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arquitetura como processo aberto baseado no uso de tecnologias digitais trabalho final de graduação FAUUSP | 2012 Ivan Custódio dos Santos Souto orientador: Artur Rozestraten

arquitetura como processo aberto baseado no uso de tecnologias digitais

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arquitetura comoprocesso aberto

baseado no uso de tecnologias digitais

trabalho final de graduação FAUUSP | 2012Ivan Custódio dos Santos Souto

orientador: Artur Rozestraten

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo apoio nos últimos 25 anos. Aos colegas de FAU, pelas experiências compartilhadas. Ao Artur, pela referência que é como professor. À

Cássia, pela mãozinha. À Uolli , pela companhia nas retas e nas curvas.

SUMÁRIO

1. Introdução1.1 Definição do objeto de estudo 81.2 Por que um processo aberto? 11

2. Estudos e referências2.1 Arquitetura e participação 14 2.2 A questão da autoria na arte 202.3 Processos abertos de produção de conhecimento na cultura hacker 222.4 O uso do computador no processo de projeto 24

3. Processo 3.1 Premissas 283.2 Características do processo 29 3.3 Escolha do lugar 343.4 Definição dos procedimentos e parâmetros 35

4. Conclusão4.1 Considerações sobre processos abertos em arquitetura 544.2 Possibilidades da ferramenta 55

Bibliografia 58

introdução

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1.1 Definição do objeto de estudo

“A arquitetura é um processo que nunca termina. A rigor, é uma trajetória: co-meça com um programa, passa para o projeto, a construção, e, por fim, para o uso e os ajustes necessários.” Lelé

O arquiteto João Filgueiras Lima (mais conhecido como Lelé), em suas palestras, entrevistas e escritos, sempre ressaltou a importância de se enxergar a arquitetura como um processo, que vai muito além da obra construída. Processo que tem o pro-jeto, a construção, o uso e a manutenção como etapas indissociáveis. Há no espaço, como na sociedade, uma necessidade constante de atualização e adaptação. Ver a

Figura 1 - Operários em obra do arquiteto Lelé carregam

peça de pré-moldado

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arquitetura dessa forma possibilitou ao Lelé pensar seus projetos também como uma possibilidade de desenvolver a comunidade envolvida. Cada obra é uma oportunida-de de capacitar mão-de-obra para a construção, de colocar pessoas em contato com técnicas e tecnologias que lhes podem ser úteis, e cada detalhe do projeto, desde o tamanho dos componentes e pré-fabricados até a facilidade de execução de cada tarefa, influencia nesse vínculo que se forma entre comunidade e espaço construído.

Pensar o espaço com essa abordagem ampla e analisar as possibilidades que a arquitetura pode oferecer como processo também levou ao desenvolvimento das metodologias participativas, utilizados principalmente na Europa nas décadas de 60 e 70, e dos mutirões de construção na América Latina. Nesses casos, buscou-se uma formação também política das pessoas envolvidas, fortalecendo o sentido de comu-nidade e a ressaltando a importância da mobilização para a conquista dos objetivos coletivos.

O contato com esses e outros projetos e com seus resultados me levou, du-rante a formação na FAU, a questionar a ideia do arquiteto como autor do projeto e a me aproximar da possibilidade do arquiteto como agenciador de um processo, onde a configuração do espaço a ser construído é pensada de forma coletiva e interdisci-plinar, revelando uma dinâmica social complexa e repleta de diversidades e nuances, que um profissional sozinho não teria capacidade de entender e representar.

Investigar as questões da autoria e da produção coletiva me levou a outros campos, onde esses assuntos foram abordados, por enquanto, de forma mais con-

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sistente. Por esses caminhos encontrei a ciência da computação e a comunidade “hacker”, unida em torno da paixão pela colaboração e pela inovação. Encontrei tam-bém, em alguns casos pontuais da produção artística e literária das últimas décadas, a discussão do tema da autoria e da coletividade, o questionamento pela divisão tradicional entre artista e público, entre autor e leitor, que encontra cada vez mais oposição frente ao modo como as coisas são produzidas numa sociedade cada vez mais conectada em rede.

Hoje, o tema da produção coletiva e da criação em rede é impulsionado tam-bém pelo estabelecimento de novas ferramentas digitais, que abrem novas possibili-dades de produção em diversos campos, e pelo potencial de comunicação fornecido pela Internet e a crescente eficiência dos meios de processamento de dados. São tecnologias que provocam, acima de tudo, mudanças significativas no modo como lidamos com a informação.

Esse trabalho é um experimento, fruto da tentativa de aproximar um pouco da construção do espaço físico os conceitos encontrados nos passeios por esses outros campos. Busca rediscutir a possibilidade de intervenção do usuário nas etapas ini-ciais do projeto, tendo em vista o potencial que pode acrescentar o desenvolvimento da tecnologia e das novas ferramentas.

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1.2 Por que um processo aberto?

Entende-se por processo aberto, nesse trabalho, aquele que permite: 1.Descentralizar ao máximo as tomadas de decisão, na busca por um projeto demo-crático e uma estética aberta, sem vínculos com estilos ou referências que não sejam as propostas pelos participantes do processo.2.Promover o acesso livre a qualquer informação inserida no processo a todos os envolvidos.3.Incentivar a produção colaborativa, incorporando ideias surgidas individualmente e coletivamente.

Essas diretrizes foram inspiradas na ética hacker identificada por Levy (1994), e serviram de base para a escolha e definição dos procedimentos utilizados, assim como a arquitetura participativa desenvolvida nos anos 60 na Europa, por arquitetos como Lucien Kroll e John Habraken.

Transpondo para o universo da arquitetura, a abertura do processo significaria um projeto com tomadas de decisão democráticas e transparentes, com metodo-logias, técnicas e informações disponíveis para acesso. Essa abertura visa tornar o projeto um fator de desenvolvimento para a comunidade envolvida. Primeiro com o contato entre os usuários e todo o conhecimento aplicado, que lhes abriria novos caminhos para um aprofundamento no aprendizado acerca da organização da cidade e do seu próprio modo de vida, e depois com o fortalecimento do senso de comuni-

dade e de participação política e social que esse tipo de processo evidencia. Essa abertura também busca atingir a produção de um espaço que represente a identidade e as demandas da comunidade e das individualidades envolvidas no processo.

Essa busca é também um contraponto ao paradigma do projeto modernista, segundo Lefebvre (1991) fruto de uma concepção absoluta do espaço. Ele defende uma produção do espaço com possibilidades de abertura. Para Harvey (2004) é preciso formular uma utopia espaço-temporal, no lugar da utopia da forma espacial, e propor um espaço que seja fruto de um processo social e considere as mudanças que ocorrem todo o tempo.

 Silke Kapp (2005) situa esse questionamento no momento histórico do pós-guerra: “Se o funcionalismo do primeiro Movimento Moderno se orientara pela representação po-sitiva da “boa” sociedade e por suas necessidades supostamente naturais, mais tarde, a serviço da reconstrução de países em guerra fria ou governados por ditaduras, isso se torna impossível. Fica evidente que não há como criar objetos coerentes e baseados na satisfação de necessidades, se essas necessidades se contradizem entre si. Também fica evidente que muitas das funções para homens-modelo são violentamente disfuncionais para seres hu-manos reais. Apesar disso, ainda se espera que a produção formal concilie solicitações das mais díspares. Os projetos de arquitetura devem resultar em objetos bonitos e práticos, lu-crativos e baratos, cômodos e estimulantes, fotogênicos e aconchegantes, individualizados e universais, avançados e facilmente compreensíveis”. 

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estudos e referências

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2.1 Arquitetura e participação

Participação, no campo da arquitetura, é um conceito que envolve diversas for-mas de tomada de decisão feitas pelas partes envolvidas no processo. Os primeiros registros de envolvimento dos cidadãos na tomada de decisão acerca do planeja-mento de uma cidade data da década de 1870, nos EUA (Wulz, 1990).

O tema foi retomado e colocado em debate na arquitetura entre as décadas de 60 e 70, primeiramente no Reino Unido, e as experiências se deram de diversas formas. Algumas procuravam se opor ao modelo vigente na produção arquitetônica, à ideia modernista do edifício como objeto. Esses arquitetos buscavam vencer a se-paração entre projeto, construção e uso, na tentativa de aproximação de um processo aberto, baseado na inclusão do usuário de forma ativa no processo de projeto, de modo a identificar melhor suas demandas.

Wulz (1990) identifica diferentes níveis de participação em projetos de arquite-tura, que segundo ele pode ser ativa ou passiva e cujos extremos são o projeto feito pelo arquiteto sozinho (o arquiteto artista) e a auto-construção. Ela pode ocorrer por diversos meios, dentre os quais ele cita:

Representação: arquiteto se coloca no lugar do cliente, interpretando desejos, ambições e sonhos.

Questionário: estatísticas acerca dos requerimentos dos usuários. Informações generalizadas, uniformizadas.

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Diálogo: Opinião dos usuários desde os estágios iniciais do processo de projeto. Consciência por parte do usuário de todo o processo, mas o arquiteto ainda centraliza as decisões.

Alternativas: Apresentação de diversas alternativas de soluções, com a esco-lha por meio de votação. Limitação do regime de votação, com decisão da maioria.

Co-decisão: participação ativa e direta dos usuários durante todo o processo. Auto-decisão: usuários independentes de qualquer forma de autoridade.

Dentre os caminhos propostos, o método de desenho de suportes formulado por Habraken (1979) sugeria um projeto participativo em duas fases: o primeiro, com a participação da comunidade, seria um sistema de estruturas permanente para o ambiente urbano, servindo de suporte para a segunda etapa, que levaria em consi-deração as necessidades de cada família.

Lucien Kroll, definindo a si mesmo como um arquiteto situacionista, tem como principal meta do seu trabalho a concepção da obra através do entendimento da dinâmica social das comunidades com as quais trabalha, partindo das questões mais práticas da vida cotidiana. Segundo ele: “O arquiteto por si só não é capaz de aban-donar sua concepção de cultura pré-formada, criada por imagens mentais autoritá-rias e carregadas: ele deve internalizar a desordem das pessoas que fazem uso de suas criações.”(Kroll, 1987) Ele buscava a valorização do espontâneo encontrado em comunidades e o diálogo com as pessoas, enaltecendo o caráter peculiar de cada

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usuário e localidade. Na obra de Lucien Kroll o espaço urbano e arquitetônico é entendido como pro-

duto dessa heterogeneidade, do espontâneo suscetível a permeabilidade, mudanças e imprevisibilidades. Ele vê a comunidade como um organismo vivo e ativo na pro-dução desse espaço. No caso da habitação estudantil Meme, na Bélgica, o processo aplicado fica visível também na forma do edifício. Ele busca abrigar as especificida-des de cada usuário, mas também tem uma parte comum, construída coletivamente, que conecta as partes individuais.

Milgron (2008) dá a seguinte definição da estética da obra de Kroll: “A imagem heterogênea de Meme, por outro lado, de acordo com o arquiteto Lucien Kroll, é o fruto de uma assemblage por empatia de suas diversas partes. Um processo aberto se torna a motivação para sua forma e complexidade. Isso não pode ser reduzido simplesmente a produção de um objeto arquitetônico ou a uma estética, mas deve ser o protótipo de uma mudança radical na arquitetura”

Lucien Kroll foi pioneiro também no uso da computação na arquitetura parti-cipativa. Usando um número limitado de elementos pré-fabricados, os quais foram modelados num sistema CAD, ele buscou criar um ambiente complexo geometrica-mente, repleto de variações de materiais e métodos construtivos, admitindo a diver-sidade existente dentro de uma comunidade, e buscando refletir uma dinâmica social pré-existente. (Kroll, 1987).

Para Silke Kapp, a obra de Kroll representa o oposto da de Niemeyer, quando

Figura 2 - maquete de oficina realizada por Lu-cien Kroll com morado-res de um edíficio para reforma da fachadaFigura 3 - Vista externa da habitação estudantil Meme

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“abandona o pressuposto da integridade e deixa os objetos abertos, o que significa deixar também as funções abertas”

Outro projeto emblemático para o tema da participação foi o da Okohaus, na Alemanha, coordenado pelo arquiteto Frei Otto. Realizado de forma experimental, buscou levar o caráter participativo ao limite, dando a cada família participante o máximo de autonomia na definição da unidade correspondente (Nagore, 2012). Foi construída uma estrutura de concreto de modo a dar a maior flexibilidade possível quanto a layouts e fachadas, e todos os participantes do processo confeccionaram desenhos e maquetes representando a unidade habitacional com a qual gostariam de preencher seu espaço nessa estrutura. Em conjunto com o arquiteto foram realizadas reuniões coletivas para determinar como habitações com as características desejadas poderiam ser adaptadas para encaixarem-se umas nas outras, e cada futuro morador só tinha seu projeto aprovado quando este era aceito pelos responsáveis por todas as habitações contíguas.

Na América Latina, principalmente no Uruguai da década de 70, o tema da participação teve grande repercussão com a criação das cooperativas de habitação (Baravelli, 2006), organizações democráticas controladas pelos próprios membros, que eram responsáveis pela gestão e tomada de decisão. Destaco aqui o caráter de participação com finalidades também pedagógicas, onde um dos principais objetivos é a formação daquele que trabalha no mutirão.

Retomando Wulz, algumas características importantes desse tipo de proces-

Figura 4 - ilustração representando os su-portes desenvolvidos por HabrakenFiguras 5 e 6 - Vista externa da OkohausFigura 7 - Maquete da Okohaus com estrutura antes de ser preenchi-da

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so de projeto são, no que se refere à comunidade envolvida, a exigência de que o usuário tenha conhecimento (que pode ser adquirido durante o processo) sobre a qualidade dos espaços, a possibilidade de aplicar esse instrumento como método de emancipação e empoderamento de uma comunidade, a iden-tificação das pessoas com o espaço construído e uma maior fa-cilidade de apropriação posterior. É possível identificar nesses aspectos levantados a possibilidade de ganho social da parti-cipação na arquitetura. Em contrapartida, torna-se necessário avaliar os custos e dificuldades de gestão de projetos desse tipo, que por vezes geram problemas durante o processo e que em alguns casos inviabilizam a obra (Negore, 2012).

2.2 A questão da autoria na arte

Na conferência “O que é um autor?”, em 1969, Foucault identifica que estamos em um momento na história de individu-alização das ideias. A sociedade tem necessidade, segundo ele, de identificar o “poder criador” por trás de um discurso ou de um texto literário. Ele conta que houve um tempo em que textos literários eram difundidos sem que se soubesse a identidade do

Figura 8 - Parangolé de Helio Oiticica

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autor, e a suposta antiguidade do texto era suficiente. Ele coloca a questão: “Que importa quem fala?”.

Alguns anos antes, artistas neoconcretos, dentre eles Helio Oiticica, já coloca-vam essa questão em suas obras. Oiticica escreve no texto “A dança na minha ex-periência” sobre a vontade de proporcionar ao espectador “participação e invenção criativa”. Fala de uma nova arte que não é exposta, no sentido tradicional do termo, mas que compõe ambientes e que pode ser modificada pelo espectador, que passa a chamar de “participador”. Propõe também que da formação dessa “arte ambiental”, como passa a chamar sua arte, participem vários artistas e participadores com ideias diferentes. Ele escreve: “O objetivo é dar ao público a chance de deixar de ser público espectador, de fora, para participante na atividade criadora”,e cita uma busca por uma “vivência total” da obra. No caso da obra Parangolé, formada por um conjunto de capas, estandartes e bandeiras para serem vestidas ou carregadas, essa vivência se dá com o movimento corporal do participante.

No texto “Experimentar o experimental”, Oiticica cita John Cage, que coloca o processo de criação na sua música experimental como um ato cujo resultado é des-conhecido. Ele busca um processo inclusivo, que aceita diversos tipos de influência como os sons do ambiente, participações externas não controladas pelo compositor, inclusão de sons randômicos, entre outros. Assim coloca também a questão da au-toria de sua música, ao dizer que não é seu o controle sobre esse processo e sobre o resultado das experiências.

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Hoje esse debate em relação à autoria e participação na arte é reavivado por dois fatores: o primeiro devido à possibilidade de criação de obras interativas que utilizam do suporte eletrônico, como as vistas em exposições realizadas em São Pau-lo dedicadas ao tema como o FILE e o Emoção Art.ficial. O desenvolvimento das tecnologias digitais abre novas possibilidades de interatividade que passam a ser exploradas no meio artístico buscando novas formas de trazer o espectador para dentro da obra, através da utilização de sensores que captam toque ou movimento, dentre outros equipamentos. O segundo é demonstrado no documentário “A Re-mix Manifesto”: trata da questão dos direitos autorais sobre vídeos e músicas que, uma vez disponíveis na internet, são facilmente baixados, manipulados e divulgados como novas obras, colocando em dúvida a questão da autoria sobre o material final.

2.3 Processos abertos de produção do conhecimento na cultura hacker

Hackers são pessoas ligadas à tecnologia da informação e sem vínculos ins-titucionais, que se dedicam a estudar e modificar dispositivos e softwares. Segundo Beatriz Cintra Martins, “herdeiros do modelo de produção do conhecimento científico praticado pela academia, no qual a evolução da ciência se dá pela troca de informa-ção e colaboração entre pesquisadores, que radicalizaram a máxima do conhecimen-to compartilhado como a base de seu modelo de cooperação produtiva, transforman-do-a em uma bandeira pela livre circulação de informação entre parceiros na rede”.

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Um bom exemplo de como pode se dar a distribuição de conhecimentos de forma descentralizada e democrática através do uso das tecnologias digitais é o caso do site slashdot.com, um fórum sobre tecnologia voltado ao público hacker, que de-senvolveu um método próprio de produção de conhecimento, através de um meca-nismo de automoderação implantado no sistema. Através de algoritmos o próprio site escolhia de forma randômica quais seriam os moderadores temporariamente, e esses por sua vez, através de um sistema de pontuação, avaliavam o conteúdo do site determinando quais tópicos teriam maior destaque na página inicial. Esses próprios moderadores eram também avaliados pelos usuários de modo a criar uma reputação, também através de pontuação, que determinava qual a probabilidade de ser escolhido moderador em outra oportunidade (Martins, 2006).

Ainda segundo Martins, as redes de comunicação colocaram em contato ato-res sociais que de outra forma permaneceriam isolados, tornando possível a articula-ção de redes sociais de cooperação produtiva até então inexistentes.

O caso mais emblemático do modo de pensar da comunidade hacker é a dis-cussão acerca dos softwares livres, programas cujo código-fonte é disponível para acesso. O site mantido por defensores de projetos de software abertos softwarelivre.org deixa claro em sua página que a importância desse tipo de projeto não está no fato de os softwares serem gratuitos (e nem sempre são), mas sim na liberdade que o usuário tem para usá-lo e modificá-lo e no benefício para toda uma comu-nidade gerado pela possibilidade de melhoramento e redistribuição dos programas

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obtidos.

2.4 O uso do computador no processo de projeto

O desenvolvimento da tecnologia computacional e o advento da comunicação em rede foram fatores que permitiram a comunidade hacker desenvolver seus temas e se organizar de forma descentralizada, trabalhando de forma colaborativa. Inves-tigar as ferramentas utilizadas por eles e identificar possíveis correspondências no campo da arquitetura foi parte da pesquisa para aproximar esses dois meios.

O computador tem seu uso bem difundido em escritórios de arquitetura des-de a popularização dos sistemas CAD (Desenho auxiliado por computador). Nardelli (2007) cita como primeira fase desse impacto uma migração do suporte material para o seu equivalente no ambiente virtual, o que chama de prancheta eletrônica. O computador é utilizado então como forma de ganhar produtividade, tornando o ato de desenhar mais ágil·. Apesar disso, ele identifica que essa mudança de suporte não representou uma mudança no modo como se projeta.

Nos anos 2000, o potencial do computador de auxiliar no gerenciamento de informação passou a ser aproveitado na indústria da construção com o aparecimento das tecnologias BIM, ou Building Information Modeling (Nardelli, 2007). A partir desse tipo de plataforma, é possível ter integrados num mesmo modelo dados referentes a diversas etapas do projeto e da construção, referentes a cronograma, quantifica-

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ção de materiais, geometria de componentes construtivos, instalações elétricas e hidráulicas, entre outras. Dessa forma é possível coordenar não só o gerenciamento do projeto e da obra como minimizar erros de incompatibilidade entre projetos. Com o modelo digitalizado, também é possível utilizar a capacidade de cálculo do com-putador para simular questões de desempenho estrutural, de consumo energético, conforto ambiental, e de outras especificidades.

Nardelli identifica ainda a tendência surgida com as possibilidades novas de construção auxiliada por computador (sistemas CAM) de uma profusão de formas curvilíneas de alta complexidade nas obras de arquitetura.

Terzidis (2006) diferencia os usos do computador para o desenho (e modela-gem tridimensional) e para o que ele chama de ato de computação, que seria explo-rar as possibilidades do cálculo computacional além das limitações dos softwares de desenho. O computador, segundo ele, deve ser entendido como uma extensão do intelecto humano, e sua capacidade de cálculo permite explorar novas fronteiras no design. Para isso, seria necessário entrar na “caixa preta” do computador e entender seu funcionamento, e ter desde o início do projeto uma concepção computacional, algorítmica, para fazer dele um instrumento de criatividade.

Mitchell (2009) também levanta as possibilidades do design computacional. Trata-se de projetar com uma abordagem baseada em regras, que não necessita necessariamente de um computador para ser implantada. É um modo de pensar o projeto que se baseia em procedimentos lógicos, e que implantado num computador

processopode se aproveitar de sua capacidade de cálculo para gerar variadas soluções de projeto que se enquadram nos procedimentos lógicos definidos. O resultado desse método é um sistema generativo, nome dado ao conjunto de procedimentos, regras e variáveis que dão forma a um conjunto de soluções possíveis ao problema estabelecido.

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processo

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3.1 Premissas O trabalho consistiu em desenvolver diretrizes de volumetria e usos para a

ocupação de uma área da cidade de São Paulo, utilizando, como meio de tornar o processo o mais aberto possível, de características das referências pesquisadas e investigando a possibilidade de utilizar do potencial das tecnologias digitais no que contribuísse para essa abertura desejada.

Buscando fidelidade às referências encontradas na arquitetura e em outros campos no que se refere à conceituação de um processo aberto, foram adotadas al-gumas premissas, relacionadas aos diversos temas encontrados nos estudos relata-dos. Em relação à significação do termo processo, foi adotada a seguinte abordagem: conjunto de procedimentos, linguagens, códigos e regras que conduzem a concepção de um espaço a ser construído.

Quanto a abrir esse processo, retomando os princípios da ética hacker iden-tificados por Levy (2004), significaria torná-lo transparente, inteligível e acessível. Estruturalmente, o projeto seria pensado como um livre fluxo de informações, do qual os participantes podem retirar, agregar ou absorver conteúdo, com a criação de meios para interagir e manipular (“hackear”) os dados.

As tomadas de decisão em projeto foram baseadas em diferentes níveis de coletividade, conforme propõe o método dos suportes desenvolvido por Habraken,

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buscando respeitar regras definidas coletivamente, mas com características referen-tes a unidades de vizinhança ou familiar respeitadas. Para isso, sempre que possível foi valorizada a manutenção da diversidade: de usos, de tratamento de fachadas, de gabaritos, de configuração dos espaços.

Kroll (1987) defendia a diversidade com a seguinte afirmação: “Homogenei-dade dificulta que os usuários adicionem qualquer coisa por eles próprios, e assim se perde uma rica fonte de criatividade popular que pode transformar um espaço em um lugar, dando-lhe vida”. Esse aspecto também foi considerado na elaboração do projeto.

3.2 Características do processo Dentre as possibilidades oferecidas pelo potencial das tecnologias digitais ob-

servadas nos estudos e referências, optei por explorar no trabalho alguns pontos específicos. Primeiro, a opção por investigar o tema dos sistemas generativos, que me pareceu representar bem a possibilidade do arquiteto de atuar como agenciador de um processo aberto e de uma aproximação com as referências de outros campos estudadas. Um sistema generativo é um método sistemático de criação de projetos que permitem a geração automatizada de variações de uma mesma ideia. Também possibilitaria trabalhar a questão da participação de outro ponto de vista, que acredi-

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tei ser interessante explorar. Outro ponto importante foi planejar o gerenciamento dessa participação, através da organiza-ção da base de dados e das possibilida-des de interação de cada participante do processo. Esse desenvolvimento do pro-jeto num meio digital permite também a conversão das informações, coletadas e geradas, para utilização em outras ferra-mentas que também julguei importantes para a abertura do processo, como as re-ferentes à produção de modelos digitais e físicos das geometrias propostas.

A estratégia adotada consis-tiu em escrever procedimentos e regras baseados em variáveis para a geração da geometria formadora desse plano de massas. Algumas opiniões coletadas entre os possíveis usuários serviram de base para a criação das regras, enquanto as variáveis foram vinculadas ao banco

Figura 9 - Diagrama de Bohnaker representa o processo de projeto de um sistema generativo

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usuário

arquiteto

variáveis/parâmetros

sistema generativo

diálogo

entrevista

conjunto de regras

opção de geometria

modificaregras

modificaparâmetros

codificação das regras

Diagrama representativo dos procedimentos utilizados nesse trabalho, acrescentando ao sistema generativo a participação do usuário em dois momentos do processo.

avaliação da geometria obtida

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de dados da pesquisa de campo. Essas regras definem a diretriz geral da formação da geometria e permitem uma série de configurações diferentes, dependendo dos parâmetros que são relacionados a cada uma.

Um modelo geométrico cujo design foi baseado em procedimentos lógicos e códigos de programação num ambiente virtual tem uma geometria composta por uma lista das coordenadas de pontos no espaço tridimensional, diferentemente do processo mais comumente usado em arquitetura, baseado no traço do arquiteto como delineador da forma. As ferramentas de representação usualmente utilizadas pelos arquitetos tem sua utilidade para estabelecer diálogo com o público leigo, mas plantas cortes e elevações não são sempre facilmente compreensíveis para pessoas que não tem formação na área.

Com a intenção de obter meios de interação e comunicação com o público não especialista, e de explorar o caráter interdisciplinar do projeto, criando vínculos em outros campos, torna-se necessário rever a questão da linguagem e da represen-tação. Ter um modelo tridimensional, nesse caso, facilita a visualização e comunica-ção com o usuário e profissionais de outras áreas. É possível gerar imagens estáticas ou em movimento de ângulos distintos, simulando o ambiente a ser construído de maneira facilmente compreensível. Também é possível gerar maquetes de maneira mais ágil enviando essa geometria para máquinas de corte controladas por computa-dor.

A comunicação em rede aliada a um modelo paramétrico permite que ocor-

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ram intervenções simultâneas de várias localidades, partindo de diversas platafor-mas. Pode estar vinculado a uma página de internet e a enquetes e questionários, por exemplo. A utilização de procedimentos de projeto alocados em ambientes virtuais gera a possibilidade também de trabalhar com aplicativos interativos nos quais o usuário pode manipular a geometria de forma que o resultado dessa interação tam-bém forneça dados para alimentar o processo.

O uso do computador no processo de projeto, pela capacidade de cálculo e de acumulo e organização da informação, também facilita na administração de cenários complexos, que admitem uma diversidade maior de componentes, formas, e soluções. No caso de um projeto de grande porte, que procura funcionar de for-ma participativa abrigando características também provenientes da individualidade, torna-se uma ferramenta útil para gerenciar o fluxo de informações diversificado e heterogêneo.

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3.3 Escolha do lugar

O primeiro passo do trabalho foi escolher um lugar da cidade. Os critérios utilizados levaram em conta a complexidade da dinâmica social e a diversidade de tipos de atores envolvidos com aquele espaço. Por isso, desde o início a busca foi por um local que fosse um grande centro de convergência de diversos sistemas de transporte, com atividade bastante diversificada e potencial de desenvolvimento e adensamento. Além disso, que atraísse um público heterogêneo e tivesse vida in-tensa em diversos horários. Dessa forma poderiam ser mais bem explorados os re-cursos da modelagem generativa e a possibilidade dela auxiliar no entendimento de cenários complexos. O local escolhido foi um terreno de 40.000m² onde funciona um estacionamento na Zona Norte de São Paulo, próximo ao Terminal Rodoviário Tietê. Além da proximidade com o Terminal, esse terreno tem como limites a via marginal do Rio Tietê e outras avenidas importantes, e tem em sua proximidade uma estação de Metrô e uma universidade. Essa região é caracterizada pela grande área ocupada por estacionamentos, logo há uma dinâmica social e um potencial de vida urbana que não são abrigados pela configuração do espaço.

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Figura 12 - Trecho da interface do Grasho-pper com variáveis co-nectadas às funções 3.4 Definição dos procedimentos e parâmetros

O público alvo das pesquisas e conversas iniciais foi formado por pessoas interessadas em habitar a região, usuários da rodoviária e estudantes da universida-de. Assim foi possível obter uma amostra da diversidade de opiniões em relação à dinâmica social do bairro e às possibilidades de intervenção.

Primeiramente, foram desenvolvidos diálogos com pessoas que costumam frequentar os arredores do local, para saber de alguns pontos principais que pode-riam guiar a elaboração das regras do sistema. O interesse em habitar a região por parte principalmente de estudantes, o desejo de não manter muita proximidade com o rio Tietê (principalmente para habitação) e a grande aceitação da ideia da criação

Figura 11 - Foto de Satélite com a região escolhida para o projeto

100m

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100m

área de implantação do projeto41.000m²

Uni’Santanna

Arquivo do Estado

Acesso ao MetrôTietê Terminal Rodoviário

Marginal Tietê

Av. V

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de um espaço de lazer e convivência foram alguns dos fatores que guiaram a defini-ção dessas regras.

Com algumas regras definidas e sabidos alguns dos parâmetros que seriam necessários, as informações passaram a ser coletadas de modo a formar um banco de dados passível de ser utilizado na geração de uma geometria para a ocupação do espaço. Por exemplo, relacionando o item do programa referente à habitação com a via marginal nas perguntas direcionadas aos usuários, foi possível ver o desejo de proximidade ou de distância desses dois itens, e quantificá-lo em relação aos limites possíveis. Foi feito o mesmo para os eixos de interesse no entorno do terreno e itens do programa.

Definidas essas regras, descritas em mais detalhes a seguir, foram colocadas em forma de código de programação no Grasshopper, plug-in de modelagem gene-rativa para o software Rhinoceros que funciona como um ambiente de programação visual, permitindo combinar parâmetros e código através de uma interface gráfica. Nesse ambiente, conectores em formato de pilhas representam as funções, onde à esquerda são conectados os dados de entrada e da direita saem os resultados.

Conforme o potencial de ocupação da área identificado nas conversas e nos dados obtidos em pesquisa, as diretrizes contemplaram inicialmente os usos de ha-bitação, comércio e serviços. Foram inseridas no sistema então duas grandes áreas internas ao terreno, referentes à prioridade de ocupação por cada um dos itens do programa. A primeira área designada para a ocupação por uso habitacional e a se-

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Figura 20 - Diagrama final com sistema implantado no ambiente Grasshopper

40100m

gunda por comércio e serviços, sendo a intersecção formada por essas duas a área onde se privilegiaria edificações de uso misto. As coordenadas que originam essas áreas foram vinculadas aos dados da pesquisa de campo, baseadas na proximidade e distância desejados entre o item do programa e eixos de referência propostos. Nes-se caso, através dos dados obtidos das conversas com os possíveis usuários, foram inseridos parâmetros representando as distâncias desejadas entre cada item do pro-grama e cada aresta do polígono que representa o terreno. Como eixos de referência foram utilizadas as vias que delimitam o terreno, representadas por:

-linha do metrô (Av. Cruzeiro do Sul)-Marginal do Rio Tietê-Av. Voluntários da Pátria-muro dos terrenos que ocupam a extremidade do quarteirão As áreas livres foram desenhadas a partir de uma circunferência, posiciona-

da com base na localização de duas antigas chaminés que são ponto de referência visual na região. A circunferência representa uma área livre central que é a conexão entre os três passeios públicos que fazem a travessia da área, um para cada limite do terreno que tem contato com a via pública. A localização desses pontos, assim como a largura dos passeios e o diâmetro da área formada em torno do ponto de conver-gência, também foi parametrizada de modo a variar conforme a localização prefe-rencial do acesso através da rua, definido pela pesquisa através da identificação do desejo de proximidade de pontos referenciais. A área formada por essa praça central

Figuras 13 a 16 - Geo-metria resultante no plug-in Grasshopper conforme acréscimo de novas regras

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e pelos passeios lineares é subtraída da área de ocupação, definindo a área passível de ser ocupada por edificações na continuidade do processo.

Para direcionar a ocupação por edificações foram desenhadas linhas guia, uma de cada lado e uma no centro do terreno, com a orientação desejada para os blocos. Essas linhas foram interpoladas por um recurso do software para formar as demais linhas que guiariam a distribuição dos blocos. Foi escolhida como base, com a intenção de testar esse sistema, uma tipologia de habitação inspirada no prédio de apartamentos desenhado pelo arquiteto peruano Henri Ciriani para Haia, na Holanda. Esse edifício tem um layout de habitação simples que permite uma grande flexibili-dade tanto do desenho dos cômodos como da fachada, e permite a disposição em lâ-mina com a circulação ininterrupta por um dos lados. Com base em parâmetros como largura, comprimento, pé-direito foram gerados grupos de blocos com configurações independentes, referentes a cada uma das áreas definidas anteriormente.

Assim, identificando as intersecções entre as linhas-guia da implantação e a área correspondente a determinado item do programa, foi possível distribuir os grupos de blocos.

O caminho encontrado para quantificar tamanhos e converter em números e geometria as preferências assinaladas pelos participantes do processo foi a adoção de imagens referenciais de espaços de diversas cidades, onde as soluções adotadas no projeto fossem passíveis de serem reproduzidas, em algum de seus aspectos, nes-se contexto. Nessa fase são utilizadas, além das preferências com relação a aspectos

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Figura 17 - Geometria resul-tante com inserção dos parâ-metros dos blocos

Figura 18 - Tipologia base uti-lizada na implantação

Figura 19 - Geometria final exportada do plug-in

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Figuras 21 a 25 - Possibilidades de geometrias distintas com a troca das variáveis e utilizando o mesmo conjunto de regras

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específicos do lugar, referências relacionadas a aspectos urbanísticos mais gerais, como as características de volumetria de edifícios, recuos, largura de passeios, geo-metria de espaços livres, acessos, presença ou não de vegetação. Segundo Mitchell (2009,): “Em geral, ao abordarmos a questão da composição arquitetônica de baixo para cima, utilizamos nosso conhecimentos das características formais e funcionais de elementos específicos de um vocabulário arquitetônico para sugerir maneiras exequíveis de combiná-los em uma composição”.

Todos os parâmetros e regras estão vinculados num diagrama, de modo que

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a alteração de qualquer um deles altera todo o modelo. Assim, ao passo que a vo-lumetria obtida é avaliada pelos usuários alguns parâmetros podem ser mudados e uma nova geometria é obtida rapidamente, podendo ser submetida a novo teste. É possível alternar entre etapas de coleta de dados e opiniões e etapas de avaliação do resultado obtido por parte dos participantes. Quando uma referência é sugerida pelos usuários, ela pode ser inserida na etapa seguinte de coleta de dados.

Com a finalidade de aproximar a volumetria obtida dos usuários para avalia-ção, foram produzidas algumas imagens contendo parte do entorno e com o uso de cada edifício representado pela cor correspondente.

Foram simulados também alguns possíveis cenários baseados em variações randômicas da tipologia utilizada, buscando representar um ambiente diversificado, composto por unidades que respeitassem as preferências de cada família, e blocos que seguissem um tratamento definido pelo conjunto de moradores. O intuito foi tes-tar a aceitação desse tipo de resultado aberto com os possíveis futuros moradores.

Figuras 26 - implantação da volumetria obtida inserida em imagem de satélite

Figuras 27 a 30 - Diferentes vistas da geometria resultante

Figuras 31 e 32- Simulação de ocupação da volumetria obtida

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conclusões

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4.1 Considerações sobre processos abertos em arquitetura

As referências e potencialidades identificadas mostram que planejar um pro-cesso aberto pode envolver diversos tipos de ferramentas e plataformas comple-mentares. O sistema generativo descrito foi alimentado por dados de entrevistas e diálogos com os possíveis usuários do local. É possível, ainda, imaginar como comple-mento para esse processo, outras formas de coletar esses dados, como questionários respondidos via internet ou interfaces gráficas interativas. No caso da disponibilidade de uma infraestrutura adequada, um processo aberto e participativo poderia ocorrer de forma presencial, na forma de assembleias, reuniões e aulas. Acredito que qual-quer meio de acesso à informação e possa complementar o processo, seja ele virtual ou presencial. Assim como a discussão de ideias e a apresentação de soluções pode ocorrer num fórum na internet ou numa sala com as pessoas envolvidas reunidas.

A participação do usuário no processo de projeto não é um tema novo nem pouco discutido no campo da arquitetura, mas é possível que a difusão das plata-formas digitais, tanto no cotidiano como nos escritórios, renove as possibilidades de atuação e reacenda o debate sob nova perspectiva, colocando as questões da tecnologia relacionadas ao desenvolvimento social e ampliando a discussão dessas técnicas para além das questões formais.

Em vários campos, principalmente nos mais relacionados a questão das tecnologias da informação e mais propícios a inovação, a possibilidade de abrir os

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processos e torná-los transparentes e colaborativos tem entrado em pauta e ge-rado soluções interessantes, como na questão dos softwares livres. Apesar disso, como demonstraram Habraken e Kroll, a adoção de procedimentos que favoreçam a abertura de um sistema, tornando-o democrático, transparente e participativo, não depende do uso de alguma tecnologia em específico, mas do modo como ele é con-cebido e da iniciativa para aproximá-lo dos usuários.

Há um potencial para a adoção de algumas dessas ideias na prática produ-tiva da arquitetura no Brasil, em diversas escalas e contextos. Para que a influência desses temas atinja todos os níveis de produção, porém, seria necessária a quebra de alguns paradigmas. Acredito que é uma questão de tempo até que surjam e sejam testadas novas experiências.

4.2 Possibilidades da ferramenta

Através da experimentação da ferramenta nesse contexto específico torna-ram-se claras algumas possíveis implementações de procedimentos que a utilizem no processo de projeto. O modelo volumétrico obtido, que reflete as opiniões coleta-das em campo, pode ser mudado rapidamente de acordo com a avaliação do usuário, tornando mais ágil o processo de participação. Essa mudança pode ocorrer com a variação dos parâmetros iniciais ou com uma revisão das regras que dão origem ao

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modelo.

O modelo obtido com o uso desse tipo de sistema pode também servir, quan-do é utilizada qualquer outra metodologia de projeto, para informar o arquiteto com relação a alguns aspectos importantes da demanda do usuário. Pode ser usado nos estudos preliminares como forma de visualizar algumas possibilidades volumétricas.

Além disso, deve ser levado em consideração que esse tipo de método pode ser usado também em apenas uma parte do processo de projeto, para a definição de algum aspecto, complementando métodos de criação de maior domínio por parte dos projetistas. Também podem ser incluídos parâmetros restritivos, incluindo relações com a legislação vigente e o desempenho do edifício. É possível limitar, por exem-plo, o parâmetro relacionado à rotação do edifício em função da insolação. Outra possibilidade é basear os dados que alimentam o modelo em fontes de informação distintas, como medições de aspectos relacionados ao conforto ambiental ou ao fluxo de pedestres e carros nos espaços adjacentes. 

Também é possível perceber que o grau de diversificação do modelo esbarra na limitação do nível de domínio da ferramenta, e que a dificuldade de transpor as ideias para a linguagem do computador pode se tornar um fator limitante. Também por isso, seria oportuno pensar a possibilidade de implementação de processos desse tipo por equipes multidisciplinares.

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                O principal ponto da experiência, porém, acredito ter sido a mudança na forma de pensar o projeto. Planejar o espaço sob a perspectiva das regras e procedi-mentos lógicos leva a visualização de soluções que podem não ter sido imaginadas através do desenho e, mais do que isso, a uma reconfiguração do processo criativo em relação à produção do espaço.

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Filme

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Links das Imagens

Figura 1: http://agitprop.vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/arquitextos/07.074/341

Figuras 2 e 3: http://www.domusweb.it/en/architecture/lucien-kroll-utopia-interrupted/

Figura 4: http://www.habraken.com/html/molenvliet.htm

Figura 9: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Generative_Design_Process.png

Figuras 5, 6 e 7: http://www.laciudadviva.org/blogs/?p=14164

Figura 8: http://grupaok.tumblr.com/image/17615268163

Figura 11: Captura de imagem do Google Earth