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VALLADARES, A. C. A.; CARVALHO, A. M. P. Arteterapia com crianças hospitalizadas: desenvolvimento e análise da pintura. In: Francisquetti, A. A. (Coord.). Arte Medicina. São Paulo: Médica Paulista, 2005. p. 119-129. ISBN: 85-993-0502-6. CAPÍTULO 8 Arteterapia com Crianças Hospitalizadas: Desenvolvimento e Análise da Pintura 1 Ana Cláudia Afonso Valladares 2 Ana Maria Pimenta Carvalho 3 Introdução Arteterapia é uma prática terapêutica que trabalha com a intersecção de vários saberes, como a educação, a saúde, a arte e a ciência, buscando resgatar a dimensão integral do homem (OSÓRIO, 1998). Conforme Valladares (2004), a arteterapia almeja a produção de imagens; a autonomia criativa; o desenvolvimento da comunicação; a valorização da subjetividade; a liberdade de expressão; o reconciliar de problemas emocionais, bem como a função catártica. Ademais, favorece a transformação da pessoa, identidade, comunidade, cultura, política, ecologia, espiritualidade etc (BERG, 1999). Assim, a arteterapia previne, bem como resgata a promoção à saúde (PHILIPPINI, 2004). Ademais, almeja a produção de imagens; a autonomia criativa; o desenvolvimento da comunicação; a valorização da subjetividade; a liberdade de expressão; o reconciliar de problemas emocionais, bem como a função catártica Philippini (2004) acrescenta que na arteterapia são trabalhadas várias modalidades expressivas, que apresentam propriedades terapêuticas inerentes e específicas, e cabe ao 1 Pesquisa inserida no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Integral da Faculdade de Enfermagem/ Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG). 2 Arteterapeuta, Artista Plástica e Enfermeira Pediátrica. Professora Assistente da FEN/UFG. Doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected] 3 Psicóloga. Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP

Arteterapia com crianças hospitalizadas: desenvolvimento e análise da pintura

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Material enviado ao Portal Banco Cultural pela Profª Ana Cláudia Afonso Valladares (FEN-UFG) - Coordenadora do Conselho Editorial da Revista Científica de Arteterapia Cores da Vida e presidente da Associação Brasil Central de Arteterapia (ABCA)

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VALLADARES, A. C. A.; CARVALHO, A. M. P. Arteterapia com crianças hospitalizadas: desenvolvimento e análise da pintura. In: Francisquetti, A. A. (Coord.). Arte Medicina. São Paulo: Médica Paulista, 2005. p. 119-129. ISBN: 85-993-0502-6.

CAPÍTULO 8

Arteterapia com Crianças Hospitalizadas: Desenvolvimento e Análise

da Pintura1

Ana Cláudia Afonso Valladares2

Ana Maria Pimenta Carvalho3

Introdução

Arteterapia é uma prática terapêutica que trabalha com a intersecção de vários

saberes, como a educação, a saúde, a arte e a ciência, buscando resgatar a dimensão

integral do homem (OSÓRIO, 1998). Conforme Valladares (2004), a arteterapia almeja

a produção de imagens; a autonomia criativa; o desenvolvimento da comunicação; a

valorização da subjetividade; a liberdade de expressão; o reconciliar de problemas

emocionais, bem como a função catártica. Ademais, favorece a transformação da

pessoa, identidade, comunidade, cultura, política, ecologia, espiritualidade etc (BERG,

1999). Assim, a arteterapia previne, bem como resgata a promoção à saúde

(PHILIPPINI, 2004). Ademais, almeja a produção de imagens; a autonomia criativa; o

desenvolvimento da comunicação; a valorização da subjetividade; a liberdade de

expressão; o reconciliar de problemas emocionais, bem como a função catártica

Philippini (2004) acrescenta que na arteterapia são trabalhadas várias modalidades

expressivas, que apresentam propriedades terapêuticas inerentes e específicas, e cabe ao

1 Pesquisa inserida no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Integral da Faculdade de Enfermagem/ Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG). 2 Arteterapeuta, Artista Plástica e Enfermeira Pediátrica. Professora Assistente da FEN/UFG. Doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected] 3 Psicóloga. Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP

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arteterapeuta construir um repertório de informações relativas a cada uma, com o intuito

de adequar as modalidades expressivas e materiais aos quadros clínicos atendidos.

A pintura, uma das modalidades expressivas da arteterapia, é compreendida por

Francisquetti (1992) como uma atividade de caráter lúdico. Na criança, ela produz

imensa satisfação, sobretudo em razão da sensação de movimento do corpo e da

percepção dos efeitos gráficos produzidos, que lhe proporcionam ampla liberdade para

expressar sentimentos e idéias através de formas, cores e texturas, favorecendo seu

envolvimento emocional.

Conseqüentemente, como exposto por Valladares et al. (2002), a pintura na

arteterapia consegue resgatar os aspectos mais saudáveis da personalidade. Segundo

Oaklander (1980, p.62), “a pintura possui um valor terapêutico especial e quando a

pintura flui amiúde o mesmo ocorre com a emoção”. Isto porque a fluidez da tinta e sua

função liberadora induzem o movimento de soltura, de expansão, trabalhando o

relaxamento dos mecanismos defensivos de controle, uma vez que as cores quentes

(amarelo, vermelho) ativas e dinâmicas aceleram o metabolismo, enquanto que as cores

frias (verde, azul), com sua característica balsâmica, acalmam a pessoa

(VALLADARES, 2001).

A pintura propicia a criação de representações bidimensionais, pelas

possibilidades que a tinta oferece, como: pastosidade; facilidade de ser misturada;

formando novas cores; a marca da pincelada; a cobertura rápida de planos; a mancha etc

(PILLAR, 1990).

A técnica da pintura, para Pain & Jarreau (2001), apresenta, no mínimo, três

obstáculos: o limite das superfícies, o limite da valorização das tonalidades e o das

cores. A pintura espontânea, largamente utilizada em arteterapia, oferece a possibilidade

de harmonia, constituindo-se num canal através do qual se expressa parte da consciência

adormecida, esquecida: a imaginação, a intuição e a criatividade.

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Para Pillar (1990), o que diferencia a pintura do desenho é que, na pintura, a cor se

torna elemento fundamental de construção do espaço – de construção analítica de um

espaço que é essencialmente cor – não se limitando aos objetos, pois ela invade os

espaços entre eles. A cor é um meio de conhecimento que transforma o real e expressa

uma visão particular do mundo. No desenho, a linha que é o elemento principal na

construção do espaço visa à precisão da forma.

A experiência de Silveira (1981) com doentes mentais demonstra que estes podem

utilizar a pintura como um instrumento para reorganizar sua ordem interna e, ao mesmo

tempo, reconstruir sua realidade.

Acredita-se, assim, que a pintura arteterapêutica tenha um grande valor para

crianças que se encontram doentes e principalmente as internadas e conseqüentemente

submetidas a tratamentos invasivos (VALLADARES, 2000/2001), porque ela pode

resgatar um lado mais lúdico e saudável das crianças internadas, se puderem utilizar

materiais, como: cola colorida, aquarela, guache, tinta acrílica, tinta PVA, têmpera, tinta

a óleo, tinta vinílica e terra (água e cola), além de suportes diversos: papéis, tecidos e

madeira, entre outros.

Por certo, ainda como tratamento das enfermidades, além dos medicamentosos

específicos, devem-se incluir mudanças nos hábitos de vida da criança, como: escolha

de uma alimentação saudável, prática de atividade física adequada, reposição do sono e

do repouso, convivência com um trabalho menos estressante, mas, especialmente,

manter a liberdade de expressão das suas emoções.

A arteterapia pode oferecer à criança oportunidades que a levem a lidar melhor

com as situações desfavoráveis, facilitando sua adaptação às rotinas hospitalares,

estimulando seu desenvolvimento saudável e restabelecendo o equilíbrio emocional.

Estudos (VIEGAS, 1997; FRANÇANI et al., 1998; ALVES & MORAIS, 2001;

VALLADARES, 2001; VITORIANO, 2001, entre outros) mostram que, quando se

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obtém sucesso efetivo no tratamento hospitalar de crianças através da expressão lúdica,

previnem-se complicações e diminuem-se significativamente os efeitos negativos da

hospitalização, tais como dor, sofrimento e tempo de internação, além de melhorar sua

qualidade de vida.

No caso das crianças, o adoecimento favorece alterações na sua vida como um

todo, que podem, muitas vezes, desequilibrar seu organismo interna e externamente, o

qual, em conseqüência disso, poderá bloquear seu processo de desenvolvimento

saudável, especialmente se a doença for longa e duradoura (WHALEY & WONG,

1989; ANGERAMI-CAMON, 2002; DIAS et al., 2003).

O desenvolvimento infantil é um processo complexo que envolve as diferenças

individuais e as específicas de cada período, como mudanças nas características, nos

comportamentos, nas possibilidades e nas limitações de cada fase da vida,

indistintamente. A singularidade das crianças lhes é conferida por influências de seu

ritmo próprio de desenvolvimento e por características pessoais que as diferenciam das

demais (WHALEY & WONG, 1989).

Conforme Sigaud & Veríssimo (1996), o período que compreende dos sete aos dez

anos de idade, objeto de estudo deste trabalho, e que se convencionou chamar de

período escolar, é decisivo para a estruturação harmoniosa do indivíduo. Nesta etapa,

ocorrem transformações significativas nos aspectos cognitivos, socioemocionais e da

comunicação plástica, pois é quando o raciocínio da criança apresenta-se mais lógico,

compreendendo melhor os fatos (WHALEY & WONG, 1989); ademais, é nessa fase

que amplia suas relações e distancia-se do convívio familiar, movendo-se em direção ao

contexto social e aos grupos de pares, quando passa a ser menos egocêntrica (SIGAUD

& VERÍSSIMO, 1996).

Nessa fase, a criança inicia a estruturação e integração dos seus pensamentos em

um sistema coerente, a interpretação e organização de suas atuais percepções vinculada

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a suas experiências passadas, e a coordenação de seus conceitos concretos em

totalidades mais complexas denominadas operações cognitivas (CHESS & HASSIBI,

1982).

Para Whaley & Wong (1989), nesse período a criança tem, então, aumentada sua

capacidade de projetar, imaginar, simular, conseguindo em graus de complexidade

maior ou menor: justapor, congregar, sobrepor, abstrair, multiplicar, encaixar,

preencher, anular, adicionar, associar, repartir, dividir, geometrizar, retirar.

Seu vocabulário continua se ampliando e sua linguagem ganha mais coerência,

clareza e comunicabilidade e já aceita melhor as regras de estruturação e funcionamento

da linguagem. O grupo é cada vez mais importante para o escolar que se distancia,

paulatinamente, do egocentrismo característico da fase anterior. A representação da

realidade para ele tende a ser sempre mais concreta, porém perde-se na fantasia e ganha

na estruturação (WHALEY & WONG, 1989). Em relação ao crescimento progressivo

da arte infantil, este segue seu percurso paralelo ao desenvolvimento geral da criança.

Diante o exposto, as autoras deste trabalho visando ao desenvolvimento da pintura

no contexto da arteterapia, dentro da instituição hospitalar pediátrica, tiveram como

objetivo avaliar as fases da aprendizagem da pintura, antes e após intervenção da

arteterapia, de crianças com idade entre sete e dez anos, internadas devido a moléstias

infecciosas.

Método

a) Tipologia: trabalhou-se com a abordagem quantitativa, com delineamento quasi-

experimental.

b) Amostra e local: caracterizada por vinte crianças internadas no hospital HDT de

Goiânia - Goiás, que formaram dois grupos de dez pacientes, sendo um experimental

(que passou por intervenções de arteterapia) e outro controle (que não passou por

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intervenções de arteterapia). Os grupos foram constituídos por crianças de ambos os

sexos, com idade entre sete anos e sete meses a dez anos e onze meses.

c) Procedimentos: este estudo é parte da dissertação da autora principal, intitulada:

“Arteterapia com crianças hospitalizadas” (VALLADARES, 2003), que foi aprovado

pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do HDT. Os

pesquisadores consultaram as crianças e seus responsáveis quanto ao desejo de

participarem do mesmo, e, a seguir, solicitaram a estes últimos que assinaram o Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme as normas de pesquisa com seres

humanos – Resolução nº196/96 (BRASIL, 1996).

As autoras submeteram as pinturas das crianças à análise individual, durante as

avaliações iniciais (antes do processo arteterapêutico) e finais (após as intervenções de

arteterapia), seguindo uma temática padronizada. Assim, para realizar as avaliações

(inicial e final), propuseram a confecção de uma pintura que representasse a figura

humana em uma contextualização, forma e quantidade livres. E à medida em que

construíram esse trabalho artístico, as crianças eram observadas quanto ao seu

desenvolvimento e produção da pintura.

Dentre os materiais utilizados, estavam guache, cola colorida, pincel, papel branco

em tamanho A1 ou menor (preferência da criança) e materiais de limpeza, como: trapos,

papel toalha, água, entre outros.

Os instrumentos empregados para análise dos dados foram: Fases da

Aprendizagem de Pintura - modelo de Reily (1986) e o Roteiro para Avaliação da

Pintura - modelo de Dondis adaptado por Valladares (2003). Nas fases da

Aprendizagem de Pintura, observou-se o desenvolvimento da pintura da criança,

avaliando-se os seguintes itens: se a criança segurava o pincel corretamente; a

localização da pintura no papel; se pintava uma cor sobre a outra ou não; se mantinha as

cores originais ou as misturava; se lavava ou não o pincel; se começava a representar

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figuras. No que diz respeito ao Roteiro para Avaliação da Produção, avaliou-se a

qualidade da pintura da criança com base num modelo com parâmetros

preestabelecidos, quais sejam: variedade de elementos, cor, configuração das imagens,

criatividade, simetria, regularidade, complexidade, unidade, equilíbrio, atividade,

exatidão e profundidade.

Após a elaboração destes instrumentos, as pesquisadoras os submeteram ao

julgamento de juízes que emitiram pareceres a respeito dos mesmos. Em seguida,

fizeram as correções convenientes e realizaram o teste piloto com vistas à verificação da

sua operacionalidade. Para tanto, contaram com a observação de um auxiliar de

pesquisa, profissional da área ou de áreas afins, que passou por um treinamento prévio e

compartilhou as avaliações com a arteterapeuta.

As intervenções de arteterapia desenvolveram-se em sete sessões de

acompanhamento individual, durante três dias e meio consecutivos, com duração

variada de uma a três horas e meia cada. Durante as intervenções, trabalharam-se várias

modalidades de arte, apoiadas às necessidades da criança, visando favorecer a conduta

focal e imediata, reforçando, assim, o vínculo. As intervenções de arteterapia

consistiram de técnicas lúdicas e de atividades artísticas, com condução espontânea das

dinâmicas, a fim de favorecer a exteriorização da subjetividade das crianças que, no

decorrer das sessões, utilizaram materiais de desenho, pintura, colagem e recorte,

modelagem, construção, gravura, origami, teatro, brinquedos, jogos, livros de histórias e

escrita criativa.

d) Análise dos dados: para análise comparativa, aplicou-se o teste T de Wilcoxon

(SIEGEL, 1975) para as duas amostras dependentes, cujos protocolos de avaliação

continham pontuações relativas à qualidade dos desempenhos. Quanto aos

desempenhos, a estes atribuíram-se níveis de gradação de pontos na ordem crescente,

isto é, do nível inferior para o superior de qualidade.

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Resultados e Discussão

O Quadro 1 exibe os resultados obtidos nas avaliações inicial e final, na

comparação entre os dois grupos, A (experimental) e B (controle), quanto à modalidade

e qualidade da pintura.

QUADRO 1 – Comparação* intragrupo dos escores obtidos nas avaliações inicial e final, com relação ao desenvolvimento e produção qualitativa da pintura infantil, Goiânia – 2003.

Modalidades da Pintura GA GB

Desenvolvimento AI < AF1 AI = AF

Produção Qualitativa AI < AF2 AI = AF

*Teste T de Wilcoxon (Siegel, 1975) 1 p < 0,05 2 p < 0,01 GA (Grupo A - experimental): n = 10 GB (Grupo B – controle): n = 10 AI: avaliação inicial (antes das intervenções de arteterapia) AF: avaliação final (após as intervenções de arteterapia)

No que se referem às fases de desenvolvimento da pintura, o grupo A

(experimental) registrou progresso, demonstrando na avaliação final diferenças

estatisticamente superiores às apresentadas na avaliação inicial, sobretudo porque, nesta

última, o desenvolvimento oscilou entre só segurar o pincel corretamente e a mudança

de cor por iniciativa própria; já na avaliação final, a maior parte dos sujeitos se manteve

na mudança de cor, nível mais apropriado para a idade (Fig. 1 e 2).

Quanto ao grupo B (controle), este não mostrou modificações estatisticamente

significativas nos dois momentos de avaliações (inicial e final), especialmente por ter

mantido estáveis os níveis de desenvolvimento (Fig. 3 e 4).

Como dado complementar aos resultados desta pesquisa, Campos (1999)

considera que a arteterapia desenvolve a capacidade motora e os gestos, além de ajudar

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a ativar a capacidade cognitiva, propiciando à criança uma nova forma de

aprendizagem.

A arteterapia possibilita um processo de desenvolvimento contínuo, sempre

influenciado pelas ocorrências do meio, além de ser um estímulo do próprio meio que

oferece oportunidades para que o desenvolvimento se concretize. Algumas crianças,

quando não estimuladas pelo meio, podem apresentar bloqueio em uma ou mais áreas

do desenvolvimento e, muitas vezes, estas dificuldades acabam gerando prejuízos ao

seu desenvolvimento global.

No que se refere à produção qualitativa da pintura, o grupo A (experimental)

apresentou progresso, uma vez que seus resultados na avaliação final foram superiores

aos da inicial, sobretudo nos aspectos relacionados à policromia, criatividade e atividade

dos trabalhos (Fig. 1 e 2).

Quanto ao grupo B (controle), este não mostrou modificação significativa nos dois

momentos das avaliações (inicial e final), especialmente pela estabilidade apresentada

na configuração e exatidão das imagens, criatividade, simetria, regularidade, unidade,

equilíbrio e atividade (Fig. 3 e 4).

No tocante aos resultados anteriores, presume-se que o grupo A (experimental),

após as intervenções de arteterapia, apresentou progresso, porque na avaliação final as

crianças mostraram desempenho superior ao da avaliação inicial. Quanto ao grupo B

(controle), este não mostrou modificação significativa nos dois momentos das

avaliações (inicial e final).

Segundo Pain & Jarreau (2001), as cores são fundamentais no processo de

arteterapia, pois elas possuem um código subjetivo com ressonâncias e associações às

experiências vividas. Assim, a constância das manifestações entre cores e os afetos,

entre as sensações de cores e as produzidas por outros sentidos, como também entre o

investimento dos objetos e a marca colorida permitem decifrar o que os sujeitos

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exprimem, pois a cor nada mais é que um signo rico com diferentes significados

embutidos.

Golineli (2002) argumenta que a arteterapia contribui para estimular a

criatividade, porque se vale, em sua aplicação e método, de variadas formas e

expressões, fazendo florescer as potencialidades criativas e latentes dos indivíduos.

Conforme as afirmações de Pain & Jarreau (2001), o sujeito tem a tendência de

projetar seu próprio corpo sobre a imagem que ele mesmo produz. Assim, do mesmo

modo que as motivações emocionais provocam rigidez no indivíduo, as imagens se

traduzem em ausência de movimento. Os autores continuam esclarecendo que o

procedimento arteterapêutico consiste em despertar no indivíduo o desejo vital do gesto,

em fazê-lo sentir fortemente esse desejo no próprio corpo e em encorajá-lo a buscar nos

meios plásticos a tradução de suas vivências sensório-motoras em imagens.

Rizzo (2000) esclarece que a pintura propicia o conhecimento e o domínio das

próprias mãos, e ainda o estímulo à percepção de espaço, de tamanho, de quantidade, de

movimento e de cor.

As crianças que se submetem a intervenções de arteterapia são autônomas,

criativas e dinâmicas e essas qualidades provocam mudanças que se reproduzirão tanto

nas suas vidas como em suas produções plásticas, tendo em vista que os trabalhos

plásticos são os reflexos da vida psíquica que ganharam existência.

Considerações finais

A criança, durante o seu desenvolvimento normal, explora e interage com seu

meio de forma contínua, desde que lhe sejam oferecidas oportunidades em ambientes

considerados favoráveis. Cuidar de quem se encontra fragilizado e internamente

desorganizado por uma doença grave não é tarefa fácil, e cabe ao arteterapeuta facilitar

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esse processo, proporcionando à criança um espaço não ameaçador que a favoreça

dialogar (comunicar-se) com o mundo.

Portanto, a arteterapia, através de suas intervenções, poderá prestar uma

assistência globalizada à criança providenciando um meio ambiente facilitador e

propício ao seu comportamento e desenvolvimento, pois a estagnação de estímulos

poderá prejudicar estruturalmente todo seu processo de desenvolvimento normal.

Pelo exposto, deduz-se que a pintura é uma manifestação importante na vida das

crianças, daí a necessidade de a conhecerem, pois lhes dará oportunidade de agirem

sobre o mundo e de comunicarem com ele. Ao pintar, a criança demonstra sentimentos,

como alegria ou tristeza; extravasa tensões, angústias, medos, agressividade; relaxa e

isso faz bem a ela e lhe dá prazer.

Na arteterapia, os conteúdos do inconsciente podem ser registrados através da

produção simbólica (imagens), da cor, das formas, de movimentos, da ocupação no

suporte e de padrões expressivos gerais que acompanham um processo de

transformação e que ganham consistência a partir da criação plástica.

As autoras após a realização deste trabalho, acreditam-se que a criação de espaços

de pintura fará a expressão emergir de uma forma mais produtiva, assim como crescer

as potencialidades expressivas das crianças através de ações preventivas, evitando-se as

possibilidades de instalação de algumas disfunções no desenvolvimento normal infantil.

A pintura é uma atividade viso-motora e seu processo de trabalho ocorre dentro de

uma gradação que expressa a intensidade, as cores, as formas, o tempo, o ritmo.

Ademais, promove a expressão, desenvolve o equilíbrio nos aspectos afetivo-emocional,

além de levar o indivíduo a pensar (NASCIMENTO, 1995)

No caso em que as crianças não conseguem comunicar verbalmente seus desejos e

necessidades com facilidade, a pintura representaria a defesa dos seus direitos,

principalmente da criança hospitalizada. Espera-se, portanto, que este estudo contribua

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para o avanço do conhecimento na área da pintura junto a crianças hospitalizadas, o

qual possibilite uma avaliação com instrumento padronizado, que permita observar as

mudanças da sua expressão artística, em termos de desenvolvimento e qualidade das

pinturas, após as intervenções de arteterapia.

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Figura 1 – Pintura produzida pela criança do grupo A (Experimental), que passou por intervenções de arteterapia durante a Avaliação Inicial. Título dado: “Menina”

Figura 2 – Pintura produzida pela mesma criança do grupo A (Experimental), que passou por intervenções de arteterapia durante a Avaliação Final. Título dado: “Papel”

Figura 3 – Pintura produzida pela criança do grupo B (Controle), que não passou por intervenções de arteterapia durante a Avaliação Inicial. Título dado: “O Hawai”

Figura 4 - Pintura produzida pela mesma criança do grupo B (Controle), que não passou por intervenções de arteterapia durante a Avaliação Final. Título dado: “A

tempestade”