(Artigo) Facioli, Lara - A Modernidade Em Gramsci e Foucault

Embed Size (px)

DESCRIPTION

MIchel Foucault

Citation preview

  • 128

    Da adaptao psicofsica aos micro-poderes:

    a modernidade em Gramsci e Foucault

    Lara Rodrigues Facioli*

    Resumo

    A sociedade moderna ocidental se caracteriza por uma espcie de poder que se situa no nvel mais elementar da vida - o corpo do indivduo e suas relaes cotidianas. Passamos de um poder de carter repressivo e controlador para um poder produtivo que fabrica corpos hbeis a viverem na nova sociedade industrial. Gramsci e Foucault, atentos para a idia de que no bastava tratar do poder como se este fosse imposto por uma nica instituio ou sistema, abrem nossos olhos para a necessidade de percebermos as sutilezas do poder que se instaura na estrutura psicofsica do sujeito. Aqui, tentaremos relacionar o pensamento dos dois autores no que tange a discusso sobre a especificidade do poder e do sujeito na sociedade moderna.

    Palavras-Chaves: Corpo, Poder, sujeito, sociedade industrial, Americanismo e Fordismo.

    From the psychophysics adaptation to the micro powers: The modernity by

    Gramsci and Foucault.

    Abstract

    The modern western society is made of a kind of power that lies in the most basic level of life- the individual's body and their everyday relationships. We came from a repressive character of power and control to a productive power that makes able bodies to live in the new industrial society. Gramsci and Foucault attentive to the idea that it was not enough to deal with power as if it were imposed by a single institution or system, open our eyes to the need of realizing the subtleties of power which is established in the psychophysical structure of the subject. Here, we will try to relate the thought of both authors on the discussion of power and the subject of modern society.

    Key words: Body, Power, Subject, Industrial Society, Americanism and Fordism.

    * LARA RODRIGUES FACIOLI mestranda na Universidade Federal de So Carlos.

  • 129

    Antonio Gramsci (1891-1937) e Michel Foucault (1926-1984)

    Introduo

    O projeto da modernidade que se acentua e se radicaliza no s no mbito da esfera produtiva, mas que se estende por todo o social, atingindo a realidade mais concreta dos indivduos seu corpo penetrando em sua vida cotidiana, ser o tema central deste trabalho. Analisaremos, luz de dois majestosos autores Antonio Gramsci (1891-1937) e Michel Foucault (1926-1984) como a instncia psicossomtica treinada na produo de seres humanos automatizados para se adaptarem nova vida cotidiana trazida a tona pela sociedade industrial moderna. Esses autores, embora vivendo em momentos diferentes, apresentam uma mesma linha de pensamento que nos aponta para a noo de que o consentimento necessrio para a estabilizao da vida muito sutil, de maneira que o indivduo mal o percebe, enquanto se coloca como o sustentculo da ordem que estabiliza as formaes sociais.

    Gramsci, voltado para a passagem do velho individualismo econmico necessidade de uma economia chamada por ele de programtica, se debruar sobre as exigncias da instaurao de um novo sistema produtivo racional Americanismo e Fordismo capaz de inaugurar um novo tipo de controle sobre a vida em sociedade, sobre a intimidade, sobre o sentir o mundo e

    sentir-se no mundo; controle este que no se faz de cima para baixo, como coao, mas parte da interioridade do prprio sujeito moderno. Esta tese est intimamente relacionada com a proposta foucaultiana de anlise da sociedade disciplinar abalizada em um tipo de poder que no se impe sobre o indivduo por um sistema injusto ou mesmo por um Estado soberano numa relao vertical, mas que se insere na vida cotidiana e que produz o sujeito, sendo este o centro de onde emana todo o poder. A figura do Monarca como detentor do poder, cede lugar rede de poderes afirmada pelo prprio sujeito (ou sdito) no que tange suas mais diversas relaes.

    Para analisarmos as idias centrais dos autores sobre os efeitos da sociedade industrial moderna ressaltaremos, na primeira parte do trabalho, como Foucault expe seu tema sobre a disciplina e o poder centrado na figura do Panptico de Bentham e veremos como ambos so interiorizados pelo indivduo; idia relacionada incorporao psicofsica das estruturas e noo do surgimento de um novo tipo de homem racional, exato, preciso e produtivo colocado em Americanismo e Fordismo, por Gramsci. Portanto, na segunda parte, debateremos idias pertinentes em Gramsci, relacionando os dois autores.

    Um olhar sobre o olho do poder

    Para Foucault, o que os sculos XVII e XVIII nos trazem de novo a escola do controle, a descoberta do corpo como alvo de poder, corpo este que se manipula, se modela, se treina, se tona hbil, cujas foras se multiplicam. Vale ressaltar o apontamento feito pelo autor que afirma ser a primeira vez que o corpo objeto de investimentos to imperiosos; a novidade da sociedade industrial so as tcnicas de sujeio do

  • 130

    corpo. No se trata de cuidar do corpo como se fosse uma unidade indissocivel, mas de trabalh-lo detalhadamente, de exercer sobre ele coero sem folga. O mtodo que permite o controle minucioso do corpo so as disciplinas, que, segundo o autor, se transformam em frmulas gerais de dominao (FOUCAULT, 2004: 118).

    Eis uma nova tcnica de domnio do corpo que no se trata de sua apropriao como sucedia com a escravido. A disciplina dispensa essa relao custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade igualmente grandes. Houve uma substituio do que Foucault chama de suplcio (Idem, op.cit.) das formas de submisso que causavam o sofrimento fsico para uma forma de recomposio do corpo que o torna obediente e til sem tal sofrimento; o princpio da clausura no suficiente nos aparelhos disciplinares onde se trabalha o espao de maneira mais fina, flexvel e visvel. No consiste mais num isolamento do indivduo no caso do louco, por exemplo, ou do presidirio que precisa ser visto e vigiado, passo a passo. O que importa nessa nova tcnica estabelecer as ausncias e presenas, saber onde e como encontrar o indivduo, poder vigiar seu comportamento, medindo qualidades e mritos. A disciplina organiza um espao analtico, espao de viso, sendo o pice de seu sucesso e processo gerador a elaborao do Panptico de Bentham, que se trata de uma construo arquitetnica tpica da

    sociedade disciplinar, usada em hospitais, presdios, escolas, fbricas, etc.

    O Panptico consiste num espao onde se coloca um vigia que tem total viso sobre todas as celas/quartos/salas/reparties onde esto os sujeitos. Neste esquema no somente o vigia que exerce vigilncia, trata-se de uma

    dissoluo do poder, cada camarada torna-se um vigia (FOUCAULT, 1999, p. 215). e este, por sua vez, em plena luz, capta melhor todos os passos que em meio sombra protetora tornava-se difcil visualizar. Trata-se de um processo de individualizao no qual a constante vigilncia faz desaparecer a multido, o local de mltiplas trocas, a comunicao coletiva. O efeito mais importante do Panptico, segundo Foucault, e que estar tambm colocado nas idias gramscianas em outros termos, induzir no sujeito um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automtico do poder, cuja perfeio tende a tornar intil a atualidade de seu exerccio. Dessa forma, trata-se de uma introjeo do poder por parte do indivduo de tal forma que no existe a necessidade de constante reafirmao de sua existncia. Portanto, os prprios detentos/alunos/loucos/trabalhadores so portadores do poder, so eles que fazem o poder circular; mesmo que no haja um vigia na torre, mesmo no se sabendo quem o vigia (uma vez que este no visto pelos indivduos) consegue-se o resultado esperado, a atitude esperada, a atualizao esperada do poder, porque ele est l, no na

  • 131

    torre, mas no prprio indivduo, construindo e reconstruindo seu corpo, modelando suas aes, tornando-o hbil e dcil. Quem est submetido a esta visibilidade faz funcionar espontaneamente o poder.

    A disciplina e a vigilncia trazem um aumento das foras do corpo no que diz respeito produtividade econmica e a utilidade, e diminui essas mesmas foras em termos polticos, ou seja, trata-se de um processo de homogeneizao que visa um aumento da produtividade e uma diminuio dos inconvenientes polticos com carter de protesto e de lutas. A sociedade moderna a sociedade dos detalhes, do olhar esmiuante das inspees, do controle das mnimas parcelas da vida. O poder, dissolvido nas malhas sociais, evidenciado com o Panptico serve para classificar, para ordenar, para individualizar; cada sujeito se define pelo lugar que ocupa na srie e pela distncia que o separa dos outros. A sociedade disciplinar traz consigo a transformao das multides confusas, inteis ou perigosas em multiplicidades organizadas. Essa organizao no se d no limite interno da fbrica, da escola, do hospital, do presdio; se concretiza na vida cotidiana, na atitude moral do indivduo, em sua vida sexual afetiva, levando a mercantilizao da intimidade, o que veremos logo abaixo, em outros termos, nas idias gramscianas.

    Dessa forma, temos em Foucault um poder que no negativo, repressor e sim produtivo no sentido de fabricar corpos, utilizando ao mximo o indivduo, aproveitando suas potencialidades. Ele no pesa como uma fora que diz no, ele induz ao prazer, forma discursos; se o poder s tivesse a funo de reprimir, se agisse apenas por

    meio da censura, da excluso, do impedimento, do recalcamento, maneira de um grande superego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frgil.

    Portanto, uma anlise do poder no deve partir do estado, do direito, da economia e sim das extremidades, das formas mais locais, onde o centro gerador o prprio indivduo. No limite, trata-se de afirmar que a sociedade moderna no se manteria com outra forma de poder que no estivesse intrnseco as prprias estruturas de conhecimento, de percepo, de ao do indivduo; que no estivesse presente em todos os momentos de seu cotidiano, que no fosse positivo no sentido de fazer o indivduo reproduzi-lo, de produzir o prprio indivduo, num processo de sujeio, de consentimento e legitimao.

    Americanismo e Fordismo: a quebra

    da velha conexo psicofsica

    De acordo com as idias de Gramsci, a hegemonia nasce da fbrica, ou seja, partindo da anlise da instaurao de um novo sistema produtivo (vale dizer que o autor observa a Europa, especificamente, a Itlia; porm tendo em mente o sucesso da sociedade americana), podemos observar como se consolida uma nova sociedade, um novo homem, um novo modo de vida, um novo ethos. O autor nos mostra como, na Amrica, a racionalizao da produo determinou a elaborao de um novo tipo humano, adequado ao novo tipo de trabalho e de processo produtivo processo este j conhecido por ns e caracterizado pela produo em massa e pela implantao da linha de montagem automatizada capaz de manter o funcionamento das estruturas da sociedade moderna industrial. Gramsci vai observar esse processo atravs de uma elaborao em torno da

  • 132

    esfera individual, cultural, moral, religiosa, mostrando-nos a queda da velha estrutura psicofsica do indivduo e a construo de uma nova.

    A primeira relao que podemos estabelecer entre Foucault e Gramsci tangencia as questes relacionadas interiorizao do poder por parte do indivduo, ou seja, como a disciplina exigida pela nova sociedade industrial atinge o nvel mais elementar da vida o cotidiano e o corpo. Ambos discorrero, por exemplo, sobre como a questo sexual foi resolvida por essa nova sociedade, como o sexo se remodelou tornado-se til ao novo mtodo produtivo. Gramsci est mais voltado pra idia de que os instintos sexuais sofreram maior represso por parte da sociedade do desenvolvimento que traria a eles rgida disciplina, um fortalecimento da famlia em sentido amplo, da regulamentao e da estabilidade das relaes sexuais. J Foucault nos traz no uma noo fechada de sexualidade, mas sim a sexualidade falada, tpica do ocidente que possui um saber relativo sexualidade capaz de apresentar no mais um carter de controle represso e sim controle estimulao faa sexo, mas nos conte tudo sobre ele, se confesse para ns, ns queremos saber de sua vida sexual. Portanto, trata-se da passagem de um poder negativo feroz para um poder positivo e produtivo sobre o corpo, o indivduo e a sexualidade. Vale ressaltar, Foucault no afirma o carter benfico desse poder, pelo contrrio, por estar inserido nas malhas mais finas da sociedade, advindo do indivduo e de suas relaes, torna-se ainda mais difcil estabelecer

    modos de luta contra ele, uma vez que todos somos pontos especficos de poder.

    Segundo Gramsci, a vida na indstria exige um aprendizado geral e uma adaptao psicofsica a determinadas condies de trabalho, de nutrio e de hbitos; no algo inato ou natural, exige ser adquirido, exige aprendizagem e modificao sociopoltica. O industrialismo consiste em uma luta contra o elemento

    animalidade do homem, um processo ininterrupto, freqentemente doloroso e sangrento, de sujeio dos instintos a norma e hbitos de ordem, exatido e preciso, sempre novos, mais complexos e rgidos, que tornam possveis as formas mais complexas de vida. Da mesma forma afirma Foucault quando fala da disciplina que modifica o espao, recompe as atividades, adiciona e capitaliza o tempo. Trata-se, portanto, de uma constante mudana cotidiana, suave e lenta, de uma dinmica de evolues continuas que substitui a dinmica de acontecimentos solenes. A sociedade moderna a sociedade dos pequenos sinais e a cada um dos quais est ligada uma resposta obrigatria que dada sem necessidade da fora fsica ou do suplcio.

    Podemos relacionar o pensamento dos dois autores no que diz respeito colocao do carter classificatrio, individualizante, hierarquizante da racionalizao produtiva e, no limite, da prpria sociedade moderna como um todo. Como afirma Gramsci, em Americanismo e Fordismo, todas as mudanas do modo de viver tiveram funo de selecionar ou educar o homem adequado aos novos tipos de civilizao, as novas formas de

  • 133

    produo e de trabalho, lanando ao inferno das subclasses os dbeis e os refratrios (GRAMSCI, 1978, p. 393). Da mesma forma, na teoria de Foucault, a disciplina e o carter de visibilidade trazido com a vigilncia permitem classificar os indivduos e perceber os desvios (atrasos, ausncias, interrupes de tarefas, atos estranhos), aplicando a eles micro-penalidades. O castigo disciplinar tem a funo de reduzir os desvios, ele pune a inaptido, o no chegar l e promove o arrependimento tendo como objetivo tornar as recompensas mais freqentes que as penas.

    Trata-se, portanto, no de uma diferenciao de atos, mas dos prprios indivduos, de sua natureza, de seu nvel e valor. A penalidade normaliza na medida em que define a diferena, a fronteira externa do anormal o anormal no deve existir. Ligada a idia de classificao dos indivduos est a noo, percebida por Gramsci, de eliminao da velha classe trabalhadora, ou seja, na sociedade americana, com o advento de novos mtodos produtivos, o objetivo seria desenvolver no trabalhador os comportamentos maquinais e automticos, quebrando a velha conexo psicofsica do trabalho profissional qualificado, que exigia certa participao ativa da inteligncia, da fantasia, da iniciativa, reduzindo as operaes produtivas apenas ao aspecto fsico maquinal. Trata-se, portanto, de um novo nexo psicofsico de tipo superior, que colocaria a margem todos os considerados inaptos a adquiri-lo.

    Gramsci j traz em seu texto algumas idias que sero debatidas por Foucault, quando afirma que as massas trabalhadoras, dentro do novo sistema produtivo, no sofrem a presso coercitiva de uma classe superior, pois os hbitos e as aptides psicofsicas

    foram absorvidos pela via da persuaso recproca ou da convico individualmente proposta e aceita. Os novos mtodos de trabalho so indissociveis de um determinado modo de viver, de pensar, de sentir a vida que se insere no indivduo e em suas relaes fazendo com que no haja a necessidade de um poder soberano, centrado no Estado ou na figura de um monarca, que diga o que o indivduo deve ou no fazer. O poder no tem mais uma fonte, ele est entre ns, e mais, est em ns, formando e reformando nosso corpo. Foucault e Gramsci concordam que o consentimento necessrio para a estabilizao da vida muito sutil, de maneira que o indivduo mal o percebe, enquanto se coloca como o sustentculo da ordem que organiza e mantm as formaes sociais.

    A idia trazida no pensamento dos dois autores consistiu em perceber que os novos processos produtivos tiveram como objetivo conservar fora do trabalho certo equilbrio psicofsico, capaz de impedir o colapso fisiolgico do trabalhador coagido pelo novo mtodo de produo. Portando, o trabalhador existe enquanto tal fora da fbrica, sua personalidade moldada de tal forma normalizada que o ambiente e as exigncias da fbrica se estendem a sua vida pessoal, ao seu lar, aos seus momentos de lazer; impedindo qualquer desequilbrio promotor de revoltas ou questionamentos. Segundo Gramsci, esse equilbrio pode ser puramente externo e mecnico, mas poder se tornar interno se for proposto pelo prprio trabalhador e no imposto de fora. Voltamos ento mesma noo foucaultiana de normalizao, de civilizao que promove o equilbrio, partindo no de cima pra baixo, mas do prprio indivduo. De acordo com Foucault, pelo estudo dos mecanismos

  • 134

    que penetram nos corpos, nos gestos, nos comportamentos, que preciso construir a arqueologia das Cincias Humanas (FOUCAULT, 1984, p. 50).

    Existe, portanto, a necessidade de captar o poder nas suas formas e instituies mais regionais e locais, estud-lo onde sua inteno esta completamente investida em prticas reais e efetivas. No se trata de perguntar por que alguns querem dominar outros, mas como funcionam as coisas em nvel do processo de sujeio ou dos processos que sujeitam os corpos, dirigem os gestos, regem os comportamentos, seja fora ou dentro da fbrica, da escola, do hospital, etc.

    Gramsci nos mostra que o mtodo de Ford racional e deve se generalizar ao longo de um processo no qual ocorra uma mudana nas condies sociais e de costumes e hbitos individuais; o que no pode ocorrer apenas atravs da coero, mas somente por meio de uma combinao entre coeso (autodisciplina) e persuaso, sob a forma de salrios suficientes, isto , da possibilidade de um melhor padro de vida, ou talvez, mais exatamente, atravs da possibilidade de realizar o padro de vida adequado aos novos modos de produo e de trabalho, que exigem um particular dispndio de energias musculares e nervosas. Esta idia tambm retomada por Herbert Marcuse em sua obra Eros e Civilizao (1955), onde temos a anlise de uma civilizao que incute em cada membro constituinte de seu todo, uma esperana vindoura, seja na forma de finais de semana, folgas, gratificaes, estilo de vida, possibilidade de consumir, de participar das benesses do sistema.

    A crescente produtividade de mercadorias e servios traz consigo atitudes e hbitos prescritos, que acabam mobilizando a sociedade em

    seu todo, com a promessa utpica do cio, do entretenimento e lazer organizados. Dessa forma, a transformao torna-se cada vez mais limitada, uma vez que o prprio sujeito promove e introjeta, de forma positiva, as bases estruturais das quais faz parte. Nesse sentido, retomamos, mais uma vez, o carter positivo do poder para Foucault: a sociedade moderna industrial, ou seja, a sociedade disciplinar produtiva na medida em que produz um indivduo totalmente adequado a ela, que consome os bens produzidos por ela e que se encarrega de mant-la funcionando.

    Concluses

    Analisamos neste trabalho as idias lanadas por Foucault e Gramsci sobre a sociedade moderna industrial. Tentamos trazer tona as relaes existentes entre os dois tericos que nos permitem pensar como essa sociedade se mantm e que tipo de indivduo ela exige. Para isso partimos de um ponto em comum entre as teorias: o consentimento necessrio para a estabilizao da vida muito sutil, de maneira que o indivduo mal o percebe, enquanto se coloca como o sustentculo da ordem que estabiliza as formaes sociais.

    Gramsci e Foucault colocam a vida cotidiana como um trilho que constri os indivduos: o poder se introjeta no sujeito no reprimindo, mas realizando seus desejos, brincando com eles de dentro para fora. Ao contrrio dos clssicos (falo aqui de Marx, Weber e Durkheim, que tinham em comum o fato de pensarem a modernidade como aberta a possibilidade de libertao dos indivduos), os dois autores observaro na sociedade moderna a total sujeio do indivduo a ponto de no percebermos oportunidades de transformao, uma vez que o poder esta dissolvido na malha social, sem

  • 135

    apontar-nos um representante contra o qual valha a pena lutar. O fato do poder ser mais sutil e positivo, no quer dizer que seja menos cruel, ao contrrio, produz corpos e sujeitos normatizados, excluindo os considerados inadaptados a viver na modernidade. Esses inaptos so todos aqueles que no se enquadram nas normas impostas, como os loucos, os idosos, os homossexuais, etc.

    A racionalizao trazida pela sociedade industrial garante uma hegemonia que no est somente na fbrica, ela se expande por toda malha social, cria um novo ethos que se traduz em assimilao de virtudes em forma de hbito. Ambos tecero uma anlise em torno dessas questes, Foucault com sua teoria de cunho mais subjetivo, Gramsci voltado para os aspectos da vida material, mas ambos a luz das transformaes dessa nova sociedade e de seu novo tipo de sujeito.

    Referncias

    FOUCAULT, Michel. Micro Fsica do Poder. (14a ed., R. Machado, org., trad.). Rio de Janeiro: Edio Graal, 1999.

    ______________. ROUANET, Srgio Paulo; MERQUIOR, Jos Guilherme; LECOURT, Dominique; ESCOBAR, Carlos Henrique de. O Homem e o discurso. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971.

    ______________. Em defesa da Sociedade: curso no Collge de France (1975-1976). So Paulo: Martins Fontes, 1999.

    ______________. Histria da Sexualidade 1: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edies

    Graal, 1988.

    ______________. Histria da Sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1984.

    ______________. LOrdre du discours, Leon inaugurale au Collge de France. Paris: ditions Gallimard, 1971. Graal, 1988. 17 edio.

    ______________. Vigiar e Punir, Nascimento da Priso (29 Ed, Raquel Ramalhete, trad.). Petrpolis, 2004.

    GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. Maquiavel, a Poltica e o Estado Moderno. 3. ed. Traduo de Luiz Mrio Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,1978.

    ____________. Escritos Polticos. Volume 1. Org: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2004.

    MARTINS, M, F. Marx, Gramsci e o conhecimento: ruptura ou continuidade.

    Campinas, So Paulo: Centro Universitrio Salesiano, 2008).