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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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ARTE E EDUCAÇÃO: REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS
ANTIJUDAICAS
RUBIM, Sandra Regina Franchi (UEM)
OLIVEIRA, Terezinha (UEM)
Introdução
Nosso objetivo, neste trabalho, é analisar a linguagem imagética como expressão
da construção mental e social que fundamenta as práticas educativas e as identidades
humanas. Consideramos que uma das razões da História da Educação é entender o
processo educativo por meio das ações sociais. Por isso, destacamos que nossa
abordagem da linguagem imagética, nessa pesquisa, situa-se nos campos da História
Social e da História da Educação, os quais têm como uma de suas finalidades a
compreensão das origens das instituições, dos conteúdos e dos pensamentos que
permeiam a educação contemporânea. Com base em seus fundamentos, definimos nosso
olhar para as imagens como possibilidade de nos aproximarmos da compreensão que os
sujeitos têm ou tinham do seu tempo e espaço e das relações sociais que caracterizam
suas vidas. Nossa escolha pela linguagem imagética se justifica por crermos na sua
potencialidade de educar os homens e, em consequência, participar de forma
considerável no processo de formação social. Acreditamos que cada momento histórico
produz uma determinada forma de pensar, correlacionada à maneira como se constrói a
existência do ser humano. Assim, o discurso imagético, tal como outras linguagens
humanas, é construído nas relações sociais. Desse modo, podemos afirmar que, por
meio das imagens, constroem-se discursos cujos sentidos difundem-se com uma
intenção formativa para uma construção social (OLIVEIRA, 2008).
Buscamos, dessa forma, captar como os sujeitos realizam ou realizaram suas
ações, ou seja, como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade é
construída, pensada, dada a ler, como são as suas práticas educativas e quais são os
objetivos para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. Desse modo, poderemos
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retomar lições que nos ensinem a ser, antes de tudo, pessoas envolvidas com as questões
do nosso presente, com o bem viver coletivo. Pretendemos apresentar a linguagem
imagética em correlação com as construções sociais e educacionais, de forma a instigar
leitores e leitoras a refletir sobre a importância do tema para a atualidade, uma vez que
“[...] uma ciência nos parecerá sempre ter algo de incompleto se não nos ajudar, cedo ou
tarde a viver melhor” (BLOCH, 2001, p. 45).
Observamos que a imagem tem em si a probabilidade de transmitir a construção
de uma interpretação de certo acontecimento e, concomitantemente, a projeção de uma
intencionalidade daquele que faz o discurso. Podemos indicar que, em toda linguagem
há uma intenção de ensinar ou de aprender (OLIVEIRA, 2008).
Com foco nas manifestações artísticas como estruturas simbólicas, pretendemos,
então, investigar, ao longo da tese de Doutorado, o discurso eclesiástico e laico presente
na representação coletiva do antijudaísmo, nas esferas econômica, religiosa e
comportamental, durante a segunda fase da História da Inquisição na Espanha, no
período em que se delineava o processo social de mudança entre o medievo e a
modernidade.
Consideramos aqui, a reflexão de Cassirer (1994) sobre a linguagem simbólica.
Para ele o símbolo faz parte do mundo humano e se transforma de via de acesso do
mundo real para o mundo do pensamento. O homem não vive mais em um universo
meramente físico de fatos concretos, mas se percebe no meio de suas emoções
imaginárias, suas ilusões, fantasias e sonhos. O homem se cercou de formas linguísticas,
imagens artísticas, símbolos míticos, e não pode mais ver algo, exceto por intervenção
do meio artificial, do símbolo. Assim, selecionaremos do universo simbólico da
Espanha Moderna, algumas imagens de representação social dos judeus, impulsionadas
pela Igreja e pelo Estado Monárquico.
Nesses termos, entendendo as expressões artísticas como transposição das
necessidades e das aspirações dessa época, interessa-nos perceber a função educativa
que perpassa a veiculação dessas imagens e a possibilidade da construção de uma
representação social inferiorizada dos judeus, inimigos da Cristandade.
Destacamos, pois, nesse sentido, que o diálogo entre as fontes, a visual e a
escrita, será baseado, principalmente, na proposta de Panofsky (1979), em Significado
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nas artes visuais, Francastel (1993), em A Realidade Figurativa e na de Hegel (1996),
em Curso de estética: o belo na arte. Verificamos que, ao nos referirmos às imagens,
uma diversidade de possibilidades abre-se à nossa frente e, para compreendê-las, é
pertinente buscar uma formação adequada, já que, segundo esses teóricos, as imagens,
como uma das formas de expressão do homem, não podem ser desvinculadas do seu
contexto histórico e social.
Face ao exposto, afirmamos que nosso caminho consiste em um diálogo entre
fontes escritas e iconográficas, com base em uma abordagem social e cultural do tempo
histórico investigado e na relação entre cultura e sociedade. Dito de outro modo, é
importante considerar a relação das atitudes, valores e suas expressões ou manifestações
em textos, artefatos e imagens com as estruturas econômica, social e política, as quais
são identificadas como padrão das relações sociais características de um determinado
lugar e momento. É válido ressaltar a necessidade de se considerar a pluralidade e a
diversidade das ações humanas desse período, situando-as em um contexto mais amplo,
ou seja, nos campos social, simbólico e cultural1.
Por acreditar que o conceito de imagem como representação abarca uma série de
pressupostos e possibilidades, pretendemos também analisar a imagem como evidência
histórica do período de consolidação do pensamento antijudaico e do Estado Moderno
Absolutista Espanhol, o que nos auxiliaria a compreender as transformações que
ocorreram nesse momento. Nessa perspectiva, trabalharemos com a análise e
interpretação de imagens de representações antijudaicas, veiculadas no século XVI, em
um momento de consolidação do poder real dos Estados nacionais, no período moderno,
no qual se iniciou a segunda fase da história da Inquisição.
Temos, assim, como finalidade geral, nesta comunicação, abalizar a necessidade
de a Educação adentrar no campo das imagens. A maneira pela qual a arte se direciona
para a sensibilidade oportuniza a materialização das experiências reais, permitindo,
1 As estruturas do mundo social produzidas historicamente pelas práticas articuladas (políticas, econômicas, sociais, discursivas). Valemo-nos da definição de Chartier (2002), que, ao propor um conceito de cultura como prática social, buscou o pensamento de Geertz: “[...] o conceito de cultura [...] denota um padrão, transmitido historicamente, de significados corporizados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em forma simbólicas, por meio dais quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento e as atitudes perante a vida” (GEERTZ, 1973 apud CHARTIER, 2002, p. 67). A cultura compartilhada possibilita a sociabilidade nos agrupamentos humanos e oferece inteligibilidade aos comportamentos sociais.
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então, a abertura da sensibilidade para os fatos exteriores ao indivíduo. Nessas
condições, acreditamos que ler imagens possibilita a educação do indivíduo como
pessoa sensível.
Postulamos, enfim, que a contribuição das humanidades, não somente a da
Educação ou da História, mas também a da literatura, da poesia, das artes, é
indispensável para o processo de educação e humanização do homem.
Arte e Educação enquanto possibilidade de educação do homem: representações
simbólicas antijudaicas na Espanha Inquisicional
De acordo com Duby (1982) até o século XI havia apenas dois segmentos
sociais, ou seja, a sociedade bipartite: a dos que rezam e dos demais homens (povo). A
Igreja governava os homens soberanamente, pois, esses, enquanto, a Igreja respondia às
ações e relações humanas, a aceitavam como governante. Segundo Oliveira (2005), a
Igreja Católica, do início do século VI até meados do século XI, era a única instituição
capaz de governar a sociedade, pois, trazia em seu bojo o conhecimento do mundo
antigo e a essência do Cristianismo, nova doutrina que despontava. Até então, essas
duas condições legitimaram o governo da Igreja. Nesse contexto, a Igreja Católica foi
consolidando seu poder por meio da universalidade ritual, buscando unir as diversidades
religiosas locais sob seu jugo. Na Europa ocidental, por sobre um substrato de bases
pagãs, o produto da unidade ritual foi a solidificação da hegemonia do papado, ao qual
se submeteram os cleros locais. Este momento, palco de inúmeras tensões em razão das
invasões normandas, majiares e árabes, havia uma necessidade política, de alicerçar
uma civilização europeia encurralada contra o Atlântico2. Importa, pois, destacar aqui,
que entre os séculos V e IX, os judeus viveram em paz na Europa ocidental. O Papa
Gregório I (590-604) adotou uma política de respeito ao não deixar atacar as sinagogas,
além de interpretar a morte de Cristo como uma culpa universal, antecipando-se ao
Concílio de Trento. Seguindo essa interpretação, o Império Franco de Carlos Magno e
Luiz, o Piedoso, mantiveram um posicionamento de tolerância em relação aos judeus.
2 Nesse momento, devido à expansão da civilização árabe e do islamismo, os reinos católicos estavam reduzidos a um pequeno espaço, sem condições de expansão.
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A partir do século XI, todavia, percebemos a delineação de um momento novo
na vida dos homens, um momento de consolidação do mundo feudal. Assistimos, então,
um processo de mudança significativa nas instituições medievais e nas relações sociais
como um todo. Surgem diferentes forças sociais capazes de responder pela sociedade:
os senhores feudais (século XI); as cidades e o comércio (séculos XII e XIII) e as
Universidades (século XIII). Segundo Le Goff (2007) a partir do século XII o mundo
medieval torna-se essencialmente urbano. É aí que aconteceram as principais misturas
de pessoas, que se firmaram novas instituições, que surgiram novos centros econômicos
e intelectuais. É no ambiente citadino que se dá o êxito da renovação do comércio e da
promoção dos mercadores; o êxito do saber, culminando no nascimento das
universidades, onde se elabora um novo saber, a escolástica. Também, nesse contexto,
surgem os frades das ordens mendicantes. Assim, esse ambiente singular, possibilita aos
homens um olhar distinto sobre suas vidas e relações.
Verifica-se, portanto, que o fortalecimento dos senhores feudais, representou
uma ameaça ao domínio clerical, pois, esses, gradativamente, passam a ter uma
expressiva influência na vida dos homens. Surge, assim, a possibilidade do poder
eclesiástico ser dividido com esse novo segmento social. Nesse cenário, à medida que,
os novos segmentos sociais se apresentam como capazes de governar a sociedade, o
poder da Igreja, como único, é alvo de indagações.
De acordo com Oliveira (2002), nesse contexto, entram em cena, as obras de
Santo Anselmo, expressando a luta da Igreja pela conservação do seu poder. A ele,
como um teórico da Igreja, é delegada a missão de provar a existência de Deus por meio
de argumentos racionais. Em seu texto Monológio considera a religião e as questões
humanas, sob a perspectiva da razão. Para ele, existe sempre uma razão que leva a algo,
portanto, divina, mas, há outro lado, isto é, a possibilidade dos homens alterarem a sua
realidade. Os homens percebem que a razão pode encaminhá-los para esse momento, de
surgimento de novas relações sociais e ressurgimento do comércio e das cidades. Santo
Anselmo reconhece a importância dessa força, por isso, a Igreja deve rever suas
formulações, pois, esta necessita identificar-se com as novas relações que estão sendo
formadas. Verifica-se uma nova configuração das relações sociais. Distinguir papéis na
sociedade torna-se importante. O desenvolvimento das estruturas sociais foi fundante
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para se esboçar uma multiplicidade de estilos de vida, instituições e ordens, umas de
caráter tendendo mais para o religioso e outras mais para o laico, durante o século XII.
A cidade criou, enfim, uma nova sociedade. É nesse contexto que será forjado um
cabedal teórico, artístico e prático considerável, os quais seriam apropriados por antigos
e novos personagens sociais. O homem medieval buscava respostas aos fenômenos que
o rodeava empenhando-se em mudanças não só nas artes, leis e regras, mas,
principalmente, na sua forma de pensar e estar no mundo.
Nesse período destacamos que os protestos contra a ordem social eram feitos de
forma a contestar também a ordem religiosa, não só porque a Igreja fazia parte de tal
ordem, mas principalmente porque, naquele momento, o conteúdo religioso era o limite
do discurso de protesto, quer para aceitar, quer para opor-se à ordem social estabelecida.
A própria leitura da Bíblia foi proibida pelo Papa Gregório IX em 1229, demonstrando
o caráter de dominação que a Igreja exercia, pois a Bíblia, sendo lida livremente pelos
fiéis, sem a mediação eclesiástica, poderia levar a interpretações subjetivas,
consideradas heréticas pela Igreja. Segundo Lopez (1993, p. 23), “[...] as heresias
religiosas representaram o nascimento das primeiras e importantes minorias dissidentes
do ocidente europeu”. Entretanto, as heresias não surgiram por oposição à religião
católica, mas dentro dela, tanto que os grupos tidos como heréticos, tais como os
valdenses, bogomilos, albigenses, pregavam o retorno da pobreza dos tempos do
cristianismo primitivo, criticando a opulência que a Igreja Católica havia adquirido,
assim como a venda de indulgências e a corrupção do alto clero.
Dessa forma, para combater essas dissidências, a Igreja organizou tribunais
inquisitoriais, para reprimir as heresias. Para isso, apropriou-se dos primeiros escritos
cristãos, como o evangelho de São João, os escritos de Santo Agostinho e São Jerônimo,
para justificar suas atitudes. Transformar as heresias em um insulto à fé foi a forma mais
eficaz de mantê-las à margem da sociedade. Torna-se válido destacar que
etimologicamente, a palavra heresia significa escolher, optar. Ao longo do período em
que a Igreja exerceu sua dominação, a palavra adquiriu outro sentido, tudo que
contrariava o pensamento eclesiástico era considerado herético.
Na passagem do século XII para o século XIII, a Igreja enfrentou a mais séria de
todas as heresias: os Albigenses. Até então, o combate aos heréticos tinha um caráter
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local, não sendo necessário haver uma uniformidade de critérios no tratamento do
problema. Com o surgimento dos Albigenses, a situação mudou, pois estes não ficaram
restritos a sua região de origem, no sul da França, mas sim se disseminaram pelas
demais regiões da Europa ocidental.
Nesse cenário, a Inquisição estava com suas bases lançadas, a partir da decisão
política de comprometer o Estado na repressão religiosa. É comum afirmar que o
surgimento da Inquisição esteja relacionado com o aparecimento dos albigenses e a
necessidade de destruí-los. Porém, Lopez (1993, p. 31) aponta para um fato que,
segundo o autor, passa despercebido aos estudiosos:
A heresia se disseminou na mesma época em que o papado assumiu o caráter de uma verdadeira monarquia absoluta, a primeira da Europa e munida de uma ideologia transnacional, considerando que a fé não tinha fronteiras [...] uma vez estruturado o sistema de dominação, a justiça torna-se um dos modos de exercer o poder e lhe garantir a continuidade. Foi precisamente quando a Igreja definiu seu perfil de Estado centralizado que surgiu a Inquisição.
Podemos concluir que esse excerto é uma constatação importante a se fazer, em
face da situação política da época, em que o poder do rei era dividido pelos feudos,
muito dispersos e fracos.
Em relação aos judeus foi a partir do século IX que a perseguição aos judeus se
reformulou na Europa ocidental, tomando um caráter mais intolerante que no passado.
A Igreja, desejosa de solidificar sua hegemonia pela unidade monolítica da fé, voltou a
mostrar o judeu como um inimigo do cristianismo, e contra ele canalizou os rancores e
histerias coletivas. A população perseguia tanto bruxas quanto judeus antes de a
Inquisição intervir, devido à ocorrência de manifestações de intolerância popular. Em
vista da perda de territórios aos mouros na Espanha e o norte da França para os
normandos, os judeus foram acusados de terem auxiliado os invasores. Isso se tornou
justificativa para o procedimento litúrgico da colafização, que consistia em toda a sexta-
feira santa esbofetear um judeu diante da catedral de Toulouse, em expiação à morte de
Cristo (LOPEZ, 1993).
Verificamos que, nesse contexto, com a pregação da primeira cruzada feita pelo
Papa Urbano II (1042-1099), que consistia na libertação da Terra Santa do poderio
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muçulmano, criou-se um fanatismo religioso que se alastrou pela Europa ocidental. No
bojo desse fato, surgiu também um fanatismo antijudaico3, levado pelos cruzados de
Rouen. Estes diziam que era necessário primeiro combater os infiéis que estavam dentro
da Europa. Nesse período, ocorreram massacres de judeus em Worms, Mainz, Colônia,
Treves, Ratisbona e Bamberg antes da primeira cruzada, em 1096, seguindo o mesmo
fato na segunda cruzada, em 1147. O fenômeno das Cruzadas fortaleceu o sentimento
de ódio aos judeus por parte das populações cristãs, reaparecendo, dentre outras, a
calúnia do assassinato ritual4, que então fora utilizado pelos cristãos contra os judeus.
Essas sublevações da ordem se tornaram tão frequentes que, durante o
pontificado de Gregório IX (1227-1241), Inocêncio IV (1243-1254), Gregório X (1271-
1276) e Clemente VI (1342-1352), foi condenada a perseguição antijudaica que se
disseminava pela Europa. No entanto, essa não era uma visão unânime dentro de Igreja:
Inocêncio III (1198 a 1216), como exemplo, culpava os judeus pela perda do Santo
Sepulcro, condenando-os à servidão perpétua e afirmando ser direito da Igreja dispor
dos seus bens (FONTETTE, 1989).
Desde então, operou-se a mudança para uma nova etapa, na qual o judeu,
considerado inicialmente um herético impenitente, é agora visto como um acirrado
inimigo do cristianismo. Assim, não podemos negar a manifestação de posicionamentos
prévios, de desejos insinuados ou ambições explícitas no discurso imagético. O discurso
clerical e laico expressava-se nas manifestações artísticas como estruturas simbólicas de
representação, como expressões de construções e análises sociais, que possibilitavam
aos indivíduos, grupos e segmentos sociais se moverem e se equilibrarem no meio
social em que estavam inseridos. Por isso, nossa análise imagética está amparada em
noções como a de imaginário e de representações coletivas5, as quais, como padrão
ordenado de significados diferentes, refletem a complexidade das dinâmicas sociais.
3 Segundo Fontette (1989), o termo semita se deve aplicar a línguas e não etnias. O autor comenta que o termo anti-semitismo é forjado durante o século XIX, adquirindo o caráter de preconceito étnico, o que não se aplica nesse momento histórico de que estamos tratando. Dessa forma, optamos pelo termo antijudaismo, que possui uma conotação religiosa, mais apropriada. 4 A acusação do assassinato ritual consistia na insinuação de que judeus seqüestravam uma criança cristã, depois a matavam e misturavam seu sangue com o pão ázimo da eucaristia. 5 Designamos como categorias mentais (imaginário) aquelas que, dotadas de alcance coletivo, transcendendo a experiência individual, correlacionam-se com a realidade vivida. Tendem a fornecer e estruturar padrões e modelos normativos aplicáveis à sociedade. Consideramos, pois, imaginário como o
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Difundiu-se assim, nesse contexto, inúmeras calúnias, como a de profanação da
hóstia e de envenenamento dos poços de água em conluio com os leprosos. Também a
epidemia de peste bubônica do século XIV foi atribuída a uma imaginária conspiração
de judeus, que teriam disseminado a peste contaminando os poços e as fontes de água.
Os judeus foram vistos como servidores do demônio, sendo massacrados por quase toda
Europa. Nem mesmo uma bula do papa Clemente VI, de setembro de 1348, explicando
que os judeus, assim como os cristãos, também morriam por causa da peste, e que, em
regiões onde nunca houve judeus, os cristãos morriam da mesma forma, foi capaz de
frear os massacres que se sucederam. Sendo de uma religião e grupo distintos, os judeus
eram recusados por não serem culturalmente semelhantes, haja vista que se
alimentavam de uma comida diferente, praticavam serviços religiosos distintos,
educavam suas crianças separadamente e tinham autonomia administrativa, fiscal e
judicial. As atitudes tradicionais e costumeiras dos judeus eram, portanto, consideradas
com suspeita. Práticas judaicas, como as de lavar as mãos depois de voltarem dos
cemitérios, de jogar um punhado de terra atrás de si depois do funeral, o ritual de
purificar fornos em preparação para a Páscoa judaica, eram avaliadas como magia. Os
judeus eram também conhecidos como médicos, e como tais eram temidos. O
envenenamento era uma acusação que pesava, com frequência, sobre os médicos judeus
(BETHENCOURT, 2000).
Verificamos também que, desde o século XIII, com a reabertura do
Mediterrâneo, o comércio de várias cidades europeias com o Oriente se intensificou e
tornou possível importantes transformações, a exemplo da formação de uma camada
burguesa enriquecida, que lutava por reconhecimento social. O comércio, comandado
pela burguesia, foi responsável pelo desenvolvimento urbano e por um novo modelo de
vida, cujas novas relações sociais aproximavam uns homens dos outros.
Na conjuntura da revolução comercial e, portanto, citadino, nasce e se
desenvolve uma cultura laica. Tanto os grupos sociais antigos quanto os novos tinham
necessidades, ainda que distintas, e ambicionavam conhecimentos de ordem prática e
conjunto de toda e qualquer construção mentalmente estruturada que se efetiva nas relações sociais, mediante a visão de mundo, que possibilita a apropriação do real. Esclarecemos, no entanto, que, devido à complexidade dessas abordagens, optaremos neste trabalho pelas representações coletivas.
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técnica. Por meio do dinheiro e do poder social e político, o mercador pode satisfazer
suas necessidades e concretizar seus desejos. Le Goff (1991) elenca as influências
consideráveis da burguesia mercantil nesse momento histórico peculiar: na escrita, no
cálculo, na geografia, nas línguas vulgares, na história, nos manuais de comércio, na
racionalização da existência humana, na arquitetura, na pintura, dentre outros. Sua
mentalidade racional, concreta, prática, levou-a a criar elementos de saber e meios de
expressão que lhe eram próprios.
A partir do século XV, com a expansão marítima e com o desenvolvimento do
comércio que amadureceu no seio da sociedade espanhola, surge uma classe média
cristã ávida por lucros, buscando ascender socialmente.
Segundo Novinsky (1999), nesse período, os judeus possuíam certa liberdade,
não sendo perseguidos na Espanha, como eram no resto da Europa. Cita como exemplo
que os bairros judeus – na Espanha chamados de aljamas – eram situados nas partes
mais belas das cidades. Desse modo, os judeus puderam desenvolver de forma
considerável suas potencialidades, atingindo postos de prestígio na política e na
economia, atuando como coletores de impostos do Estado. Foram, durante séculos,
médicos e conselheiros dos monarcas, atuando também em campos intelectuais, como
professores, escritores e filósofos. Por conseguinte, podemos intuir que os judeus
usufruíam de um nível de vida semelhante ao da aristocracia.
O embate entre a insipiente burguesia cristã e a já estabelecida judaica foi
impulsionado por instituições de poder, como a Igreja e os reis, que lançaram uma
intensiva propaganda antijudaica, sob o argumento de que os judeus roubaram as
posições que deviam pertencer aos cristãos. Os judeus, segundo o discurso da Igreja,
eram culpados por todos os males pelos quais passavam a nação. Apesar da tentativa da
Igreja de difundir essas ideias entre a população, não foi de início que os judeus
sofreram qualquer forma de perseguição, pois que eram vistos como parte integrante
daquela sociedade.
A partir do século XIV, principiaram o aumento das restrições às atividades
judaicas. Destaca-se aqui que a burguesia cristã que fortalecia poderia preencher, no
lugar dos judeus, a camada intermediária entre a massa popular e a nobreza. Por várias
regiões eclodiram revoltas antijudaicas. Em Sevilha, no ano de 1391, cerca de 4.000
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judeus foram mortos nas ruas. A Igreja tinha atingido seus propósitos, pois conseguira,
através do fanatismo, conclamar a população cristã a perseguir os judeus por quase toda
a Espanha, destruindo as mais importantes comunidades judaicas.
Observamos que, pelo fato de serem vítimas de perseguições em que eram
obrigados a saírem às pressas das localidades onde viviam, os judeus adquiriam
inúmeros bens móveis – joias, moedas, peles –, de fácil transporte. Assim, além das
extorsões que sofriam por parte dos senhores feudais, na medida em que estes careciam
de recursos financeiros, expulsavam os judeus de suas terras, confiscando todos os bens
que possuíam, permitindo o seu retorno gradual e nova acumulação por parte dos
judeus, para uma posterior extorsão (LOPEZ, 1993).
Daí decorre a aproximação destes com a prática da usura, que já era restringida
aos cristãos por uma lei canônica. O judeu fazia-se necessário para esse trabalho,
tornando-se um intermediário para nobres e prelados. É evidente que, mesmo tendo a
Igreja proibido a atuação de cristãos na usura, muitos deles adotaram tal prática. Nesse
sentido, a vinculação desse ofício aos judeus auxiliou para desviar a atenção da
população aos cristãos. Em suma, foi a própria sociedade cristã ocidental que legou ao
judeu o papel de usurário, pois o restringiu de participar das demais atividades
econômicas. O judeu viu na usura a única forma de enriquecimento para sobreviver
dentro de uma sociedade que o repelia de todas as profissões dignas da época.
Outro mecanismo de sobrevivência nesse momento adverso era os judeus, em
massa, procurarem voluntariamente o batismo. Novinski (1999) assinala que este fato
foi o único em toda a história dos judeus. Não há vestígios em outro momento, durante a
diáspora, em os judeus aceitaram a conversão em como ocorreu na Espanha. Diante das
vicissitudes, o homem luta, adapta-se, buscando um melhor uso das condições
oferecidas pelo seu meio social. Assim, escolheram converter-se a perder as posições
que tinham conquistado dentro da sociedade espanhola.
Sabe-se que no reinado de Isabel e Fernando, a partir de 1474, a Igreja
conseguiu exercer forte influência sobre os reis católicos em relação à perseguição aos
conversos. Fato explicado pela necessidade dos monarcas de manter o apoio ao clero e
da burguesia cristã para consolidar seu projeto de unificação da Espanha. Para tanto,
introduziram uma série de medidas restritivas contra judeus e conversos. Beneficiavam-
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se os burgueses cristãos, que então não tinham mais que preocupar-se com a
concorrência dos cristãos-novos, ao mesmo tempo em que revertiam-se os bens
confiscados para os cofres do Estado, podendo-se assim garantir aos monarcas fundos
para financiar as constantes investidas contras os reinos mulçumanos ainda existentes na
península (KAMEN, 1966).
Em 1478, Fernando e Isabel negociaram com o Papa Xisto IV (1471-1484) o
estabelecimento da Inquisição na Espanha. O argumento utilizado era a necessidade de
extirpar a heresia judaica e os conversos que a praticavam, acusados de contaminarem a
sociedade espanhola. Observamos que os estatutos de pureza de sangue impediam, os
descendentes de judeu e mouro até a sexta ou sétima geração, de pertencer a
corporações profissionais, de ingressar em universidades e exercer cargos oficiais nas
ordens religiosas e militares. Prova de que a discriminação tinha um caráter mais social
do que religioso foi o fato de a Igreja ter sido a última instituição a adotar os estatutos
de sangue. No entanto, na medida em que a burguesia cristã cresceu e tornou-se mais
forte, aumentou o conflito com a burguesia conversa. O clero instigou essa rivalidade,
reforçando o orgulho dos cristãos velhos, ao ressaltar sua pureza de sangue.
Verificaram-se, ainda no século XV momento de unificação da Espanha, graves
crises econômicas que assolavam seus reinos, originando guerras e misérias aos seus
povos. O processo de reconquista dos territórios sob o jugo mulçumano, bem como os
gastos dispendiosos da expansão territorial financiados pelos reis católicos, que
atingiram regiões do Mediterrâneo e, no final daquele século, chegariam à América,
podem ser apontadas como as principais causas das crises (RUCQUOI, 1995).
A Inquisição que foi realizada na Espanha ultrapassou enormemente a crueldade
e a intensidade da Inquisição papal da Idade Média. Apesar de ser autorizada pelo Papa,
era idealizada pelo rei, servindo como instrumento político para resolver problemas de
ordem social, política e econômica. A Inquisição serviu aos reis católicos para resolver
um problema social mascarado de problema religioso. As práticas inquisitoriais
utilizadas na Espanha Moderna, em muito, superavam as que ocorreram no período
medieval. Pode-se dizer que a forma como a Inquisição atuou na sua segunda fase foi
mais organizada e sistemática, unificando métodos de investigação e tortura, como
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também criando autos de fé, verdadeiros espetáculos organizados em praças públicas,
nos quais eram aplicadas as penas aos condenados pela Inquisição.
Mais uma vez, para desviar as atenções das verdadeiras razões da crise, se
utilizou o judeu como bode expiatório. Os conversos agora é que começaram a ser
perseguidos, pela visível ascensão social que conquistaram dentro da Espanha, pois
continuavam atuando nos altos postos do Estado como também despontavam no ramo
das artes e da medicina. Tornava-se imperativo a aristocracia de cristãos velhos,
restritos às atividades agrícolas, buscar mecanismos para vencer a concorrência dos
conversos. Com a nova ordem política e econômica que se estava delineando, os
aristocratas perceberam a importância das relações mercantis e, consequentemente,
financeiras, aquelas que sempre desprezaram (NOVINSKY, 1999).
A Inquisição serviu a tudo isso, como forma de sufocar todo pensamento que
contestasse os dogmas católicos, e assim reforçou a hegemonia da Igreja, conferindo a
ela um poder irrestrito. Embora, na Espanha do período moderno, a Inquisição tenha
servido aos interesses do Estado, a Igreja atuou ao seu lado, como impulsionadora
legítima da perseguição a judeus e conversos. Em 1492 os judeus foram definitivamente
expulsos da Espanha, e muitos seguiram para Portugal. Ao normatizar práticas e
comportamentos, a Inquisição procurava impedir certos desvios religiosos, as heresias.
Observamos, portanto, as relações entre arte e poder laico e clerical, já que a veiculação
das representações iconográficas destinava-se a divulgar a ideia de combate aos judeus,
vistos como pessoas inimigas de Deus e do Estado.
Nesse contexto, a linguagem imagética tornou-se um elemento significativo na
construção de justificativas, na projeção de interesses e objetivos coletivos, na criação
de necessidades e na modelagem de valores e condutas. A arte, por ser um discurso
menos formal, por apresentar uma linguagem menos codificada, por conter sinais
universais de rápida interpretação, configurou-se como um importante instrumento de
educação dos homens. Era necessário recorrer ao conjunto de crenças, fábulas, ritos,
cerimônias, que legaram a comunidade judaica relação intrínseca com o demônio, com
fins conspiratórios contra a cristandade. Segundo Fontette (1989) era natural que fossem
caracterizados da mesma forma, com chifres, orelhas de porco, barba de bode, rabo e
odor pestilento.
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Convém assinalar que o símbolo, o mito, a imagem pertencem à substância da
vida espiritual; pode-se ocultá-los, degradá-los, mas nunca se poderá erradicá-los. O
pensamento simbólico não é domínio exclusivo da criança, do poeta, mas é inerente ao
homem. Ele precede a linguagem e a razão discursiva. Eliade (1979, p. 171), “[...]
afirma que a função de um símbolo é justamente a de revelar uma realidade total,
inacessível aos outros meios de conhecimento [...]”. As imagens, os símbolos, os mitos
respondiam a uma necessidade e preenchiam uma função, condizente com o seu tempo.
Nesse momento, as letras, as artes e a religião educavam o povo no sentido de crer e
aceitar as representações judaicas desejadas pela Igreja, bem como pelo poder
monárquico que se efetivava. Assim, observando, por meio das imagens, a coexistência
entre antigas e novas formas de pensar, sentir e agir, podemos acompanhar a direção
que a educação também foi assumindo nessa época.
Isso certamente não exclui outro procedimento de leitura da imagem, que é o de
levar em conta as condições de produção, examinando quem é o autor, quais suas
vinculações institucionais, em que condições sociais a produziu. Nesses termos, o
estudo deverá ser realizado mediante a história social dessa linguagem imagética, o que
implica observar o momento histórico em que elas foram idealizadas, ou seja, o quadro
das condições econômicas, sociais e políticas da Europa do século XVI, em especial, a
situação da Espanha. Esse procedimento permite fazer uma leitura mais cuidadosa e
mais densa dos teóricos. Temos consciência de que, quando situamos um texto em seu
contexto histórico, ingressamos no próprio ato de interpretar.
Em suma, podemos constatar a possibilidade de entender como a mentalidade do
homem, que se constrói pelas produções intelectuais e influência do conhecimento
popular de cada período histórico, é refletida na produção artística. Nesse contexto, a
arte assume um papel quanto área do conhecimento humano fundamental no processo
de formação do homem.
Abalizamos, então, a necessidade de a Educação adentrar no campo das imagens
e das linguagens tecnológicas. Torna-se crucial humanizar os sentidos do homem e
desenvolver a sensibilidade humana, ampliando, assim, a dimensão da reflexão.
Acreditamos que esses requisitos podem ser desenvolvidos por meio da capacidade
reflexiva dos homens e do conhecimento. Sublinhamos que o conhecimento é um
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elemento fundante da formação humana. Isto é um desafio histórico posto a cada dia
para aqueles que trabalham e se preocupam com a Educação.
Considerações finais
Assinalamos que as investigações na Educação e nas Ciências Humanas que
percorrem o caminho da História geralmente apontam para uma compreensão da
totalidade dos acontecimentos, transformando, assim, o passado em objeto de
investigação. Isso contribui para que a função social da História da Educação, que é a de
promover reflexões sobre as práticas do presente, seja cumprida. Nesse sentido,
situando-nos no campo de investigação da História da Educação e analisando a
educação na história, aproximamos fontes primárias, autores clássicos e ideias
pedagógicas do período.
Verifica-se, contudo, que todo o conhecimento produzido implica e pressupõe
métodos e teorias, os quais, sendo igualmente produtos sociais e históricos, embasam o
processo e o resultado da construção do conhecimento científico. Inserida na esfera da
História da Educação, elegemos como nosso caminho metodológico as abordagens:
reflexão histórica, iconográfica e iconológica.
Nesse sentido, consideramos que o campo da cultura visual, quando estudado
sob a ótica da dinâmica das relações humanas e da transformação social, pode em muito
beneficiar o historiador da Educação e enriquecer o conhecimento que se pretende
construir. Assim, destacamos que a apreciação imagética como possibilidade de
expressão de construções e análises sociais, portanto educativa.
Enfim, enfatizamos o nosso entendimento de que a obra de arte como uma
unidade em que tanto a apreensão da realidade pelo artista quanto a sua representação
acolhem a vida em sua historicidade, desvendam elementos de suas múltiplas faces,
contradições, transformações e prática educativas.
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