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Artigo 38 rolezinho
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III Congresso Jurdico e III Encontro Tcnico-Cientfico em Direito no Mato Grosso do Sul
Campo Grande, 26 a 30 de maio de 2014. Realizao: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT
ROLEZINHOS: UMA ANLISE JURDICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
EM JOGO1
Pedro Augusto Pereira2
Resumo: O presente artigo representa uma anlise jurdica dos chamados rolezinhos.
Procurou-se delimitar os direitos fundamentais envolvidos, sobretudo a liberdade e o direito
propriedade, ambos assegurados pela Constituio Federal de 1988. Por meio da um exerccio
da ponderao de princpios fundamentais desenvolvida por Robert Alexy, buscou-se uma
soluo vivel ao conflito de normas, sobretudo diante da jurisprudncia conflitante a respeito
do tema.
Palavras Chave: rolezinhos, direitos fundamentais, conflito de normas, Robert Alexy,
liberdades individuais e coletivas, direito de reunio, liberdade de expresso, direito
propriedade.
Abstract: This paper is a legal analysis of so-called "rolezinhos". We sought to define the
fundamental rights involved, especially freedom and the right to property, both guaranteed by
the Constitution of 1988. Through an exercise of balancing fundamental principles developed
by Robert Alexy, seeking a viable solution to the conflict of laws, mainly because of the
conflicting case law on the subject.
Key Words: "rolezinhos", fundamental rights, conflict of laws, Robert Alexy, individual and
collective freedoms, freedom of assembly, freedom of expression, right to property.
Introduo
O presente artigo tem como objeto de estudo os recentes movimentos sociais ocorridos
entre dezembro de 2013 e incio de 2014, os chamados rolezinhos. A efervescncia de tais
movimentos no incio deste ano pautou a escolha do tema, uma vez que demonstrou-se
importante fenmeno social regulado pelo Direito no que tange s polticas pblicas.
1 Direito e polticas pblicas. 2 Acadmico do 10 semestre da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [UFMS]; [email protected]
III Congresso Jurdico e III Encontro Tcnico-Cientfico em Direito no Mato Grosso do Sul
Campo Grande, 26 a 30 de maio de 2014. Realizao: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT
Os rolezinhos demonstraram ser fenmeno novo (quanto as propores) e que
necessita uma melhor anlise jurdica dos direitos envolvidos, o que tambm pautou a escolha
do tema e enfoque da pesquisa, diante da jurisprudncia conflitante.
De incio, buscou-se compreender a dimenso social do movimento e suas causas
mediatas e imediatas. Aps, uma anlise dos direitos fundamentais envolvidos e, pelo exerccio
da ponderao sobre os mesmos, a busca daquele que sobressai e deve ser preservado (as
liberdades ou o direito propriedade). Amparando a pesquisa, tambm buscou-se a posio da
jurisprudncia sobre o tema, de modo a auxiliar a melhor concluso quanto ao conflito existente.
Metodologia
A metodologia utilizada, dita, cientfica, fundamentou-se na anlise do fenmeno
social dos rolezinhos, primeiro por um enfoque do prprio fato social, depois, atravs da
anlise dos direitos envolvidos. Foi feita a pesquisa, alm da prpria lei constitucional que
ampara o tema, em doutrina, artigos cientficos e jurisprudncia.
Discusso e Resultados
1. A origem e fenmeno social dos rolezinhos
O fenmeno dos rolezinhos, com incidncia maior nas grandes capitais, a exemplo
de So Paulo e Rio de Janeiro, tem se caracterizado pela ida de grandes massas populares,
sobretudo de baixa renda, a shoppings centers e outros lugares de grande fluxo de pessoas. At
a, nada de novo. Entretanto, a figura comeou a tomar um contorno diferente devido a
proporo de tais eventos. Isso deveu-se, em grande parte, at mesmo ao contraste das suas
ideologias dos manifestantes e os locais escolhidos para tanto shoppings muitas vezes
voltados uma nica classe social.
Inicialmente, o movimento foi resposta uma lei municipal em So Paulo que proibiu
os bailes funks nas ruas da capital Paulista. Era organizado pelos cantores e levou milhares de
pessoas, principalmente jovens de classe baixa, aos principais shoppings da cidade para
demonstrar sua insatisfao com a medida. Eles queriam visibilidade, e conseguiram. O
problema que se haviam aqueles que usavam do movimento apenas como uma manifestao
pacfica, tambm havia aqueles que se aproveitaram do movimento para realizar pequenos
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furtos, o que culminou, por exemplo, que o shopping Aricanduva, na Zona Leste, tivesse de
baixar a porta de suas lojas durante um dos protestos3.
O prefeito Fernando Haddad, em janeiro deste ano, acabou por vetar o projeto de lei
que deu origem aos conflitos, o que, entretanto, no impediu que movimentos sociais
semelhantes se multiplicassem; agora absorvendo diversas outras ideologias. As passeatas,
ento, antes adeptas de uma asseio puramente ligada ao gosto musical, passaram a ser
identidade de toda uma classe social que estava alheia queles locais e, de certa forma, distante
do governo e dos mais abastados: os de baixa renda. Os rolezinhos, assim, continuaram e
foram disseminados por diversas outras capitais e cidades do pas, agora como um grande brado
de independncia dos excludos, que viram no movimento uma forma de se fazer ver e ouvir.
A continuidade dos rolezinhos, agora, auxiliados por comunidades do Facebook e
outros meios de comunicao de massas, reuniam cada vez mais adeptos. A exemplo, cite-se o
dia 07/12/2013, em que cerca de seis mil jovens ocuparam o estacionamento do Shopping Metr
Itaquera, em So Paulo, e foram reprimidos pela Polcia Militar, sob o argumento de que no
havia autorizao prvia para o encontro. A repercusso foi imediata e fez com que os
comerciantes dos shoppings principais locais de protesto se vissem ameaados e passassem
a buscar maneiras semelhantes para protegerem seus interesses de tais movimentos, inclusive a
via judicial.
O apelo dos comerciantes deu razo a um verdadeiro boom de liminares que vetaram
as manifestaes, na mesma medida que, entretanto, uma srie de outras no concederam as
tutelas judiciais pleiteadas, estas vindas principalmente do Rio de Janeiro. Das favorveis, por
exemplo, cite-se a que concedeu em favor do Shopping JK Iguatemi (um dos mais luxuosos de
So Paulo), a liminar para que todo aquele, flagrado causando tumulto, respondesse por uma
multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)4. V-se, portanto, a disparidade no entendimento
jurisprudencial sobre o tema, o que refora a necessidade de estudar o fenmeno social em
questo sob a tica do direito.
2. Do conflito entre direitos fundamentais
3 Dirio Catarinense. Entenda o que so os rolezinhos e a repercusso que causaram na internet. Disponvel em: Acesso em: 23-03-2014 4 Site de Notcias Terra. SP: shopping de luxo obtm liminar para barrar 'rolezinho'. Disponvel em: Acesso em: 23-03-2014.
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Diante do panorama desenvolvido, fica mais fcil distinguir os interesses sociais e o
direito posto em conflito, para, a partir da, propor uma soluo. De um lado, temos uma enorme
quantidade de pessoas, sedentas por real representatividade social e poltica, que viram, nos
rolezinhos, uma maneira de lutar por seus interesse, ou mesmo, to somente darem
visibilidade a sua marginalidade social (no sentido, propriamente, de viverem margem da
sociedade, estando excludas do processo poltico e de desenvolvimento das grandes cidades).
De outro, temos os comerciantes dos shoppings centers, representados na forma da pessoa
jurdica de direito privado, que veem nos movimentos uma ameaa ao seu espao de comrcio
e consequentemente aos seus lucros.
O direito no qual se pousam os manifestantes encontra-se insculpidos na Constituio
Federal em seus art. 5, IV, XV, XVI. Trata-se, em suma, do direito liberdade, tanto a
liberdade individual de locomoo e expresso de pensamento, como, coletivamente,
liberdade de reunio pacfica em local aberto ao pblico. De fato, os direitos mostram-se
presentes no caso em concreto, entretanto, coexistem outros em questo, donde nasce o aparente
embate de normas, o direito propriedade da pessoa jurdica do shopping center, igualmente
protegidos no art. 5, XX, da Constituio Federal.
Primeiro, preciso tomar em conta que os direitos fundamentais vinculados ao tema
nada mais so que princpios expressamente previstos na Constituio Federal. Isso nos deve
recordar que, como lecionado por Andr Ramos Tavares, tais dispositivos constitucionais que
enunciam direitos fundamentais no comportem somente uma fora normativa, mas, por seu
valor, encarnem verdadeira carga de princpio (TAVARES, 2010:413). O que existe no caso
dos rolezinhos, portanto, um verdadeiro caso de conflito de princpios.
Os princpios, conforme Robert Alexy, so espcies normativas que representam
mandamentos de otimizao. So normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possvel, dentro das possibilidades jurdicas e reais existentes, sendo estas possibilidades
determinadas pelos princpios e regras em oposio. Segundo o mesmo autor, os princpios
possuem uma carga geral que somente completada no caso em concreto. Assim, ao contrrio
das regras, puramente geradoras de um dever ser quando preenchidos todos os requisitos nela
insculpidos, os princpios tem sua razo dependente das circunstncias do caso concreto
(ALEXY, 2002:99).
Disso extrai-se, principalmente, que os princpios fundamentais previstos
expressamente na Constituio Federal, dado seu carter geral, so espcies normativas
includas no ordenamento jurdico para salvaguardar os direitos de maior relevncia. Tanto
assim que, diferentemente das to somente normas, quando h um conflito entre princpios, a
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soluo encontra-se na valorao dos mesmos e escolha daquele mais preponderante no caso
concreto. Um princpio no exclu outro, mas apresenta maior fora vinculante, de dever ser,
portanto, a depender da circunstncia moldada pelo caso concreto.
No caso estudado, portanto, o exerccio a se fazer ser o de ponderao dos princpios
em jogo para s ento conhecer qual aquele mais relevante.
2.1 O direito fundamental dos manifestantes: das liberdades
Os primeiros princpios a ampararem os protestantes so o direito liberdade de
locomoo, de manifestao de pensamento e, por ltimo, o direito reunio. Tais direitos
compe parte do rol das chamadas liberdades pblicas. Quanto a estes, o principal caractere a
ser tomado em conta a limitao. As liberdades, sejam individuais ou coletivas, no podem
ser exercidas de maneira ilimitada, sob pena de ferir-se direito alheio, comprometendo a vida
em sociedade e a existncia do prprio Estado Democrtico de Direito. Exerce, assim, o Estado,
importante papel como limitador das liberdades, no sentido de o fazendo contribuir para que
todos, e no somente um ou outro indivduo, possa dar vazo aos seus projetos de vida, bem
individual ultimo protegido pela liberdade, a saber, o direito de buscar a felicidade (MARTINS
FILHO, 2010:289).
Faz parte do homem o direito de expressar seus pensamentos, e este mesma uma
caracterstica nica deste se comparado a outros seres vivos. Faz parte do homem expor suas
ideias e, o fazendo, unir-se a outros, politicamente ou no, para com isto buscar mudanas ou
benefcios para o interesse de uma classe ou grupo de pessoas. Nada mais o que ocorre no
caso dos rolezinhos: o que temos em tais reunies o encontro pacfico para expresso,
mesmo que sem palavra alguma, do forte desejo de representao de uma classe
economicamente e socialmente pouco valorizada.
O direito dos comerciantes, doutro norte, tambm encontra-se amparado na
Constituio Federal no mesmo rol de direitos fundamentais, art. 5, XXII, que garante a todos
o direito de propriedade. Assim como o direito liberdade, o caractere de relevo desta garantia
tambm a limitabilidade, no caso, a limitao da propriedade sua funo social. Nas palavras
de Jos Miguel Garcia Medina: A garantia constitucional, assim, envolve a proteo
propriedade privada (o que manifestao do direito fundamental liberdade), mas tambm a
sujeio da propriedade privada a uma destinao social5. Tal funo social, nas palavras do
5 Jos Miguel Garcia Medina, Constituio Federal Comentada, p.82.
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mesmo autor, no significa retirar do proprietrio o direito de exercer a propriedade fosse
assim a propriedade restaria deturpada, pois o direito correspondente inexistiria.6
este, a nosso ver, o ponto crucial do trabalho: conhecer se a est havendo a devida
compatibilidade entre o direito de reunio e s liberdades de locomoo e expresso com a
propriedade privada e sua funo social.
2.2 O direito propriedade privada
Os shoppings centers so propriedades privadas, e como tal, tambm devem obedecer
funo social. Trata-se de verdadeiro condomnio sui generis, no qual as regras a serem
observadas pelos lojistas encontram-se no contrato normativo do shopping, que funciona como
conveno condominial (VENOSA, 2011:405). Assim, enquanto cada lojista a tem a posse ou
propriedade da unidade autnoma (seja por aquisio ou mesmo contrato de locao) vinculada
a toda estrutura do shopping, existem tambm as reas comuns, destinadas ao trnsito de
pessoas, mas sempre vinculada por meio do affectio societatis (em sentido amplo) do
empreendimento. Fica claro, neste ponto, que a natureza jurdica dos espaos comuns dos
shoppings continua a ser privada, ainda que diante de uma aparncia de espao pblico.
No h como separar uma parte do shopping das demais, sendo seu conjunto voltado
ao fornecimento de produtos e servios de maneira mais cmoda aos seus consumidores. Nas
palavras de Joo Carlos Pestana de Aguiar:
O Shopping center, anglicanismo de origem norte-americana, consiste
num empreendimento de construo dispendiosa, destinada a um
conjunto comercial composta de vrias lojas de maior (ncoras) e
menor dimenso (satlites), todas voltadas para galerias internas
confortveis, sendo as lojas logicamente localizadas quanto aos
negcios nelas explorados (tenant mix), fornecendo ao consumidor
facilidades de acesso (estacionamento), requintes na apresentao do
conjunto, qualidade dos produtos, segurana, conforto e lazer, atrativos
que sustentam o sucesso do empreendimento.7
A inteno daqueles que organizam-se nesta forma de empreendimento justamente
potencializar seus lucros, por meio da unio de lojas de diversos setores em um ambiente
agradvel e seguro, agindo como um facilitador para que o cliente encontre aquilo que deseja e
6 Ibidem 7 Joo Carlos Pestana de Aguiar, Nova Lei das Locaes Comentadas, p.96
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at, como se sabe, aquilo que no procurava, mas, por estar ali em seu caminho, acaba
adquirindo. Aderem os corredores e espaos comuns dos shoppings ao prprio empreendimento
principal, como j foi constatado em simpsio realizado em 1983 sobre o tema pela ESMN
(Escola Superior da Magistratura Nacional), que ao alencar os elementos fundamentais dos
shoppings, apontou a necessidade de existirem corredores e espaos que permitam o
consumidor deslocar-se de uma loja a outra e, consequentemente, ao observar lojas
desconhecidas ou que no tinham interesse em visitar, sejam estimulados compra (SLAIBI
FILHO, 1986:344)
O que os manifestantes fazem, ento, por mais que revestido da adequada justificativa,
seja para a expresso de sua opinio poltica ou mesmo cultural, fere o direito propriedade
dos comerciantes que, constitudos na forma do Shopping Center, sofrem prejuzos no pleno
exerccio da sua propriedade e at mesmo no exerccio de sua profisso comercial. Como
exposto, os espaos e corredores dos Shoppings Centers so essenciais ao exerccio do comrcio
e sucesso do empreendimento como um todo. No caso, como ambos os direitos apresentados
no comportam o exerccio ilimitado, mas sim limitado frente a outros interesses sociais, deve-
se questionar: razovel a garantia das liberdades de expresso e reunio, ainda que ferindo
outras? No parece.
2.3 Da anlise dos direitos fundamentais e ponderao dos princpios
Como todo conflito entre princpios, nos casos em que ambos possuam sua relevncia,
como o caso, a soluo deve pautar-se no exerccio de um julgamento de razoabilidade na
ponderao, permitindo a escolha dobre qual direito fundamental deve ser preservado frente a
outro. No razovel a invaso de propriedade privada, ainda que em nome de um interesse
pblico, sem um motivo de importncia tal que torne aquele o nico meio para o seu exerccio.
, por exemplo, o que ocorre com as desapropriaes, em que a invaso da propriedade privada
s realizada em ltima instncia, diante de esgotados outros meios para a satisfao do
interesse pblico que se quer tutelar. No caso dos protestos, no o que ocorre, de maneira que
irrazovel o prejuzo que os protestos, ora realizados em propriedade privada, uma vez que
existem outros locais, de fato pblicos e de livre acesso, em que os mesmos podem ocorrer.
Retomando assim o conceito de Robert Alexy de ao realizar-se a ponderao a escolha
deve pautar-se no princpio de maior fora vinculante, esta encontra-se representada no direito
propriedade que cumpre sua funo social. Como se viu, a funo social da propriedade dos
shoppings eminentemente privada e no compatvel com a liberdade de expresso e reunio,
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de igual modo constitucionais, mas que so exercidas com abuso no caso dos rolezinhos, uma
vez que os shoppings no so o nico local passvel de acontecer tais encontros, muito menos
essenciais para que os protestos tenham o efeito pretendido.
3. A Jurisprudncia em conflito
Neste sentido tem sido algumas decises a respeito do tema, que embora ainda em
sede de cognio sumria, vez que foram concedidas em deciso antecipatria dos efeitos da
tutela, mostram a tendncia dos tribunais para buscarem a coexistncia dos direitos em jogo e
a preservao da propriedade, observando o exerccio da liberdade individual e de reunio
dentro dos limites da razoabilidade. A este respeito, o interessante julgado do desembargador
Rmulo Russo, no qual abordou alguns temas do que aqui discutiu-se:
(..) Dar um role no shopping no novidade. Jovens, adolescentes e pr-adolescentes, desde os anos 90, encontram-se passeando em shoppings. Vo
a esses centros de compras (varejo/atacado) para conversar, paquerar, ouvir
msica, etc.
O agora denominado rolezinho, portanto, no fato social novo. A novidade que se verifica est localizada em sua dimenso (material e social), o que lhe
repassa outra face.
Registre-se que, desde a promulgao da Carta da Repblica de 05/10/1988,
a sociedade civil vive um momento de real efervescncia social e jurdica,
particularmente em relao ao exerccio de direitos constitucionais que
durante a ditadura militar eram desconhecidos dos cidados, os quais
passaram a fazer valer seus direitos e assim em nmeros impressionantes -
vieram ao Poder Judicirio.
Contudo, a vigncia da nossa carta republicana no alterara e no poderia
modificar imediatamente o quadro social.
Isto tudo dito porque vivemos uma sociedade complexa, na qual se encorpa
o declnio dos valores morais, a degradao da educao e o pouco respeito
ao direito alheio. Falta-nos, pois, madureza democrtica.
A par disto, marque-se que o exerccio de um direito, fundamental ou no,
implica, ordinria e necessariamente, no dever de apreo ao direito dos
outros seres humanos.
necessria, portanto, a coexistncia das liberdades de um para que
sobreviva a liberdade do outro.
Assim sendo, do senso democrtico o dever de no proibir, direta ou
indiretamente, o exerccio dos direitos e liberdades de um em prol dos outros,
particularmente porque no existem direitos absolutos, salvo, ao que penso, o
direito constitucional garantido pelo sufrgio universal e pelo voto direto e
secreto com peso idntico.
Nessa linha de raciocnio, vive-se um Estado Democrtico de Direito, tpico
das sociedades e democracias modernas, nas quais os direitos e garantias
pblicas se autolimitam e assim permitem a harmonia de todos na vida com
dignidade humana (art. 1, 3, da Constituio Federal).
(...)
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A estabilizao e harmonia do exerccio da cidadania, luz da Constituio
Federal e das leis em geral, depende, portanto, que cada um exera seu direito
sem perturbar o direito do outro, em justa medida para o bem estar social de
todos, harmonizando-se, assim, a funo til dos direitos em confronto. Em
outras palavras: lcito o rolezinho desde que efetivamente no venha a perturbar, abafar, causar temor, ou restringir idntico direito
substantivo de quem quer estar pacificamente naquele mesmo espao.
Na dvida, h de prevalecer o direito liberdade de todos, ainda mais
porque o constitucionalismo brasileiro emana de constituio ecltica e
pluralismo axiolgico. consectrio da prpria noo de liberdade, portanto,
que as aes humanas sejam limitadas, a fim de viabilizar-se a coexistncia
pacfica dos indivduos.
Como nem sempre tal ocorre, o processo a via adequada para que se realize
acomodao hermenutica dos diversos direitos protegidos pela Carta da
Repblica, lanando-se mo da interpretao sistemtica, axiolgica e da
teoria da argumentao, o que justifica a incidncia do princpio da
razoabilidade em prol da ponderao cautelar do exerccio do direito ao
rolezinho. Posto isto, com amparo axiolgico nos valores humanos contidos na CF,
fundamental salvaguardar a vida, a integridade fsica, a paz pblica e o
patrimnio material, moral e intelectual de todos, sobretudo, porque o que a
sociedade constata at agora que tais movimentos crescem como uma onda
e acabam tendo a adeso de vndalos. Assim sendo, a prudncia recomenda e
a razo ilumina que no se homologue a criao de riscos provveis e evitveis
vedados pelo ordenamento jurdico penal.
Por outro lado, de rigor fixar que os shoppings centers so constitudos
por ambientes peculiares de acesso ao pblico, no qual pobres e ricos
podem aproveitar seu tempo til de lazer, compras e servios.
Nestes centros comerciais, os quais no foram idealizados e construdos
para a recepo de grandes massas humanas em um nico momento, no
h a possibilidade real e concreta de dar segurana juno dos
rolezeiros com os demais consumidores que l j estejam. Os shoppings, em seu espao interno (corredores e lojas) no tm
condies materiais de receber nenhuma multido, nem mesmo
movimentos multitudinrios, sobretudo quando as redes sociais j tm
por confirmadas quase 800 pessoas.
Por isso no vivel a admissibilidade do rolezinho nos shoppings, ainda mais porque a experincia mostra que so poucas as sadas de emergncia e
que normalmente no h rotas de fuga, o que torna superlativa a cautela deste
caso.
Alis na capital de So Paulo, o rolezinho pode dar-se em praas e parques pblicos, no sambdromo, eventualmente em estacionamentos de shoppings,
talvez no Anhembi, circunstncias estas que os organizadores devem
diligenciar junto Municipalidade de So Paulo. (...) (grifos acrescidos)8
No obstante, tambm encontram-se julgados em sentido contrrio, que, em que pesem
os conflitos envolvidos, consideram que o teor dos rolezinhos, como movimento social, no
ilegal nem mesmo comporta restrio pelo judicirio. Os que defendem tal entendimento
fazem-no considerando a questo como meramente de segurana pblica, visto que, apesar de
8 11 Cm. Civ., AgrI n 2011268-32.2014.8.26.0000, Rel. Des. Rmulo Russo, j.06.02.2014.
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em alguns eventos constatar-se a ocorrncia de efetivos prejuzos aos shoppings centers, no
o que ocorre na maioria dos casos, em que os movimentos so pacficos e no fornecem riscos
comunidade local ou ao empreendimento. Seria, portanto, dever do executivo, por meio da
polcia militar, zelar pela segurana tanto dos manifestantes quanto dos lojistas e frequentadores
dos shoppings, no prestando os interditos possessrios para tanto. A exemplo, vejamos parte
da deciso proferida pelo TJRJ, que abordou o tema:
(...) O documento de fls.36 noticia o evento marcado para a data de sbado,
presumindo-se ser em 18 de janeiro de 2014, com a finalidade de: em apoio
galera de So Paulo, contra toda forma de opresso e discriminao aos
pobres e negros, em especial contra a brutal e covarde ao diria da polcia
militar Concentrao na entrada principal!!!, se verificando o registro de 305
confirmaes de presena.
No se encontram presentes, porm, os requisitos legalmente exigidos para a
concesso da tutela jurisdicional pleiteada, em sede liminar, nos moldes
previstos pelo Cdigo Civil. Isto porque no houve demonstrao
inequvoca de que este movimento, que sequer tem seus componentes
identificados nos autos, possam praticar atos que, por si s, sejam aptos
a despertar o justo receio de turbao ou esbulho iminentes, nos termos
das alegaes constantes da exordial. Inexiste qualquer comprovao
nestes autos de que os participantes deste movimento iro praticar atos
criminosos ou mesmo que iro provocar tumultos, badernas ou mesmo
manifestaes nas dependncias do empreendimento ru.
Os interditos possessrios so instrumentos jurdicos para a defesa da posse,
no sendo admissvel que o juiz se esquea da situao ftica real existente no
local, onde no se luta pela posse, mas por outros valores, cuja Constituio
Federal e o Estatuto da Criana e do Adolescente protege. O Cdigo Civil,
dessa forma, no pode se prestar a socorrer a parte autora, como se ali
existisse, meramente, uma questo possessria.
O movimento, que vem se verificando com alguma frequncia em outros
empreendimentos comerciais no Estado de So Paulo e de outros Estados da
Federao no visa expropriao ou posse dos bens mveis e imveis da parte
autora. Busca, isso sim, a realizao de encontro de jovens em grande nmero,
para fins de darem um rolezinho ou seja, um passeio no shopping, o que vem
assustando, nem sempre com razo, comerciantes e frequentadores habituais
desses locais. Com efeito, se correto afirmar que distrbios se verificaram
em eventos semelhantes em outras cidades, tambm cedio que muitos deles
transcorreram de forma pacfica, sem a ocorrncia de crimes, nada justificando
o cerceamento prvio dos jovens.
A questo refere-se, essencialmente, aos eventuais excessos,
caracterizadores de atos ilegais, e o papel do prprio Estado, atravs de
seus agentes de segurana, a qual cumpre velar pela segurana da
populao e represso da criminalidade, nos eventos em tela, e no de
proteo possessria. Observe-se, ademais, que a natureza do
empreendimento comercial da parte autora visa atrair pessoas e possveis
consumidores, em ambiente propcio e agradvel, para fins de
comercializarem os produtos e servios oferecidos. Desta forma, embora seja
tal empreendimento comercial uma propriedade privada, trata-se tambm de
local aberto ao pblico em geral, com possibilidade de livre circulao de
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pessoas, respeitados inclusive os direitos dos consumidores. (...)9 (grifos
acrescidos)
Em que pese o posicionamento desta correte de julgados, observados principalmente
no estado do Rio de Janeiro, at mesmo tendo em vista todo aqui discutido e a amplitude dos
direitos fundamentais envolvidos, parece limitador restringir o conflito de normas (em sentido
lato) dos rolezinhos mera lide possessria, como se deu. Pelo contrrio, e em que pese no
haver posicionamento em deciso definitiva sobre o tema na jurisprudncia ptria, seguindo a
linha de raciocnio aqui apresentada, o conflito entre os princpios fundamentais em jogo pende
para a limitao das liberdades, uma vez que esto sendo exercidas em flagrante abuso por parte
dos manifestantes.
Concluso
A pesquisa permitiu notar a amplitude dos temas envolvidos e, principalmente, quando
se trata da de direitos fundamentais, a necessidade de ponderar diversos fatores da situao de
fato que envolve o tema. No caso dos rolezinhos, pode-se notar que o embate dos direitos
fundamentais envolvidos, no que tange ao exerccio das liberdades consideradas e o regular
exerccio do direito de propriedade, vai muito alm de um confronto entre um direito pblico
(no sentido de pertencer a uma coletividade) e um direito particular. Representa, sim, uma
discusso sobre os limites das liberdades perante o direito de propriedade.
Depois de uma adequada qualificao dos direitos envolvidos de cada uma das partes
(manifestantes e lojistas dos shoppings centers), concluiu-se pelo abuso no exerccio das
liberdades individuais e coletivas consideradas no movimento em questo. Pde-se ver, em que
pese a existncia de julgamentos em sentido contrrio (nenhum deles em definitivo, entretanto),
que o movimento se mostra incompatvel com o espao pblico dos shoppings centers. Em
importante nota, ainda, que os direitos fundamentais de modo geral, como princpios superiores
institudos pela Constituio Federal de 1988 na regulao do Estado Democrtico de Direito,
devem, ao mximo, serem mantidos em harmonia, nenhum se sobrepondo a outro,
principalmente quando se trata das liberdades.
Referncias Bibliogrficas
9 1 V. Civ., AC 0000523-80.2014.8.19.0207, j. 21/01/2014.
III Congresso Jurdico e III Encontro Tcnico-Cientfico em Direito no Mato Grosso do Sul
Campo Grande, 26 a 30 de maio de 2014. Realizao: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT
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