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Digesto Econômico - Especial Gramsci

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Outubro e Novembro de 2006

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3DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

SERGIO AUGUSTODE AVELLAR COUTINHO

A REVOLUÇÃOGRAMSCISTA

NO OCIDENTE

(Extrato da Obra)

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5DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

ANTONIO GRAMSCIE O

GRAMSCISMO

Antonio Gramsci (1891-1937), marxista eintelectual italiano, foi na sua mocidadesocialista revolucionário e membro doPartido Socialista Italiano, no seio do

qual fez sua iniciação ideológica.Fez-se imediato simpatizante da revolução bol-

chevista de 1917. Em dezembro de 1920 participou docongresso que constituiu a fração comunista do Par-tido Socialista Italiano e, já em janeiro de 1921, os de-legados dessa facção decidiram fundar o Partido Co-munista Italiano.

Em outubro de 1922, os fascistas chegam ao po-der, ocorrendo a prisão de vários dirigentes do parti-do; Gramsci se encontrava então em Moscou, esca-pando de ser detido.

Na execução de "Medidas Excepcionais", em no-vembro de 1926, Gramsci é preso e processado do queresultou sua condenação a mais de 20 anos de reclusão(Junho de 1928).

A partir dos primeiros meses de 1929, Gramsci co-meça a redigir suas primeiras notas e apontamentos quevieram a encher, no transcorrer de seis anos, trinta e trêscadernos do tipo escolar. Escreveu até 1935, enquantosua saúde o permitiu.

O trabalho não segue um esquema prévio, ao con-trário, os temas são apresentados fragmentariamente esem seqüência lógica, algumas vezes reescritos ou reto-mados de forma melhorada e ampliada.

O tema mais importante, aliás, conteúdo centralda matéria contida nos Cadernos do Cárcere, é o pensa-mento político do autor que traz contribuições inédi-tas e atualizadas ao marxismo e uma concepção per-tinente da estratégia de tomada do poder ("transiçãopara o socialismo").

Esta concepção e estratégia desenvolvidas essen-cialmente nos Caderno s é o que podemos chamarG ra m s ci s m o ou, mais abrangentemente, M a rx i s mo -Gramscismo.

Em abril de 1937, já em fase final de vida, lhe é con-cedida a plena liberdade. Dois dias depois, efetivamente,morre Antonio Gramsci, deixando uma inestimável he-rança político-cultural para o movimento comunista in-ternacional, contida nos seus Cadernos do Cárcere.

Cumprindo a vontade de Gramsci, Tatiana Schu-cht, sua cunhada e destinatária de sua correspondênciano período de prisão, remeteu os Cadernos para Moscou,onde chegaram às mãos de Palmiro Togliati, líder comu-nista italiano e camarada do autor.

O dirigente italiano examinou detalhadamente omaterial gramsciano e identificou certas originalidadesdiscordantes do marxismo-leninismo (e do própriomarxismo), na época assumido como dogma da Inter-nacional Comunista soviética. Mesmo assim, ficaramreconhecidos o seu valor teórico e a conveniência de suapublicação. Mas somente após o término da SegundaGuerra Mundial (1939 - 1945), foram finalmente publi-cados em seis volumes, saídos em seqüência entre 1948 e1950, colocando o pensamento de Gramsci à disposiçãoda intelectualidade mundial.

No Brasil, as primeiras iniciativas para a publi-cação de uma tradução dos Cadernos do Cárcere têm ini-cio em 1962, mas só em 1966 e 1968, foram publicadosquatro volumes dos seis da edição temática italiana.Reeditados no final da década de 1970, foi esta publi-cação que introduziu Gramsci à intelectualidade dopaís, "uma contribuição muito importante para a formaçãode um novo espírito revolucionário da esquerda brasileira".(Enio Silveira)

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6 DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA DE GRAMSCI

Os comentadores e intérpretes da obra gramscianageralmente se restringem à discussão de seus fun-

damentos e conceitos político-ideológicos. Não revelamcom maior clareza descritiva a atuação e a prática revo-lucionária que Gramsci propõe e que passa necessaria-mente pela crise orgânica (institucional), pela "ruptura",pela tomada do poder, pela destruição do Estado burguêse fundação do "Estado-Classe" (totalitário, "estatolatria")e pela implantação da nova ordem socialista marxista.Assim, o conhecimento da concepção revolucionáriagramsciana fica incompleto para as pessoas comuns.

Gramsci foi um convicto marxista-leninista. Emque pesem as idéias inovadoras que propõe, Gramscipermanece sempre ligado, intelectual e ideologicamen-te, ao marxismo; não é um dissidente nem um "herético",mas um inovador.

No momento em que constatou o fato históricode que a estratégia marxista-leninista de tomada dopoder, vitoriosa na Rússia, em 1917, não teve êxito nospaíses europeus (entre 1921 e 1923 na Alemanha, Po-lônia, Hungria, Estônia e Bulgária) de economia capi-talista e de sociedade democrática, passou a consideraroutro modelo revolucionário. Fez assim, a distinçãoentre sociedade "oriental" e sociedade "ocidental",compreendendo que a "transição para o socialismo"teria que ter concepções diferentes numa e noutra con-dição político-social.

O ataque frontal ao Estado para a tomada imediatado poder, com o emprego da violência revolucionária,foi comparada por Gramsci à "guerra de movimento". Éa concepção estratégica leninista que teve êxito na Rús-sia em 1917 e que se tornou o modelo revolucionário uni-versal da Internacional Comunista soviética. Esta estra-tégia fracassou em outros países de tipo Ocidental.

Nestas sociedades, a luta teria que ser semelhante à"guerra de posição", longa e obstinada, conduzida noseio da sociedade civil para conquistar cada "trincheira" ecada defesa da classe dominante burguesa. Em outras pa-

lavras, disputar com a classe dominante a hegemoniaso -bre a sociedade civil e conquistá-la como prelúdio da con-quista da sociedade política (o Estado) e do poder.

A partir desta visão original, Gramsci desenvolveuseu conceito estratégico de transição para o socialismo.

1) Organização das classes subalternas:- Aparelhos privados de hegemonia;- Sociedade Civil organizada.

2) Reforma Intelectual e Moral:a. Superação do Senso-Comum;b. Conscientização político-ideológica;c. Formação do consenso.

3) Neutralização do aparelho hegemônicoe de coerção do grupo dominante:- Enfraquecimento das "trincheiras" da

sociedade liberal-democrata, "cisão".4) Ampliação do Estado:

Integração da Sociedade Civil e SociedadePolítica ("Estado Ampliado" ou "SociedadeAmpliada")

A grande invenção contida na concepção revolu-cionária de Gramsci está na mudança da direção estraté-gica de tomada do poder. Em vez de realizar o assalto di-reto ao Estado e tomar imediatamente o poder como naconcepção de Lênin, a sua manobra é de envolvimento,designando a sociedade civil como primeiro objetivo aconquistar, ou melhor, a dominar. Isto será feito predomi-nantemente pela guerra psicológica ou penetração cultu-ral para minar e neutralizar as "trincheiras" e defesas dasociedade e do Estado burguêses. Nesta longa luta dedesgaste se incluem a "neutralização do aparelho de he-gemonia" da burguesia e do "aparelho de coerção" estatale a "superação" dos valores intelectuais e morais das clas-ses subalternas e das classes burguesas, fazendo-as acei-tar (ou a se conformar) a transição para o socialismo comocoisa natural, evolutiva e democrática.

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7DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

TRANSIÇÃO PARA O SOCIALISMOFASE ECONÔMICO-CORPORATIVA

A fase econômico-corporativa da transição parao socialismo corresponde ao período histórico

de uma nação capitalista em que a burguesia é classedominante e em que o proletariado, camponeses e ele-mentos periféricos da sociedade constituem as classessubalternas exploradas.

Nesta fase econômico-corporativa, duas ativida-des fundamentais se apresentam para o desenvolvi-mento progressivo da transição para o socialismo:

- Organização do Partido;- Defesa da democracia liberal.

O partido da classe proletária é organizado paraconduzir um processo de transformação, desenvolvendoum novo estado (socialista) e uma nova concepção domundo (comunismo). Não é um partido político com ummero programa de governo, mas um partido revolucioná-rio, transformador e criador de uma "nova civilização".

A principal função do partido é hegemônica, istoé, a de direção (influência e orientação) política e cultu-ral das massas, da sociedade e, na última fase do proces-so, do Estado.

As alianças de classes com grupos econômicosafins e mesmo com grupos adversários, em certas cir-cunstâncias, são convenientes e mesmo necessárias pa-ra a realização dos objetivos das classes subalternas.

O Partido é o organismo de formação dos seus pró-prios membros, dos homens de Estado e de Governo, dosdirigentes da sociedade civil e da sociedade política. Poristo, torna-se o elaborador das novas intelectualidades,tanto no campo teórico como no campo da prática, diri-gentes qualificados e profissionalizados de vários graus.

***

A formação e desenvolvimento do Partido-Classedemandam ambiente e espaço democráticos para que osintelectuais do partido possam atuar e para que as pessoaspossam ser conscientizadas política e ideologicamente,discutir aberta e publicamente, reunir-se e organizar-se.

Assim, a ação política do Partido estará tambémvoltada para assegurar a existência do regime liberal-

democrata e para promover a ampliação das franquiasdemocráticas. A preservação da sociedade e do estadodemocráticos também proporciona ao partido a ima-gem pública favorável e a postura de legitimidade queafastam certas oposições, restrições e resistências.

O Partido, como organização legal, pode preten-der eleger seus membros para cargos públicos nos dife-rentes segmentos e níveis do poder.

É importante preservar taticamente as condiçõesde liberdade que permitam o "avanço democrático para osocialismo". Eventualmente, entretanto, a sociedade e oEstado burgueses podem estar vivendo um momentoditatorial. Nesta situação histórica, é provável que o Par-tido-Classe seja colocado na ilegalidade e daí terá queatuar na clandestinidade. Mesmo assim não deixará deatuar e seu objetivo imediato será restabelecer o regimedemocrático franco.

A atuação "libertária" será principalmente de pro-paganda junto à inteira população. Até mesmo certasações clandestinas, como o terrorismo ("ação direta"), te-rão esta finalidade de exemplo ("propaganda de fatos").

A ação libertária inclui a atuação comum com osgrupos de oposição, tanto de esquerda quanto dos libe-rais-democratas. São temas ou palavras de ordem, quepodem, geralmente, ser empregados:

- Abertura política;- Eleições livres (parciais ou gerais);- Anistia de presos políticos atingidos por

atos discricionários;- Redemocratização.

Gramsci, antes mesmo da sua prisão em 1926 e deter iniciado a redação dos Cadernos do Cárcere, reconheciaa conveniência de um "interregno" liberal-democráticoapós a queda da ditadura burguesa (na Itália da época, oFascismo de Mussolini) com a retomada do governo pe-los partidos burgueses. Criam-se, assim, as condiçõespara o reinício das ações que antecedem a tomada do po-der pelo movimento revolucionário a caminho do socia-lismo. Igualmente sugeria a luta por uma AssembléiaConstituinte que poderia ser o prelúdio de uma repúbli-ca socialista.

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LUTA PELA HEGEMONIA

A hegemonia no interior da sociedade civil liberal éexercida, evidentemente, pela burguesia que, por

isso, se tornou classe dirigente. Por intermédio da socie-dade política, o estado liberal democrático burguês, exer-ce o domínio - o poder de governo e de coerção.

Deste modo, a partir do momento em que as clas-ses subalternas, organizadas e expressas pelo partido-classe, passam a disputar a hegemonia com a burguesiano âmbito da sociedade civil, começam a ocorrer os pri-meiros momentos da luta de classes, antes mesmo da to-mada do poder.

Nesta fase, a luta pela hegemonia não visa ainda àeliminação da burguesia, mas a "um equilíbrio de compro-misso", tático, que não pode, todavia, comprometer o es-sencial das aspirações das classes subalternas: a socieda-de sem classes.

A conquista da hegemonia pelas classes subalter-nas (retirando-a das mãos da classe dominante no seioda sociedade civil) e a formação do consenso (livre dacoerção) são o centro da concepção estratégica grams-ciana de transição para o socialismo; em resumo, signi-ficando construir as bases do socialismo, mesmo antesde tomar o poder.

A luta pela hegemonia tem dois objetivos em pro-fundidade:

- Desenvolver o grupo subalterno(elevação da "classe corporativa"à condição de "classe nacional");

- Preparar as condições para a tomadado poder.

A concepção gramsciana busca "subverter" osconceitos e valores tradicionais da sociedade burguesa,superando o seu senso-comum, conscientizando politi-camente as classes subalternas e condicionando toda apopulação para o socialismo.

Nesta fase serão empregados instrumentos e con-duzidas ações políticas, intelectuais e morais que po-dem ser assim relacionados:

1) O Partido e os intelectuais orgânicos;2) A organização das classes subalternas;3) A reforma intelectual e moral da

sociedade civil;

4) Neutralização do aparelho privadoe estatal de hegemonia e de coerçãoda classe dominante;

5) A integração (identidade-distinção)da sociedade civil e sociedade política;ampliação do Estado.

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***

O Partido, na fase da luta pela hegemonia, continuaa ter a função de difusão da concepção do mundo (comu-nismo marxista) e principalmente a de elaboração da po-lítica e da ética (fidelidade aos fins buscados) adequadosà sua realização concreta. Neste papel, o Partido é:

- O experimentador histórico de talconcepção (no interior do partido,"o reino da necessidade já passou aoreino da liberdade");

- O formador das novas intelectualidades"totalitárias" (unitárias e universais),os dirigentes por adesão individual;

- O reformador intelectual e moralda sociedade.

A ação política é conduzida predominantementedentro das regras legais do jogo político democrático, re-petidamente declarada e ostensivamente praticada nalegalidade. As alianças de classes são procuradas e,atualmente, é admitido o "pluralismo das esquerdas",isto é, a aceitação de que mais de um partido ou orga-nização política participe da luta pela hegemonia dasclasses subalternas no âmbito da sociedade civil e queparticipe, por assim dizer, da construção "consensual-democrática" do socialismo. Esta posição política é im-portante porque, modernamente, pode passar a ser par-te da concepção tática da transição para o socialismo,nas fases que antecedem à tomada do poder. A unidadedas esquerdas e a hegemonia exclusiva de um dos par-tidos-classe não são necessidades críticas nesta fase doprocesso revolucionário e podem ser deixadas para se-rem resolvidas mais tarde, depois da tomada do poder.

Todos os membros, do partido devem ser consi-derados "int electua is", não importa em que níveisfuncionais se encontrem. Não existe organização semintelectuais.

O processo de formação dos intelectuais orgânicos élongo e difícil e deve ser sempre ligado às massas. O inte-lectual orgânico está consciente da sua posição de classe.

O novo intelectual não é apenas um orador elo-qüente, o eletrizador de multidões, mas aquele que che-gou a uma concepção humanitária histórica e que se tor-nou dirigente; aquele que orienta, influencia e conscien-tiza ("especialista + político").

A relação entre os intelectuais do partido e o mun-do da produção (proletariado) "não é imediata mas deveser mediatizada"buscando e desenvolvendo seus intelec-tuais orgânicos para uma condição política e cultural

mais elevada e universalizada.O grupo social e o partido que o expressa encon-

tram categorias de intelectuais já existentes na socieda-de que refletem a continuidade histórica ou que repre-sentam o grupo social dominante. Estes são os intelec-tuais tradicionais, cujo tipo é vulgarmente reconhecidocomo cientista, filósofo, literato, artista e profissionaldos meios de comunicação social. Os intelectuais tradi-cionais estão ligados a valores e cultura antigos, semidentificação com uma ideologia de classe, formandoum grupo isolado sem ligação com as massas.

O grupo que luta pela hegemonia e pelo domínio(conquista do poder) deve lutar também pela assimi-lação e conquista ideológica dos intelectuais tradi-cionais.

O papel do partido como formador, educador e di-rigente bem o identifica com a função de "I n te l ec t ua lColetivo" como atualmente tem sido reconhecido.

***

A hegemonia e o consenso não podem ser criados,desenvolvidos e exercitados de modo constante e con-sistente em uma classe social difusa e que só tenha ex-pressão, como massa, como fenômeno contínuo e eficaz,têm que estar apoiados em organismos coletivos perma-nentes que, inicialmente, formem e orientem (dirijam) avontade coletiva e que, já mais desenvolvidos, possamassumir certas funções públicas, "ampliando" o conceitode Estado (sociedade civil + sociedade política) na ges-tão governamental.

Um organismo coletivo é constituído de pessoasque se reuniram e que aceitaram ativamente uma hierar-quia e uma direção (orientação) determinada. O orga-nismo coletivo só terá consistência se cada indivíduo seidentificar com ele e for um elemento participativo.

Os organismos coletivos podem ser do tipo priva-do ou público; aqueles ligados à sociedade civil e estes,ligados à sociedade política (órgãos de governo).

Os organismos privados ou particulares podemser empreendimentos (movimentos) ou organizaçõesvoluntárias (ou contratuais) ou ainda empreendimen-tos e organizações de blocos sociais homogêneos.

Os primeiros são aqueles que se fundam com fina-lidades diversas (econômicas, políticas ou sociais) noseio da sociedade civil. Buscam realizar interesses co-muns dos indivíduos heterogêneos: clubes, associações,igreja, escola, etc.

As organizações dos blocos sociais homogêneos,diferentemente, buscam realizar os interesses políticosde classe essencial e a vontade coletiva que a anima: sin-

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dicato, partido-classe, certas organizações não-estatais,comunidades, etc.

Neste conjunto de organismos voluntários e deblocos sociais homogêneos, um ou mais predominamsobre os outros (particularmente sobre os contraditó-rios) e sobre a inteira sociedade civil, constituindo o apa-relho privado hegemônico de um grupo social. Assu-mem função semelhante a dos Soviets.

Os organismos privados que têm maior expressãoostensiva são os sindicatos e determinadas entidadesque atualmente são denominadas "organizações não-g ov e r na m e nt a is " (ONG's). Os sindicatos são organis-mos de blocos sociais homogêneos, mas só terão expres-são hegemônica quando superarem a natureza mera-mente econômico-corporativa, alcançando uma cons-ciência político-ideológica nacional e internacional. Asorganizações não-governamentais, quando são induzi-das por um movimento político-ideológico, tornam-seaparelhos privados de hegemonia. Freqüentemente as-sumem o papel de "organismos intermediários demo-cráticos" entre as grandes massas e o Estado, como o sãoos sindicatos, os partidos e os parlamentos. O ativismodas ONG's as faz, muitas vezes, competidoras com o Es-tado, assumindo certas funções estatais no seio da socie-dade civil, tais como as relativas a direitos humanos, am-bientalismo, paz, não-violência, anti-racismo, promo-ção social, etc.

Os aparelhos privados de hegemonia são tambémorganismos de expressão do consenso e de difusão daideologia. No seu conjunto, constituem o que se chamasociedade civil organizada.

***

A luta pela hegemonia se desenvolve preliminar-mente na realização de uma profunda reforma intelec-tual (ideológica) e moral (cultural) da sociedade civil vi-sando principalmente:

- Elevar as classes subalternas da condição de"classe corporativa" (de interesses meramente econômi-cos, egoísticos e passionais) à condição de "classe nacio-nal" (com consciência de classe e protagonista).

- Adequar a cultura popular à função práticade realizar a transição para o socialismo:

- Exercer a hegemonia e o consenso;- Capacitar ao exercício do poder.

Esta reforma é conduzida por intermédio de umaampla e continuada "penetração cultural" realizandotrês complexos empreendimentos:

- Superação do senso-comum(substituição ou refinamento dosvalores culturais da burguesia).

- Conscientização político-ideológica(desenvolvimento "ético" dasclasses subalternas).

- Formação do consenso.

A reforma intelectual e moral tem por objeto asclasses subalternas e por sujeito os intelectuais orgâni-cos, com a participação consciente ou inconsciente, dosintelectuais tradicionais.

A reforma cultural não se dirige apenas às clas-ses subalternas mas também à classe dominante, àburguesia, com a finalidade de assimilá-la ou, pelomenos, de levá-la a aceitar as mudanças intelectuais emorais como parte de uma natural e moderna evolu-ção da sociedade, explorando sua passividade, indi-ferença e permissividade.

Superação do Senso-Comum

O senso-comum é o conjunto de valores, história,tradições, hábitos e costumes, conceitos e expectativas(culturais, religiosas, cívicas, sociais, filosóficas, etc)aceito, consciente ou inconscientemente e praticadospelos membros de uma sociedade em geral. Constituiuma "cultura" ou "filosofia" generalizada que se enraízana consciência coletiva: o senso comum que predominaé aquele do grupo social dominante.

A superação do senso-comum é um empreendi-mento de profunda e demorada transformação culturale psicológica da sociedade civil como um todo e das clas-ses subalternas em particular.

Consiste em apagar certos valores tradicionais euma parte significativa da herança cultural (intelectuale moral) da sociedade burguesa e substituí-las por con-ceitos novos e pragmáticos, abrindo as mentes das pes-soas para as mudanças políticas, econômicas e sociaisque farão a transição para o socialismo.

Trata-se "de elaborar uma filosofia que se torne o senso-comum renovado, coerente com a filosofia popular" e com osfins buscados no processo político-ideológico no qualtudo deve estar inserido.

O Partido é o centro homogêneo de difusão do novosenso-comum, mas não é o único. É preciso ainda estabe-lecer um amplo sistema orgânico e também "espontâneo"no interior da sociedade civil, abrangendo variados ca-nais informais, desligados das organizações políticas(partidos e estado), por meio do qual se fará a penetraçãodos novos sentimentos, conceitos e expectativas.

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Dentre os canais de difusão do novo senso-co-mum, em primeiro lugar estão os meios de comunicaçãosocial (imprensa, rádio e televisão), mas não excluindo,como igualmente importantes, o setor editorial, a cáte-dra, o magistério, a expressão artística e o meio intelec-tual tradicional.

Os intelectuais tradicionais geralmente sentemuma natural atração pela novidade cultural, podendoaderir voluntariamente, por conveniência ou por cons-trangimento da opinião pública e do patrulhamentoideológico.

Quando uma pessoa supera criticamente o senso-comum e aceita novos valores e conceitos culturais e so-ciais, terá aceito uma filosofia nova e estará em condi-ções de compreender uma nova concepção do mundo econtribuir para a sua concretização.

A Conscientização Político-Ideológica

Já iniciado o processo de mudança do senso-co-mum e a partir do momento em que já se tenha adquiridouma compreensão de classe (mesmo que incipiente) e umcerto sentimento de oposição entre ela e a classe domi-nante, passa-se ao "momento da crítica e da consciência".

A conscientização político-ideológica é a orienta-ção educativa dos integrantes das classes subalternas nosentido de:

- fazer a crítica da sua própria concepçãodo mundo (expectativa) para chegara uma concepção unitária e coerente(entendimento do pensamentomarxista, posto no seu nível cultural);

- levar os "subalternos" à adesão eparticipação na luta pela sua realização.

Em outras palavras, dar sentido político ao novosenso-comum para se formar o consenso. O êxito destetrabalho depende da superação crítica do senso-comum(nova mentalidade) e do sentimento de pertencer a umaclasse que busca a hegemonia (consciência política).

Este trabalho é conduzido pelos mesmos intelec-tuais orgânicos em contínuo contato com os elementossubalternos, principalmente no seio das organizaçõesprivadas de hegemonia. Esta aproximação, convivênciae ligação entre os intelectuais e a massa, deve forjar um"bloco intelectual moral", tornando politicamente possívelo desenvolvimento ideológico das classes subalternas.

A consciência político-ideológica é mais um pro-blema de "fé" do que de compreensão racional da ideo-logia. A militância política ou p ro t a g o n i s m o na mudança

da história deve ser vivida como uma "religião".A adesão à ideologia é que vai dar sentido prático

(político) ao senso-comum renovado e que vai permitira formação do consenso.

A Formação do Consenso

O c onse nso é um conceito entendido como con-formidade de um grupo social com as iniciativas do Es-tado para alcançar os fins que a sociedade pretende. Aconformidade do grupo significa concordância, adesãoe acordo coletivo com idéias e ações de um agente po-lítico ou social.

O consenso é a expressão objetiva da hegemoniaque a classe subalterna exerce sobre a sociedade civil eque a transforma em classe dirigente.

Entende-se que o consenso se refere e respalda aatuação da sociedade política ou, estritamente, do go-verno que é o agente da classe dirigente no poder. Assim,o consenso é uma manifestação de apoio que, a bem di-zer, só se efetivará objetivamente quando a classe subal-terna já estiver no poder, tornando-se classe dominante.Entretanto pode-se também entender que ele já é neces-sário e se forma antes mesmo deste momento histórico.A direção dos órgãos privados de hegemonia, a ação po-lítica do partido e o programa de um governo "socialistademocrático" eventualmente eleito no exercício do jogopolítico da sociedade burguesa, precisam contar com aadesão e o apoio da classe de que são parte.

Podemos assim aduzir que o consenso se manifes-ta em diferentes momentos à medida em que a classe su-balterna vai ganhando consciência política e expressãohegemônica:

O consenso é, por excelência, a expressão objetivada hegemonia nascente ou já consolidada no âmbito dasociedade civil.

***

As "trincheiras" e "defesas" das sociedades liberal-democratas dos países de capitalismo moderno e de de-mocracia avançada (sociedades e estados do tipo "ociden-tal") são muito fortes. Correspondem às instituições e con-vicções ideológicas que historicamente têm sido a barreiraque impediu a vitória da revolução quando tentada nestespaíses, segundo o modelo estratégico marxista-leninistade ataque frontal ao poder ("guerra de movimento").

É preciso identificar quais são os elementos da so-ciedade civil e do aparelho estatal que constituem o sis-tema de defesa e que serão objetivos da "guerra de po-sição" de modelo gramsciano.

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Além do complexo ideológico-cultural que já co-mentamos quando tratamos da superação do senso-co-mum, o sistema é formado por um conjunto de elemen-tos materiais, organizações e instituições privadas e es-tatais da sociedade civil e da sociedade política queconstituem o aparelho hegemônico e o aparelho de coer-ção do grupo dominante burguês.

Dentre estas inumeráveis organizações e institui-ções políticas, econômicas e sociais podem ser assinala-dos os órgãos de comunicação social (imprensa, rádio,televisão etc), a escola, a igreja (particularmente a cató-lica romana), os partidos políticos, o parlamento, os ór-gãos de classe empresarial, as forças armadas, o apare-lho policial e, em certa medida, a família.

O empreendimento de neutralização é complexo eé conduzido pelo amplo trabalho psicológico, político eideológico que realiza o esvaziamento do moral do ele-mento humano das organizações burguesas, de tal mo-do que elas perdem o seu valor funcional e ético perantea sociedade civil, produzindo, num processo contínuo eprogressivo de enfraquecimento, esvaziamento, cons-trangimento e perda de valor.

***

A ampliação do Estado é o conceito de Gramsci quevê a integração da sociedade civil com a sociedade polí-tica, "identidade-distinção" de duas esferas diferentes erelativamente autônomas, mas inseparáveis. Uma novafórmula de estado que supera o estado de concepção ca-pitalista burguesa, e que, ao mesmo tempo, evita o esta-tismo "burocrático" de modelo soviético.

A sociedade civil, por intermédio das organiza-ções privadas de hegemonia, indica a "direção" política ecultural e passa a executar certas funções públicas queantes pertenciam exclusivamente à esfera estatal. Cer-

tos aparelhos estatais de coerção, próprios do estadoburguês, tornam-se algo privado passando a fazer parteda sociedade civil. Talvez fosse mais próprio dizer-se"sociedade ampliada".

A concepção do "Estado Ampliado" só terá plenaaplicação depois que as classes subalternas tiverem con-quistado o poder e quando um novo tipo de estado e desociedade tiverem sido implantados.

Entretanto, mesmo antes da conquista do poderpelas classes subalternas, o estado burguês poderá so-frer um processo inicial de "ampliação", na medida emque estas classes forem conquistando a hegemonia nointerior da sociedade civil e em que esta vai conquistan-do a sua função de direção político-cultural.

Desta maneira, as classes subalternas podem obter ahegemonia em certas organizações privadas e, por meioda ativa ação política podem assumir, direta ou indireta-mente, a execução de algumas funções de governo.

Assim estariam sendo antecipadas algumas etapasde ampliação do Estado e criando condições para a toma-da do poder. (enfraquecimento do Estado burguês).

***

A fase da luta pela hegemonia é a ação estratégicacentral da concepção gramsciana (a "guerra de posição",propriamente dita). Um dos seus objetivos é criar as con-dições para a tomada do poder.

É oportuno chamar a atenção para um aspecto im-portante da estratégia gramsciana: a guerra de posiçãotem por objetivo a conquista da sociedade civil, incluin-do a neutralização das "trincheiras" da burguesia. Issonão significa que a guerra de movimento tenha sido de-finitivamente descartada. Justamente, a partir deste êxi-to, a conquista do poder pode assumir as característicasde assalto ao Estado.

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13DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

A Fase Estatal é aquela em que as classes subalter-nas, conquistando o poder por intermédio de vi-

gorosa ação política do Partido e do uso da força, fun-dam um novo Estado que promoverá as profundastransformações econômicas, sociais, políticas e indivi-duais que instaurarão o socialismo no país até então ca-pitalista burguês.

Esta fase tem muita identidade com a fase da Revo-lução Socialista de concepção leninista. Entretanto,Gramsci tem alguns conceitos próprios, particularmentequanto à estrutura do novo Estado, à integração da socie-dade civil com a sociedade política e à condução das trans-formações para implantação da sociedade socialista.

O empreendimento inicial da fase estatal é a con-quista do poder, sem o que a transição para o socialismodeixa de ser revolucionária.

O final da fase é a criação do Estado e da sociedadesocialista marxista, aquela que tem realizadas em si to-das as condições para que se dê a passagem do "mundoda necessidade para o mundo da liberdade", a sociedadecomunista, ou de sociedade regulada por Gramsci.

O agente diretor dos empreendimentos desta fasede radicais transformações continua a ser o Partido, cujopapel de desencadeador, condutor, orientador e culmi-nador do processo é tão importante e indispensável queGramsci o identifica como o Moderno Príncipe, noçãotirada da obra de Maquiavel O Príncipe.

As ações capitais que o Partido conduz ou orientanesta fase podem ser assim relacionadas:

1) Direção da crise orgânica (política,econômica e social) que desestabilizao Estado burguês.

2) Conquista do poder;3) Fundação do novo Estado

e implementação da nova ordem;4) Realização das transformações

socialistas.

***

O Partido é o agente diretor das transformaçõesque levarão à fundação do socialismo marxista no país.Acrescentam-se ao seu papel histórico novas funçõespolítico-culturais que levaram Gramsci a identificá-lonesta fase como o Moderno Príncipe:

1) Nas crises econômicas, políticas esociais pelas quais a sociedade liberal-democrática passa eventualmente em suahistoria e na crise orgânica que abrecaminho para a tomada do poder;

2) No processo de tomada do poder;3) Na fundação do novo Estado;4) Nas transformações econômicas,

políticas e sociais.

No primeiro momento, na crise orgânica, o Parti-do deve estar preparado para dirigir os acontecimentos,orientando-os para que produzam resultados progres-sistas, convenientes e construtivos para o processo detransição para o socialismo.

No segundo momento, na tomada do poder, a ini-ciativa deve ser do Partido, que conduzirá o empreen-dimento de modo a se tornar hegemônico ou único (comexclusão dos outros partidos, inclusive aliados) após avitória, destruindo todas as outras organizações ou asincorporando num só sistema cujo elemento diretor sejao Partido revolucionário.

No terceiro momento, na fundação do novo Esta-do, o Partido imporá a sua concepção e fornecerá os di-rigentes que para isto preparou no interior da própriao rg a n i z a ç ã o .

No quarto momento, nas transformações da es-trutura e das superestruturas, o Partido será o anuncia-dor e o organizador de uma reforma intelectual e moralda sociedade civil e será o criador de uma vontade co-letiva nacional-popular que dará origem a uma novaforma de civilização, moderna e superior.

Esta transformação está diretamente dependenteda reforma econômica e do sistema de produção que se-rá conduzida pelo Estado.

O Partido não se integra ao Estado nem exerce ogoverno: "Não reina nem governa, mas é o órgão político quetem o poder de fato"; exerce a função hegemônica sobre so-ciedade civil e, ao mesmo tempo, mantém vinculaçãocom a sociedade a política, sobre a qual exerce função dedireção intelectual e moral.

***

A Crise Orgânica é o momento histórico em que ogrupo dominante, representado pela sociedade política,

FASE ESTATAL

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14 DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

perdeu a hegemonia, o consenso e a integração com a so-ciedade civil, tornando o Estado burguês vulnerável àconquista e à destruição pelas classes subalternas guia-das pelo Partido revolucionário.

Nem todo rompimento entre governados e gover-nantes é uma crise orgânica, digamos, uma crise insti-t u ci o n al . Há também crises que se colocam em níveism e n o re s :

- Crises político-sociais- Crises de hegemonia ou de autoridade.

Quando a classe dominante perde o consenso dasociedade civil, significa que deixou de ser dirigente esó permanece dominante graças apenas ao poder decoerção que ainda dispõe. Houve o rompimento dasmassas com a ideologia tradicional, o sistema demo-crático burguês.

Neste ponto da vida nacional, como se refereGramsci, "o velho morreu e o novo não pode nascer". É a c r i-se orgânica, que pode antecipar as condições para a to-mada do poder, mas que deve ser conduzida e usadapara que se realize esta meta. O Partido se constituiu co-mo organização política exatamente para ser capaz dedirigir a crise.

Nos regimes parlamentaristas, a crise pode resul-tar do seu funcionamento particularmente pelas dificul-dades crescentes de se formarem os gabinetes, da insta-bilidade dos próprios gabinetes e da freqüência cada vezmaior das substituições de governo.

A crise de governo no parlamentarismo pode ofe-recer, no seu momento agudo e associado à instabilida-de econômica e social, oportunidade do Partido dasclasses subalternas se apresentar como única soluçãoinstitucional, mas por sua organização, coesão e hege-monia .Assim pode chegar ao governo e exigir poderesexcepcionais para resolver a crise. Este pode ser o pri-meiro passo concreto para o Golpe-de-Estado incruentoe para a tomada do poder. Foi assim na Itália em 1922com o fascismo, na Alemanha em 1933 com os nazistas ena Checoslováquia em 1946 com os comunistas.

A crise parlamentar é um caminho interessante dese chegar ao poder, mantendo todas as aparências de fi-delidade ao jogo político democrático.

***

A concepção estratégica gramsciana não indicaclaramente a tática de ruptura no momento da crise or-gânica e da tomada do poder. Subentende-se que estavai depender das condições do instante histórico, da

"correlação de forças" que "justifica uma atividade práti-ca, uma iniciativa de vontade" e, em última análise, deuma decisão oportuna dos dirigentes do Partido. En-tretanto, Gramsci indica, discretamente e com aparên-cia de generalização, que a tomada do poder deverá serum ato de força.

Para o instante em que a "situação culmina e se re-solve efetivamente, ou seja, torna-se história" (momento daruptura) o braço político e o braço armado do Partidotêm que estar muito bem preparados para serem empre-gados no "momento favorável".

A luta de classes se manifesta numa permanenterelação ou confronto de forças sociais, políticas e, em úl-tima instância, militares.

A Relação de Forças Militares está ligada ao mo-mento "imediatamente decisivo em cada oportunidade con-c re t a " .

Nesta curta referência, e em outras passagens,Gramsci não abre completamente o pensamento, masdela se pode deduzir que está falando do momento da"ruptura" (superação inopinada da legalidade burgue-sa) e da tomada do poder como ato de força, porque ogrupo dominante não o cederá sem luta. Não entra emdetalhes nem indica categoricamente a forma políticaou militar para a conquista do Estado. Entretanto, o seuespírito pragmático se revela nos comentários e não dei-xa de considerar as alternativas objetivas para a chegadaao poder, não se iludindo com o determinismo histórico.O assalto ao poder leninista é precedido pela "fase de-mocrático-burguesa" que culmina na criação das condi-ções subjetivas e objetivas para o desencadeamento datomada do poder. A concepção gramsciana, diferente-mente, é precedida pela obtenção da hegemonia e doconsenso na sociedade civil e pela neutralização das"trincheiras" da burguesia. No momento da crise orgâ-nica, a sociedade já está "subvertida" e suas defesas já es-tão "minadas".

***

Numa rápida apreciação, pode-se verificar que aruptura e a tomada do poder podem ser conduzidas pe-lo emprego de três atos de força diferentes:

- Golpe-de-Estado (conquista do poder)- Levante Armado (assalto ao poder);- Guerra Civil Revolucionária

(tomada do poder)

Deve-se lembrar que estes diferentes atos de forçapodem ter as mais variadas concepções, todas condiciona-

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15DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

das pela situação e pelo momento histórico de cada país.Não descartando a "guerra de movimento" no mo-

mento decisivo, Gramsci admite (embora não explicita-mente) a necessidade da preparação do instrumento ar-mado para a ocasião do seu indispensável emprego.

Movimentos reivindicatórios radicais urbanos erurais poderão ser progressivamente armados, aumen-tando a ousadia das ações ilegais (invasão de terras eedifícios, interdição de instalações e de vias de transpor-te etc), com a indiferença e a conivência da sociedade ci-vil e a omissão da sociedade política.

***

O Novo Estado, que será fundado após a tomadado poder, nascerá das cinzas do antigo Estado burguêsnum processo rápido de "destruição-reconstrução", co-mo qualifica Gramsci.

Esta etapa revolucionária envolve dois empreen-dimentos imediatos:

- Organização do Estado-Classe;- Imposição da nova ordem revolucionária.

O novo Estado assume as características de Esta-do-Classe, identificando-se com os indivíduos dasclasses populares e, por isto, é de tipo diferente, ele-mento de cultura ativa e movimento para criar uma no-va civilização.

As primeiras providências para a sua organizaçãoestão no restabelecimento (destruição-reconstrução)dos órgãos governamentais, desde logo buscando cons-truir as bases de uma complexa e bem articulada unida-de da sociedade política com a sociedade civil, em que osindivíduos se autogovernem como complemento orgâ-nico do Estado. Corresponde à concretização de um pro-cesso de ampliação do Estado iniciado na fase de luta pe-la hegemonia.

Entretanto, enquanto a sociedade civil não te-nha alcançado um estágio de desenvolvimento cultu-ral e moral próprio e independente, há necessidade deum período de poder totalitário ("estatolatria") comoforma de consolidação da hegemonia da sociedade ci-vil e da iniciação da vida estatal autônoma ("estadoampliado").

Este estágio se assemelha à ditadura "popular-de-mocrática" ou à "ditadura do proletariado" como enten-dida pelo leninismo soviético. Gramsci, porém, preocu-pava-se com a tendência de perenização desse Estadototalitário, como ocorreu na União Soviética. Não ima-ginava propriamente a sua progressiva evolução para

uma forma de estado "democrático" à moda do libera-lismo ocidental mas a sua crescente substituição pela so-ciedade civil, à medida que esta fosse absorvendo certasfunções de governo; evolução que vai até o desapareci-mento do Estado no momento culminante do avento da"sociedade regulada", o comunismo.

A questão imediata que se apresenta ao Partido-Classe (o Moderno Príncipe), e ao Estado ainda em fun-dação, é a implantação da nova ordem. É uma etapa crí-tica que se desenvolve em meio ao caos institucional e àperspectiva ou à realidade concreta e "catastrófica" deum retrocesso e da intervenção "cesarista", isto é, de umaforça autoritária e salvadora que pode interromper ocurso da revolução.

O novo regime que se implanta não poderá deixarde ter o caráter militar-ditatorial. E uma de suas primei-ras providências deverá ser a criação do "exército popu-lar" ou "exército vermelho", instrumento político arma-do que será usado para apoiar a implantação do novoEstado e para assegurar a ordem pública.

A segunda questão de imposição da nova ordemserá o desmantelamento do aparelho hegemônico eestatal burguês (suas "trincheiras" e "fortificações")deve ser seguido (melhor será simultâneo) da recons-trução e criação de novos órgãos de governo e a reto-mada da atividade econômica (processo de "destrui-ç ã o - re c o n s t u ç ã o " ) .

A terceira questão será a superação das resistên-cias internas do próprio movimento, dos velhos dirigen-tes intelectuais "teimosos", cuja atuação pode prolongara crise. Esta questão se estende ainda à repressão ao ra-dicalismo de certos segmentos revolucionários.

Finalmente, a questão que se apresenta sob a for-ma de ameaça ou de efetividade de uma contra-revolu-ção burguesa ou de uma intervenção estrangeira. Am-bos eventos ocorreram na Rússia após a tomada do po-der em outubro de 1917.

***

Após a tomada do poder, a fundação do novo Es-tado e de superação das principais questões de imposi-ção da nova ordem revolucionária, o Estado-Classe sededicará prioritariamente à condução das radicais e ne-cessárias transformações para a implantação do socia-lismo e para desenvolvimento das condições de passa-gem deste para a "sociedade regulada":

- No aparelho econômico de produção;- Na sociedade e nos indivíduos;- No sistema político.

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16 DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

Estas mudanças, como superação da antiga or-dem capitalista liberal, têm também significado de des-truição (destruição-reconstrução):

- Demolição do sistema capitalista;- Eliminação da classe burguesa;- Superação do sistema

liberal-democrático.

O processo de transformação destrói o velho e edi-fica o novo, operando essencialmente sobre as forçaseconômicas, modificando e desenvolvendo o sistemade produção.

As mudanças realizadas nos primeiros tempos re-volucionários não são absolutas mas de caráter tenden-cial, completando-se no progressivo desenvolvimentoda construção do socialismo.

As transformações da Estrutura Econômica

A intervenção do Estado (identificado com o gru-po subordinado) na economia é uma condição prelimi-nar de qualquer atividade econômica coletiva.

O desenvolvimento das forças econômicas em no-vas bases e a instauração progressiva de uma nova es-trutura sanarão as contradições existentes na sociedadecapitalista.

A transformação da estrutura econômica consistejustamente na superação do sistema de produção basea-do na propriedade privada e na divisão de trabalho queresulta na divisão de classes.

A atividade econômica de massa, antes de maisnada, se baseia na propriedade coletiva dos meios deprodução (estatização, coletivização ou gestão coletivadestes meios) .

"Não pode haver igualdade política (e social) com-pleta e perfeita sem igualdade econômica".

As Transformações da Sociedade Civil e do Indivíduo

Não se espera que as velhas condições culturais emorais desapareçam ou se modifiquem pela simplespropaganda e persuasão. É preciso a iniciativa de umagente modificador forte. A atuação do Estado, que de-ve criar e manter um novo tipo de civilização e desen-volver um novo tipo de cidadão, tem um aspecto posi-tivo de educação cívica, mas também um aspecto nega-tivo de ação repressiva e punitiva de alcance moral emface da "ação ou omissão criminosa".

As mudanças da sociedade civil abrangem trêsempreendimentos principais:

- Tornar homogêneo o grupo social, agoragrupo dominante;

- Realizar a reforma intelectual e moraldos indivíduos;

- Desenvolver uma vontade coletivanacional popular.

1) Unidade do grupo social dominanteO desfecho pretendido na luta de classes -

um dos princípios da revolução socialista - é aassimilação ou dissolução da classe burguesa.

2) Reforma intelectual e moral dosindivíduos

Tornado homogêneo o grupo social, o Es-tado tende a criar um conformismo social queseja útil ao desenvolvimento do grupo e que ex-presse uma significativa mudança intelectual emoral dos indivíduos.

Para criar um novo tipo de cidadão, o Es-tado deverá criar um novo tipo de convivência ede relações individuais, fazendo desaparecercertos costumes e atitudes e fazendo difundiroutros, atuando segundo um plano que educa,incita, pressiona e "pune".

A transformação intelectual e moral dosindivíduos é luta contra o individualismo,contra certo individualismo, aquele com con-teúdo social, em especial, contra o individua-lismo econômico (da iniciativa e do lucro)que, nesta fase histórica, já deve estar supera-do, embora tenha representado uma fase dodesenvolvimento progressivo.

3) A vontade coletiva nacional-popularUm dos primeiros esforços a ser dedicado

ao empreendimento das transformações da so-ciedade civil é a formação de uma vontade co-letiva nacional-popular.

A vontade coletiva é a manifestação com-pleta do consenso, do conformismo social edo protagonismo que vão tornar possível arealização das transformações concretas quecriarão a nova civilização, passando pelo so-cialismo.

Em determinadas ocasiões, será necessá-ria a imposição coerciva da disciplina para ga-rantir o êxito do projeto ou impedir a apariçãode certos segmentos sociais resistentes poração ou omissão.

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17DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

As Transformações no Sistema Político

A mudança política concreta se dá no momentomesmo em que o poder é conquistado pelas classes su-balternas, guiadas pelo seu partido orgânico, e em que éfundado o novo Estado. Em outras palavras, no momen-to em que o estado liberal democrático burguês (even-tualmente, a ditadura oligárquica) está superado.

O novo Estado assume um formato de "estatola-tria", isto é, uma forma altamente centralizada, ditato-rial, fazendo-se capaz de produzir as transformaçõeseconômicas, políticas e sociais necessárias.

Entretanto, o processo de ampliação do Estado, fa-zendo a conexão da sociedade política com a sociedade

civil, envolvendo-a na condução das coisas públicas, de-verá proporcionar contínuo desenvolvimento na dire-ção, afinal, do desaparecimento do próprio Estado.

Neste processo, "todo elemento social homogêneo é es-tado, na medida em que adere ao seu programa transformador.Todo cidadão é funcionário, se é ativo na vida social conforme adireção traçada pelo estado-governo".

***

O estabelecimento do socialismo marxista (ou so-cialismo científico, ou ainda socialismo revolucionário)é o objetivo estratégico da revolução, uma fase interme-diária entre o capitalismo e o comunismo.

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18 DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

O GRAMSCISMONO BRASIL

No final da década de 70, o Partido Comu-nista Brasileiro vinha de uma frustrantee contundente derrota na sua segundatentativa de tomada do poder no Brasil.

Tanto na primeira investida (a Intentona de 1935), quan-to na segunda ("via pacífica"), o partido seguiu o modelomarxista-leninista para chegar ao poder.

Havia uma certa perplexidade no interior do Par-tido que se questionava quanto à validade dos modelosleninistas de "assalto ao poder" e da "via pacifica para osocialismo" (ou "etapista"), ambas mal sucedidos noBrasil. Além disso, havia ainda a má referência da im-prudente e cruel opção pela luta armada de alguns gru-pos dissidentes da orientação partidária que não conse-guiram ir além do terrorismo urbano (1966 - 1973). Co-meçaram então a aparecer os primeiros indícios de quealguns dirigentes do Partido passavam a se interessarpela estratégia de Gramsci já, de certa forma, reveladapelo eurocomunismo. "Como poderia, todavia, o PartidoComunista transpor mecanicamente para o Brasil uma dou-trina que se preocupava, no seu tempo, em equacionar os ca-minhos a percorrer do fascismo à ditadura do proletariado e es-tabelecer qual o sistema de alianças a ser composto para atingira meta intermediária de um governo democrático"? (CarlosI.S. Azambuja)

Com efeito, em 1973, o Comitê Central do PartidoComunista Brasileiro realizou, com uma criativa mano-bra intelectual, a transposição para o Brasil da situaçãoda Itália em 1930: aprovou uma Resolução em que de-finia o regime brasileiro como fascista. Assim propunhaa formação de uma aliança "antifascista, incluindo todasas forças de esquerda e de oposição ao regime políticovigente, tendo por objetivo a "redemocratização" quelhe abrisse espaço para voltar à atividade política osten-siva e à luta pelo socialismo.

A partir desta Resolução, o Partido passou a darprioridade aos objetivos imediatos de:

- Restauração da democracia;- Anistia;- Assembléia Constituinte.

Evidentemente, a opção por esta linha de atuaçãonão significava uma deliberada adesão à estratégiagramsciana, mas com ela coincidia de maneira interes-sante e indicativa, porque estava muito de acordo com oconceito de Gramsci referente ao "intermezo" democrá-tico burguês entre a queda da ditadura fascista e a dita-dura do proletariado.

Indicativamente também, a partir de 1972, pro-nunciamentos de destacados membros do Partido e ar-tigos publicados nos jornais orgânicos e na imprensadiária passaram a conter freqüentes referencias às "ca-tegorias" e idéias de Gramsci. Embora fossem significa-tivas as indicações de envolvimento de membros doPartido com as idéias de Gramsci, esta posição não eraunânime.

A presença do PCB nas campanhas "populares"anteriores a 1979 não foi muito destacada porque em1974 e 1975, os órgãos policiais e de segurança, depois dederrotar o terrorismo urbano e uma tentativa de implan-tação de guerrilha maoísta no país, voltaram-se final-mente contra ele, desorganizando severamente sua es-trutura e atuação. Seus militantes foram presos ou se re-fugiaram no exterior. Os remanescentes optaram pelaclandestinidade ou pela infiltração no partido do Movi-mento Democrático (MDB), de oposição; tática da du-pla-militância.

Quando em 1979 o regime revolucionário de 1964tomou a iniciativa da abertura política (revogação doAto Institucional no 5 e a decretação da Anistia), o Par-tido estava enfraquecido, principalmente depois da di-vergência entre Prestes, que regressara de Moscou, e osmembros do Comitê Central, resultando no afastamen-to do velho líder ainda preso aos "dogmas" da Interna-cional soviética. Entretanto, a ortodoxia do próprio co-mitê central o levou também a hostilizar os membros detendência gramsciana, o que acabou por fazer com quemuitos deles se afastassem do Partido e buscassem ou-tras organizações políticas, em particular o MDB e o Par-tido dos Trabalhadores recém criado.

A partir de 1980, embora ainda não-legalizado, oPCB já podia atuar abertamente, com a complacência do

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19DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

regime que se encerrava ou por meio dos militantes quese acolheram em outros partidos. As campanhas eramentão a de legalização do Partido e, em 1984, a de "diretasjá". Esta foi conduzida num amplo movimento não sódas esquerdas, mas das oposições como um todo.

Em 1985, o PCB obteve seu registro no Tribunal Su-perior Eleitoral, finalmente entrando na legalidade.Neste ano, pode-se dizer, iniciava-se o "interlúdio de-mocrático burguês" como preconiza Gramsci.

Faltava ainda um passo decisivo: a convocação deuma Assembléia Constituinte. O objetivo foi facilmenteviabilizado no clima de abertura política, inauguradocom a posse do Presidente José Sarney.

A Constituinte e a Republica Socialista

O novo Congresso eleito em 1986 veio investidode poderes constituintes. É interessante recordar que oPresidente José Sarney tomou a iniciativa de nomearuma comissão de "Cem Notáveis" para elaborar um an-teprojeto da nova Constituição. A proposta apresenta-da pela comissão foi de tal maneira "esquerdizante"que o Presidente desistiu de submetê-la à AssembléiaConstituinte. Este fato demonstrou a extensão da op-ção marxista no meio intelectual brasileiro, nele incluí-do certamente uma parcela já marcante dos adeptos dopensamento de Gramsci.

No Congresso, os representantes constituintesde esquerda, de maneira despercebida e habilidosa,com a conivência de "socialistas" populistas, e com aomissão da maioria democrata descuidada, consegui-ram ver aprovado um regimento da Assembléia emque a metodologia de elaboração da Carta lhes permi-tiria conduzir o "trabalho fracionavel", técnica de do-mínio de reuniões e assembléias pela minoria. No ca-so, o regimento aprovado criava um determinado nú-mero de "Comissões Temáticas", tratando separada-mente dos diversos conteúdos da Constituição. Emseguida, a matéria seria harmonizada, por conjuntosde assuntos afins, em uma "Comissão de Sistemati-zação" e, finalmente, levada a plenário para votação,não por artigos, mas em bloco, impedindo emendasparciais. Era o "fracionamento" da assembléia demodo que a minoria tivesse domínio das comissõesque lhe interessavam, abrindo mão das que lhes eramsecundárias.

Além do mais, o regimento admitia "emendas po-pulares" apresentadas diretamente pela "sociedade civilorganizada", isto é, por organizações de massa tais comosindicatos, associações de classe e movimentos popula-res. Era uma prática incipiente da hegemonia popular

de concepção gramsciana, que permitia às minorias ati-vas exercerem a "direção política", a pressão e o "lobby",impondo suas idéias e reivindicações, fazendo crer queexpressavam a vontade nacional. Com a técnica do "tra-balho fracionável" e de pressão de base, quase que aConstituinte é levada a aprovar um projeto parlamen-tarista e nitidamente socialista.

Quando esta manobra ficou evidente, a maioriademocrática reagiu formando um bloco, o Centrãoque, atempo, frustrou o intento das esquerdas. Mesmo assim,a Constituição promulgada em 1988 se caracterizou pelacomplexidade, revanchismo, nacionalismo xenófobo,paternalismo, permissividade "democrática" e pelascontradições conceituais. Como veio a se manifestar opróprio Presidente Sarney: "A Constituição torna o paísingovernável".

Partido Comunista Brasileiro e o Gramscismo

Em 1990 restava ainda um grupo importante demembros do partido adepto do gramscismo. Se a atua-ção da organização, desde 1979, não foi oficialmentenesta linha, sem dúvida foi por ela influenciada ou, nomínimo, com ela coincidente. Na verdade, os procedi-mentos políticos, que poderiam ter sido identificadoscomo gramscianos, eram próprios da fase "econômico-corporativa" e não seriam incompatíveis com as práticasmarxistas-leninistas da equivalente fase "democrático-burguesa". Certas práticas sugeridas eram até confun-didas com atividades de "acumulação de forças" e de"trabalho de massa".

Nesta época, a crise do comunismo soviético já setornara explícita, desde que Gorbatchov tentara a suasalvação com projeto reformador, a "Perestróica". Cul-minou com a repentino colapso do regime soviético e asubseqüente desarticulação dos regimes comunistasdos satélites do Leste Europeu. A velocidade dos acon-tecimentos, a deblaque flagrante, a exposição das preca-riedades sociais e econômicas do estado totalitário da-queles países, demonstraram todo o fracasso do socia-lismo soviético e da ilusão do comunismo.

O PCB, de orientação soviética e de vinculação aoPCUS , evidentemente foi muito atingido pelo desastre.Diante da reviravolta do comunismo soviético, viu-seobrigado a rever posições e a tentar salvar seu projetohistórico, fazendo um esforço de sobrevivência e de ela-boração de uma nova face. A reação foi rápida, o que de-monstra já possuir um quadro de pessoas portadoras deum projeto novo, não só oportuno para o momento vi-vido pelo Partido, mas adequado para o momento his-tórico do país: o gramscismo.

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Assim, no período de 30 de maio a 2 de junho de1991, o Partido realizou o seu IX Congresso. Outra vez sedividiu internamente, agora com três correntes diver-gentes: a primeira, a dos "renovadores", sugerindo umadefinição "renovada" de socialismo; a segunda, a dos or-todoxos, marxistas-leninistas conservadores; a terceira, aque defendia um novo socialismo baseado na adaptaçãode Marx, Engels e Gramsci, e a aproximação com o Par-tido dos Trabalhadores (PT) e com o Partido SocialistaBrasileiro (PSB). A primeira corrente saiu vitoriosa.

Assim, o velho "Partidão", o "PC Bão", vestiu rou-pagem nova, abandonou velhos símbolos e adotou ou-tra denominação - Partido Popular Socialista (PPS). Pas-sou a usar uma nova linguagem, como "pluralismo dasesquerdas", "democracia radical" e outras expressõesmuito próprias do vocabulário gramsciano como apare-ce na sua proposta de declaração política ao Congresso:"Para que a esquerda se credencie ao exercício da hegemonia,deve ser capaz de promover a emancipação da classe operáriade uma pauta estritamente econômico-corporativa, tornando-a apta a dirigir o país".

O novo Partido argumenta com "categorias" deGramsci mas não assume publicamente sua linhagramsciana, aliás como seus congêneres na Europa . Osex-PC europeus têm agora outras denominações e ou-tras siglas, mas também não revelam abertamente a sualinha revolucionária gramsciana.

As Esquerdas Brasileiras e o Gramscismo

O conhecimento da obra e do pensamento políticode Antonio Gramsci não ficou restrito a alguns mem-bros do PCB. Teve também difusão no meio político,principalmente após 1979, com o retorno ao país de mui-tos intelectuais e militantes de partidos e organizaçõesde esquerda que se haviam refugiado principalmente naEuropa. Os sinais de sua atuação e influência já apare-ceram no inicio da década de 80, como difusão e uso ge-ral de conceitos e "categorias" gramscianas nos meios decomunicação social, na manifestação artística, na ativi-dade editorial e na linguagem política. O exemplo maisevidente é o uso que se tornou corrente da expressão "so-ciedade civil". Igualmente indicativo foi o surgimentono país, e cada vez mais difundidas, das denominadas"organizações não-governamentais" (ONG) muitas dasquais nada mais são do que aparelhos privados de he-gemonia", voluntários ou de grupos homogêneos, isto é,organizações não-estatais da sociedade civil.

A partir de 1990, foi crescente a penetração deGramsci na universidade. Aliás, já há muito, esta eraárea de discussão e de influência do pensamento mar-

xista. Sem dúvida, o meio acadêmico tem sido impor-tante centro difusor do gramscismo.

Na área política, os partidos de esquerda que re-pudiam tanto o marxismo-leninismo quanto a social-democracia, não assumem abertamente sua opção pelaestratégia de Gramsci; ou fazem genéricas e retóricas re-ferências aos seus conceitos ou simplesmente os silen-ciam. Tentam passar um discurso social-liberal, social-democrata ou o eufemismo de um não bem explicado"socialismo-democrático".

É instrutivo fazer um breve reconhecimento da es-querda brasileira, destacando os partidos segundo suasposições estratégicas para a fundação do socialismo. Deuma maneira mais ou menos arbitrária, a esquerda noBrasil pode ser classificada em dois blocos distintos co-mo resumido no quadro sinóptico seguinte:

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21DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

Evidentemente, os partidos indicados no quadronão são os únicos, há outros partidos e grupos políticosque compõem as esquerdas no Brasil.

Pode-se verificar que, pelo menos, três partidospolíticos trazem em suas definições ideológicas prag-máticos conceitos gramscianos ainda que não deixemclaro a adoção plena da concepção revolucionária quecorresponde à "guerra de posição".

O Partido Popular Socialista (PPS) teria todas as qua-lificações e respaldo dos seus antecedentes de luta (duastentativas concretas de tomada do poder) para pretenderser a vanguarda revolucionária da "transição para o socia-lismo". Como partido político, porém, ainda não se resta-beleceu dos golpes e contratempos que vem sofrendo des-de 1964, estando falto de estrutura, prestígio e projeção.

O Partido dos Trabalhadores (PT) demonstra maiseficiência e coerência na aplicação dos conceitos grams-cianos, embora não seja uma organização ideologica-mente marxista (sua concepção se aproxima mais do"nasserismo"). É notável o "protagonismo" e o desempe-nho dos seus "intelectuais orgânicos", preparados eatuantes como dirigentes e educadores nos três níveis daestrutura partidária, como preconizado por Gramsci.

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) abriga em seuinterior membros com experiência revolucionária, bemcomo um corpo de intelectuais orgânicos. Estes estãoconcentrados na cúpula partidária. A identificação comGramsci é mantida encoberta por uma aparência social-democrata de conveniência.

O Brasil e a Revolução no Ocidente

A estratégia revolucionária de Gramsci veio bem acalhar como uma "alternativa" acabada ao marxismo-le-ninismo em crise e posto sob crítica desde a queda doMuro de Berlim em 1989, principalmente para o histó-rico PCB. Mas não foi só por este aspecto imediato que ogramscismo veio a calhar. Efetivamente, a concepção deGramsci veio também no momento histórico certo parao movimento revolucionário no Brasil.

O país, a partir de l930, ganhou um projeto nacio-nal que, apesar dos tropeços e de algumas descontinui-dades, avançou consistentemente sob diferentes for-mas. Foi capaz de proporcionar ao Brasil magnífico pro-gresso econômico (industrialização), político e socialque se refletiu positivamente no desenvolvimento da"sociedade civil" e na modernização do capitalismo, em-bora com forte participação do Estado. Esta evoluçãoabrangente chegou ao seu momento culminante nosanos 70, como resultado do programa de desenvolvi-mento econômico e social da Revolução de 1964.

Segundo os comentadores de Gramsci, o Brasildeixara de ser uma sociedade do tipo "oriental" e, defi-nitivamente, se tornara uma sociedade do tipo "ociden-tal". Conclusivamente, o modelo revolucionário bolche-vista ou marxista-leninista de assalto ao poder ("guerrade movimento") já não se aplica adequadamente ao Bra-sil, mas preferentemente a nova e atualizada concepçãoda "guerra de posição". E é isto, exatamente, o que se estádesenrolando no Brasil.

Recordando as fases do processo gramsciano detransição para o socialismo, podemos dizer que a faseeconômico-corporativa no Brasil teve um momentoparticular em 1964, quando se deu a intervenção políti-co-militar que frustrou o projeto do PCB de tomada dopoder. A partir de então, o país viveu um período polí-tico autoritário que as esquerdas identificaram, por con-veniência ideológica, como "ditadura militar fascista".

A sensibilidade política do Partido Comunista Bra-sileiro (ainda fiel ao marxismo-leninismo) e das oposiçõesem geral os levou à formulação de um projeto comum queera muito coincidente com a concepção estratégica deGramsci para esta fase. Possivelmente pesou a influênciade intelectuais gramscistas que já apareciam no cenáriodas esquerdas. Os empreendimentos recomendados porGramsci na fase econômico-corporativa foram, de certaforma, seguidos pelo PCB, ou seja, luta pela:

- Abertura política;- Eleições livres;- Anistia;- Redemocratização;- Constituinte.

Diferentemente, grupos açodados e radicais (fo-quistas, trotskistas e maoístas) optaram pela insensataluta armada, "guerra de movimento", que não conse-guiu ir além do terrorismo urbano. De qualquer modo,com a derrota das organizações armadas, o processo deabertura foi iniciado pelo próprio regime em 1979.

Em 1985, o país estava redemocratizado e, em1988, uma nova Constituição que, se não chegou a an-tecipar uma república socialista, quase chegou a ela.

Com a crise do comunismo soviético e seus refle-xos no movimento comunista no Brasil (a reformulaçãodo PCB, transmudado em PPS, e a formação de outrospartidos de inspiração gramsciana) estava terminada afase econômica-corporativa e tinha início a fase de lutapela hegemonia (1991).

Agora, a atuação mais importante passa a ser dos"intelectuais orgânicos" e dos intelectuais tradicionais"adesistas".

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Tirante o corpo de intelectuais orgânicos do Partidodos Trabalhadores, que está bem estruturado e atuanteem todos os níveis, os demais intelectuais estão difundi-dos nos partidos, nos órgãos de comunicação social, nascátedras, nos "aparelhos privados de hegemonia", nasONG's, nas comunidades (de moradores, de favelas, aca-dêmicas, de minorias, etc) e na manifestação artística, ati-vos e conscientes politicamente, mas sem evidências ní-tidas de vinculação com as organizações políticas. É umaatuação difusa, abrangente, anônima na generalidade,mas muito efetiva, "moderna" e uníssona .

A luta pela hegemonia é desenvolvida em uma"frente popular" tácita, nem sempre muito coesa, masque envolve praticamente todos os partidos de esquer-da. Embora divergentes em determinados aspectos teó-ricos e práticos, têm pontos afins de atuação revolucio-nária. Os empreendimentos desta fase gramsciana, en-volvendo principalmente a reforma intelectual e moralda sociedade e a neutralização do aparelho hegemôni-co da burguesia, encontram correspondência na atua-ção dos partidos "socialistas democráticos" (não con-fundir com social-democratas) e na dos partidos mar-xistas-leninistas, particularmente no "trabalho de mas-sa" destes, concretizando um amplo "pluralismosocialista" que, nesta fase, é bem-vindo por todos.

Podemos fazer uma breve e imediata constataçãode alguns temas trabalhados e dos resultados já alcan-çados, particularmente em três empreendimentos:

- Superação do senso comum;- Neutralização dos aparelhos de

hegemonia da burguesia;- Ampliação do Estado.

Superação do Senso Comum

O senso comum é o conjunto das opiniões aceitaspela generalidade das pessoas da sociedade, fazendocom que opiniões discrepantes pareçam desajustadas.

A superação do senso comum significa a substitui-ção e modificação de valores, tradições, costumes, modode pensar, conformidade religiosa e social, sentimentos eoutros elementos que dão à sociedade coesão interna,consenso e resistência a mudanças ideológicas. Substituí-dos por outros, modificam significativamente o modo depensar, de agir e de sentir das pessoas, contribuindo paraa "reforma intelectual e moral" de toda a sociedade.

Na sociedade brasileira, podemos constatar, semmuito rigor sociológico e psicológico, mas observando o"presente e o passado" com atenção que, desde os anos80, alguns critérios, antes bastante sólidos no senso co-

mum, foram modificados radicalmente. As novas gera-ções nem mais podem percebê-los. Para os moços, nadamudou porque não conheceram os velhos valores. Paraos mais velhos, as modificações até parecem "espontâ-neas", naturais, evolutivas, aceitáveis como sinal dostempos. Mas, na verdade, são o resultado de uma "pe-netração cultural" bem conduzida pelos intelectuais or-gânicos desde pouco mais de vinte anos.

Vamos tentar identificar algumas destas mudan-ças, apontando, inicialmente, as que não podem ser sim-plesmente atribuídas a uma natural evolução social emoral, para demonstrar a existência de um impulso de"direção consciente" por traz do fenômeno:

1) O conceito de livre opinião (independênciaintelectual) está sendo substituído peloconceito de "politicamente correto".A legítima e franca opinião individual vaisendo "socializada" por substituição pela"opinião coletiva" politicamente("homogênea") correta ("ética").

2) O conceito de legalidade está sendosubstituído pelo conceito de "legitimidade".A norma legal perde a eficácia diante daviolação dita socialmente legítima. A invasãode terras a ocupação de imóveis e prédiospúblicos, o bloqueio de vias de circulação,o saque de estabelecimentos são legítimos(éticos) porque correspondem a"reivindicações justas".

3) O conceito de fidelidade pessoal (dever ecompromisso) é substituído pelo de"felicidade individual". O prazer (em oposiçãoà solidariedade, ao altruísmo, à abnegação)é o critério do comportamento social e moral,moderno e livre.

4) O conceito de cidadão está sendo substituídopelo conceito de "cidadania". O termocidadania perde o sentido de relação doindivíduo com o Estado, no "gozo dos direitoscivis e políticos e no desempenho dos deverespara com ele" e passa a ser uma relação dedemanda de minorias ou de gruposo rg a n i z a d o s .

5) O conceito de sociedade nacional está sendosubstituído pelo de "sociedade civil".A comunidade, como conjunto das pessoasinterdependentes, com sentimentos einteresses comuns, passa a ser o espaçodas classes em oposição. Embora nãoseja aparente, é a cena da luta de classes.

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Além destes exemplos, há muitas outras "supera-ções" do senso comum, menos evidentes (mas visíveis seapontados) porque o "antes" e o "depois" já estão muitoafastados no tempo e porque já estão integrados, inte-lectual e moralmente, principalmente no senso comumdos mais jovens da sociedade:

- A personalidade popular comoprotagonista da história nacional emsubstituição ao vulto histórico, apresentadocomo opressor, representante das classesdominantes e criação da "história oficial".

- A História "revisada" (na interpretaçãomarxista) que substitui a História Pátria"oficial" ("invenção" do grupo dominante).

- A união conjugal episódica outemporária e de pessoas do mesmo sexo emsubstituição à família estável e célula básica

da sociedade.- Ecletismo religioso em substituição aocompromisso e fidelidade à igreja de opção.

- Moral laica e utilitária em substituição àmoral cristã e à tradição ética ocidental.

- Discriminação racial, dita como sutil edisfarçada e como realidade que desmentea crença "burguesa ultrapassada" detolerância e de sociedade multirracial emiscigenada. Este conceito recente éinteressante porque se tornou sensocomum apesar de todas as ostensivasevidências de que é falso; resultado da"orquestração" (afirmação repetida).

- O preconceito, como qualidade queestigmatiza as pessoas conservadoras oudiscordantes de certas atitudes ecomportamentos permissivos outolerantes.

- A informalidade em substituição àconvenção e à norma social que pressupõevinculação institucional e à tradição.

- A amoralidade substituindo à éticatradicional que se diz sufocar a felicidade ea liberdade individuais.

- Os direitos humanos como proteção aocriminoso comum (identificado comovítima da sociedade burguesa) eindiferente à vitima real (identificadageralmente como burguês privilegiado).

- "Satanização" do "bandido decolarinho branco", identificado comoburguês corrupto e fraudador do povo.

- A opinião pública como critério deverdade maior que os valores moraistradicionais e a própria lógica, quandoinconvenientes.

- A mudança como valor superiorà conservação.

- A ecologia como projeto superior aodesenvolvimento econômico("especulação" capitalista burguesa) esocial.

- A organização popular ( a p a re l h oprivado não-estatal, "eticamente" superiorao organismo estatal burguês.

Os principais meios de difusão dos conceitos donovo senso comum são os órgãos de comunicação so-cial, a manifestação artística, em particular o teatro e anovela, a cátedra acadêmica e o magistério em geral.

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É preciso acrescentar que nem toda mudança dosenso comum resulta de uma atuação intencional e di-reta destes intelectuais orgânicos. Algumas transforma-ções são decorrentes de uma evolução social natural. Oprojeto gramsciano de superação do senso comum, po-rém, é efetivamente um elemento desencadeador do fe-nômeno em cadeia, criando um clima de mudanças na-turalmente estimulador que elimina a estabilidade dosvalores e conceitos da sociedade, enfraquecendo suasconvicções culturais e suas resistências.

Neutralização das "Trincheiras" da Burguesia

De um modo superficial, mas apoiados nas indi-cações de Gramsci., podemos reconhecer as "trinchei-ras" do grupo dominante, da burguesia brasileira,identificando-as no conjunto das organizações esta-tais, da sociedade política e das organizações priva-das da sociedade civil. Indicamos apenas algumas dasmais significativas:

- O Judiciário;- O Congresso;- O Executivo (Governo);- Os Partidos Políticos Burgueses;- As Forças Armadas;- O Aparelho Policial;- A Igreja Católica;- O Sistema Econômico Capitalista.

A neutralização, se possível a eliminação, destas"trincheiras" é predominantemente uma guerra psicoló-gica (mas não só esta) visando a atingi-las e a miná-lascomo já vimos anteriormente, por meio do:

- Enfraquecimento, pela desmoralização,desarticulação e perda de base social,política, legal e da opinião pública;

- Esvaziamento, pelo isolamento dasociedade, perda de prestigio social, perdade funções orgânicas, comprometimentoético ("denuncismo"), quebra da coesãointerna, "dissidência interna";

- Constrangimento e inibição por meio do"patrulhamento", penetração ideológica,infiltração de intelectuais orgânicos.

Num modelo de guerreamento psicológico,vamos resumir a constatação das idéias-força (obje-tivos) da penetração cultural e os temas exploradospara realizá-las:

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Todos os meios de formação do novo senso co-mum são também aqueles que se engajam na luta pelaneutralização do "aparelho hegemônico burguês". To-davia, os elementos principais são os órgãos de comu-nicação de massa, não só os que estão sob controle dosintelectuais orgânicos mas ainda os outros que acompa-nham a "pauta" destes, para não perderem a audiênciaou os leitores dos seus veículos de divulgação.

Os órgãos da mídia "orgânica" mantêm uma pautapermanente abrangendo os temas a serem explorados.Quando os acontecimentos não trazem por si só os es-cândalos, a corrupção, as denúncias e os fatos e aciden-tes propícios à utilização, os assuntos são trazidos a pú-blico periodicamente por meio de artifícios jornalísti-cos, mantendo a "orquestração". Não raro, estes artifí-c i o s s e v a l e m d a m e i a - v e rd a d e , d a v e rd a d emanipulada, da "armação", quando não da inverdade.

Os meios de comunicação social privados e esta-tais da burguesia, são também "trincheiras" que devemser neutralizadas com prioridade.

O "Estado Ampliado"

A "ampliação" do Estado, isto é, a absorção destepela sociedade civil, segundo a estratégia de Gramsci,deve ser iniciada ainda na fase de luta pela hegemonia,antes mesmo da tomada do poder.

Objetivamente, este empreendimento é conduzi-do pela "sociedade civil organizada", mais precisamentepelos "aparelhos privados de hegemonia" das classessubalternas e dos seus aliados. A "ampliação" se dá à me-dida em que estes aparelhos (organizações) vão assu-mindo certas funções estatais. Por isto, as chamadas or-ganizações voluntárias não-estatais têm proliferado,muitas sob a denominação genérica de o r g an i z a çõ e snã o-go vern ame ntai s (ONGs), cuja sustentação finan-ceira nunca tem sua origem muito bem conhecida. Mas ofato é que seus recursos não são poucos, antes são abun-dantes e suficientes para financiar os mais variados pro-jetos e iniciativas e para manter um grande número depessoas ativas sob os títulos de ambientalistas, especia-listas, defensores disto e daquilo, pacifistas, etc. Enfim,um exército de intelectuais orgânicos assalariados, al-guns dos quais vêm ganhando notoriedade nacional eassídua presença nos meios de comunicação social.

Em termos de efetiva "ampliação do Estado", já évisível o papel das ONGs no exercício de algumas fun-ções publicas. Inicialmente, ainda nas áreas limiares,entre a fraca função ou a omissão estatal e a iniciativados "indivíduos privados": ambientalismo, direitoshumanos, educação, saúde, administração de comuni-

dades e até mesmo segurança pública. Na maioria doscasos, ainda têm forma de atuação reivindicatória econtroladora do governo e dos governantes como, porexemplo, protesto e obstrução a determinadas iniciati-vas do Estado e a exigência de "amplo debate" e de "au-diência" antecipada da sociedade civil como condiçãoprévia para a realização de determinadas obras públi-cas e projetos sociais.

O mais significativo, porém, é o crescente númerode convênios entre o Governo e organizações não-go-vernamentais para a realização principalmente de pro-jetos sociais e preservacionistas. Estes convênios, alémde levarem recursos públicos às entidades da sociedadecivil organizada, são a maneira mais eficiente, emboralenta e discreta, de realizar a "ampliação do Estado".

Estas novidades que, à generalidade das pessoas,podem passar por uma moderna evolução da democra-cia, na verdade são parte da concepção gramsciana detransição para o socialismo.

***

Superando Lênin, sem o negar, entretanto, Anto-nio Gramsci propôs uma nova estratégia de "transiçãopara o socialismo". Após o colapso do comunismo so-viético, suas idéias passaram a ter especial interesse emtodo o mundo como uma alternativa e como um mode-lo revolucionário próprio, para as sociedades do tipo"Ocidental".

Por isto, a estratégia gramscista é hoje acolhida poruma importante parcela da esquerda marxista brasileirae vem tendo um significativo êxito na sua aplicação prá-tica, particularmente a partir de 1980. Os avanços revo-lucionários chegaram a um ponto tal que alguns intelec-tuais democratas acham que já é irreversível.

Entretanto o movimento revolucionário apresen-ta deficiências e vulnerabilidades que, exploradas inte-ligentemente, permitem ainda a sua contenção e rever-são. Mas, se a sociedade nacional permanecer como es-pectadora impassível, complacente e até mesmo simpá-tica à reforma intelectual e moral que vem sofrendo,certamente a revolução marxista-gramscista será vito-riosa a médio prazo.

E, assim, o Brasil será o exemplo histórico de ter si-do o primeiro país no mundo onde a concepção grams-cista de tomada do poder terá tido êxito.

O socialismo marxista, portanto, é uma nova or-dem econômica, política e social que supera o capitalismoe que serve de berço para a transformação revolucionáriaque, num dado momento histórico, produz o advento docomunismo; para Gramsci, sociedade regulada.

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Uma constatação oportuna: A luta pela hegemo-nia, que deveria ter por objetivo elevar as classes subal-ternas e torná-las grupo dirigente, se tem notabilizadomais pela realização da hegemonia de uma difusa clas-se constituída dos intelectuais orgânicos, os neo-mar-xistas brasileiros. Assimilando ou tomando os intelec-tuais tradicionais adesistas ou ingênuos por aliados,"inocentes úteis" ou "companheiros de viagem", já consti-tuem uma oligarquia autoritária que, fazendo a censu-ra de fato e assumindo o monopólio do discurso, exer-cem a direção cultural e política da sociedade civil e dopróprio Estado. Agem exatamente como homem cole-tivo, elaboração ideológica da vontade e do pensamen-to em conjunto. Este fenômeno é um sinal premonitóriode que a utópica sociedade dos livres produtores asso-ciados da concepção gramsciana, depois da tomada dopoder, vai ceder lugar ao socialismo real, sob domíniode uma "nomenklatura" de partido ou de uma "intelli-gentsia" da intelectualidade dirigente. Poderá vir a serum regime oligárquico de domínio semelhante ao dotalibã no Afeganistão.

Se a sociedade nacional tiver aspiração diferente,está na hora (talvez a última) de formar um novo CEN-TRÃO, mobilizando os cidadãos democratas, e não ape-nas seus representantes como na Constituinte de 1988.

A partir da década de 1980, a revolução comunis-ta no Brasil ganhou uma nova vertente inspirada naconcepção gramsciana de transição para o socialismo.Esta linha convive com o pensamento e a prática polí-

tica marxista-leninista de alguns partidos, somandoesforços numa assumida postura tática de "pluralismodas esquerdas". O surpreendente êxito já alcançado, noque diz respeito à penetração intelectual e moral na so-ciedade, é significativo e começa a indicar que está che-gando a um estágio que se poderá dizer irreversível.No momento crítico da tentativa da tomada do poder(passagem da "guerra de posição" para a "guerra demovimentos"), poderão faltar a vontade nacional e osmeios concretos para impedi-la.

Creio que as duas citações abaixo fazem a síntesedesta tradução da concepção estratégica de Gramsci:

"Começa a emergir também no Brasil uma esquer-da moderna, disseminada em diferentes partidos e or-ganizações, mas que tem em comum o fato de ter assi-milado uma lição essencial da estratégia gramsciana: oobjetivo das forças populares é a conquista da hegemo-nia, no curso de uma difícil e prolongada "guerra de po-sição". (Nelson Carlos Coutinho)

***

"Quando um partido político assume publicamente suaidentidade gramsciana, é que a fase do combate informal - a de-cisiva - já está para terminar, pois seus resultados foram atin-gidos. Vai começar a luta pelo poder". (Olavo de Carvalho)

Gramsci antecipa que a vitória alcançada naguerra de posição é definitiva.

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"Ele(Gramsci)

corrói ademocracia

pordentro", diz

o generalCoutinho.

Fotos de Marcelo Corrêa

Estudioso da política brasileira há mais de 50 anos, o escritore general de reserva Sergio Augusto de Avellar Coutinho,74 anos, analisa: a esquerda brasileira avançou nos últi-mos e as forças liberais democráticas perde

ram espaço. Qual a razão? A demonização do lucro e do banqueirodeixou as forças liberais sem bandeiras. Por trás desse avanço, está a fi-gura de Antonio Gramsci, um marxista italiano. "Ele (Gramsci) corrói ademocracia por dentro", explica.

Sergio Kapustan

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Segundo Coutinho, o Brasil corre o sério risco desucessivos governos de esquerda, a partir da reeleiçãodo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), inviabili-zando a disputa política no País nos próximos anos.

De formação liberal, Coutinho publicou, entre ou-tros livros, A Revolução Gramscista no Ocidente,eCadernosda Liberdade.

Sua crítica tem como base as duas obras. Elas, em

síntese, tratam do mundo pós-colapso da União Sovié-tica, a trajetória do pensamento de Karl Marx e de seusdois discípulos: Lênin e Gramsci.

Coutinho sustenta que ambos significam regimetotalitários com uma diferença: Lênin defendeu a toma-da do poder pela força.

Teórico italiano e autor de Cadernos do Cárcere,Gramsci defendeu a conquista do Estado de forma pa-

Para o escritorSergio Augusto deAvellar Coutinho,o pensamento doteórico italianotem hojeseguidores no PPS(por ser o sucessordo PartidoComunistaBrasileiro) etambém emalguns setores doPT e do PSB.

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cífica, com a conquista hegemônica da sociedade e aneutralização das forças burguesas, como a Imprensa e aIgreja. Coutinho leu os cadernos de ponta a ponta.

Para o escritor, o teórico italiano tem seguidores noPPS (por ser sucessor do Partido Comunista Brasileiro) eem setores do PT e PSB.

O escritor cita como exemplos de ação gramscistaa proposta do PT "democratizar a mídia" no segundomandato Lula e o Código de Ética dos Jornalistas, pro-posta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), ho-je abandonada. "O controle da mídia é uma medida au-toritária e precisa ser combatido".

O combate ao segundo governo Lula, esclarece, éna arena política, sem golpismo. Coutinho defende oPFL na ofensiva, único partido liberal que não se envol-veu no mensalão (pagamento de propina a deputadosda base do presidente Lula na Câmara em troca da apro-vação de projetos).

De acordo com o escritor, o partido deve enfatizaro liberalismo sem esquecer o social. Ele cita como exem-plo o New Deal do presidente dos Estados Unidos, Fran-klin Roosevelt.

A seguir, principais trechos da entrevista concedidaao Digesto Econômico, na sede Clube Militar, no Rio de Ja-neiro, fundado em 1887, onde o general é diretor cultural:

Digesto Econômico - Quem são as forças políticasidentificadas com Antonio Gramsci no Brasil?

Sergio Augusto de Avellar Coutinho - Em pri-meiro lugar, o ex-Partido Comunista Brasileiro (PCB),hoje PPS. Ele não se saiu bem nas urnas (a legenda nãoatingiu a cláusula de barreira e perderá a representaçãoparlamentar na Câmara, a verba do Fundo Partidário e ohorário gratuito no rádio e TV), mas tem origem comu-nista. Há também influência de Gramsci no PSB e no PT,que defende socialismo heterodoxo, à moda do partido,na imprensa (formadores de opinião) e na cátedra (uni-versidade). Qual o perigo que Gramsci representa? Elecorrói a democracia por dentro. De uma forma light edespercebido, o partido vai conseguindo as mudançasde senso comum e o enfraquecimento das trincheiras li-berais democráticas, como a imprensa.

DE - O PPS perdeu força na eleição e faz oposição aoPT. Isso não complica a sua projeção?

Coutinho - Eleperdeuforça,masaspessoasquees-tão no partido estão presentes na política. Essas forças deesquerda podem se unir no futuro. Nada impede, porexemplo, de no futuro, o PPS e o PT, que estão separados,se unirem. É possível unir um partido gramscista com umpartido que prega a revolução passiva.

DE- Durante a campanha presidencial, foi divulgadona imprensa um documento do PT que anunciavamedidas rigorosas para regular e democratizar osmeios de comunicação no segundo mandato deLula. Recentemente, surgiu o projeto de Código deÉtica dos Jornalistas, proposta da FederaçãoNacional dos Jornalistas (Fenaj), com o apoio dogoverno, mas foi abandonado porque houve reaçãocontrária . Qual sua avaliação?

Coutinho - Os dois casos são indicativos de quemtem práticas gramscistas. O controle da mídia é uma me-dida autoritária e precisa ser combatida. É por meio deum governo autoritário que o PT fará as transformaçõesdefinitivas da sociedades que ele defende desde a suafundação. Vou dar um outro exemplo da influência ne-fasta de Gramsci no Brasil: o plebiscito do comércio dearmas. Se o "sim" fosse vitorioso, teríamos o Estado con-trolando o direito do cidadão.

DE - Em linhas gerais, o que Antonio Gramscire p re s e nt a ?

Coutinho - Antonio Gramsci era um marxista-le-ninista. Há uma diferença entre Lênin e Gramsci que euexplico no livro A Revolução Gramscista no Ocidente. Lêninliderou a revolução na Rússia em 1917, que resultou naUnião Soviética, mas ela entrou em colapso em 1991. Ateoria leninista defendia o assalto direto ao Estado e a to-mada imediata do poder. Gramsci defendia, primeiro, aconquista, ou melhor, a dominação (hegemonia) da socie-dade civil via partido político. Ele achava a experiência daRússia não se aplicava ao restante da Europa. Sua estra-tégia era disputar com a burguesia a hegemonia sobre asociedade civil e conquistá-la como prelúdio (primeiropasso) da conquista do Estado e do poder. Em resumo,Lênin e Gramsci representam o totalitarismo. Há repre-sentantes de Gramsci no Brasil. É aí que mora o perigo.

DE - Como ficam as instituições, como a Ordem dosAdvogados do Brasil (OAB) e Supremo TribunalFederal (STF)? Elas não representam um freio à essaonda gramsciana?

Coutinho - Não creio. É possível infiltrar aliadosnessas instituições. Cito o exemplo do STF. Cabe ao pre-sidente fazer a nomeação de ministros, por exemplo. Re-eleito, é certo que o presidente Lula nomeará pessoasque se identificam com a sua política.

DG - O sr. se apresenta como um liberal. Como o sr.avalia a força do liberalismo no País ?

Coutinho - O liberalismo democrático ou a libe-ral democracia está de tanga no Brasil. Quais são os

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partidos que representam a liberal democracia brasi-leira? O maior deles é o PFL, que não lançou candidatoa presidente da República. Os demais partidos, que se-riam do mesmo campo, como o PP e o PL, envolveram-se no mensalão. Outro partido, o PTB, de origem cor-porativista, mas liberal hoje, também envolveu-se nomensalão. Dessa maneira, sobrou apenas o PFL queainda não encarou o seu papel histórico de defesa daliberal democracia. O PFL fez ano passado um encon-tro de refundação, mas é preciso avançar. Falta ao PFLmostrar a pregação e o apego à democracia. E mais: oliberalismo deve contemplar a parte social. É só lem-brar o New Deal (programas sociais implementadosnos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governodo Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o obje-tivo de recuperar e reformar a econo-mia norte-americana, e assistir osprejudicados pela Grande Depres-são de 1929).

DG - O PFL tem hoje uma aliançanacional com o PSDB .........

Coutinho - Pela lógica da políti-ca, encerrada a eleição a aliança aca-bou. Cabe ao PFL tratar de encontrar oseu caminho e se tornar uma alterna-tiva eleitoral em 2010. É certo que a es-querda gramsciana disputará a elei-ção e cabe enfrentá-la.

DG - O PFL seria uma alternativa aoPSDB e PT? Uma terceira via?

Co utin ho - O Brasil precisa deum modelo liberal democrata que nosempurre para sua a prosperidade. Senão houver mudanças, vamos passara vida toda pagando Bolsa Família.Qual foi o País socialista que foi salvopelo socialismo? Vá à Angola e conheça a miséria de lá. Osocialismo é bom para fazer oposição ao liberalismo eco-nômico. E pára por aí.

DE - Qual é a dificuldade dos liberais no Brasil?Cou tinh o - É necessário afirmar que houve um

crescimento das forças de esquerda no Brasil. Ele come-çou nos anos 60 e avançou nos 70. A esquerda fez umagrande estrago aos liberais ao demonizar o lucro e o ban-queiro. O tema da campanha eleitoral hoje é demoniza-ção das privatizações. Acompanhei a privatização daCosipa no governo Itamar Franco e sou testemunha dalisura do processo. Na verdade, foram criados anti-cor-

pos contra as práticas liberais e os resultados estão aí: sóPSDB e PT disputam o poder".

DE - Como deve ser a oposição num eventual segundogoverno Lula?

Coutinho - Eu defendo o fortalecimento dos par-tidos políticos. Não tem outro jeito. As forças políticasque saírem derrotadas terão que aprofundar a luta po-lítica. Sem golpismo. Se você fizer um discurso na Ci-nelândia, aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, é possí-vel que algumas pessoa parem para ouvir. Mas isso nãoresolve. É preciso instrumentalizar esse tipo de ação.Cabe aos partidos de oposição mobilizar a sociedade efazer a disputa no campo político. Lula continuará aobra do primeiro mandato. Ele investirá no social e con-

tinuará a apropriação partidária doEstado. O presidente tentará apro-var algumas reformas (Previdência ePolítica). Na área política, ele já de-fendeu a convocação de uma Consti-tuinte (para fazer a reforma política).A Constituinte foi um balão de en-saio, mas tudo é possível. Na áreaeconômica, ele precisará de ter forçapolítica para fazer as mudanças queele entende necessárias aos País. Elasserão feitas na medida em que ele foracumulando forças - a chamada re-volução pelo alto. Sempre é bomlembrar: Lula não está mais à esquer-da hoje por não ter plenos poderes.

DE- O que virá depois?Coutinho - Reeleito, Lula cui-

dará do seu governo e depois fará oseu sucessor. No meu entendimento,governos sucessivos do PT ou de es-querda podem inviabilizar o País po-

liticamente no futuro, justificando um clima revolucio-nário em favor de uma força política identificada com ateoria gramscista.

DG - Qual o político que o sr. citaria como modelo delib eral?

Coutinho - O ex-presidente Juscelino Kubistchekfoi um um político liberal. Apesar das falhas de seu go-verno, como a corrupção, é precisa saudar o seu espíritodemocrático. A corrupção é um ônus e uma carga queum regime liberal carrega, como outras forma de

governo, inclusive as ditaduras marxistas. JK é umgrande exemplo ao País.

"Falta ao PFL mostrar a pregaçãoe o apego à democracia.

E mais: o liberalismo devecontemplar a parte social."

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32 DIGESTO ECONÔMICO ESPECIAL

Gramsci nos livros...

As obras escritas por Gramsci, tanto os documentos políticosquanto os textos literários, estão nas livrarias de todo o mundo,

traduzidos em várias línguas. E podem ser acessados pela Internet.

...no mundo e no Brasil.

No Brasil, destaque para os seis volumes de Cadernos do Cárceree a QuestãoMeridional, sobre a miséria no sul da Itália. Além de biografias e as idéias do

marxista a respeito do fenômeno religioso e da transnacionalização.

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A históriade Antonio Gramsci

Domingos Zamagna (*)

Antonio Gramsci nasceu em 23 de janeirode 1891 na minúscula e paupérrima cida-de de Ales, no oeste da Sardenha, Reinoda Itália. Era o quarto dos sete filhos do ca-

sal Giuseppina Marcias e Francesco Gramsci. Em 1894 afamília se transfere para a montanhosa Sòrgono, quase nocoração da ilha. Por dois anos Antonio estuda num asilomantido por religiosas. Remonta a este período um aci-dente que, apesar de várias terapias, vai impor a Antonioa notória curvatura da coluna vertebral. Termina os estu-dos elementares em 1902 na cidade de Ghilarza, onde seupai é preso por irregularidades administrativas. Prosse-gue os estudos privadamente, enquanto ajuda a famíliatrabalhando nos arquivos da prefeitura de Ghilarza. Em1905 inscreve-se no ginásio da vizinha cidade de SantuLussurgiu. Nesta cidade começa a receber correspondên-cia regular, com jornais socialistas, de seu irmão mais ve-lho, Gennaro, migrante em Turim.

Aos 17 anos transfere-se para Cagliari, residindocom o irmão Gennaro, agora secretário local do PartidoSocialista Italiano. Matricula-se no Liceu Dettori; de-monstra vivacidade intelectual e habilidades em mate-mática e ciências exatas. Em Cagliari chegam os ventosculturais do continente. Era a Itália de Labriola, Pascoli,D'Annunzio, Pirandello, Verdi, Fogazzaro, Marconi,Gentile, Bonaiuti, Marinetti, Modigliani, Papini, Sturzo,Salvemini, Gemelli, Croce e do santo Papa Pio X. Quantadiversidade! Gramsci lê muitíssimo, especialmenteGaetano Salvemini e Benedetto Croce.

Em 1908 Gramsci vence um concurso para uma

bolsa de estudos na Universidade de Turim (Faculdadede Letras e Filosofia) e embarca para o continente. É nacapital do Piemonte que Gramsci vive os seus anos deuniversitário. O ambiente de Turim influencia os seuspassos futuros. Cidade industrializada, onde já se de-senvolveram as indústrias Fiat e Lancia, que elimina-ram as concorrentes mais fracas. Grande concentraçãooperária; sessenta mil migrantes já estão presentes nasindústrias turinenses na primeira década do século XX.A organização sindical é dinâmica, com ampla mobili-zação das bases. É este o ambiente vital que dará ao po-bre e pouco saudável universitário Antonio Gramsci ascondições para o amadurecimento da sua opção pelaideologia socialista. Estuda os processos produtivos, atecnologia e a organização interna das fábricas, compa-ra-as com outras nações, freqüenta os ambientes sociaisonde abundam os migrantes da Itália subdesenvolvida:sardos e meridionais.

Em 1915, ano em que a Itália entra na primeiraguerra mundial, Gramsci ingressa no Partido Socialista,na mesma época em que Benito Mussolini sai do socia-lismo e entra num movimento nacionalista, reacionárioe belicoso, que será o berço do fascismo.

Em 1917 Gramsci lidera a greve geral dos operá-rios de Turim contra a continuação da guerra. Assina-da a paz em 1919, Gramsci funda, com Palmiro Togliat-ti, o semanário Ordine Nuovo que logo passa a reuniros mais avançados intelectuais da península. Organizaos conselhos de fábrica, dirige a greve geral de 1920. Noano seguinte, no Congresso do Partido Socialista Ita-

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liano em Livorno, lidera a ala radical que deixa o PSI efunda o Partido Comunista Italiano, tornando-se seuprimeiro secretário-geral. Em 1922 visita Moscou, co-nhece Lênin. Em 1924 é eleito deputado e dirige o jornaldo partido, L'Unità. Nesse ano Mussolini chega ao po-der e três anos depois dá início à ditadura fascista, ins-tituindo, em 1926, o tribunal especial para a defesa doEstado. Mussolini tolera a existência do Parlamentopara oferecer aos demais países o espetáculo de um si-mulacro de democracia.

A truculência do regime de Mussolini ficou defi-nitivamente demonstrada quando do seqüestro e assas-sinato do seu mais destacado opositor, o deputado so-cialista Giacomo Matteoti, em 1924. Seguem-se as cassa-ções dos mandatos dos parlamentares oposicionistas.Sem imunidade parlamentar, Gramsci é preso pela po-lícia política em 8 de novembro de 1926 e confinado nailha de Ustica, perto de Palermo. Alguns meses depois éconduzido a Roma para ser julgado pelo tribunal espe-cial. "Devemos - disse o promotor aos juízes - inutilizarpor 20 anos esse cérebro perigoso." Gramsci é condena-do a uma pena de 24 anos de prisão, a ser cumprida napenitenciária de Turi, perto de Bari. Submeteram-no asevero regime, permitindo-lhe, contudo, ler e escrever,permissão da qual nasceu extenso trabalho literário.

Gramsci jamais aceitou implorar clemência ao re-gime fascista. Em 1933 apareceram-lhe os sintomas detuberculose óssea. Não querendo que o prisioneiro fosseconsiderado mártir, as autoridades fascistas delibera-ram a sua soltura, transferindo-o para Roma. Gramscimorreu em uma clínica romana, em 27 de abril de 1937,uma semana após a sua soltura. Foi enterrado no Cemi-tério dos Ingleses, à sombra da pirâmide de Caio Cestio,perto do túmulo do poeta Keats. Até hoje uma coroa deverdes permanentes com fita vermelha indica aos nu-merosos visitantes o local onde repousam seus restosmortais. Gramsci, contudo, continua uma força viva pa-ra muitos, tanto dentro quanto fora da Itália.

Gramsci teve adversários dentro do partido? Sim,teve de combater os radicalistas e os conformistas. Mas avitória da ditadura fascista acabou com seus adversá-rios, dentro e fora do partido. Nem por isso Gramsci foi acriatura nimbada com a qual é apresentado em váriosambientes. Os anos de cárcere geralmente acrescentamalguma aura a muitos escritores, desde Paulo de Tarso eBoécio até Bonhöffer e Graciliano Ramos. Desta circuns-tância, além de seu valor intrínseco e estratégico, obvia-mente, pode advir parte da reverencial submissão comque muitos acadêmicos, políticos, religiosos e comunica-dores, especialmente a partir da década de 60, entrega-ram-se a uma leitura quase mística de suas obras. Com

efeito, Gramsci começou a ser praticamente conhecidopelos brasileiros quando a editora Civilização Brasileira,entre 1966 e 1969, publicou algumas de suas principaisobras. A partir de 1969, como se sabe, o Brasil começou aviver sob um regime político que parecia disputar ana-logias com aquele que privou Gramsci e tantos outros daliberdade. O vazio cultural prosseguiu pela década de70, inviabilizando muitas publicações e atrasando atémesmo a leitura mais crítica do autor que até hoje às ve-zes é mais louvado do que lido com atenção e realismo.Atualmente estamos mais equipados para a avaliação dopensamento de Gramsci, seja porque já é considerável aliteratura a seu respeito, seja porque a sua filosofia dapráxis política já saiu do papel e está sendo aplicada porum consórcio de agremiações, com espantosa fidelida-de, obstinada persistência e articulados objetivos táticose estratégicos para alcançar a hegemonia do Estado.

Para tanto, requer-se férrea disciplina de todos,militância subordinada ao partido centralizado e ideo-logicamente unido, sem espaço para desvios, nada desociedade aberta. O partido é como uma igreja e a revo-lução é como uma guerra minuciosamente preparada. Épreciso minar os campos, fragilizar as resistências, pe-netrar nas casamatas e fortalezas e ocupar todos os es-paços da sociedade civil. Para isso, é preciso enfim umanova cultura, transformadora, em que a tarefa do inte-lectual não é a de pesquisar a verdade; ele deve ser umintelectual orgânico, canalizando todas as suas energiaspara a persuasão permanente de quem representa a to-talidade dos interesses e aspirações da classe trabalha-dora, o partido, o moderno príncipe.

Durante muito tempo foi meritório ser de oposi-ção, tanto na Itália quanto na América Latina e outraspartes do mundo. A duras penas nossos povos conse-guiram a redemocratização. Democracias frágeis, ain-da. Mas a democracia é um bem precioso demais paraficar exposto a toda sorte de despreparados e, pior ain-da, a grupos que se crêem dotados da verdade absolu-ta. Se há algo de que não podemos abrir mão para a saú-de da democracia é o direito à crítica. O bom senso - acoisa mais bem distribuída entre os seres humanos, se-gundo Descartes - ensina que a verdade nem sempre éevidente, ela pode se apresentar como cambiante. De-pendendo das circunstâncias ela só poderá ser aceitapela força da argumentação racional, jamais pelo au-toritarismo, pelo aparelhamento do Estado e pela vio-lência geradores de hegemonia. Neste caso, identificaros erros já é um grande passo.

(*) Domingos Zamagna é jornalistae professor de Filosofia.

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A perestróica de Gramsci

A política de reformagovernamental e reorganizaçãodo sistema econômico iniciadapor Mikhail Gorbatchov, a partir de1985, serviu como marco paraa disseminação do gramscismo,pois o desmantelamento da UniãoSoviética deixou perdidos ospartidos comunistas do mundo.

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