Artigo - Ética Na Educação

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    Rev. Triang.: Ens. Pesq. Ext. Uberaba MG, v.2. n.2, p.139-152,jul./dez. 2009

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    TICA NA EDUCAO

    ETHICAL IN EDUCATION

    Patrcia Aparecida Tadus 1Orientadora: Prof Nilda Abadia Frazo Cunha 2

    Resumo:Este artigo apresenta algumas reflexes sobre a tica na formao docente, luzterica de autores, como: Candau (1988), Chau (1988), Freire (1996), Morin (2005),Hernandez (1998), Vasquez (1998), entre outros. Foram discutidas e questionadastemticas como: a questo da tica na formao do educador, bem como as relaesinterpessoais no desenvolvimento do trabalho pedaggico que envolve o respeito mtuo, odilogo, a solidariedade e a justia. O compromisso da escola frente s responsabilidadesticas desempenha um debate fundamental em torno da qualidade da prtica docente.Ressalta-se, neste sentido, a inteno dos Parmetros Curriculares Nacionais PCNs

    (BRASIL, 1997) que apresenta nos chamados temas transversais: tica, PluralidadeCultural, Meio Ambiente, Orientao Sexual e Sade, a viso sobre o papel da escola nocontexto atual, partindo da preocupao em se formar o cidado para viver plenamente emsociedade. Trata-se de uma preocupao com a formao docente, em um momento emque a escola vive grandes transformaes de acordo com o contexto em que est inserida,que prev a incluso de novos temas a partir da relao pedaggica e do seu contextosocial. Sem dvida, estamos diante de uma inovao, num cenrio de mudanas aceleradasno novo milnio, e que por isso, se faz urgente um educador disposto a atuar numasociedade terrena e humana com responsabilidade tica.

    Palavras-chave: tica. Formao Docente. Compromisso.

    Abstract:This article aims to present some reflections on Ethics in teaching education fromauthors such as: Candau (1988), Chau (1988), Freire (1996), Morin (2005), Hernandez(1998), among others. We discuss the question of ethics in educators education, as well asinterpersonal relations in the development of the pedagogical work that involves mutualrespect, dialogue, solidarity and justice. The commitment of the school to the ethicalresponsibilities creates a basic debate around the quality of practical professor. We mustemphasize the aim of National Curricular Parameters - PCN's (BRAZIL, 1997) that presentsin the so-called transversal subjects Ethics, Cultural Plurality, Environment, OrientationSexual and Health, the vision on the role of schools in the current context, with the concernof educating citizens to live fully in society. There is a concern about teacherseducation, ata moment where schools suffers broad transformations in accordance to the context where it

    is inserted, which aims at the inclusion of new subjects from the pedagogical relation and itssocial context. No doubt we are before an innovation, in a scenery of changes sped up in thenew millennium, and that therefore makes urgent educators able to act in a secular societyand human beings with ethical responsibility.

    Keywords: Ethics. Teaching Formation. Commitment.

    1Especialista em Docncia na Educao Superior pela Universidade Federal Tringulo Mineiro(UFTM). E-mail: [email protected]. E-mail: [email protected]

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    Introduo

    A relao fundamental da tica no desenvolvimento educacional na ps-

    modernidade est diretamente relacionada ao servio da escola que deve ser a

    formao integral do aluno. Tal conjuntura reflete na formao tica do educador.

    A tica indispensvel em todos os aspectos da vida profissional docente e

    visando esta importncia, este artigo tem como objetivo investigar sobre a

    necessidade da formao tica do educador, compreendida, vivenciada e exercida

    tambm na prtica pelo corpo pedaggico, orientador, administrativo, funcional e

    discente da escola. A formao tica tem uma grande e determinante influncia na

    vida pessoal de todos os segmentos da escola, refletindo em sua desenvoltura eresponsabilidade no contexto cultural em que est inserida.

    Nesse sentido, o interesse pelo tema tica na educao surgiu tambm da

    necessidade de realizar um estudo mais aprofundado sobre essa questo,

    sobretudo neste incio de sculo em que existe uma inverso de valores e, portanto,

    uma crise no que diz respeito aos valores morais e humanos.

    O tema tica na educao no novo, mas foi com os Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCNs) e o estudo de alguns tericos como Paulo Freire, queiniciaram uma nova proposta para a sala de aula, redirecionando as diretrizes que

    valorizam o aluno, suas mltiplas inteligncias, sua realidade, suas concepes

    prvias, sua produo, em um espao dialgico-ldico, atendendo as exigncias do

    novo cenrio scio-educacional, transformando o aprendizado em algo significativo,

    contextualizado e fundamentado.

    Sabemos que o homem vive em sociedade, convive com outros

    homens e, por isso lhe cabe pensar e se interrogar: Como devo agir essencialmentediante dos outros homens? Trata-se de uma pergunta fcil de ser formulada mas

    difcil de ser respondida. Quanto a isso, alguns tericos ao longo da histria

    identificaram a tica como conjunto de princpios e padres de conduta, logo do

    importncia ao pensamento reflexivo sobre os valores e as normas que regem as

    condutas humanas desde os primrdios dos tempos.

    Partindo desse princpio, a abordagem feita sobre a importncia de uma

    atuao docente com tica, neste trabalho, parte da necessidade de realizar uma

    prtica pedaggica embasada em princpios ticos, pois se o homem no pode

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    mudar o seu patrimnio gentico, ele pode mudar seu ambiente, assim como pode

    mudar suas formas de reao, ante as manifestaes do meio em que se encontra.

    evidente a importncia de se ter incorporados os Temas Transversais,

    relacionados tica como parte dos contedos educativos, para que educadores e

    educandos possam questionar, criticar, analisar e consequentemente transformar

    sua conduta, baseados por uma educao que se preocupa consensualmente com a

    cidadania.

    relevante destacar que o professor contemporneo constri seu perfil

    profissional em uma sociedade globalizada, onde as aceleradas inovaes cientfico-

    tecnolgicas tm exigido-lhe novos saberes, habilidades e atitudes que lhe

    possibilite dialogar, adaptar e intervir em uma realidade educativa diversa etransitria. Sob essa tica, compreende-se, que o eixo central da formao docente

    a mudana, e que ser professor no apenas participar de uma etapa, mas

    entender que sua formao um processo contnuo e permanente de

    aprendizagem.

    A formao tica do educador preconiza a valorizao dos conhecimentos e

    experincias dos alunos; analisa problemas e busca solues, estimula a criticidade,

    a curiosidade e a flexibilidade mental para novas formas de resolver os conflitos.Esseprofissional se preocupa com a formao de sujeitos, efetivando o ensinar e o

    apreender, a partir de valores, da heteronomia para a autonomia, de pessoas

    dependentes para independentes.

    Assim, para viver neste contexto desafiador e envolvente, preciso superar a

    atuao personalista, solitria e individualista dos docentes, bem como a valorizao

    do conhecimento do saber do estudante, abolindo a herana de professor

    enciclopdia, de viso compartimentada.Um dos principais objetivos da educao ensinar valores e esses so

    incorporados pelo aluno desde muito cedo. preciso mostrar-lhe como

    compreender a si mesmo para que possa compreender os outros e a humanidade

    em geral.

    Segundo Morin (2005, p. 56), os jovens tm de conhecer as particularidades

    do ser humano e o papel dele na era planetria que vivemos. Por isso a educao

    precisa fazer a sua parte, incorporando essas discusses, sem fragmentar a

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    realidade, mas simplificando o complexo e enxergando a multiplicidade e a

    diversidade presentes na educao atual.

    Sendo a tica determinante procedimental e atitudinal, a educao atual tem

    como objetivo a comunicao, por meio de estratgias integradoras, visando fim

    comum, ou seja, a escola facilitando o acesso, meios, oportunidades, mobilizando

    individual e coletivamente, identificando limites e possibilidades, organizando o

    ambiente fsico e psicolgico com o grupo de trabalho, desafiando, por meios

    diversos, o cuidado ao responder e ao lidar com as respostas.

    Dessa forma, definir a ao docente para atuar frente s novas mudanas,

    nos leva compreenso de que a sua formao, deve ser constituda por meio de

    uma vertente de qualidade, ou seja, com o carter tico da atividade docente doprofessor, como profissional e pesquisador.

    Fundamentao terica

    Falar em formao tica do educador exige compreender alguns conceitos

    como a origem da palavra tica, por exemplo. A palavra tica se origina diretamente

    do latim ethica, e, indiretamente, do grego , que apresentam vriossignificados

    como: costume ou hbito; morada, estncia, residncia, o abrigo permanente, casa;

    carter, ndole natural, temperamento, conjunto de disposies fsicas e psquicas

    de uma pessoa (VZQUEZ, 1998). Este sentido refere-se conduta humana

    suscetvel de qualificao do ponto de vista do bem e do mal.

    Neste contexto, importante ressaltar que existe uma confuso entre as

    palavras tica e Moral, que vem perpetuando h sculos. Esta confuso pode ser

    resolvida com o esclarecimento dos dois temas, sendo que Moral um conjunto de

    normas que regulam o comportamento do homem em sociedade, e estas normas

    so adquiridas pela educao, pela tradio e pelo cotidiano. Durkheim explicava

    Moral como a cincia dos costumes, sendo algo anterior a prpria sociedade. A

    Moral tem carter obrigatrio. J a palavra tica, Motta (1984) define como um

    conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relao aos

    outros homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social,

    ou seja, tica a forma que o homem deve se comportar no seu meio social.

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    A Moral sempre existiu, pois todo ser humano possui a conscincia Moral

    que o leva a distinguir o bem do mal no contexto em que vive. Surgindo realmente

    quando o homem passou a fazer parte de agrupamentos, isto , surgiu nas

    sociedades primitivas, nas primeiras tribos. A tica teria surgido com Scrates,

    quando o filsofo investiga e explica as normas morais que o leva a agir no s por

    tradio, educao ou hbito, mas principalmente por convico e inteligncia.

    Vsquez (1998) aponta que a tica terica e reflexiva, enquanto a Moral

    eminentemente prtica. Uma completa a outra, havendo um inter-relacionamento

    entre ambas, pois na ao humana, o conhecer e o agir so indissociveis.

    Dessa forma, a tica indispensvel em todos os aspectos da vida, seja

    profissional ou social, no tempo presente e no futuro, visando tanto a realizaopessoal quanto as convivncias sociais.

    Em relao formao docente e a tica, muitos estudos direcionados

    concepo, anlise e contextualizao demonstram que as condies desta

    formao continuam deficitrias em termos de diferenciaes na organizao e

    gesto das prticas docentes, se limitando a uma dimenso individual, e nunca

    interpessoal e compartilhada como preconiza os conceitos ticos.

    Dessa forma, necessrio, nos dias atuais, que o professor invista em suaformao, para que ele possa aprimorar e reconstruir seus saberes, muitas vezes

    vindos de uma educao tradicional, o que deixa de demonstrar seus valores

    sociais, ticos, culturais e epistemolgicos que no se relacionam diretamente sua

    capacidade permanente de renovao.

    Considera-se, portanto, a necessidade de se pensar a formao docente

    sob uma perspectiva tica.

    A questo da tica na formao do educador

    Entende-se que tica, pela prpria etimologia, diz respeito a uma realidade

    humana que construda histrica e socialmente a partir das relaes coletivas dos

    seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem.

    Para Morin (2005), a tica, na escola, no poderia ser ensinada por meio

    de lies de moral. Deve formar-se nas mentes com base na conscincia de que o

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    humano , ao mesmo tempo, indivduo, parte da sociedade, parte da espcie.

    Carregamos em ns esta tripla realidade e por isso, todo desenvolvimento

    verdadeiramente humano deve compreender o desenvolvimento conjunto das

    autonomias individuais, das participaes comunitrias e da conscincia de

    pertencer espcie humana.

    Partindo disso, importante na educao duas grandes finalidades tico-

    polticas para o novo milnio: estabelecer uma relao de controle mtuo entre a

    sociedade e os indivduos pela democracia e conceber a humanidade como

    comunidade planetria. A educao deve contribuir no somente para a tomada de

    conscincia de nossa Terra-Ptria, mas tambm permitir que esta conscincia se

    traduza em vontade de realizar a cidadania terrena (MORIN, 2005).Na condio de seres humanos no possumos as chaves para abrirem as

    portas de um futuro melhor, como tambm no conhecemos o caminho a ser

    traado, mas, podemos, explicitar nossas finalidades: a busca da hominizao na

    humanizao, pelo acesso cidadania terrena (MORIN, 2005, p. 45). Nesse

    sentido, a tica trata-se de uma aprendizagem que resulta em aprender a resolver

    conflitos por meio do dilogo, aprender a ser solidrio, a ajudar, a ser democrtico, a

    dizer o que pensa, a ouvir e a respeitar os outros.De acordo com Chau (1988, p. 45), o filsofo Scrates, acreditava que

    bastava saber o que bondade para ser bom. Entretanto, o pressuposto bsico da

    tica de Scratesque basta saber o que bondade para que se seja bom - parece

    ingnuo no mundo de hoje, onde j est profundamente gravado na nossa mente

    que s algum grau de coero capaz de evitar que o homem seja mau. Na poca

    de Scrates, isso se baseava numa noo perfeitamente coerente com o

    pensamentoainda que no com a prtica da sociedade grega (CHAU, 1988, p.45). Antes de Scrates no teria havido uma reflexo organizada sobre a tica e o

    homem, por isso, inegvel que ele seja o Pai da tica. Desde ento, todos os

    grandes pensadores trouxeram valiosas contribuies para uma vivncia coerente

    da tica: Plato, Aristteles, Agostinho, Toms de Aquino, Spinosa, Kant, Nietzsche

    e tantos outros tm brilhantes pginas sobre a conduta humana.

    Segundo Chau (1988),

    Para a filosofia, o comportamento tico aquele que considerado bom, e,

    sobre a bondade, os antigos diziam que: o que bom para a leoa, no podeser bom gazela. E, o que bom gazela, fatalmente no ser bom leoa.Este um dilema tico tpico (CHAU, 1988, p. 89).

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    Dessa forma, compreende-se que o objetivo de uma teoria da tica

    determinar o que bom, tanto para o indivduo como para a sociedade como um

    todo. Os filsofos antigos adotaram diversas posies na definio do que bom,

    sobre como lidar com as prioridades em conflito dos indivduos versus o todo, sobre

    a universalidade dos princpios ticos.

    Para Hernandez (1988):

    O homem vive em sociedade, convive com outros homens e, portanto,cabe-lhe pensar e responder seguinte pergunta: Como devo agir peranteos outros?. Trata-se de uma pergunta fcil de ser formulada, mas difcil deser respondida. Ora, esta a questo central da Moral e da tica. Enfim, a

    tica julgamento do carter moral de uma determinada pessoa(HERNANDEZ, 1988, p. 98).

    Com isso, a tica tem sido aplicada naeconomia,poltica ecincia poltica

    (tambm tem sido aplicada estrutura da famlia, sexualidade, e como a

    sociedade v o papel dos indivduos), conduzindo a campos distintos e no-

    relacionados, como ofeminismo e aguerra,por exemplo.

    Em relao educao, a tica constitui-se um dos temas transversais

    propostos nos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs/MEC, 1997) e reflete a

    preocupao para que a escola realize um trabalho que incentive a autonomia na

    constituio de valores de cada aluno, ajudando-o a se posicionar nas relaes

    sociais dentro da escola e da comunidade como um todo.

    Com base neste tema, no podemos nos esquecer que estamos vivendo

    um momento histrico muito oportuno para a reflexo e a ao em prol da formao

    tica docente. Para evidenciar as mltiplas dimenses que a tarefa docente impe,

    Freire afirma ser inerente ao papel do educador no apenas ensinar os contedos,

    mas tambm ensinar a pensar certo. Essepensar certo, por sua vez remete a uma

    busca de leitura da realidade que deve permanecer vinculada pureza,

    rigorosidade tica e deve ser tambm geradora de boniteza, logo tem uma dimenso

    esttica e criadora (FREIRE, 1996, p. 30). Lgica, tica e esttica, so conceitos

    que se entrelaam, indissociveis no contexto mais amplo das concepes

    singulares do pensamento freireano.

    Acredita-se que s uma educao de qualidade, que ensina os princpios

    bsicos da tica, pode vir a ajudar os alunos a responder pergunta fundamental da

    existncia: como viver? Ou seja, como ajud-los a responder a esta pergunta por si

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Economiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%AAncia_pol%C3%ADticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Guerrahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Guerrahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%AAncia_pol%C3%ADticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Economia
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    mesmos, serem autores de suas escolhas, aprendendo a responsabilizar-se por

    elas? Como ajud-los a se construrem autonomamente e se tornarem adultos

    ticos? Como ajud-los, enfim, a viver num mundo em constante mudana sem

    perderem a si mesmos?

    Devido urgncia de estabilizao social, a tica e a educao para os

    valores passaram a representar um dos grandes eixos de preocupao e discusso

    nos mais diversos campos: poltico, cientfico, religioso, e, especialmente, no campo

    educacional.

    Freire, nas suas ltimas obras, Pedagogia da Autonomia e Pedagogia da

    Indignao, de modo incisivo esboa os traos daquilo que ele mesmo nomeou de

    tica universal e denunciou um mundo marcado pelas malvadezas de uma tica domercado:

    [...] pelas violncias de toda sorte, necessrio retomar esta temtica, queno somente interessa aos pedagogos, mas a todos os cidadospreocupados com uma ao-interveno no mundo que resgate a eticidade,a boniteza, a dignidade de homens e mulheres (FREIRE, 1996, p. 31).

    Para Freire, ensinar a tica poder perceber as virtudes que so exigidas

    ao ato de ensinar e aprender, que no so poucas. E como ele mesmo prope,

    deve-se lutar por uma tica inseparvel da prtica educativa e, esta luta se

    manifestar na prtica diria; para tanto necessrio testemunh-la, vivaz, aos

    educandos em nossas relaes com eles (FREIRE, 1996, p. 17).

    [...] A nossa prxis educativa, em sua incessante e dialgica interaosaber-prtica, teoria-ao, no deve seno aspirar plenitude e inteirezade todos os seus contornos, planuras e salincias, de todos os seusaspectos, incluso aqui o tico-moral; de nossa insero e presena nomundo do outro e com o outro (FREIRE, 1996, p. 29).

    Cabe educao o papel de mensageira de esperana, de uma

    educao que no transgride as questes ticas, mas que dirija suas aes

    educativas no sentido de que o educando, responsvel pelo seu autoconhecimento,

    construa valores ticos, to indispensveis para a vida em sociedade.

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    As relaes interpessoais e ticas no desenvolvimento do trabalhopedaggico

    Em todas as atividades humanas, importante que haja transformaes

    em prol da humanidade, ou seja, no desenvolvimento da atividade de uns a servio

    dos outros. A atuao do homem pode ser apenas uma ao mecnica, automtica

    movida pelo instinto, com finalidades exclusivamente materiais e imediatas ou uma

    ao humanitria, planejada, movida pela vontade, pelo corao e pela conscincia.

    Nesse contexto, necessrio que o homem seja educado e receba uma

    formao tica que o faa ter respeito e considerao por todos os seussemelhantes, como tambm pela natureza em que vive.

    pelo processo de formao educativa que o homem chega a um nvel

    aceitvel de formao intelectual e profissionalizante. Quanto a isso, cabe escola

    desenvolver um processo de ensino-aprendizagem, que contemple atividades de

    cunho vital e psicolgico, que exera motivao e estimulo para sua participao,

    num ambiente saudvel, alegre, criativo e responsvel. Nesse sentido, pode-se

    afirmar, que existe uma tica educacional, que envolve toda a atividade da escola,

    desde as aes da equipe gestora at a comunidade que, em suas abrangncias,

    direta ou indiretamente, faz parte do processo.

    A tica faz parte, necessariamente, do projeto poltico-pedaggico e da

    funo administrativa da escola. A aplicao da tica na gesto escolar implica

    mudana do comportamento relacional dos diferentes grupos e aprimoramento do

    processo de comunicao humana entre as partes envolvidas.

    Neste sentido os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN/BRASIL, 1997,

    p. 28), ressalta que por impregnarem toda a prtica cotidiana da escola, os

    contedos de tica priorizam o convvio escolar. So eles: Respeito mtuo, Justia,

    Dilogo e Solidariedade.

    Quanto ao respeito mtuo, os PCN (BRASIL, 1997, p. 29) diz que o

    respeito compreendido de forma unilateral: considerao, obedincia, venerao

    de um pelo outro, sem que a recproca seja verdadeira ou necessria.

    O respeito mtuo expressa-se de vrias formas complementares. Uma

    delas o dever do respeito pela diferena e a exigncia de ser respeitado na sua

    singularidade. Tal reciprocidade tambm deve valer entre pessoas que pertenam a

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    um mesmo grupo e tambm o respeito pelos lugares pblicos, como ruas e praas,

    tambm deriva do respeito mtuo. Como tais espaos pertencem a todos, preserv-

    los, no suj-los ou depred-los dever de cada um, porque tambm direito de

    cada um poder desfrut-los (BRASIL, 1997).

    O tema justia, segundo os PCN (BRASIL, 1997) vai muito alm da

    dimenso legalista. A dimenso legal da justia deve ser contemplada pelos

    cidados. Muitos, por no conhecerem certas leis, no percebem que so alvo de

    injustias. No conhecem seus direitos; se os conhecessem, teriam melhores

    condies de lutar para que fossem respeitados. Porm, a dimenso tica

    insubstituvel, precisamente para avaliar de forma crtica certas leis, para perceber

    como, por exemplo, por que alguns so mais privilegiados em detrimento de outros.Outro fator importante na formao tica o dilogo. Neste contexto, os

    PCN (BRASIL, 1997, p. 32) enfocam que a comunicao entre os homens pode ser

    praticada em vrias dimenses, que vo desde a cultura como um todo, at a

    conversa amena entre duas pessoas.

    Dialogar pede capacidade de ouvir o outro e de se fazer entender,

    valorizar a idia do outro como forma de esclarecer conflitos e tambm saber

    dialogar. A escola um lugar privilegiado onde se pode ensinar esse valor eaprender a traduzi-lo em aes e atitudes.

    Quanto solidariedade importante entender que o enfoque a ser dado

    para esse tema muito prximo da idia de generosidade: doar-se a algum,

    ajudar desinteressadamente. A rigor, se todos fossem solidrios, talvez nem se

    precisasse pensar em justia: cada um daria o melhor de si para os outros. A fora

    da virtude da solidariedade dispensa que se demonstre sua relevncia para as

    relaes interpessoais. Porm, o que pode, s vezes, passar despercebido so asformas de ser solidrio. No se solidrio apenas ajudando pessoas prximas ou

    engajando-se em campanhas de socorro a pessoas necessitadas (como depois de

    um terremoto ou enchente, por exemplo). Essas formas so genuna traduo da

    solidariedade humana, mas h outras. Uma delas, que vale sublinhar aqui,

    diretamente relacionada com o exerccio da cidadania a da participao no espao

    pblico, na vida poltica. O exerccio da cidadania no se traduz apenas pela defesa

    dos prprios interesses e direitos (embora tal defesa seja legtima), mas passa

    necessariamente pela solidariedade (por exemplo, atuar contra injustias ou injrias

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    que outros estejam sofrendo). pelo menos o que se espera para que a

    democracia seja um regime poltico humanizado e no mera mquina burocrtica

    (BRASIL, 1997, p. 34).

    Assim, a formao do educador deve partir de atitudes e aes relacionais

    desencadeadas pela dialtica na gesto, na vivncia e convivncia do dia a dia da

    escola, provocando a transformao, no somente do desempenho intelectivo dos

    envolvidos, mas tambm dos comportamentos social, poltico, cultural e profissional.

    Dessa forma, a tica, enquanto pensamento filosfico acerca do

    comportamento moral do homem se define como o estudo da conduta ideal, esta

    decorrente de um conceito mais amplo, o de homem ideal. Na atualidade, a tica

    consiste em ditar as qualidades das aes humanas, definindo-as como boas ouruins, tendo como norte a razo da felicidade o soberano bem. Em resumo, a

    tica uma cincia que estuda os valores e virtudes do homem, estabelecendo um

    conjunto de regras de conduta e de postura a serem observadas para que o convvio

    em sociedade se d de forma ordenada e justa (VASQUEZ, ).

    Cabe ao educador, em sua permanente formao, tornar-se cada vez

    melhor, pois quem gosta de ensinar ou apreciar o convvio com crianas e jovens

    no encontrar dificuldades em desobstruir caminhos para uma eficientetransmisso de conhecimento. O professor deve ter coragem de dizer aos seus

    alunos que acreditar, redescobrir a singeleza das coisas, o valor da famlia, a

    solidariedade, a lealdade, a finitude da vida e sua transcendncia, como a breve

    aventura terrestre o que se espera de um autntico mestre que transmita alm das

    lies escolares, a prtica do respeito, da moral, da amizade, da tolerncia e da

    compreenso.

    Para isso, no basta conhecer a tica, preciso, acreditar e vivereticamente, preocupando-se com a formao de cidados conscientes, capazes de

    poder transformar o mundo, colocando-se a servio da formao integral do

    educando, pois no h verdadeiro progresso, se no houver progresso moral.

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    Procedimentos metodolgicos

    Este estudo orientou-se, predominantemente, por um enfoque bibliogrfico

    e qualitativo, levando em considerao as palavras de Sacristn (2003, p. 18),

    quando afirma que no movimento histrico das sociedades vo se estabelecendo

    procedimentos de depurao das informaes culturais pedaggicas acumuladas e

    criam-se costumes de pensar cristalizados.

    no decorrer do processo de anlise dos estudos dos diversos autores,

    que podemos verificar se as representaes docentes ancoram-se nas trs matrizes

    epistemolgicas: humanistas, cognitivistas e scio-histricas. Essas representaes

    constituem-se de valores que convergem a influncia dos ideais de aprendizageminteracionista, tambm reconhecidos como construtivistas, cujas razes tm seu

    legado na histria do pensamento pedaggico escolanovista. Esse fato pode ser

    identificado tanto em uma perspectiva humanista em que os docentes, ao referir-se

    ao aprendizado docente, centram-se nas relaes interpessoais, no dilogo, na

    significao e associam o aprendizado idia de construo, processo e

    desenvolvimento.

    Considera-se, portanto, neste trabalho, que a relevncia da aprendizagemdecorre da funo docente do ensinar e do transmitir. Citam-se como condicionantes

    do aprendizado docente o esforo, a reflexo, a tica, o trabalho rduo, a f.

    Assim, baseados em Morin (2005); Freire (1996); Chau (1988) e outros,

    este trabalho se conclui pelas fundamentaes, compreendendo que a formao

    docente com compromisso tico parece atender grande parte das questes que, so

    imprescindveis melhor compreenso das mudanas na educao.

    Consideraes finais

    Neste estudo aponta-se a necessidade de uma formao docente,

    considerando-se a tica numa condio cultural, envolvendo seus valores, suas

    condutas e suas linguagens, sua identidade social, assim como o reconhecimento

    dos saberes docentes que vm legitimando o ser e o fazer dos professores no

    contexto do ensino.

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    Os saberes docentes embasados na tica transformam os docentes em

    porta-vozes de uma cultura pedaggica, constituda de teorias, de princpios e das

    vivncias empricas mediadas pelas trajetrias scio-afetivas.

    necessrio considerar a formao docente em suas dimenses tica,

    poltica, cultural, epistemolgica, pois no se pode mais pensar em uma poltica de

    formao docente que ignore as realidades histrico-sociais de formao.

    No contexto geral da sociedade, identifica-se tica como atitude de

    respeito, dignidade, equidade, conscincia, compromisso social, em um processo

    reflexivo nos valores e na prtica profissional, no dia-a-dia. Acrescenta-se ainda, que

    tica pode ser definida como aquilo que para aquilo que deve ser, de forma

    solidria e com cidadania.A formao do educador com base na tica deve estar contemplada na

    construo do perfil do egresso. Por isso, cabe s unidades de ensino motivar os

    professores para exercer a integrao da tica em suas disciplinas. Ela deve

    permear a formao docente porque hoje exige-se um educador com competncia,

    lealdade, conhecimento, valores sociais e conhecimento do cdigo da profisso.

    Por outro lado, este educador estabelece uma relao com seu aluno

    embasada no respeito mtuo, onde o professor deve tratar o aluno como gostariaque o mesmo o tratasse. O docente deve conquistar os alunos por meio de

    habilidade, competncia e postura profissional.

    Discutir a formao docente e as diversas possibilidades de se trabalhar a

    tica na formao profissional fundamental para que o professor valorize seu

    trabalho e entenda sua importncia na formao tica de seus alunos por meio do

    bom exemplo e postura profissional.

    REFERNCIAS

    BRASIL. Ministrio da Educao. Secretaria da Educao Fundamental. ParmetrosCurriculares Nacionais: 1 a 4 srie - Apresentao dos Temas Transversais etica. Braslia: MEC/SEF, 1997. v. 8.

    CANDAU, V. M. Magistrio - construo cotidiana. Petrpolis: Vozes, 1998.

    CHAU, Marilena. Convite a filosofia. 13. ed. So Paulo: tica, 1988.

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