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Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem 62 Myriam Elisa Melchior Pimentel** cibercultura O MODERNO E O CONTEMPOR´NEO Discute-se, em ciências humanas, sobre o esgotamento da modernidade, deixando a impres- são de que passamos diretamente ao pós-moder- no; principalmente, em face ao crescimento ace- lerado das novas tecnologias de comunicação e informação que, em regime de hipercapitalismo, incendeiam a globalização e trazem consigo no- vas problematizações sobre os tempos e espaços locais e contemporâneos. Moderno não é o mes- mo que contemporâneo, nem contemporâneo sig- nifica pós-moderno, apesar do extenso uso desse último para caracterizar o sentido de ruptura com o moderno. Extemporânea e contrariamente à expectativa do senso comum, a “tradição de rup- tura” é referida, no campo da arte, ao modernis- mo, sentido esse que parece se opor ao entendi- mento de homogeneidade, centralização e fixidez que se referem, lato senso, à sociedade discipli- nar moderna. Procurando pensar sobre esta problemáti- ca conceituação, sobre a qual se abrem atualmente novos campos de interesses na investigação de diásporas, hibridismos, nomadismos, mestiçagens que, entre outros, indicam a invocação do pós- moderno para capturar o simultâneo, excesso e esvaziamento, de referenciais contemporâneos, buscamos apresentar o esgarçamento do moder- no e sua passagem “ao contemporâneo”, através dos movimentos expressivos das vanguardas intra- modernas, que no Brasil correspondem ao neoconcretismo, para propor que: os esforços modernizantes e tecnologias disciplinares não fo- ram infalíveis no esforço de domesticação; que as estratégias dos movimentos expressivos se fi- zeram eficazes na operação que foi ao encontro da tecnologia, permitindo localização e autonomia. Por conseguinte, tendo em vista que a criatividade contemporânea, pensada enquanto linha de fuga, em qualquer campo de forças, regimes ou dispo- sitivos, se fazem pela singularidade que escapa à formatação, não há ultrapassagem do moderno, O MODERNO E O CONTEMPOR´NEO: A TOPOLOGIA DAS REDES PROPONDO VISIBILIDADE DE ESTRATÉGIAS PARA LOCALIZA˙ˆO * mas sua complexificação. As novas tecnologias, ao permitir a visibilidade das regiões e tempos ou- trora obscuros, na articulação entre arte, ciência e tecnologia, em fazeres e refazeres contínuos de campos de alimentação recíprocos, propõe os processos de visualização não como agentes repressores, mas abertos à experimentação de sensórios necessários às novas demandas de lo- calização. TEORIA SOCIAL DO CONTEMPOR´NEO: O PÓS-MODER- NO COMO DISPOSITIVO ESTRATÉGICO Hardt e Negri (2004) nomeiam pós-moder- no o regime que sucede ao moderno. Apesar da utilização do conceito, ambos pensam o pós-mo- derno como imersão radical de outro regime, o de controle, onde a comunicação, produtora da má- quina imperial, influi na totalidade do biopolítico, tornando-o “coextensivo e coexistente”. Não ha- vendo qualquer instância ideal fora da máquina comunicativa imperial, pois ela se auto-valida atra- vés da manobra de dissolver “identidade e história de um modo inteiramente pós-moderno” e, inver- samente, de “os produzir e reproduzir (os princi- pais textos ideológicos, em particular) a fim de celebrar seu próprio poder” (p.173). Expondo a tese contemporânea da síntese de tempos, pro- põem, através do conceito de povo como unidade e base de ficção para legitimação da soberania moderna, sua substituição pelo de multidão: multiplicidade de singularidades que, ao invés de negar, afirmam as forças produtoras que as ani- mam, de modo que a exploração da multidão con- fronta o poder “com modos de expressão produ- tivas cada vez mais imateriais e intelectuais” (Negri, 2003:164). TEMPO E MODO ATUAL: O TEMPO- SENTIMENTO MODERNO Deleuze nos diz que, se “um dispositivo implica linhas de forças. Pareceria que estas fo- ram situadas nas linhas precedentes de um ponto

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Myriam Elisa Melchior Pimentel**

cibercultura

O MODERNO E O CONTEMPORÂNEO

Discute-se, em ciências humanas, sobre oesgotamento da modernidade, deixando a impres-são de que passamos diretamente ao pós-moder-no; principalmente, em face ao crescimento ace-lerado das novas tecnologias de comunicação einformação que, em regime de hipercapitalismo,incendeiam a globalização e trazem consigo no-vas problematizações sobre os tempos e espaçoslocais e contemporâneos. Moderno não é o mes-mo que contemporâneo, nem contemporâneo sig-nifica pós-moderno, apesar do extenso uso desseúltimo para caracterizar o sentido de ruptura como moderno. Extemporânea e contrariamente àexpectativa do senso comum, a “tradição de rup-tura” é referida, no campo da arte, ao modernis-mo, sentido esse que parece se opor ao entendi-mento de homogeneidade, centralização e fixidezque se referem, lato senso, à sociedade discipli-nar moderna.

Procurando pensar sobre esta problemáti-ca conceituação, sobre a qual se abrem atualmentenovos campos de interesses na investigação dediásporas, hibridismos, nomadismos, mestiçagensque, entre outros, indicam a invocação do pós-moderno para capturar o simultâneo, excesso eesvaziamento, de referenciais contemporâneos,buscamos apresentar o esgarçamento do moder-no e sua passagem “ao contemporâneo”, atravésdos movimentos expressivos das vanguardas intra-modernas, que no Brasil correspondem aoneoconcretismo, para propor que: os esforçosmodernizantes e tecnologias disciplinares não fo-ram infalíveis no esforço de domesticação; queas estratégias dos movimentos expressivos se fi-zeram eficazes na operação que foi ao encontroda tecnologia, permitindo localização e autonomia.Por conseguinte, tendo em vista que a criatividadecontemporânea, pensada enquanto linha de fuga,em qualquer campo de forças, regimes ou dispo-sitivos, se fazem pela singularidade que escapa àformatação, não há ultrapassagem do moderno,

O MODERNO E O CONTEMPORÂNEO:A TOPOLOGIA DAS REDES PROPONDO VISIBILIDADE

DE ESTRATÉGIAS PARA LOCALIZAÇÃO*

mas sua complexificação. As novas tecnologias,ao permitir a visibilidade das regiões e tempos ou-trora obscuros, na articulação entre arte, ciênciae tecnologia, em fazeres e refazeres contínuos decampos de alimentação recíprocos, propõe osprocessos de visualização não como agentesrepressores, mas abertos à experimentação desensórios necessários às novas demandas de lo-calização.

TEORIA SOCIAL DO CONTEMPORÂNEO: O PÓS-MODER-NO COMO DISPOSITIVO ESTRATÉGICO

Hardt e Negri (2004) nomeiam pós-moder-no o regime que sucede ao moderno. Apesar dautilização do conceito, ambos pensam o pós-mo-derno como imersão radical de outro regime, o decontrole, onde a comunicação, produtora da má-quina imperial, influi na totalidade do biopolítico,tornando-o “coextensivo e coexistente”. Não ha-vendo qualquer instância ideal fora da máquinacomunicativa imperial, pois ela se auto-valida atra-vés da manobra de dissolver “identidade e históriade um modo inteiramente pós-moderno” e, inver-samente, de “os produzir e reproduzir (os princi-pais textos ideológicos, em particular) a fim decelebrar seu próprio poder” (p.173). Expondo atese contemporânea da síntese de tempos, pro-põem, através do conceito de povo como unidadee base de ficção para legitimação da soberaniamoderna, sua substituição pelo de multidão:multiplicidade de singularidades que, ao invés denegar, afirmam as forças produtoras que as ani-mam, de modo que a exploração da multidão con-fronta o poder “com modos de expressão produ-tivas cada vez mais imateriais e intelectuais”(Negri, 2003:164).

TEMPO E MODO ATUAL: O TEMPO-SENTIMENTO MODERNO

Deleuze nos diz que, se “um dispositivoimplica linhas de forças. Pareceria que estas fo-ram situadas nas linhas precedentes de um ponto

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singular a outro; de alguma maneira elas retificamas curvas anteriores” (1990:2), o que implica queos modos de afirmar o tempo contemporâneo nãoestão inscritos fora do moderno, mas operam idase vindas, derivações, transformações e mutações.Considerando o interesse por pensar a experiên-cia do tempo moderno e contemporâneo e suasespecificidades, propomos inicialmente duas des-crições: a do tempo-ação contemporâneo que afir-ma um fundo liso e a do tempo-sentimento mo-derno que nega o fundo conflituoso.

De acordo com Kastrup (2004), o tempono discurso oficial da modernidade inscreve emdois domínios separados aquele da natureza e oda sociedade. Enquanto que para a física e as ci-ências naturais, o tempo se caracteriza pela eter-nidade, que se revela pela busca de leis invariantese universais, considerando a natureza o reino danecessidade e da repetição idêntica ao passado; ahistória como disciplina científica concebe o tempoda sociedade como um tempo que passa, onde opassado se perde. A temporalidade histórica mo-derna tem o seu modelo na revolução, na rupturae no corte definitivo com o passado anterior. As-sim, períodos históricos, epistemes, mentalidades,lembra Kastrup, revelam-se como modos de co-locar em coesão sistemática certos conjuntos deelementos num tempo homogêneo, que possamexplicar a formação de estruturas históricas. Aautora sublinha que essas estruturas são seme-lhantes aos sistemas naturais, pois seu funciona-mento se dá no eixo sincrônico, isto é, daquiloque ocorre ao mesmo tempo e, recorrendo à Latour(1994), demonstra que a eternidade e o tempohistórico são casos particulares de um mesmoconceber de tempo: “a idéia de uma repetição idên-tica do passado, bem como de uma ruptura radi-cal com todos os passados, são dois resultadossimétricos de uma mesma concepção de tempo”1 .A idéia de modo atual moderno é, portanto, a dotempo cronológico, qualificado como um tempo-sentimento da dicotomia natureza-cultura.

Concebendo-se a construção da sociedadedisciplinar, tendo como ponto de origem a inven-ção da perspectiva renascentista, diversos auto-res fazem referência ao final do século XVIII,como o ponto culminante que transforma os mo-dos de percepção orientados pela perspectivaobjetiva da seleção de estruturas sub-repticiamenteretiradas de conexão com o contexto mais amplode interações. Ao acompanharmos os mapasanatômicos do renascimento ao século XVIII re-conhece-se a passagem de um teatro trágico à

concepção de estruturas esquemáticas e abstratasde um órgão-máquina moderno. Esse período,com o qual Lebrum (1999) associa a aglutinaçãode forças que, entre 1550 a 1650, gera a alteraçãoda autoridade política frente ao corpo social comouma evolução acabada no século XVIII,corresponde à invenção da subjetividade privada.As forças desse período, segundo Lebrum, ca-racterizam-se pelo afeiçoamento da realeza ao es-

pírito desenvolvimentista da tecnologia e dastransações comerciais que, ao situar o econômicoem primeiro plano, produziu uma variedade depoder político na necessidade de unificar o go-verno de famílias e indivíduos. Segundo Foucault(1996) essa mudança vai se caracterizar pela re-forma e reorganização do sistema judiciário e pe-nal, onde o inquérito passa a ser a forma políticaabsoluta e legisladora, forma de saber-poder e deautenticar a verdade2 que, incorporado ao exame- regime característico da sociedade disciplinardo século XIX – processou-se numa convergên-cia inusitada entre saberes e poderes de reduzir eamplificar, invertendo as relações entre tempo eespaço: local e distante; centro e periferia; públicoe privado e conseguinte, aos mapas corporais esubjetivos que, colocados em termos da separa-ção interior-exterior, devem aos mapasrenascentistas a inauguração desses modos derepresentação. Crary (1990) ao exemplificar comoos dispositivos óticos do século XIX transfor-mam o ato de observar, do significado “de olharpara” passando ao de “testemunha”, apresenta ummodelo de ciência-inquérito interiorizado que seevidencia na articulação entre o desejo de espec-tador, por um lugar na fenda da imagem projetadae a demanda social para o olhar seletivo do corpodo espectador que deve se posicionar para ver.

Numa extensa pesquisa sobre a invençãodos dois sexos modernos, Laqueur (2001) nosmostra o quanto o metafórico e o corpóreo esti-veram profundamente vinculados na concepçãosobre papel social do sexo e gênero na Renascen-

A temporalidade histórica modernatem o seu modelo na revolução, na

ruptura e no corte definitivo com o

passado anterior

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ça, mas não somente nesse período, lembra o pes-quisador, já que uma mudança do termo “gera-ção” para “reprodução” representou um longoprocesso para formulação de uma política cultu-ral com novas metáforas de interpretação para ocorpo feminino e masculino. Antes do séculoXVIII, diz Laqueur, a oposição dos órgãos sexu-ais era problemática, por uma ausência de impe-rativos para criar as categorias biológicas de ma-cho e fêmea, através de imagens ou palavras. Se-guindo o pesquisador, há duas explicações para ainvenção dos dois sexos modernos: umaepistemológica e a outra política. Segundo a teseepistemológica, Laqueur sublinha o nascimentodos imperativos que passam a decidir a relaçãoentre fato e ficção. Tratava-se da divisão entre opossível e o impossível, entre o corpo e o espíri-to, entre o sexo biológico e o gênero teatral, quefoi aguçada no século XVIII. Sintetizando, seriapossível dizer que o tempo-sentimento modernopode ser experimentado como um efeito dastecnologias que explicam os corpos em suas dife-renças de posição que, retiradas do registro “na-tural”, ganham a marca da razão tecnológica emsua mitologia depurada de “reprodutora” da or-dem social. Esta que comunica sua eficácia atra-vés dos lugares privilegiados de “observador”,espécie de testemunha ocular da distribuição daordem do mundo em polaridades que se desdo-bram da dicotomia natureza-cultura ou natural-artificial, no qual o problema do tempo humano,em especial, se conforma ao imaginário3 da mo-dernização que propõe o esquadrinhamento seletivoda proposição: ou ficção ou realidade.

MOVIMENTOS INTRAMODERNOS: ABRE-ALAS DE

INVERSÕES SENTIMENTAIS

Lendo nos registros de oposição entre rea-lidade e ficção, respectivamente presentes nas ten-dências construtivas e expressivas modernas, en-contramos os campos de ambigüidades associa-dos ao subjetivo, aos processos “interiores” e ir-racionais que as forças das tendências seletivasesforçaram-se por combater. Compreendido oembate nos limites do campo visual, propôs-se,ao mesmo tempo, o rompimento com a perspec-tiva naturalista através da absorção na arte dosesforços disciplinares científicos que oferecerama racionalização de estruturas, dispositivos e mé-todos que, por conseguinte, propuseram a auto-nomia de um campo de especificidade para a artee,a separação das tendências expressivas: aquelas

que faziam uso de formas presentes na naturezae, também, o que hoje na distância de suas inter-rogações, considera-se o expressionismo moder-no, o dadaísmo e o surrealismo. Mas se o embateconstrutivista contra os expressionistas se articu-lava no campo da produção visual, já que as pro-postas chamadas expressionistas pareciam man-ter os sistemas gastos e vinculados à ordemperspectivista, era também o próprioenquadramento de todos os limites sensórios dentroda “perspectiva modernista”, na direção do espa-ço relacional das formas, desligados de quaisqueroutros vínculos, o que os universais mantinhamno esforço civilizatório. Daí, explica Brito (1999),o surrealismo e o dadaísmo significarem para osconstrutivos a morte da razão e a descrença noprogresso linear que tentavam construir.

Com efeito, os desdobramentos desse em-bate foram suporte e emergência de críticassurgidas, em torno dos anos 60, na tendência dedesconstruir a arte como prática socialsublimadora e conformista, cujos ataques inver-teram-se e passaram a ser dirigidos contra os cons-trutivos. Ali iniciava, no mundo da arte, o que seconvencionou chamar de pós-modernismo, nosentido do retorno dos expressionismos revisa-dos à luz da autonomia proposta às artes pelosconstrutivos. Segundo Heartney (2002), o cami-nho do pós–modernismo foi o de prescindir doobjeto de arte e substituí-lo por algo mais compa-tível com os requisitos do texto, isto é, a arte ex-traviada dos clichês sobre a estética e o gênio ar-tístico que, a partir dos anos 60, passaram a pro-por uma estética da desconstrução. É recorrenteque a série de hibridismos propostos pelas ver-tentes ficcionais e realistas, tenha encontrado, naaplicação do pensamento pós-estruturalista deRoland Barthes4 , um novo substrato para a idéiada destruição do artista e da história da arte, tendoem vista não somente o esgotamento do individu-alismo moderno talhado na consciência inventivae produtiva orientada pelas formas abstratas e ide-ais mas, também, o limite de suportes e repertóri-os plásticos e técnicos do modernismo após a IIGuerra Mundial. Perguntando como estes novosparadigmas se afastam do modernismo, quandose entende por modernismo, conforme propõe Hall(2003), um regime que encerra encontros, docentro e dos outros, mas nem sempre da mesmaforma ou no mesmo grau e onde “o pós podesignificar um ir além ao invés de um fechamentode evento histórico” (p.177), isto é, as formas deencenar e narrar histórias, percebe-se que, ao in-

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vés de rompimento, o que se propôs foi a síntesecomo “nova figuração” conforme descreveCocchiarale (2003), que assimila todas as fontesde narrativas no recurso à história da arte, as ex-pondo em sua efemeridade e/ou aparência. Pode-se dizer que a própria relação com o passado po-larizado entre expressivos e construtivos pôde serlida na recepção crítica pós-moderna, de modoque o texto dos binarismos modernos, em suamissão de re(a)presentar a proliferação da dife-rença cultural no interior da unidade suturada esobredeterminada da forma óptica, abriu-se paraser encenada do outro modo e em outro grau,como na distância entre a Obra e o Texto deBarthes, o que teria sido impossível na ausênciadas rupturas das vanguardas modernas5 .

Articulando a análise das tendências cons-trutivas com as políticas culturais que incidiramem posições políticas e produtivas entre elas, Brito(1999) situa inicialmente os movimentosconstrutivistas ocidentais nas relações diretas como Estado, de um modo especulativo e de integraçãoacrítica no processo de produção vigente. Segun-do Brito, essas tendências representavam umaimposição paternal de uma razão autoritária sobrea sociedade que postulava a negação da subjetivi-dade tomada apenas como terreno do “confuso einformal”6 . No caso ocidental, a mecanização dasrelações sociais e concepção positivista da socie-dade tinham no funcionalismo o ideal espiritualistado idioma universal da grande Forma, privilegia-da aquém das especificidades locais. A história daarte era lida como um movimento contínuo dosaber ocidental no sentido da cientificização deseus postulados e na formulação rigorosa dos da-dos de cada área do conhecimento.

O limite ao projeto construtivo7 , sublinhaBrito, foi seu afã modernizante que permaneciaclaramente preso à racionalidade e ao humanismoliberal do século XIX. Num senso amplo, portan-to, o outro sombrio, cobria um vasto campo deexpressões que, nomeados de expressionistas,eram percebidos como tendências ficcionais quese contrapunham à racionalidade dos construti-vos. Essas influências construtivas, que sofreramas críticas das vanguardas nos anos 60, demar-cam os “primeiros passos do neoconcretismo”no Brasil8 , cuja proposta construtiva serviu a doismovimentos em seqüência: como modo de liqui-dar os estatutos tradicionais, considerados retró-grados, através da assimilação das tendências ra-cionais e que eram formuladas dentro de um pro-cesso civilizador mais amplo, mas que abriam a

especificidade de um campo autônomo para a arteno Brasil e, em seguida, romper com elas. Assim,o Manifesto Neoconcreto, em 1959, apesar declassificar o expressionismo dadaísta e surrealistade retrógrado e de “realismo mágico ouirracionalista”, negou o cientificismo e opositivismo na arte, assim como, sua “política”de produção. O neoconcretismo operou uma sé-rie de distanciamentos que romperam as catego-rias da arte com inversões sentimentais que serecusaram a limitar a forma dentro do camposeletivo e disciplinar de “realidade” moderna, sen-do justamente por manejar os conceitos de ex-pressão e organicidade que operaram a abertura esua distância crítica frente ao reducionismoracionalista do concretismo. Deve-se considerar,de acordo com Brito, que se o concretismo secolocou como projeto de vanguarda cultural bra-sileira, foram também através do neoconcretismoque se formularam a crítica e consciência dessaimpossibilidade. O neoconcretismo e ominimalismo foram os últimos movimentos con-siderados modernos a interrogar a estrutura en-quanto referencial suturado das polaridadessimplificadoras modernas, no desinteresse deambos pela tecnologia industrial como fator deprodução que enquadrava os lances da realizaçãodo trabalho numa estreita racionalidadeprogramática e a problematização sobre a pers-pectiva do “observador”, puderam trazer para ocampo de interrogações as conecticas invisíveis.Considerando-se apenas o neoconcretismo, deve-se apontar a necessidade de re-mobilização daslinguagens geométricas em direção aoenvolvimento mais completo com o sujeito con-tra ‘as rígidas explorações das formas seriais e dotempo mecânico limitado à experiênciaretiniana”(Brito, 1999:76); e ainda, sua posição“marginal”9 , principal especificidade que absor-veu intensidades que eram irredutíveis às mano-bras combinatórias do concretismo.

TEMPO-AÇÃO: CONECTICA E SINGULARIDADES

Apontando para o limiar entre o modo atualmoderno e o contemporâneo, Antônio Cícero(2002) diz que “o neoconcretismo não abandonao quadro num gesto contra a pintura, masradicaliza a exigência de que a pintura sejaimanente” (p.54). De acordo com Cícero, o ca-minho do neoconcreto foi aquele onde o modernochegou às últimas conseqüências, quando bus-cou a arte enquanto arte e encontrou a antiarte.

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Cícero se pergunta se a antiarte é um fenômenopós-moderno, e responde ponderando que se oneoconcreto rompe com a arte que a precede e,se romper com a tradição é tudo que o modernosempre fez, então o moderno não é a tradição daruptura. Segundo Cícero, para pensar a rupturamoderna é preciso tomá-la na bifurcação entre onegativo e o positivo da ruptura, ou seja, ao tor-nar-se tradição constitui-se como o lado negativoda irrupção do novo, mas enquanto aspecto posi-tivo do moderno, a rup-tura é a afirmação do po-der do agora10. Seme-lhante é a descrição deRonaldo Brito (2002)sobre a passagem domoderno ao contempo-râneo. Distinguindo otrabalho artístico moder-no do contemporâneo,Brito descreve o moder-no como um trabalhofeito in loco, no contatocrítico com o material artístico tradicional. Quan-to ao trabalho contemporâneo, seu material radi-calmente reflexivo sobre a negatividade da obramoderna, isto é, trabalhar sobre as rupturas mo-dernistas, elucidar e desidealizar ainstitucionalização da modernidade, como resul-tou assimilada e recuperada. Assim, acrescentan-do que a reflexão contemporânea vai de encontroà negatividade do moderno, Brito enfatiza o traba-lho processual11 , evidenciando que o campo derevolução do tempo-ação contemporâneo procu-ra afastar-se de um tempo ideal abstrato e ausenteatravés da ação imanente12.

Ao refletir sobre a relação problemática en-tre ausência e presença no tempo polarizado mo-derno, Kastrup (2004) recorre à atualidade naqui-lo que ela porta de novidade, onde o novo é defi-nido pela síntese, ligação e coexistência das di-versas camadas de tempo, através das práticas demediação que misturam épocas, gêneros e pensa-mentos heterogêneos, propondo uma definição dotempo onde há conservação integral do passado.A atualidade em Kastrup, tendo sua equivalênciana temporalidade da rede, permite confrontar adicotomia moderna de um tempo homogêneo que“nunca cobriu a totalidade dos seres que coexis-tem num mesmo estrato” (p.86). Referindo-se atese intuicionista de Henri Bergson13, para o qualo tempo real não pode ser apreendido como su-cessão temporal, mas intuitivamente enquanto

duração, então, não somente a memória sobrevi-ve em si enquanto duração, mas também o passa-do não é o presente que passou, já que existe des-de sempre e coexiste com o presente, Kastruptenciona desconstruir a idéia de tempo como di-mensão separada da existência, como um fenô-meno em si, sobre o qual versa a busca do instan-te presente, como irremediavelmente perdido namodernidade. Charney (2001) nos diz que no lu-gar da perda do presente, fugaz e fragmentário da

modernidade, “o reinoda sensação corporal”foi valorizado através do“momento da visão” emHeidegger e Benjamim,que o chamou de o“agora da reconheci-bilidade” (p.390). Se-gundo Cha-rney, toda ainteração entre fixidez doinstante e mobilidade dotempo é clara nos estu-dos dos movimentos

pré-cinematográficos que, entre 1870 e 90, fo-ram realizados por Etienne-Jules Marey e EadweardMuybridge; “ambos utilizaram novas tecnologiaspara reapresentar o movimento contínuo comouma cadeia de momentos fragmentários (...) dei-xando claro que nunca é possível recapturar omovimento por completo” (p.402). Tornando vi-sível o que reside nas sombras e sinalizando umanova forma de narrativa definida pelo movimentoestruturado pelo tempo e espaço concreto, os es-tudos fisiológicos de Muybridge e Marey propu-seram uma reapresentação da busca por localizarum instante fixo de sensação absorvida pela novaarte, “composta de uma série de presentes vaziose invisíveis (...) costurados pela atividade do es-pectador”; percepção de movimento que, de acordocom Charney, “acima de tudo (...) ligou a experi-ência do cinema à experiência da vida diária namodernidade” (p.405).

Kastrup, assim como Charney, coloca emrelevo a correlação entre dispositivos tecnológicose temporalidades, apontando para a abertura pro-porcionada a novas escritas e narrativas que ela-boram localização às demandas da experiênciaconcreta. É através do modelo da rede que Latour(2004), por exemplo, em sua formulação dasconecticas, faz evidenciar a importância dos es-paços de passagem, negligenciados de valor pelopoder de capitalização que a redução assumiu noimaginário moderno. Propondo pensar sobre as

... a metrópole [...] serviu aossurrealistas para inesperadas justa-

posições e suas coleções curiosas, ex-

pondo que as imbricações entre arte,ciência e tecnologia, estão por toda

parte da modernidade

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relações das inscrições e fenômenos processadosatravés dos lugares de memória – bibliotecas,coleções, laboratórios, etc. – Latour demonstracomo estes “intermediários” são fundamentais nafabricação do corpo e alma do conhecimento. Aoenfatizar os fluxos concretos14 que os lugares dememória recebem, conectam, transportam e trans-formam em movimentos incessantes, Latour re-

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realidade ordinária existia outra realidade”(p.136)com a qual o surrealismo partilhava ironicamentecom a etnografia relativista. Ao sugerir a posturaetnográfica de observação participante sobre osartefatos de uma realidade tornada estranha,Clifford mostra de que modo o surrealismo, aofazer o familiar tornar-se estranho e trabalhar nosentido inverso de um pesquisador em campo, oqual tenta tornar compreensível o não-familiar, per-mitiu atualizar “o jogo entre presença e ausênciaem um lugar” enfatizado por Latour.

O mundo da cidade enquanto fonte do ines-perado, para além das reificações do cotidiano,possibilitou aos surrealistas princípios novos declassificação e rearranjos que, retirados do seucontexto funcional, evidenciam o jogo entre o fa-miliar e o estranho, tornando-o “cúmplice secretoda etnografia (...) na descrição, na análise e naextensão das bases da expressão e do sentido doséculo XX” (p.137). Assim, a metrópole, de ou-tro modo, praticamente oposto ao sentimento “deum campo de força de explosões e correntesdestrutivas” que avançavam sobre “o frágil efranzino corpo”18, serviu aos surrealistas para ines-peradas justaposições e suas coleções curiosas,expondo que as imbricações entre arte, ciência etecnologia, estão por toda parte da modernidade,assim como a inventividade e a busca por novosdispositivos capazes de narrar a presença e au-sência imaginada.

As novas tecnologias desencantam maisprofundamente e extensamente ordens estáveis aomesmo tempo em que propõem novos modelospara lidar com as ansiedades sobre a aceleraçãodos fluxos de cultura de novas maneiras. Dessemodo, a imanência contemporânea se espelha nahorizontabilidade da rede, não opõe ausência epresença e não se relaciona a “um Alguma coisacomo unidade superior a qualquer coisa”19. Aoinvés de imaginar o mundo ou representa-lo, pro-põe o enfrentamento.

Deleuze (1998) nos diz que a “linha de fugaé uma desterritorialização”, que não significa dei-xar o mundo:

Não é renunciar às ações, nada mais ativoque uma fuga. É o contrário do imaginá-rio. É igualmente fazer fugir, não obrigatori-amente os outros, mas fazer fugir algo, fazerfugir um sistema como se arrebenta umtubo...Fugir é traçar uma linha, linhas, todauma cartografia. (Deleuze op. cit. Em:Zourabichvili, 2004: 57).

Conforme explica Zourabichvili, linha é omesmo que fugir num determinado recorte daexperiência, onde pares de opostos que englobamuma situação hierárquica na relação “maior–me-nor” interrompem o desejo como processo ouauto-produção. Quando o desejo, entretanto, do-tado de qualidade intrinsecamente feminina e/ounos registros das minorizações que se furtam àsatribuições constitutivas de um “estado” de maio-ridade, definidos pelas instituições de dominaçãona referência ao “macho adulto”, é onde há linhade fuga. Nesse sentido, é no percurso de um pro-cesso desejante que se propõe a vacilação, o sus-to, o inesperado que desorganiza uma situaçãoqualquer. Percebe-se, portanto, que as propostassurrealistas são exemplares nesse processo, as-sim como a marginalidade neoconcreta, aprocessualidade de que nos fala Brito, a bifurca-ção entre o positivo e negativo do moderno e suanão superação apresentadas por Cícero, ou ainda,por exemplo, a apropriação da fisiologia de Mareyna arte de Duchamp20, pois “quando ligadas trans-versalmente que as coisas perdem sua fisionomia,deixando de ser pré-identificadas por esquemasprontos”(Zourabichvili, p. 61). Considerando-seque a fuga não constitui, para Deleuze, a saída deuma situação, o seu rompimento ou sua supera-ção, mas, ao contrário, sendo na desorganizaçãode uma situação qualquer que se faz no limite do“que suportam sem explodir” (Zourabichvili, p.58)que se justifica a superposição de tempos abertospelos regimes de visibilidade tecnológicos eviden-ciando a relação inusitada entre opressão e libera-ção. Originados na perspectiva renascentista, alongo prazo talhados em política cultural de sub-reptícia ordem e seletividade radical das oposi-ções binárias e suas metáforas mecânicas para oscorpos e ainda, mais recentemente, englobandouma tecnologia comunicativa para o império, pro-duzindo o que Hardt e Negri (2004) denominamde biopolítico, é onde, no contemporâneo, o regi-me de visibilidade se presta a articular os indizí-veis e invisíveis em criatividade. Assim, o sentidode “ficar no lugar” imanente pode ser compreen-dido pelo tempo-ação quando se atualiza em devir-mulher já que, para Deleuze, a mulher ao portaruma identidade definida em relação ao comple-mento masculino, ao se afirmar, compromete “asafecções e os costumes” (Zourabichvili, p.58). Odevir-mulher, ao encontrar um ponto de auto-afir-mação transverso a uma identidade imposta, per-mite, segundo Deleuze, na bifurcação das linhasde todo dispositivo, compor aquelas de atualiza-

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ção e criatividade, sua singularidade, sua possíveldistância entre o “que é e como chega a ser”,conforme sublinha Brito (2001), propondo nolocalizável o seu estranhamento.

Assim como as vanguardas modernistasforam ao encontro dos refugos, indizíveis e invi-síveis; laterais e transversos; poderosos e perigo-sos que, recusados pela seletividade moderna pro-cessou sua cartografia, também o acúmulo de dis-positivos e processos de visibilidade e informaçãocontemporâneos permitem, em mão-dupla, seja avisibilidade, a compreensão ou a justaposição denovos sensórios e mapas rumo à localidade dasexperiências híbridas e mestiças de identidadeshipermodernas.

* Trabalho submetido ao NP 21 – Imagem, imaginário eemergência de novos sensórios na urbanidade, do V Encon-tro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom em 28/05/05.

** Psicóloga e aluna de Mestrado da Escola de Comunica-ção da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.Pesquisadora do CNPQ do núcleo N-Imagem da ECO-UFRJ.

1 Latour (apud Kastrup, 2003, p. 86).

2 “O inquérito era um procedimento pelo qual, na práticajudiciária, se procurava saber o que havia ocorrido. Trata-va-se de reatualizar um acontecimento passado através detestemunhos apresentados por pessoas que, por uma ra-zão ou outra – por sua sabedoria ou pelo fato de terempresenciado o acontecimento – eram tidas como capazesde saber” (Foucault, 1996:87).

3 Proposto como imaginário “oconjunto de representações, cren-ças, desejos, sentimentos, atra-vés dos quais um indivíduo ougrupo de indivíduos vê a realida-de e a si mesmo” (Jupiassú;Marcondes, 1996:139).

4 Segundo Heartney, “a idéia deBarthes pode ser melhor com-preendida a partir de sua distin-ção entre a Obra e o Texto. Aobra leva-nos de volta à esferapré-estrutural, onde existe ummundo externo estável de ondesai a obra de arte ou o texto. Atarefa do leitor é simplesmenteinterpretar, ou, como dizBarthes, “consumir”, de acordocom as intenções do criador. Otexto, por sua vez, é uma rede designificantes entrelaçados e sig-nificados prorrogados que com-põem o pós-estruturalismo. Ou,

como descrito por Barthes, o Texto é “um espaçomultidimensional no qual uma variedade de escritos, ne-nhum deles original, se mistura e entrechoca. (...) O texto éum tecido de citações extraídas de inúmeros centros decultura” (HEARTNEY, Eleanor, 2002:10).

5 Segundo Cocchiarale (2003), o objetivo básico da artemoderna foi marcar sua diferença em relação à representa-ção naturalista renascentista. A idéia de ruptura,determinante para abrir um espaço próprio de especificidadeà arte moderna, também orientou as divergências sucessi-vas entre as vanguardas intra-modernas que em suas dife-rentes propostas afirmavam a arte enquanto “territórioautorizado a produzir imagens autônomas em relação àrealidade exterior à obra”(p.141). Se, por um lado, as rup-turas intra-modernas promoveram a autonomia da arte, deoutro, permaneceram vinculadas à perspectiva ótica atra-vés do que Cocchiarale nomeia de presentação, ou seja, orecurso pelo qual se procura explicitar a unidade de cadaum dos procedimentos de construção da imagem, seja pelanegação, ênfase ou substituição. A importância da imagemna representação naturalista ou na presentação modernafoi, ainda segundo Cocchiarale, dissolvida através da arteconceitual que, atribuindo à idéia um papel primordial aoato criativo que, fundado não mais no conceito de ruptura,propôs a retomada dos meios expressivos cuja relação como passado fundou-se na síntese das questões legadas pordiferentes momentos da história da arte.

6 Esta problemática das polarizações do tempo-sentimen-to foi tematizada em suas versões soviéticos e ocidentaisna luta contra o intuicionismo e o subjetivismo que, segun-do Brito (1999), eram atribuídos ao expressionismo noprimeiro caso e à sociedade burguesa no outro.

7 De acordo com Brito (1999), representado no Ocidentepela De Stijl, Cercle et Carré, Bauhaus e arte concreta,esforçava-se por uma racionalização “confusamente atre-lada a um projeto revolucionário alternativo à arte retórica,pela via não representativa e não metafórica, que o caracte-rizava na procura do rigor formal da evolução da linguagemda arte, como modo de conhecimento”. A contribuiçãoconstrutivista que, ao buscar integrar a arte e a técnica,

NOTAS

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Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem70

abriu o caminho para uma consciência inteligente dos pro-cessos de produção em arte, de outro, a posição dos seusagentes nesses limites propostos não permitia seposicionarem criticamente em relação à sociedade. Como“trabalhadores especializados acabavam por ter pouco con-tato com a política” (p.14) que, permanecendo na esferaideal, permitiam transportar do campo cultural para a arteos procedimentos necessários ao progresso da civilização.

8 Quando houve não somente a necessidade de utilizar oconstrutivismo como instrumento contra os“expressionistas” “Portinari, Lasar Segall, Emiliano DiCavalcanti”, mas para também delimitar sua distância da-quelas estéticas que pareciam responder “a necessidadesideológicas amplas – simplificando, digamos que seguiamem busca de uma identidade nacional, voltados para o pro-jeto da brasilidade – e se mantinham presos ao esquematradicional de representação” (Brito, 1999:13).

9 Segundo referência de Brito (1999) e Cocchiarale (2003),destaca-se entre os concretistas, o grupo do Rio de Janeiro,integrado, entre outros, por Lygia Clark, Lygia Pape e Hé-lio Oiticica, que procuravam romper os postuladosconstrutivistas transformando suas funções, sobretudo noque dizia respeito ao privilégio da objetividade, ao projetode desenvolvimento brasileiro e a inserção dos agentes cons-trutivos na eficácia do plano da informação de massa –proposta identificada em sua abrangência com o grupo deSão Paulo - inventaram uma vanguarda que não se guiavapor nenhum projeto de transformação social.

10 Ao dizer que o moderno considera o agora sua únicaessência, Cícero não nega o contemporâneo, mas esgarça omoderno ao limite, pois “moderna se diz a época que nãose define (...) por um nome próprio que o passado lhetenha atribuído (...) o moderno só pode ser superado poroutro moderno (...) Não se pode empregar pós-modernoem nenhum contexto” (p.56).

11 “Um esforço paradoxal para capitalizar poder negativo.Este poder era o apanágio das vanguardas, seu ponto departida. Agora porém não é mais passível de utilização ime-diata. No nível empírico é um fato, coisa alguma impõe-sehoje pela estranheza. (…). As coisas da arte não apontam umadireção clara de positividade ou negatividade – sua processualidadedecide tudo nesse sentido” (Brito, 2003: 213).

12 Imanência, do latim tardio, immanere, significa ficar nolugar. Qualidade daquilo que pertence ao interior do ser,que está na realidade ou na natureza; entre os escolásticos,opõe-se a transitivo: uma ação imanente só produz efeitono interior do próprio agente. A visão é uma ação imanente,só tendo efeito sobre aquele que vê. Oposto àtranscendência (Jupiassú e Marcondes, 1996: 139).

13 Segundo Jupiassú e Marcondes, a tese intuicionista deBergson define-se “rejeitando o materialismo, omecanicismo e o determinismo. Propõe a criatividade e nãoa seleção natural como princípio explicativo da evolução.Valoriza a intuição contra o intelecto, considerando queeste é incapaz de empreender a realidade no seu sentidomais profundo e de explicar nossa experiência. Aplica essadistinção à análise do tempo, distinguindo entre tempo(temps) e duração (durée), sendo que esta última instância, o

“tempo real”, só pode ser apreendida intuitivamente e nãocomo sucessão temporal”. (Jupiassú; Marcondes, 1996:29).

14 A partir de uma relação entre dois lugares, Latour definea informação como um modo peculiar de carregar e cujopapel principal é o da negociação na escolha de veículos deconfiabilidade de mediação. A informação só existe na con-dição de circulação de algum veículo material, que denomi-na de inscrição. Sendo na escolha de veículos que “devempermitir a mobilidade das relações e a imutabilidade do quetransportam”(p.55) onde se processaram a história e a ci-ência modernas, suas práticas e metodologias maisnuançadas que a produção de informação permitiu “resol-ver de modo prático, por operações de seleção, redução,extração, a contradição entre presença e ausência numlugar”(Latour, 2004:.42).

15 Singer refere-se ao nova-iorquino Michael Davis, adeptodo movimento de reforma social, que descrevia o novomovimento urbano que incluía o sensacionalismo sobre osnovos perigos do ambiente urbano tecnológico. (Singer,2001: 134).

16 Marinetti e outros futuristas celebraram a agitação docinema como “uma mistura de objetos e realidade reunidosaleatóriamente”. Para os surrealistas franceses, séries sen-sacionalistas “marcaram uma época” ao “anunciar as revi-ravoltas do novo mundo”. Esses autores reconheceram amarca da modernidade tanto no conteúdo sensacionalistado cine-feuilleton (“crimes, partidas, fenômenos, nada me-nos de que a poesia de nossa época”) quanto no poder docinema como veículo para transmitir velocidade, simulta-neidade, superabundância visual e choque visceral (comoEisenstein, Vertov e outros cineastas/ teóricos iriam embreve reelaborar) (Singer, 2001: 137).

17 Para a vanguarda parisiense, a África (e, em menor grau,a Oceania e a América) fornecia uma reserva de outrasformas e outras crenças. Isso sugere um segundo elementoda atitude etnográfica surrealista, a crença de que o outro,seja ele acessível através dos sonhos, dos fetiches ou damentalité primitive, era um objeto crucial da pesquisa mo-derna. Diferentemente do exotismo do século XIX, quepartia de uma ordem cultural mais ou menos confiante embusca de um frisson temporário, de uma experiência cir-cunscrita do bizarro, o surrealismo moderno e a etnografiapartiam de uma realidade profundamente questionada(Clifford, 1998:136).

18 Conforme descrito por Walter Benjamin em “ONarrador”, citado em Clifford (1998:135) e enfatizado porSinger (2001:132).

19 Deleuze, A Imanência: uma vida ... (apud Zourabichvili,2004, p. 75).

20 Machado aponta a série que decorre do Nu DescendantL‘Escalier (1912) de Duchamp como derivadas diretamen-te das experiências de cronofotografias de Marey. MA-CHADO, Arlindo. Anamorfoses Cronotópicas ou a QuartaDimensão da Imagem. In PARENTE, André (Org.) Ima-gem Máquina: A Era das Tecnologias do Virtual. Rio deJaneiro:, 2001.

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