ARRUDA, José Jobson a. Cultura História - Territórios e Temporalidades Historiográficas

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    CULTURA HISTRICA: TERRITRIOS ETEMPORALIDADES HISTORIOGRFICAS1

    Jos Jobson de Andrade Arruda2

    Cultura Histrica e Historiografia

    Pensar a cultura histrica pensar historiograficamente. Pensar a cultura histrica atravessar os vrios momentos de cristalizao historiogrfica com a instauraode linhas mestras interpretativas hegemnicas e hegemonizantes. ser capaz depairar sobre os vrios momentos historiogrficos sem se identificar com nenhumdeles em particular e procurar entender por que aquelas linhagens interpelativas se

    tornaram dominantes.Se nos fixarmos na segunda metade do sculo 20, constatamos a emergncia

    de dois momentos substanciais, caracterizados por conjuntos paradigmticos, quese traduzem em pares de opostos conceituais, conjuntos esses que se inserem emterritrios reflexivos diversos e formulaes conceituais especficas.

    Qual o destino de tais conjuntos que, no fundo, para a prtica da Histria, soinstrumentos operacionais? Haver lugar no futuro para o simples retorno daproblemtica metodolgica e terica dominante na primeira metade do sculo 20?Em que medida a segunda teria condies de alargar seus horizontes e, por vias de

    desdobramentos impostos pela pesquisa, preservar ainda por algumas dcadas asua hegemonia? Um dilogo cerrado entre as correntes que se apresentam comoantagnicas no poderia criar um novo paradigma analtico capaz de dar contada complexidade quase inapreensvel do conhecimento histrico?

    Territorialidades Historiogrficas

    O equacionamento da problemtica em tela exige, preliminarmente, odelineamento dos principais territrios historiogrficos do sculo 20. O primeiroque se firma de modo indelvel na primeira metade do sculo e tem por referncia

    emblemtica a tese de Fernand Braudel, publicada em 1949, O Mediterrneo e omundo mediterrnico na poca de Felipe II3, produto final de um movimentorenovador no campo da Histria que vinha se pondo desde a terceira dcada dosculo, uma espcie de sntese do pensamento da Escola dosAnnales, da qual setornou o lder inconteste. Suas idias tornaram-se o farol de toda uma gerao,

    1Texto apresentado na Mesa-Redonda Representaes, Territorialidades e Cultura Histrica,durante o Seminrio Histria e Cultura Histrica, promovida pelo Programa de Ps-Graduaoem Histria da Universidade Federal da Paraba. Joo Pessoa, 25 de abril de 2007.

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    Professor Titular da Universidade de So Paulo, da Universidade Estadual de Campinas e daUniversidade do Sagrado Corao (Bauru - SP).3BRAUDEL, Fernand. O mediterrneo e o mundo mediterrnico. 2 v. So Paulo: Martins Fontes,1983 [1949].

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    desbordou as fronteiras da Frana e adquiriu significao mundial: uma forma defazer histria, um modelo de procedimento historiogrfico, que o prprio Braudele todo o seu grupo, especialmente Ernest Labrousse e Pierre Vilar, seus principaisescudeiros, tratavam de impor, utilizando, para tanto, todas as armas de quedispunham, o controle dos postos acadmicos na Universidade; a distribuio derecursos financeiros atravs das agncias de fomento pesquisa; a divulgaodos trabalhos atravs das revistas especializadas ou das publicaes editoriais.

    Nesse territrio, que poderamos denominar de Velha Histria, exclusivamentepor sua anterioridade em relao ao paradigma que a sucederia, poderia, numaformulao mais generalizante, ser considerada uma Histria essencialmenteeconmica e social. Seu objeto eram as macroabordagens, vastos sujeitos coletivoscuja percepo exigia a nfase no estrutural, nas linhas de fora capazes de dar

    vida a um determinado sistema, no caso, o sistema capitalista em formao. Suacompreenso exigia um esforo de anlise, de reflexo sistemtica e crtica

    permanente que, no obstante, para ser inteligvel, compreensiva aos homens dopresente, precisava ser reduzida a conceitos, capazes de dar aos historiadoresuma capacidade operacional, reducionismo consciente, mas necessrio,considerando-se a vastido dos objetos reconhecidos como dotados de dignidadehistoriogrfica. O fechamento da reflexo em um nmero finito de conceitosencerrava o procedimento e apontava, necessariamente, numa determinada direo,pois todas as opes no realizadas, vencidas, foram sendo deixadas para trs,consubstanciando a idia de um determinado sentido, que no se inscreverapreviamente na mente do historiador, mas que se instala como a nica opopossvel no momento em que o processo se delineia e consuma. A escala de tempo,nestes termos, tem que ser alongada. O tempo a mdia durao, uma escala detempo que media entre os 30 e os 50 anos, tempo crtico para a percepo histricana medida em que se instala entre a fugacidade do tempo curto e a longevidade dadurao secular. Inevitavelmente, as mdias duraes delineiam hegemonias declasse, considerando-se sua viso de mundo, sua ideologia, um elementofundamental na compreenso do jogo do poder que, nestes termos, faz girar toda aroda da Histria. Se reconhecermos que h uma relao necessria entre todas asexpresses escandidas, que elas dialogam entre si formando um todo harmnico, inegvel que exista uma razorecndita que as atravessa, uma inquestionvel

    razo histrica.O segundo territrio historiogrfico cria-se por oposio ao primeiro. o fruto

    de uma nova gerao de historiadores, em sua grande maioria gestados nasentranhas dos grandes mestres do primeiro movimento. A obra-smbolo , semdvida,Montaillou, publicada em 1975, escrita por Le Roy Ladurie4, cuja tese dedoutoramento sobre a histria do clima5havia sido dirigida por Ernest Labrousse.Cumpre exemplarmente os novos paradigmas historiogrficos que haviam sidoanunciados no lanamento da Bibliotques des histoires e, mais objetivamente

    4

    LE ROY LADURIE, Emmanuel.Montaillou:ctaros e catlicos numa aldeia occitana, 1294-1324.Lisboa: Edies 70, 2000 [1975].5LE ROY LADURIE, Emmanuel.Histoire humaine et compare du climat:Canicules et glaciers XIIIe-XVIIIesicles. Paris: Fayard, 2004.

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    ainda, no livro-bblia do novo movimento que Faire de lhistoire6. Nascia aquiuma nova histria, essencialmente cultural, que se aproximava muito mais da

    Antropologia e da Literatura. Utilizava-se de fontes at ento consideradassecundrias, a exemplo dos repertrios inquisitoriais, deles extraindo uma novahistria das mentalidades, que evoluiria para o estudo das representaes sociais.

    O resultado o surgimento de um novo olhar sobre e para a Histria. Osmicrorrecortesganham estatuto e objetos banalizados so revalorizados. Opontual,o contingente, a filigrana ganham realce e assumem a rebalta. A reduo dos objetoscomporta a descriodetalhada, no qualquer descrio, mas aquela que fossecapaz de recriar esteticamente o passado, o que passa a exigir dos historiadores otalento dos grandes escritores, o domnio da erudio, o estilo. As abordagensnarrativasretornam e as fontes literrias so revisitadas, uma revanche da histriaevenementielle com roupagens novas, agasalhadas por um renovado conjuntoparadigmtico. Smbolos, signos e mitos passam a ter lugar de destaque nesta

    narrativa rejuvenecida, formas atravs das quais se expressam as representaessociais, o que obrigava o historiador a recorrer a um entrecruzamento entre otempo curtoe o tempo longo, o engastalhamento do tempo curto da descrio ouda narrao no tempo longo estrutural indispensvel apreenso dasrepresentaes sociais inscritas nos imaginrios culturais. Uma Histria instaladamais ao nvel da sensibilidadedo que da inteligibilidade, um troisime niveauincalculvel para uma parcela significativa da comunidade de historiadores.

    Postos frente frente, os pares de oposies conceituais referidos nos remetem,ao mesmo tempo, aos limites do necessrio dilogo entre memria e histria. Se

    pensarmos como Maurice Halbwachs7

    , que do lado da memria est tudo queflutua, o mltiplo, o sagrado, o mgico, a imagem, e que do lado da histria sealinha o laicizante, o problemtico, o crtico e o conceitual, seria quase inevitvelafirmar que o primeiro conjunto paradigmtico est mais do lado da histria e queo segundo remete memria, ou, como quer Paul Ricoeur8, de um lado a fidelidadeda memria e, de outro, a verdade da histria.

    Presente e Passado

    A urdidura do tecido histrico se faz a partir dos impulsos do presente. opresente, em sua fugacidade incontrolvel que, num timo de tempo, torna opresente em passado, ao mesmo tempo em que ilumina-obscurece, silencia-exalta,congela-reaquece, mas tambm oblitera o lugar de onde se fala, transformandopermanentemente o passado sob os influxos do presente, uma vez que as trajetrias

    pessoais e coletivas so incessantemente repostas9. Cria-se um tecido imaginrio,

    6LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre.Faire de lhistoire. 3 v. Paris: Gallimard, 1974. A divulgao danova doutrina histrica ficou por conta doDicionaire de lNouvelle Histoire(Paris: ditions Retz,1978).

    7HALBWACHS, Maurice.Les cadres sociaux de la memire. Paris: Albin Michel, 1994.8RICOEUR, Paul.La memire, lhistoire, loubli. Paris: Le Seuil, 2000, p. I.9ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Prismas da Memria: Emigrao e Desenraizamento.Revista do CEPFAM, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, v. 4, 1998, p. 18.

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    por fora do sujeito que lembra e significa o que foi previamente significado, numprocesso de ressignificao permanente que consti tui o prprio tecido doimaginrio10. O presente destri o passado, dele se alimenta, mas prescinde desua experincia social concreta.

    O evento passado plenamente reorganizado e assimilado pelo presente,exprimindo, nesta seo, a busca de unificao do presente pelo evento pretrito,reduzindo o passado s suas expresses mnimas, apreensveis e validadas pelopresente11. Reversamente, as reconstrues memorialsticas do passado revelam otecido esgarado da sociedade que comemora, porque comporta discursos econtradiscursos, construes e desconstrues, que apontam para a dimenso fugazdo presente histrico e a validade das comemoraes como espaos criativos dereflexo histrica que enlaam, vigorosamente, a trplice temporalidade numaunidade de sentido. exatamente a pletora de possibilidades que permite a imensa

    variedade de apropriaes identitrias do passado:

    Nos exerccios de rememorao, a histria recordada esgara acronologia, desborda o espao, preenche as lacunas entre osacontecimentos, presentifica as ausncias. Por isso, apesar de a memriaensejar uma histria narrada, a reconstruo memorialstica no precisade matria, no sentido preciso de que ela fia a prpria substncia.12

    Presente e Futuro

    A interpenetrao passado e presente no se esgota em si mesmo. Ela inclui um

    horizon dattente, na formulao de Paul Ricoeur13, uma certa expectativa de futuroem que os atores histricos, sejam sujeito ou objeto das construes historiogrficas,esto inexoravelmente submetidos. Ao vivenciar o presente, fazem-no sob ainfluncia das luzes que se anunciam no porvir, a condio de quem se ope

    guetter laurore14 da Histria, reforando a noo de pluralidade temporal queinstitui um novo regime de historicidade15.

    Assumir es ta formulao pressupe incorporar a nova concepo detemporalidade, essencial compreenso dos fenmenos histricos, concepo essaque supera a clssica compartimentao passado, presente, futuro, que elegia o

    passado como tempo privilegiado da Histria; que recusava o presente como o

    10ARRUDA, Prismas..., p. 18.11CARDOSO, Irene. A comemorao possvel. Tempo Social, So Paulo, Universidade de SoPaulo, v. 10, n. 2, out. 1998, p. 11.

    12ARRUDA, Prismas..., p. 17.13Paul Ricoeur fala de um horizonte de expectativa, um regime de historicidade aberto em direoao futuro, face ausncia de projeto de nossa sociedade moderna. Cf. RICOEUR, Paul.Du texte laction. Paris: Le Seuil, 1986, p. 391.

    14

    Parfrase inspirada no livro de DELUMEAU, Jean. Guetter laurore:un christianisme pour demain.Paris: Bernard Grasset, 2003.15Cf. HARTOG, Franois.Rgimes dhistoricit:presentisme et expriences du temps. Paris: ditionsdu Seuil, 2003.

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    produto mais acabado da Histria, como sempre quis Wiltold Kula16. Pressupeassumir a noo de complexificao da temporalidade histrica, em que os temposse entrelaam, realizam uma dialgica temporal, uma dico transtemporal, umaleitura transtextual do tempo. Dialgica temporal essa j pensada por MartinHeidegger em 192617, para quem o homem o nico animal que sabe de suamorte, um ser que caminha para o haver sido, o que lhe d a percepo dopassado a partir do futuro, sendo a Histria nada mais do que a conscincia queos homens tm desta temporalidade, fazendo do presente uma permanenteantecipao do futuro, pois ele sabe, em cada caso, ser futuro18.

    Um tempo presente dilatado se faz s expensas do passado e do futuro, umtempo que, ao produzir sua prpria luminosidade, absorve o brilho do passado edo futuro, eclipsando o prprio tempo histrico, tornando-se o tempo da memria,da amnsia cotidiana, uma espcie de presente monstro, semelhana do quePierre Nora chamava de evento monstro, porque ele multiforme e multvoco,

    sendo ao mesmo tempo tudo e quase nada, por estar sujeito tirania do imediato19.Isto explica as formulaes aparentemente sem sentido sobre a natureza do tempoao se falar de um futuro do passado; um passado que no passou; o futurocomo um presente que se alargou; o presente como passado do futuro. Se paraHannah Arendt o presente surgia como uma brecha entre o passado e o futuro,preferiu-se consider-lo uma cristalizao do passado e do futuro, uma articulaotemporal que valoriza o papel do presente, um presente recomposto, adensado, otempo da historicidade sobre o qual se deve debruar o historiador, atento suapluralidade, isto , multiplicidade de temporalidades do presente permeado por

    variadas fontes discursivas, sem perder de vista os perigos de sucumbir aopresentismo.

    Historiografia e Cultura Histrica

    A realizao efetiva da reflexo historiogrfica torna imprescindvel a distinoentre a historiografia, entendida na sua primeira acepo, isto , a arte de produzirobras histricas, e a historiografia, na sua dimenso mais refinada que a de seruma anlise crtica das obras de histria produzidas pelos historiadores e dosprprios historiadores em sua imerso histrica. Vale dizer, pensar as obras queso produzidas no em si mesmas, nos objetos sobre os quais se debruaram, mas

    naquilo que so capazes de expressar o entorno problematizado das mltiplastemporalidades que nela se entrecruzam, expondo o tempo a partir de que falam

    16Si las fuentes histricas son todos os vestigios del pasado, toda la obra de los tempos pretritos,el ms importante de los vestigios, la ms importante de las obras, es la realidad que nos rodea. Lams grande, la ms rica, la menos aprovechada de las fuentes histricas. KULA, Witold.Problemasy mtodos de la historia econmica. Barcelona: Ediciones Pennsula, 1973, p. 594.

    17 Cf. HEIDEGGER, Martin. El concepto de tiempo. Madri: Trotta, 1999, p. 28-29 (Confernciapublicada na Alemanha em 1926).

    18Cf. KOSELLECK, Reinhart.Futuro passado:contribuio semntica dos tempos histricos. Riode Janeiro: Contraponto/ Editora PUC-Rio, 2006 [1979].

    19Cf. HARTOG,Rgimes dhistoricit..., p. 217.

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    seus atores e agentes, bem como os universos sociais, a ambientao cultural e asmotivaes dos seus construtores.

    A pergunta que subjaz a estas constataes a explicao do porqu a expressohistoriografia adquiriu tal visibilidade20, a ponto de seus cultores para ela

    reivindicarem um lugar prprio entre as disciplinas das Cincias Sociais.A primeira aproximao assumir que se a Histria , em sua acepo mais

    elevada, a memria crtica da experincia social da humanidade, a historiografiaacaba por ser a memria crtica da prpria Histria, sua chave de segurana querealiza, preferencialmente no longo do prazo, a avaliao do conhecimentoproduzido, apontando as fragilidades, expondo os excessos, exibindo as lacunas,denunciando as ideologias. Seu avultamento perante a prpria Histria umaespcie de catarse frente crise dos paradigmas das grandes narrativas, umesgotamento j anunciado por George Duby, em 198721. Crise de crescimento, detoda evidncia, tal a vitalidade da produo de obras histricas, disponvel emquantidade e velocidade jamais imaginada, viabilizada pelas modernas tecnologiasde informao, marca indelvel da sociedade em rede pensada por Castells22. Umapletora to intensa de informaes tolda o pensamento e refora o relativismo, aomesmo tempo em que pe diante de nossos talentos a necessidade de buscar novosparadigmas, somente alcanveis pela reflexo historiogrfica, que pe no centroda Histria sujeitos corpreos, seres que constituem e modificam classes,estruturas e sistemas23. Uma histria severa, crtica permanente de si mesma,transforma a historiografia em seu aparato controlador, sua conscinciapropriamente histrica, seu dieu cachet, que nos autoriza a resgatar a idia de um

    sentido para a Histria, descolada de seu corolrio teleolgico, tornado possvelpelo colapso das ideologias hegemonizantes e dos finalismos utpicos.

    De modo semelhante, a cultura histrica no se reduz a um exerccio diletantede erudio vazia, puro texto, puro discurso, pura literatura, pois remete ao objetocentral da Histria, que a produo de conhecimento.

    Somos, por esta via, relanados problemtica dos territrios historiogrficos,uma constelao conceitual que se delineia com nitidez. De um lado, as palavrasde ordem, vocbulos-sntese: macro, estrutural, anlise, reflexo, conceitos, sentido,mdia durao, ideologia, razo; de outro, micro, pontual, descrio, narrao,

    smbolos, representao, curta/ longa durao, imaginrio, sensibilidade. Serque ao invs de serem pares de oposies conceituais no poderiam transformar-se em pares de referncias dialogais em busca de um novo paradigma para areflexo historiogrfica em que a sntese histrica fosse ao mesmo tempo

    verticalizada e alargada? Somos experts em invocar a diversidade cultural e o

    20 ARRUDA, Jos Jobson de Andrade. Historiografia: a Histria da Histria do Brasil (1945-2005). Clio, Lisboa, Centro de Histria da Universidade de Lisboa, nova srie, v. 14-15, 2006, p.15-32.

    21Cf. DUBY, George.Magazine Littraire, n. 248, 1987.22Cf. CASTELLS, Manuel.A sociedade em rede. v. 1: a era da informao: economia, sociedade ecultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

    23Cf. ARSTEGUI, Julio.A pesquisa histrica:teoria e mtodo. Bauru: EDUSC, 2005.

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    reconhecimento do outro, mas nos recusamos a reconhecer o outrohistoriogrfico, alojado em correntes que no so a nossa. Transformamos nossasassociaes em redutos de defesa de nossas convices, espao de excluso doscontrrios, de absoluto apagamento do outro, antidialogais, uma verdadeira ordemdos historiadores defensora da corporao e das concepes hegemnicas nomomento, exatamente o oposto do que reivindicaram os historiadores franceses,ao se posicionarem contra as leis memoriais baixadas pelo governo francs,defendendo aLibert pour lhistoire24.

    Talvez seja esse o motivo para a sensao de sufocamento sentida por GeorgeDuby em 1987; para o mal-estar detectado por Pierre Nora em 2006, mas quetem, na reflexo de Franois Furet, de 199525, sua razo mais profunda: privadosde Deus, das utopias redentoras, despossudos da ilusria segurana da Cinciaque fazemos, vemos tremer sob nossos ps a divindade histrica.

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    Citado por Franois Dosse,Lhistoire et la guerre des memires, conferncia proferida no SeminrioHistria e Cultura Histrica, Universidade Federal da Paraba, Joo Pessoa, 24 abr. 2007, p. 4.25Cf. FURET, Franois. Le passe dune illusion:essai sur lide communiste au XXe sicle. Paris:Robert Laffont/ Calmann-Lvy, 1995, p. 808.

    RESUMOO texto discute a cultura histrica em umaperspectiva historiogrfica, tendo comoreferncia os vrios momentos de cristalizaohistoriogrfica, com a instaurao de linhasmestras interpretativas hegemnicas ehegemonizantes. Com a segunda metade dosculo 20 como recorte temporal, constata-se a emergncia de dois momentossubstanciais, caracterizados por conjuntos

    paradigmticos, que se traduzem em paresopostos conceituais, conjuntos esse que seinserem em territrios reflexivos diversos eformulaes conceituais especficas e que sofoco de reflexo para a discussoapresentada.Palavras-Chave: Cultura Histrica;Historiografia; Sculo XX.

    ABSTRACTThe paper discuss Historical culture in anhistoriographical perspective, taking asreferences various episodes of historiographicalcrystal l ization, with the building ofinterpretative master lines, hegemonic andhegemonizing. Focusing on 20thcentury secondhalf, two moments are shown, characterizedby paradigmatic groups, which are translatedon opposed conceptual pairs. These groups

    are inserted in different reflexive territories andspecific conceptual formulations that sustainsthe reflexive discussion presented.Keywords: Historical Culture;Historiography; 20thCentury.