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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009 1 APROXIMAÇÕES DA FORMAÇÃO DE ARTE DO OBSERVADOR BRASILEIRO KUSSAKAWA, Jaci Aico (UEM) NEGRÃO, Sônia Maria Vieira (Orientadora/UEM) O que é arte? Dizer o que seja arte não é nada fácil, muitos tratados sobre estética foram dedicados procurando definir o conceito. 1 Um caminho possível, muitas vezes traçado é a conceituação da obra artística. Caso perguntemos a qualquer pessoa que possua um contato mínimo com a cultura artística européia para citar exemplos de obras de arte ou de artistas, ela facilmente citará a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, a Guernica de Picasso, o Davi de Michelangelo como obras de arte. Até mesmo sem possuir uma definição clara do conceito de arte, será ainda capaz de identificar produções artísticas da cultura em que vive 2 , pois no Brasil historicamente foi a cultura européia que trouxe aos brasileiros essa influência. Mas se buscarmos uma resposta clara e definitiva, ficaremos decepcionados pelas divergentes e contraditórias respostas, além de frequentemente pretenderem ser exclusivas, propondo um único conceito dentre tantas e diferentes concepções 3 sobre a natureza da arte. 1 É a representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características mais gerais. É uma impressão mental, idéia ou noção baseada em uma abstração utilizada em formulações teóricas. Ação que se formula em uma idéia por meio de palavras para definir ou caracterizar uma opinião. 2 Cultura é empregada no conjunto complexo dos padrões de comportamento, das crenças, instituições e outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade (COLI, 2007). 3 Concepção [Do lat. Conceptione.] Ato de conceber ou criar mentalmente idéias, especialmente abstrações (NOVO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1975, p. 358). A concepção é um modo de ver ou sentir à partir de um ponto de vista de um entendimento ou noção. Desta forma o conceito está ligado a definições e significados enquanto a concepção ligada a opiniões e práticas.

APROXIMAÇÕES DA FORMAÇÃO DE ARTE DO … · de artistas, ela facilmente citará a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, a Guernica de Picasso, o Davi de Michelangelo como obras de arte

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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009

1

APROXIMAÇÕES DA FORMAÇÃO DE ARTE DO OBSERVADOR

BRASILEIRO

KUSSAKAWA, Jaci Aico (UEM)

NEGRÃO, Sônia Maria Vieira (Orientadora/UEM)

O que é arte?

Dizer o que seja arte não é nada fácil, muitos tratados sobre estética foram dedicados

procurando definir o conceito.1 Um caminho possível, muitas vezes traçado é a

conceituação da obra artística. Caso perguntemos a qualquer pessoa que possua um

contato mínimo com a cultura artística européia para citar exemplos de obras de arte ou

de artistas, ela facilmente citará a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, a Guernica de

Picasso, o Davi de Michelangelo como obras de arte.

Até mesmo sem possuir uma definição clara do conceito de arte, será ainda capaz de

identificar produções artísticas da cultura em que vive2, pois no Brasil historicamente

foi a cultura européia que trouxe aos brasileiros essa influência. Mas se buscarmos uma

resposta clara e definitiva, ficaremos decepcionados pelas divergentes e contraditórias

respostas, além de frequentemente pretenderem ser exclusivas, propondo um único

conceito dentre tantas e diferentes concepções3 sobre a natureza da arte.

1 É a representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características mais gerais. É uma impressão mental, idéia ou noção baseada em uma abstração utilizada em formulações teóricas. Ação que se formula em uma idéia por meio de palavras para definir ou caracterizar uma opinião. 2 Cultura é empregada no conjunto complexo dos padrões de comportamento, das crenças, instituições e outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade (COLI, 2007). 3 Concepção [Do lat. Conceptione.] Ato de conceber ou criar mentalmente idéias, especialmente abstrações (NOVO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1975, p. 358). A concepção é um modo de ver ou sentir à partir de um ponto de vista de um entendimento ou noção. Desta forma o conceito está ligado a definições e significados enquanto a concepção ligada a opiniões e práticas.

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Assim, é possível dizer que a arte é manifestação da atividade humana diante das quais,

o sentimento é admirativo. Temos aqui um primeiro conceito de arte construído diante

dessa experiência cultural. Dessa forma a cultura estipula solidamente algumas atitudes

e as privilegia. Diante da idéia da arte ser de admiração, as pessoas hipoteticamente

argüidas sabem quem foi Leonardo da Vinci ou Michelangelo e diante de obras primas

destes artistas se predispõem a admirá-los. Podem não saber o que a arte é, contudo

sabem pelo menos quais coisas correspondem a essa idéia e como devem comportar-se

frente a ela (COLI, 2007).

Entretanto tal tranqüilidade não dura muito para quem quiser aprofundar um pouco mais

no problema acerca do que é arte. O questionamento dá margem não a uma noção sólida

e privilegiada e, sim, em uma relação intrincada entre arte e cultura, em que a última

engendra e dialoga incessantemente com a arte. Assim os objetos artísticos estão

intimamente ligados aos contextos culturais, nutrindo a cultura e ao mesmo tempo

nutridos por ela, e somente nesta relação dialética, arte e cultura podem ser apreendidas

e os objetos adquirem a razão de ser da arte.

A obra de arte, como já mencionamos, é constituída dos elementos culturais necessários

e para sua análise, segundo Coli (2007) repousa sobre um pressuposto anterior: o da

transformação da matéria numa expressão cultural específica. Ou melhor, para ler um

livro é preciso utilizar instrumentos culturais de apreensão dos símbolos gráficos

implícitos. Da mesma maneira para se ler um quadro é necessário dominar os elementos

culturais que vão constituir o ser da arte. E para um diálogo mais rico com a obra é

necessário enriquecer este contato com a cultura.

Na relação entre arte e cultura é o discurso autorizado que determina o estatuto da arte e

o valor do objeto artístico. A natureza do julgamento vai mais além do puramente

técnico, pois, nunca se esgota no objeto artístico, e somente adquire sua verdadeira

dimensão se a colocarmos no interior de um movimento em que a abordagem da obra

repousa no contato freqüente, na predisposição amorosa e na busca de conhecimento

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sobre o objeto artístico. Tal movimento denominado como “freqüentação” (COLI, 2007,

p. 115) se constitui em um dos únicos meios para se vencer o olhar de primeira vista.

Ao se fazer a leitura, por exemplo, de uma pintura, com um treino modesto, pode-se

descobrir muito sobre o contexto histórico e que não estão visíveis em um contato

elementar, que progressivamente pode ser ultrapassado pelo contato com: a leitura de

textos sobre o quadro; outros textos que não da história ou da crítica de arte;

comparações entre os quadros do mesmo autor; comparações do mesmo gênero da

pintura analisada; comparações entre outros quadros de pintores que apresentem

afinidades com o quadro em questão (COLI, 2007).

Desta forma nessas leituras o observador situa o pintor em sua cultura e em seu tempo, e

pode enveredar por diferentes caminhos, ao mesmo tempo em que se mantém sempre

próximo à obra. Nas idas e vindas com a obra se pode encontrar o autor, sua época, e

seus semelhantes. Por meio das veredas não racionais da arte, a freqüentação pode

permitir um caminho fecundo para descobrir em sua sintonia o encontro com o outro,

em uma relação particular de comunhão (COLI, 2007).

Temos aqui uma segunda concepção de arte para além do ato admirativo que ressalta a

sensação, intuição, emoção e a sensibilidade do sujeito observador, isto é a

individualidade. Contudo essa individualidade é construída no social e na cultura.

Assim sendo, todos os sujeitos não podem ser tomados isoladamente de seu contexto

histórico, social e cultural, o que torna a individualidade uma construção do indivíduo,

porém, inerente à sociedade.

Tal compreensão esclarece que a freqüentação também não é algo fácil, uma vez que ela

não é dada a todos. Como ocorre no Brasil, pois as dificuldades de acesso a cultura,

obriga o observador a um grande esforço nem sempre com bons resultados, pois ainda

se faz necessário aprender a ler os textos artísticos nas diversas modalidades e esse

conhecimento raramente se faz presente nas aulas de educação artística no ensino básico

brasileiro.

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Nesta linha de pensamento arte se ensina. No contexto educacional quem aprende e

quem ensina apropria-se de elementos tratados pela arte como: imaginação, criação,

poética, leitura e fruição, sem, portanto desprezar o conhecimento que proporciona

meios para compreensão do pensamento das expressões de uma cultura. Assim a arte

pode assumir diversos significados em suas várias dimensões, (OTT, apud BARBOSA,

1998). Saber desvelar o que está contido no objeto de arte por meio da leitura da

gramática visual, sonora ou corporal e saber ampliá-las para o mundo real, complexo, é

o desafio de transcender as formas consagradas de conhecimento, pois desvela os signos

do mundo presente.

Quando trata da reflexão sobre a mudança do pensamento do professor modernista para

que possa ter um posicionamento docente crítico, Kincheloe refere-se à transcendência

estética como necessária a essa mudança pois:

A arte ensina sua lição bem como expõe novas dimensões de sentido, novas formas de lógica nunca antes reconhecidas pela sonâmbula cultura da modernidade. [...] Arte e literatura imaginativa fornecem uma epistemologia alternativa, uma forma de conhecer que transcende as declarativas formas de conhecimento. Os textos literários de drama de música e de pintura fortalecem o poder de indivíduos para ver e ouvir além do nível superficial da vista e do som. Eles podem alertar o sujeito consciente para os lucros unidimensionais do mundo promovido pela cultura dominante.[...] Assim, a arte ilumina a problemática tanto quanto ela cria novos conceitos, novos com os quais ver o mundo. Neste sentido , a arte, através de seus intérpretes dá nascimento ao sentido, porque ela ultrapassa a superfície para explorar as relações sociais e políticas submersas que formam os eventos. [...] a educação crítica do professor pós-moderno é baseada na desfamiliarização, porque os professores aprendem não somente por desfamiliarizar os mundos do senso comum de seus estudantes, mas por criar situações nas quais a experiência dos alunos pode ser usada para desfamiliarizar o mundo da escolarização (KINCHELOE, 1997, p. 72 ).

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Novos paradigmas no ensino da arte ligados a uma visão pós-modernista4 de mundo e

uma nova compreensão da estética da arte como área de conhecimento específico

passam a direcionar e ajudar na compreensão da cultura. O que significa capacidade de

apreensão na arte a partir de complexas interações no contato com ela e experiências

que se tem no esforço e interesse em compreendê-la (WARKEN, 2005).

Nesse contexto o problema do observador não se restringe ao nível individual, alarga-se

para o social. No entanto, o direito à freqüentação é pouco exercido, e assim as pessoas

em nossa sociedade não têm consciência do papel fundamental da arte no seio da

cultura, o que fragiliza a compreensão da função social da arte e, conceituá-la só pode

ser possível por meio dos discursos autorizados dos críticos ou pela exacerbação do

sentimento subjetivo.

Aprofundar o problema da arte na intimidade do contexto cultural é estar fazendo a

crítica da sensibilidade inata e fruição espontânea. Ler nos domínios dos elementos

culturais é se enveredar na humanidade da obra com a consciência do percurso a ser

percorrido com a história. Os conceitos de arte até aqui apresentados sugerem que seu

elemento definidor seria a própria obra. Todavia entendemos ser este um conceito que

4 “Segundo Lyotard (1990), a pós-modernidade na década de 1950 configura a transição da modernidade para uma sociedade mais avançada e crítica ao desenvolvimento industrial após a Segunda Guerra Mundial. Novos valores aparecem, e o ideário moderno é questionado. A transição é acompanhada de um crescente desenvolvimento da indústria tecnológica e do redimensionamento cultural de um novo indivíduo, fruto de uma nova liberdade que admite várias realidades individuais, contrastando com a definição de realidade histórica, sentimento utópico e transformação social. Esse argumento parte teoricamente da crítica aos valores universais das narrativas sociológicas, históricas e filosóficas, valores meramente burgueses. De acordo com Lyotard (1990), as narrativas universais realizam-se em nome da humanidade para defender projetos totalitários e ao mesmo tempo individuais. Essa perspectiva, de outro lado, inverte o sentido da totalidade ao totalitarismo, condensa um quadro de perspectivas efêmeras e caóticas de uma história fragmentária, descontinuísta e desprovida de utopia sócio-histórica. O sentido universal – contraditório, diga-se de passagem – é apresentado como autoritário: “O nós em nome do eu” (LYOTARD, 1990, apud ZANOLLA, 2003, p. 71). A pós-modernidade é uma reposição da repressão e da dominação através do controle que impede a tensão entre os acontecimentos históricos e as afirmações do presente, relativizando as possibilidades de transformações sociais futuras. Nas idéias de Lyotard interessa menos defender aspectos históricos do ideário iluminista ou moderno e mais defender as suas contradições culturais e sociais justificadas, segundo o liberalismo, pelos anseios de liberdade, o que ignorado pelos pós-modernos impede o ideal utópico da transformação. Portanto a pós-modernidade não é uma questão de simples negação da modernidade e da história, mas a tentativa de impor uma cisão entre uma e outra. Para entender isso não se pode ignorar o ideário iluminista que apesar de contraditório, representa as aspirações humanas da modernidade e sua relação com a noção de sujeito verdadeiramente livre (LYOTARD, 1990, apud ZANOLLA, 2003, p. 69).

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apresenta certa fragilidade, pois não seria a arte um conjunto de idéias perceptível nas

atividades do artista e ao redor do objeto?

Assim resta-nos a questão: O que é arte e não é arte na contemporaneidade? O

observador pós-moderno não se confronta somente com o que ele vê, mas outras

questões se justapõem como o porquê ele vê e o que ele vê.

Quando nós aprendemos porque vemos o que vemos, nós estamos pensando sobre o pensar, analisando as forças que moldam nossa consciência, colocando o que nós percebemos num contexto significativo. Nós entendemos que todo olhar, é seletivo, filtrado pelas formas como o poder tem construído nossa subjetividade. Nós aprendemos o que nós vemos a partir de pontos de vista privilegiados na rede da realidade, chegando a nos dar conta de que não existe valor neutro na forma de perceber. O observador pós-formal usa esta metaconsciência na combinação com seu sistema crítico de sentido para provocar reflexão quanto ao que é significativo sobre uma observação. Este reconhecimento da significância emerge de uma maior apreciação pós-formal do contexto, um entendimento da história, da filosofia e da sociologia da educação” (KINCHELOE, 1997, p. 192).

Assim a arte na pós-modernidade caminha em direção a um processo educacional

emancipatório, engendrando entendimentos, promovendo a ação transformadora para

uma ação crítica como práxis, que para Orlandi (1998) a constituição dos processos de

significação, na perspectiva discursiva, é que quem aprecia também lê e produz

sentidos. “E o faz, não como algo que se dá abstratamente, mas em condições

determinadas, cuja especificidade está em serem sócio-históricas” (ORLANDI, op.cit,

p. 58). É com a reflexão sobre a determinação histórica dos processos de significação

que lemos e produzimos sentidos e o fazemos de um lugar, de um tempo, amparados

por nossos referenciais teórico-metodológicos. Nesse sentido, embora localizada em

determinada área de conhecimento (a análise de discurso) a autora aproxima-se da

afirmação de Kincheloe (1997), pois destaca que quando lemos estamos produzindo

sentidos, reproduzindo-os se simplesmente fazemos parte da ‘institucionalização’ dos

sentidos ou transformando-os se compreendemos os mecanismos pelos quais se põe em

jogo um determinado processo de significação. Desse modo podemos dizer que a

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análise de discurso visa à compreensão5 na medida em que ela objetiva explicitar a

história dos processos de significação para atingir os mecanismos de sua produção.

O cerne da produção de sentidos está no modo de relação (leitura) entre o dito e o

compreendido. “Desta maneira os sentidos não nascem ab nihilo. Eles são criados.

Constituem-se em confrontos de relações sócio-historicamente fundadas e permeadas

em relações de poder com seus jogos imaginários. Em que tudo tem como pano de

fundo e ponto de chegada, quase inevitavelmente as instituições” (ORLANDI, 1998, p.

60, grifo da autora).

Mas a história é capaz de produzir uma imprevisibilidade. Assim é do contexto

histórico-social que vai se derivar a pluralidade possível – as leituras. Na história do

sujeito leitor, o que o leva a entender o sentido do texto é determinado pelas posições

ideológicas no processo social-histórico em que são produzidas. Palavras, expressões,

proposições mudam de sentido segundo as posições mantidas pelos que as empregam

em referência às formações ideológicas nas quais estão inscritas (PÊCHEUX, 1975

apud ORLANDI, 1998).

Assim a formação discursiva em correspondência a formação ideológica definirá a

função enunciativa. Contudo ela não funciona como uma máquina lógica é uma unidade

dividida, heterogênea em si mesma. Deslocando-se em um continuo em função das lutas

ideológicas, dos confrontos político-sociais.

A especificidade da formação discursiva está na contradição que a constitui. Cada

formação discursiva, definida por várias outras formações em sua articulação

(contraditória) com a ideologia, se relaciona e se confronta na produção de sentidos.

Para Courtine (1981) (apud ORLANDI, 1998), a contradição se constitui no fio

condutor do discurso, como princípio de sua historicidade.

5 Compreender para Orlandi (1997) seria desconstruir teoricamente para a formulação de mais um aspecto da historicidade que caracteriza o discursivo: o conceito histórico (político) da compreensão; assim o compreender é saber que o sentido poderia ser outro.

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Até aqui narramos a relação da ideologia e da linguagem, entendida pelos autores

citados como linguagem verbal e escrita, o que entendemos que seja válido para um

conceito expandido de linguagem: capacidade social e cultural que revela aspectos

humanos para além da possibilidade verbal e escrita, assim a linguagem destaca-se

como um sistema de significação e comunicação e nele incluímos a linguagem da arte e

para ela retornaremos.

Para Eisner6 (2008) vivemos num tempo de necessidades nas habilidades da previsão e

da absoluta consciência daquilo que se quer fazer. O trabalho nas artes cultiva modos de

pensar e sentir, e não se pode ter sucesso nas artes sem tais capacidades cognitivas. Tais

formas de pensamento integram o sentimento e o pensamento de modo inseparável. Em

que as sensibilidades entram em jogo e aprimoram o processo.

Aprender a prestar atenção à maneira como a forma está configurada é um modo de pensamento aplicado a todas as coisas feitas, sejam teóricas ou práticas. Como é uma história composta no contexto das artes da linguagem, como é que uma historiadora compõe o seu argumento, como é uma teoria científica construída, todas estas formas de criação humana beneficiam da atenção ao modo como os elementos que os constituem estão configurados. Precisamos de ajudar os estudantes a aprender a perguntar não só o que alguém está a dizer, mas como é que alguém construiu um argumento, uma partitura ou uma imagem virtual. As actividades de currículo podem ser definidas para chamar a atenção de tais questões, actividades que refinam a percepção em cada um dos campos que ensinamos. Isto vai requerer mais actividades que abrandem a percepção do que a acelerem (EISNER, 2008, p. 10).

Para Eisner são as artes uma forma especial de experiência, mas a experiência que as

artes possibilitam não é restrita ao que chamamos de belas artes.

6Um dos precursores do DBAE (Discipline Based Art Education), projeto de disciplinarização que triunfou como modelo de sistema educativo americano, programa desenvolvido pela Getty Center for Education in the Arts com a proposta para a classificação em contextualismo/essencialismo no ensino da arte (FISCH, 2006).

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O sentido de vitalidade e a explosão de emoções que sentimos quanto comovidos por uma das artes pode, também, ser assegurada nas idéias que exploramos com os estudantes, nos desafios que encontramos em fazer investigações críticas e no apetite de aprender que estimulamos. No longo caminho estas são as satisfações que interessam principalmente por serem as únicas que garantem, se é que se pode garantir, que, aquilo que nós ensinamos aos estudantes vai continuar a persegui-los voluntariamente, depois de todos os incentivos artificiais das nossas escolas serem esquecidos. É especialmente neste sentido que as artes servem de modelo para a educação (EISNER, 2008, p. 15). .

A proposta de Eisner é uma concepção de educação, que usa a arte como capacidade de

tratar mensagens conflituosas, de fazer juízos na ausência de regras, de lidar com a

ambigüidade e de fabricar soluções imaginativas para os problemas que encontramos.

Ao estarmos inseridos em um mundo que não se subjuga a respostas únicas, corretas ou

soluções seccionadas para problemas, precisamos ser capazes de prever novas opções,

como também pensar na arte que estimule e desenvolva pensamentos criativos e

apropriados para o mundo real em que vivemos.

Temos aqui uma terceira concepção de arte inserida na incorporação da obra artística ao

tema que ela retrata, pois tal conteúdo vai estabelecer a partir do sentido não físico a

direção ao que é passível de interpretação. A obra de arte já não é algo que se possa

traduzir de forma objetiva e analítica. O significado de uma obra é um conjunto de

possíveis significados à espera do olhar do espectador. Como o olhar do artista, o olhar

de cada um de nós está influenciado de experiências. Nossas práticas individuais estão

inseridas no contexto mais amplo, impregnado pela cultura, pelo tempo e espaço em que

vivemos.

A desmaterialização do objeto artístico como característica da contemporaneidade

decorrida da incorporação pelas novas tecnologias: vídeos, fotografias e o computador

suscitou questões em torno de seu conceito: O que é arte e não é arte na

contemporaneidade? A arte contemporânea ao interagir com outras obras e estilos

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anteriores, cita, recicla, constrói novas significações, integra o passado e o presente. O

realismo contemporâneo gira em torno dos símbolos sociais e culturais e aponta os

significados na direção do olhar do observador.

Qual o perfil de observador que interage com a terceira concepção de arte estruturada

com tamanha complexidade?

Nesta compreensão está quase fora de questão uma pessoa identificar o conteúdo das

obras de arte pelas suas qualidades visuais, o que se aplica à arte contemporânea,

sempre possível de imaginar pelos objetos indiscerníveis, conforme salienta Danto

(2008).

Essa nova consciência artística e cultural identificada como contemporânea promoveu

uma revisão do status da arte, com a valorização da atividade interpretativa do

observador/fruidor, portanto, ativo, na proporção de uma “consciência de que um

modelo hegemônico da história ocidental branca, que atuou como uma justificativa para

o imperialismo e colonialismo, não é mais adequado ou mesmo aceitável” (DANTO,

2008, p. 592) da não existência de uma única interpretação como verdade absoluta para

a obra de arte.

Assim a formação desse observador requer a educação centrada na análise das

qualidades formais da obra e domínio de determinados códigos, muitas vezes só

compreendida no contexto social e cultural. O conhecimento artístico ampliado da

cultura visual tornou-se imprescindível em uma sociedade minada por imagens.

Mudanças qualitativas e significativas no processo ensino-aprendizagem se fazem

necessárias como sustentáculos essenciais para abordar a cultura da imagem como

fenômeno social e cultural.

Como a escola poderá formar esse observador/fruidor, consciente que domine os

códigos e analise as qualidades formais da obra de arte? A escola deverá formar

capacidade de comparar, criar e interpretar significados para as manifestações dos

objetos artísticos por meio de estratégias de interpretação e de compreensão nos

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significados da cultura visual. Tais estratégias estão diretamente vinculadas a

determinados temas e problemas com relação à história da arte, a estética, a objetos de

outras culturas e as mais diversas manifestações da cultura visual.

Ao trabalhar a cultura visual o professor amplia o repertório de imagens a ser estudados

em sala de aula, não somente a partir dos objetos consagrados como também os cartazes

publicitários, anúncios em videoclips, internet e as multifacetadas manifestações da

cultura visual.

Neste ponto, obrigamo-nos a discutir as relações entre arte e mídia, pois elas devem

estar na pauta da sala de aula para a formação do observador em questão. Arte e mídia

são instituições diferentes do ponto de vista de suas respectivas histórias, de seus

sujeitos ou protagonistas e da inserção social de cada um, contudo ambas estão

presentes nas relações sociais e implicam nas relações culturais de cada sociedade. A

arte é a atividade humana, origina-se nos primórdios das organizações sociais fruto da

comunicação e do desenvolvimento da linguagem.

A arte expressa a busca do homem pela totalidade, revela os sentimentos e julgamentos

que o homem tem do seu tempo. Como a arte é fruto da comunicação humana, envolve

dois sujeitos: o criador e o observador. O segundo torna-se, como já vimos, apreciador à

medida que compreende a arte e seus códigos.

A mídia também é fruto da comunicação humana, entretanto sua configuração atual foi

formatada a partir da intensificação da industrialização, pois as relações humanas

ganham característica de mercadoria, assim como a cultura. A mídia, então, está a

serviço da divulgação de produtos culturais. Sua influência no cotidiano, diferente da

arte, é convergir idéias para a constituição de mercados ávidos em disponibilizar

produtos para o consumo, padronizar as idéias. Contudo, a mídia utiliza-se da criação e

da linguagem artística para a produção de seus produtos assim como a arte também se

utiliza da mídia para divulgação de música, cinema, teatro, dança e artes visuais que

muitas vezes transformam-se em bens de consumo cultural.

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Arte e Mídia se imbricam e mesmo se confundem na sociedade contemporânea. Diante

disso é necessária uma análise do caráter divergente da arte e do caráter convergente da

mídia. A inventividade e a criatividade são vias de acesso tanto à arte quanto à mídia.

As linguagens artísticas estão presentes tanto nos meios de comunicação quanto nos

desenhos e composições de projetos tecnológicos, haja vista a valorização estética dos

produtos cada vez mais arrojados e minuciosamente planejados para agradar ao público

à que são destinados. O apelo se faz pela dimensão estética, sensível, porém ao mesmo

tempo estes produtos padronizam e uniformizam gostos, usos e costumes. Convergem

os pensamentos e idéias, uma vez que o objetivo é o consumo de bens culturais e não a

reflexão e o questionamento da identidade simbólica.7

A arte diverge, pois na ótica criativa não existe somente um, mas vários caminhos nos

quais as diferenças são valorizadas. A aprendizagem em arte deve distinguir a vida,

deve dialogar com as realidades e por meio das experiências estéticas nas quais os

saberes artísticos criam formas de interpretação do mundo e as experiências da vida real

criam novas formas de fazer a arte.

A linguagem artística presente nos meios de comunicação não carrega o mesmo

significado da arte, que busca refletir sobre a vida, porque a arte não é somente uma

conseqüência de modificações culturais, mas também um instrumento provocador de

mudanças, “a arte possui um caráter reordenador e parte de um sistema sociocultural

para em seguida corrompê-lo, redimensioná-lo, restabelecê-lo” (MENEZES, 2005, p.

12).

Os recursos midiáticos desenvolvem uma função educativa, pois os conteúdos por eles

vinculados proporcionam aprendizagem e informação, todavia o caráter convergente da

mídia consiste na forma que concebe e divulga a cultura como produto, configurado a

7 A função social da arte está em trabalhar o sensível e o imaginário com o objetivo de alcançar o prazer e desenvolver a identidade simbólica de um povo ou classe social, objetivando uma práxis transformadora.

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partir de uma lógica mercadológica e industrial. Sua apreciação se faz de forma

imediata e não sensorial e subjetiva.

Arte e mídia têm em comum a comunicação, entretanto se distinguem no sentido de que

a arte comunica a realidade pensada, abstraída e transformada, por vias sensoriais e

subjetivas, enleva e desvela. Transforma o artista e o observador, produz o pensamento

crítico e o pensamento divergente. Já a mídia “a que está ao alcance do maior número

de pessoas” com o seu grande poder de comunicação também utiliza dos códigos da arte

para transmitir sua mensagem, porém massifica, oferece a mensagem sem possibilidade

de diálogo com o observador, este a recebe pronta sem discernir ou avaliá-la. Arte e

mídia se combinam no sentido de a arte se apropriar das inovações tecnológicas para a

criação artística e a mídia se utilizar das linguagens da arte para persuadir e comunicar

seus bens materiais e simbólicos.

Para a formação do observador/fruidor, o professor pode partir das referências externas

fragmentadas sobre arte trazidas pelos alunos que são oportunidades ímpares de formar

o observador para além da admiração e da contemplação por meio da representação,

conceitualização, criação e interpretação em arte.

Antes, porém de tratarmos sobre o ensino de arte, explicitaremos como as concepções

até aqui apresentadas, foram estruturadas a partir de conceitos de arte e desdobradas em

múltiplas leituras que se incorporaram nas formulações e práticas dos professores e

como influenciaram o ensino de arte no Brasil.

REFERÊNCIAS

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______. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, 1984. (Coleção Os

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