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ARNALDO ANTUNES – O CORPO DA PALAVRA Jorge Fernando Barbosa do Amaral Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz Rio de Janeiro Agosto de 2009

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ARNALDO ANTUNES – O CORPO DA PALAVRA

Jorge Fernando Barbosa do Amaral

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz

Rio de Janeiro Agosto de 2009

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À Maria Natalina, Aparecida e Sebastião (in memoriam), porque há muito deles neste trabalho, assim como haverá em tudo o que eu ainda fizer de bom nesta vida. À Claudia, que iluminou meu caminho em cada milímetro deste trabalho, e que continuará comigo em cada passo adiante que eu der. Promessa de felicidade infinita.

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AGRADECIMENTOS

A Eucanaã Ferraz, pela generosidade de sua orientação e pela forma sempre lúcida e tranqüila com que me apontou os caminhos. A Julio França, a quem eu devo grande parte do meu amadurecimento acadêmico. A todos os professores, pelos estímulos criativos que suas aulas despertaram. Aos parentes e amigos todos, pela feliz torcida.

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ARNALDO ANTUNES – O CORPO DA PALAVRA

Jorge Fernando Barbosa doAmaral

Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira)

Examinada por:

_________________________________________________

Presidente, Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz – PPG Letras Vernáculas - UFRJ

_________________________________________________

Profa. Doutora Anélia Montechiari Pietrani – PPG Letras Vernáculas - UFRJ

_________________________________________________

Prof. Doutor Frederico Augusto Liberalli de Góes – PPG Ciência da Literatura – UFRJ

_________________________________________________

Profa. Doutora Rosa Maria de Carvalho Gens – PPG Letras Vernáculas – UFRJ, Suplente

_________________________________________________

Prof. Doutor Eduardo dos Santos Coelho – Fundação Casa de Rui Barbosa, Suplente

Rio de Janeiro

Agosto de 2009

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ARNALDO ANTUNES – O CORPO DA PALAVRA

Jorge Fernando Barbosa do Amaral

Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).

RESUMO

Esta dissertação pretende analisar os caminhos traçados por Arnaldo Antunes no exercício de exploração da palavra em seus mais variados aspectos. O trabalho lança um olhar sobre a obra do artista, no intuito de verificar como, ao mesmo em que desenvolve sua produção sob o signo da simultaneidade entre as linguagens, ele utiliza os meios específicos de cada uma delas para atingir potencialidades diferentes da palavra. Por conta da amplitude desse objetivo, o trabalho acaba atingindo questões que passam pela filosofia da linguagem, com a discussão da relação signo-objeto, desenvolvida a partir das idéias de Saussure, Bakhtin e Wittgenstein; tocam na poesia concreta e seu projeto verbivocovisual; nos exercícios de caligrafia; atingem o campo da canção popular enquanto cristalização dos recursos entoativos da fala, questão que é levantada à luz dos escritos de Rousseau e Luiz Tatit; e chegam até a discussão sobre o aproveitamento de modernos recursos tecnológicos para o estabelecimento da chamada arte primitiva, baseada na idéia de “aldeia global”, de McLuhan.

Palavras-chave: Poesia. Arnaldo Antunes. Palavra. Linguagens. Canção. Caligrafia. Arte.

Rio de Janeiro Agosto de 2009

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ARNALDO ANTUNES – THE BODY OF THE WORD

Jorge Fernando Barbosa do Amaral

Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).

ABSTRACT

This thesis analyses the way Arnaldo Antunes works with words in their most various aspects and verifies how he uses the specific means of each type of language in order to explore words and their different potentialities. For that, the present work discusses the relationship between linguistic signs and their referents, in the light of Saussure, Bakhtin and Wittgenstein; concrete poetry e its “Verbicovisual” project; works of calligraphy; the studies of Rousseau and Luiz Tatit as regards to speech and popular songs; and, finally, the use of modern technological resources in the establishment of the so called Primitive Art, according to McLuhan’s idea of Global Village. Keywords: Poetry. Arnaldo Antunes. Word. Languages. Song. Calligraphy. Art.

Rio de Janeiro Agosto de 2009

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 8

2. NOME SIM, NOME NÃO 16 2.1. O SIGNO ALÉM DA ARBITRARIEDADE 18 2.2. OS JOGOS ALÉM DO NOME 26 2.3. AS COISAS NÃO TÊM PAZ 32 2.4. O SIGNO CONCRETO 38

3. SÓ OS SONS SÃO 52 3.1. O SIGNO ENTOADO 56 3.2. POP CONCRETO OU A ESPECIALIZAÇÃO EM XEQUE 66

4. ARNALDO PRIMITIVO 79 4.1. A TRIBO DE McLUHAN 85 4.2. O MULTINOME 92

5. CONCLUSÃO 99

6. BIBLIOGRAFIA E OUTRAS FONTES 103 6.1 SITES CONSULTADOS 108

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1 – INTRODUÇÃO

É possível perceber, ao nos debruçarmos sobre a obra de Arnaldo Antunes, que

ela possui um inegável grau de amplitude: livros, discos, performances, artes visuais e

trabalhos multimídias. E a liberdade com que o artista transita por essas diferentes

trilhas dá grande singularidade à sua produção artística. Nesse sentido, para termos uma

consciência inicial do poder de abrangência de sua obra, procuramos traçar um breve

panorama de sua produção, desde o início dos anos 1980.

Podemos dizer que a carreira artística de Arnaldo Antunes começou em 1980,

quando com Go, sua primeira mulher, criou livros artesanais, impressos em xerox,

como A flecha só tem uma chance e Um piano e muitas galinhas. No mesmo ano,

editou, em parceria com Beto Borges e Sergio Papi, a revista Almanak 80. No ano

seguinte, editou a revista Kataloki(Almanak 81), ao mesmo tempo em que passa a

integrar a Banda Performática, liderada pelo artista plástico José Roberto Aguilar. E em

1982, passou a fazer parte da banda Titãs do Iê-Iê.

Em 1983, lançou seu primeiro livro, OU E. Editado pelo próprio autor, é uma

espécie de livro-caixa, com caligrafias, poemas visuais e algumas releituras de outros

poetas, como Haroldo de Campos, Höelderlin e William Blake. Em 1984, os Titãs do

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Iê-Iê gravaram seu primeiro disco, Titãs (WEA), passando a se chamar apenas Titãs. No

ano seguinte, os Titãs lançaram Televisão (WEA). Em 1986, Arnaldo publicou seu

primeiro livro por uma editora, Psia (Expressão, 1986; Iluminuras, 1991). No mesmo

ano, lançou, com os Titãs, o LP Cabeça Dinossauro (WEA). No ano seguinte, os Titãs

lançaram o LP Jesus não tem dentes no país dos banguelas (WEA). Em 1988, Arnaldo

co-editou a revista Atlas (Almanak 88), e os Titãs lançaram Go back (WEA). Em 1989,

chega às lojas Õ Blésq Blom(WEA). Em 1990, além de lançar o livro Tudos

(Iluminuras), Arnaldo participou da Transfutur — Visuelle Poesie, mostra de poesia

visual realizada na cidade de Kassel, Alemanha. Em 1991, ele encerra sua participação

nos Titãs com o disco Tudo ao mesmo tempo agora (WEA).

No ano de 1992, participou da exposição p0es1e — digitale dichtkunst, na

Galerie Am Market Annaberg-Burchholz, em Munique, Alemanha. Além disso,

produziu o CD Isto não é um livro de viagem (ed. 34), no qual o poeta Haroldo de

Campos declama dezesseis poemas do livro Galáxias, e realizou, com Augusto de

Campos, o trabalho gráfico de Rimbaud Livre (Perspectiva). Ainda neste ano, Arnaldo

publicou o livro As coisas, com ilustrações de Rosa, sua filha, que contava apenas três

anos de idade. Em 1993, lançou Nome (BMG), um projeto multimídia que inclui Livro,

CD e vídeo.

Nos anos de 1995 e 1996, lançou respectivamente, os Cds Ninguém (BMG) e O

silêncio (BMG). Em 1997, publicou 2 ou + corpos no mesmo espaço (Perspectiva),

livro que acompanha um CD com versões em áudio de alguns poemas. No ano

seguinte, chega às lojas o Cd Um som (BMG). E, nesse mesmo ano, com uma instalação

gráfico-poética, Arnaldo participou da XXIV Bienal Internacional de São Paulo.

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No ano 2000, Arnaldo Antunes lançou o CD O Corpo, trilha sonora composta

por ele especialmente para o grupo de dança Corpo. Nesse mesmo ano, é lançada 40

escritos (Iluminuras), coletânea organizada por João Bandeira, que reúne textos

ensaísticos de Arnaldo, escritos desde 1980. Nesse mesmo ano, é publicada Doble

Duplo (Zona de Obras/Taugará), a antologia de poemas, lançada na Espanha, com

tradução e organização de Iván Larraguibel, e prefácios de David Byrne e Arto Lindsay.

Em 2001, lançou o CD Paradeiro (BMG) e o livro Outro, poema escrito em conjunto

com Josely Vianna Baptista, a partir do trabalho visual de Maria Angela Biscaia. Ainda

nesse ano, monta em Portugal, a instalação Palavra Desordem, na Galeria Labirintho,

na cidade do Porto, e apresentou, com Guilherme Kastrup e Chico Neves, uma

performance no festival Porto 2001, no Museu de Arte Contemporânea. Também com

o título Palavra Desordem (Iluminuras), lançou um livro de frases em 2002.

Em parceria com Marisa Monte e Carlinhos Brown, lançou, em 2003, o CD

Tribalistas (EMI). Ainda nesse ano, foi publicado ET EU TU (Cosac & Naify), sobre

fotos de Marcia Xavier. No ano seguinte, chega às lojas o disco Saiba(Rosa

Celeste/BMG). E, em 2005, realizou uma performance e lançou, na Itália, Transborda,

CD de poemas produzido pelo Absolute Poetry - October Poetry Festival, em

Monfalcone. Em 2006 lançou o disco Qualquer (Biscoito Fino) e publicou Frases do

Tomé aos três anos (Alegoria), livro no qual selecionou, transcreveu, ilustrou e

diagramou frases de seu filho Tomé, então com três anos de idade. E, ainda nesse ano,

publicou a antologia Como é que chama o nome disso (Publifolha), organizada por

Arthur Nestrovski, com poemas, ensaios, letras de canção, caligrafias e uma entrevista

realizada por Arthur Nestrovski, Francisco Bosco e José Miguel Wisnik.

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Após o desenho desse complexo de tendências da obra de Arnaldo Antunes,

podemos dizer que nosso objetivo neste trabalho será traçar uma linha de pesquisa que

possa, de alguma forma, mostrar que toda essa multiplicidade de caminhos tem um

ponto em comum: a palavra seria como grande alicerce da expressão. Ela seria o porto

de saída de todas as ramificações expressivas.

Em vista disso, procuraremos, no primeiro capítulo, analisar as inquietações de

Arnaldo Antunes acerca das relações referenciais entre o signo linguístico e seu objeto.

Para Arnaldo, é comum ao discurso poético ultrapassar as fronteiras da linguagem

referencial, uma vez que a palavra poética, como não é explorada apenas sob seu

aspecto significativo, mas também visual e acústico, relativiza a função da palavra de

representar um determinado objeto. Como ele próprio afirma:

Eu acho que a poesia é o lugar onde a forma ganha significado. Com se as palavras, no seu sentido de dicionário, fossem uma intermediação entre nós e o mundo, elas, não impedindo, mas estariam intermediando nosso contato direto com as coisas. Então, entre eu e a mesa tem a palavra mesa, e isso faz com que a gente tenha um recorte cultural da realidade. E na poesia, de certa forma, ela perde essa ação de afastamento da realidade sensível. Ela deixa de dizer as coisas para ser em si uma coisa. Ela se coisifica. E assim ela passa a ser uma via de acesso mais direta à experiência. Ela, sendo uma realidade, passa a ser uma possibilidade de trazer o contato da gente diretamente com a realidade. Ela apresenta uma situação mais do que ela substitui uma situação. Ela possibilita, dessa forma, uma alteração dos sentidos e da consciência das pessoas. E isso é uma das motivações do meu trabalho. 1

Nesse sentido, utilizamos como arcabouço teórico os escritos de Mikhail

Bakhtin, que buscam lançar discussões acerca das célebres idéias de Ferdinand de

Saussure sobre a relação entre significante e significado. Para Bakhtin, houve um

momento da história humana em que uma mesma palavra era utilizada para manifestar

1 Comentário de Arnaldo Antunes, feito em 15.06.1998, por ocasião do II Festival Internacional de Poesia de Dois Córregos - SP, extraído do site www.youtube.com/watch?v=izpjN9qnDzg&feature=related Acesso em 23. 07. 2009

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coisas e situações completamente diferentes. Além disso, ao contrário do que defende

Saussure acerca da dicotomia langue x parole, a língua não é um organismo imutável,

mas ao contrário, está totalmente condicionada à movimentação de seu falante na

sociedade em que se encontra. As idéias de Bakhtin, então, nos ajudarão a identificar a

postura ideológica de Arnaldo em relação às questões saussureanas da arbitrariedade do

signo e da inflexibilidade da língua, já que, também para ele, a língua deve estar sujeita

à realidade de seus falantes:

Eu acho que a língua tem uma dinâmica natural. Na verdade, um conjunto de regras deveria tentar se adequar à realidade dos falantes, e não impor uma realidade. A língua se fez pelo falante cotidiano na rua. “O povo é um inventalínguas”, dizia o Haroldo de Campos num poema dele. E eu acho que não tem regras que domem essa mudança. Eu acho que a gente tem, por exemplo, o francês, o português, o italiano que surgiram do latim, se tivéssemos uma regra que desse conta disso estaríamos falando latim até hoje. Mas são desdobramentos de falantes de cada região que foram falando aquela língua de maneira diferenciada por gerações e gerações, e aquilo foi se desdobrando num outro sotaque, em outro vocabulário, em outra forma de utilizar a sintaxe[...] Então, você querer fazer uma regra idiomática que dê conta dessas diferenças e que tente amenizá-las ou aplainá-las, não corresponde ao que acontece naturalmente. Eu acho que o que acontece naturalmente é que deveria nortear a fixação daquilo nas regras. 2

Após apresentação das idéias de Bakhtin, procuraremos ampliar a discussão

lançando mão da teoria dos jogos de linguagem, do filósofo vienense Ludwig

Wittgenstein. Para este, o grau de significação de uma palavra pode ser medido a partir

de laços mais estreitos entre um indivíduo e a situação em que ele se insere, e não

apenas pelo simples ato ostensivo de se apontar para algo e dar a ele um nome. E ainda

neste primeiro capítulo, procuraremos demonstrar como Arnaldo Antunes explora o

2 Idem., extraído do site www.youtube.com/watch?v=Hf2ut8JId90&feature=related. Acesso em 23. 07. 2009 Acesso em 23. 07. 2009

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universo material da palavra a partir de suas dimensões visual, sonora e conteudística,

utilizando-se dos preceitos estéticos verbivocovisuais da poesia concreta.

O segundo capítulo, intitulado “Só os sons são”, é uma referência a alguns

versos de “Nome não”, de Arnaldo, que diz: “Os nomes dos sons não são os sons./Os

sons são.[...]Só os sons são/som são/ nome não.” (ANTUNES, 1993, s/p.). Esses versos

nos fizeram pensar sobre que tipo de poder teria o som para fazer com que ele se

colocasse além das limitações estabelecidas pela nomeação. Para tentar elucidar a

questão, além de utilizarmos ensaios do próprio autor sobre o assunto, traremos à tona

as palavras de Jean-Jacques Rousseau sobre um possível estágio original das línguas.

Para Rousseau, grande parte da estrutura de funcionamento de uma língua está ligada à

forma com que ela é entoada, tendo o aspecto sonoro, então, uma importância ímpar na

construção de sentido, o que nos faz concluir que na época de suas formações, as

línguas eram mais cantadas do que propriamente faladas. Em vista disso, utilizaremos

também a teoria do linguista e compositor Luiz Tatit, que acredita que toda a fala

corresponde a certa entonação, e que é a partir da cristalização de determinadas

entonações que se configuram as canções. A partir dessa perspectiva que iremos encarar

a potencialidade do som na produção de Arnaldo Antunes. E, como as canções são

formas cristalizadas de entoações da fala, trataremos também, ainda que brevemente, de

sua arte caligráfica, pois, segundo ele, as caligrafias são tentativas de registros gráficos

do que seriam esses recursos entoativos da fala. Após a discussão sobre a palavra

entoada, terminaremos o capítulo focalizando a ligação de Arnaldo com a canção

popular, e os motivos que o levaram a desprezar uma suposta e insistente dicotomia

entre alta e baixa culturas.

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Por fim, no terceiro e último capítulo, analisaremos como o artista se utiliza dos

recursos multimídias para explorar os aspectos plásticos da palavra, e de como a

possibilidade de utilização simultânea de vários códigos num mesmo instrumento – o

computador – pode auxiliar o artista no exercício redimensionamento intersemiótico de

sua obra. Além disso, discutiremos como o computador, e mais especificamente a

internet, para Arnaldo, é um veículo de condensação cultural, no sentido de fazer com

que pessoas de várias partes do mundo se movimentem em direção a perspectivas

comuns. Isso desperta em Arnaldo o sentimento de retorno à organização das

comunidades primitivas, tendo em vista que essa relação virtual provoca, de certa

forma, uma espécie de reaproximação orgânica entre os indivíduos na transmissão de

conhecimento. Utilizaremos, como fundamentação teórica, a noção de aldeia global, de

Marshall McLuhan, pois, mesmo se referindo a recursos tecnológicos como o rádio e a

televisão, suas idéias sobre a noção de aldeia tornam-se ainda mais relevantes se forem

adaptadas à realidade da internet. E, para encerrar o capítulo, analisaremos alguns

aspectos do trabalho multimídia Nome, que acreditamos ser um excelente exemplo do

poder de simultaneidade e diálogo de linguagens, combustíveis determinantes para o

desenvolvimento da obra de Arnaldo Antunes.

É importante afirmar, ainda, que nosso propósito é fazer com que a linha de

pesquisa desse trabalho seja desenvolvida a partir da trilha aberta pelas reflexões críticas

e teóricas do próprio Arnaldo. Além de suas reflexões, pretendemos que os próprios

aspectos de sua obra ajudem a definir os outros instrumentais teóricos a serem

utilizados, o que deve nos fazer partir da obra para a pesquisa, e não o movimento

oposto, ou seja, o de haver uma linha de pesquisa definida a priori para, a partir daí,

enquadrarmos a produção artística. Acreditamos que isso nos dará maior maleabilidade

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para observar a obra de Arnaldo em toda a sua plenitude. E se houver aqui alguma

tentativa de segmentação de sua produção, será por motivos estritamente analíticos, que

podem buscar seguir uma linha de raciocínio e, com isso, acabar por promover algum

tipo de hierarquização entre sua tão diversificada produção. Mas temos consciência que,

se agirmos de tal modo, entraremos em confronto com uma das mais significativas

características de sua obra: a unicidade.

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2 – NOME SIM, NOME NÃO

A origem da poesia se confunde com a própria origem da linguagem (Antunes, 2006, p. 323)

A epígrafe acima é parte de um texto chamado Sobre a origem da poesia, um

livro-programa do espetáculo 12 poemas para Dançarmos, de Gisela Moreau. Nele,

Arnaldo Antunes defende a idéia de um possível momento em que a linguagem não

tinha seu poder de significação preso a uma referência exterior específica. Isso, na

verdade, diz respeito a certo pensamento primitivo, característico do homem pré-

histórico, ainda distante da cientificidade da linguagem referencial. No referido texto,

Arnaldo lança mão de uma reflexão de Mikhail Bakhtin sobre certa “ ‘complexidade’ do

pensamento primitivo” (ANTUNES, 2006, p. 324), em que esse “homem pré-histórico

usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do

nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si.” (ib., ib.) Segundo Bakhtin,

“uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e

o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal etc.” (id.,Ib.) Ao fazer coro às palavras do

filósofo, Arnaldo relativiza a idéia de linguagem como mero instrumento de

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representação das coisas, e afirma seu entusiasmo, mesmo que com certo grau de utopia,

em relação a “uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse

seu cordão umbilical, gerando essas duas metades – significante e significado.” (id., ib.,

p. 323)

Quando fala da existência da relação entre significante e significado como

resultado de um afastamento da linguagem de um suposto (e um tanto utópico)

momento original, Arnaldo se refere aos conhecidos estudos de Ferdinand de Saussure

acerca do signo linguístico e suas propriedades. Neste sentido, a arbitrariedade sígnica,

que necessariamente liga um significante a um significado específico, é o ponto de

dissolução da suposta infância da linguagem. Quando se afirma que uma palavra tem

uma ligação arbitrária com uma referência externa, tira-se dela a importante propriedade

de se referir a várias outras coisas do mundo. A poesia, então, vem para resgatar essa

integridade e restituir a íntima relação, que, como afirma Arnaldo, se realiza com seus

“paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações

nos signos de sempre.” (id., ib.,p. 324)

Em Questões de literatura e de estética - a teoria do romance, Mikhail Bakhtin

confirma essa perspectiva natural do discurso poético:

Nenhum domínio da cultura, exceto a poesia, precisa da língua na sua totalidade: o conhecimento não tem nenhuma necessidade da complexa originalidade da face sonora da palavra no seu aspecto qualitativo e quantitativo, da multiplicidade das entonações possíveis, do sentido do movimento dos órgãos de articulação, etc.; pode-se dizer o mesmo dos outros domínios da criação cultural: todos eles não vivem sem a língua, mas tiram dela muito pouco. É só na poesia que a língua revela todas as suas possibilidades, pois ali as exigências que lhe são feitas são as maiores: todos os seus aspectos são intensificados ao extremo, alcançam seus limites; é como se a poesia espremesse todos os sucos da língua que aqui se supera a si mesma. (BAKHTIN, 1993, p. 48)

Neste sentido, tanto para Arnaldo quanto para Bakhtin, é natural ao discurso

poético o rompimento dessa limitação provocada pela linguagem referencial. Os

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recursos utilizados pela poesia no tratamento da palavra a abrangem de todos os lados

possíveis. Superando as limitações da linguagem referencial, a poesia dissolve a relação

arbitrária entre um significante e o significado específico, e liberta o signo linguístico de

sua limitada atribuição de representação das coisas.

Pode-se perceber que temos aí um confronto de perspectivas em relação à

linguagem. De um lado, temos Saussure em sua postura de defesa da ligação arbitrária

entre o significante e o significado. E de outro, Bakhtin, que questiona a soberania dessa

arbitrariedade, sobretudo no discurso poético. No entanto, os argumentos de Bakhtin

confrontam Saussure não apenas no campo da poesia. De uma forma geral, a

arbitrariedade sígnica é questionada por Bakhtin, sobretudo porque a desloca de seu

aspecto social, fazendo com que a linguagem seja um organismo alheio às

movimentações sociais do indivíduo. Neste sentido, cabe aqui o levantamento de uma

pequena discussão sobre tal questão linguística, levando em consideração o confronto

entre a visão positivista de Ferdinand de Saussure e a postura marxista de Mikhail

Bakhtin.

2.1 – O SIGNO ALÉM DA ARBITRARIEDADE

Ao estipular o que poderia ser o objeto de estudo da linguística, o suíço

Ferdinand de Saussure, um dos pais da linguística moderna, em seu clássico Curso de

Linguística Geral, apresenta a linguagem como possuidora de um lado social e um lado

individual, sendo absolutamente impossível a concepção de um sem o outro. A partir

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dessa concepção, Saussure afirma que a Língua (langue) é o veículo através do qual a

vertente social da linguagem se concretiza. Ao passo que a Fala (parole) estaria fora de

seus interesses, pois, para suas ambições científicas, estaria num patamar inferior, já que

ela não representaria uma manifestação propriamente social, mas sim o reflexo da

movimentação particular de um indivíduo numa comunidade linguística.

Para Saussure, a fala está condicionada a um sistema maior, que estabelece um

conjunto de regras já preexistentes ao qual o indivíduo permanece submisso de forma

involuntária, uma vez que tais regras já se encontram instituídas em seu inconsciente.

Assim, o indivíduo não tem o poder de alterá-lo, sendo obrigado a se movimentar nos

limites estabelecidos por esta organização.

A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários (SAUSSURE, 1995, p. 27)

Quando afirma que a língua não é vulnerável à movimentação dos indivíduos,

Saussure confirma o caráter social da língua, em contraposição à fala, um fenômeno

puramente individual. Ele, então, estabelece a conhecida dicotomia entre língua e fala

(langue x parole). Estando, esta última, fora de seus interesses, no que se diz respeito à

linguagem como fenômeno social.

Neste sentido, pode-se perceber que Saussure encara a língua como um

organismo estático e petrificado, que não está sujeita a ações de fenômenos

extralinguísticos. Vem, então, dessa noção de imutabilidade da língua, a idéia da

natureza arbitrária do signo linguístico. Para ele, a língua nada mais é do que um

sistema de signos formados pela união de um sentido e de uma imagem acústica. Sendo

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o sentido a projeção mental de um objeto ou da realidade social a que pertence o

indivíduo. Ou seja, é a idéia ou o conceito de uma determinando objeto: o significado.

Ao passo que a imagem acústica é uma representação sonora íntima, de caráter

psíquico, e que o mestre genebrino chama de significante.

Ora, essa relação entre significante e significado, para Saussure, é totalmente

arbitrária. “Assim, a idéia de ‘mar’ não está ligada por relação alguma interior à

sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante”. (id., ib., p. 81). Mesmo assim, a

relação entre eles é incontestável. É essa relação, que mesmo não sendo natural está já

preestabelecida numa comunidade linguística, a que o indivíduo está sujeito. Não há

nenhum tipo de manifestação extralinguística que possa alterar essa ligação. O que quer

dizer que o sistema linguístico não está sujeito às ações da comunidade de falantes. Ao

contrário, é essa comunidade que irá apenas refletir a estabilidade da realidade social da

língua.

Em contraposição a essa teoria saussureana de língua, o filósofo russo Mikhail

Bakhtin redimensiona o papel social do indivíduo no campo de significação do signo

linguístico. Se para Saussure a língua constitui um sistema de signos linguísticos estável

e imutável, para Bakhtin, embora esses signos conservem seus valores antigos, ela está

sempre sujeita a modificações, de acordo com a movimentação social em que o

indivíduo está inserido. Segundo Bakhtin, o signo é um palco de lutas de classes, por

isso, todos os signos estão marcados, desde sua essência, por valores ideológicos. E a

palavra seria o signo neutro e ideológico por excelência. Essa neutralidade da palavra

explica-se pelo fato de ela ser o veículo em que a realidade ideológica e as formas de

organização de pensamento social são explicadas.

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Obviamente, a palavra não pode substituir outros signos, como os gestuais ou

pictóricos, mas todos os outros signos podem ter sua existência ou faculdade

interpretativa intermediada por ela. Ao contrário de Saussure, que considera que a

manifestação ideológica de um indivíduo está limitada a uma realidade social imutável e

representada pelo caráter estável da língua, Bakhtin acredita que a língua, ou o sistema

de signos linguísticos, está sujeita a uma série de alterações, devido justamente à sua

vulnerabilidade em relação às movimentações sociais do indivíduo.

Para Mikhail Bakhtin, em oposição ao que diz o linguista suíço, a fala não deve

ser menosprezada, pois é através dela que a língua se manifesta. Uma manifestação

social se realiza por meio do convívio entre falantes, ou seja, da troca de enunciados

(conjunto de signos ideológicos) entre usuários de uma língua. Então, se a concretização

do sentido de uma língua está sujeita à realidade social de seus falantes (entenda-se

social, aqui, em seu sentido mais amplo, ou seja, tudo o que possa estabelecer uma

comunicação entre dois ou mais usuários de uma língua), pode-se dizer que o sentido de

uma palavra está condicionado ao momento social em que seu usuário se encontra.

Como afirma o filósofo russo:

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 1997, p. 81)

Assim, pode-se entender que o sentido de uma palavra em nenhum momento é

imutável. Antes, ela pode mudar de sentido, conforme a posição encontrada por aquele

que a emprega. Como afirma o francês Michel Pêcheux, filósofo que faz coro às

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palavras de Bakhtin, “O sentido de uma palavra não existe em si mesmo, mas, ao

contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão no processo sócio-

histórico no qual palavras, expressões e proposições são (re)produzidas.” (Pêcheux,

1997[b], p. 160) E é por isso que se afirma que a palavra é um signo neutro, pois ela se

apresenta como uma espécie arena de conflitos ideológicos, onde todas as

movimentações sociais são refletidas e refratadas. Ao contrário de Saussure, que

considera a língua como um organismo abstrato, que se mantém alheia à realidade

social em que se encontra, para Bakhtin, ela é essencialmente concreta; e é a fala (tão

menosprezada pelo linguista suíço), realizada pelo indivíduo envolvido em toda uma

realidade social específica, que vai moldar e delimitar seus limites.

Como Saussure morreu em 1913, e as primeiras obras de Bakhtin são da década

de 1920, o primeiro não tomou conhecimento das teorias do segundo. Mas Bakhtin

entrou em contato com o Curso de Linguística Geral, e reconheceu a importância de

Saussure para a instituição da linguagem como objeto de estudos científicos. Mas

incompatibilidades ideológicas o impediram de entrar em consonância com seu

antecessor. Saussure vem de uma realidade filosófica dominada pelo pensamento

positivista, que não toleraria ter como objeto de estudo algo tão vulnerável a

instabilidades de conflitos sociais. Daí vem a preferência de Saussure pela da língua, em

vez da fala, e da sincronia, em vez da diacronia. Já Bakhtin é um marxista, e

desconsiderar a questão social como algo dinâmico e determinante seria impensável. O

indivíduo enquanto ser social é essencial para o estudo da evolução e realidade da

língua. Esta, para Bakhtin, não é um organismo abstrato e estático, que está além da

realidade do falante. Antes, ela é inteiramente vulnerável a ele. Por isso a preferência do

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filósofo russo pela fala, justamente por ela refletir o alto grau de instabilidade linguística

de um grupo social.

É importante esclarecer que o posicionamento de Bakhtin nos auxilia na

percepção da postura de Arnaldo em relação à linguagem. As idéias bakhtineanas nos

fornecem um bom instrumental ideológico para percebermos a inclinação de Arnaldo no

que diz respeito às múltipas possibilidades significativas da palavra. No entanto, é

difícil escapar à idéia de arbitrariedade quando o que está em questão é a linguagem

verbal. Embora as idéias de Bakhtin nos pareçam mais lógicas e ideologicamente

compatíveis, a postura cientificista de Saussure não nos deixa esquecer do alto poder do

caráter representativo da língua, e de como é difícil se afastar desse princípio da

arbitrariedade. No poema “Nome não”, Arnaldo Antunes demonstra o quão paradoxal

pode ser a busca por coisas num universo governado por nomes:

Os nomes dos bichos não são os bichos. Os bichos são:

macaco gato peixe cavalo vaca elefante baleia galinha.

Os nomes das cores não são as cores. As cores são:

preto azul amarelo verde vermelho marrom.

Os nomes dos sons não são os sons. Os sons são.

Só os bichos são bichos.

Só as cores são cores.

Só os sons são

som são

nome não

Os nomes dos bichos não são os bichos. Os bichos são:

plástico pedra pelúcia madeira cristal porcelana papel.

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Os nomes das cores não são as cores.

As cores são: tinta cabelo cinema céu arco-íris tevê.

Os nomes dos sons (ANTUNES, 1993, s.p.)

O título do poema – “Nome não” – já sugere uma tentativa de se escapar do ato

da nomeação. No entanto, o próprio fato de o poema ter um título, ou seja, um nome, já

pode nos indicar o grau de paradoxalidade do problema. Ao mesmo tempo em que

percebemos que Arnaldo chama a atenção para as limitações da linguagem denotativa,

que não incluem as coisas em seu universo de atuação, apenas as representam, ou seja, o

ato afirmar a existência de algo a partir de sua representação verbal não concretiza a

presença do objeto, “Os nomes dos bichos não são os bichos”, ele não escapa ao fato de

que, verbalmente, não há como se referir à coisa sem que se utilize o signo linguístico

que arbitrariamente está ligado a ela “Os bichos são:/ macaco gato peixe cavalo vaca

elefante baleia galinha.”

Chama a atenção a referência ao elemento sonoro nesse poema, “Os nomes dos

sons não são os sons./ os sons são. (...) Só os sons são/ som são”, que parece indicar

que a palavra oralizada teria a propriedade de diminuir a tensão entre ela e a coisa a que

se refere. Como se, oralizada, a palavra estivesse mais próxima do objeto pelo fato de

ser ela mesma um som, logo, algo que o poeta não consegue nomear. Não podendo ser

nomeado, o som (entenda-se “som” aqui como palavra oralizada) acaba se afastando um

pouco do caráter representativo da palavra escrita convencional, e se tornando ele

mesmo uma coisa. O poema de orelha de Psia, de 1986, acrescenta elementos bastante

significativos para o desenvolvimento dessa questão:

(...)

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Eu berro as palavras no microfone da mesma maneira com que as desenho, com cuidado, na página. Para transformá-las em coisas, em vez de substituírem as coisas. (...) (idem, 1998[b]. orelha da capa)

Quando o poeta afirma que berra as palavras no microfone para transformá-las

em coisas, ele projeta a palavra oralizada num patamar distinto da palavra

convencionalmente escrita3. É importante lembrar que grande parte da obra de Arnaldo

Antunes vem acompanhada de versões sonorizadas de seus textos. Por isso, pode-se

perceber que o som é um elemento caro à poesia Arnaldeana, uma vez que ele

representa uma elemento concreto na constituição da palavra. Além de se constituir

numa possibilidade de linguagem não baseada necessariamente na representação. Ou

seja, uma espécie de atalho entre a palavra e a coisa. “Um hiato a menos”.

Nas últimas estrofes de “Nome não”, Antunes se desloca um pouco da

referencialidade direta e acrescenta um elemento a mais na complexidade da questão

nominativa. Num afã de escapar da rede paradoxal da linguagem denotativa, o poeta se

esquiva da nomeação direta, “Os bichos são:/ plástico pedra pelúcia madeira cristal

porcelana papel”, para falar dos bichos. Para se referir, por exemplo, a “macaco”, ele se

refere a “plástico”, num intuito de trazer um “macaco de plástico”, no sentido de afirmar

que a idéia de um macaco pode ser evocada não necessariamente com o significante

3 Note-se, no texto acima, que da mesma forma que ele diz: “Eu berro as palavras no microfone”, ele afirma: “as desenho, com cuidado, na página.” Ambos os casos são formas encontradas pelo poeta para transformar as palavras em coisas. No entanto, o segundo modo o levará a um diálogo direto com os princípios poéticos do concretismo, tema que será abordado mais adiante.

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“macaco”, mas com outras palavras que, de alguma forma, podem trazer à tona a

presença do significado de “macaco”.

Esse recurso utilizado pelo poeta pode ser melhor entendido se recorrermos às

idéias do filósofo Ludwig Wittgenstein (1989). Pois, da mesma forma que Bakhtin nos

ajudou a entender a postura ideológica de Arnaldo em relação aos mecanismos de

funcionamento da linguagem, as idéias de Wittgenstein podem ser de grande valia para

entendermos como o poeta aplica suas convicções linguísticas em seu fazer poético.

2.2 – OS JOGOS ALÉM DO NOME

O fato de Arnaldo adotar uma postura bakhtineana em relação à linguagem não

significa que ele transite tranquilamente fora das fronteiras da arbitrariedade sígnica.

Na verdade, como já podemos verificar, o que ocorre é um árduo embate entre o poeta

que resiste ao incessante ato de nomear e o imenso universo governado pelo ideal de

representatividade da língua. O poeta resiste, mas se vê preso a uma rede linguística

denotativa da qual apenas os recursos típicos do fazer poético tem o poder de libertá-lo.

No entanto, em alguns momentos, Arnaldo lança mão de um discurso quase científico

para afirmar suas convicções.

O filósofo Ludwig Wittgenstein, em seu Investigações filosóficas, aponta

exatamente para esse tema quando questiona a afirmação de Santo Agostinho, que

defende “uma determinada imagem da essência da linguagem humana” (da qual o

próprio Wittgenstein fora defensor em seu Tractatus logico-philosophicus, obra

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considerada da primeira fase do autor) de que “as palavras da linguagem denominam

objetos” (WITTGENSTEIN, 1989, p. 9) Para Wittgenstein, essa noção agostiniana,

mesmo sendo a base para o processo de funcionamento da língua, não daria conta dos

muitos contextos e possibilidades de utilização das palavras, pois diz respeito a um tipo

de linguagem primitiva, como exemplifica o próprio filósofo:

Pensemos numa linguagem para a qual descrição dada por Santo Agostinho seja correta: a linguagem deve servir para o entendimento de um construtor A com um ajudante B. A executa a construção de um edifício com pedras apropriadas; estão à mão cubos, colunas, lajotas e vigas. B passa-lhe as pedras, e na sequência em que A precisa delas. Para esta finalidade, servem-se de uma linguagem constituída das palavras “cubos”, “colunas”, “ lajotas”, “vigas”. A grita essas palavras; - B traz as pedras que aprendeu a trazer ao ouvir esse chamado. – Conceba isso como linguagem totalmente primitiva. (id., ib., p. 10)

Se para Bakhtin, o sentido de uma palavra está ligada a sua situação social, para

Wittgenstein, ela está ligada a traços muitos mais íntimos do indivíduo. Algo inserido

no momento muito específico e particular da situação do emprego da linguagem. Na

verdade, Bakhtin se preocupa mais com os enunciados que são definidos pela união de

contexto e enunciação, entendendo-se o contexto, como momento histórico, cultural e

social em que se encontra o indivíduo e a enunciação, o termo pelo enunciado se realiza.

Esse tipo de utilização da linguagem, correspondente à descrição agostiniana, está

relacionado ao ato de definição ostensiva do objeto, isto é, aponta-se para algo e dá-se a

ele um nome. O ensino de uma palavra é concretizado a partir de tal ato de ostensão.

Esse modelo de definição ostensiva, para Wittgenstein, no entanto, não permite que se

conheça a palavra propriamente, e sim, a coisa que é nomeada por ela. Para que uma

palavra seja realmente apreendida, o filósofo propõe o princípio do “ensino ostensivo”,

que permite conhecer a palavra, não necessariamente a partir da coisa que ela nomeia,

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mas sim pelo uso que de faz dela. Conhecer a palavra seria tomar conhecimento de seu

significado a partir de determinadas situações de uso, contextos específicos, que

Wittgenstein chama de jogos de linguagem. O modelo de definição ostensiva,

defendida por Santo Agostinho, diz respeito a um jogo de linguagem primitivo. No

entanto, como afirma Sílvia Faustino, podemos medir o grau de importância da

linguagem primitiva quando percebemos que ela estará na base de qualquer jogo de

linguagem de maior complexidade:

A inserção do signo no contexto primário de sua aquisição consiste no esforço de se chegar ao jogo de linguagem primordial e originário de seu uso, na qualidade de um jogo de linguagem que prepara outros usos possíveis daquele signo. A reflexão sobre o ato de “apontar”, ato da “ostensão”, ganha importância na medida em que esse ato está presente no contexto básico do aprendizado da linguagem em geral: as crianças aprendem ostensivamente o nome das cores (lição de linguagem: aponta-se para objetos coloridos e pronuncia-se o nome da cor), aprendem também ostensivamente o uso dos primeiros cinco ou seis numerais (lição de linguagem: designa-se o a quantidade de coisas ou objetos apreensíveis pelos olhos) e através do mesmo gesto aprendem o uso dos indicadores “isto, “ali” ou” lá” (lição de linguagem: indicam-se lugares e coisas). Em todos esses casos, pode-se dizer que a ostensão prepara a criança para o uso das palavras. (FAUSTINO, 1998, p. 13)

Já o “ensino ostensivo”, relacionado a um tipo de jogo de linguagem mais

complexo não define o sentido de uma palavra apenas pelo seu grau de representação de

um determinado objeto. Para Wittgenstein, ensinar uma palavra seria, antes, fazer com

que o falante perceba a função dessa palavra em um determinado contexto. Em um

determinado jogo de linguagem.

O ensino de uma palavra, na visão de Wittgenstein, seria comparável ao ensino do uso de uma peça num jogo de xadrez: assim como não aprendemos as funções da peça denominada “O rei do xadrez” simplesmente ao nos ser mostrada a forma da figura de um rei, mas ao nos serem mostrados ou descritos lances válidos com esta figura no interior do jogo, assim também não aprendemos o desempenho gramatical de uma palavra ( o que podemos “fazer” com ela) num determinado jogo de linguagem pela simples identificação do nome com algum referente, mas pelo exemplo de

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seu emprego em circunstâncias variadas. Assim, torna-se possível descrever de maneira muito mais adequada o aprendizado do uso das palavras em relação às quais não se pode apontar um referente, tais como os chamados “substantivos abstratos”, por exemplo.(id., ib., p. 15)

O modelo de ensino ostensivo proposto por Wittgenstein nos permite enxergar

com mais clareza a relação dos dois extremos de “Nome não”, quando relaciona

“macaco gato peixe cavalo vaca elefante baleia galinha” com “plástico pedra pelúcia

madeira cristal porcelana papel” ou “preto azul amarelo verde vermelho marrom” com

“tinta cabelo cinema céu arco-íris tevê”. O poeta se vale do exercício de denominação

convencional (resultado do exercício de definição ostensiva) para dizer, por exemplo,

que a palavra “macaco” não é o macaco propriamente dito, e nem tem o poder exclusivo

de representá-lo. Assim, como que percebendo o paradoxo de sua atitude, ele se vale do

jogo de linguagem para afirmar a deficiência da denominação ostensiva, afirmando que

a idéia de um macaco pode também ser representado pela palavra “plástico”, se num

contexto específico, estivermos nos referindo a um macaco de plástico. Neste sentido,

podemos verificar que o poeta, com utilização do modelo de jogos de linguagem, se não

consegue se desvencilhar da teia paradoxal da definição ostensiva, pelo menos consegue

confirmar sua limitação do processo de representação do mundo.

Outro poema que demonstra com clareza a fixação de Arnaldo pelo combate à

supremacia da definição ostensiva é “Nome”:

algo é o nome do homem coisa é o nome do homem homem é o nome do cara isso é o nome da coisa cara é o nome do rosto fome é o nome do moço homem é o nome do troço osso é o nome do fóssil

corpo é o nome do homem é o nome do outro (ANTUNES. et. al, 2005, s.p.)

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Todo o texto gira em torno da idéia da imprecisão do conceito. Alguns

termos iniciais como “algo”, “coisa”, “isso” têm a propriedade de indicar ao mesmo

tempo tudo e nada. “Homem”, por exemplo, indica e é indicado, e, curiosamente,

sua constante repetição alimenta ainda mais sua imprecisão conceitual. Tal fato

vem reforçar a deficiência da definição ostensiva, que se assemelha ao ato de colar

uma etiqueta em algo. Esse modelo, por exemplo, não dá conta de palavras

abstratas como “isso”, “algo” ou “troço”, que, por si só, não possuem um

significado específico, ou seja, não possuem nenhum objeto específico para poder

representar. Somente a noção de jogos de linguagem pode atribuir algum

significado a essas palavras. Em “Nome”, Arnaldo se farta de denunciar a

deficiência prática do simples ato de “colar uma etiqueta à coisa”. Todos os nove

versos do poema são sustentados pela expressão “é o nome de”, e, no entanto, nada

que está sendo nomeado alcança algum tipo de significação satisfatória.

A canção “O nome disso”, letra de Arnaldo Antunes e música de Edgard

Scandurra”, apresenta uma postura semelhante:

o nome disso é mundo o nome disso é terra o nome disso é globo o nome disso é esfera o nome disso é azul o nome disso é bola o nome disso é hemisfério o nome disso é planeta o nome disso é lugar o nome disso é imagem o nome disso é arábia saudita o nome disso é austrália o nome disso é brasil como é que chama o nome disso? como é que chama o nome disso?

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como é que chama o nome disso? como é que chama o nome disso? o nome disso é rotação o nome disso é movimento o nome disso é representação the world for what this is name the name of this é isso o nome disso is place el nombre of name space el nombre do nome esfera o nome disso é idéia o nome disso é chão o nome disso é aldeia o nome disso é isso o nome disso é aqui o nome disso é sudão o nome disso é áfrica o nome disso é continente o nome disso é mundo o nome disso é tudo velocidade o nome disso é velocidade o nome disso é itália o nome disso é equador o nome disso é coisa o nome disso é objeto como é que chama o nome disso?(ANTUNES,1995, faixa 3.)

Também aqui Arnaldo ratifica as limitações do ato de nomear, baseado na

definição ostensiva, correspondente ao jogo primitivo de linguagem. O pronome “isso”

recebe vários nomes, e quanto mais nomes ele recebe, mais imprecisa fica sua definição.

Então, o significado de “isso” só pode ser constatado se verificarmos o jogo de

linguagem em que ele está inserido. Tomamos como exemplo, o verso “o nome disso é

terra”. Quando o nome atribuído a “isso” é “terra”, é fundamental que se saiba em que

contexto (jogo de linguagem) esse “isso” está sendo inserido. Num contexto agrícola,

“terra”, que seria o nome de “isso”, teria uma significação diferente de “terra” num

contexto astronômico ou no contexto da estrofe, em que “isso” é nomeado por palavras

que sugerem a idéia de planeta. Além disso, a constante mudança da nominação de

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“isso” durante o texto realça ainda mais a imprecisão do ato de nomear, se considerado

a partir do jogo primitivo de linguagem.

2.3 – AS COISAS NÃO TÊM PAZ

No livro As coisas, de 1992, Arnaldo continua sua relativização do processo de

nominação a partir do princípio da definição ostensiva. Aqui, o poeta lança um olhar

sobre as coisas a partir de vários ângulos, vários contextos, vários jogos de linguagem,

no sentido de sacramentar a impossibilidade de uma definição absoluta.

As coisas têm peso,

massa, volume, tama-

nho, tempo, forma, cor,

posição, textura, dura-

ção , densidade, cheiro,

valor, consistência, pro-

fundidade, contorno,

temperatura, função,

aparência, preço, desti-

no. Idade, sentido. As

coisas não têm paz. (idem,

1992, p. 91)

Se “peso”, “massa”, “volume”, “tamanho”, “tempo” etc. são propriedades

inerentes às coisas, logo podemos defini-las também a partir de cada uma dessas

vertentes. Neste sentido, não podemos colar uma etiqueta absoluta a uma coisa. Se

cairmos na armadilha de tentar definir uma coisa a partir de um único ponto de vista,

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estaremos, consequentemente, excluindo todas as outras formas de definir aquela coisa,

com afirma o próprio poeta: “Uma hora você olha através da função que elas têm, outra

hora através do formato. Você olha elas de cima, outra hora você olha de lado. Então

existe essa sede de definição. A definição absoluta é impossível.” (id, op. cit.,p. 372)

Em As coisas, essa “sede de definição” que resulta na busca das coisas a partir de

diferentes prismas é justamente o resultado da consciência da impossibilidade da

definição absoluta.

As coisas parte de uma espécie de discurso pedagógico para aplicar o princípio

do “ensino ostensivo” proposto por Wittgenstein, no sentido em que procura sempre

escapar às definições absolutas, lançando mão de uma série de associações inusitadas,

para falar de coisas teoricamente simples. Assim parece que o poeta se vale do discurso

científico (no sentido que há ali, certa atmosfera pedagógica) para tomar um caminho

oposto, partindo do óbvio e chegando ao lúdico. Esse caminho ajuda no estabelecimento

de certa atmosfera infantil a partir da qual o livro se desenvolve. O olhar infantil auxilia

o poeta nessa busca pela multiplicidade de conceitos, já que a criança ainda não está

totalmente impregnada pelo processo de nominação ostensiva. É importante frisar que,

em As coisas, o aspecto visual é importante nesse estabelecimento da atmosfera infantil,

já que cada texto vem antecedido por uma ilustração de Rosa Moreau Antunes, filha de

Arnaldo, que tinha, na época, apenas 3 anos de idade. O fato de cada texto vir

antecedido por uma ilustração infantil pode ser para que o leitor já se aproxime do texto

contaminado pelo tom infantil da ilustração. É curioso notar que, no sumário de As

coisas, os textos estão identificados a partir da página da ilustração, como se ela fizesse

parte do universo construtivo do texto, ou ainda, como se os textos tivessem sido

escritos a partir da ilustração. E como as ilustrações vêm antes do texto, poderíamos

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dizer, também, que, na verdade, os textos foram escritos a partir das ilustrações. No

entanto, ao mesmo tempo em que a atmosfera infantil é auxiliada pela relação texto-

ilustração, o tom pedagógico-cientifico é auxiliado pela disposição dos textos, que não

são organizados em versos. Antes, buscam um aspecto visual de ensaio, no sentido de

realçar certo modo científico com que são construídos. Vejamos, acerca disso, o texto

“a cultura”, acompanhado, obviamente, da ilustração que o antecede.

(idem, op. cit., p. 50)

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(id., ib., p. 51)

O poeta vai desconstruindo a noção convencional de definição a partir de

diversos jogos de linguagem, estabelecendo uma associação lúdica e inusitada entre a

coisa e suas definições. Ao definir “girino” como o “peixinho do sapo”, “silêncio”

como o “começo do papo”, “bigode” como “ a antena do gato”, etc., Arnaldo, ao mesmo

em que ratifica a imprecisão que uma denominação ostensiva absoluta pode ter, já que

uma coisa pode ser vista a partir de diversos pontos de vista, ele define a importância do

verbo de ligação “ser” no desenvolvimento de sua obra. Para relativizar a priorização do

“ser” em seu sentido absoluto no ato de nomeação, ele afirma esse mesmo “ser” como

veículo fundamental no processo de afirmação ensino ostensivo, que se resume em

apreender não o significado de uma coisa, mas um ou mais significados a partir da

aplicação de diferentes jogos de linguagem.

Um outro bom exemplo de como Arnaldo se aproveita de certo modo científico

para traçar um caminho lúdico rumo ao conhecimento é o texto “as palavras”:

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36

(id. Ib., p. 56)

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37

(id., ib., p. 57)

O poeta elabora uma espécie de tratado sobre a deficiência significativa de uma

palavra quando não se estabelecem os princípios dos jogos de linguagem. A afirmação

da existência de “muitas e poucas palavras” já demonstra a ambição de se relativizar a

valorização absoluta do poder representativo de uma palavra. O texto funciona como

uma espécie de arena em que o princípio da definição ostensiva, defendida por Santo

Agostinho, é combatido pelo ideal do ensino ostensivo, de Wittgenstein. Assim, o poeta

diz que “Mesa e cadeira são duas palavras.”, no sentido de mostrar que elas

representam, pelo princípio da arbitrariedade, os objetos mesa e cadeira. No entanto, ele

problematiza tal princípio quando lança mão da palavra “Móveis”, que, por si só, pode

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englobar os objetos mesa e cadeira. Não obstante, ele define a palavra “Móveis” como

“Coisas que se movem”, o que amplia ainda mais seu poder significativo. Neste sentido,

com essa cadeia de problematizações de sentido, Arnaldo chama a atenção para o grau

de limitação a que uma palavra é submetida quando a ela não são aplicadas as regras

dos jogos de linguagem.

E assim, para afirmar as convicções de Arnaldo sobre a relação entre as coisas e

a linguagem, Arnaldo elabora os textos de As coisas num ambiente de hibridez entre

poesia e prosa, o que resulta num tom discursivo, doutrinário, mas que, segundo o

poeta, “se desfaz nessa liberdade associativa que caracteriza a poesia.” (id., op. cit., p.

373)

2. 4 – O SIGNO CONCRETO

Como já foi dito no início deste capítulo, na utilização convencional da vida

cotidiana, a palavra tem um papel estritamente utilitário de intermediação entre o

indivíduo e o mundo. Na interação verbal comum entre indivíduos, a palavra surge

apenas como veículo de comunicação, sendo explorada apenas em sua potencialidade

semântica. No que se refere ao universo poético, no entanto, a palavra rompe a

membrana da mera representação das coisas para ser ela mesma a coisa. Na poesia, a

palavra torna-se algo manipulável sob os mais diversos aspectos e vai se movimentar a

partir de jogos de linguagem fornecidos pela própria realidade poética, como as rimas,

aliterações, variações rítmicas, organizações na estrutura do verso, etc. Por isso, para

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Arnaldo Antunes, a poesia é o espaço em que a palavra abdica da limitação do ofício de

apenas intermediar a nossa visão do mundo para se configurar ela mesma num mundo à

parte, com uma realidade funcional muito particular, que se desenvolverá a partir de

suas próprias peculiaridades materiais.

Na obra de Arnaldo, esse processo de coisificação da palavra, que é comum em

todo o universo poético, inclusive na chamada poesia discursiva, é potencializado,

sobretudo, pelas possibilidades de exploração do espaço da página, o que permite que o

poeta lance mão de recursos gráficos que dinamizem a interação entre a forma e o

conteúdo, no sentido de se estabelecer um universo verbal em que a própria realidade

formal do poema crie, por si só, novas possibilidades de sentido e novas formas de

comunicação. Esse ato de coisificação da palavra busca ultrapassar a barreira da

linguagem discursiva, que, com sua tendência natural à nomeclatura, lança mão de

etiquetas nominativas em detrimento a uma experiência mais direta com o mundo das

coisas. Neste sentido, pode-se dizer que os intuitos de Arnaldo em relação ao tratamento

da materialidade do signo linguístico estão em consonância direta com as convicções

estéticas daquilo que Octavio Paz chamou de uma “tradição de vanguardas”, e que, no

Brasil, foi inaugurada com o movimento modernista, e encontrou seu ápice com a

poesia concreta. Podemos nos arriscar a dizer, inclusive, que talvez esse seja um dos

legados concretistas mais presentes na obra de Arnaldo Antunes. Pois, como afirmou

Haroldo de Campos, “O poema concreto põe em xeque, desde logo, a estrutura lógica

da linguagem discursiva tradicional, porque encontra nela uma barreira para o acesso ao

mundo dos objetos.” (CAMPOS In CAMPOS; PIGNATARI; CAMPOS, 2006, p. 106)

Com o objetivo de estabelecer uma linha direta de conexão com esse “mundo

dos objetos”, e tendo a palavra como sua principal matéria-prima de aplicação, o

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concretismo busca dar ao aspecto conteudístico a mesma carga de importância que

aplica às dimensões sonora e visual da palavra. Esse nivelamento verbivocovisual4 dado

ao signo linguístico possibilita que o poema tenha certa autonomia discursiva, cuja

estrutura da linguagem faz do texto poético uma realidade em si, e não algo que

represente uma realidade externa a ele. Assim, os poetas concretos buscam estabelecer

uma comunicação única e específica através da realidade formal do poema. Então, como

vimos que o sentido de uma palavra, num discurso convencional, dependerá de certos

jogos de linguagem, e que, num discurso poético, este sentido dependerá também de

jogos de linguagem específicos da realidade poética, num poema concreto, o seu

conteúdo vai depender de outros jogos de linguagem que, neste caso, serão apresentados

ali mesmo, gerados pela sua própria estrutura. Ou seja, seu conteúdo serão os próprios

jogos de linguagem apresentados por ele mesmo. O poema concreto, então, estabelece

uma lógica interna, que não está ligada a nenhuma comunicação de conteúdos exteriores

a ele, uma vez que a dimensão significativa de uma palavra não se sobrepõe a nenhum

outro elemento da qual ela se compõe, conforme afirma Haroldo de Campos:

[...]É certo que rastros de conteúdo existem realmente, e de maneira inegável, numa arte como a poesia, cujo instrumento – a palavra – diferentemente da cor ou do som, não pode ser tratado como um elemento totalmente neutro, antes carrega um lastro imediato de significado. A função da poesia concreta não é – como se poderia imaginar – desprover a palavra de sua carga de conteúdo: mas sim utilizar essa carga como material de trabalho em pé de igualdade com os demais materiais a seu dispor.” (id., ib., pp. 109-110)

Assim não há necessariamente um tema externo do qual um poema concreto

possa tratar, mas nele haverá um núcleo gerador – a palavra –, que, assim como é

4 Expressão criada por James Joyce, um dos nomes mais importantes do paideuma concreto, que diz respeito à igual importância que os concretistas dão às dimensões conteudística, sonora e visual da palavra.

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provido de características visual e sonora, possui também um aspecto conteudístico, que

poderá atuar como mecanismo de funcionamento estrutural do poema. Isso sugere ao

leitor uma percepção mútua de visão, audição e leitura no contato com o texto, pois na

poesia concreta, o movimento tende à simultaneidade, ou seja, à multiplicidade de

movimentos concomitantes. É o caso do poema “Velocidade”, de Ronaldo Azeredo:

(AZEREDO In CAMPOS; PIGNATARI; CAMPOS, op., cit., p.

132)

Sua forma visual sugere um retângulo, dividido regularmente por dois triângulos

retângulos; um formado pela letra “v”, e outro, pela formação dinâmica e regular da

palavra “velocidade”. Se visto de uma forma convencional (da esquerda para a direita)

o poema-retângulo se inicia com a letra “v” e se finaliza com a letra “e”, ou seja, as duas

extremidades da palavra. Apesar de ser composto por quatro lados, que são iguais em

tamanho apenas em relação aos seus correspondentes paralelos (fenômeno típico da

figura retangular), todos são compostos por dez letras, e, assim como os lados dos dois

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triângulos retângulos. Toda essa regularidade geométrica cria a idéia de completude e

simultaneidade, além de propor uma nítida noção de igualdade de valores visuais.

Todo o poema é constituído de um único núcleo gerador – a palavra

“velocidade” –, que vai tomando forma à medida que a leitura se desenvolve. O

processo de formação visual da palavra está diretamente ligado ao seu conteúdo, ou

seja, o ato físico do movimento ocular está em consonância direta com seu sentido, que

sugere a noção de aceleração, deslocamento, movimento contínuo – velocidade.

O aspecto sonoro também gira em torno da realidade estrutural do núcleo

gerador. A construção da palavra, guiada pela supremacia do fonema /vê/, construída

pela sua constante repetição, pode propor a reprodução onomatopaica de um corpo em

velocidade crescente, que, se relacionada com o aspecto contínuo da palavra, dão ao

poema uma postura estrutural bastante dinâmica.

Assim, podemos dizer que toda a realidade visual, sonora e conteudística do

poema gira em torno de sua própria estrutura. Não há diálogo com qualquer aspecto

exterior ao que se está presente ali, na sua realização. Para que se possa ter uma noção

da completude do poema, o receptor deve lançar uma visão isomórfica sobre suas

dimensões. “Velocidade” exige uma apreciação simultânea, verbivocovisual, em que

nenhum aspecto se sobreponha a outro. Deste modo, não seria correto dizer que se trata

de um poema sobre velocidade. Na verdade, o poema é a própria velocidade. Ele se

nega a representar algo e se torna, ele mesmo, essa coisa, através de jogos de linguagem

criados pela sua própria realização.

Arnaldo Antunes segue a trilha concretista nesse radical processo de coisificação

da palavra poética. O poema “máximo fim” é um bom exemplo:

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(ANTUNES, op. cit, p. 291)

Apesar de o impulso a uma recepção tradicional nos sugerir que o início do

poema seja no primeiro verso – “excesso” –, logo poderemos verificar que a estrutura

semântica do texto nos obriga a uma leitura inversa, de baixo para cima. A partir daí

poderemos verificar que os vinte e nove versos do poema são compostos, em sua

maioria, por semi-palavras, que, por sua vez, serão completadas por outras semi-

palavras do verso acima. Essa constante idéia de incompletude de cada palavra, que vai

compor sua unidade significativa no verso acima, associada à aproximação gráfica dos

versos, que são colados um ao outro formando uma grande massa visual, além de nos

sugerir uma linha ininterrupta de leitura, nos fornece uma idéia de unidade, que começa

com o verso “máx” e vai encontrar repouso apenas no último verso, “excesso”.

A noção de constante estado de clímax compõe o núcleo gerador do poema, que

vai se construir com palavras cujo conteúdo nos remete a um contínuo movimento de

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ascendência, que, por sua vez, é manipulado também pela movimentação ocular do

receptor, e esta acompanha o desenvolvimento do poema de baixo para cima. É

importante notar, no entanto, que não se trata do apogeu de algo específico, mas o ápice

por si só, o que resulta na auto-suficiência da nossa noção de plenitude.

Apesar de a organização gráfica de “máximo fim” nos sugerir uma noção de

continuidade e igualdade, não podemos deixar de mencionar o fato de que a estrutura

visual de um poema pode determinar certas lógicas sonoras. Assim, pode-se dizer que a

variação do tamanho dos versos indica uma oscilação acústica, sobretudo se o

pensarmos sob a perspectiva de uma reprodução vocal. Essa irregularidade refere-se à

dificuldade da fala em manter a linearidade, que exige, neste caso, o constante estado de

clímax. Essa oscilação acústica é demonstrada graficamente por intermédio da

variedade de tamanho dos versos, que, se vistos do ponto de vista da unidade do texto,

representam uma única respiração, que se inicia suavemente, com “máx”, alcança seu

auge na metade do poema, com “o” e “fim”, e termina com a mesma suavidade do

início, com “excesso”. Não podemos deixar de reparar que o fato de o ponto mais alto

do poema se localizar em sua metade, com “o” e “fim”, empresta certo tom de

circularidade ao poema. Obviamente, o texto oferece mais de uma possibilidade de

leitura para esse trecho. Antes de “o” e “fim”, temos “top”, o que aumenta a

funcionalidade de “o”. Se o ligarmos ao verso anterior, encontramos “top/o”; se ele for

acoplado ao verso seguinte, teremos “o/fim”. Em todos os casos, a idéia de plenitude

não se perderia. De qualquer maneira, importa-nos aqui apenas o fato de a palavra “fim”

se localizar no ponto mais alto do poema (o meio), e representar um retorno ao início, já

que, a partir dele, o poema inicia um caminho de volta à realidade gráfica de seu

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começo, criando no receptor uma noção de circularidade, que o mantém permanente na

realidade estrutural do poema.

A realidade visual de “máximo fim” parece ser um bom exemplo do grau de

influência da poesia concreta na obra de Arnaldo Antunes. No entanto, o legado

concreto está presente em Arnaldo não apenas no campo da experimentação dos

recursos gráficos da palavra ou na exploração do espaço da página. Os ideais

concretistas atingem Arnaldo no próprio âmago de seu estado de criação, pois dizem

respeito à postura do poeta na forma de encarar a relação da palavra com a natureza do

discurso poético. Não há dúvida que Arnaldo, com suportes tecnológicos mais

avançados, teve condições de levar os intuitos da poesia concreta a vôos mais altos. Os

recursos multimídias de que Arnaldo dispõe, e que não estavam totalmente disponíveis

nos anos 1950 e 1960, permitiram uma maior liberdade no tratamento da palavra, e, por

consequência, uma maior chance de transitabilidade entre as mais diversas maneiras de

manipulação da linguagem. Os recursos multimídias são utilizados por Arnaldo,

sobretudo porque possibilitam a descoberta de novas formas de linguagem, baseadas,

principalmente na exploração de sua materialidade gráfica. Para Antônio Risério, com a

escrita eletrônica, tornou-se possível que o signo pudesse se libertar da obrigatoriedade

do suporte da página.

A palavra eletrônica, por sua vez, liberta o signo do suporte. A escrita

multimídia, informática, é uma escrita nômade, palavra feita de pontos de luz, essencialmente instável, circulando pelos sistemas hipertextuais, pelas nets. Enfim, quando o signo é digitalizado, ele se torna independente do suporte, seja este ósseo ou de celulose. E isso como que corresponde à sociedade desterritorializada em que estamos vivendo. Nosso tempo é um tempo de errância social e errância escritural. (RISÉRIO in MARQUES, 2004, p. 32)

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E esse território tecnológico cheio de possibilidades de manipulação do verso

seria o terreno ideal para as manifestações estéticas da poesia concreta. E se nos anos

1950 e 1960, os concretistas não tinham os recursos que propiciariam a completude de

tais manifestações construtivistas, Arnaldo, nos anos 1980 e seguintes, pode, de alguma

forma, continuar o sonho do grupo concretista; pois, como afirma Decio Pignatari,

“Hoje o Arnaldo faz a poesia concreta de ponta e utiliza o que nós queríamos. Ele

consegue concretizar o que estava na teoria por ter recursos para tal.” (PIGNATARI

apud MODRO, 1996, p. 113)

A série de poemas popcretos, de Augusto de Campos, exemplifica bem a

tentativa de libertação da “pureza” da página e de suas limitações gráficas, como

consequência das precariedades tecnológicas da época. Já pertencente a uma época

posterior ao concretismo ortodoxo, os textos popcretos eram trabalhos de colagem em

que se combinavam imagens e ícones característicos da cultura pop dos anos 1960,

retirados de jornais e revistas. Os poemas popcretos demonstram a insatisfação de

Augusto com os recursos tecnológicos da época, além de clara tematização política,

como resultado do recente golpe de Estado sofrido pelo país em 1964. É o caso de

“Psiu!”, de 1966:

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(CAMPOS, 2000, p. 133)

Percebe-se, aqui, um nítido trabalho artesanal de colagem, em que se abandona

qualquer recurso tipológico tradicional, fazendo com que o poema se realize

exclusivamente por recorte de jornais e revistas. O forte teor político pode ser notado

em vários momentos, como “vamos falar”, “dura”, “ato” e no emblemático “Saber

Viver, Saber Ser Preso, Saber Ser Solto”. Neste contexto, Antônio Risério explicita bem

o processo de concepção dos poemas popcretos:

[Augusto de Campos]Queria dinamitar a prisão tipológica. Extravasar

em explosão anárquica de letras seu misto de raiva e desespero, num país que acabara de ser brutalmente trancado por um golpe militar. Nasceram assim os seus poemas “popcretos”. Fala o próprio poeta, sempre lúcido em sua auto-análises: Os “popcretos” correspondem a um momento de crise. Choque emocional. Insatisfação diante dos limitados meios técnicos de que eu dispunha. Embora eu não me pretenda um poeta político, talvez não seja fútil acentuar a época em que esses poemas foram feitos. E recordar que eles foram, quase todos, expostos, com hipotético risco, em dezembro de 1964, na Galeria Atrium. Arranquei-os das entranhas dos jornais, que, desde abril, documentavam a repressão institucionalizada. Estão cheios de signos testemunhais, para quem souber ler. O ‘deboche’ tentava ser uma resposta ao contexto e o ‘caos’ tipográfico sinalizava, de alguma forma, a sensação

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de desespero, raiva e impotência que a situação suscitava. Por outro lado, os jornais e revistas punham ao meu dispor um imenso parque gráfico: todas as letras do mundo! Depois, reorganizei-me, emocional e artesanalmente’. Mas o fato é que, tendo rompido a clausura gráfica imposta pelo ostinato rigore concretista e provado a liberdade tipológica das publicações mais típicas da cultura de massa, Augusto de Campos não pôde (e nem quis) retornar à uniformidade (RISÉRIO, 1998, pp.100-101)

Neste sentido, não podemos deixar de dizer que mesmo nos caminhos

paratáticos mais radicais de Arnaldo Antunes rumo ao dilaceramento do verso, à

desintegração da sintaxe e à desvinculação da necessidade do suporte da página devido

às múltiplas possibilidades de realização poética face aos múltiplos avanços

tecnológicos, a palavra nunca deixou de ser o seu principal elemento de atuação. Na

verdade, mesmo nos momentos em que percebemos certa predominância do signo não-

verbal, o que ocorre é a tomada de novos caminhos, que visam a manipulação do verbo

a partir de novas experiências, novas formas de aplicação e significação no diálogo com

elementos visuais. O poema “apenas”, de Arnaldo, é um exemplo da evolução das

possibilidades tecnológicas no processo de concepção poética, sobretudo se

confrontados com a precariedade de recursos da época dos poemas popcretos:

(ANTUNES, 1997, p. 83)

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O poema mostra bem como um recurso tecnológico pode ser um poderoso

veículo no processo de auto-significação do objeto poético. A tentativa de uma leitura

convencional do poema resultaria no entendimento da frase “pensa apenas”. No

entanto, sua disposição gráfica torna a frase contínua, transformando-a em

“pensapenaspensapenaspenas”; e sob esse efeito, ela vai se deteriorando, vai derretendo,

como resultado de um fluxo contínuo de pensamento. Como se as simples associações

mentais, hoje incapazes de dissociar a coisa de sua representação verbal, se perdessem

em sua própria incapacidade de pensar o mundo. “Apenas” é um trabalho de caligrafia

que exemplifica bem como o legado concreto é potencializado por Arnaldo, devido às

avançadas possibilidades de realização, no que diz respeito ao tratamento do

significante.

Esses novos modos tecnológicos de expressão poética presentes na obra de

Arnaldo Antunes seguem de encontro aos interesses concretistas de resgate da

oralidade, que se enfraqueceu consideravelmente com o advento da palavra impressa.

Esta, por sua vez, deu origem a uma poesia emudecida, que deixou de ser manifestada

pela boca do poeta e passou direto para o silêncio da página branca. Assim, um dos

principais interesses do concretismo é esse retorno às origens orais da poesia, sobretudo

através da conscientização da materialidade da palavra no espaço da página, como

afirma Décio Pignatari:

Sinto-me aventurado a acreditar que o poeta fez do papel o seu público, moldando-o à semelhança de seu canto, e lançando mão de todos os recursos gráficos e tipográficos, desde a pontuação até o caligrama, para tentar a transposição do poema oral para o escrito, em todos os seus matizes. (PIGNATARI In CAMPOS; PIGNATARI; CAMPOS, op., cit., p. 24)

Neste sentido foi importantíssima a trilha deixada por Stéphane Mallarmé, que,

com seu Un Coup de Dès, mostrou como os recursos tipográficos de um poema podem

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servir para dinamizar suas características acústicas, na medida em que auxiliam a

palavra a se libertar de suas convenções gramaticais, lógicas e sintáticas, transformando

o poema numa espécie de partitura verbal, que possibilita um maior dinamismo da

expressão poética, e uma postura mais significativa do receptor na potencialização do

instrumental estético do poema, conforme afirma Augusto de Campos:

Corolário primeiro do processo mallarmeano é exigência de uma tipografia funcional, que espelhe com real eficácia as metamorfoses, os fluxos e refluxos do pensamento. O que em Un Coup de Dès se consubstancia nos seguintes efeitos, que preferimos expor através das palavras do próprio poeta: a) EMPREGO DE TIPOS DIVERSOS: “A diferença dos caracteres de impressão entre o motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita sua importância à emissão oral...”; b) POSIÇÃO DAS LINHAS TIPOGRÁFICAS: “... e a situação, ao meio, no alto, embaixo da página, indicará que sobre ou desce a entonação”; [...] Trata-se, pois, de uma utilização dinâmica dos recursos tipográficos, já impotentes em seu arranjo de rotina para servir a toda a gama de inflexões de que é capaz o pensamento poético liberto do agrilhoamento formal sintético-silogístico. A própria pontuação se torna aqui desnecessária, uma vez que o espaço gráfico se substantiva e passa a fazer funcionar com maior plasticidade as pausas e intervalos de dicção. (CAMPOS In CAMPOS; PIGNATARI; CAMPOS, op., cit.,, PP. 32-33)

Não há dúvida, portanto, que uma das maiores contribuições de Mallarmé para o

concretismo foi a consciência da importância dos recursos tipográficos na

potencialização da dimensão acústica da poesia. Neste contexto, podemos dizer que esse

legado mallarmeano da poesia concreta se explicita na obra de Arnaldo Antunes nas

mais diversas formas, mas talvez seja nos trabalhos de caligrafia (como o já citado

“apenas”) que isso se torne mais evidente. Para Arnaldo, um dos grandes objetivos dos

trabalhos caligráficos é a reprodução dos recursos entoativos da fala:

Pode-se dizer que, de alguma forma, tais procedimentos inserem na escrita similares gráficos dos recursos entoativos da fala. Isto é, as sugestões

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de sentidos que as diferentes entonações de voz despertam num discurso obtêm equivalência nos tremores e movimentos da mão que traça o papel. Também o gesto, dado contextual relevante no acompanhamento da fala, tem na arte da caligrafia uma grande importância. É dele que brotam os ângulos e curvas, a consistência a textura do traço; pegadas de maior firmeza ou indecisão, precipitação ou lentidão, brutalidade ou leveza. (ANTUNES, 2000, pp. 123-124)

Obviamente, a prática da caligrafia é anterior aos experimentos de Mallarmé.

Segundo o próprio Arnaldo, “A caligrafia sempre foi uma modalidade artística

valorizada para as culturas orientais. Os chineses, japoneses e árabes a praticam há

milênios, acrescentando inúmeras sugestões de sentido à expressão verbal...” (id., ib., p.

122). No entanto, no Brasil, Edgard Braga, o pioneiro nos trabalhos caligráficos no país,

passou a utilizar esse tipo de linguagem após seus primeiros contatos com o movimento

da poesia concreta. O que nos faz concluir que o exercício caligráfico surgiu num

Brasil já inserido no modo de concepção poética oriunda da ideologia concretista. Como

ato poético, a caligrafia surge na poesia brasileira como uma manifestação estética pós-

concretista.

É importante observar, porém, que a caligrafia corresponde a um processo

inverso ao que sugere o Un Coup de Dès. Pois, se o poema de Mallarmé, através de seus

recursos tipográficos, tenta sugerir determinados códigos de entonação ao falante, a

caligrafia procura reproduzir esses mesmos códigos já pré-estabelecidos pelo ato natural

da fala. No entanto, devemos notar que, em ambos os casos, o objetivo é aproximar a

palavra escrita dos recursos sugestivos do som – neste caso, a palavra oralizada –, no

intuito de fazer com que o verbo rompa suas barreiras denotativas e passe a ser muito

mais do que determina as ligações arbitrárias entre significante e significado.

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3 – SÓ OS SONS SÃO

Quando nos deparamos com o poema “Nome não”, do livro Tudos, e que

posteriormente recebeu tratamento multimídia no projeto Nome, percebemos, como já

foi discutido no capítulo anterior, uma inquietação de Arnaldo Antunes em relação às

limitações que o sistema ostensivo da nomeação provoca sobre a linguagem verbal.

Vimos também que, mesmo sob a consciência dessa limitação das ações do nome, o

poeta vê-se numa situação um tanto paradoxal, quando se utiliza dessa mesma estrutura

verbal para se referir às suas limitações. No entanto, cabe aqui uma observação acerca

de alguns versos de “Nome não” que podem nos projetar para um outro nível de

discussão sobre o tratamento da linguagem. No momento em que Arnaldo chama a

atenção para as deficiências dos nomes, ele atenta para o fato de que, no que diz respeito

ao poder auto-significativo, o som seria um caminho viável para que a palavra se

libertasse da obrigatoriedade de seu ofício representativo e passasse a ser ela mesma seu

objeto de significação. “Os nomes dos sons não são os sons/Os sons são.” (ANTUNES,

1993, s.p.) O poeta afirma a impossibilidade de nomear o som exatamente pelo fato de

ele não ser objeto que possa ser representado por associações arbitrárias entre um

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significante e significado. Sua existência e força de sentido independem de elementos

externos à sua realidade material.

Para Arnaldo, o som está num estágio além tanto dos nomes, que existem para

representar as coisas, quanto das coisas, que podem sofrer a ação ostensiva da

representação nominativa. “Só os bichos são bichos./ Só as cores são cores.” Mas os

sons não. “Só os sons são/ som são/nome não” (id., ib.). O som, portanto, existiria por

si só. Ele não precisaria ser algo (nem ele mesmo) para existir. Se, por hipótese, o poeta

afirmasse que os “os sons são os sons” haveria aí uma relação entre nome e coisa,

inserindo o elemento sonoro nas fronteiras de representação. Ele afirma, no entanto, que

“os sons são”. E mais: “som são”. Ratificando que o elemento sonoro não é algo a ser

unido ou dividido, a nomear ou a ser nomeado. Daí podemos entender a necessidade de

Arnaldo em se aproximar do som, já que, para ele, esse é o elemento que pode fazer

com que a palavra se desvincule do ato representativo para que ela mesma possa tomar

as rédeas de seu poder de sentido.

(...)

Eu berro as palavras no microfone

da mesma maneira com que as desenho, com cuidado,

na página. Para transformá-las em coisas

em vez de substituírem as coisas

Calos na língua; de calar. Alguma coisa entre a piscina e a pia.

Um hiato a menos. (idem, 1998[b]. orelha da capa)

O poeta “berra” as palavras no microfone para aproximá-las das propriedades do

som, e, por consequência, se contagiarem com seu poder de auto-significação, para que

elas possam se transformar em coisas, em vez de apenas as substituírem. Ao ser berrada

ao microfone, a palavra não se resumiria apenas ao seu estado de signo linguístico, ela

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passaria a ser também um elemento sonoro; e assim, feita som, tornar-se-ia mais viável

o abandono de seu estágio de representação para ser a própria palavra a coisa em si.

Quando oralizada, ela poderia alcançar outras dimensões significativas, sobretudo

porque, junto ao enunciado, ocorre também uma série de fatores extra-vocais capazes de

compor a prática da oralização. Como o próprio Arnaldo afirma, não há como dissociar

o enunciado de sua práxis:

A linguística e a filosofia da linguagem custaram a ver o contexto de

enunciação como parte constituinte do discurso, e relevante em suas detonações de sentido. A situação, a voz que emite, o jeito como o texto é impresso. O discurso indissociável da sua práxis; impossível de ser estudado fora dela. A linguagem e seu uso – acima de significante e significado. (idem, 2000, PP. 31-32)

Em sua obra, a palavra oralizada tem seu correspondente no espaço da

página por intermédio principalmente dos exercícios caligráficos. Para ele, a caligrafia

é a tentativa de reprodução gráfica dos recursos entoativos da fala e de sua práxis, no

sentido de reproduzir, na realidade visual da palavra, aquilo que a projeta para um outro

nível de significação no momento em que ela é vocalizada, projetando, com isso, novas

possibilidades de leitura. Acreditamos que as próprias palavras do poeta são mais

propícias para o esclarecimento dessa idéia:

Pode-se dizer que, de alguma forma, tais procedimentos inserem na escrita similares gráficos dos recursos entoativos da fala. Isto é, as sugestões de sentidos que as diferentes entonações de voz despertam num discurso obtêm equivalência nos tremores e movimentos da mão que traça o papel. Também o gesto, dado contextual relevante ao acompanhamento da fala, tem na arte da caligrafia uma grande importância. É dele que brotam os ângulos e curvas, a consistência e textura do traço; pegadas de maior firmeza ou indecisão, precipitação ou lentidão, brutalidade ou leveza.” (id., ib., pp. 123-124)

O livro Ou/e, de 1983, editado pelo próprio Arnaldo Antunes, é quase todo

caligráfico. No poema “Fragmento Galáxias”, Arnaldo transcreve um trecho de

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“Galáxias”, de Haroldo de Campos, acrescentando a ele novas possibilidades de

sentido:

5

5 “Fragmento Galáxias”, poema extraído do site do artista www.arnaldoantunes.com.br, mas que originalmente pertence ao livro OU E, de 1983.

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Ao transcrever o poema, inserindo-o numa realidade visual praticamente

ilegível, Arnaldo obscurece uma possibilidade de sentido, mas evidencia a presença da

letra como reprodutora de uma realidade contextual específica do momento de

reprodução do poema. Assim, ele nos propõe que busquemos por aí o poema, e não

apenas numa co-relação com o texto original de Haroldo. A fixação temporal da versão

caligráfica de “Galáxias” é a mesma de sua oralização, no sentido em que diz respeito a

um momento específico de manifestação do discurso. O que projeta o texto em outras

dimensões de realidade significativa. Desta forma, temos um “Galáxias” mais voltado

para a curvatura e espessura do traço, tamanho da letra, enfim, traços que denunciam

certa entonação gráfica acrescida ao texto de Haroldo, indicando, de alguma forma,

novas possibilidades de leitura a partir de indicações do que poderia ser uma leitura

oralizada de Arnaldo.

3.1 – O SIGNO ENTOADO

Da mesma forma que a tentativa de reprodução visual dos recursos entoativos da

voz é trabalhada por Arnaldo por intermédio de seus exercícios caligráficos, esses

mesmos recursos entoativos podem ser encontrados em sua obra na forma mais

radicalmente cristalizada através de seus trabalhos referentes à palavra cantada. Para

Arnaldo, a inserção de uma determinada melodia na exposição de um discurso

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corresponde a determinada cristalização de uma entonação específica, no sentido de

fazer com que ela se torne mais sensível à percepção das pessoas.

Eu tenho até hoje uma paixão por caligrafia. Eu fiz, dois anos atrás, uma exposição só de caligrafias. É um assunto que me interessa [...] Mas esse primeiro livro era todo caligráfico. Eu tentava fazer com o traço manual das palavras um equivalente do que seriam os recursos entoativos da voz. Era como se tivesse uma entonação gráfica a ser trabalhada. Então, a curvatura, a espessura do traço, a maior velocidade, o ângulo, a composição, a disposição das palavras...Tudo isso, acentuadamente, podia sugerir sentidos que iam pra além do que o verbal já estava dizendo. Assim como, na fala, a gente expressa várias coisas através de gesto, de voz, de flexão. Isso, de certa forma, mais radicalmente, é levado para a canção, onde a gente cristaliza uma certa entonação, pra que ela seja memorizável pelas pessoas e pra que ela carregue, condense a emoção.6

Para Arnaldo, a canção tem o poder de atingir mais profundamente a consciência

das pessoas, devido ao seu alto poder de carregar e condensar as emoções. Essa

familiaridade da percepção humana com o discurso melódico nos remete às idéias de

Jean-Jacques Rousseau referentes aos tempos primários de aquisição da linguagem, para

quem a manifestação dos sentimentos humanos por intermédio da fala está intimamente

ligada à dinâmica de utilização de recursos melódicos. Para ele, os seres humanos, nos

momentos iniciais de utilização da língua, lançam mão de diversos recursos entoativos

para exprimir seus sentimentos. Uma comunicação plena de expressividade era aquela

que mais aproximava o homem não de seu pensamento, mas do cerne de suas paixões.

Para o filósofo suíço, “o homem não começou raciocinando, mas sentindo”

(ROUSSEAU, 1991, p.163). E a expressão dessas paixões estaria diretamente ligada às

diferentes nuanças das inflexões vocais. Assim, quanto mais retóricas e mais articuladas

se tornaram as línguas, mais distantes ficaram da natureza sentimental do homem. Nas

6 Comentário de Arnaldo Antunes, feito em 15.06.1998, por ocasião do II Festival Internacional de Poesia de Dois Córregos - SP, extraído do site www.youtube.com/watch?v=izpjN9qnDzg&feature=related. Acesso em 23. 07.2009

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línguas modernas, a evolução semântica e gramatical de sua estrutura teria substituído a

expressividade espontânea do ser, distanciando a palavra de seu habitat primordial, a

voz, criando, então, aspectos diferentes de manifestação:

A escrita, que parece dever fixar a língua, é justamente o que a altera; não lhe muda as palavras, mas o gênio; substitui a expressão pela exatidão. Quando se fala, transmitem-se os sentimentos, e quando se escreve, as idéias. Ao escrever, é-se obrigado a tomar todas as palavras em sua acepção comum, porém, aquele que fala varia suas acepções pelos tons, determinando-as como lhe apraz [...] Escrevem-se as vozes e não os sons. Ora, numa língua acentuada são os sons, os acentos, as inflexões de toda sorte que constituem a maior energia da linguagem [...] (id., ib.,p. 170)

O que Rousseau afirma é que quanto mais racional e analítica, mais imprópria

será a língua para a exposição dos sentimentos humanos. E ainda: quanto menos sonora

a língua, mais afastada da natureza, o que ratificaria a supremacia do som na estrutura

da língua, no processo comunicativo e na expressividade da alma:

Como as vozes naturais são inarticuladas, as palavras possuiriam poucas articulações, algumas consoantes interpostas, destruindo o hiato das vogais, bastariam para torná-las correntes e fáceis de pronunciar. Em compensação, os sons seriam muito variados, a diversidade dos acentos multiplicaria as vozes; a quantidade, o ritmo, constituiriam novas fontes de combinações, de modo que as vozes, os sons, o acento, o número, que são da natureza, deixando as articulações, que são convenções, bem pouco a fazer, cantar-se-ia em lugar de falar. (id., ib., p.166)

Para Rousseau, portanto, dada a importância das inflexões vocais no

estabelecimento da comunicação de expressão dos sentimentos, o homem, no início, em

vez de falar, cantava. A partir daí, podemos perceber que a genealogia da linguagem

está necessariamente ligada a uma genealogia da música, ou, mais especificamente, da

melodia:

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A princípio não houve outra música além da melodia, nem outra melodia que não o som variado da palavra; os acentos formavam o canto, e as quantidades, a medida; falava-se tanto pelos sons e pelo ritmo, quanto pelas articulações e pelas vozes. (id., ib., p. 187)

Neste sentido, mesmo que nas línguas modernas a importância dos recursos

sonoros no estabelecimento de comunicação tenha diminuído, o elemento melódico não

desapareceu por completo de sua estrutura. De certa forma, os recursos entoativos da

voz, tão importantes nos primórdios da linguagem, ainda estão presentes nas mais

diversas situações de fala. Podemos dizer, então, que, mesmo nos dias de hoje, a fala

ainda tem na entonação (e, porque não dizer, no canto) uma célula de crucial

importância para o pleno estabelecimento do ato de transmissão da mensagem. Daí vem

a grande importância que Jean-Jacques Rousseau atribui às canções, pois, com o canto,

a palavra se reagrupa mais radicalmente à melodia, restabelecendo na língua a plenitude

de sua capacidade de comunicação.

Esse princípio da fala como uma forma cotidiana de manifestação melódica, e da

canção como fixação dessa manifestação é defendido também por Luiz Tatit. Podemos

dizer até que não são poucas as semelhanças entre o pensamento de Tatit e o de

Rousseau, pois ambos estabelecem ligações íntimas entre o canto e a fala cotidiana. Pois

se Rousseau afirma que na canção se refazem os laços primordiais para a plenitude da

comunicação, Tatit diz que, com a estabilidade da canção, a fala adquire um status de

perpetuação na consciência do receptor:

Todos nós, falantes da língua, produzimos “canções” (entoações + frases verbais) que em geral não merecem ser fixadas. Ao contrário, tendem a ser esquecidas logo após a comunicação. No entanto, alguns de nós provavelmente levados por ímpetos artísticos, consideramos que vale a pena perenizar trechos dessas falas de modo que possam ser repetidos e até cantarolados em coro pelas pessoas. É quando nos pomos a compor. Claro que essa atividade envolve também uma certa habilidade musical, não no sentido instrumental do termo (ninguém precisa tocar bem para compor), mas no sentido de capacidade de fixação dos contornos entoativos para que

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esses não desapareçam juntamente com nossas falas cotidianas. Envolve, simultaneamente, uma capacidade de fixação das frases linguísticas que, na maior parte das canções, também são criadas na tangente da linguagem oral. Por isso, “como é bom poder tocar um instrumento!” ele ajuda a estabilizar o que é naturalmente instável. (TATIT, 2007, p. 414)

Para Tatit, fala e canto são constituídos de determinadas propriedades da língua

apoiadas em cadeias fônicas específicas. No caso da fala, essa cadeia é descartada assim

que o objetivo da comunicação é alcançado. Esse caráter descartável da fala ocorre por

causa de seu alto grau de instabilidade, ocasionado, entre outros fatores, pela

desorganização das alturas dos sons, que, naquele momento, se apresentam apenas para

concretizar o ato comunicativo entre os indivíduos. No caso da canção, os sons se

organizam de forma mais rígida, mais cristalizada, no sentido de gerar certa linearidade

sonora, para, assim, fornecer estabilidade ao ato de comunicação. Pois, como afirma

Tatit, “fazer uma canção é também criar uma responsabilidade sonora.” (idem, 1996, p.

12) E ainda, “Alguma ordem deve ser estabelecida para assegurar a perpetuação sonora

da obra, pois seu valor, ao contrário do colóquio, depende disso (...)” (idem, ibidem)

É importante frisar que, para Arnaldo Arnaldo, uma canção não é uma simples

entonação de discurso, mas, antes, realce de uma entoação que já é comum à práxis

palavra no momento da fala. Deve-se ressaltar, também, que uma canção não é a

simples junção de uma letra a uma melodia, já que ela remete a um tempo anterior à

própria noção de textos versificados mudos no espaço da página. Longe de querer

definir o termo ou encerrar o assunto, o próprio Arnaldo procura lançar alguns dados

para o entendimento da questão.

Uma canção não é uma letra entoada. Uma canção não é uma melodia que diz. Uma canção é algo que ocorre entre verbo e som, sem privilegiar nenhum deles. Ante uma canção de verdade, qualquer comentário crítico que separa letra de música parece patético. A canção não é um código composto pela junção de dois códigos primários, pois sua origem conjunta é anterior a essa divisão. A palavra cantada antecede a poesia falada ou

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escrita, a música instrumental, os frutos especializados do tempo do homem. (ANTUNES, op., cit., p. 74)

As muitas complexidades que envolvem o tratamento analítico da canção, tendo

em vista sua característica estrutural multifacetada, também são enfatizadas por Celso

Favaretto:

Ela [a canção] remete a diferentes códigos e, ao mesmo tempo, apresenta uma unidade que os ultrapassa: como não é um poema musicado, o texto não pode ser examinado em si, independentemente da melodia – se isso for feito, pode-se ter, quando muito, uma análise temática. A música, por sua vez, é refratária a uma análise de tipo linguístico, pois a melodia não apresenta unidades significativas, semânticas. Além disso, a canção comporta o arranjo, o ritmo e a interpretação vocal, que se inserem em gêneros, estilos e modas, dificultando a definição de uma unidade. (FAVARETTO, 1996, pp. 28-29)

A grande particularidade a ser levada em conta na análise de uma canção é

exatamente estabelecer códigos críticos que não separem o aspecto linguístico de seu

lado musical, já que, como se referiu Arnaldo, “a canção não é um código composto

pela junção de dois códigos primários, pois sua origem conjunta é anterior a essa

divisão.” No sentido de estabelecer uma prática analítica que pudesse englobar a

simultaneidade desses diferentes códigos que estruturam uma canção, Luiz Tatit propôs

um sistema teórico que aponta para a íntima relação entre canto e fala, ao mesmo tempo

em que explicita os vários níveis de interação entre a letra e a melodia. Esse sistema

corresponde a um diagrama em que cada espaço corresponde a um intervalo de meio

tom (ou um semitom), o que nos permite visualizar melhor o perfil melódico da canção,

em consonância com a sua realidade verbal. Sabendo que o esquema de Tatit é utilizado

mais frequentemente para a análise semiótica da canção, devemos frisar que, aqui, não

há essa ambição. Na verdade, utilizaremos esse esquema porque acreditamos que ele

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nos fornece um instrumental satisfatório na análise das canções, a partir da perspectiva

englobadora de Arnaldo Antunes.

A canção “Minha meu”, do disco Ninguém, é um bom exemplo da cristalização

dos recursos entoativos fala associados à sua práxis:

meu pé minha mão meu pai minha mãe meu pau meu pai meu pé minha mãe minha mão meu pé meu pau minha mãe meu pai meu pau minha mão minha mãe meu pai meu mãe minha mão meu pai minha pé meu pau meu mão meu mãe minha mãe minha pai meu pé meu pau meu mão minha pau minha pé meu mãe minha mão meu pai minha pé minha mãe meu mão minha pau minha pai meu mãe meu pau meu mão minha mãe meu pé minha pai minha mão minha pé meu pai meu mãe minha pau meu mão meu meu minha meu pai pau mão meu minha pé mãe pai minha minha pau mão pé mãe minha meu pai meu pé minha mãe mão pau meu minha meu minha mãe pau pai meu pãe minha pão minha mé meu mai meu mau meu pão meu pãe minha mai minha pãe meu pé meu mau minha pão minha mau minha mé

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meu pãe minha pão meu mai (ANTUNES,1995, faixa 8.)

Todas as cinco estrofes de nove versos de “Minha meu” estão organizadas numa

mesma estrutura melódica. Por isso, aplicaremos aqui o esquema de Tatit apenas na

primeira estrofe da canção, uma vez que o mesmo modelo se repetirá para as demais.

meu pai meu meu pé pau meu mi meu pai minha mi nha pé nha mãe mãe mão

meu pai mi minha meu meu minha meu pau nha mi mão pé pau mãe mão nha meu mãe pai

O que primeiro nos salta aos olhos são os intervalos curtos entre as notas,

entendendo-se, aqui, intervalo como a “diferença de altura entre dois sons” (MED,

1996, p. 60). O maior intervalo encontrado em “Minha meu” é de sexta maior simples,

ou seja, o intervalo de quatro tons e um semitom, localizado na mesma oitava.

Aproveitando-se dessa estreita variação sonora, ocasionada justamente por essa pequena

oscilação intervalar, a interpretação de Arnaldo Antunes procura realçar a curta duração

entre as notas, o que reforça a percepção do pulso através dos repetidos ataques

consonantais, causando a repetição linear de motivos rítmico-melódicos, e, por

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consequência, evitando a dissolução da idéia melódica. Para Luiz Tatit, esse é um

processo típico do que ele chama de tematização, pois prioriza a curta duração das

notas, estabilizando o pulso rápido, dando, então, uma atmosfera menos sentimental e

mais próxima da objetividade narrativa.

Dentro dessa realidade interpretativa de Arnaldo, podemos observar, na primeira

estrofe, uma aplicação convencional das regras sintáticas, quando verificamos a ordem

pronome possessivo/substantivo comum, com a aplicação regular de gênero: “meu pé

minha mão”. Toda a primeira estrofe é desenvolvida dentro dessa realidade linguística,

sem a preocupação de realçar um possível estado emocional do sujeito através, por

exemplo, da apresentação de uma determinada situação. Isso dá à estrofe um caráter

muito mais narrativo do que sentimental.

Já nas duas próximas estrofes (que, como todas as outras, está inserida na

realidade melódica apresentada anteriormente no modelo de Tatit), podemos verificar

que começam a surgir indícios de que o texto está se direcionando para o interior de sua

própria realização interna, pois, embora a regularidade sintática pronome/substantivo

esteja inalterada, já podemos verificar empregos irregulares de gênero: “meu mãe”,

“minha pé”. Na quarta estrofe, a regularidade sintática pronome/substantivo, mantida

inalterada até a terceira estrofe, já está comprometida, curvando-se à lógica singular do

texto, com associações como “meu meu minha meu”. Devemos explicitar que, da

segunda à quarta estrofe, a destruição da lógica sintática é acompanhada pela

interpretação de Arnaldo, que acelera o andamento da canção, realçando ainda mais o

aspecto narrativo e não-emocional, aproximando o canto da fala cotidiana, e

emprestando certa instabilidade à interpretação. A esse fenômeno, Luiz Tatit dá o nome

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de figurativização, que se caracteriza pela evidenciação da fala que está inserida na voz

que está cantando.

Na última estrofe, o texto chega ao seu grau máximo de auto-realização sonora,

com o surgimento de vocábulos que fogem ao conjunto lexical da língua portuguesa,

como “pãe”, “me” “mai”, transformando as palavras em meras partículas acústicas sem

nenhum sentido semântico, ainda que guardando semelhanças fônicas com as palavras

de origem. Aqui, Arnaldo desacelera o pulso, sem, no entanto, chegar a provocar o

prolongamento das vogais a ponto de estabelecer certa atmosfera emocional, processo

que Luiz Tatit chama de passionalização. A interpretação de Arnaldo diminui o

andamento apenas para ratificar o estabelecimento do caos sintático e semântico da

estrofe, no sentido de realçar a supremacia do som em relação aos códigos

convencionais da língua.

Toda a realidade rítmico-melódica de “Minha meu” está inserida numa estrutura

harmônica bastante simples. Acomodada na tonalidade de ré maior (D), a canção

obedece à sequência básica de acordes (tônica – subdominante – dominante com a

sétima adicionada – tônica), que, de uma forma geral, caracteriza o rock and roll, ritmo

do qual se serviu Arnaldo para interpretar a canção. Assim, a simplicidade harmônica da

canção, associada à agressividade rítmica do rock, chega ao receptor através de uma

interpretação ácida, com notas mais gritadas do que propriamente cantadas, e guitarras

pesadas, afastando o sentimentalismo e realçando a aspereza da proposta sonora da

canção.

Dentro de toda essa proposta sonora, “Minha meu” se estrutura poeticamente

como uma canção composta de cinco estrofes de nove versos cada, os oito primeiros

versos de cada estrofe contendo quatro palavras e o último, apenas dois, totalizando

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quarenta e cinco versos, e somando cento e setenta palavras, todas elas começando

apenas com os fonemas /pê/ e /mê/. As palavras se repetem e se relacionam

exaustivamente. Tudo, no entanto, para se chegar ao estágio de auto-suficiência

significativa, à absolutização da palavra feita som.

3.2 – POP CONCRETO OU A ESPECIALIZAÇÃO EM XEQUE

É importante frisar que o cancioneiro de Arnaldo Antunes não é uma vertente de

sua obra que se separa de sua produção poética ou de seus outros trabalhos, sejam eles

plásticos ou de multimídia. Não podemos deixar de dizer que, para Arnaldo, a canção é,

então, uma forma a mais de exploração dos recursos estruturais da palavra. Por isso,

uma canção que é ouvida em sua gravação fonográfica pode ganhar um outro conjunto

de sentidos se for analisada a partir da interpretação em uma performance ao vivo. Da

mesma maneira, essa canção pode migrar para o espaço da página e ganhar

características visuais bastante particulares, desviando-a para um outro universo de

realização. É o caso, por exemplo, de “O que”, que veio a público primeiramente em

forma de canção, no disco dos Titãs, intitulado Cabeça Dinossauro, de 1986:

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não pode pode o que não é o ser não é o que ser que que não po ser não não o de que que que não é

que é é o não pode não é pode ser o que ser o que não não que

que não o que o que o que não é o que pode pode ser que não o que não é que o

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ser não é o que pode ser não é o que pode ser que não é que não que não

(ANTUNES In TITÃS, s/d, faixa 13)

A canção de Arnaldo Antunes foi interpretada pelos Titãs no mais autêntico

estilo funk, com uma bateria que não se presta apenas ao simples acompanhamento, mas

que dita a pulsação marcante do ritmo, um contra-baixo sincopado que dialoga

intimamente com a célula percussiva, como também fazem as guitarras e os efeitos

eletrônicos. A voz de Arnaldo, assim como eventualmente os backing vocals, projeta a

melodia de forma explicitamente tematizada, com notas curtas e claros destaques para

os rápidos ataques consonantais, praticamente fazendo da voz uma outra célula

percussiva. E essa voz canta repetidamente, mas com alternância de valores, as curtas

palavras “que não é o que não pode ser”, que como são muito repetidas, acabam girando

em seu próprio eixo de significação.

Com essa interpretação, a canção chegou ao topo das “paradas de sucesso”,

transformando-se num grande exemplo de produto pop da segunda metade dos anos

1980. No mesmo ano de 1986, no entanto, Arnaldo extraiu o elemento verbal da canção

e o transferiu para o livro Psia, recriando-o em forma de poesia visual:

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(ANTUNES,

1998, s.p.)

A disposição gráfica do poema sugere as muitas possibilidades de apreciação, na

medida em que não aponta para nenhum início e nenhum fim. Talvez a presença de um

título pudesse indicar um possível ponto de partida para a leitura. No entanto, nenhum

poema de Psia é intitulado, o que aumenta as possibilidades de início e fim da leitura do

poema, já que, de qualquer ponto em que se iniciar, haverá o retorno ao ponto em que se

leitura se originou. Todos esses recursos de estruturação gráfica nos remetem

novamente ao íntimo diálogo de Arnaldo com a poesia concreta, na medida em que a

realidade visual do poema no espaço da página passa a ser parte ativa do seu processo

significativo, assim como também são os seus aspectos sonoro e verbal. Curiosamente,

ao seguirmos o movimento circular do poema, nos detendo em apenas alguns pontos,

podemos seguir o texto como na letra da canção. Não menos curioso, e digno de

menção, é o fato de que, ao acompanhar a letra a partir da disposição circular do poema,

somos potencialmente levados a girar o livro, fazendo com que ele tenha o mesmo

movimento do disco na vitrola. Essa simetria de movimentos entre livro e disco adquire

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uma força simbólica significativa se pensarmos que toda a obra de Arnaldo busca

inserir-se em ambientes culturais em que já não se faz sentido diferenciar as supostas

alta e baixa culturas, como ele próprio afirma:

Eu me sinto fruto de um tempo em que essa diferenciação já não faz mais sentido. Quando a percebo em alguma conversa, ou em algum texto, já vejo como resquício de um pensamento do século retrasado, daquela época em que os intelectuais só ouviam música erudita[...]essa discussão é comum nos debates sobre música popular, mas não frequenta os debates sobre poesia. Talvez porque a poesia já seja considerada um bem superior, não precise conquistar esse status, enquanto a música popular representaria uma manifestação mais ligada ao lazer e ao consumo do que à verdadeira expressão artística[...]Agora eu, pelo fato de gravar discos e fazer shows, mas também publicar livros, percebo às vezes preconceitos de ambas as áreas. [...]Eu sempre associei a cobrança de especialização a algo que reconstitui um pensamento antigo, de um tempo em que os meios culturais eram mais separados. (idem,2006, p. 340)

Ao dar uma estrutura verbivocovisual para “...que não é o que não pode ser...”,

Arnaldo estabelece um diálogo com a poesia concreta não apenas no ponto de vista

estético, já que esta sempre almejou um contato com outras formas de comunicação,

inclusive aquelas inseridas numa suposta cultura de consumo, como afirma Haroldo de

Campos na introdução de Teoria da poesia concreta:

Seu consumo se deu de maneira a mais surpreendente. Na linguagem e na visualidade cotidianas, a poesia concreta comparece. Está no texto de propaganda, na paginação e na titulagem do jornal, na diagramação do livro, no “slogan” de televisão, na letra de “bossa nova”. (CAMPOS In CAMPOS, A.; PIGNATARI, D.; CAMPOS, H., 2006. pp 9-10)

O interesse dos concretos pela música popular ajudou a intensificar a dissolução

da fronteiras entre cultura popular e erudita, ao mesmo tempo em que colocou em xeque

o princípio da especialização. Essa abertura dos concretos à migração acabou atraindo o

interesse de uma gama de artistas de música popular. Não há dúvida de que o segmento

que inicialmente mais se interessou por esse diálogo foi o tropicalismo. Augusto de

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Campos já havia se manifestado acerca dessa possibilidade de diálogo antes mesmo de

o movimento ganhar uma maior consistência no cenário musical brasileiro. Num artigo

escrito em 1966, o poeta se refere a Caetano, acerca de uma declaração em que o

compositor baiano atacava os críticos nacionalistas que tentavam minimizar as

contribuições trazidas pela bossa nova, e falava na retomada da linha evolutiva da

música popular brasileira.

Caetano Veloso, entre outros jovens compositores de sua geração, mostra que é possível fazer música popular, e inclusive de protesto e de Nordeste quando preciso, sem renunciar à “linha evolutiva” impressa à nossa música popular pelo histórico e irreversível movimento da bossa-nova. Não cabe aos críticos apontar caminhos, senão observar e compreender. Eles – os compositores – é que indicarão com suas músicas futuras esses caminhos e dirão, sobre o debate que hoje se trava em torno da música popular brasileira, a palavra final. Que – é lícito esperar – há de ser, como a da posição e a da composição de Caetano Veloso, uma “boa palavra”. (CAMPOS, 2005, pp. 64-65)

Neste sentido, percebia-se que Augusto procurava ampliar a rede de relações

musicais da poesia concreta, que, até então, parecia simpática apenas a compositores

eruditos, de herança dodecafônica e serialista, como Pierre Boulez, John Cage e

Karlheinz Stockhausen, mais distantes das movimentações mercadológicas da época. É

certo que Augusto já manifestara interesse por alguns aspectos da música popular

brasileira, como Lupicínio Rodrigues, a bossa nova e até Jovem Guarda. No entanto, os

tropicalistas demonstravam pontos em comum mais evidentes, como o interesse por

manifestações culturais tipicamente nacionais e o desejo de utilizá-las em consonância

com a produção cultural estrangeira, sobretudo aquela que se apresentava como

resultado do produto da cultura de massas, como o rock and roll e suas guitarras

elétricas. Essa postura do grupo de Gilberto Gil e Caetano Veloso chamou a atenção de

Augusto, e posteriormente também de Haroldo de Campos e Décio Pignatari, sobretudo

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pela semelhança com as ambições antropofágicas de Oswald de Andrade, nome tão caro

ao paideuma concretista. Acerca disso, Augusto ratifica: “Um ponto de aproximação

entre os dois grupos é, sem dúvida, Oswald de Andrade (...) Oswald, básico para os

concretos, passou a sê-lo também para Caetano (...) E a Antropofagia oswaldiana é a

própria justificação da Tropicália.” (id., ib., pp. 286-287).

Não há dúvida que algumas canções tropicalistas dialogam intimamente com os

preceitos estéticos da poesia concreta. O disco Aracá Azul, de Caetano Veloso,

experiência mais radical do compositor neste sentido, talvez seja o maior ponto de

aproximação entre os dois grupos. Mas, no sentido coletivo, a expressão mais nítida de

diálogo seja a canção “Batmakumba”7 , de Gilberto Gil e Caetano Veloso, gravada por

Gilberto Gil no disco Tropicália ou Panis et circensis, de 1968, e pelos Mutantes, no

disco Os Mutantes, do mesmo ano.

7 A respeito da grafia com k, preferimos reproduzir as palavras de um dos autores da canção, Gilberto Gil: “Sobre adoção, a partir de agora, do k na microestrutura do poema, em lugar de c (em decorrência do que também o y passa a substituir o anteriormente grafado i, para melhor expressão tipográfica da alusão ao gênero de música estrangeira em moda na época”. (GIL, 1996, p. 98)

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batmakumbayêyê batmakumbaoba batmakumbayêyê batmakumbao batmakumbayêyê batmakumba batmakumbayêyê batmakum batmakumbayêyê batman batmakumbayêyê bat batmakumbayêyê ba batmakumbayêyê batmakumbayê batmakumba batmakum batman bat ba bat batman batmakum batmakumba batmakumbayê batmakumbayêyê batmakumbayêyê ba batmakumbayêyê bat batmakumbayêyê batman batmakumbayêyê batmakum batmakumbayêyê batmakumbao batmakumbayêyê batmakumbaoba (VELOSO; GIL In GIL, 1996, p. 98)

Apesar de se tratar de uma canção, não trataremos de “Batmakumba” a partir do

esquema de Luiz Tatit, já que, o que importa, aqui, é apresentá-la como um forte traço

de ligação entre Tropicália e o Concretismo. Nesse momento, mais valem os aspectos

especificamente poéticos da obra, uma vez que são esses os pontos que mais chamaram

a atenção do grupo Noigandres para a canção. E antes, no entanto, de tecer qualquer

comentário sobre a letra, é importante destacar as palavras de Gilberto Gil sobre como o

processo de criação de “Batmakumba” simboliza a aproximação do tropicalismo com

Oswald e a poesia concreta:

O Oswald [de Andrade] estava muito presente na época; nós estávamos descobrindo a sua obra e nos encantando com o poder de premonição que ela tem. A idéia de reunir o antigo e o moderno, o primitivo e o tecnológico, era preconizada em sua filosofia; “Batmakumba” é de inspiração oswaldiana. E concretista – na ligação das palavras e na construção visual do k como uma marca; no sentido impressivo, não só

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expressivo, da criação. Não é só uma música multimídia, poema gráfico, feita também para ser vista. Naquele momento, nós vivíamos cercados de elementos múltiplos, ligados nas novidades sonoras e literárias trazidas pelos poetas concretos e pelos músicos de vanguarda de São Paulo.(id., ib., p. 98)

Há vários aspectos específicos que fazem de “Batmakumba” uma obra de

“inspiração oswaldiana e concretista”. A justaposição de sílabas e palavras nos remetem

à formação de uma verdadeiro caldeirão cultural, em que podemos encontrar nomes que

nos remetem a produtos da cultura de massas, como o Batman (o super-herói branco e

norte-americano), o iê-iê-iê (segmento musical estrangeiro, seguido no Brasil pela

jovem guarda), e bat (morcego, em inglês). Mas também encontraremos palavras que

nos remetem ao cerne da formação da cultura nacional, como a macumba (nome dado

aos ritos de manifestação das religiões afro-brasileiras), o baobá (nome de uma árvore

africana), ba (termo de conotação afetiva, com o qual se tratavam as amas de leite), e

oba ( que tanto pode ser uma expressão tipicamente brasileira de saudação ou indicação

de alegria, quanto o nome de um orixá – Obá.) Além disso, a grafia de makumba com k

reforça ainda mais a antítese nacional versus estrangeiro, ou, porque não dizer, a síntese

nacional mais estrangeiro. O termo possibilita, ainda, uma associação paradigmática de

batmakumba com outros elementos ligados ao super-herói Batman, como a batcaverna

e o batmóvel.

Do ponto de vista visual, várias são as possibilidades de associações de imagens.

A que salta aos olhos, no entanto, é a formação da letra k, um elemento então estranho

ao alfabeto da língua portuguesa e, portanto, mais um elemento da cultura importada,

ou, ainda, simbolizando o espaço que os elementos nacionais ocupam na estrutura do

texto. Se for encarado em seu sentido horizontal, podemos enxergar duas orelhas, que,

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dentro do contexto da obra podem ser de um morcego (bat) ou do homem-morcego

(batman).

Do ponto de vista sonoro, a constante repetição dos fonemas /bê/ e /tê/ (de” bat”)

e /ka/ (de “kum”), remetem às batidas dos tambores dos rituais afro-brasileiros. Não

obstante, a palavra “bat”, que, como já foi dito, pode nos remeter a morcego em inglês,

corresponde sonoramente a bate (do verbo “bater”, da língua portuguesa).

Assim, não seria exagero afirmar que “Batmakumba” é uma nítida realização

das ambições verbivocovisuais dos concretistas. Mais que isso, a canção, de clara

estrutura construtivista, é uma demonstração de como é possível levar preceitos

estéticos, em princípio mais voltados a uma elite intelectual, à consciência das massas.

Com o Tropicalismo, as massas, enfim, consumiam o “biscoito fino” ao qual Oswald de

Andrade se referira, e as gerações posteriores puderam usufruir dos frutos desse diálogo,

uma vez que começaram a se dissolver as fronteiras entre o popular e o erudito, a ponto

de não ter mais sentido a preocupação em saber onde termina um e começa o outro.

A obra de Arnaldo Antunes surge já imersa em uma atmosfera em que a noção

de especialização encontra-se em xeque, como resultado justamente dessa mistura de

linguagens que tomou forma e corpo na década de 1960:

[...]O fato das linguagens terem se misturado, muito em função da tecnologia também, de certa forma abriu territórios de conversa entre categorias de alta e baixa cultura, esse trânsito se tornou mais fluente. Mas eu cresci num meio em que isso já tinha sido conquistado. Para mim não é mais uma meta. Já é um a priori do qual eu parto com naturalidade, porque venho de uma geração posterior à da Tropicália, da Poesia Concreta, do Cinema Novo, do cinema underground, coisas que trabalharam nessa direção. (ANTUNES, op., cit., pp. 340-341)

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Seu cancioneiro, que no início era basicamente direcionada à produção musical

do grupo Titãs, surge como parte integrante daquilo que se convencionou chamar de

“Rock Brasil”. Curiosamente, essa corrente musical, que surge no Brasil no início da

década de 1980, pareceu se aproveitar da abertura cultural feita pela Tropicália, mas, em

princípio, trouxe para sua concepção criativa pouco das conquistas estéticas do grupo de

Gil e Caetano8. De uma forma geral, o “Rock Brasil”, mais do que um movimento

musical, surgiu como consequência de uma série de fatores político-culturais pelo qual

o país atravessava, como a urgência em se fortalecer o regime democrático, certo

esgotamento do instinto ferrenho de nacionalização (que fora dominante nos

movimentos estudantis na época do regime militar), o que resultou no surgimento de

uma atmosfera mais propícia à absorção do produto cultural estrangeiro. E isso, por

consequência, acabou possibilitando o surgimento de espaços como o Circo Voador e a

veículos de comunicação como rádio Fluminense FM, ambos no Rio de Janeiro,

direcionados à realização e veiculação de manifestações artísticas dos jovens que se

movimentavam já sob esse novo quadro político-cultural.

Pouco havia, então, de uma ambição propriamente estética nessa produção

musical. Antônio Marcus Alves de Souza, em seu Cultura rock e arte de massa,

explicita um aspecto que delineia um aspecto crucial da produção musical da época:

8 É importante frisarmos que, paralelamente ao “Rock Brasil”, mas longe dos “holofotes da grande mídia”, surgiu, em São Paulo, uma série de artistas que buscavam novos caminhos para a música popular brasileira (talvez com o intuito de dar prosseguimento à linha evolutiva da canção popular, que vinha do Tropicalismo), baseados, entre outros elementos, na revalorização dos padrões da fala no processo interpretativo, no diálogo com atonalismo e o dodecafonismo, na herança do samba paulistano, na irreverência. Embora não formassem propriamente um “movimento” (pois, como esses próprios artistas afirmavam, foram muitas e heterogêneas as trilhas seguidas), nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Breque e o grupo Rumo passaram a ser conhecidos como “Vanguarda Paulista”.

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[...]Vale a pena ressaltar que, entre outras movimentações do “Rock Brasil” nos anos 80, estava justamente a idéia de festa e do divertimento. As experiências vanguardistas da música brasileira cederam espaço para o riso alegre de jovens saídos de uma ditadura e que precisavam cantar e dançar em um esforço de espantar as assombrações de duas movimentadas e fantásticas décadas. (SOUZA, 1995, p. 64)

Isso não quer dizer que essa geração fosse totalmente alienada e preocupada

penas em se divertir, totalmente alheia à realidade brasileira. Na verdade, essa própria

tendência a certa despreocupação já era por si só uma forma de se manifestar

ideologicamente. Era comum, no entanto, encontrarmos um discurso mais politicamente

direcionado. Como é o caso de “Geração Coca-cola”, de Renato Russo, gravada pela

Legião Urbana:

Quando nascemos fomos programados pra receber de vocês Nos empurraram com os enlatados Dos U.S.A., de nove as seis. Desde pequenos nos comemos lixo comercial e industrial Mas agora chegou nossa vez Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês. [...] (RUSSO In URBANA, 1995, faixa 6)

De qualquer forma, tanto essa postura inconformada e messiânica do compositor

pop, que falava em nome de sua geração, quanto a afirmação da liberdade, manifestada

através do desejo pelo divertimento, pareciam que pouco se movimentavam na direção

de um diálogo com as conquistas mais especificamente estéticas das gerações

anteriores. E nessa atmosfera de descompromisso formal, o cancioneiro de Arnaldo

surge como um ponto de retomada do diálogo entre as linguagens. Os casos de “O que”

e “Minha meu”, já tratados anteriormente neste mesmo capítulo, são exemplos de como

preceitos estéticos oriundos principalmente do diálogo entre a Poesia Concreta e o

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Tropicalismo podem soar em perfeita consonância com a atmosfera aparentemente

descompromissada do “Rock Brasil”. E como uma das principais características da

produção arnaldeana é a globalidade, ou seja, a não distinção de valores entre suas

manifestações artísticas no tratamento da palavra, qualquer perspectiva crítica ou

analítica que proponha algum outro caminho que possa resultar na hierarquização entre

as linguagens poderá parecer sem sentido.

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4 – ARNALDO PRIMITIVO

Não há dúvida de que a produção de Arnaldo Antunes está inserida numa época

em que o diálogo entre linguagens é cada vez mais comum. A crescente predominância

do espírito de simultaneidade torna menos relevantes as insistentes tendências à

especialização. Até há algumas décadas, era comum cada forma de arte realizar-se a

partir de seu suporte específico e com uma finalidade receptiva também bastante

precisa, como, por exemplo, a poesia em celulose exclusivamente para ser lida ou a

pintura em tela para unicamente ser vista. O desenvolvimento tecnológico, no entanto,

foi apresentando suportes ao artista, que, então, sentiu-se tentado a experimentar novas

possibilidades de concepção a partir dos recursos oferecidos por esses novos meios. Ao

entrar em contato com uma ferramenta como o computador, o artista se viu diante de

um arsenal de inúmeras possibilidades criativas, que acabou projetando-o para um plano

de atuação no qual a grande chave mestra passa a ser a liberdade de movimentos. No

caso específico da poesia, a palavra digital, como não está presa a nenhum suporte que

limite seus movimentos, está sujeita a todo o tipo de caprichos de seu manipulador.

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Pois, como afirma Antônio Risério, “é com o computador que o poeta pode realmente

fazer com que sua escrita dê saltos nijinskianos e passinhos chaplianos.” (RISÉRIO,

1998, p. 128)

Obviamente que já podíamos encontrar uma forte tendência às peripécias visuais

e ao diálogo entre linguagens em poetas muito anteriores às conquistas tecnológicas da

informática. Já no início do século XX, com a explosão das vanguardas, poetas como

Vielimir Khlébnikov já manifestavam o interesse pela manipulação do aspecto plástico

da palavra. Até mesmo alguns nomes de épocas anteriores, como o poeta-pintor William

Blake, já demonstravam desejo pela simultaneidade em suas concepções criativas.

Podemos dizer até que a atmosfera agregadora de hoje é uma afirmação do que já estava

sendo pretendido e esboçado tempos atrás por um segmento muito específico de poetas.

Nos dias atuais, no entanto, o caráter desterritorializado da palavra digital cria

um ambiente cada vez mais propício ao desenvolvimento de uma poesia impura, de

espírito mais nômade. E esse espírito errante do verbo digital torna mais viável o

diálogo com outros campos de produção de sentido.

É sob essa atmosfera de liberdade de movimentos que se manifesta a produção

de Arnaldo. Essencialmente um artista da palavra, ele é um dos nomes de sua geração

que mais se aproveita dessa crise da especialização para promover a neocaligrafia

errante que é o verbo em seu universo digital. Com ele, as possibilidades gráficas dos

signos digitais (sejam eles verbais ou não) movimentam-se ativamente, e em igual valor

hierárquico, no processo de produção de sentido. É o caso, por exemplo, do poema

“derme/verme”:

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(ANTUNES,

1993, s/p/)

Mais do que a simples relação paronomástica entre os vocábulos “derme” e

“verme”, a conotação fisiológica do poema faz referência à pele humana, não apenas no

seu poder de regeneração (daí as muitas repetições da palavra “derme”), mas também a

sua susceptibilidade à degeneração (o que explica as formas com que “der” é

apresentada). Todas as repetições de “derme” têm uma única letra “m” – cujo tamanho

alcança as variações gráficas de “der” e “e” – formada pelas linhas da palma da mão,

evidenciada, sobretudo, pelas nítidas impressões digitais presentes em diversos locais

do poema, o que reforça a proposta de estabelecimento de certa atmosfera fisiológica do

texto.

Já a palavra “verme” aparece uma única vez e, na verdade, sem a letra “m”, o

que, além de possibilitar a leitura do infinitivo “ver” e da conjunção “e”, pode

representar a deterioração do aspecto orgânico do poema, como resultado da ação do

próprio verme sobre a derme. Deve-se notar neste caso que, como resultado da ação do

“ver(m)me” não há indícios de impressões digitais. Além disso, a tipologia de

“ver(m)me” apresenta claros sinais de deterioração, o que, segundo o próprio poeta,

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“transfere a questão fisiológica da decomposição do corpo humano após a morte para a

questão da linguagem em relação aos seus meios de produção e reprodução.” (idem,

2000, p. 67)

O poema “derme/verme” mostra como os modernos recursos tecnológicos

podem agir no sentido de dinamizar a aproximação entre os mais diferentes segmentos

de manifestações estéticas num mesmo sentido. E como a presença de novos veículos

de produção pode despertar no poeta novas formas de exploração dos signos. Para

Arnaldo, esse diálogo entre linguagens, como resultado da desnecessidade de

especialização das manifestações artísticas, representa um processo de (re)união de

segmentos que não se limita às questões estéticas. De certa forma, essa arte libertária e

menos burocrática adquire um caráter menos artificialista, e, logo, acaba se tornando

mais próxima da naturalidade das manifestações da própria vida. Isso faz com que essa

arte, de cunho predominantemente tecnológico, de alguma maneira, nos remeta ao que

podem ter sido as manifestações artísticas das sociedades tribais, nas quais a arte não

tinha um sentido estritamente estético, mas, sim estava ligada a questões inseridas na

própria essência da vida das pessoas. É o próprio Arnaldo quem ratifica essa idéia:

E esse link entre as diferentes linguagens me lembra até um pouco do que era, por exemplo, a arte nas comunidades primitivas, onde não existia esse conceito de arte, era sempre uma coisa ligada à vida. A música, por exemplo, era sempre relacionada à dança e relacionada ao culto, seja religioso, seja guerreiro, seja curativo. As artes visuais eram também ou ligadas a objetos utilitários, ou feitos para adoração de deuses, no sentido do sagrado. Então você não tinha a diferenciação precisa entre as linguagens e nem a diferenciação entre arte e vida. A criação estava impregnada no dia-a-dia das pessoas. E acho que a tecnologia trouxe um pouco dessa mistura, porque, na civilização, o homem foi criando, com o decorrer do tempo, as artes plásticas para serem vistas, a música para ser ouvida, a literatura para ser lida...Foi compartimentando um pouco, separando os sentidos. E, de certa forma, a tecnologia propicia à gente reatar alguns desses laços dos sentidos que a história da civilização do homem foi separando. Talvez esse seja um dos sentidos possíveis da expressão do McLuhan “aldeia global”.

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Você, através de um processo tecnológico, você restituir o espírito de aldeia. E cada vez mais eu acredito nisso. Na arte colada à vida. 9

Curiosamente, é por intermédio de uma da tecnologia cibernética que Arnaldo

Antunes insere sua produção no contexto de arte primitiva. Sobretudo porque o

computador é a ferramenta que possibilita que o artista atue constantemente sob o signo

da simultaneidade, ou seja, num mesmo instrumento, é possível que se trabalhe com

som, imagem, verbo, movimento etc. Isso faz do computador um espaço criativo

desvinculado da fixidez dos segmentos, o que possibilita que o artista assuma uma

postura mais libertária, e, por consequência, de maior potência produtiva diante do

mundo. Essa postura faz com que o artista se aproprie das coisas do mundo não para

transferi-las para o universo da arte, mas para fazer delas a própria essência do fazer

artístico. Tal como nas comunidades primitivas, a arte, para Arnaldo, não é uma “coisa

para falar da vida, mas para viver. É uma parte da vida...” (idem, 2006, p. 348) E isso

reforça o sentimento de repulsa pelas posturas segmentaristas.

O Poema “ávida” representa bem o amplo interesse de Arnaldo pela unicidade:

9 Comentário de Arnaldo Antunes, feito em 15.06.1998, por ocasião do II Festival Internacional de Poesia de Dois Córregos - SP, extraído do site www.youtube.com/watch?v=EDUFC_e4xuE&feature=related. Acesso em 23. 07. 2009

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(idem, 1997, P. 39)

A primeira coisa que salta aos olhos é a disposição gráfica do poema. Suas duas

extremidades são formadas por versos consideravelmente separados, enquanto o centro

é formado por um conjunto de versos, graficamente maiores, que se contrapõem. Na

extremidade de cima, o poeta afirma seu desinteresse pelas divisões: “e eternidade/

dividida/em vidas/não interessa”. Assim como também afirma a parte de baixo do

texto: “só interessa/a eternidade/inteira/de uma vez.” No entanto, no núcleo do poema,

formados por versos colados e sobrepostos, que sugerem “à vida”, “ávida” e “vida”,

realçam o desejo de unicidade, ao mesmo tempo em que se relacionam com as duas

extremidades do poema (já que tanto podemos ler “a eternidade dividida em vidas não

interessa à vida”, quanto “à vida só interessa a eternidade inteira de uma vez”) funciona

como um ponto de união de toda a estrutura do texto. O poema reforça, então, a idéia de

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uma vida ávida de união, que despreza qualquer tipo de segmentação, seja ele em que

nível for.

4.1 – A TRIBO DE MCLUHAN

Quando Antunes se refere à utilização de novas tecnologias para restituir ao

homem seu instinto de primitivismo, ele lança mão da noção de “aldeia global”,

utilizada por Herbert Marshall McLuhan, considerado por muitos como o pai da teoria

da globalização. O conceito de “aldeia global”, utilizado por McLuhan da década de

1960, diz respeito a uma nova concepção das relações humanas a partir das modernas

tecnologias de comunicação e informação desenvolvidas na época, sobretudo os meios

de comunicação de massa.

McLuhan defende o princípio de que, do ponto de vista da comunicação, a

humanidade passou por três estágios. O primeiro é o do chamado mundo tribalizado, no

qual predominou a transmissão de conhecimentos por intermédio da tradição oral, o que

acaba impulsionando uma maior aproximação entre as pessoas e reforçando o espírito

de coletividade. O segundo é o estágio destribalizado, que surgiu com o

desenvolvimento da imprensa. Neste estágio, a movimentação das informações passou a

ocorrer por intermédio de livros e outros impressos, o que estimulou o individualismo e

a aquisição de conhecimento de uma forma mais silenciosa, pois, “à medida que a

imprensa tipográfica de Gutenberg foi enchendo o mundo, apagava-se a voz humana.”

(MARSHALL, 1977, p. 337). Já o terceiro estágio é chamado de retribalização. Apesar

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do nome, não se trata propriamente de uma retomada do primeiro estágio, mas sim de

um regresso à oralidade, graças ao surgimento do rádio e da televisão. Esse mundo

retribalizado permite que pessoas das mais diferentes partes do planeta tenham acesso à

mesma informação num mesmo momento. Para McLuhan, a informação propagada

eletronicamente corrobora para a diluição do distanciamento cultural entre os povos,

fazendo com que o mundo se transforme numa gigantesca tribo. E a partir dessa teoria

surgem as suas célebres palavras: “A nova interdependência eletrônica recria o mundo à

imagem de uma aldeia global.” (id., ib., p. 58)

Devemos considerar, no entanto, que a noção de um mundo retribalizado adquire

muito mais consistência com os meios de comunicação atuais, como a internet, onde há

uma cooperação mútua entre os indivíduos na produção de conhecimento. No caso da

televisão e do rádio, o processo de comunicação se dá tradicionalmente através de uma

via de mão única, na qual uma mensagem é propagada e receptores de todo o mundo

recebem essas mensagens. Com a internet, o estágio referente à retribalização parece

mais completo, uma vez que um indivíduo em qualquer parte do mundo pode ser tanto o

sujeito quanto o receptor da informação. Essa diluição virtual das distâncias humanas,

potencializada pelo advento de novas tecnologias, acabou por dinamizar cada vez mais

rapidamente o processo de reconstituição do espírito de coletividade, como afirma

McLuhan no prefácio do livro Os meios de comunicação como extensões do homem:

Depois de três mil anos de explosão, graças às tecnologias fragmentárias e mecânicas, o mundo ocidental está implodindo. Durante as idades mecânicas, projetamos nossos corpos no espaço. Hoje, depois de mais de um século de tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio sistema nervoso central num abraço global, abolindo tempo e espaço (pelo menos naquilo que concerne ao nosso planeta). Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos meios e veículos. (idem, 1998, p. 17)

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Se nos anos 1960, as tecnologias disponíveis para a veiculação do “abraço

global” já impulsionavam o anseio pelo estreitamento dos diálogos, hoje, o espaço

virtual da internet, ao mesmo tempo em que estabelece a atmosfera para o estreitamento

das relações humanas, dinamiza a possibilidade de contaminação entre as linguagens.

Esse novo desenho geográfico das relações culturais estabelecido pela interconexão

global entre computadores funciona como uma espécie de diluição virtual das fronteiras

geográficas, como afirma Pierre Lévy, ratificando as idéias de McLuhan e adaptando-as

à realidade das novas tecnologias:

O desenvolvimento da infra-estrutura técnica do ciberespaço abre a perspectiva de uma interconexão de todos os mundos virtuais. A reunião progressiva dos textos digitalizados do planeta em um único hipertexto é apenas o prelúdio de uma interconexão mais geral, que unirá o conjunto das informações digitalizadas (...) Assim, a rede dará acesso a um gigantesco metamundo virtual heterogêneo que acolherá o fervilhamento dos mundos virtuais particulares com seus links dinâmicos, as passagens que o conectarão como poços, corredores ou tocas do wonderland digital. (LÉVY, 1999, p. 146)

Mesmo não tendo presenciado os excepcionais avanços da informática e o

desenvolvimento da internet, McLuhan pôde visualizar que os meios de comunicação de

massa seriam a chave para as muitas possibilidades de agregações artísticas. Pois,

segundo ele, “não foi pelo livro, mas pelo desenvolvimento posterior da imprensa de

massa, especialmente da imprensa telegráfica, que os poetas vieram a descobrir as

chaves para o mundo da simultaneidade”.(McLUHAN, op. cit., p. 356)

Não há dúvida de que a coletivização da informação, impulsionada pelo advento

dos meios de comunicação de massa, possibilitou que manifestações artísticas de menor

público, como a poesia, tivessem um poder de alcance consideravelmente ampliado.

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No caso particular de Arnaldo Antunes, por exemplo, fica claro que a “imprensa

de massa” teve um papel importantíssimo em sua formação:

Eu acho que o grande papel na minha formação, de divulgação da poesia, e formador pra mim, foram as revistas dos anos 70 e 80, através das quais eu conheci o trabalho de vários contemporâneos meus, como Paulo Leminski, Wally Salomão, como o Duda Machado, e até mesmo Augusto, Haroldo de Campos, Décio Pignatari. Muito da produção deles que chegava, além dos livros, pelas revistas de poesia, que também eram muito criativas, no sentido gráfico, no sentido de ter ali o uso da cor, da tipografia, das variações que os recursos gráficos proporcionam. De ter uma exploração criativa nisso, junto à poesia. 10

E se nas décadas de 1960, 1970 e 1980 eram as revistas as principais

responsáveis pela ampliação do público de poesia, hoje, esse papel está sendo

preenchido, em escalas de alcance muito maiores, pela internet. Os muitos blogs e sites

dedicados à ciberpoesia oferecem uma gama considerável de poemas visuais, digitais e

interativos, além de oferecerem links para diversos outros sites também dedicados ao

mesmo tema. E uma das principais características desses sites e blogs é abrigar uma

nova forma de construção poética que só é possível graças à liberdade do suporte

multimídia, que liberta a palavra da fixidez da página, e a lança no universo livre, não-

linear e repleto de possibilidades do hipertexto.11 É o caso do clipoema “sem saída” 12,

de Augusto de Campos. Sob o ponto de vista estritamente verbal, o texto diz o

seguinte: “a estrada é muito comprida/ o caminho é sem saída/ curvas enganam o olhar/

não posso ir adiante/não posso voltar atrás/ levei toda a minha vida/ nunca saí do lugar”.

10 Idem, ibidem. 11 Acerca da utilização da palavra “Hipertexto”, sua idéia original surgiu em 1945, por Vannevar Bush, em um artigo intitulado “As we mnay think”. No entanto, cabe uma reprodução das palavras de Pierre Lévy sobre a natureza do termo: “No início dos anos sessenta, os primeiros sistemas militares de teleinformática acabavam de ser instalados, e os computadores ainda não evocavam os bancos de dados e muito menos o processamento de textos. Foi, contudo, nesta época que Theodore Nelson inventou o termo hipertexto para exprimir a idéia de escrita/leitura não-linear em um sistema de informação. Desde então,, Nelson persegue o sonho de uma imensa rede acessível em tempo real contendo todos os tesouros literários e científicos do mundo, uma espécie de Biblioteca de Alexandria de nossos dias” (LEVY, 1993, p. 29) 12 Hospedado no endereço eletrônico www2.uol.com.br/augustodecampos/semsaida.htm.

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O sentido verbal remete a um estado de pessimismo em relação às possibilidades

oferecidas por um caminho “sem saída”, cuja estrada é “muito comprida”, e cujas

“curvas enganam o olhar”. No entanto, os versos seguintes, todos em primeira pessoa,

indicam que o espírito pessimista parte do próprio ser, que não pode “ir mais adiante”,

nem “voltar atrás”. Já em sua dimensão multimídia, o poema aponta para a realização de

vários recursos. Ao abrir a página virtual de “sem saída” verificamos um flash em que

todos os versos do poema se apresentam sobrepostos, em diferentes cores e direções

aleatórias.

13

A seguir, então, o clipoema tem seu caráter interativo realçado. Após a apresentação de

todos os versos sobrepostos, surge uma tela escura contendo apenas a primeira letra do

primeiro verso. No entanto, o verso só se completa quando o usuário arrasta o mouse

pela tela:

13 “sem saída”, poema extraído do site de Auguste de Campos www2.uol.com.br/augustodecampos

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14

O verso apresenta uma disposição visual sinuosa, sugerindo, dentro da realidade

significativa do texto, as curvas enganosas da comprida estrada, referente a um caminho

sem saída. Do mesmo recurso se servem os versos seguintes, que apresentam

disposições visuais aleatórias. Os versos se desenvolvem da direita para a esquerda, de

cima para baixo, da esquerda para a direita e de baixo para cima. Sempre apresentando

curvas nas mais diversas direções. É importante notar que, à exceção do primeiro, os

versos só iniciam quando o usuário clica o mouse, o que, consequentemente, também

acarreta a finalização do verso anterior.

O último verso, no entanto, “nunca saí do lugar”, apresenta uma variação. Num

segundo clique, a palavra “lugar” se solta do restante do verso, e passa a acompanhar o

movimento do mouse, sugerindo que, ao mesmo tempo em que representa um paradoxo

em relação à realidade significativa do verso, uma vez que a palavra está saindo de seu

lugar de origem, o deslocamento de “lugar” aponta também para a situação semântica

do verso, já que, por mais que a palavra se desloque, ela estará sempre militada às

margens da tela do clipoema. 14 Idem, ibidem.

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15

Após um último clique, todos os versos reaparecem sobrepostos, ao mesmo

tempo em que cada um é realçado na medida em que é atingido pelo mouse. É

importante frisar também que, após esse último clique em “lugar”, simultaneamente aos

versos sobrepostos, talvez para reforçar o pessimismo interminável que o poema sugere,

surge a voz de Augusto de Campos declamando todos os versos do clipoema de forma

simultânea. Voz que permanece declamando os versos continuamente, cessando apenas

quando o usuário fecha a página virtual de “sem saída”.

No site de Arnaldo Antunes16 não há nenhum poema de caráter interativo, ou

clipoema, como o “sem saída”. No entanto, a página do artista apresenta um vasto

universo de possibilidades de acesso organizadas em links, que remetem à sua biografia,

bibliografia, discografia, além de outras vertentes que compõem sua vasta e

diversificada obra, como trabalhos relacionados às artes plásticas, poemas digitais,

visuais, atalhos para vídeo-clipes e para outros sites. Podemos dizer, com isso, que uma

ferramenta como a internet possibilita tanto o abrigo de produções artísticas em

movimento, como os clipoemas, quanto pode funcionar como porta de entrada para um

15 Idem, ibidem. 16 www.arnaldoantunes.com.br

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universo vastíssimo de informações, que possibilitará que qualquer pessoa tenha acesso

a diferentes tipos de manifestação cultural, e ela poderá tirar dessas manifestações

subsídios para produzir sua própria obra.

Nesse sentido, a internet configura-se como um dos mais representativos

estágios de diluição das fronteiras da especialização. Diluição que, de forma mais

sistemática, teve seu início com as vanguardas européias, desenvolveu-se com a cultura

pop dos anos 1960, para, finalmente, encontrar um terreno de maior fertilidade na era

dos computadores. Alíás, cabe aqui ressaltar que a observação de McLuhan acerca do

poder englobador da informática representa a concretização do sonho original de

Theodore Nelson: “Ao invés de transformar-se numa biblioteca alexandrina, o mundo

converteu-se num computador, num cérebro eletrônico, exatamente como numa peça de

ficção científica.” (McLUHAN, op., cit., p. 59)

4. 2 – O MULTINOME

Ao falarmos no computador como instrumento de celebração da simultaneidade,

tanto no que diz respeito ao diálogo entre as linguagens quanto na não-hieraquização

entre manifestações artísticas, ressaltamos que Arnaldo Antunes é um dos artistas que

mais se aproveita dessa nova possibilidade de contaminação entre as linguagens. E não

há dúvida que o maior exemplo disso é Nome, seu projeto multimídia que inclui livro,

vídeo e CD. Ao mesmo tempo em que representa uma proposta nova na obra de

Arnaldo, Nome também propõe o redimensionamento intersemiótico de alguns poemas,

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tendo em vista que, dos trinta trabalhos do projeto (no CD são vinte e três), onze já

foram publicados em livro. De Psia, temos “luz” e “água” (somente no livro e no vídeo)

e o trecho final de “armazém”; de Tudos, há “Nome não”, “ABC” (apenas no livro e no

vídeo), “dentro”, “Imagem”, “sol ouço” (no livro e no vídeo); e do livro As coisas,

“cultura” e “se não se”. Isso, de certa forma, funciona como uma extensão significativa

dos trabalhos originais. Um desdobramento intersemiótico do que já havia sido

apresentado no espaço mudo da página, sem, no entanto, a possibilidade do som e do

movimento. É o caso, por exemplo, de “dentro”, publicado no livro Tudos.

(ANTUNES, 1993, s/p.)

Originalmente, “dentro” apresenta os versos interligados, com uma disposição

visual esférica, com a expressão “sem centro” presente duas vezes no poema. No

entanto, o seu eixo de significação gira em torno da forma verbal “entro”, que funciona

como uma espécie de coluna vertebral do poema, além de projetar o leitor para o centro

do texto. Centro que, devido ao formato esférico do texto, encontra-se dentro do poema.

Quando é apresentado em Nome, “dentro”, também disposto em uma forma

esférica, surge a partir da abertura de uma boca que, como está expelindo os versos do

poema, presume-se ser do próprio poeta.

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(idem; et, al, 2005, faixa 18 do

DVD)

O espectador/leitor/ouvinte, então, é impelido a um movimento contínuo de vai-

e-vem pela garganta do poeta, ao mesmo tempo em que percebe que, dali, surgem as

vozes sobrepostas de Arnaldo, acompanhadas por uma guitarra distorcida, que ratifica a

sensação de desconforto causado pelo movimento do vídeo no interior do corpo

humano. De qualquer forma, é importante afirmar que, mesmo caminhando na mesma

direção significativa, a diferença de tratamento de “dentro” ratifica a idéia que o

redimensionamento do poema, a partir do suporte em que se encontra, representa um

auxílio ímpar no processo de produção de sentido da obra.

Já no caso de “luz”, que pertence originalmente ao livro Psia, o poeta preferiu

preservar a realidade visual apresentada no livro.

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(idem, 1998, s/p.)

Neste caso, o contraste gráfico entre os caracteres pode sugerir a oposição entre

luz e sombra, ao mesmo tempo em que ratifica a interdependência entre eles. Ou seja, a

luz, para se afirmar como tal, precisa do contraste da sombra, que, por sua vez, para

confirmar-se como ausência, como nada, necessita da luz, seu oposto. Em Nome, no

entanto, “luz” apresenta-se cristalizado em forma de canção, na qual um violão e um

contra-baixo acústico (acompanhados por efeitos sonoros de sampler), embora não

estabeleçam um ritmo especificamente, atuam na marcação do pulso e colaboram no

realce da voz grave do poeta. E, enquanto a canção se desenvolve, o vídeo apresenta

uma movimentação contínua de luz e sombra, como uma tradução exclusivamente

visual do conteúdo do poema.

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(idem; et, al. op., cit., faixa 20 do

DVD)

O projeto Nome representa uma verdadeira coreografia de signos. Todos os

recursos de imagem, som e movimento da palavra escrita são colocados a serviço de

uma espécie de ludismo intersemiótico, que redimensiona os códigos num diálogo

contínuo. Um dos casos mais explicitamente representativos é “e só”, poema que, do

ponto de vista conteudístico, trata claramente do tema da solidão:

quando estar sozinho

ficar sozinho e só

e só ficar sozinho

quando estar sozinho (id., ib., encarte s/p.)

No vídeo, o poeta, sozinho, como sugere o sentido do texto, surge numa espécie

de quarto de superfícies brancas, cheias de palavras escritas à mão e outros desenhos e

rabiscos aleatórios, todos na cor preta. Vestido de calça e camisa de manga comprida

pretas, e sapatos também pretos, e meias brancas, Arnaldo se mistura à confusão de

códigos daquele cubo intersemiótico.

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(id., ib. faixa 17 do DVD)

O corpo do poeta se movimenta freneticamente nas limitações da parede,

enquanto são tocados trechos de “nome” (cujo conteúdo já foi discutido no primeiro

capítulo deste trabalho) que se referem a “homem”, “osso”, “corpo”, “coisa”, “nome”,

enfim, tudo o que está sendo representado ali na figura de Arnaldo, entrecortados por

momentos de silêncio, que não cessam a agressiva dança do poeta. Após algum tempo,

porém, o vídeo passa a destacar as paredes carregadas de signos:

(id., ib.)

enquanto um violão e um contra-baixo acústico com arco marcam a pulsação do poema,

acompanhando a voz de Arnaldo, que especifica a entonação dos versos, dando a eles a

forma fixa da canção. Nesse ponto, a câmera se movimenta pelas paredes, dando closes,

em alguns momentos, nos caracteres rabiscados. E nesse passeio da câmera, surge, num

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flash, a figura de Arnaldo, confundindo-se ainda mais com os caracteres das paredes,

que, como o poeta, agora também se movimentam. Ao final, destaca-se novamente a

presença do poeta, que se movimenta junto com as paredes, enquanto o poema segue

entoado, numa verdadeira celebração da grandeza do diálogo entre as múltiplas

linguagens.

A proposta de Nome deixa claro que os experimentos eletrônicos e técnicas de

edição, acompanhados de simples escritas manuais e leituras orais, podem caminhar

juntos na produção de códigos novos que, ao mesmo tempo, dissolvem e ratificam a

presença dos códigos convencionais, numa verdadeira festa intersemiótica, como afirma

Antônio Risério:

O vídeo, ao contrário, não só apareceu como um instrumento

específico de trabalho, como tem servido a atividades de produção de textos. O videoclipe textual, clipe poético ou clipoema parece a sua forma mais precisa, mantendo firme a tensão sígnica. A mesa de edição e o computador abrem o salão para a festa: animação, palavras em movimento, zoom, associação palavra-imagem, letras num cenário, o poeta dentro do texto. (RISÉRIO, op., cit., p. 105)

Neste sentido, não há dúvida que Nome, ao combinar poesia, video-clipe,

animação, canção popular, filosofia da linguagem e cultura pop etc. acaba sintetizando

um das principais características da obra de Arnaldo, que é a diluição entre as fronteiras,

no sentido de se produzir algo que se sobreponha a todas as formas de hierarquização. O

artista acena para um ponto único, em que todas as manifestações culturais devem se

relacionar, e, consequentemente, se aproximar cada vez mais da própria vida. Assim,

Arnaldo Antunes, firme em seus propósitos, segue em direção a uma arte ao mesmo

tempo primitiva e cibernética, essencialmente orgânica, colada à vida.

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5 – CONCLUSÃO

Durante o desenvolvimento deste trabalho, percebemos que a obra de Arnaldo

Antunes caminha na direção contrária à possibilidade de enquadramento em alguma

forma específica de arte. Ao mesmo tempo singular e múltiplo, Arnaldo transita pela

poesia e pelas artes visuais com a mesma desenvoltura com que sobe ao palco para

entoar suas canções ou com que senta em frente a um computador para se aventurar no

universo cibernético do hipertexto.

Um dos saldos dessa pesquisa foi a percepção de que essa facilidade de trânsito

entre as diferentes manifestações estéticas pode apresentar-se como uma verdadeira

armadilha para aqueles que procuram analisar sua obra sob uma perspectiva mais

segmentada, uma vez que, a partir do intuito de exploração das potencialidades da

palavra, o artista procura desenvolver seu trabalho o mais próximo possível do signo da

simultaneidade. No entanto, mesmo transitando entre as mais diferentes manifestações

estéticas, e mesmo procurando dar à palavra poética uma carga de significação que é

típica do resultado da contaminação entre outras linguagens, Arnaldo tem plena

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consciência de cada meio em que está trabalhando. Assim, mesmo não fazendo

distinção de valor entre, por exemplo, uma canção e um poema, ao compor uma canção

há a plena consciência da importância dos aspectos rítmicos, melódicos e harmônicos.

Da mesma forma que, na criação de um poema, ganham importância aspectos como a

materialidade gráfica da palavra, que, em alguns casos, são indissociáveis da própria

estrutura do texto, pois são características essenciais no processo de construção de

significado.

Percebemos, ainda, que, mesmo diante dessa consciência criativa, as linguagens

podem caminhar espontaneamente para um diálogo. É o caso de textos que nascem

como poemas e se transformam em canções, como é o caso de “As coisas”, que está

originalmente no livro homônimo e que, posteriormente, foi musicado por Gilberto Gil.

Ou o inverso, um texto que nasceu para ser letra de canção e se transforma em poema,

como foi o caso de “O que”, que, depois de consolidado como canção, teve, por

intermédio do próprio Arnaldo, um tratamento visual circular, transformando-se em

“...que não é o que não pode ser...”, aproximando a obra da perspectiva verbivocovisual

da poesia concreta.

Na verdade, o que importa para Arnaldo é a íntima relação entre as linguagens,

num movimento que visa, essencialmente, ao tratamento da palavra em todos os seus

aspectos. E é como artista da palavra que ele desenvolve sua obra, seja sob uma

atmosfera poética, musical, visual, performática ou multimídia. Por isso, qualquer

tentativa de separar sua produção em segmentos poderá parecer uma atitude limitadora

em relação às perspectivas do próprio artista. Parece-nos interessante, então, deixar

novamente claro que toda a sua produção se originou e se desenvolveu em um contexto

em que o trânsito entre as linguagens era bastante comum. Para a sua geração, já não

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fazia muito sentido classificar uma obra a partir dos paradigmas do que poderia se

chamar de alta ou baixa cultura. O próprio Arnaldo, no entanto, como um dos artistas

que mais circula entre as diferentes tendências, é alvo de constantes ataques de linhas

conservadoras, tanto do lado supostamente erudito, quanto das vertentes oriundas das

ditas artes de massas.

E embora as fronteiras culturais nos anos 1980 estivessem bastante fragilizadas,

ainda havia espectros conservadores que insistiam na segmentação das concepções

estéticas. Isso contribuiu significativamente para que ainda se encarasse a obra de

Arnaldo sob certa perspectiva de especialização. Como se ele, para se inserir no

ambiente da música popular, tivesse de se despir de certa erudição da qual ele se

revestia para produzir seus livros. Ou, ao contrário, para se lançar no universo da poesia

ele tivesse de se “limpar do lixo pop” do qual ele supostamente lançaria mão para

gravar seus discos. Mas Arnaldo segue firme, transitando por todos os lados, e

aproveitando o máximo daquilo que cada linguagem lhe proporciona. Isso faz com que

ele, por exemplo, lance mão da linguagem do rock and roll para falar de filosofia da

linguagem, ou utilize preceitos eruditos construtivistas para elaborar uma letra de

canção pop. Na verdade, independente da trilha seguida, o que importa para ele é

descobrir novas formas de excitação do plano verbal, no sentido de trazer à tona formas

de sentido que possam ir além do que o conteúdo imediato das palavras já esteja nos

mostrando:

A frase que eu digo não será a mesma frase se sair da sua boca. Ou se eu a disser dentro de outro período. Ou com outra ordem das palavras. Ou se houver uma trilha sonora ao fundo. Ou se mudarmos a trilha sonora. Ou se ela for escrita numa letra trêmula. Ou em tipo composto num jornal. Ou como letreiro de uma loja. Ou se dita só para testar o eco desta sala. Ou se for mentira. Ou se tiver uma platéia escutando. [...] Claro que há mensagens mais ou menos transitivas em relação ao seu contexto. Mas a questão é que a tevê, o rádio, o gibi, os enganos telefônicos a música pop e a vida moderna

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em geral trouxeram consigo uma crise de sentido. Do mundo dicionarizado. Da correspondência unívoca entre uma palavra e aquilo que ela representa. [...] Essa crise não significa obscurecimento, ou ineficiência comunicativa. Apenas a clareza de uma mensagem depende agora, mais do que nunca, de um uso apropriado. (ANTUNES, 2000, pp. 30-31)

O que nos pareceu mais evidente, no desenvolvimento deste trabalho, foi que, se

Arnaldo, em certo momento, decide enveredar para a música popular, ou para a poesia,

ou para as artes multimídias, é porque essas são trilhas que podem levá-lo a formas

diferentes de explorar as potencialidades da palavra. E foi a partir dessa perspectiva que

desenvolvemos nosso trabalho, procurando observar os diferentes caminhos traçados

por Arnaldo Antunes, que apesar de plural, se direciona para um foco primordial: o

exercício de manipulação da palavra em suas mais variadas nuanças.

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www2.uol.com.br/augustodecampos

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