9
76 Julho 2010 artigo científico ac Biomecânica da caminhada em inclinações PEYRÉ-TARTARUGA, Leonardo Alexandre 1 ; GOMEÑUKA, Natalia Andrea 2 1- Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2- Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo A caminhada é a forma mais comum de locomoção humana. O objetivo deste estudo foi analisar os aspectos biomecânicos e suas repercussões nos limites da caminhada em situações de terreno inclinado. Através de um modelo teórico e dados da literatura, analisamos aspectos cinemáticos, eletromiográficos, dinâmicos e energéticos da caminhada em inclinações entre -45% a +45%. Os resultados principais mostram que: I) o limite de caminhada em declives é baseado na carga mecâ- Palavras-chave: gradiente, locomoção humana, biomecânica, eficiência The walking is the most common form of human locomotion. The aim of this study was to analyze the biomechanical aspects and its repercussions on limits of gradient walking. Using a modelistic approach and data from literature, we analyze the kinematic, electromyographic dynamic and energetical features of walking in slopes from -45% to + 45%. The main results are: I) the limit for walking in positive gradients is related to Abstract Keywords: gradients, human locomotion, biomechanics, efficiency nica imposta ao membros inferiores, especialmente aos teci- dos moles; II) o limite de caminhada em aclives é determinado pela exces- siva e inevitável geração de trabalho mecânico positivo e à correspondente baixa eficiência de locomoção nesta situação; III) as inclinações ótimas para subir e descer um terreno incli- nado são, respectivamente, +25% e -10%. Os mecanismos biomecânicos destes resultados são discutidos. mechanical load applied to lower limbs, mainly to soft tissues; II) the limit of walking at uphill is determinated by the excessive and unavoidable generation of positive mechanical work and corresponding low efficiency of locomotion in that situation; III) the optimal gradients to ascent or to descent an inclined terrain are, respectively, +25% and -10%. The biomechanical mechanisms of these results are discussed. A locomoção humana bipedal realizada em baixas velocidades, a caminhada, é uma forma rara de deslocamento no rei- no animal. Alguns primatas a realizam de forma transitória e poucos animais se deslocam de modo importante através desta estratégia (SCHMITT, 2003). Durante um ciclo de passada de ca- minhada, a energia cinética do CM cor- poral varia inversamente com a energia potencial gravitacional do CM. Apesar da presença importante deste comporta- mento, a transformação de energia entre uma forma e outra não é total, e o restan- te de energia necessária para manter a locomoção é providenciado pelos mús- culos e é, quando normalizado pela mas- sa corporal e por unidade de distância, igual à 0,3 J.kg -1 .m -1 , durante a velocida- de ótima de caminhada (aproximadamen- te 4,5 km.h -1 em adultos). Este mecanis- mo pendular de minimização de energia foi primeiramente observado por CAVAGNA et al.(1963) e denominado como modelo do "pêndulo invertido". Quando nos deslocamos no plano, é bem determinado que o trabalho mecâ- nico líquido tem um valor muito baixo e, não é igual a zero, devido à resistência do ar e à fricção dos tecidos, mas ainda assim é comumente assumido como negligenciável (ALEXANDER, 1989), po- rém a energia mecânica total para movi- mentar o CM em relação ao ambiente ex- terno varia durante um ciclo de passada, de modo que o somatório dos incremen- tos (trabalho positivo) é igual ao somatório dos decrementos (trabalho ne- gativo). Além da importância para as ativi- Introdução artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:35 76

artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

76 Julho 2010

a r t i g o c i e n t í f i c oac

Biomecânica da caminhadaem inclinaçõesPEYRÉ-TARTARUGA, Leonardo Alexandre1; GOMEÑUKA, NataliaAndrea2

1- Universidade Federal do Rio Grande do Sul

2- Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo

A caminhada é a forma mais comum de locomoção humana. Oobjetivo deste estudo foi analisar os aspectos biomecânicos esuas repercussões nos limites da caminhada em situações deterreno inclinado. Através de um modelo teórico e dados daliteratura, analisamos aspectos cinemáticos, eletromiográficos,dinâmicos e energéticos da caminhada em inclinações entre-45% a +45%. Os resultados principais mostram que:I) o limite de caminhada em declives é baseado na carga mecâ-

Palavras-chave: gradiente, locomoção humana, biomecânica, eficiência

The walking is the most common form of human locomotion.The aim of this study was to analyze the biomechanical aspectsand its repercussions on limits of gradient walking. Using amodelistic approach and data from literature, we analyze thekinematic, electromyographic dynamic and energetical featuresof walking in slopes from -45% to + 45%. The main results are:I) the limit for walking in positive gradients is related to

Abstract

Keywords: gradients, human locomotion, biomechanics, efficiency

nica imposta ao membros inferiores, especialmente aos teci-dos moles;II) o limite de caminhada em aclives é determinado pela exces-siva e inevitável geração de trabalho mecânico positivo e àcorrespondente baixa eficiência de locomoção nesta situação;III) as inclinações ótimas para subir e descer um terreno incli-nado são, respectivamente, +25% e -10%. Os mecanismosbiomecânicos destes resultados são discutidos.

mechanical load applied to lower limbs, mainly to soft tissues;II) the limit of walking at uphill is determinated by the excessiveand unavoidable generation of positive mechanical work andcorresponding low efficiency of locomotion in that situation;III) the optimal gradients to ascent or to descent an inclined terrainare, respectively, +25% and -10%. The biomechanical mechanismsof these results are discussed.

A locomoção humana bipedal realizadaem baixas velocidades, a caminhada, éuma forma rara de deslocamento no rei-no animal. Alguns primatas a realizamde forma transitória e poucos animais sedeslocam de modo importante atravésdesta estratégia (SCHMITT, 2003).

Durante um ciclo de passada de ca-minhada, a energia cinética do CM cor-poral varia inversamente com a energiapotencial gravitacional do CM. Apesar dapresença importante deste comporta-mento, a transformação de energia entreuma forma e outra não é total, e o restan-

te de energia necessária para manter alocomoção é providenciado pelos mús-culos e é, quando normalizado pela mas-sa corporal e por unidade de distância,igual à 0,3 J.kg-1.m-1, durante a velocida-de ótima de caminhada (aproximadamen-te 4,5 km.h-1 em adultos). Este mecanis-mo pendular de minimização de energiafoi primeiramente observado porCAVAGNA et al.(1963) e denominadocomo modelo do "pêndulo invertido".

Quando nos deslocamos no plano, ébem determinado que o trabalho mecâ-

nico líquido tem um valor muito baixo e,não é igual a zero, devido à resistênciado ar e à fricção dos tecidos, mas aindaassim é comumente assumido comonegligenciável (ALEXANDER, 1989), po-rém a energia mecânica total para movi-mentar o CM em relação ao ambiente ex-terno varia durante um ciclo de passada,de modo que o somatório dos incremen-tos (trabalho positivo) é igual aosomatório dos decrementos (trabalho ne-gativo).

Além da importância para as ativi-

Introdução

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3576

Page 2: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

a r t i g o c i e n t í f i c o

77Julho 2010

acdades da vida diária e como forma detreinamento aplicado no campo da saú-de, a caminhada é um modo importantede transporte de carga em regiões do pla-neta onde os meios tecnológicos de trans-porte terrestre não são possíveis (e.g.,Himalaia, Andes e Amazônia). A locomo-ção carregada nestas regiões assumeuma importância com efeitos na estrutu-ra social e econômica local. Porém nes-tas regiões, os terrenos são acidentadose caracterizados por inclinações. Tendoem consideração que o modelo do pên-dulo invertido assume pouca importân-cia em inclinações (MINETTI et al., 1993,1994, ver figura 1) o presente trabalhoapresenta as seguintes questões quenortearão o texto:

I) quais os limites da locomoção emaclives?

II) quais os limites da locomoção emdeclives?

III) qual a inclinação de terreno 'óti-ma' em aclives e declives? Além de res-ponder a estes questionamentos, fatoresbiomecânicos que sustentam estes resul-tados serão apresentados e discutidos.

Material e métodos

A fim de responder as questões desteestudo, dois experimentos realizadospelo presente grupo são apresentados.

Experimento 1Neste experimento, foi usado um

modelo biomecânico, denominado comoModelo do Custo Eletromiográfico, EMG.Os detalhes deste modelo são apresenta-dos em um estudo anterior (PEYRÉ-TAR-TARUGA, 2008). Resumidamente o mo-delo assume que:

I) toda a energia despendida pelosmúsculos possui uma correspondentequantidade de ativação EMG.

II) a atividade EMG realizada pelosmúsculos posturais durante todo o ciclode passada e pelos músculos propulso-res durante a fase de balanço foi consi-

derada como uma atividade EMG realiza-da durante contrações isométricas. Foiconsiderada como contração excêntricae concêntrica a atividade EMG realizadapelos músculos propulsores durante aprimeira e a segunda metades da fase deapoio, respectivamente.

III) O custo energético da locomo-ção é devido à ativação de músculos pro-pulsores e posturais, estes últimos nãodiretamente ligados à geração de traba-lho mecânico.

IV) Mais do que uma relação com aprodução de força muscular, a quantida-de de ativação EMG e, consequentementeo custo EMG, possui uma correspondên-cia com o trabalho mecânico realizadodurante a ativação muscular.

Um homem adulto, sem história delesões no sistema músculo-esquelético,realizou caminhadas de 2 minutos, so-bre uma esteira (WOODWAY, Usa) nasvelocidades de 2, 3, 4, 5, 6 e 7 km.h-1, e

nas inclinações de 0, 5, 10 e 15%. O vo-luntário foi informado do objetivo do es-tudo, dos riscos e eventuais desconfor-tos e assinou um termo de consentimen-to.

O indivíduo estava vestido com rou-pas apropriadas para caminhada. A cole-ta de dados foi realizada em inclinaçõesde 0, 5, 10 e 15 % nas velocidades de 2, 3,4, 5, 6, 7 km.h-1 para cada inclinação. Aatividade eletromiográfica de dezesseismúsculos foi analisada (erector spinaelongissimus, erector spinae iliocostalis,trapezius descendens, latissimus dorsis,obliquus externus abdominis, obliquusinternus abdominis, rectus abdominis,deltoideus anterior, trapezius ascendens,gluteus maximus, gluteus medius, rectusfemuralis, vastus lateralis, bicepsfemuralis caput longus, tibialis anteriore gastrocnemius lateralis) usando umeletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália).

Para a preparação do local e coloca-

Figura 1: (A) Energia cinética e potencial gravitacional somadas; (B) Energia cinética e potencial

gravitacional somadas, porém excluindo o trabalho líquido de elevar eu descer o centro de

massa. Fonte: GOTTSCHALL e KRAM, 2006.

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3577

Page 3: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

78 Julho 2010

a r t i g o c i e n t í f i c oacção dos eletrodos de superfície bipolaresforam observadas as orientações daSeniam (FRERIKS et al., 1991). Simultane-amente ao registro eletromiográfico, si-nais advindos de seis sensores de pres-são (footswitches), três em cada pé (re-gião do calcanhar, quinto e primeirometatarsos inferiores), foram re-gistrados no eletromiográfo portátil. Ossinais eletromiográficos foram pré-am-plificados com razão de rejeição maiorde 95 dB e um nível de ruído menor doque 1 mV rms e filtrados por um filtro dotipo Butterworth (50-450Hz, terceira or-dem). A frequência de amostragem daeletromiografia e dos sensores de pres-são foi de 1000 Hz.

Foram coletadas massa, estatura cor-poral e comprimento de membro inferi-or. As dobras cutâneas também foramcoletadas antes dos testes usando umplicômetro (The body calliper, CA, Usa).Um possível efeito de fadiga no sinal EMGfoi controlado repetindo o primeiro tes-te. Com diferenças maiores de 10%, o tes-te seria descartado, porém a diferença foimenor do que este limite.

Um conjunto de algoritmos foi de-senvolvido em Labview, a fim de anali-sar o sinal EMG e as variáveis espaço-temporais. O programa retifica, suaviza(através de uma integração, comjanelamento móvel, 50Hz, do tipoHamming) e divide todas as curvas deEMG por ciclo de passada, retirando osciclos de passadas com um tempo 20%menor ou maior do tempo médio do ci-clo de passada e do tempo de apoio. Após,normaliza o tempo do ciclo para 100 qua-dros (interpolação via spline), e calcula amédia, desvio-padrão e coeficiente devariação em cada quadro, por músculoanalisado. Este procedimento tem o ob-jetivo de criar gráficos de atividadeeletromiográfica em função dopercentual do ciclo de passada.

Experimento 2Cinco carregadores Nepaleses (ida-

de: 23 ± 9 anos; estatura: 1,63 ± 0,03 m;massa corporal: 54,6 ± 6,2 kg) e cincomontanhistas Caucasianos (idade: 32 ± 3anos; estatura: 1,76 ± 0,07 m; massa cor-

poral: 74,2 ± 6,7 kg), selecionados porvoluntariedade, realizaram o experimen-to em Namche-Bazar, região do valeKhumbu no Parque Nacional deSagarmãthã (Everest em nepalês). O ex-perimento consistia de caminhada sem ecom carga (40 kg) em situação de subidae descida, com uma inclinação média de22%, em um ritmo que poderiam supor-tar por muitas horas. Os Nepaleses utili-zaram a usual faixa na testa onde era li-gada com a cesta nas costas onde supor-tavam o peso, enquanto que osCaucasianos usaram uma mochila de al-pinismo. O trecho foi escolhido de modoa assegurar que as trocas de energia fos-sem principalmente devidas às mudan-ças de energia potencial, sem a possibili-dade de transferência entre energia po-tencial e cinética dentro de uma passada(MINETTI et al., 2006). Antes de iniciar osexperimentos, eram realizadas medidasde dobras cutâneas nas regiões de colo-cação de eletrodos.

O set-up experimental incluiu umeletromiógrafo portátil (PocketEmg, BTS,Milão, Itália), um analisador de gasesportátil (K4b2, Cosmed, Roma, Itália), umGPS (GPSmAP76CS) e lactímetro(Accutrend, Roche Diagnostic, Basel, Su-íça). Foram analisados a atividadeeletromiográfica de quatorze músculos(erector spinae longissimus, erectorspinae iliocostalis, trapezius descendens,latissimus dorsis, obliquus externusabdominis, obliquus internus abdominis,rectus abdominis, deltoideus anterior,trapezius ascendens, gluteus maximus,gluteus medius, biceps femuralis caputlongus, vastus lateralis e gastrocnemiuslateralis).

Para a preparação do local e coloca-ção dos eletrodos de superfície bipolaresforam seguidas as orientações da Seniam(FRERIKS et al., 1991). Simultaneamenteao registro eletromiográfico, sinaisadvindos de seis sensores de pressão(footswitches), três em cada pé (regiãodo calcanhar, primeiro e quinto metatarsoinferior), eram registrados noeletromiográfo portátil. Os sinaiseletromiográficos foram pré-amplifica-dos com razão de rejeição maior de 95

dB e um nível de ruído menor do que 1 Vrms e filtrados por um filtro do tipoButterworth (50-450Hz, terceira ordem).A frequência de amostragem daeletromiografia e sensores de pressão foide 1000 Hz.

O custo metabólico foi calculadosegundo procedimentos do estudo ante-rior (MINETTI et al., 2006). O sinaleletromiográfico foi retificado e integra-do e os valores médios da atividadeeletromiográfica de todo o trecho foramsubtraídos pelos respectivos valores dasituação em repouso (idem ao consumode O2) e, divididos pela velocidade mé-dia (V f ). A potência eletromiográficageral foi obtida a partir do somatório dosquatorze músculos, ponderado pelos res-pectivos volumes musculares(YAMAGUCHI et al., 1991) e dobra cutânearespectiva. A potência mecânica verticalfoi calculada como a variação de energiapotencial (obtida através do uso de umdispositivo GPS, Garmin, Italia) divididapelo tempo necessário para realizar a ca-minhada. A fim de comparar os efeitos einterações gerais de carga (sem cargasversus 40 kg), inclinação (+22% versus -22%) e grupo (montanhistas Caucasianosversus carregadores Nepaleses) umAnova de três caminhos foi aplicado etestes t de student foram realizados: domodo pareado para testar os efeitos decarga e inclinação e do modo indepen-dente para testar o efeito do grupo (α =0,05).

Resultados

Resultados do Experimento 1As variáveis espaço-temporais da

caminhada em diferentes velocidades ediferentes inclinações são apresentadasna tabela 1. O comprimento de passada(CP) e a frequência de passada (FP) au-mentam com o aumento da velocidade,porém não com o aumento da inclina-ção. O duty factor (fração da passada emque um pé está em contato no solo, DF) émaior na velocidade ótima de locomo-ção nas inclinações (10 e 15%) enquantoque apresenta uma relação inversa comvelocidade de progressão (Vf) nas incli-

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3578

Page 4: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

a r t i g o c i e n t í f i c o

79Julho 2010

acnações mais baixas (0 e 5%).

A atividade EMG dos músculosposturais (erector spinae longissimus,erector spinae iliocostalis, trapeziusdescendens, latissimus dorsis, obliquusexternus abdominis, obliquus internusabdominis, rectus abdominis, trapeziusascendens) e dosmúsculos propulsores(gluteus maximus, gluteus medius, rectusfemoralis, vastus lateralis, deltoideusanterior, biceps femoralis caput longus,tibialis anterior e gastrocnemius lateralis)é apresentada nas figuras 2 e 3. Os resul-tados do presente estudo referente aocomportamento da atividadeeletromiográfica durante caminhada noplano são semelhantes à literatura, tantoem relação aos músculos propulsores(LAY et al., 2007, NYMARK et al., 2005),quanto para os músculos posturais(WHITE e MCNAIR, 2002, DEN OTTER etal., 2004, LAMOTH et al., 2006).

De um modo geral, o sinal EMG emfunção do percentual do ciclo (portantoindependente da distância percorrida),aumentou conforme o aumento da velo-cidade e inclinação. Observa-se tambémum aumento no offset nas maiores incli-nações (veja figuras 2 e 3). O maior picode ativação eletromiográfico entre osmúsculos propulsores foi do tibialis an-terior com valor de 7,3 mV, a 7 km.h-1 à15%, enquanto que o pico máximo dosmúsculos posturais foi do trapeziusascendens com 3,4 mV também a 7 km.h-1

à 15%.

O padrão de ativação parece seguirum padrão bem definido, com exceçãodo trapezius descendens, obliquusinternus abdominis onde picos de ativa-ções aparecem após os 3 km.h-1 seguin-do um comportamento de aumento como acréscimo da inclinação, e no músculodeltoideus anterior no qual até a veloci-dade de 5 km.h-1 o pico maior se apresen-ta no final da fase de apoio enquanto quenas velocidades de 6 e 7 km.h-1 o picopassa a se situar na fase de balanço. Oúnico músculo analisado neste estudoque apresenta um comportamento dife-rente entre as inclinações é o rectusfemoralis onde nas inclinações 0, 5 e 10%

os picos aparecem apenas nas velocida-des rápidas enquanto que na inclinaçãode 15% o pico é visível logo na velocida-de de 2 km.h-1.

Para nosso conhecimento, não exis-tem dados de atividade eletromiográficade músculos posturais durante caminha-da nas inclinações. A quantidade de ati-vação eletromiográfica por passada dosmúsculos posturais e propulsores pare-cem aumentar com o acréscimo da velo-cidade e inclinação.

Resultados do Experimento 2A velocidade relativa (número de

Froude) dos Nepaleses foi maior do que

as dos Caucasianos em situação com car-ga (p<0,01), mas sem carga, as diferen-ças diminuem acentuadamente (4 e 23 %maiores, sem e com carga, respectiva-mente, p>0,05). O CP e FP dos Nepalesesforam maiores na subida com carga, masdurante a descida com carga, apesar damaior, apenas o CP foi maior nosNepaleses e a FP foi similar (p>0,05).

A atividade EMG por unidade de tem-po foi similar entre Nepaleses eCaucasianos. Contudo, a ativação EMGtotal, ou seja, por unidade de distância("custo" EMG da locomoção) foi notavel-mente maior nos Caucasianos na situa-ção com carga, especialmente na fase desubida (observe a inclinação das retas na

Tabela 1: Valores médios e desvios-padrão (dp) de frequência de passada (FP), comprimento

de passada (CP), tempo de fase de balanço (ta), tempo de contato (tc) e duty factor (DF) nas

diferentes velocidades (Vf) em diferentes inclinações do terreno.

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3579

Page 5: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

80 Julho 2010

a r t i g o c i e n t í f i c oac

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3580

Page 6: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

a r t i g o c i e n t í f i c o

81Julho 2010

ac

Figuras 2 e 3: Valores médios de atividade eletromiográfica, entre 52 e 70 ciclos de passada, com o tempo de passada normalizado em

percentual do ciclo. O 0-100% representa o momento de contato com o solo. As cores indicam a velocidade de caminhada (de 2 à 7 km.h-1).

Cada músculo é representado nas linhas e, em cada coluna é apresentada a atividade eletromiográfica por inclinação.

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3681

Page 7: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

82 Julho 2010

a r t i g o c i e n t í f i c oacfigura 4). A atividade eletromiográficatambém foi analisada no domínio dafrequência para testar uma possível di-minuição nos parâmetros de mediana,média e pico da frequência que pudes-sem explicar, via fadiga neuromuscular(KNAFLITZ e BONATO, 1999), o efeito dacarga no aumento da ativaçãoeletromiográfica por distância percorri-da nos Caucasianos (inclinações das re-tas na figura 4).

Utilizou-se a transformada rápida deFourier com janelamento de 10 segun-dos, analisando o centro dos bursts de512 pontos determinados por umaintegração com janelamento móvelHanning de 50 ms. Todavia, nenhuma

diferença significativa foi encontradanos parâmetros de frequência entre osprimeiros e últimos vinte segundos deexperimento (diminuições < 5%). O no-tável desempenho dos Nepaleses na su-bida com carga é confirmado pela potên-cia mecânica vertical 33% maior do que ados Caucasianos. Embora a Vf e a potên-cia mecânica vertical sejam maiores nosNepaleses, estes apresentam um custometabólico 39% menor que osCaucasianos (figura 4).

Discussão

A discussão será apresentada através dosquestionamentos centrais do estudo.

I) Quais os limites da locomoção emdeclives?

É bem determinado na literatura quecaminhar em declives não é um desafiodo ponto de vista energético. Para qual-quer inclinação positiva, sua análoga in-clinação negativa representa um esforçofisiológico menor (figura 5A). Porém pro-vas de longa duração realizadas em mon-tanhas têm demonstrado que as maioresdiferenças de tempos acontecem em in-clinações negativas. Portanto, se a capa-cidade do sistema energético em suprirenergia para o exercício não é um limitepara a locomoção em declive, o que limi-ta esta atividade?

Em um experimento realizado nonosso laboratório (dados não publica-dos), sujeitos corredores realizaram 30minutos de corrida a 10 km.h-1 no planoe, em dois dias diferentes deveriam rea-lizar o mesmo tempo de atividade eminclinações de + e - 15% a uma velocida-de onde o sujeito despenderia o mesmogasto energético (iso-potência, ARDIGÒet al., 2003). Todos os 5 sujeitos realiza-ram a atividade em +15% a uma veloci-dade de 4,9 km.h-1 mas surpreendente-mente nenhum deles a realizou na situa-ção de declive (a uma velocidade de 13,8km.h-1). Inclusive o sujeito com experi-ência de provas de montanha, bem comoos outros sujeitos, relataram desconfor-to intenso e dor especialmente nas arti-culações.

Este dado corrobora com dados deforças de reação do solo, especialmentereferentes a impacto, onde os maioresvalores foram para as situações de incli-nação negativa com indicação de maiorprobabilidade de "overuse" nesta situa-ção (GOTTSCHALL e KRAM, 2005). É pro-vável que em situação de inclinação ne-gativa as cargas mecânicas impostas aostecidos dos membros inferiores alcan-cem valores próximos do seu limite. Es-tudos com maior controle de variáveisrelacionadas à lesão, tais como vibraçõesnas estruturas de membros inferiores du-rante locomoção em declives, podemoferecer um maior "insight" sobre estelimite.

Figura 4: Médias e erros-padrões da média do custo EMG, potência mecânica vertical (PMV) e

custo metabólico em função da massa total transportada (massa corporal + carga) dos

carregadores nepaleses (NEP) e montanhistas caucasianos (CAU) em subida (up) e descida

(down).

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3682

Page 8: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

a r t i g o c i e n t í f i c o

83Julho 2010

acII) Quais os limites da locomoção

em aclives?

Diferentemente da situação anteri-or, a locomoção em inclinações positi-vas é limitada pela capacidade de forne-cimento de energia do sistemacardiovascular à demanda da tarefa. Estademanda é caracterizada por uma gera-ção importante e, acima de 15% na cami-nhada e 30% na corrida, exclusiva de tra-balho positivo muscular. Como obser-vado no Experimento 2, o trabalho posi-tivo realizado é devido a tarefa 'inevitá-vel' de elevação do corpo, em outras pa-lavras, de acréscimo de energia potenci-al do corpo durante a ascensão. Aliado aesta contingência da tarefa, a respectivaeficiência muscular durante o trabalhopositivo, relacionado à contração con-cêntrica dos músculos propulsores dacaminhada, auxilia a compreender as cau-sas deste alto dispêndio de energia paragerar o trabalho mecânico necessário.

A quantidade de atividadeeletromiográfica advinda dos músculospropulsores, como apresentados nos ex-perimentos 1 e 2, confirmam este racio-cínio. Para um dado trabalho mecânicopositivo é necessário aproximadamentequatro vezes mais energia metabólica,enquanto que, para um dado trabalho me-cânico negativo, a mesma ou até menosquantidade de energia metabólica é ne-cessária para a tarefa (WOLEDGE, 1985).Portanto, as razões do limite de locomo-ção em inclinações positivas sãocentradas no tipo de trabalho mecânico erespectiva baixa eficiência mecânica du-rante esta tarefa.

III) Qual a inclinação de terreno 'óti-ma' em aclives e declives?

A caminhada no plano (e em veloci-dade constante) envolve a mesma quan-tidade de trabalho externo positivo(W+,ext, elevação e aceleração do CM) enegativo (W-,ext, descenso e frenagem doCM) devido ao movimento cíclico da tra-jetória do CM na direção vertical e hori-zontal. Nas situações de inclinação, a pro-gressão do CM se comporta de modo nãouniforme, e as proporções de trabalho

positivo e negativo não são iguais. Nes-tas situações, os níveis de frenagem (du-rante a fase posterior ao contato do cal-canhar com o solo) durante a caminhadaem subida, e os níveis de aceleração (nafase anterior ao momento do despreguedo pé com o solo) durante a caminhadaem descida são reduzidos.

É bem estabelecida na literatura aexistência de inclinações ótimas de ca-minhada ou de mínimo custo energético,as quais são -10% e +25% para a caminha-da em declives e aclives, respectivamen-te. Analisando os determinantes mecâni-cos e energéticos da locomoção, foi pos-sível estabelecer que a inclinação ótimade caminhada em declive acontece a -10%.Nesta inclinação os valores relativos de

W+,ext (ações musculares concêntricas)e de W+,ext (ações musculares excêntri-cas) e suas respectivas eficiências (efici-ência do trabalho negativo = 1,25; efici-ência do trabalho positivo = 0,25) deter-minam as causas biomecânicas do me-nor gasto energético a -10% (figura 5A e B,MINETTI et al., 1993).

Outro problema importante dabiomecânica da locomoção se refere àinclinação ideal para realizar uma ascen-são. Duas estratégias básicas são possí-veis: a) realizar a ascensão na inclinaçãomais extrema possível, diminuindo des-te modo a distância percorrida; b) reali-zar a ascensão com a inclinação menorpossível, devido ao menor custo de trans-porte em baixas inclinações.

Figura 5a: Custo de Transporte (J.kg-1.m-1) da caminhada em função da inclinação, com

velocidade média constante (1,33 m.s-1).

Figura 5b: Os percentuais de W+,ext e de W-,ext realizados em cada inclinação. Observe a

predominância do W-,ext nas inclinações negativas (barras cinzas) e do W+,ext nas inclinações

positivas (barras pretas).

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3683

Page 9: artigo científico...e gastrocnemius lateralis) usando um eletromiógrafo portátil (EMGpocket, Eli-te System, Itália). Para a preparação do local e coloca-Figura 1: (A) Energia

84 Julho 2010

a r t i g o c i e n t í f i c oacA resposta entre estes dois extremos,

ou seja, entre realizar a tarefa de modoque a inclinação não seja grande o sufici-ente para o alto dispêndio energético nes-ta situação, mas que esta inclinação nãoseja tão pequena a ponto de aumentar con-sideravelmente o dispêndio devido aoaumento da distância percorrida total. Oresultado é em aproximadamente +25%.

A justificativa se fundamenta no fatode que qualquer inclinação superior a+25% levaria a uma produção excessivade trabalho mecânico positivo, e por ou-tro lado, caminhar em inclinações me-nores, faz com que a distância aumenta-da não compense a diminuição de incli-nação (MINETTI, 1995).

Os dados referentes ao notável de-sempenho dos Nepaleses na subida comcarga são confirmados pela potênciamecânica vertical, 33% maior do que ados Caucasianos. Além da provável me-lhor adaptação a locomoção em situaçãode hipóxia, os Nepaleses têm um custode estabilizar a carga menor, observadoatravés do custo EMG de locomoção, doque os Caucasianos.

Conclusão

Existe uma predominância de trabalhopositivo em inclinações positivas e pre-dominância de trabalho negativo em in-clinações negativas. Portanto, o pênduloinvertido não atua como mecanismominimizador de dispêndio energético e,não obstante a falta de evidências, é ra-zoável supor que a energia elástica nãoatue de forma importante nas inclinações.Importante notar que a inexistência deum mecanismo minimizador não signi-fica que o modelo não contempla estasituação, apenas demonstra que, devidoa uma restrição severa do ambiente (in-clinação extrema), o organismo não dis-põe de nenhum auxílio importante a fimde economizar energia, sobrecarregan-do os músculos a fim de produzir a ener-gia necessária para manter o movimentode locomoção.

Nesta situação, o dispêndioenergético é dependente apenas da quan-tidade de ativação muscular e seus res-pectivos equivalentes energéticos para

gerar trabalho mecânico.

Referências bibliográficas

ALEXANDER, R.M. Optimization and gaitsin the locomotion of vertebrates. PhysiolRev. 69, 4: 1199-1227, 1989.

ARDIGO, L.P., SAIBENE, F., MINETTI,A.E. The optimal locomotion on gradients:walking, running or cycling? Eur J ApplPhysiol. 90, 3-4: 365-371, 2003.

CAVAGNA, G.A., SAIBENE, F.P.,MARGARIA, R. External work in walking.J Appl Physiol. 18: 1-9, 1963.

DEN OTTER, A.R., GEURTS, A.C.,MULDER, T., DUYSENS, J. Speed relatedchanges in muscle activity from normalto very slow walking speeds. Gait Posture.19, 3: 270-278, 2004.

FRERIKS, B., HERMENS, H.,DISSELHORST-KLUG, C., RAU, G. Therecommendations for sensor and sensorplacement procedures for surfaceelectromyography, In: HERMENS H (edi-tor). European recommendations forsurface electromyography. Enschede:Roessingh Research and Development,1991.

GOTTSCHALL, J.S., KRAM, R. Groundreaction forces during downhill anduphill running. J Biomech. 38: 445-452,2005.

GOTTSCHALL, J.S., KRAM, R.Mechanical energy fluctuations duringhill walking: the effects of slope oninverted pendulum exchange. J Exp Biol.209, 24: 4895-4900, 2006.

KNAFLITZ, M., BONATO, P. Time-frequency methods applied to musclefatigue assessment during dynamiccontractions. J Electromyogr Kinesiol. 9:337-350, 1999.

LAMOTH, C.J., MEIJER, O.G.,DAFFERTSHOFER, A., WUISMAN, P.I., BEEK,P.J. Effects of chronic low back pain ontrunk coordination and back muscleactivity during walking: changes in mo-tor control. Eur Spine J. 15, 1: 23-40, 2006.

LAY, A.N., HASS, C.J., RICHARDNICHOLS, T., GREGOR, R.J. The effects ofsloped surfaces on locomotion: anelectromyographic analysis. J Biomech.40, 6: 1276-1285, 2007.

MINETTI, A.E., ARDIGO, L.P., SAIBENE,F. Mechanical determinants of gradient

walking energetics in man. J Physiol. 472,725-735, 1993.

MINETTI, A.E., ARDIGO, L.P., SAIBENE,F. Mechanical determinants of theminimum energy cost of gradientrunning in humans. J Exp Biol. 195: 211-225, 1994.

MINETTI, A.E. Optimum gradient ofmountain paths. J Appl Physiol. 79, 5:1698-1703, 1995.

MINETTI, A.E., FORMENTI, F.,ARDIGO, L.P. Himalayan porter'sspecialization: metabolic power,economy, efficiency and skill. Proc BiolSci. 273, 1602: 2791-2797, 2006.

NYMARK, J.R., BALMER, S.J., MELIS,E.H., LEMAIRE, E.D., MILLAR, S.Electromyographic and kinematicnondisabled gait differences at extremelyslow overground and treadmill walkingspeeds. J Rehabil Res Dev. 42, 4: 523-534,2005.

PEYRÉ TARTARUGA, L. A. Energéticae mecânica da caminhada e corrida hu-mana, com especial referência à locomo-ção em plano inclinado e efeitos da ida-de. Tese de Doutorado (Escola de Educa-ção Física) Programa de Pós-Graduaçãoem Ciências do Movimento Humano/UFRGS, Porto Alegre, 2008. Disponívelem: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/12723/000634346.pdf?sequence=1>

SCHMITT, D. Insight into theevolution of human bipedalism fromexperimental studies of humans andother primates. J ExpBiol. 206: 1437-1448,2003.

YAMAGUCHI, G., SAWA, A., MORAN,D., RESSLER, M., WINTERS, J.M. A surveyof human musculotendon actuatorparameters. In: Winters,J. M. e Woo, S.L.-Y.(Eds.), Multiple Muscle Systems:Biomechanics and MovementOrganization, Springer, New York. p. 717-773, 1991.

WHITE, S.G., MCNAIR, P.J. Abdomi-nal and erector spinae muscle activityduring gait: the use of cluster analysis toidentify patterns of activity. Clin Biomech.17, 3: 177-184, 2002.

WOLEDGE, R.C., CURTIN, N.,HOMSHER, E. Energetic aspects of musclecontraction. Londres: Academic Press,1985.

artigo científico.pmd 24/6/2010, 16:3684