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8/18/2019 Artigo - Crítica Do Progresso Em Adorno
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A dialética do progresso em Theodor W. Adorno:um estudo introdutório
*
LEONARDO DE LUCAS DA SILVA DOMINGUES**
Resumo: O presente trabalho propõe uma leitura introdutória sobre a forma
como Theodor W. Adorno analisa as contradições que permeiam a reflexãosobre o progresso. A teorização dialética do progresso feita pelo autor procuranão se limitar a conceituações totalizantes e herméticas que normalmentedelineiam a compreensão sobre o tema. A proposta de Adorno não pensa deforma ontológica nem a ascensão e nem o declínio da sociedade. Ela sugereuma análise que aponte as dualidades e os reveses históricos provocados pelo
próprio princípio do progresso. A perspectiva adotada pelo filósofo e sociólogoalemão poderia oferecer condições para que a humanidade encontre meios deevitar tais reveses históricos no futuro.
Palavras-chave: conceito; dialética negativa; Theodor W. Adorno.
The dialectic of progress on Theodor W. Adorno: an introductory study
Abstract: This paper proposes an introductory reading on how Theodor W.Adorno examines the contradictions that permeate the reflection on the
progress. The dialectic of progress theory made by the author tries not to limitthe totalizing and hermetic concepts that normally line the understanding of thetopic. The Adorno’s approach does not think so neither ontological nor the riseand decline of society. It suggests an analysis that points the dualities andsetbacks caused by the historical principle of progress. The perspective adopted
by the German philosopher and sociologist could provide conditions formankind to find ways to avoid such historical setbacks in the future.
Keywords: concept; negative dialectics; Theodor W. Adorno.
* Esse artigo é fruto de um esforço, ainda embrionário, de analisar o tema do progresso em Theodor W.Adorno à luz de seu arcabouço teórico tardio, constituído principalmente no livro Dialética Negativa de1966.
** LEONARDO DE LUCAS DA SILVA DOMINGUES é Mestre em Sociologia pelaUFRGS; Membro do Laboratório de Divulgação de Ciência, Tecnologia e Inovação Social (LaDCIS-
UFRGS) e do grupo de pesquisa: GT. Estudos políticos e militares contemporâneos (UEL).
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Theodor W. Adorno (1903-1969)
Introdução
Dialética começa dizendo somenteque os objetos são mais que seuconceitoAdorno, Dialética Negativa, p. 14
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define “progresso” como:
“a ação ou resultado de progredir; progressão; movimento para diante;avanço”; ou ainda como a “mudança deestado (de algo) que o move para um
patamar superior; crescimento;mudança considerada desejável oufavorável; avanço, melhoria,desenvolvimento”; e, finalmente,“incorporação, no dia-a-dia das pessoas,das novas conquistas no campotecnológico, da saúde, da construção,
dos transportes etc.” (HOUAISS;VILLAR, 2001). No Vocabulário
Técnico e Crítico da Filosofia, Lalande(1993) destaca dois sentidos no verbetesobre o tema. No primeiro, ele pode servisto como uma “marcha em frente,movimento numa direção definida” e,no segundo, é associado a uma“transformação gradual do menos bom
para o melhor, seja num domíniolimitado, seja no conjunto das coisas”(1993, p. 871).
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O progresso é referência comum nasvárias práticas da vida social. Encontra-se o termo na política, nas artes, naeconomia, nas formas de organização da
sociedade, na medicina e em quasetodos os campos do conhecimentocientífico. No senso comum, o
progresso é visto como uma ideiaevidente por si mesma. É uma noçãoque se assume como verdadeira pelouso generalizado e pela conotaçãoaparentemente clara que demonstra. Noentanto, as transformações históricas,sociais e econômicas que estiveramvinculadas a essa ideia ao longo de
séculos exprimem seu movimentodinâmico e contraditório.
I. Diferentes visões/concepções sobreo progresso
Robert Nisbet (1913-1996), sociólogoestadunidense, descreve assim aimportância do progresso: “Nenhumaideia foi mais importante, nem tão
importante talvez, quanto a ideia de progresso na civilização ocidentaldurante quase três mil anos” (NISBET,1985, p. 4). Para o autor, a ideia de umtempo linear fluindo em direção ao fim
pré-estabelecido teve sua gênese nasconcepções de temporalidade judaica e,
principalmente, cristã. São estas quevão abrir caminho para algumas ideiasmodernas a respeito do progresso, sendooportuno ressaltar que a visão
teleológica da história tem seu expoentemáximo na figura de Santo Agostinho(NISBET, 1985).
A ideia de que a humanidade,independentemente de determinado
povo, império, nação ou estado, está emconstante progresso como um todoinfluenciou pensadores modernos doséculo XVIII ao XIX. A noção de
progresso como resultado de um
processo histórico necessário de
acúmulos de habilidades econhecimentos foi se consolidando no
período do Renascimento. A imagemmoderna da ciência, principalmente
com Francis Bacon (1561-1626),construiu-se a partir da aspiraçãorenascentista de um conhecimentoobjetivo, que implica submeter ocosmos e a natureza às necessidades dohomem.
Durante esse percurso histórico, o pensamento do século XVII foi aos poucos se libertando de algumasamarras da tradição e dos pensadores
antigos. Paolo Rossi (2000), em Naufrágios sem espectador , citaDescartes (1596-1650) como um dosrepresentantes dessa noção de progressocomo uma constante, sem o olhar para o
passado.
As teses de Descartes de 1637, presentes no livro Discurso do Método,inauguram o pensamento moderno. Noentanto, é nos textos de Saint-Pierre
(1658-1743), de Turgot (1727-1781) ede Condorcet (1743-1794) que pode serencontrada a expressão mais clássica daideia moderna de progresso (a primeiraformulação sistemática sobre a filosofiada história): a história é regida pela “leido progresso”. Nesse sentido, para essesautores, há história porque há progresso.O sujeito da história é o homem - ogênero humano; e a história sedesenvolve como progresso graças à
capacidade humana de produzir umamaior perfeição crescente (ROSSI,2000).
Com a crescente projeção do tema,teóricos de vários campos tentaramconstruir indicadores para medir o
progresso. Para Adam Smith (1723-1790), o indicador era o volume decapital circulante no mundo. Se eleaumentasse, geraria necessariamente
aumento da prosperidade geral. Outros
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pensadores, como Leibniz (1646-1716),destacaram o aumento e o acúmulo doconhecimento. De maneira geral, os
principais indicadores relacionavam-se
ao conhecimento e à liberdade. ParaImmanuel Kant (1724-1804), os parâmetros podiam se concentrar emtrês pontos: necessidades, mundo ético emoralidade (ROSA, 2003).
Na segunda metade do século XIX, anoção de progresso chega a seu auge,tornando-se universalmente aceita nafilosofia, na literatura, nas artes e naciência. O espírito do otimismo
romântico é acompanhado pela crençana razão e no poder dos homens. Aciência e a tecnologia parecem sustentara promessa de expansão e deaperfeiçoamento ilimitados. O climaintelectual reflete-se no campo recém-criado da sociologia.
Essa influência é notada de modosignificativo nos pioneiros do
pensamento sociológico. A reflexãosobre o progresso é parte integrante doconjunto teórico dos autores da época.Em Auguste Comte (1798-1857), emseu texto célebre – escrito entre 1830 e1842 – intitulado Curso de filosofia
positiva, o exemplo pode ser a visão dodesenvolvimento do espírito segundo ostrês estados: teológico, metafísico e
positivo. A marca deste último estágio éa ciência, dotada de conhecimentoempírico orientado para o fato e capaz
de fornecer explicações, previsões ediretrizes práticas (COMTE, 1978). Aciência positiva é tratada como aaquisição suprema do pensamentohumano. Herbert Spencer (1820-1903),em seu ensaio Do progresso: sua lei e
sua causa, escrito em 1857, estabeleceuma ligação entre o progresso, tanto nanatureza como na sociedade, e o
princípio comum da evolução. Postulauma premissa universal de
diferenciação estrutural e funcional
(complexidade crescente da organizaçãointerna e das operações) como guia paraentender as mudanças naturais e sociais(SPENCER, 2002).
Teorizar sobre o progresso era reflexoda forma como esse processo seexpressava no meio social. Astransformações permitiam visõesdistintas, projetos com direções opostas.Karl Marx (1818-1883), como todoteórico atento de seu tempo, sentiu
profundamente os antagonismos dessemovimento. Sua obra se inseriu nessemeandro, mostrando que o autor estava
ora confiante nos rumos das coisas,como nos elogios ao papelrevolucionário da burguesia presentesno Manifesto Comunista de 1848(MARX, 1998), ora desconfiado quantoaos mesmos rumos, como no discursodo jornal People´s Paper de 1856 emque se pode ler:
As fontes de riqueza recém-descobertas se convertem, por aresde um estranho malefício, em
fontes de privações. [...] O domíniodo homem sobre a natureza é cadavez maior; mas, ao mesmo tempo, ohomem se transforma em escravode outros homens ou da sua própriainfâmia. Até a pura luz da ciência
parece só poder brilhar sobre ofundo tenebroso da ignorância.Todos os nossos inventos e
progressos parecem dotar de vidaintelectual as forças materiais,enquanto reduzem a vida humanaao nível de uma força material bruta(MARX, 1973, p. 299).
Já em Max Weber (1864-1920), o temado progresso é analisado diante dasinvestidas do sociólogo alemão nosaspectos mais amplos e complexos dacivilização ocidental do início do séculoXX: o desencantamento do mundo e aracionalização da vida humana. O autor,em Ciência como vocação, conferência
de 1917, não concebe o fenômeno do
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progresso como libertação, mas, emcertos termos, como aprisionamento.Isso porque os processos citados gerama perda de sentido e de liberdade dos
homens no tocante à sociedade(WEBER, 1993). À medida que o reinodo aperfeiçoamento e da técnica avança,cresce também a tendência de se
produzir efeitos que levem à derrubadadas aspirações emancipatórias damodernidade.
Para Theodor W. Adorno (1903-1969),filósofo e sociólogo alemão, a noção de
progresso é problemática para aqueles
que tentam sua conceituação. Nemsempre tal noção é entendida sem antester de se fazer uma apropriação históricado termo. A pergunta “o que é
progresso?” parece encontrardificuldades de esclarecimento no
próprio trabalho que Adornodesenvolveu ao longo de suas pesquisase de seus escritos. Segundo o autor, “oconceito de progresso, mais ainda queoutros, desfaz-se com a especificação
daquilo que propriamente se quer dizercom ele: o que progride e o que não
progride” (ADORNO, 1995, p. 37).
Por isso, destaca Adorno em Progresso,conferência de 1962, que se a noção dotermo for usada equivocadamente, podecom isso designar a ideia de que ascoisas devem necessariamente caminhar
para um desenvolvimento específico,independentemente da cultura a qual se
faz referência. A problemáticarelacionada a essa questão se constituino fato de a sociedade como todo e o
próprio pensamento ocidental daremênfase ao discurso sobre o progressocomo algo universal, presente nointerior da própria história (ADORNO,1995).
Segundo Alberti da Rosa, estudioso ecomentador da obra de Adorno, essa
ideia de progresso universal já está
falida, uma vez que não se pode atribuirexclusivamente à “soma de habilidadese conhecimentos” toda a representaçãosobre o fenômeno. Tal noção só se
aplica àquelas culturas quedesenvolveram esse conceito e o seuoposto: a regressão. Assim, para retrataressa percepção limitada sobre ofenômeno, quando Theodor W. Adornoapresenta o conceito de progresso, ele ofaz a partir da cultura ocidental,
partindo da visão agostiniana deredenção e caminhando até a concepçãode progresso na sociedade burguesa.Durante esse percurso, de maneira
dialética, o filósofo alemão acabamostrando o que progrediu e o que não
progrediu na história, na sociedade, nasrelações entre os homens, no campo do
pensamento e nas artes (ROSA, 2003).
II. Theodor W. Adorno e o tema doprogresso
O progresso foi tema, direta ou
indiretamente, de estudos diversos, comdistintas abordagens, dentre o grupo deautores do qual Adorno fez parte –conhecido como Escola de Frankfurt(JAY, 1986; WIGGERSHAUS, 2002).As reflexões sobre a noção deracionalidade, sobre as modificações nocapitalismo, sobre o desenvolvimentotecnológico e sobre a organização dasociedade de modo geral, tiveram comoeixo condutor a visão crítica a respeito
da ideologia do progresso.
O contexto histórico-social vivenciadonos anos de crises e guerras e o debatecom pensadores próximos foramcruciais na formação de Adorno. Aexaltação à cultura, o otimismo e o
progresso ascendente contínuo,característicos da belle époque europeiado início do século XX, tiveram comofim a eclosão de conflitos destrutivos
que liquidaram os valores do
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humanismo iluminista. Osquestionamentos à racionalidade, àciência e à capacidade da razão deorientar o homem na construção de uma
sociedade mais justa e livre se deramtendo em vista o desapontamentosurgido em meio ao que o filósofochamou de autodestruição doesclarecimento (ADORNO;HORKHEIMER, 1985).
A tradicional concepção de históriaenquanto progresso linear que a associaa formas cada vez mais elevadas dehumanidade – história como progresso
– é frontalmente negada pela barbárieabsoluta que se manifesta em pleno seioda civilização ocidental no século XX.Por conta disso, Adorno, como outrosteóricos do seu tempo, empreende umarevisão crítica das ideias, das normas edos valores advindos da cultura
burguesa e do Iluminismo.
A crítica à leitura da história como processo totalizante, ontológico e positivo, de alguma forma, acompanhou
os textos de Adorno desde o início dosanos 1930, quando o autor era um
jovem e destacado pesquisador: comoem Atualidade da filosofia, de 1931, e Aideia de história natural , de 1932(ADORNO, 2010). No entanto, é com ainfluência significativa do ensaio deWalter Benjamin (1892-1940) intituladoSobre o conceito de história, de 1940,que Adorno vai levar a cabo a tarefamais urgente destacada por Benjamin de“[...] desmantelar o mito da históriacomo progresso” (BUCK-MORSS,1981, p. 134, tradução nossa).
Uma das representações dessa avaliação pode ser vista numa passagem de Minima Moralia, livro escrito durante aSegunda Guerra, em que o autorreformula uma metáfora hegeliana1:
1 Refere-se à fala de Hegel quando da entrada de
Napoleão em sua cidade. O filósofo alemão
“’Eu vi o espírito do mundo’, não acavalo, mas sobre asas e sem cabeça”(ADORNO, 1993, p. 47).
O que move Adorno a rever todas asnoções que tratam o rumo dos fatoscomo um processo contínuo, como um“nadar a favor da corrente”, é a tentativade entender a recaída à barbárie desociedades do capitalismo avançado,mesmo diante de tamanho grau de
progresso técnico e esclarecimento. É atentativa de “[...] descobrir por que ahumanidade, em vez de entrar em umestado verdadeiramente humano, está se
afundando em uma nova espécie de barbárie” (ADORNO; HORKHEIMER,1985, p. 11).
Em Dialética do Esclarecimento,escrito durante a Segunda Guerra emconjunto com Max Horkheimer (1895-1973), destaca-se que o processo deracionalização da sociedade não temsido acompanhado por uma extinção da
barbárie no interior da cultura; mas,muitas vezes, tem sido o elemento que a
produz. Há uma crítica profundadirigida ao estado de coisas docapitalismo avançado. Um dos aspectosdessa reflexão é a busca de conexõesentre a ascensão e os horrores donazifascismo e o processo demodernização burguesa (que inclui aracionalização em diversos âmbitos,inclusive no da cultura).
Erigida como elemento de emancipação
da vida do homem pelas possibilidadesde desenvolvimento da produção datecnologia e do progresso por ela
propiciado, a razão esclarecedora torna-se instrumento e, instalando-se desde aciência moderna positivista até asdemais dimensões da totalidade dosocial – economia, política, cultura –,
percebeu, naquele momento, “o espírito domundo montado num cavalo” (LÖWY;
VARIKAS, 1992).
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produz o inverso do que propõe: não oracional, mas a irracionalidade; não o
progresso nas relações humanas, mas o progresso que congela e perpetua no
presente a dominação do homem pelohomem.
A circunstância de que o cegodesenvolvimento da tecnologia reforça aopressão e a exploração social “[...]ameaça a cada passo transformar o
progresso em seu oposto, o barbarismocompleto” (HORKHEIMER, 2003,
p.136). No entanto, para Adorno eHorkheimer, a questão não é deter o
progresso, e sim abrir-lhe os olhos, paraque faça justiça a sua pretensãoiluminista. “Se o esclarecimento nãoacolhe dentro de si a reflexão sobre esseelemento regressivo, ele está selandoseu próprio destino” (ADORNO;HORKHEIMER, 1985, p.13).
Não se trata, portanto, de um combate àrazão por meio de um irracionalismo,isso fica claro em passagens de
Dialética do esclarecimento2, mas
justamente de reconhecer suaslimitações e contradições, de entender o
porquê de os dispositivos técnicossocialmente produzidos – anteriormente
pensados como um meio de conquistadas necessidades humanas – somentetornarem-se fim em si mesmo. Oaprimoramento das capacidadestecnológicas é sobreposto à
possibilidade de uma efetiva realizaçãodas faculdades do homem que olibertariam do reino das necessidades.
Um dos momentos mais explícitosdessa catástrofe humana se deu noscampos de concentração que se
2 Adorno e Horkheimer destacam: “Nãoalimentamos dúvida nenhuma – e nisso residenossa petitio principii – de que a liberdade nasociedade é inseparável do pensamentoesclarecedor” (ADORNO; HORKHEIMER,
1985, p. 13).
proliferaram nos territórios da Europa.Auschwitz é o exemplo do maismonstruoso uso da razão, umautilização racional para a produção de
irracionalidades impensáveis em talgrau de esclarecimento.
III. O conceito de progresso3
Como pensar o conceito de progressoem meio a esse contexto amplamentecontraditório e desumano? Adorno(1995) destaca os pontos gerais de umacompreensão dialética do conceito de
progresso em sua conferência de 1962intitulada Progresso:
[...] o [conceito] de progresso temseus equívocos; como quaisqueroutros, estes também remetem aalgo em comum. O que, nomomento, deve entender-se por
progresso, sabe-se, de forma vaga,mas segura: por isso mesmo não se
pode empregar o conceito de formasuficientemente grosseira. Seu uso
pedante defrauda apenas naquilo
que promete: resposta à dúvida eesperança de que finalmente ascoisas melhorem, de que, enfim, as
pessoas possam tomar alento(ADORNO, 1995, p. 37).
O conceito de progresso é perigoso emvários sentidos, principalmente quandousado para justificar ideologias que sedizem defensoras da humanidade, mas
promovem a alienação e a dominação.Há uma ambiguidade no termo que
pode ser usada para corroborar falsas promessas. Dessa forma, Adorno querlevar a crítica do conceito de progresso
para a crítica da sociedade que omovimenta. Ao fazer isso, eleva a noçãode progresso para outro patamar da
3 O desenvolvimento deste tópico influenciou-seno estudo de Oneide Perius a respeito dacomplexa reflexão filosófica que Theodor W.Adorno empreende em Dialética Negativa
(PERIUS, 2006).
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história e a define dialeticamente. Anoção de progresso não devedesaparecer, mas necessita de outraroupagem.
Sem sociedade, sua representaçãoseria completamente vazia; deladerivam todos os seus elementos.[...] Não obstante, o progresso nãose esgota na sociedade, não lhe éidêntico; tal como esta é, às vezes, éo oposto dele. [...] O conceito de
progresso [...] articula o movimentosocial, ao mesmo tempo se lhecontrapõe. [...] Quanto maioridentidade impõe o espírito
dominador, tanto mais injustiçasofre o não-idêntico (ADORNO,1995, p. 44).
Tal questão pode ser explicada tendocomo exemplo a ascensão da burguesia.Esta classe, quando oprimida
politicamente e distante do exercício do poder, não deixou de recorrer à ideia do progresso como palavra de ordem paraque pudesse justificar a necessidade de
transformações estruturais quecontemplassem as já ocorridas na própria ordem social/econômica. Domesmo modo, logo que taistransformações foram levadas a cabo e aclasse burguesa ocupou as posições de
poder decisivas, o conceito de progressodegenerou-se em ideologia, uma vezque a continuidade desse processorepresentaria um atentado às suas
pretensões de estabilidade e perenidade.
“Isso a obrigou a computar, falsamente,a seu favor, como sendo conquista, oque foi deixado de lado” (ADORNO,1995, p. 52).
Outro exemplo destacado por Adorno(1995) em sua conferência diz respeitoao princípio burguês da troca. Tal
princípio é a própria figuração dasociedade burguesa; “é a figura racionalda imutabilidade mítica”, o processo no
qual a intercambialidade universal entre
equivalentes anula cada um dos termosenvolvidos, não deixando resto. O quenão se destaca é o processo deexploração da força de trabalho que se
faz sob esse plano de identidade.Onde a sociedade burguesa satisfazo conceito que ela mesma cria, nãoconhece progresso; onde o conhece,infringe sua lei, na qual está contidoesse delito, e perpetua a injustiçacom a desigualdade sobre a qualdeveria elevar-se o progresso(ADORNO, 1995, p. 60).
Para Adorno (1995), os problemasreferentes ao progresso deveriam secristalizar na possibilidade de afastar ede evitar a catástrofe. É preciso que o
progresso saia do encantamento de simesmo. Essa possibilidade deve seguirum procedimento que não criedefinições generalizadas. Ao mesmotempo em que se deve mergulhar noconceito para expô-lo, também énecessário certo afastamento. Arepresentação do conceito para Adorno
(1995; 2009) é limitada porque, quandoé enfatizada, abandona oreconhecimento das diferenças, das
particularidades, da inesgotabilidade doreal. O autor destaca em Progresso quesempre há algo que fica fora doconceito.
O entrave nas reflexões sobre progressoestá, segundo o filósofo alemão, na
própria arrogância do conhecimento,que acredita encontrar exatidão onde
não há. Todas as tentativas de definir o progresso levaram “à conservação doruim” e isso é demonstrado na própriahistória da razão iluminista. No entanto,tal pensamento não pode ser motivo derompimento com a investigaçãodialética.
O autor afirma no prefácio de Filosofiada Nova Música, texto de 1958: “[...]nenhuma crítica ao progresso é legítima,
nem mesmo quando se trata de uma
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crítica dirigida ao momento reacionáriodo progresso” (ADORNO, 2002, p. 10).O que Adorno destaca é a formadialética em que o processo desse
complexo fenômeno se dá e que o pensamento, para acompanhá-lo, precisa ser igualmente dialético.Portanto, Adorno, em Progresso, expõea difícil tarefa a ser perseguida pelareflexão filosófica e social: “ontologizaro progresso, atribuí-lo irrefletidamenteao ser, é tão pouco lícito quanto atribuí-lo à decadência” (ADORNO, 1995, p.43).
Em Dialética Negativa, livro de 1966,Adorno (2009) expõe, já no início do prefácio, que utilizar a expressão que dánome ao livro “subverte a tradição”. Aintenção do autor, nesse que é um dosúltimos e mais ilustrativos de seustrabalhos, é retirar a dialética dodomínio da afirmação positivarepresentada pela tradição filosófica dePlatão a Hegel. Para se chegar a isso, oautor frankfurtiano desenvolve uma
profunda crítica ao pensamento clássicoe a autores mais recentes como Husserle Heidegger. Nesse texto tardio, o autorexpõe sua posição a respeito das
principais categorias que ordenam o pensamento, sendo o conceito umadelas.
Ao formular uma crítica à noçãotradicional sobre o conceito, Adorno
busca evitar um postulado clássico: o
princípio de identidade entre o pensar eo pensado (verdade como adequação daideia ao objeto; entre o que é e o que édito; entre aquilo que se dá na realidadee o que se dá na mente). Nesse ponto, oautor objetiva analisar a onipotência doconceitual na apreensão totalizante dosfenômenos – a lógica hermética daunidade/sistema que tenta abarcar tudodentro de si. Para o filósofofrankfurtiano, esse modo de conhecer se
distancia de uma busca ou de uma
compreensão do que lhe escapa(filosofia/pensamento falando de si ecompreendendo a si mesma). “A grandefilosofia foi acompanhada pelo zelo
paranóico de não tolerar nada senão elamesma” (ADORNO, 2009, p. 27).
Para Adorno (2009), o conceito não pode demarcar a identidade. Esta se dána história ainda não totalmentedominada pelo homem. A importânciado que o autor expõe em Dialética
Negativa está em destacar o que foge daidentidade com o conceito. É precisolevar em conta a não-identidade do
objeto: “[...] o urgente para o conceito éaquilo ao que não chega, ao que omecanismo de sua abstração elimina, oque de antemão não é um caso deconceito” (ADORNO, 2009, p. 21).
A não-identidade entre sujeito e objeto,homens e natureza, razão e desrazão, é,na teoria tardia de Theodor W. Adorno,o motor da história (BUCK-MORSS,1981). Um dos pontos importantesdestacados em Dialética Negativa é anecessidade de reflexão acerca dainsuficiência do conceitual. O autor,
portanto, quer possibilitar à razão alibertação do não-idêntico.
O filósofo alemão faz uma críticaimanente ao próprio conceito. Aorealizar essa tarefa, o autor quer jogar o
pensar contra si, continuando a ser pensamento (voltar a lógica contra simesma); quer ressaltar o movimento, e
não permanecer preso a uma estruturarígida. Isso implica, segundo Adorno,“[...] ir além do conceito por meio doconceito” (ADORNO, 2009, p. 22).
Susan Buck-Morss, respeitada filósofaamericana e estudiosa de Adorno, expõeessas questões nos seguintes termos:
Adorno não afirma nem o conceitonem a realidade em si mesmos. Aocontrário, coloca cada um em
crítica referência em relação ao
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outro. Em outras palavras, cada umera somente afirmado em sua não-identidade a respeito do outro(BUCK-MORSS, 1981, p. 139,tradução nossa).
Dessa forma, a teoria, segundo essacomplexa reflexão empreendida porAdorno, deve abandonar a pretensão da
busca por essências universais e eternas.Transformado em dialética materialista(concepção adorniana), o elementofundamental do pensamento torna-se anegação determinada. A mediação(crítica imanente ao conceito), nointerior das categorias, não mais permitesua absolutização, sua petrificação eminstâncias ontológicas (PERIUS, 2006).A dialética, ao invés de converter anegatividade em positividade (comoqueria a tradição filosófica), permaneceneste elemento negativo, porque, se aidentidade é possível no âmbito lógicodo pensamento, isso de modo algumsignifica reconciliação com o real: “[...]o pensamento não precisa contentar-se
com sua própria legalidade, ele pode pensar contra si mesmo sem seabandonar” (ADORNO, 2009, p. 144).As contradições da realidade não sãosolucionáveis por categorias lógicas, ouno plano de categorias lógicas. A noçãode progresso, portanto, no raciocíniodesenvolvido neste estudo introdutório,também tem de ser pensada nessestermos.
IV. Estudos sobre o tema do
progresso em Theodor W. Adorno
Dos estudos feitos sobre a obra deTheodor W. Adorno, poucos são os quetentam compreender, de alguma forma,como se desenvolve a noção de
progresso em seu pensamento. Emalguns, esse tema se faz presente eminvestigações sobre pontos específicos
da obra do autor, mas se encontra
diluído em meio a outros temas comomúsica, indústria cultural, ideologia,ética, estética, entre outros.
Isso pode ser explicado, talvez, pelofato de não haver na obra de Adorno umconjunto de textos que explicite o modocomo se dá a sua reflexão sobre o
progresso. Não há uma exposiçãosistemática sobre esse tema. Existemreflexões em alguns ensaios e aforismos
presentes em vários livros do autor.Essa é uma forma de exposição muitocomum em Adorno, a utilização doensaio.
O modo como o ensaio se apropriados conceitos seria, antes,comparável ao comportamento dealguém que, em terra estrangeira, éobrigado a falar a língua do país,em vez de ficar balbuciando a partirde regras que se aprendem naescola. Essa pessoa vai ler semdicionário (ADORNO, 2003, p. 30).
Apenas a conferência de 1962, Progresso (ADORNO, 1995), já
exposta em detalhes no presente artigo,dedica-se especificamente a essaquestão. Feita no Congresso Filosóficode Münster e que, dois anos depois, foi
publicada em Argumentationen, Festschrift für Josef König (ADORNO,1995; 2008). Adorno utilizou essaconferência como base, em conjuntocom o texto Sobre estática e dinâmicacomo categorias sociológicas, para aexposição de quatro palestras mais
detalhadas sobre o conceito de progresso (ADORNO, 2008). Essasapresentações estão reunidas em Zur
Lehre von der Geschichte und von der
Freheit (1964/1965), parte de umconjunto de livros com palestras queserviriam de base para a composição da
Dialética Negativa.
Adorno escreveu também sobre o progresso no campo da música. O livro
Filosofia da Nova Música e o texto
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Reação e progresso, da obra Escritos Musicais IV ( Moments musicaux. Improptus) são exemplos nesse sentido.Apesar dessas passagens pontuais em
que se explicita o tema, toda a visão doautor sobre a história, as artes, asociedade e até sobre o pensamento estáconectada à discussão a respeito do
progresso.
Por essas razões, alguns estudos já sedetiveram, de alguma forma, àexposição do tema do progresso emAdorno. Entretanto, tais levantamentosse centraram em dois pontos
particulares: a análise do progressosobre a música4 (potenciais ligados àestética como campo de construção do
progresso) e a retomada das críticas ao progresso (crítica adorniana à ideologiado progresso).
Esse último sentido pode ser visto noartigo A crítica do progresso em
Adorno, de Michael Löwy e EleniVarikas (1992). Nesse texto, busca-seressaltar as bases da crítica à ideologia
do progresso feita pelo teórico alemão.Para tanto, os autores apresentam asconexões estabelecidas entre a crítica deAdorno e algumas correntes doromantismo – compreendido “[...] nãocomo simples escola literária, mas comouma Weltanschauung fundada na críticada civilização industrial/capitalistamoderna a partir de valores sociais eculturais pré-capitalistas” (LÖWY;VARIKAS, 1992, p. 202). Além disso,é feita uma análise sucinta da dialéticado progresso e da dialética das Luzes(esclarecimento), ressaltando pontos desemelhança para uma possível teoriasobre o progresso (finalidade buscadatambém neste artigo). Não obstante, notexto destaca-se mais o lado da crítica auma ideologia do progresso do que,
4 Um exemplo pode ser encontrado em: ROSA,
2003.
propriamente, uma reflexão teóricasobre a forma dialética como Adornoconcebe o progresso.
Os autores somente dizem que o teóricoalemão
[...] esboçou [...] por aproximaçõessucessivas, uma tentativaadmiravelmente rica e matizada de
problematização dialética da noçãode progresso. [...] A tonalidadedominante dessa sinfoniainacabada, contudo, não deixa deser a melancolia e o pessimismo, arecusa de sucumbir ao canto da
sereia do progresso e damodernidade (LÖWY; VARIKAS,1992, p. 215).
Quando alguns dos estudos maisconhecidos da obra de Adorno abordamo tema do progresso, o que é feito emgrande parte de modo transversal, ofazem tendo como parâmetro asreflexões presentes nos livros Dialéticado Esclarecimento e, em menor grau,
Minima Moralia. Ambos são marcos do
pensamento adorniano e importantes para a compreensão da temática aquidelineada, mas carregam o peso deterem sido escritos na época da SegundaGuerra. A desilusão sobre os rumos do
progresso, nas obras citadas, apresenta-se com uma carga bem intensa.
Portanto, não se trata de deixar essasquestões, que são essenciais para oentendimento da obra do autor e de sua
compreensão sobre o progresso, parasegundo plano. É fundamental resgataras dimensões trabalhadas nessas obrassobre o tema referido, assim como asindicações vitais presentes nos
primeiros escritos do autor.
No entanto, como foi abordado nesteartigo, há uma parte da teoria de Adornoque não recebe tanta atenção nesteaspecto: a riqueza e a complexidade
com que a conceituação sobre o
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progresso é constituída em sua obratardia. Desse modo, as relações entre osmodelos teóricos trabalhados em
Dialética Negativa, obra de 1966, e uma
concepção dialética a respeito do progresso ainda são pouco estudados.As conexões, como mostrado, existem esão essenciais para ampliar acompreensão a respeito desse autor tãoimportante para a reflexão filosófica esociológica do século XX.
V. Considerações finais
No texto tardio intitulado Progresso,fruto de uma conferência realizada em1962, um dos poucos escritos em que oautor se dedica mais a fundo ao tema do
progresso, Adorno apresenta uma sériede ideias e apontamentos nãodesenvolvidos teoricamente por elenaquela ocasião que abrem perspectivassobre a sua compreensão a respeito do
progresso. São possibilidades em abertoque, talvez, num outro momento o autor
fosse retomar, (prosseguindo naconstrução de uma dialética do progresso) buscando aproximá-las deum desenvolvimento racional dasociedade. Reflexões que estavam, atéentão em sua obra, muito próximas docampo estético, como Filosofia da Nova
Música, escrito nos anos quarenta ecinquenta, e Reação e progresso, de1930, passam a investigar o mundosocial.
Quase na mesma época em que fez a palestra Progresso, nos anos sessenta,Adorno escreveu Dialética Negativa,que trata, dentre outras reflexões, doquestionamento sobre a capacidade deconceituação dos objetos segundo astradições do pensamento. Os conceitos,segundo essa reflexão do autor, forçamuma identidade entre a realidade e o quefoi pensado a partir dela. Por isso, por
meio de uma crítica imanente ao próprio
conceito (jogar a lógica contra simesma), o teórico alemão quer dar vozao não-idêntico que está subsumido àlógica conceitual; buscar uma dialética
que pense além desses entraves do pensamento sem abrir mão de uso deconceitos.
Portanto, a abordagem teórica dessesúltimos escritos de Adorno lança luzes aum entendimento mais amplo e diversoem suas determinações, não marcado
por concepções rígidas e absolutas dalógica onipotente. Abre espaço,também, para visões que evitem
qualquer tipo de linearidadedeterminista que coloque a históriacomo um ordenamento de elementosencadeados que já têm de antemão umarota preestabelecida.
A discussão sobre o progresso proposta por Adorno e exposta de modointrodutório nesse artigo é de extremarelevância para a atualidade, haja vista a
preocupação recente quanto aodesenvolvimento do capitalismo e suarelação com a sustentabilidade do
planeta. Auxilia-se na reflexão sobre oBrasil hodierno em seu contexto decrescimento econômico e seus projetos
para o desenvolvimento futuro. Nomais, analisar o progresso, mesmo quenum âmbito eminentemente teórico, trazà baila questões que são essenciais parase pensar sobre qual modelo desociedade se projeta, ou se está sendo
projetado, para o amanhã.
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Recebido em 2012-02-02
Publicado em 2013-05-30