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P: Daí advém que não se pode separar a arte da política? R: Exactamente. Estamos menos interessados na arte que comenta a política e os conflitos e mais interessados na arte que, por ela mesma, pelo efeito que ela produz em nós, nos move e transforma. Todos já tivemos experiências dessas na vida: ouvir uma música, ver uma coreografia, ver um filme ou um quadro, pode marcar-nos de uma maneira irremediável porque algo muda e algo se quebra. É nesse sentido que a arte é política. É menos uma arte sobre política e mais a ideia de uma política da arte. P: E a ideia/conceito de que a arte é um exercício experimental de liberdade? R: A arte é justamente aquele campo onde se inventa o que ainda não está dado como adquirido. Onde se fala daquilo que é conhecido para afirmar ou para criticar mas, como dizia o Mário Pedrosa, a arte é um exercício experimental: “é o exercício de fazer aquilo que não foi feito, de inventar aquilo que não é dado”. Na Bienal de São Paulo há esse espaço de experimentação e há uma ideia muito forte que, para mim, exemplifica isso: como quando Jean-Luc Godard diz que “a cultura é o âmbito da regra, onde somos moldados a agir e a comportar-nos de determinada maneira, onde aprendemos como nos vestir, comportar, comer, participar, a como se relacionar com o outro”. A arte é o campo da excepção, é o domínio que se contrapõe ao espaço da cultura, da regra. A arte é a excepção à regra, abre fissuras nas convenções culturais. Pela experimentação transforma aquilo que não cabia no campo da cultura e incorpora-o. Abrindo fissuras no campo fechado da cultura, amplia-o e transforma-o. A arte enquanto exercício experimental é a capacidade de fazer caber coisas no mundo que antes não cabiam, ampliando o que já existe e fazendo-nos ver coisas que não conseguíamos ver. P: Sobre os artistas escolhidos, 161 de várias partes do mundo, não se teve em conta a origem territorial como valor de selecção. Quais foram os critérios? R: Dentro dos limites do conhecimento da equipe curatorial, cada um conhece aquilo que a sua história permite conhecer. Eu sou brasileiro e acabo por não conhecer tão bem a arte indiana ou da Tailândia. Dada essa limitação de cada um dos membros da equipe curatorial, lançámos o nosso olhar, fizemos pesquisas e procurámos, independentemente de ser português, alemão ou nigeriano, escolher os artistas que mais nos interessavam. Os artistas que participarão na Bienal têm em comum o facto de terem trabalhos com essa dimensão política que estávamos à procura. São trabalhos que nos fazem ver o mundo de uma maneira diferente, mesmo quando não comentam conflitos. Alguns fazem-no e são experimentalistas, há outros que comentam conflitos e são absolutamente convencionais. E são os últimos que não nos interessam porque só fazem trabalho de propaganda. A nós interessem-nos trabalhos que dizem coisas que só podem ser ditas através da arte, os que reafirmam coisas já ditas de outra maneira não queremos, são dispensáveis.

Arte-política(Moarcir Dos Anjos)

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Arte e política Moacir dos Anjos

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P: Daí advém que não se pode separar a arte da política?

R: Exactamente. Estamos menos interessados na arte que comenta a política e os conflitos e mais interessados na arte que, por ela mesma, pelo efeito que ela produz em nós, nos move e transforma. Todos já tivemos experiências dessas na vida: ouvir uma música, ver uma coreografia, ver um filme ou um quadro, pode marcar-nos de uma maneira irremediável porque algo muda e algo se quebra. É nesse sentido que a arte é política. É menos uma arte sobre política e mais a ideia de uma política da arte.

P: E a ideia/conceito de que a arte é um exercício experimental de liberdade?

R: A arte é justamente aquele campo onde se inventa o que ainda não está dado como adquirido. Onde se fala daquilo que é conhecido para afirmar ou para criticar mas, como dizia o Mário Pedrosa, a arte é um exercício experimental: “é o exercício de fazer aquilo que não foi feito, de inventar aquilo que não é dado”. Na Bienal de São Paulo há esse espaço de experimentação e há uma ideia muito forte que, para mim, exemplifica isso: como quando Jean-Luc Godard diz que “a cultura é o âmbito da regra, onde somos moldados a agir e a comportar-nos de determinada maneira, onde aprendemos como nos vestir, comportar, comer, participar, a como se relacionar com o outro”.

A arte é o campo da excepção, é o domínio que se contrapõe ao espaço da cultura, da regra. A arte é a excepção à regra, abre fissuras nas convenções culturais. Pela experimentação transforma aquilo que não cabia no campo da cultura e incorpora-o. Abrindo fissuras no campo fechado da cultura, amplia-o e transforma-o. A arte enquanto exercício experimental é a capacidade de fazer caber coisas no mundo que antes não cabiam, ampliando o que já existe e fazendo-nos ver coisas que não conseguíamos ver.

P: Sobre os artistas escolhidos, 161 de várias partes do mundo, não se teve em conta a origem territorial como valor de selecção. Quais foram os critérios?

R: Dentro dos limites do conhecimento da equipe curatorial, cada um conhece aquilo que a sua história permite conhecer. Eu sou brasileiro e acabo por não conhecer tão bem a arte indiana ou da Tailândia. Dada essa limitação de cada um dos membros da equipe curatorial, lançámos o nosso olhar, fizemos pesquisas e procurámos, independentemente de ser português, alemão ou nigeriano, escolher os artistas que mais nos interessavam. Os artistas que participarão na Bienal têm em comum o facto de terem trabalhos com essa dimensão política que estávamos à procura. São trabalhos que nos fazem ver o mundo de uma maneira diferente, mesmo quando não comentam conflitos. Alguns fazem-no e são experimentalistas, há outros que comentam conflitos e são absolutamente convencionais. E são os últimos que não nos interessam porque só fazem trabalho de propaganda. A nós interessem-nos trabalhos que dizem coisas que só podem ser ditas através da arte, os que reafirmam coisas já ditas de outra maneira não queremos, são dispensáveis.