Upload
vuongmien
View
227
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
ARQUITETURA MODERNA DE LE CORBUSIER NAS HABITAÇÕES POPULARES BRASILEIRAS
ARIOLI, ALESSANDRA T. (1); GRUENDLING, FERNANDA S. (2); CALDEIRA, GABRIELA (3); LIMA, RAQUEL R. (4).
1. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - PUCRS
Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS)
2. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - PUCRS Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS)
3. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - PUCRS Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS)
4. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – PUCRS . Departamento de Teoria e Históra Av. Ipiranga, 6681 - Partenon 90619-900- Porto Alegre (RS)
RESUMO
A partir do estudo da obra do importante arquiteto Le Corbusier, identificam-se muitas influências na arquitetura moderna brasileira, principalmente nos edifícios de habitação coletiva. A Unidade de Habitação em Marselha, do arquiteto Le Corbusier, por exemplo, apresenta muitas das principais diretrizes modernistas, representante de um dos documentos edificados fundamentais da Arquitetura Moderna. O presente artigo enfatiza a análise de edifícios de habitação coletiva moderna brasileira na busca da identificação das influências da obra do arquiteto Le Corbusier. O procedimento metodológico utilizado consiste na busca por fontes de pesquisa bibliográfica e documental, leitura do material, fichamento e análise com foco nas diretrizes que influenciaram a arquitetura da habitação popular brasileira. Os edifícios estudados foram a Unidade de Habitação em Marselha (1953), de Le Corbusier, que apresenta as principais diretrizes modernistas e também os cinco pontos criados pelo arquiteto; o Conjunto Pedregulho (1947), de Affonso Eduardo Reidy, que apresenta estética e princípios defendidos por Le Corbusier, como as tecnologias aplicadas na construção, na economia dos meios utilizados e nas preocupações funcionais relacionadas às
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
soluções formais; o Conjunto de Deodoro (1956), de Flávio Marinho Rego, que se destaca por sua arquitetura com a extensão de seus blocos, por suas curvas e seu estilo moderno; o Conjunto Residencial Operário em Realengo (1943), de Carlos Frederico Ferreira, que é considerado o primeiro conjunto de habitação popular implantado no país, sendo direcionado para o aluguel para operários de baixa renda; e o Conjunto Residencial Armando de Arruda Pereira (1957), conhecido como Japurá, do arquiteto Eduardo Kneese de Mello, que é considerada a primeira habitação popular a aplicar os princípios cultuados por Le Corbusier em suas Unidades de Habitação, e destaca-se pelo uso de pilotis, terraço de cobertura, estrutura independente e pela marcação da circulação na fachada. O referente trabalho busca abranger estudos na área da habitação popular no Brasil e suas referências arquitetônicas para o projeto e construção destas. Apresentando, assim, as influências de um dos principais arquitetos modernistas, Le Corbusier, na arquitetura e habitação popular brasileira, além de demonstrar a importância da arquitetura moderna nos edifícios habitacionais no país. Portanto, foram destacadas semelhanças entre os exemplares como a forma dos edifícios, a aplicação dos cinco pontos da Nova Arquitetura, e o tipo de material utilizado nos conjuntos selecionados – ocasionados pela influência arquitetônica de Le Corbusier. Pode-se afirmar que os arquitetos estudados e seus projetos de habitação popular se ativeram não apenas às necessidades básicas das pessoas residentes dos conjuntos, mas à disponibilidade de serviços e equipamentos indispensáveis, promovendo moradias modernas econômicas e inovadoras. Não obstante, busca-se nos edifícios um traçado arquitetônico construtivo e formal, onde o arquiteto Le Corbusier regeu forte influência sobre os conjuntos populares brasileiros, por meio da utilização de seus princípios compositivos e construtivos, dos seus cinco pontos e da sua forma arquitetônica. Entende-se também que a influência da Arquitetura Moderna do arquiteto Le Corbusier foi vital para o desenvolvimento dos edifícios de uma época em que o conceito de habitação popular como local de lazer, educação e saúde - além de apenas moradia -, tornava-se realidade no Brasil.
Palavras-chave: Habitação Popular; Le Corbusier; Arquitetura Moderna.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Introdução
O presente artigo busca enfatizar a análise de edifícios da habitação popular
brasileira no período moderno trazendo e identificando influências das obras e dos princípios
do arquiteto Le Corbusier. A partir do estudo da Unidade de Habitação em Marselha do
arquiteto, identificam-se muitas influências na Arquitetura Moderna brasileira, principalmente
nos edifícios de habitação popular. Este edifício apresenta muitas das principais diretrizes
modernistas, representante de um dos documentos edificados fundamentais da Arquitetura
Moderna.
A Arquitetura Moderna pode ser classificada como um conjunto de movimentos
de escolas arquitetônicas que vieram a caracterizar a arquitetura desenvolvida durante
grande parte do século XX, tendo como um dos princípios básicos deste movimento,
renovar a arquitetura de modo a rejeitar toda a arquitetura anterior a deste período.
Contudo, uma das características mais conhecidas da arquitetura moderna é a utilização de
formas simples, geométricas, e desprovidas de ornamentação, busca-se valorizar o
emprego dos materiais em sua essência como o concreto aparente, por isso, materiais
como o aço e o concreto armado dão aos arquitetos a oportunidade de fazer com que este
estilo se torne completamente diferente de tudo que se viu até então. A Arquitetura Moderna
também é o reflexo das grandes inovações técnicas que começam a surgir já no fim do
século XIX, com a revolução industrial além da criação da escola Bauhaus de Weimar, por
Walter Gropius (1883-1969), que foi de suma importância para o desenvolvimento e
disseminação da Arquitetura moderna.
Os edifícios estudados foram a Unidade de Habitação em Marselha (1953), de Le
Corbusier, que apresenta as principais diretrizes modernistas e também os cinco pontos
criados pelo arquiteto; o Conjunto Pedregulho (1947), de Affonso Eduardo Reidy, que
apresenta estética e princípios defendidos por Le Corbusier, como as tecnologias aplicadas
na construção, na economia dos meios utilizados e nas preocupações funcionais
relacionadas às soluções formais; o Conjunto de Deodoro (1956), de Flávio Marinho Rego,
que se destaca por sua arquitetura com a extensão de seus blocos, por suas curvas e seu
estilo moderno; o Conjunto Residencial Operário em Realengo (1943), de Carlos Frederico
Ferreira, que é considerado o primeiro conjunto de habitação popular implantado no país,
sendo direcionado para o aluguel para operários de baixa renda e um dos primeiros a utilizar
o procedimento de construção em série com blocos de concreto na arquitetura popular
brasileira; e o Conjunto Residencial Armando de Arruda Pereira (1957), conhecido como
Japurá, do arquiteto Eduardo Kneese de Mello, que é considerada a primeira habitação
popular a aplicar os princípios cultuados por Le Corbusier em suas Unidades de Habitação,
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
e destaca-se pelo uso de pilotis, terraço de cobertura, estrutura independente e pela
marcação da circulação na fachada.
A arquitetura se apresenta como documento da história ao trazer consigo as marcas
dos hábitos e da cultura de um povo ou de uma época. Ambos os edifícios estudados e que
serão tratados no artigo, possuem fortes influências do movimento moderno brasileiro e
carregam consigo a marca e a solução de um problema enfrentado neste período do
modernismo brasileiro, tornando-os documentos da arquitetura nacional. São edifícios de
extrema qualidade, que marcaram a arquitetura do país, tanto pelas suas formas e técnicas
construtivas quando pelas excelentes referências trazidas para os seus elementos da
composição e da arquitetura, fortemente relacionados aos cincos pontos da Arquitetura
Moderna de Le Corbusier.
1 Os cinco pontos da arquitetura de Le Corbusier
Os cinco pontos da arquitetura de Le Corbusier foram o resultado de suas pesquisas
no início de sua carreira profissional. Sua forma final foi apresentada na revista francesa
L’Espirit Nouveau, em 1926, entretanto, eles já haviam sido aplicados anteriormente como
na Casa Cook, por exemplo, em 1926 e logo após na Villa Stein, de 1927, e na Villa Savoye,
de 1928. Em seus projetos, Le Corbusier modificava ou acrescentava elementos em seus
cinco pontos e a sua aplicação possibilitou a independência dos elementos constitutivos do
projeto, permitindo liberdade de criação.
Os cinco pontos da arquitetura de Le Corbusier são apresentados da seguinte
maneira: o uso da planta livre, possibilitada pela estrutura independente que permite a livre
colocação das paredes, que não exercem função estrutural; pilotis, que são o emprego de
pilares que elevam o prédio do chão, permitindo a circulação por debaixo do mesmo;
terraço-jardim, que recupera o solo ocupado pelo prédio, transferindo-o, de certa forma, para
cima do prédio como um jardim urbano; janelas em fita, que por meio da fachada livre,
permitem uma relação desimpedida com a paisagem, maximizando vistas e insolação; e
fachada livre, possibilitada pela independência da estrutura, que permite que a fachada seja
projetada sem impedimentos.
1.1 A Unidade de Habitação em Marselha e os cinco pontos de Le Corbusier
A Unidade de Habitação em Marselha representa o auge da aplicação dos cinco
pontos criados por Le Corbusier. Foi projetada em um período em que havia uma demanda
de novas moradias, com o intuito de abrigar 1600 pessoas. Foi pensada como um protótipo
para uma renovação radical de blocos de apartamentos e foi projetada no âmbito espacial,
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
funcional e social. Seu terraço-jardim de cobertura possui objetos escultóricos (prédio do
ginásio, chaminés e a creche), assemelhando-se a um convés de navio, evocando a
imagem de um grande transatlântico, com o conceito de que o edifício seja autossuficiente.
O edifício representa uma busca pela ordem coletiva da filosofia de Le Corbusier e
apresenta o uso do concreto nos brises e nos elementos pré-fabricados (painéis de concreto
armado). Por meio de seus elementos arquitetônicos, representa a preocupação do
arquiteto pela ventilação e iluminação dos ambientes, buscando uma habitação de
qualidade, integrada ao entorno e oferecendo serviços e equipamentos coletivos para a
comunidade moradora.
O edifício de apartamentos de Le Corbusier se destaca por encontrar o equilíbrio
certo entre o público e o privado, de ser capaz de construir uma comunidade como uma
extensão da casa, com grandes espaços para recreação e lazer. A integração dos espaços
e serviços públicos abertos promovem a interação social.
1.2 A influência dos cinco pontos de Le Corbusier na Arquitetura Moderna
Brasileira
No período de Vargas a Kubistchek, surgia a Arquitetura Moderna no Brasil e, nesse
panorama destacou-se um arranha-céu de arquitetura modernista, o Edifício Gustavo
Capanema, de 1936, que na época era a sede do Ministério da Educação e Cultura do Rio
de Janeiro. A obra teve como idealizador principal o arquiteto Lucio Costa e como consultor
o arquiteto Le Corbusier.
O edifício transmite a ideia de leveza, imponência, inovação por meio dos materiais
utilizados, e segue as influências de Le Corbusier, como por exemplo, o uso de pilotis,
possibilitando uma maior permeabilidade dos pedestres no térreo; apresenta cortinas de
vidro para vedação e brise-soleils horizontais para proteção do sol e ventos; além de
apresentar uma planta livre, fachada livre e um terraço-jardim.
Além do Edifício Gustavo Capanema, o Museu de Arte Moderna de Belo Horizonte,
de 1943, do arquiteto Oscar Niemeyer, foi outro edifício que marcou o início da Arquitetura
Moderna Brasileira. Essa obra foi influenciada pelas ideias de Le Corbusier, sendo
considerada a primeira obra do conjunto da Pampulha.
O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, projetado pelo arquiteto Affonso
Eduardo Reidy, segue a linha da arquitetura racionalista brasileira. A obra também
apresenta influências de Le Corbusier, como por exemplo, a fachada envidraçada protegida
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
por brises verticais e horizontais, além da planta livre e o térreo sob pilotis, permitindo maior
permeabilidade para os pedestres.
Na arquitetura da habitação popular brasileira, a influência de Le Corbusier pode ser
representada, por exemplo, pelo Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes,
conhecido como Pedregulho, projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, no bairro de
São Cristóvão, Rio de Janeiro, em 1947. O edifício é um dos conjuntos de habitação popular
mais importantes do país e foi projetado para abrigar funcionários públicos do então Distrito
Federal. Apresenta fachada livre, planta livre, janelas horizontais, piloti, e uma rua interna
aberta, que se assemelha à rua proposta da Unidade de Habitação em Marselha, tendo uma
função semelhante ao terraço de cobertura da Unidade. Ambos edifícios – a Unidade de
Habitação de Marselha e o Conjunto Pedregulho -, foram construídos em épocas próximas,
criados com a ideia de atender necessidades de moradia, saúde, educação e lazer, de
forma econômica e apresentam equipamentos coletivos.
Os princípios defendidos por Le Corbusier estão presentes nesse projeto, por
exemplo, no uso das tecnologias aplicadas na construção, na economia de meios utilizados,
nas preocupações com a funcionalidade e relacionadas às soluções formais: o controle da
luz e da ventilação e a facilidade de circulação.
1.3 O Edifício Japurá e os cinco pontos de Le Corbusier
Outro edifício de destaque na arquitetura de habitação popular brasileira em que se
encontra clara a aplicação dos cinco pontos de Le Corbusier é o Conjunto Residencial
Armando de Arruda Pereira (1957), conhecido como Edifício Japurá (Figura 01), do arquiteto
Eduardo Kneese de Mello para o IAPI, em São Paulo.
FIGURA 01- Edifício Japurá, de Eduardo Kneese de Mello. Fonte: BONDUKY, 2014, p.148
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
O edifício localiza-se em uma área anteriormente ocupada por cortiços no centro de
São Paulo, na região de Bela Vista ou Bexiga. Por meio do plano de avenidas pretendia-se
recuperar as zonas deterioradas do local, como a Vila Barros – um conjunto de cortiços:
“Pombal”, “Navio Parado”, “Vaticano” e “Geladeira” (Figura 02).
FIGURA 02- Cortiços pré-existentes na Vila Barros, em São Paulo. Fonte:
http://www.iau.usp.br/revista_risco/Risco9-pdf/02_art04_risco9.pdf, p. 76
O Edifício Japurá, que substituiu os cortiços pré-existentes, é considerado uma das
construções pioneiras na aplicação do conceito de unité d'habitation de Le Corbusier no
Brasil. Também foi a proposta modernista pioneira de ocupação e habitação vertical na
cidade de São Paulo, fazendo parte do processo de modernização da cidade e do país,
durante o século XX. O edifício contribuiu para o inicio do processo de verticalização do
entorno da área central paulistana.
Percebe-se a presença dos cinco pontos de Le Corbusier no volume do edifício,
como por exemplo, a fachada livre, a planta livre, o bloco suspenso por pilotis, as janelas
horizontais e o terraço-jardim de cobertura, que no caso do Edifício Japurá, foi projetado
pelo paisagista Burle Marx como uma área de lazer para os moradores.
O edifício é formado por uma estrutura pilar-viga independente de vedação, com uma
fachada frontal ortogonal com linhas, com marcação da circulação, com cheios e vazios, que
remetem à ideia corbusiana de uma grande estrutura onde se encaixavam células
habitacionais. Também apresenta equipamentos coletivos como creche, piscina, escola,
restaurante, entre outros; e apresenta a ideia de atender necessidades de moradia, saúde,
educação e lazer, de forma econômica, assim como a Unidade de Habitação em Marselha,
de Le Corbusier.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Comparando o projeto do Edifício Japurá com o da Unidade de Habitação em
Marselha, percebem-se alguns complementos do edifício projetado por Le Corbusier, como
brises-soleil para a proteção contra o sol e ventos e a presença de uma rua interna como
espaço de circulação e estar dos moradores.
Nos dias atuais, reformado, o Edifício Japurá é um prédio residencial para a classe
média. Parte de seus equipamentos coletivos foi desativada, mas ainda é um edifício de
qualidade para os habitantes. Nessa perspectiva, o projeto do Edifício Japurá foi uma
tentativa bem-sucedida de aplicação do conceito de unidade da habitação popular no Brasil,
procurando ao máximo assemelhar-se e seguir os princípios da Unidade de Habitação em
Marselha, de Le Corbusier. Entretanto, algumas situações envolvendo a própria estrutura do
edifício até a conduta dos moradores ocasionaram mudanças nos usos e na própria
composição do edifício.
2. Origem do concreto, suas propriedades e contexto histórico
O concreto armado é um processo construtivo que foi criado na Europa em meados
do século XIX. Ele consiste na combinação do concreto, que é uma pasta feita de
agregados miúdos, agregados graúdos, cimento, areia e água, com uma armadura de aço.
A diferença está exatamente na reunião da propriedade de resistência à tração do aço com
a propriedade de resistência à compressão do concreto, o que permite que a estrutura
possa vencer grandes vãos e alcançar alturas surpreendentes. Além disso, o concreto é um
material plástico e moldável, ao qual é possível impor os mais variados formatos. Junto com
o aço e o vidro, ele constitui os novos materiais da Arquitetura Moderna, que podem ser
produzidos em escala industrial, possuem um baixo custo e viabilizam a construção de
arranha-céus, pontes, estações ferroviárias e os novos objetos icônicos dessa arquitetura,
característicos do cenário do mundo moderno do século XX. Entre os primeiros que
utilizaram o concreto armado na construção civil esteve Auguste Perret, Tony Garnier e
François Hennebique. Auguste Perret foi um dos primeiros a utilizar o concreto armado
como meio de expressão arquitetônica. Além de ser pioneiro nas construções em concreto
armado, Auguste Perret influenciou diretamente a obra de um importante arquiteto, Le
Corbusier.
Contudo, um dos países que mais usufrui da tecnologia do concreto armado é o
Brasil. O concreto armado é um material estrutural absolutamente predominante nas
construções das cidades brasileiras, sejam elas formais ou informais. O arquiteto Cesar Pelli
cita a respeito do uso abundante do concreto nas construções brasileiras, nela ele diz;
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
“O uso tão amplo, diverso e por vezes indiscriminado do concreto
armado em nossas cidades parece resultar naquilo que se denomina
“tecnologia formal adaptada”, isto é, uma tecnologia que importa
materiais, procedimentos, normas e tipologias dos países centrais,
porém aplica-os de modo apenas parcial e incompleto.” (PELLI, p.
1989).
Com base nessa citação, podemos lidar com uma situação de culturas periféricas,
onde tais opções tecnológicas estariam principalmente determinadas por seu respeito à
cultura dos países centrais. Mas, ainda que o modelo de Pelli possa ser aceitável para
explicar a disseminação do concreto armado no Brasil, ele acaba simplificando a relação
entre cultura central e cultura periférica, aproximando à relação entre cidade formal e
informal.
Após o desenvolvimento do concreto armado na Europa, o Brasil começou a passar
por um intenso desenvolvimento industrial e o processo de êxodo rural, ocasionando o
crescimento das cidades, o que também fez aumentar a demanda por habitações em todo o
país nas cidades de grande e médio porte, já que era preocupante o número de cortiços e
de trabalhadores que não tinham lugar para se alojar, submetendo-se, então, a condições
subumanas de vida. Para atender a tão intensa demanda era necessário utilizar métodos de
construção rápidos e de custo razoável com relação a renda destes trabalhadores. Com
este objetivo alguns arquitetos brasileiros, ficaram atentos às evoluções tecnológicas que
haviam acontecido na Europa no período do “entre guerras” (que também exigiu agilidade e
economia na reconstrução de um continente) e inspirados nas ideias de industrialização,
padronização, produção em série, tentaram aplicar no Brasil algumas soluções propostas
por Le Corbusier, entre outros. Desta maneira, os materiais (concreto armado) e o processo
construtivo utilizados nos empreendimentos em questão, surgem como inovações do ponto
de vista tecnológico, já que naquele momento as construções eram feitas, na sua maioria,
utilizando-se de tecnologias e materiais mais tradicionais, principalmente nas habitações.
2.1 Le Corbusier e sua relação com o concreto e estudos desenvolvidos a
partir do novo processo construtivo
Le Corbusier foi um importante arquiteto moderno e de extrema referência na área
da arquitetura e do urbanismo. O arquiteto foi o autor do Modulor, um conjunto de estudos
que procurava integrar o homem e suas atividades, criando assim um conceito de
ergonomia. O desenvolvimento desse conceito de ergonomia utiliza medidas mínimas e a
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
possibilidade de produção em série. O conceito da “máquina de morar”, de Le Corbusier que
foi utilizado na Unidade de Habitação em Marselha, serviu também de referência para
diversos outros arquitetos que buscavam soluções para os problemas de moradia
enfrentados no período da 2ª Grande Guerra.
A obra de Le Corbusier, pertencente ao movimento moderno, possui grande
influência do período em que trabalhou com Auguste Perret. Com a técnica do concreto
armado era possível resolver os problemas da moradia com um baixo custo. Tendo isso em
mente Le Corbusier desenvolveu o conceito “dom-inó” (Figura 03) e cinco pontos da
arquitetura moderna, onde dois desses pontos foram possíveis devido a esta nova técnica.
Um deles foi a possibilidade da criação de uma planta-livre, possibilitando a utilização de
maiores áreas desimpedidas de elementos estruturais dentro do edifício; e o outro foi a laje
de cobertura que deu lugar a uma área de lazer como um terraço-jardim.
FIGURA 03 - O Sistema Dom-Ino. Fonte: PALERMO, H. Nicolás Sica, pg. 42
2.2 O Conjunto Residencial Operário em Realengo e sua relação com o
concreto e com a arquitetura de Le Corbusier
O Conjunto Residencial Operário em Realengo (Figura 04) está localizado no
subúrbio do Rio de Janeiro, construído entre 1938 e 1943, sendo um dos primeiros
conjuntos implantados no país. Foi projetado pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira e
direcionado para o aluguel para operários de baixa renda. Tal conjunto trazia inovações,
como sacadas intercaladas que oferece um aspecto de movimento a uma das fachadas,
típico da arquitetura moderna. Ocupando uma área de 89 hectares, possui 2.321 unidades
habitacionais e abriga uma população por volta de 12 mil moradores.
Uma das principais preocupações do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI) para suas habitações populares era baratear, sem perder suas
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
condições mínimas de habitabilidade e a qualidade. Essas condições tornaram-se possíveis
por meio da nova técnica desenvolvida na Europa, por meio da construção de blocos de
concreto ou em concreto armado, obtendo-se um projeto racional de qualidade e com
economia.
Extremamente resistentes e densos, os blocos de concreto dispensaram o uso de
reboco, sendo a pintura aplicada diretamente no material, o que implicou em grande
economia no valor total das unidades residenciais. Outra experiência inovadora foi a adoção
de painéis pré-fabricados de madeira nas divisórias internas das casas, consideradas
vantajosas pelo arquiteto por não necessitarem de fundação e por serem flexíveis,
permitindo mudanças nas acomodações segundo as necessidades dos habitantes.
Contudo quando vamos fazer alguma análise na área das influências da arquitetura
de Le Corbusier, a proposta de Ferreira afasta-se dos pressupostos aplicados por ele ao
ocupar o pavimento térreo com lojas, no caso dos blocos ao longo da Rua Marechal
Modestino, ou com unidades habitacionais nos demais blocos. Além disso, não possui
volumes com terraço-jardim. Todavia, Ferreira busca uma relação com as casas do
Conjunto Realengo trazendo a ideia das casas em série de Le Corbusier, feitas em concreto
e com divisórias em painéis de madeira.
FIGURA 04 – Vista aérea do Conjunto Residencial Operário em Realengo. Fonte: Acervo pessoal de
Rubens Esteves da Silva, morador do conjunto/ Autor desconhecido.
3 Formas arquitetônicas
A Geometria Euclidiana ainda está exposta em um grande número de edificações, ao
lado de novas descobertas formais, baseadas em novas formas geométricas. Conceber os
princípios euclidianos tradicionais, suas figuras elementares, suas construções, bem como
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
as novas ideias geométricas, podem auxiliar a criação e desenvolvimento das formas
arquitetônicas. Entende-se também, que a Geometria não é um componente limitador da
operação criativa e sim, um poderoso aliado, desde que conhecido e dominado.
Por mais que haja um simples edifício prismático, mais comum nas cidades; sejam
outros em forma piramidal, ou cônica, mais excepcionais; ou até mesmo com projetos
recentes, sem formas puras estabelecidas, mas que são planos construídos através de
novos conceitos geométricos, pode-se concluir que não existem formas arquitetônicas sem
uma definição de sua forma geométrica.
A forma topológica, analisada neste artigo, é influenciada pelo sítio, isto é, reproduz
uma ou mais características do local onde o edifício será implantado. Nesse sentido, pode-
se citar o Conjunto Habitacional do Pedregulho (Figura 05), localizado no Rio de Janeiro,
conhecido, principalmente, por sua forma topológica, onde a linha sinuosa do volume do
edifício é acompanhada pela curva do próprio terreno.
FIGURA: 05- Implantação do Conjunto Habitacional do Pedregulho. Fonte: BONDUKY, 2014, p.173
3.1 Características formais do Conjunto Habitacional do Pedregulho
A ideia geral do Conjunto Habitacional do Pedregulho teve várias versões, sendo que
a última e concludente não chegou a ser completamente construída. Todas, porém, partiam
da mesma ideia básica: um bloco serpenteante situado na parte íngreme do terreno, blocos
lineares e volumes com equipamentos coletivos situados na parte baixa do terreno. Por ter
realizado esse bloco principal, em uma obra de habitação popular, o projeto foi valorizado
por ser um grande exemplar da Arquitetura Moderna Brasileira e foi exposto como uma obra
de exceção, única de caráter extraordinário e inusitado.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
O Conjunto Habitacional do Pedregulho se destacou, sobretudo, pela original e
ousada solução do bloco serpenteante de 252 metros de extensão adotada pelo arquiteto
Affonso Eduardo Reidy. Essa solução gerou uma implantação de grande plasticidade,
orgânica e, principalmente, única até então, que por sua vez, viabilizava um bloco
serpenteante de sete pavimentos, sem elevador, com um bom aproveitamento do solo e
baixa taxa de ocupação. A circulação pelo terceiro pavimento (Figura 06) criou um grande
espaço público suspenso no interior do edifício, um espaço aberto para a paisagem
deslumbrante da cidade, tendo equipamentos coletivos inseridos nessa área. No entanto, no
Pedregulho, o andar intermediário, é muito mais que uma circulação suspensa: é parte
integrante da proposta corbusiana de uma Unidade de Habitação, integrando, em um único
edifício, unidades habitacionais, áreas de recreação, comércio e equipamentos coletivos.
FIGURA: 06 – Pavimento intermediário do Conjunto Habitacional do Pedregulho. Fonte: BONDUKY,
2014, p.176
3.2 Conjunto Habitacional do Pedregulho e a influência do arquiteto Le
Corbusier
A arquitetura de Le Corbusier tem uma grande influência em nosso país, por suas
excelentes metodologias com melhorias de custo e formas arquitetônicas. Em relação à
influência da Unidade de Habitação em Marselha e o Conjunto Habitacional do Pedregulho,
pode-se perceber que as duas obras possuem uma tipologia similar: uma barra sob pilotis.
Porém, o arquiteto brasileiro Reidy foi além e transformou essa tipologia geométrica de uma
barra, em uma barra serpenteante, por consequência da topografia íngreme do terreno,
tirando partido da geografia local, que lhe possibilitou uma solução original de implantação.
Edifícios serpenteantes, suspensos por pilotis, acompanham de forma orgânica as
curvas de nível, possibilitando uma ocupação com o mínimo de terraplanagem e liberando o
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
solo. O arquiteto brasileiro inventou uma solução urbanística moderna adaptada com
terrenos de fortes declividades, onde uma simples implantação geométrica de blocos
lineares, própria do racionalismo, com o térreo ocupado, acaba por gerar fortes movimentos
de terra, taludes desnecessários e espaços residuais, que caracterizam os atuais conjuntos
habitacionais com resultados questionáveis. Portanto, em terrenos acidentados, edifícios
serpenteantes suspensos do solo são alternativas competentes da urbanística moderna,
baseado em ruas que acompanham curvas de nível e lotes em aclive e declive, que, quando
bem desenhado e projetado, fornece a elaboração de bairros notáveis de qualidade.
Além dos exemplares estudados com mais enfoque, existem outros edifícios
brasileiros com caráter único e conhecidos por sua forma arquitetônica serpenteante, como
por exemplo, o Conjunto Habitacional do Deodoro (Figura 07), localizado no Rio de Janeiro,
em uma das margens da Avenida Brasil e projetado pelo arquiteto Flavio Marinho Rego. Foi
projetado para funcionários públicos do então Distrito Federal, que desfruta a mesma
tipologia arquitetônica da Unidade de Habitação em Marselha e do Conjunto Habitacional do
Pedregulho, utilizando um bloco sob pilotis, porém, transformando esse bloco em uma forma
serpenteante, em função de sua topografia íngreme do terreno.
FIGURA 07- Implantação do Conjunto Habitacional do Deodoro. Fonte: BONDUKY, 2014, p.224
Outra influência de Le Corbusier que pode ser notada no projeto é o uso de pilotis no
pavimento de acesso intermediário, permitindo uma permeabilidade visual junto à natureza
do lugar, utilizando-se do princípio corbusiano.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Considerações Finais
Pode-se afirmar que as obras analisadas com seus respectivos arquitetos, são
importantes não só por serem edifícios de destaque em habitações populares, mas também,
por se simbolizarem importantes documentos materializados da arquitetura moderna.
Entende-se também que a influência do arquiteto Le Corbusier foi fundamental na obtenção
do destaque nas referidas habitações populares no Brasil, influência constante no trabalho e
método utilizados por arquitetos brasileiros, como: o uso de seus princípios compositivos e
construtivos, sua tipologia e forma arquitetônica e ,por fim, seu conceito dos cinco pontos.
Além disso, a contribuição da arquitetura moderna de Le Corbusier foi vital para o
desenvolvimento dos edifícios em uma época em que o conceito de habitação popular
incluindo local de lazer, educação e saúde - além de apenas moradia -, tornava-se realidade
no Brasil.
A Unidade de Habitação em Marselha e o Conjunto Habitacional do Pedregulho
podem ser considerados dois edifícios documento, que se destacam por suas
excepcionalidades e por suas bem sucedidas aplicações do conceito de habitação popular
moderna. Ambos os edificios se encaixam na definição de arquitetura como documento pelo
seu valor histórico e arquitetônico, e por seu reconhecimento internacional.
Nessa perspectiva, a arquitetura como documentação torna-se necessária pois
contribui para a cultura nacional, destacando a singularidade de uma tipologia de edificação
na identidade arquitetônica de um país.
Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Rosane Lopes de. CARDOSO, Adauto Lúcio; COELHO, Will Robson. Habitação
Social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://www.habitare.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/colecao7/capitulo_2.pdf).
BENEVOLO, LEONARDO. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva,
1976.
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. 6ª ed, São Paulo: Editora Estação
Liberdade, 2013.
CORBUSIER, Le. Por uma arquitetura. 7ª ed, São Paulo: Editora Perspectiva, 2014.
CURTIS, William J. R. Arquitetura moderna desde 1900. 3ª ed, São Paulo: Editora Artmed,
2008.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 25ª ed, São Paulo: Editora Perspectiva, 2010.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. 2ª ed, São Paulo: Editora
Martins, 2008.
GONÇALVES, Paulo Eduardo Borzani; REQUENA, Wendie Aparecida Piccinini. Um século
de Habitação Social no Brasil. Disponível em:
(http://www.usjt.br/arq.urb/numero_08/10_paulo_borzari.pdf).
KOURY, Ana Paula; BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil, volume 3 -
Onze propostas de morar para o Brasil moderno. São Paulo: Fundação Editora UNESP,
2014.
MATTEI, Carlos Augusto Faggin: PESSOLATO, Cíntia. Tradição e Modernidade dos Ciclos
dos IAP’s: O conjunto residencial do Passo D’Areia e os projetos modernistas no contexto
da habitação popular nos anos de 40 a 50 no Brasil. Disponível em:
(http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/38319).
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil.
PALERMO, H. Nicolás Sica. O Sistema Dom-Ino – PROPAR – FAU/UFRGS.
PELLEGRINI, Ana Carolina. Conjunto de Firminy: revolta para o futuro; projeto antigo,
patrimônio novo. Disponível em:
(http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/090.pdf).
SILVA, Rubens - Acervo Pessoal - Morador do Conjunto IAPI Realengo.
http://www.minimalisti.com/architecture/01/minimalist-architecture-giant-le-corbusier.html
Acessado em 04/11/2015.
https://histarq.wordpress.com/2012/11/23/aula-5-le-corbusier-2a-parte-1930-1960/
Acessado em 04/11/2015.
http://www.iau.usp.br/revista_risco/Risco9-pdf/02_art04_risco9.pdf
Acessado em 04/11/2015.