4
arrojadas porque seriam falsas. Repara: — a imóvel crisálida Já se agitou inquieta, Cedo, rasgando a mortalha, Ressurgirá borboleta. Que misteriosa influência A metamorfose opera! Um raio de Sol, um sopro Ao passar, a vida gera. Assim minha alma, ainda ontem Crisálida entorpecida, Já hoje treme, e amanhã Voará cheia de vida. Onde vai o teu pensamento Quando, os olhos elevando, Segues das aves ligeiras

Arrojadas Porque Seriam Falsas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

poema

Citation preview

Page 1: Arrojadas Porque Seriam Falsas

arrojadas porque seriam falsas. 

Repara: — a imóvel crisálida

Já se agitou inquieta,

Cedo, rasgando a mortalha,

Ressurgirá borboleta.

Que misteriosa influência

A metamorfose opera!

Um raio de Sol, um sopro

Ao passar, a vida gera.

Assim minha alma, ainda ontem

Crisálida entorpecida,

Já hoje treme, e amanhã

Voará cheia de vida.

Onde vai o teu pensamento

Quando, os olhos elevando,

Segues das aves ligeiras

Esse harmonioso bando?

Que te dizem os gorjeios

Page 2: Arrojadas Porque Seriam Falsas

Dessas pobres foragidas,

Que vão procurar ao longe

Outras selvas mais floridas?

Acaso temes, como elas,

As nuvens negras, pesadas,

E os ventos que descem rápidos

Das altas serras nevadas? 

Acaso invejas as asas

Desses plumosos viajantes?

Acaso aspiras à vida

Noutros climas mais distantes?

Não, querida, não receies

Do Inverno os duros rigores;

Quando do Sol falta a chama

Brilha a chama dos amores.

Não são para nós mais lúcidas

As noites que o próprio dia?

Que onde a luz do céu falece,

A paixão é que alumia.

E o gelo, que as pobres aves

Na relva prostra sem vida,

Da nossa paixão, querida.

18 de Outubro de 1862.

Andava a pobre cabreira

O seu rebanho a guardar

Desde que rompia o dia

Até a noite fechar.

De pequenina nos montes

Não tivera outro brincar.

Nas canseiras do trabalho

Os seus dias vira passar.

Page 3: Arrojadas Porque Seriam Falsas

Sentada no alto da serra

Pôs-se a cabreira a chorar.

Porque chorava a cabreira

Ides agora escutar:

«Ai! que triste a sina minha,

Ai! que triste o meu penar,

Que não sei de pai nem mãe

Nem de irmãos a quem amar,

«De pequenina nos montes

Nunca tive outro brincar.

Nas canseiras do trabalho

Os meus dias vejo passar.»

Mas, ao desviar seus olhos

Viu coisa que a fez pasmar:

Uma cabra toda branca

Se lhe fora aos pés deitar!

Branca toda, como a neve,

Que nem se deixa fitar,

Coberta de finas sedas

Que era coisa singular!

Nunca a tinha visto antes

No seu rebanho a pastar,

E foi a fazer-lhe festa...

E foi para a afagar...

Eis vai a cabra fugindo

Pelos vales sem parar;

Ia a cabreira atrás dela

Mas não a pôde alcançar.