) eNewton da Costa (IME). No II Con-gresso da USP, a idéia foi apresenta-da e aprovada. Posteriormente ogrupo de estudos instaurador doIEA foi designado pelo reitor JoséGoldemberg, e, em 29 de outubro de1986, foi oficialmente criado o IEA.Esse grupo de estudos era integradopelos professores Alberto Carvalhoda Silva, Alberto Luiz da RochaBarros, Roberto Leal Lobo e SilvaFilho e Carlos Guilherme Mota.Quando o professor Roberto Lobofoi escolhido para vice-reitor, seu lu-gar na comissão foi ocupado peloprofessor Gerhald Malnic, que tinhasido vice-presidente da Adusp.

O IEA teria por objetivos a discus-são dos grandes temas de nossa épo-ca, o conhecimento e a pesquisa devanguarda, favorecendo o encontrode pesquisadores de áreas diversas,de forma a fazer surgir uma interdis-ciplinaridade e uma carga de origina-lidade que viria com a mesma. Alémdisso, num país onde muitos intelec-tuais de envergadura não possuem tí-tulos universitários, objetivava-se umaintegração mais ampla de culturas.Assim, iriam diminuir as barreirasque por vezes os títulos criam, em vezde estimular o convívio acadêmicoaberto, democrático e crítico, pois auniversidade existe para gerar Ciênciae Cultura e não para a obtenção decargos. Propunha-se o aprofunda-

mento da crítica, que romperia com"o burocratismo" generalizado que to-mava conta da USP e a retirava do ce-nário cultural brasileiro, fazendo-a ca-minhar para a mediocrização total.Procurava-se criar um clima intelec-tual parecido com aquele que surgiucom a fundação da antiga Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras, com avinda dos grandes mestres.

Também seria preocupação fun-damental do IEA o estabelecimentode políticas científicas, tecnológicase culturais numa perspectiva de usosocial melhor do conhecimento, nu-ma articulação adequada entre auniversidade e a sociedade.

A Adusp, com a criação desteinstituto, realizou uma proeza tãosignificativa quanto a antiga Asso-ciação de Auxiliares de Ensino, que,sob a presidência do professor Al-berto Carvalho da Silva, propiciou acriação da Fapesp, dando corpo àLei Caio Prado Jr., que destinava0,5% do orçamento do Estado deSão Paulo para a pesquisa científica.

No atual combate da Adusp pormelhores salários para os professorescomo forma de defender o tempo in-tegral, ou seja, a dedicação exclusiva àdocência e à pesquisa, responsávelpela projeção cultura e científica daUSP no cenário nacional e internacio-nal, é importante relembrar o grandesignificado do IEA para a universida-de, que visa alcançar o mesmo fim.

Alberto Luiz da Rocha Barros foi se-cretário-geral da diretoria da Funda-ção da Adusp e é professor do IF.

A CRIAÇÃO DO IEAAlberto Luiz da Rocha Barros

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Galer ia

DEPOIMENTOS & FOTOS

Depoimentos concedidos a Christian Carvalho

ANTONIO CANDIDO“Fui vice-presidente da Adusp de 1977 a 1979, e

nessa qualidade participei da primeira grande grevedos professores de ensino superior no Brasil. Há

muitos anos não tenho contato com a Adusp. Na faseem que fui ativo, ela me parecia um instrumento

poderoso de tomada de consciência dos professoresuniversitários em face das novas condições da vida

social do Brasil.” Antonio Candido de Mello e Souza,professor aposentado de Teoria Literária e Literatura

Comparada da FFLCH. Docente da USP desde 1942.

Em abril de 1978, a Adusp promoveu o “Dia do Protesto”.

Carlos Namba/Abril Imagens

Daniel Ruiz Garcia

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DALMO DE ABREU DALLARI

“A Adusp surgiu num momentode luta, e desde logo se colocouem uma posição de vanguarda.

Foi firme em relação aoproblema político da época,

exigindo constitucionalização dopaís. Mas ao mesmo tempo

manteve uma intensa discussão arespeito da democratização da

universidade. Em face daevolução brasileira daquele

período, poder-se-ia dizer que aAdusp foi uma das forças que

contribuíram para maiorconscientização dos

universitários. E depois, superadaa fase mais crítica, restringiu-se à

questão da universidade. Mas,sem dúvida, ainda tem um papelmuito significativo na busca da

universidade eficiente edemocrática.” Dalmo de Abreu

Dallari, professor-titular deTeoria Geral do Estado da

Faculdade de Direito. Docente da USP desde 1963.

ERMÍNIA MARICATO“A Adusp sempre foi espaço de

resistência à deterioração doensino, à retração, ao fechamento.Tem cumprido papel importante

nesse aspecto, mas não temlogrado fazer com que a

universidade se abra mais àsquestões sociais e democráticas.Não que tenha deixado de lutar

por isso. Vem se esforçandobastante. Infelizmente não

consegue romper com a alienaçãoem relação aos grandes problemas

brasileiros. Precisamos nosaproximar mais da sociedade.”

Ermínia Therezinha MenonMaricato, doutora do

Departamento de Projetos da FAU.Docente da USP desde 1974.

Ao alto, Simão Mathias, Mílton Campos, Carolina Bori,Dalmo Dallari (assessor jurídico), Domingos Valente,Crodowaldo Pavan, Rocha Barros e José Jeremias,integrantes da primeira diretoria da Adusp, 1976.Abaixo, em 94 e 88, policiais militares posicionam-separa barrar manifestação de docentes.

Geraldo Nunes

Daniel Ruiz Garcia

Luiz Henrique

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RENATO JANINE RIBEIRO“A Adusp teve muita importância no processo deredemocratização do país. Mobilizou professorese rompeu com a burocracia da USP, surgindo emum contexto no qual o poder estava concentradonas mãos de um pequeno grupo fechado. Creio

que nesse ponto merece destaque e granderespeito o trabalho do professor Modesto

Carvalhosa, o primeiro presidente eleito daAdusp. Atualmente ela está um tanto esvaziada.

Prova disso é que não tem havido grandesassembléias, mobilizações e nem boas

competições por sua diretoria. A Adusp hojepadece do mesmo mal que tantas outras

entidades sindicais do setor público: está sendoconsiderada corporativista.” Renato JanineRibeiro, professor-titular de Ética e Filosofia

Política da FFLCH. Docente da USP desde 1975.

PAUL SINGER“A Adusp tem sido fundamental na luta

pela democratização da USP, num contextode luta nacional, num momento em que a

universidade pública se sente ameaçada poruma onda antagônica a tudo o que épúblico no Brasil.” Paul Israel Singer,

professor-titular de Moedas e Bancos doDepartamento de Economia da FEA.

Docente da USP desde 1960.

Abaixo, detalhe do balão usado na campanha de data-base, em 92.

Ao lado, plenária da Adusp exigindo Diretas Já, em 85.

Os docentes posicionaram-se contra o Colégio Eleitoral. Contra

Tancredo Neves e Paulo Maluf.

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ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO“Desejo cumprimentar a Adusp por ocasião de seu 20º

aniversário. Considero este momento de grande importânciapara uma retomada das discussões sobre o papel das

universidades, levando em conta o atual contexto sócio-econômico mundial em que se prevê o aumento significativo

da demanda pela educação superior e continuada.” Roberto Leal Lobo e Silva Filho, reitor da Universidade de

Mogi das Cruzes, ex-reitor da USP entre 1990 e 1991.

Durante oCongresso da

Andes, realizadoem São Paulo,Flávio Aguiar eCarlos Baldijãocomemoram a

filiação doSindicato Nacionalà Central Única dos

Trabalhadores.

À esquerda, reunião do Conselho de Representantes da Adusp com o reitor Flávio Fava de Moraes. Abaixo, único

encontro do Cruesp com o Fórum das Seis, em 96.

Daniel Ruiz Garcia

Daniel Ruiz Garcia

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ANTÔNIO HÉLIO GUERRA VIEIRA

“A Adusp é, no mínimo, necessária.Se mantida como ambiente

efetivamente democrático e liberal– o que exclui qualquer sectarismode direita ou esquerda –, ofereceum contraponto conveniente para

algumas posturas oficiais, dentro oufora da USP, e não necessariamentecorretas. Não estou acompanhandoem detalhe a Adusp na atual gestão.

O pouco que vejo parece indicarque agora a instituição está madura

e já superou as dificuldadesconceituais dos primeiros anos. Não

tive essa sorte durante parte deminha gestão frente à Reitoria daUSP, quando a Adusp se mostrou

subserviente ao governo do estado edificultou a negociação de

benefícios para a universidade, parao ensino público, para o

desenvolvimento científico etecnológico, bem como para

professores e funcionários. Tenhoum certo orgulho de ter mantidoum bom relacionamento com a

Adusp. Por exemplo, autorizei-a ase instalar no campus, em salas da

Reitoria Velha. Com meuscolaboradores mais próximos,

instalei o Clube dos Professores,antiga reivindicação da Associação.Desmontei dispositivo instalado na

USP que consta ter sido responsávelpor uma triagem ideológica nos

processos de contratação deprofessores. Nas circunstâncias

existentes, foi uma manobra difícil,delicada e felizmente bem-sucedida,

cuja história espero que um diavenha à tona. Tenho certeza que àAdusp dos próximos anos continua

reservado um papel importantediante das expectativas do Brasil

como um todo, em relação à USP.”Antônio Hélio Guerra Vieira, ex-

reitor da USP (1982 a 1986) eprofessor do departamento de

Computação e Sistemas da Poli.Docente da USP desde 1954.

SÉRGIO BUARQUE DE HOLLANDA FILHO“A Adusp tem sido importante de um lado por ter

constituído um órgão que procura refletir a opiniãomajoritária dos docentes, independentemente da

titulação de cada um. De outro, por ser uma instituiçãoque não está sujeita a eventuais pressões políticas que às

vezes podem afetar a atuação da estrutura de poderformal da USP.” Sérgio Buarque de Hollanda Filho,

professor de Economia Industrial do Departamento deEconomia da FEA. Docente da USP desde 1971.

Francisco Emolo

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Dezembro 1996RReevviissttaa Adusp

CHICO DE OLIVEIRA“A Adusp é, ao lado da crítica intelectual promovida por

docentes e pesquisadores da USP, uma de nossasmelhores contribuições para a construção da cidadania ea democratização.” Francisco de Oliveira, professor-titulardo Departamento de Sociologia da FFLCH e pesquisador

do NEDIL-USP. Docente da USP desde 1988.

Ronaldo Entler

A Adusp participouativamente das

manifestações pelo“impeachment” do

ex-presidente FernandoCollor. No âmbito internoda universidade, tem secolocado na defesa deregras democráticas de

gestão pública e ao lado dos docentes e

funcionários não só daUSP, mas também da

Unesp e Unicamp.

Daniel Ruiz Garcia Daniel Ruiz Garcia

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Dezembro 1996 RReevviissttaa Adusp

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GOFREDO DASILVA TELLES

“Baluarte avançado denossas reivindicações,entidade incansável de

nossos pleitos,festejamos o seu

aniversário, associaçãovitoriosa, para a qualdesejamos longa vida,na linha de frente dosbatalhadores da USP.”Gofredo da Silva Telles,

professor-emérito daUSP e aposentado do

Departamento deFilosofia e Teoria Geraldo Direito da Faculdadede Direito. Docente da

USP desde 1940.

Carlos Goldgrub/Folha Imagem

Ao alto, ato em homenagem ao professor Florestan Fernandes, logo após sua morte, em agosto de 95. Florestan, ao lado de Aziz Ab’Saber

e Antonio Candido, sempre apoiou as lutas sindicais patrocinadas pela Adusp.

Daniel Ruiz Garcia

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encarte especial

História da Fundação da Adusp

Entrevista

Alberto Luiz da Rocha Barros

Crodowaldo Pavan

Domingos Valente

Erasmo Garcia Mendes

José Jeremias de Oliveira Filho

Simão Mathias

Organizador: Shozo Motoyama

AduspAduspRevista

Associação dos Docentes da USPSeção Sindical da Andes - SN - Dezembro 1996 - Nº8

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APRESENTAÇÃO

No dia 5 de maio de 1983, o professor e historiador Shozo Motoyama, do

Departamento de História da USP, reuniu, numa mesa-redonda, seis docentes que

contribuíram decisivamente para o fortalecimento da Associação de Auxiliares de

Ensino (1956/1976) e para a criação da Associação dos Docentes

da Universidade de São Paulo. Alberto Luiz da Rocha Barros, Crodowaldo Pavan,

Domingos Valente, Erasmo Garcia Mendes, José Jeremias de Oliveira Filho

e Simão Mathias contaram de forma franca, e ao mesmo tempo descontraída,

os percalços de se unir – reunir – na USP durante o regime de exceção

implantado no país com o golpe de 64. Publicado originalmente na forma de

entrevista pela Revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso

da Ciência (SBPC), em março de 1984, o “bate-papo” transformou-se num

momento histórico que retrata os caminhos seguidos pelos professores da USP até

chegar à fundação da Adusp. Em função deste caráter, e do muito que a entrevista

contribui para resgatar a história do Movimento Docente na USP, a atual diretoria da

Adusp optou por reeditá-la, com autorização do professor Shozo Motoyama, e

encartá-la na edição que comemora os 20 anos da Entidade. Para retratar com

fidelidade o clima da entrevista, optamos por manter as características adotadas pelo

professor Shozo e pelos editores da Revista Ciência e Cultura.

Encarte Especial da Revista Adusp

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Shozo Motoyama - Inicialmente eu gostaria de saber umpouco sobre os antecedentes da Adusp. Se não me engano,anteriormente, havia uma associação chamada de Auxiliares deEnsino, não é mesmo?Rocha Barros - No âmbito da USP, havia uma Associação deAuxiliares de Ensino, fundada em 1956, e o nome Auxiliarde Ensino englobava todos os professores não catedráticos.Como vocês estão lembrados, o regime antes da ReformaUniversitária era o de cátedra. Então, pelo termo genérico auxi-liares de ensino entendia-se diversas categorias docentes,excluindo-se os catedráticos. Um livre-docente, um assistenteera genericamente chamado de auxiliar de ensino. Bem, essaentidade, fundada em 1956, teve como primeiro presidente oAlberto Carvalho da Silva. Era uma diretoria muito interessantecom um conselho de representantes. E deste conselho derepresentantes fizeram parte alguns nomes muito conhecidoshoje em dia. Eu me lembro que participavam o FernandoHenrique Cardoso, pela Faculdade de Filosofia, o DelfimNetto, pela Faculdade de Economia e Administração, oErnesto Glesbrecht e uma série de outros nomes muito interes-santes. Bem, de qualquer forma, essa entidade começou a fun-cionar em 56 e teve um papel muito importante, inclusive par-ticipando da fundação da Fapesp. Mas, devido à situaçãopolítica reinante, essa Associação de Auxiliares de Ensino, apartir de 1964, começou a entrar em colapso.Erasmo Mendes - Em 1964, a situação ficou, como todomundo sabe, muito séria. E essa Associação de Auxiliares deEnsino deixou de ser apenas uma associação empenhada emreivindicação salarial para se tornar, sobretudo, numa associaçãoalerta com relação aos perigos que alguns docentes passaram acorrer por terem sidos acusados de atividades contrárias à situa-ção que então se instalava. Nessas circunstâncias, a Associaçãoteve reuniões muito acaloradas para a renovação de sua direto-ria que se retirava naquele momento e eu fui escolhido comopresidente para o biênio seguinte, que era um biênio naqueletempo, numa base quase conciliatória. Gregos e troianos acha-vam que eu seria um bom presidente porque eu estava eqüidis-tante das partes altamente empenhadas a favor ou contra omovimento que então se instalava. Nessas circunstâncias fuinomeado presidente da Associação para o ConselhoUniversitário, como representante dos professores auxiliares deensino da Universidade de São Paulo. Lá eu tive, então, opor-tunidade de ser fiel à Associação e defender os nossos elemen-tos que estavam ameaçados de punições e até de prisão. Oproblema mais grave durante a minha gestão foi o problema darepressão. A repressão que nos forçou a ir, inclusive, ao Riode Janeiro, em comissão geral de inquérito e ficar alerta para operigo em que incorreram muitos professores. Esse foi o proble-ma que talvez fosse o mais sério. Fazia com que a Associaçãose reunisse freqüentemente, expedisse comunicados, se manifes-tasse a respeito das arbitrariedades e coisas desse tipo. Outroproblema que surgiu nessa ocasião foi o da Reforma

Universitária. Esse problema foi de tal monta e aí foi que aAssociação começou a despertar a atenção da parte dospoderes da USP. Por exemplo, por ocasião da constituição daComissão que iniciou a reorganização da USP, o então reitorGama e Silva convidou a mim como membro da Associaçãode Auxiliares de Ensino para fazer parte. Uma concessão queele fez e eu pude levar então, à viva voz, a opinião dos auxilia-res de ensino às reuniões convocadas.Shozo Motoyama - Ótimo. Aliás, sobre o problema daReforma Universitária o senhor poderia me dizer mais algumacoisa?Erasmo Mendes - Eu poderia dizer que ela foi inteiramentefrustrada porque a Comissão que elaborou um pequeno opús-culo teve frustradas as suas idéias. Mas essa comissão era umacomissão muito heterogênea. Dela faziam parte pessoas queachavam que a velha estrutura estava muito boa, que a novaestrutura iria atingir inclusive os vetustos casarões de JoãoMendes, Paula Souza e Arnaldo Vieira de Carvalho. Essasseriam instituições sacrossantas que deveriam se manter intoca-das. Essas pessoas queriam participar da Reforma, tanto queaceitaram fazer parte de uma comissão de reestruturação, masestavam totalmente inibidas, porque, se dessa Reforma resultas-se uma alteração na estrutura das faculdades clássicas da univer-sidade, elas iriam sofrer críticas nas suas próprias congregações.Então, dentro de tudo isso, é que essa Reforma fracassou total-mente. Essa Reforma acabou sendo uma colcha de retalhos emque privilégios foram mantidos, as cátedras ou disciplinas foramreunidas em edifícios comuns, viraram aquilo que o professorAlberto chama de condomínios de cátedras. São condomínios,não são uma comunidade. Essa reforma a nosso ver foi inteira-mente frustrada.Domingos Valente - Pior que havia professores que não que-riam passar para os institutos. Mudaram o nome das suas disci-plinas para ficarem nas suas faculdades Então, nós temos aí umamesma disciplina, fazendo parte de vários institutos.Erasmo Mendes - Até hoje, certas faculdades, certas escolasnão se conformam com o fato das matérias básicas de seus cur-sos profissionalizantes deixarem de ser ministradas pelos seuspróprios docentes. Foram anos árduos esses anos de 64, 65,66 e 67, quando houve um período de renovação daAssociação. Ninguém quiz se candidatar quando convoquei aseleições e, quando houve eleição, até fui reeleito, mas depoiseu senti que não devia continuar mais. Então, propusemos umanova eleição e o candidato que se apresentou foi o professorHirondel, de ciências econômicas, que assumiu a presidência eo professor Domingos ficou vice-presidente. Mas o professorHirondel enfeixou todos os poderes e, depois disso, não seouviu mais falar da Associação de Auxiliares de Ensino. Assim,ela morreu, e morreu de morte inglória, porque toda a associa-ção que tem estatutos tem uma morte oficial e isso não aconte-ceu. De qualquer modo, todo conjunto docente da USP ficouórfão em termos de associação.

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História da Fundação da Adusp

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Rocha Barros - Mais ou menos nessa ocasião, foi fundada umaassociação mais ampla que era chamada Associação Paulista deProfessores do Ensino Superior, a APES. Essa Associação, aAPES, englobava todos os professores da Universidade doEstado de São Paulo. Não só da USP, mas também da PUC ede outras faculdades privadas. E foi muito interessante. Até meupai participou da fundação e foi patrono dessa entidade. Tevecomo 1º presidente um professor da Faculdade de Direito, oCesarino Jr. e um conselho que era muito grande, um conselhode representantes muito interessante. Desse conselho faziamparte, Simão Mathias, Mário Schenberg, César Lattes, SérgioBuarque de Holanda, Paulo Duarte, Gofredo da Silva Telles...Vários nomes conhecidos da universidade faziam parte. EssaAssociação, a seguir, teve como presidente, depois do CesarinoJr., o Gofredo da Silva Telles, e naquela ocasião começou aincomodar as autoridades constituídas. Inclusive o Gofredo foichamado a prestar depoimento no DOPS e na Faculdade deDireito. O próprio Gama e Silva que era então o ministro daJustiça o chamou ao seu gabinete e disse ao Gofredo que essaassociação já estava preocupando o governo. Vocês sabem quenaquela época havia já um período autoritário muito severo, porvolta de 68. Quer dizer, a Associação foi fundada em 68, e,em 69, veio o AI-5. De forma que ela teve a duração de pra-ticamente dois anos. Após o AI-5 ela praticamente entrou emcolapso exatamente porque o presidente Gofredo da SilvaTelles sofreu essas pressões. Mas o fato é que essas coisas ger-minariam depois, pois deixaram rastro.Crodowaldo Pavan - Só um parêntese aqui. Nesse tempohouve inclusive circulares querendo criar uma espécie deAssociação Brasileira de Professores Universitários. Parece quenão vingou.Rocha Barros - É, esses professores que estavam agrupados naAssociação Paulista do Ensino Superior, a APES, pretendiamfazer uma entidade de âmbito nacional. Mas, como eu estavadizendo, depois do AI-5 a coisa entrou em colapso. Querdizer, ela começou em 68, funcionou mais um ano e em 70 jáestava praticamente extinta e passou o período Médici semnenhuma atividade associativa de professores.Erasmo Mendes - Eis porque, na Reforma Universitária, umgrupo de professores, entre os quais está o professor Valente,pensou em recriar uma Associação de Docentes, não mais auxilia-res de ensino. Quer dizer, foi uma espécie de metamorfose. AAssociação de Auxiliares de Ensino se metamorfoseou numaassociação mais ampla ao tornar-se na Associação dos Docentes.Rocha Barros - Em 1975 houve um fato novo que causou umimpacto entre os professores universitários, particularmente entreos professores da Universidade de São Paulo. Foi a morte doWladimir Herzog; vocês estão lembrados. Naquela ocasião,vários professores tentaram tomar uma posição dentro daqueleabsurdo, porque afinal de contas o próprio Wladimir era profes-sor da USP. E se sentiram atingidos no que ocorreu a ele.Então, houve movimento de solidariedade, de protestos pela

morte dele, de toda aquela situação política. Alguns professoresda física e de outras áreas entregaram inclusive uma nota de pro-testo à Reitoria da USP. Eu me lembro que essa nota foi entre-gue por uma comissão de professores da qual faziam parte oAntonio Candido, o Dalmo de Abreu Dallari, aquele professordo Departamento de Ciências Sociais, Juarez Rubens BrandãoLopes. A nota foi protocolada pelo reitor, que naquela ocasiãoque era o Paiva, e começaram os primeiros contatos.José Jeremias - No Saguão da Faculdade de Filosofia, naCongregação que ia apreciar um documento dos professoressobre a morte do Wladimir Herzog, começamos a discutir aAdusp, aliás não era a Adusp, era a Associação deProfessores.Rocha Barros - É, o Jeremias se propôs a se informar como éque era a associação antiga, se não era interessante a gente rea-tivar a associação ou criar uma nova associação. E começamos,então, a imaginar como é que seria uma associação de docentesuniversitários. Aí nós procuramos o Erasmo e o Domingos. Issose deu em meados do ano de 1975.Shozo Motoyama - O que eu gostaria de saber é o seguinte:você colocou toda uma série de fatos concretos. O que euqueria saber é como essa motivação concreta poderia se inserirno contexto geral da época, ou seja, se havia uma motivaçãode caráter mais geral.Crodowaldo Pavan - Bem, foi um amadurecimento natural, averdade é essa. O Herzog foi um fato que catalisou. Havia nocontexto geral, uma necessidade de abertura. Outra coisa tam-bém, o governo estava perdendo muita força, aquela pressãoexercida já não causava mais o mesmo temor anterior, o própriogoverno já estava percebendo que aquilo não adiantava nada.Então, já não estava tão rigoroso como fora depois de 69.Rocha Barros - É, já estava num outro período. Vocês estãolembrados que já era o governo Geisel. O Geisel, devido arevolta que havia na intelectualidade paulista, acabou afastandoo Comandante do II Exército, o general Ednardo D’Avila. Oafastamento causou um impacto importante. Praticamente aqui-lo marcou o início de um período de desafogo, pelo menosaqui em São Paulo. Também, como diz o Pavan, esse amadu-recimento, esse novo posicionamento do governo Geisel, essanova perspectiva política, permitiu aos docentes sentirem umacerta liberdade. Os contatos eram mais fáceis e então nós pro-curamos o Domingos e o Erasmo para saber como é que estavaa Associação de Auxiliares de Ensino, pois ela não estavaextinta como sociedade de direito civil. O Domingos nos infor-mou o seguinte: “Ah, eu sou o vice-presidente. Mas já deviater abandonado o cargo há vários anos atrás, não é? O presi-dente é o professor Hirondel S. Luder. Não convocou elei-ções para substituir a atual diretoria. Acho que a atual diretoriadeve estar com o mandato estourado mas ela é ainda a direto-ria”. E conversa vai e conversa vem, o Erasmo começou tam-bém a participar. Eu queria saber onde estava o estatuto dessaAssociação de Auxiliares de Ensino e nada de encontrá-lo.

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Decorreu mais alguns meses até que o Erasmo, em conversacom o professor Alberto Carvalho e Silva, que tinha sido oprimeiro presidente da Associação de Auxiliares de Ensino,disse que o Estatuto estava arquivado em tal cartório. Uma ruada qual esqueci o nome. Fui lá e consegui o Estatuto da antigaAssociação de Auxiliares de Ensino, juntamente com a Ata deFundação que conta essas coisas da reunião inicial. Bem, aíentão, com o Jeremias também presente, resolvemos o seguin-te: agora que houve a Reforma Universitária vamos adaptar aAssociação de Auxiliares de Ensino à nova realidade universitá-ria, pois agora não existe mais cátedra. Porque a antigaAssociação de Auxiliares de Ensino era uma entidade, nofundo, não só para reivindicar salários para todo mundo, mastambém para tentar uma defesa contra a prepotência dos cate-dráticos. Ela surge como a entidade que defende os docentesem termos de reivindicação salarial, mas também contra umasérie de exageros das cátedras. Basicamente era isso.Crodowaldo Pavan - Você está falando da Associação deAuxiliares de Ensino?Rocha Barros - É. Então, num outro dia, procuramos oDomingos e o Erasmo, depois de conseguirmos o Estatuto. Aínós quatro bolamos a seguinte coisa: seria mais interessantemanter a continuidade, mas como havia uma realidade nova,então nós iríamos criar uma entidade que fosse de todos osdocentes, incluindo os próprios titulares. Seria uma entidadede todos os docentes da USP. Deveria ser uma associação dedocentes da USP. Deveria ser uma Adusp.José Jeremias - Quem teve a idéia do nome foi DomingosValente.Domingos Valente - Bem, naquela ocasião, eu era vice-presi-dente da Associação de Auxiliares de Ensino.Erasmo Mendes - Sim, porque o professor Hirondel não con-vocava as eleições.Domingos Valente - Ficamos praticamente alguns anos assim.Na ocasião, disse ao professor Hirondel: acho que nós temosque mudar o nome da Associação, porque ele não se justificamais depois dessa Reforma. Perguntei ainda ao professorHirondel se havia uma possibilidade de convocar uma assem-bléia, a fim de que nós pudéssemos formar a associação dosdocentes. E nessa ocasião fui procurado pelos professoresJeremias e Rocha Barros, que nos entusiasmaram bastante. Maso Hirondel disse que não convinha fundar uma associaçãonaquele momento. Então, eu disse que, se ele estava comreceio e sem tempo, que passasse a presidência para mim.Naquele tempo ele estava ocupado com o ConselhoUniversitário e com a Comissão de Tempo Integral, dos quaisfazia parte. Foi assim que nós convocamos publicamente pelaimprensa uma assembléia geral da Associação dos Auxiliares deEnsino para discutirmos a Fundação da Associação dosDocentes da Universidade de São Paulo. E, assim, eu não melembro bem a data, foi feita uma assembléia com grande entu-siasmo no anfiteatro das convenções. O professor Paiva, que

era reitor, deu apoio. Também o professor Eurípedes Simõesde Paula, na ocasião, achou que uma associação que represen-tasse a nossa classe seria ótima. E fizemos, então, uma reuniãono salão das convenções, ali na Reitoria da Universidade.Dessa reunião surgiu a primeira diretoria provisória. A assem-bléia aprovou a indicação para a presidência o professor Pavan;eu fiquei na 1ª vice-presidência; o Mathias ficou na 2ª vice-presidência. Nós tivemos o apoio das várias faculdades daUSP. Eu penso que dessa forma foi que surgiu a Adusp. Nósfizemos umas alterações no Estatuto conforme essa diretoriaprovisória. Após oito meses, foi eleita, estatutariamente, umanova diretoria que dirigiu o primeiro biênio.Rocha Barros - Estabeleceria dessa forma uma continuidade,mas uma continuidade com um salto qualitativo.Shozo Motoyama - Eu gostaria de fazer uma pergunta relativa-mente óbvia, mas que tem um certo sentido. Por que vocêsqueriam manter essa continuidade e não fundar uma coisa intei-ramente nova?Rocha Barros - Porque a Associação de Auxiliares de Ensinotinha várias tradições boas. Tinha tido também professoresmuito ilustres na sua direção.Crodowaldo Pavan - Porque tinha tido atuações interessantes.Erasmo Mendes - Essa associação teve um papel preponde-rantíssimo na criação da Fapesp. Foi ela que exigiu de umacerta maneira, através de gestões feitas entre deputados, quefosse regulamentada aquele percentual da Constituição quedeveria ser doado à pesquisa, através de um tipo de fundação.Mas quem sabe se o professor Valente, aqui presente, poderiafalar algumas coisas a respeito.Domingos Valente - Tenho vaga idéia que naquela ocasião oAlberto Carvalho da Silva era presidente da nossa Associação.Então, com dificuldades para continuar as pesquisas, surgiu aidéia da Associação cobrar esse percentual que seria 0,5% doorçamento do Estado para auxiliar as pesquisas.Erasmo Mendes - É preciso frisar que foi essa Associação quefez isso, não foi a Reitoria, nem a própria Universidade. Querdizer, se hoje existe a Fapesp, ela se deve à movimentação dosseus auxiliares de ensino, não dos senhores do comando daépoca, que continuavam naquela inércia em que eles continuamatualmente.Domingos Valente - Foi ótima essa criação da Fapesp porquenosso exemplo foi imitado em outros estados e surgiram váriasfundações para auxiliar à pesquisa no Brasil.Erasmo Mendes - Nesse sentido, o exemplo da criação daAdusp também foi importantíssimo. Foi ela que despertou emoutras Universidades...Shozo Motoyama - Eu queria, como historiador de ciências,saber da forma mais concreta possível como é que foram asdémarches para a fundação e concretização da Fapesp. Meparece que há um interesse muito grande.Erasmo Mendes - Eu, para falar a verdade, não poderia entrarem pormenores a respeito. Para uma boa história dos aconteci-

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mentos devem ser procuradas pessoas como o professor Alber-to Carvalho e Silva, professor Piovesam, da então Faculdadede Higiene, e até pessoas que faleceram mas deixaram algunsescritos, por exemplo, o Professor Guilherme Lira, da Poli.Agora, eu devo dizer que a ocasião era extremamente propí-cia. Nós estávamos naquela ocasião em pleno governo Carva-lho Pinto. Era um governo inteiramente aberto às questões uni-versitárias Eu tenho impressão que se tivesse sido um outro tipode governador, essa medida não teria sido promulgada. A oca-sião foi extremamente propícia.Rocha Barros - Na concretização da Fapesp, pela Associaçãode Auxiliares de Ensino. Inclusive lembro a vocês que AlbertoCarvalho da Silva foi o primeiro presidente da Associação deAuxiliares de Ensino, também foi, talvez, o principal criador daFapesp. Foi um dos que mais trabalharam.Crodowaldo Pavan - Ele teve grande influência, mas ele foimembro da Fapesp posteriormente. Sem dúvida nenhuma, oque teve maior influência na criação da Fapesp foi o José Reis,através da Folha, e apoiado totalmente pela Associação deAuxiliares de Ensino e pela SBPC.Shozo Motoyama - Por outro lado, como foi o comportamen-to da imprensa, da sociedade civil, em relação a isso?Erasmo Mendes - Eu tenho impressão que a fundação foi aco-lhida com simpatia. Era uma época de muita euforia porque essegoverno, o do Carvalho Pinto, era o restinho do governo Jusce-lino Kubitschek e havia muita euforia, muito otimismo no país.Então a medida foi acolhida, mesmo porque o governo federaljá vinha tentando fomentar a pesquisa neste país através doCNPq. Naquela ocasião, os organizadores da Fapesp tomaramo cuidado extremo de tornar esta Instituição, essa Fundação,numa coisa dirigida por cientistas com o mínimo de burocracia.Até hoje a política parece ser aquela de destinar somente 5%do dinheiro da Fapesp para a administração. O resto é realmen-te empregado em estímulo e fomento à pesquisa.Domingos Valente - Eu devo lembrar uma coisa: na ocasiãonós tivemos o apoio da imprensa, da Folha, através do AbraãoJagle. O Abraão Jagle fazia a cobertura das reuniões daSBPC e naquela ocasião me lembro que ele ajudou bastante adivulgação da fundação da Fapesp.Rocha Barros - Bem, então isso foi realmente o que aconteceu.Em relação à Adusp, conseguimos um número de assinaturas ra-zoáveis. Devem ter sido umas 100 assinaturas. Procuramos oHirondel que era da Comissão de Tempo Integral e DedicaçãoExclusiva. E na ocasião que procuramos Hirondel até o AntônioFerri participou de todas as reuniões. Então nós combinamos co-mo proceder. Resolvemos fazer a primeira assembléia que foi noAnfiteatro das Convenções da USP. Curiosamente foi a primei-ra reunião de professores feita na USP após o AI-5. Foi em 19de outubro de 1976 a primeira assembléia da Adusp, 20 anosapós a Fundação da Associação de Auxiliares de Ensino. Aí...José Jeremias - É preciso salientar que para montar a assem-bléia foi necessário trabalhar oito meses.

Domingos Valente - Exatamente, as reuniões eram sempreentre as pessoas já citadas, como o Erasmo, o Dr. Jeremias,o Dr. Rocha Barros, o professor Pavan, o professor SimãoMathias (o professor Simão Mathias estava entusiasmado),o Dr. Mílton Campos, que foi o nosso tesoureiro. Ele erada Veterinária, agora está no Instituto de CiênciasBiomédicas. E nós fizemos várias reuniões aqui na minhasala, neste local mesmo.Erasmo Mendes - Quase que pode se dizer que a Associa-ção dos Docentes nasceu na sala do professor Domingos.Domingos Valente - Todas as tardes nos reuníamos aqui,depois das 17 horas. Sempre brigando com o Rocha Barrosque chegava atrasado.Erasmo Mendes - Na primeira assembléia houve um grandeafluxo de professores e já começaram a surgir algumas divergên-cias de opiniões.Domingos Valente - Inclusive uma das divergências foi a deque o chefe de Departamento não podia fazer parte da direto-ria, coisas assim.Erasmo Mendes - Divergências que continuam hoje. Na minhaopinião pessoal, consistem praticamente no seguinte: há umafacção de docentes que acha que a Associação deve estarsempre brigando com a Reitoria, ela deve ser de oposição sis-temática, e uma outra facção que acha que a Reitoria nem sem-pre deve ser hostilizada.Domingos Valente - Nós tínhamos até promessa do professorPaiva de uma sede em frente à Reitoria, onde está hoje aFarmácia. Essa decisão existiu desde o início.Rocha Barros - E na primeira assembléia o professor AzizSimão e o professor Castrucci, contactados, já estavam partici-pando do processo de fundação da Adusp. O professorPavan também já tinha sido contactado, já tinha participado detodas essas démarches e tinha bastante autoridade. Graças aoPavan, a coisa sai, porque nós precisávamos de um professorde grande prestígio na presidência. E nós estávamos com algu-ma dificuldade. Então, o professor Aziz Simão pede por acla-mação a aceitação da diretoria da Fundação.Crodowaldo Pavan - Havia um temor muito grande. Muitosprofessores me telefonaram dizendo que eu estava fazendo bes-teira. Mas eu me lembro que nós fizemos muitas reuniões, lá naVeterinária, na Parasitologia, com o Mílton Campos.José Jeremias - Ele cedeu a sala de Parasitologia, fizemosvárias reuniões. Arranjou a sala. No Departamento de MíltonCampos; nos reunimos na Parasitologia.Shozo Motoyama - É interessante, no entanto, que os opo-nentes aceitaram essa diretoria provisória.Erasmo Mendes - Eles não podiam deixar de aceitar porquesem ela a Adusp não teria existido. A diretoria provisória foiquem fundou a Adusp. Os elementos que tinham esse tipo deatitude jamais teriam pensado em fundar a Adusp. Então elesforam obrigados a engolir pessoas com as quais não tinhamconcordância, quase.

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José Jeremias - Foi muito importante também a atuação doprofessor Aziz Simão. A partir do núcleo inicial, vários profes-sores expressivos da Universidade foram-se anexando nessenúcleo inicial. Então, a entidade foi criando importância, por-que a maioria dos professores contactados no início, inclusiveas pessoas que até tinham posições oficialmente progressistas naFaculdade de Filosofa, foram muito reticentes em relação à fun-dação da entidade. Reticentes, contrários; alguns recomenda-vam, inclusive, que se aguardasse bastante. Mas muitos profes-sores acabaram aderindo, inclusive o Antonio Candido. Ogrupo inicial de organização já estava montado lá naParasitologia: o Domingos Valente, Erasmo, Rocha, Pavan,Mílton Santos Campos, Simão Mathias; participou também,no finalzinho, Carolina M. Bori, e quem mais...Crodowaldo Pavan - E depois de fundado, nós usamos oDallari como o assessor jurídico.José Jeremias - Eu estava participando também. Alguns pro-fessores participavam de uma reunião e não participavam nou-tra. Foi o grupo citado que levou a idéia à frente, tendo-seconstituído na primeira diretoria. O Aziz Simão, na assembléiade fundação, 19 de outubro de 1976, indica esse grupo,esse núcleo formador da entidade. Mandato que seria de trêsmeses, prorrogado depois para oito meses. Até a organizaçãoda primeira eleição o mandato foi de oito meses.Rocha Barros - A diretoria era constituída de: presidente —Crodowaldo Pavan; 1.° vice — professor Domingos Valente,da Biociências; 2.° vice – professor Simão Mathias, químico doDepartamento de História; 1.° secretário — eu, do Instituto deFísica; Alberto da Rocha Barros; 2.° secretário — professorJosé Jeremias de Oliveira Filho, do Departamento de CiênciasSociais; 1.° tesoureiro — professor Mílton Santos Campos, deCiências Biomédicas; 2.° tesoureiro, Carolina M. Bori, daPsicologia. O Dallari, a convite nosso, se agregou à entidademuito tempo depois. Então se constitui essa primeira diretoria dafundação, que tem um mandato curto, o qual tinha por objetivoimplantar a entidade. Como havia grande temor, é importanteque se diga isso, o papel do Pavan, que é nome de prestígio,foi enorme e como vocês vêem outros grandes nomes tambémcompuseram a primeira diretoria, como o professor DomingosValente, como o professor Simão Mathias, como a professoraCarolina M. Bori, que na ocasião era secretária geral da SBPC.De modo que, com isso, imediatamente os professores que jáestavam mais ou menos inclinados à associação deste tipo, aderi-ram em massa. De forma que, terminados os oito meses denosso mandato, tínhamos da ordem de dois mil associados.Compare-se este com o número de associados de hoje, 1982,por volta de 3.300 associados. Então, vocês vêem que houverealmente uma adesão assim em massa. Eu acredito que era umaaspiração da Universidade de São Paulo ter essa associação,mas também a confiabilidade dos nomes de professores comoCrodowaldo Pavan, Simão Mathias...Crodowaldo Pavan - Não, o que foi importante é que nós

levantamos uma bandeira que foi a meu ver muito simpática.Porque nós não estávamos defendendo só salários. Nós tínha-mos um programa que, por acaso, o salário também constoucomo parte, até parte muito importante. Mas o programa tinhaum ideal muito maior. Tinha um programa no qual realmente aidéia central era a integração das várias áreas da Universidade.Era muito importante. Nós estávamos tentando fazer uma coisapara colaborar com o Conselho Universitário. Nós achamosque, como uma entidade independente, nós podíamos fazermuito mais por várias áreas da Universidade do que o próprioConselho Universitário. E realmente houve uma aceitação bas-tante grande e a coisa funcionou de uma maneira...Rocha Barros - Porque os professores não se conheciam.Havia uma espécie de atomização da vida universitária e oPavan insistia muito nessa necessidade das pessoas se conhece-rem, em fazer essa integração universitária. Nós sempre insisti-mos que a Adusp teria três características básicas: a de ser 1)uma entidade cultural; 2) uma entidade de integração docentee 3) uma entidade de reivindicação docente. Então, essas trêscaracterísticas básicas vão orientar a vida da Adusp, e estãoorientando ainda nos dias de hoje.José Jeremias - Estas idéias estavam na ficha de inscrição,na forma de miniprograma. As linhas básicas eram: integra-ção docente, promoção científico/cultural, eventualmentetambém funções sindicais, mas não de sindicato. Então eraintegração docente.Rocha Barros - É preciso dizer que a Adusp foi a primeiraentidade que, ao ser criada, imediatamente teve repercussãonacional. Mas haviam outras entidades também.Crodowaldo Pavan - Entidades com expressão sobre a opiniãopública foi a Adusp e depois veio, a seguir, por exemplo, aAdunicamp e outras.José Jeremias - Hoje existem 87, por volta de 87 entidadesdo tipo Adusp.Crodowaldo Pavan - Parece que antes da Adusp existiamoutras, mas sem qualquer expressão, quer dizer, sem muitaexpressão. Era uma coisa muito interna, dentro de um círculomuito limitado.Rocha Barros - É, curiosamente elas não tinham expressão.Inclusive havia uma tentativa bem anterior que nos foi comuni-cada pelo professor Eurípedes Simões de Paula. Quando nóscontactamos o Eurípedes ele se entusiasmou imediatamentepela Adusp.Shozo Motoyama - Vocês entraram em contacto quando?Rocha Barros - Quando era diretor da Faculdade de Filosofia.Inclusive esse contacto foi feito basicamente...José Jeremias - Foi a primeira pessoa da cúpula daUniversidade a se entusiasmar pela coisa.Rocha Barros - Deu apoio imediato. Se associou e os contatosforam feitos imediatamente por Domingos Valente. Ele forne-ceu meios materiais, ele botou a gráfica da Faculdade deFilosofa, se prontificou a editar o nosso...

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Shozo Motoyama - A diretoria já tinha sido montada?Rocha Barros - A diretoria já tinha sido montada. DomingosValente, inclusive, procurou Eurípedes Simões de Paula paraimprimir o convite aos professores da Universidade de SãoPaulo para aderirem à Adusp. Nesse convite havia um minipro-grama com os nomes dos diretores, era uma ficha de inscrição,era um convite seguido de uma apresentação do miniprogramacom os nomes da diretoria e a ficha de adesão. Nós achamosque o negócio, assim, compacto, dava uma orientação boa. Eo Eurípedes se prontificou a imprimir os convites na gráfica daFaculdade de Filosofia. Naquela ocasião ele procurou e atéentregou um estatuto de uma antiga Associação de Auxiliaresde Ensino que havia na USP. Se não me engano, tentou-seformar essa associação em 1936 e parece que a pessoa que seentusiasmou por essa associação foi o Jorge Americano, que,na ocasião, não sei se era reitor. Eu não sei em que ocasião oJorge Americano foi reitor da USP.Simão Mathias - Eu tenho lembrança que quando voltei dosEUA, em 1944, fui visitar o Jorge Americano como reitor.Crodowaldo Pavan - É, tem razão, em 43 o Dobhjanskiesteve aqui e ele ganhou honoris causa, e quem lhe deu foi oJorge Americano como reitor e o Zeferino fez o discurso.Foi em 1943.Rocha Barros - Eu tenho o estatuto que o Eurípedes me deu.O Eurípedes foi procurar o estatuto nas coisas dele e disse:“olha tem uma associação aqui que não chegou a vingar, come-çou-se a gestar a sua formação, elaborou-se o estatuto, masparece que não deu em nada.” E ai eu perguntei quem foi quepatrocinou essa associação e ele disse: “foi o JorgeAmericano”. Agora não sei se naquela ocasião ele era profes-sor da faculdade, diretor ou reitor, mas o fato é queAmericano estava muito interessado na associação. Eu não seise os estatutos foram feitos pelo próprio Jorge Americano.Então seria uma coisa interessante talvez verificar. Eu tenhoarquivado, vou trazer para vocês verem e... A gente pode daresse depoimento ai. Foi curioso porque o Eurípedes se empe-nhou em descobrir, já que estávamos preocupados em fazer umestatuto; então ele lembrou do nome da Associação deAuxiliares de Ensino. “Olha, tem um estatuto aqui na épocaque eu era formado professor, que era uma associação assim,assim, assado”; e se empenhou e acabou descobrindo e medeu o estatuto dessa associação.José Jeremias - Bem, o professor Eurípedes teve um papelimportante no Conselho Universitário em defesa da Adusp,porque sempre fez defesa formal da Adusp, inclusive chama-vam-no, de brincadeira, de o homem da Adusp, no ConselhoUniversitário. Ele não só deu apoio à entidade na época emque foi constituída, mas também passava toda documentaçãoque tinha acesso no Conselho Universitário. Foi importanteporque ele era um defensor da entidade, publicamente, naépoca em que muitos professores tinham receio inclusive deaderirem à entidade. A atitude dele influenciou muito; inclusi-

ve, nós tínhamos naquela época quase 30 dos 32 diretoresde unidade da Adusp. Auxiliares de ensino a titulares, todasas categorias de professores aderiram à entidade.Rocha Barros - Estou lembrado, não sei se isso aconteceu comvocê ou com Domingos. Que um de vocês dois foi àFaculdade de Saúde Pública e disse que iria haver uma assem-bléia. Era a primeira assembléia, de 19 de outubro de 1976.E, na ocasião, quando conversaram, procurando trazer maisprofessores para essa assembléia, para se filiarem à Adusp, umdeles disse: “vocês vão usar esse nome de assembléia? Talvezisso seja muito radical, talvez o governo não goste disto”. Nósaté achamos graça, pois o nome de assembléia pode ser usadopara muitas coisas tais como assembléia de xadrez, assembléiade Deus, que é uma organização religiosa etc. Portanto, eleestava com medo do nome, do nome “assembléia”. De formaque consigne-se o fato de Pavan, de peito aberto, ter assumi-do a presidência e de ter tocado a entidade para frente.Crodowaldo Pavan - Outra coisa que gostaria de deixar regis-trado, é o fato que naquela ocasião eu me encontrava numaposição muito cômoda. Eu disse, logo no início, que não acei-taria a reeleição, porque estava com medo de fazer um negóciode panela. Se o primeiro presidente fosse novamente candida-to, haveria uma grande chance de continuar no cargo. Então,como eu tinha decidido que não seria candidato à reeleição,estava numa posição muito cômoda. Isto me dava inteira liber-dade de posicionar de uma forma democrática em relação aosoutros. Também não me preocupei muito com as eleições.Talvez isso tenha sido um erro, porque nós perdemos. Nósnão estávamos interessados muito na política, mas muito naintegração da Universidade. Isso deu certo e a Adusp teverealmente uma fase formidável. Nós tínhamos até cotação noPalácio do Governo...José Jeremias - Quero lembrar o seguinte: embora em 76começasse a reorganizar a sociedade civil e um programa deabertura começasse a ser gestado, nós éramos evitados pormuitos colegas enquanto estávamos trabalhando duro paraconstituir a Adusp. E era gente até considerada progressista.Por isso é importante assinalar que a presença de professoresde grande projeção e cientistas de renome deu um respaldo,uma seriedade, à entidade. Isso fez que ela adquirisse, depronto, uma confiabilidade. Assim, ela conseguiu a adesãomaciça de cerca de dois mil professores em oito meses. Poroutro lado, o nosso colega, Waldemar Safiotti, correu o inte-rior do Estado na mesma época, na Unesp, para fundar a pri-meira entidade do gênero: a Adunesp. Tornou-se o seu pri-meiro presidente. Fez um trabalho fantástico. Mas a primeiraentidade que adquiriu realmente projeção na sociedade, quemarcou uma presença forte, foi a Adusp. Por isso ela passou aser modelo de entidade docente no país.Rocha Barros - Quero fazer uma observação: apesar de tersido fundada depois, a gestão da Adusp iniciou-se antes dagestão da Adunesp.

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José Jeremias - Eles fundaram mais rapidamente que nós, masem compensação não conseguiram ter a estrutura que nós con-seguimos ter em tão pouco tempo.Crodowaldo Pavan - Nós chegamos a receber um convite paradepor lá na assembléia, lembra-se? Era para depor numaComissão Parlamentar de Inquérito sobre os problemas daUniversidade.José Jeremias - Nessa Comissão, o Pavan fez algumas declara-ções que deixaram o reitor assustadíssimo. Por exemplo, eledisse que a Fundusp deveria ser extinta.Crodowaldo Pavan - Ainda hoje continuo achando que deveser extinta.Rocha Barros - Naquela ocasião causou um impacto...José Jeremias - É. Causou um impacto na opinião pública.Aliás, os veículos de comunicação de massa já davam, naquelaépoca, cobertura à Adusp. Inclusive o Estadão dava cobertura,depois silenciou durante muitos anos, para voltar a noticiarsobre a nossa entidade a partir do ano passado.Crodowaldo Pavan - O interessante é que o Estadão aceitoua nossa linha, a nossa diretriz. Embora tenha gente lá que nãogoste de nós, o Estadão manteve essa posição.José Jeremias - Era uma linha bem ampla e democrática, umafrente ampla e democrática. Era um espaço democrático queabríamos na Universidade. A Adusp foi a entidade que que-brou o gelo da ditadura no meio universitário. Foi a primeiraentidade que abriu um espaço democrático para todas as cor-rentes políticas, a todas as tendências sem que admitisse, emnenhum momento, instrumentalização partidária. Ela se consti-tuiu inicialmente como uma entidade não partidária, uma enti-dade cultural. Acho que hoje ela é uma entidade política, comum sentido político, inclusive pelo fato de ser um elemento dedestaque, de projeção em todo o Estado e mesmo fora dele.Assim ela foi se politizando, chegando mesmo, num certomomento, a ter uma politização negativa. Segundo AntonioCandido, a entidade teria uma fase de formação, uma segundade projeção, e, finalmente, uma terceira de consolidação. Masna verdade não aconteceu como o Antonio Candido estavapreconizando, porque essas fases misturaram-se desde a funda-ção da entidade. Já a primeira diretoria, a diretoria pioneira,marcou toda uma linha de atuação seguida até hoje. Toda vezque a Adusp tentou desviar dessa linha, ela se deteriorou,ameaçando desintegrar-se, provocando até um rebaixamento deconvivência humana na Universidade. E, durante um certotempo, decaiu a sua influência frente aos professores, frente aoEstado e à sociedade. Mas, voltando ao início, ela nasceunuma época muito curiosa. Lembro-me que fomos à reitoria,assim que a primeira diretoria tomou posse. Pavan marcou umprazo e disse para nós comparecermos à reitoria. Naquela oca-sião o reitor era Orlando Marques de Paiva. Nós chegamos láe o Pavan disse ao chefe do gabinete que a entrevista tinha deser naquele momento. O chefe do gabinete retrucou dizendoque não seria possível. Então o Pavan disse: “Eu vou entrar”. E

entrou mesmo. Daí para frente, nós arrombamos as quatro ante-salas da reitoria e o reitor deixou de ser uma princesa prisioneirano castelo e passou a conversar com os dragões.Rocha Barros - Inclusive ele se associou à Adusp.José Jeremias - Nesse episódio a Adusp conseguiu abrir umcanal de comunicação entre a reitoria e a comunidade universi-tária. No fundo, quebrou o isolamento do reitor. O próprioreitor reconheceu isso. Depois disso, sempre houve um bomrelacionamento entre a Adusp e a reitoria. Quando do atritoentre o governador Paulo Egydio e o reitor Orlando Marques,a Adusp é que serviu de intermediária para salvar a posição daUniversidade perante o Governo de Estado. Ela é que levavae trazia as reivindicações.Crodowaldo Pavan - Até recebemos do Palácio a seguinteinformação: “venham professores como esse, que nós sempreconversaremos com vocês”. Mas aqueles outros, não se abrem,nem discutem os problemas da Universidade com a gente.José Jeremias - Nós representávamos melhor, naquela época,a Universidade do que a reitoria. O próprio governo doEstado reconheceu isso. E dialogava conosco. Nós éramos osinterlocutores para discutir os problemas da Universidade. Issofoi um momento importante porque preservou as relações daUniversidade. Isto é, ajudou na defesa dos interesses daUniversidade. Embora a deterioração salarial fosse muito vio-lenta, eu acredito que a própria presença da Adusp ajudou aimpedir uma queda ainda maior. Mas o passo mais importan-te, e isso mais sensível nas áreas de ciências humanas e sociais,foi a mudança de clima no ambiente de pesquisa científica.Havia todo um clima de repressão e de timidez intelectual emfunção do AI-5, quer dizer, todo um esquema de repressãoinstituído no país, numa época de exceção e arbítrio. Isto pre-judicava muito o ambiente de pesquisa, inibia as relações entreas pessoas nas universidades. Havia um clima fechado, umclima intransitável. A Adusp deu uma certa tranqüilidade, umcerto respaldo, no sentido de que havia agora uma entidadeque cuidaria dos seus interesses, daria guardiã e lutaria paragarantir a liberdade acadêmica sempre que ela fosse atingida.É verdade que, na prática, não tinha havido, na Universidade,interferência externa na pesquisa e no ensino. Ela conseguiuvencer o período do AI-5 sem interferência direta, a não sermuito pequena e em alguns momentos críticos. É claro quehavia repressão, principalmente às pessoas que tinham vincula-ções com organizações clandestinas. Agora, o aspecto maisgrave de repressão interna era a triagem ideológica na contra-tação dos professores. Os processos desses professores nemsequer chegavam às mãos dos candidatos, porque paravamnaquilo que o professor Aziz Simão chamou de “TerceiroEstágio”. Não saíam de um certo setor da reitoria, onde erambloqueados. A nossa diretoria, a da primeira, teve uma posi-ção muito firme em relação a isso. O Pavan foi pessoalmenteà Reitoria e conseguiu, pela primeira vez, a contratação de umprofessor que tinha sido vítima de triagem ideológica. Na ver-

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dade, a Adusp era uma espécie de anteparo para esses pro-fessores não serem prejudicados posteriormente na obtençãode outros empregos possíveis. Dessa forma, a Adusp conse-guiu, pela primeira vez, furar o bloqueio e exigir que a reitoriacontratasse o referido professor. Ela não levou ao público oproblema, naquela época, porque o interessado não concor-dou. Mas, na prática, conseguiu resolver. Depois, conseguiuainda a contratação de vários outros professores tambémsofrendo de triagem ideológica. Então, a Adusp conseguiuinibir um processo que estava se instalando na Universidade,que é a influência direta ou indireta na contratação de pessoalpela presença de Órgão de Segurança na USP. Nós sempredefendemos que os critérios tinham que ser científicos e cultu-rais e não de ordem política ou de repressão. Essa defesa fun-damental de liberdade acadêmica foi claramente assumida pelaprimeira diretoria da Adusp.Crodowaldo Pavan -Diga-se de passagem, com total apoio doPaiva. Ele estava do nosso lado. Antes estava inibido poralgumas razões. Não podia...José Jeremias - O Paiva estava muito inibido. Mas com anossa atitude, sentiu-se apoiado. Era um reitor liberal, foi umreitor que perdoou o AI-5 na Universidade, e soube receber aAdusp. Ficou muito contente em receber a Adusp. E a rece-beu muito bem depois que nós rompemos as barreiras.Passamos, inclusive, a ter encontros periódicos nos quais defen-demos os interesses dos professores da Universidade. Tínhamosdiscussões acirradas, mas dentro do maior respeito universitário.Ele se filiou à Adusp, passou a ser um associado. Também ovice-reitor da época, o Josué Camargo Mendes se filiou. Noinício, o Josué foi um pouco reticente, mas depois...Rocha Barros - A reticência dele acabou no momento em queestávamos aguardando uma entrevista com o reitor. Nesse ínte-rim, sai do gabinete o reitor da Unicamp, o professor ZeferinoVaz, que eu conhecia. Imediatamente apresentei a ele a fichade inscrição da Adusp. Ele olhou-a com certa suspeição e derepente disse: “oh! o Pavan é o presidente dessa entidade?Então não tenho dúvidas”. E assinou de pronto.José Jeremias - E ainda disse: “vamos fundar uma idêntica emCampinas”.Crodowaldo Pavan - Nós recebemos telefonemas de várioslugares querendo saber dos estatutos...Erasmo Mendes - Eu queria analisar isso dentro do contextoda política nacional. Eu diria que as dificuldades que todas asassociações, hoje em dia, tem para se constituir advém do fatodo governo sempre ver nela um meio, um modo de contesta-ção. E dado o fato de que não havia naquela época a aberturademocrática que hoje dizem que há, qualquer associação eradesde o início acoimada de contestadora.Shozo Motoyama - Essa era a opinião da maioria dos docentes?Erasmo Mendes - É. Nessa Universidade, como em todasociedade, todo contingente de agrupamento humano, existeuma maioria desinteressada e uma minoria ativa nem sempre

perniciosamente ativa, pois ela pode ser até positivamenteativa, mas há um certo amorfismo por ai. De modo que eu nãosei se a Adusp já conseguiu despertar nessa massa amorfa umcerto traço de politização universitária, uma consciência da suaposição. Parece que a Adusp ainda não tem uma grandepenetração nas massas, nem uma grande influência em suasações. Ela ainda é tida pelos elementos mais conservadorescomo necessariamente contestadora por ter nascido numaépoca na qual a contestação era esperada. Realmente, quandoeu deixei a Associação de Auxiliares de Ensino, foi naqueleano dramático de 1968; eu a deixei porque achava que esta-va exorbitando das minhas funções. Eu convocava as eleições eninguém comparecia. No dia em que compareceu alguém,achei que não me deveria perpetuar e, senão dentro de umaditadura, eu iria tornar-me um ditador na Associação.Evidentemente esse não era o meu desejo. Mas se eu tivessedado conta de que a Associação praticamente iria morrer pelamudança da diretoria, como não havia nada que impedisse aminha reeleição, eu poderia ter sido reeleito e conservado omeu querido amigo Domingos Valente como vice-presidente.Nós teríamos escorado a situação como até então eu sustenta-ra. A antiga Associação tinha como um dos objetivos máximosa reivindicação de bons salários, porque os nossos saláriosquase sempre estão defasados. Por outro lado, ela atuou deci-sivamente para a fundação da Fapesp. De modo que tinhaduas preocupações: uma de ordem pessoal, traduzida em bonssalários, e outra geral, universitária, criando a Fapesp para pro-videnciar os recursos para a pesquisa. Mas um problema impor-tante é saber porque a Associação de Auxiliares de Ensinoesmoreceu depois da minha saída. É preciso lembrar que asituação na época do governo Médici era terrivelmente repres-siva. Foram os piores anos, anos difíceis. Realmente, quem nãotivesse muita vontade, e não tivesse vivo o espírito daAssociação, esmorecia. Tanto é que ela custou a se reencon-trar. Afinal, são oito anos de estagnação, pois a Adusp só foifundada em 1976. É verdade que nesse meio tempo houve aReforma Universitária que tirou o sentido da Associação deAuxiliares de Ensino. Até que se pensasse, tivesse o bom pen-samento de fundar uma nova Associação, foram oito anos.Shozo Motoyama - Aliás, esse é um ponto importante quegostaria de ouvir um pouco mais, inclusive o testemunho doprofessor Mathias. Parece muito compreensível que houvesseainda naquela ocasião um medo generalizado, um medo quealcançava até pessoas conhecidas como progressistas O papeldesempenhado pelo grupo inicial, abrindo o processo da cons-tituição da entidade, foi importantíssimo; porém, o apoio dadopor cientistas de grande gabarito e renome, como os professo-res Pavan, Mathias, Antonio Candido, Aziz Simão e tambémo professor Eurípedes Simões de Paula, parece ter sido decisi-vo. Então, eu gostaria ouvir, de um lado, o professor Pavan,porque aceitou um tal desafio quando a coisa ainda estavamuito nebulosa. Evidentemente, hoje em dia, é muito fácil,

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vendo a coisa retrospectivamente, dizer que havia abertura,que não havia perigo. Mas, na época, para a maioria das pes-soas, a situação política não estava muito clara, sendo necessá-ria uma grande dose de coragem para assumir uma posição deliderança no processo de abertura. Gostaria de ouvir depois oprofessor Mathias.Crodowaldo Pavan - Eu não acho que tenha sido uma ques-tão de coragem ou não coragem. Existia no grupo que estavaorganizando a fundação um ambiente tão agradável, tão puro,defendendo princípios em que todos nós acreditávamos, quefoi muito natural o nosso engajamento. De vez em quando,saíam coisas que na época foram consideradas arrojadas, maseram todas perfeitamente naturais dentro do espírito da criaçãoda entidade. É verdade que o pessoal tinha muito receio. Porexemplo, quando eu fiz aquele depoimento na Comissão deInquérito da Assembléia, eu não disse absolutamente nadademais. Lendo aquilo hoje, parece até piada, não tinha nadaque pudesse me colocar em má situação. Mas vocês devemestar lembrados, na saída alguns diziam que poderia dar engui-ço, que poderia dar complicações etc. Recebi até telefonemasdizendo: “você está louco! Que besteira é essa?”; e outrasrecriminações. E, de vez em quando, o O Estado de S. Paulotambém lascava umas frases de ataque e não sei mais o que.Mas acho que havia um ambiente propício, um contexto tãopuro, um sentido de idealismo nas nossas ações muito claro,inclusive perante a comunidade. De modo que não foi necessá-rio coragem nenhuma. Acho, isso sim, que a gente foi envolvi-da numa coisa muito simpática e se saiu muito bem.Shozo Motoyama - Coloquei a questão de uma forma provo-cativa para ressaltar um pouco o ambiente da atuação. Mas,de qualquer modo, continuo convicto de que foi necessáriouma certa coragem para deflagrar o processo e outra dose decoragem para apoiá-lo.Crodowaldo Pavan - É. Mas a coisa estava muito boa. Nósestávamos numa fase gostosa de colaboração.Simão Mathias - Bem, como diz o Pavan, não se tratou bemde coragem. Nós, que nos formamos na Faculdade deFilosofa, Ciências e Letras criamos um certo ideal de universida-de, ideal esse que nos marca ainda hoje. De maneira que,desde 64, quando os professores da nossa universidade forampresos e cassados, a nossa atitude, a nossa maneira de proce-der, veio de forma totalmente espontânea, porque nos senti-mos pessoalmente feridos. Nós, que pusemos a nossa vida, osnossos ideais na Universidade, não poderíamos deixar de lutarpor essa instituição. No momento em que ela começou a ficarpericlitante, surgiu de um modo natural um movimento espontâ-neo de defesa dos seus ideais. Estes estavam tão arraigadosdentro de nós mesmos que não pudemos deixar de fazê-lo.Quando veio o período de 68, 69, as pessoas como Pavan eeu só não fomos cassados por motivos fortuitos. O Pavan esta-va fora, nos Estados Unidos, e eu fiquei, sabendo, através doAntonio Candido, que o nome dele e o meu estavam na

segunda lista de cassações. Mas, devido à enorme repercussãoda primeira lista, a coisa parou por aí. Em vista disso, passamosnós dois, Antonio Candido e eu, a nos considerarmos moral-mente cassados.Crodowaldo Pavan - Só um parênteses Mathias. Eu viajeidepois da crise de 68. Eu passei toda a crise aqui. Infelizmente,tive o infortúnio de assistir uma porção de coisas horrorosas. Euviajei no fim de 68. Antes, eu tinha passado fora os anos de63 e 64, mas na época da coisa quente eu estava aqui.Simão Mathias - Bom, o homem que tinha os mesmos ideaisque os nossos era justamente o Eurípedes.Crodowaldo Pavan - Ah! ele sempre foi do nosso grupo, faziaparte de uma coletividade que tinha os mesmos ideais.Simão Mathias - É claro que cada um de nós tem uma maneiraprópria, pessoal, de agir. E ele tinha uma maneira bastante inte-ressante, com aquela bonomia dele.Crodowaldo Pavan - Eu acho o seguinte, ao falar doEurípedes, ele podia ser fantástico em tudo, mas a grande qua-lidade do Eurípedes era a de ser uma pessoa boa. Isso, paramim, vale mais de qualquer outra qualidade — ele era huma-no, ele sabia sentir o próximo. Estou muito à vontade paradizer isso, porque eu brigava muito com o Eurípedes. Poucaspessoas brigavam com ele quanto eu. Numa reunião do CTAda antiga Faculdade de Filosofia ele chegou a dizer: “eu nãoquero mais você no CTA, você não vai ser mais membro doCTA”. E nunca mais eu fui membro do mesmo. Apesar disso,pessoalmente, nós nos dávamos muito bem. Quando ele disseque eu não seria membro do CTA, não é que ele tenha feitocampanha contra mim, não, eu é que não servia mesmo para oCTA. De qualquer modo, nós brigávamos muito. Mas ele eraum indivíduo que a gente precisa respeitar muito pelas suasqualidades humanas pela bondade em primeiro lugar. Paramim, essa qualidade extraordinária valia mais que qualqueroutra coisa. Realmente, eu era amicíssimo do Eurípedes por eleser bom. Ele tinha outras qualidades excepcionais, mas essa eraa mais fabulosa para mim.Simão Mathias - Perfeitamente. Ele era uma pessoa excepcio-nal. E era também muito hábil. Sabia muito bem como contor-nar situações críticas. Tenho lembrança que muitas vezes eu ia àsala dele para discutir problemas dessas situações críticas, e asminhas opiniões nunca coincidiam com as dele. Ele sempre aca-bava me respondendo com uma frase. Não sei se o pessoalsabe, mas ele me chamava de quimicamente puro (risos).Crodowaldo Pavan - Aliás, Mathias, uma classificação quecoloca na posição real. Foi bem classificado, muito bom!(risos).Simão Mathias - Mas foi uma longa convivência, porquefomos da primeira turma da Faculdade. De maneira que fomosamigos desde os bancos escolares, em 1935, até ele falecer.José Jeremias - A Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas representava, sobretudo, um resquício da antigaFaculdade de Filosofia, Ciência e Letras, que na época o profes-

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sor Eurípedes passou a representar. Eu conhecia a USP atravésdo Paulo Duarte. Foi ele que me abriu São Paulo. Percebi bemque a Faculdade de Filosofia era uma comunidade que lutavacontra a deterioração, contra o regime a que estava submetida,que lutava para não se extinguir. O próprio reitor OrlandoMarques de Paiva, em depoimento que fez a mim, numa certavez, confessou que vários momentos, naquele mesmo momentoem que estava se fundando a Adusp, ele tinha recebido pressõespara extinguir a Faculdade de Filosofia, mas que ele resistiu àsmesmas. Bom, o Eurípedes representava essa defesa daFaculdade. Ele representava essa defesa justamente pela represen-tação que ele tinha em todos os setores da Universidade, peloseu peso no cômputo geral da Universidade. Porque extinguir aFaculdade de Filosofia era de certa maneira extinguir Eurípedes,era atingi-Io violentamente. De fato, ele lutava com unhas e den-tes pela faculdade, representava dentro dela um certo espírito derespeitabilidade, um espírito universitário. Ele enfrentou a burocra-tização da Universidade usando aquela bonomia, o informalismo,o bom humor. Então, ele estava por cima de todos, dos colegia-dos, das congregações, das portarias, das disposições, tentandover as qualidades das coisas, o lado humano assinalado porPavan. Ele resolvia da melhor maneira possível os problemas queos professores e funcionários apresentavam a ele. Era acima detudo um diretor acessível e antiburocrático, um administrador emquem nós sentíamos um colega e amigo. Ele conseguia ser infor-mal e antiburocrático mantendo a respeitabilidade. Essa era acaracterística da personalidade dele. Para mim, isso era fundamen-tal para preservar um certo relacionamento humano que agoracreio que perdeu, mas que foi preservado até certo momento.Para ser exato, ainda se preserva em alguns setores, felizmentenão está de todo perdido. Em relação à fundação da Adusp, fuicom Rocha Barros, num fim de tarde, comunicar a ele que nósestávamos reunidos na Biologia discutindo com um grupo decolegas a fundação de uma entidade de professores daUniversidade. Estávamos veiculando a idéia para uma série depessoas e ele foi uma das primeiras pessoas a ser contactada naFaculdade de Filosofia. Ele recebeu muito entusiasmado a idéialembrando da sua antiga faculdade. Passou abertamente a ser umdefensor da entidade no Conselho Universitário. Ele ajudouinclusive a quebrar um certo clima de animosidade, de atrito, dereceio existente na faculdade. Também ele usou a fundação daAdusp como um exemplo. Logo após a fundação da Adusp,ele convocou uma assembléia geral. Na época do 477, ele con-vocou a segunda assembléia após o AI-5 —a primeira foi aquelada fundação da Adusp. Ele assinou a lista de 80 pessoas con-vocando a assembléia da Adusp, assumindo conosco a responsa-bilidade da mesma. Em seguida convoca uma segunda assembléiapara discutir o problema da licenciatura curta, cuja implementaçãoestava sendo tentada na época. Então, a Faculdade de Filosofiainiciou uma campanha contra a licenciatura curta. Ai ele assumiu oprocesso, participou da comissão que tinha sido montada paraesse fim. Deu toda força para essa campanha que coincidiu com a

fundação da Adusp. Passou também a dar todo apoio aodesenvolvimento da entidade. Como Rocha citou, permitiu até autilização da gráfica. Nós não tínhamos dinheiro. Nossa primeirapublicação, com o miniprograma e a diretoria, foi impressa naFaculdade de Filosofia como uma oferta da gráfica. Eurípedessempre acompanhou com entusiasmo a entidade. A presençadele foi muito importante no contexto da Faculdade de Filosofiae no contexto mais geral da Universidade. Penso que a Aduspfoi bem fundada. Quero dizer, quando ela conseguiu logo deinício adquirir confiabilidade de pessoas expressivas que represen-tavam a melhor tradição na Universidade, nós sentimos que aentidade estava nascida, consolidada com a associação com oque havia de melhor na USP. Naquele momento aquilo eraimportante.Crodowaldo Pavan - E nós tivemos também uma boa cober-tura jornalística.José Jeremias - Tivemos. Ela teve uma projeção exterior, tendoa cobertura do O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, datelevisão e do rádio. Os deputados também se interessaram. Ocomparecimento do Pavan à Comissão Parlamentar de Inquéritofoi importantíssimo. Aliás, foi o início de uma atitude mais cora-josa de discussão pública dos problemas da Universidade demodo bem crítico. Na verdade havia um receio muito grandeque nós fomos quebrando aos poucos. Outro aspecto funda-mental refere-se ao fato dos professores estarem totalmente dis-persos na época. A atuação da Adusp nesse aspecto, prova-velmente, só poderá ser sentida a longo prazo, mas é fundamen-tal. Quero dizer, no momento em que as pessoas estavam dis-persas, desagregadas, com as relações humanas totalmente desa-gregadas, uma desconfiança generalizada pela falta de confiabili-dade etc, a entidade começa a se bater naquela tecla de uniãoe realizar na prática o congraçamento docente. Isso influenciou ainterdisciplinaridade, quero dizer, influenciou profundamente aprodução científica e cultural da Universidade. É claro que issosó pode ser sentido depois de um certo prazo. Hoje convivenas assembléias da Adusp, nos conselhos de representantes,cientistas e intelectuais das mais variadas posições. Eu já partici-pei de reuniões com pessoas que pesquisam as mesmas coisasem diferentes laboratórios que se encontram pela primeira vez emuitas delas com 20 anos de Universidade. Então, abriu-se ocaminho para associar pesquisadores que estavam trabalhandoisoladamente. A influência da Adusp nesse sentido de congra-çamento docente foi muito interessante. Inclusive serviu paragerar um novo clima de convívio nos departamentos. Os profes-sores passaram a se conhecer. Houve uma mudança de qualida-de nas relações das pessoas da Universidade.Crodowaldo Pavan - I sso foi uma das bases donosso programa.Erasmo Mendes - Bom, o ponto que eu gostaria de destacaré o fato tanto da Adusp quanto da antiga Associação deve-rem muito aos docentes da antiga Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras. Na realidade, eles foram criados dentro de

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um espírito, a meu ver, verdadeiramente universitário, semnenhuma tendência de só ficar fiel a uma faculdade por ser aalmamater. É claro que também havia elementos eventuais deoutras escolas, profissionalizantes, que estavam imbuídos desseespírito, mas não eram a regra. Isso mostra um pouco que aquestão da gente se considerar universitário é uma questãoimportante e que é adquirida durante o seu curso universitário.Se a escola é, por razões históricas, muito personalizada, comoa Escola Politécnica, as pessoas não ficam muito universitárias.O professor Paulo Duarte uma vez me disse que teve umabriga muito grande com o professor Camargo, da EscolaPolitécnica. O professor Garcez promoveu um encontro dereconciliação entre os dois. Eles se deram magnificamente bem.Numa certa altura, o professor Camargo disse ao Paulo Duarteuma coisa muito interessante. As palavras dele são as seguintes:“as nossas brigas são porque o senhor, Dr. Paulo, é um univer-sitário, enquanto eu sou um polytechnician”. Eu acho essa brigamuito representativa, exemplificando bem o fato da consciêncianessa universidade de ser universitário não estar ainda permean-do este ou aquele instituto.Rocha Barros - Exatamente. Inclusive eu faço uma piada a res-peito disso. Nós nos burocratizamos após a ReformaUniversitária e nos tornamos são-franciscanos. Logo em seguidasurge a Adusp que recria esse clima da Faculdade de Filosofiae nós nos mariantonizamos, lembrando do famoso saguão daFaculdade de Filosofia sediado na rua Maria Antônia. É, a“Maria Antônia” tem grandes tradições no sentido universitá-rio. Então passamos da atitude típica do Largo de SãoFrancisco para a atitude típica da Maria Antônia com aAdusp. Isso fica consignado como uma piada (risos).José Jeremias - Acho bom registrar que as duas primeiras pes-soas da Faculdade de Filosofia a se entusiasmarem com aAdusp foram Aziz Simão e Eurípedes Simões de Paula. NaFaculdade de Filosofia, enquanto setores tidos inclusive comoprogressistas recuavam, até com grande receio, os dois se entu-siasmaram com a idéia da entidade.Shozo Motoyama - O pessoal progressista a que você está sereferindo seria somente da área de ciências sociais ou abrangeriaas outras áreas também?José Jeremias - Não, de outras áreas também. Há muitas pes-soas que até hoje não militam na Adusp e não deram emnenhum momento a sua contribuição à entidade. O importanteé que a adesão dos dois na Faculdade de Filosofia foi muitoimportante. O Aziz foi de um entusiasmo muito grande. Foi àprimeira assembléia de fundação e enfrentou-a. Levantou osnomes da primeira diretoria no momento em que um grupo deprofessores incapazes de entender o significado da entidadeestavam propondo o adiamento da fundação. Ele enfrentouesses professores e disse de imediato: “não, temos que começarhoje”. Eram dois ou três professores que não estavam entenden-do muito bem o significado dessa fundação. Não concordavamque fosse eleita uma diretoria imediatamente, propondo um

adiamento. Agora, se isso fosse feito aumentaria também os ris-cos para a formação da entidade. As pessoas que estavam par-ticipando da primeira diretoria da Adusp eram pessoas expressi-vas. Elas desempenhavam um papel importante na defesa dosdireitos humanos, na defesa de liberdade intelectual, na defesada democratização do país. Lá estava o presidente de honra daSBPC, o professor Simão Mathias, a então secretária-geral damesma entidade, a professora Carolina M. Bori. A Academiade Ciências do Estado de São Paulo estava presente na pessoado professor Pavan como primeiro presidente. Mais tarde tive-mos também a presença da Comissão de Justiça e Paz de SãoPaulo na pessoa do professor Dalmo Dallari, que passou a nosdar assessoria jurídica. Mais tarde, já na época da campanhaeleitoral da formação das chapas para a diretoria, oito mesesdepois de fundada a entidade que o Antonio Candido já tinhadado apoio desde o saguão da Faculdade de Filosofia – naocasião da morte de Herzog–, resolveu participar mais sistemati-camente. O Douglas Teixeira Monteiro começou a participartambém, além de alguns outros colegas.Rocha Barros - O envolvimento com a Adusp, principalmentequando se faz parte da diretoria, é de tal forma absorvente queexige sacrifícios na tarefa de pesquisa e docência. Isso ocorreudesde o começo. O Pavan, por exemplo, no meio de uma reu-nião da Adusp, sendo feita no seu laboratório, entre uma olha-dela no microscópio e no estado da substância que colocava nomesmo, dizia: “temos de considerar isso, temos que fazer aquilopara a Adusp andar etc.” Depois, voltava para o microscópio,ajustava-o para examinar um determinado material. Quando agente pensava que ele estava alheio à nossa discussão, derepente, ele parava de observar e intervia com argumentos inteli-gentes e oportunos (risos). Aliás, a diretoria tinha de se preocu-par também com a imprensa, pois desde o início tivemos boacobertura, principalmente da Folha de S. Paulo e do Estadão.Shozo Motoyama - Como a imprensa é um meio de comuni-cação entre uma determinada entidade e a sociedade como umtodo, gostaria de saber se foi a imprensa que procurou aAdusp ou o contrário?Crodowaldo Pavan - Essa sua pergunta é muito interessante.Na verdade, nós vivíamos um período de transição. Na épocapoucos cientistas gostavam de falar qualquer coisa que nãofosse da sua especialidade, quero dizer, eles só davam entrevis-tas sobre a sua especialidade. Falar sobre os assuntos do gover-no, falar sobre os assuntos da Universidade, falar sobre outrosassuntos era uma espécie de tabu. Por outro lado, a sociedadereclamava por notícias da universidade diante dos novos tem-pos de abertura. Assim, quando a imprensa constatou que opessoal da Adusp estava disposto a falar sobre os temas gerais,de acordo com um programa muito amplo que tinha se estabe-lecido, um grupo de repórteres explorou bem a matéria.Shozo Motoyama - Acredito que, em linhas gerais, ficaramesclarecidas as circunstancias históricas da fundação da Aduspna versão dos seus fundadores. Muito obrigado.

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