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Digesto Econômico nº 456

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Março de 2010

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3MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Em debate,o futuro do PaísAAssociação Comercial de São Paulo (ACSP) foi fundada em dezembro de 1894, e há

mais de 115 anos participa ativamente de todos os episódios marcantes da históriade São Paulo e do Brasil, unindo os setores empresariais, trabalhando em defesa da

livre iniciativa e buscando caminhos que levem ao desenvolvimento do País. Há 64 anos aACSP publica a revista Digesto Econômico, com a colaboração de especialistas do maisalto gabarito, que abordam de forma profunda temas relevantes para o destino da nação.

Este ano, o Brasil passará por um importante processo eleitoral, escolhendo um novoPresidente da República, novos governadores e renovando os legislativos estaduais eo federal, além de dois terços do Senado. Todos concordam que o País hoje se apresentacom fundamentos econômicos mais sólidos, e que na crise financeira mundial fomos menosprejudicados que a maioria das nações. Também é verdade que o crescimento a uma taxarazoável vem sendo retomado, mas há também a generalizada percepção de que o Brasil poderia crescer ainda mais sesuperasse as graves distorções que prejudicam o seu desempenho econômico e social. Entre outras, a carga tributária e osjuros estão entre os maiores do planeta, temos graves deficiências nas áreas da saúde, educação e segurança pública, eprecisamos resolver com urgência questões de infraestrutura e logística. É preciso fazer a reforma política o quanto antes,porque ela será a base para todas as outras reformas.

E as eleições deste ano oferecem uma grande oportunidade para ampliar o debate sobre as grandes questões nacionais.Com esse objetivo, a revista Digesto Econômico publicará uma série especial com artigos de diversos especialistas, quefarão um amplo diagnóstico dessas questões, destacando os principais problemas e propondo soluções. No final, estasérie será entregue a todos os candidatos à Presidência da República, juntamente com um documento-síntese daspropostas que a ACSP irá apoiar, eventualmente completadas com outras que entender cabíveis.

Todos esses estudos e propostas têm como tema central a necessidade de ampliar os investimentos privados epúblicos, em áreas como infraestrutura, energia, educação e desenvolvimento tecnológico, bem como a de estimularo seu financiamento mediante ampliação da poupança nacional. A nosso ver, este é o caminho mais seguro para umdesenvolvimento econômico e social sustentável.

Nesta primeira edição, trazemos a colaboração de cinco especialistas de renome: Claudio de Moura Castro traça umperfil do sistema educacional brasileiro e propõe mudanças que se chocariam com práticas e interesses arraigados,mas cujos benefícios superariam o sacrifício se postas em prática. José Pastore apresenta as principais questões da áreatrabalhista, e propõe soluções visando a modernização das relações de trabalho, tanto na proteção dos trabalhadorescomo na segurança institucional das empresas. Já Hélio Zylberstajn aborda uma questão delicada, mas fundamental parao País: a necessidade de reforma da Previdência Social.

Abordando questões de política macroeconômica, o economista Joaquim Toledo, de grande experiência acadêmicae no setor financeiro, propõe um conjunto de medidas com o objetivo de conter a valorização da taxa real de câmbio, e dereduzir a taxa básica de juros e os spreads de crédito. E por fim, Ethevaldo Siqueira, especialista em telecomunicações,mostra um panorama da evolução da telefonia no Brasil, indicando os graves problemas a serem resolvidos e riscos aserem evitados, em particular a reativação da Telebrás.

Boa leitura.

Alencar BurtiPresidente da Associação Comercial de São Paulo e da

Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

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4 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

ÍNDICE

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteAlencar Burti

Superintendente InstitucionalMarcel Domingos Solimeo

Coordenador da Série de Edições EspeciaisRoberto Macedo

ISSN 0101-4218

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Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

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PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055FAX (011) 3244-3046

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Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimaxfosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax

fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.

24Modernização das relações do trabalho: proteção

dos trabalhadores e segurança das empresasJosé Pastore

38Por uma Previdência Social justa e sustentávelno Brasil: ir em frente sem olhar para trásHélio ZylberstajnBa

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56Câmbio, juros e spreads – propostasde políticas econômicasJoaquim Elói Cirne de Toledo

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CAPAFotomontagem: Paulo Zilberman

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70O Brasil precisa completar arevolução das telecomunicaçõesEthevaldo Siqueira

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6A Educação nopróximo governoClaudio de Moura Castro

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5MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Eis alguns especialistas que farão parte da série deseis especiais do Digesto Econômico, com diagnósticos dosproblemas do País e propostas para o próximo presidente.

Claudio de Moura Castro Hélio ZylberstajnJosé Pastore Joaquim Elói Cirne de ToledoE theva ldo S ique i ra Nelson MarconiC lo v i s Panza r i n i J . Robe r t o A fon soCarlos A. Rocca J. Roberto M. de BarrosAndré Portela Geraldo Biasoto Luiz Salles

Aos leitores: A sua revista Digesto Econômico (bimestral) será mensal até agosto, dedicadaa um profundo balanço do Brasil pós-Lula, assim compensando os números de

novembro-dezembro de 2009, e de janeiro-fevereiro de 2010, que excepcionalmente não circularam.

Apoio:

Próximos temas:

Emprego e salários no governo federal;Reforma do ICMS; Saúde; Agricultura;Mercado de capitais incluindo crédito;Programas Sociais; Gastos públicosfederais; Esportes e Turismo

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Paulo Pampolin/Hype

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A Educaçãono próximogovernoMasao Goto Filho/e-SIM

Claudio de Moura CastroFormado em Economia pelaUniversidade Federal de MinasGerais com mestrado na YaleUniversity e doutoramento naVanderbilt University. Sua carreiraprofissional tem se concentradoem pesquisas na educação,ciência e tecnologia e políticassociais. Trabalhou no IPEA, OIT,Banco Mundial e BID.

Resumo

Este artigo discute um conjunto de sugestões, algumasousadas, para reformar a educação no próximo governo,conforme sintetizadas no diagrama da página 9. Começacom um breve diagnóstico de cada caso. Abrange os váriosníveis de ensino e se refere, quando cabível, à naturezapública ou privada de suas instituições. Cobre também asvárias esferas de ação governamental (União, Estados emunicípios), mas deve ser ressaltada a função da esferafederal, dado o seu papel regulador do setor educacional,a sua atuação direta no ensino superior de graduaçãoe pós-graduação, a liderança que lhe cabe exercer empolíticas educacionais de alcance nacional e a suamaior capacidade de mobilizar recursos necessáriosà implementação de várias medidas propostas.

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8 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Introdução(1)

(1) O autor agradece os comentários de muitos leitores de umaversão preliminar. Dentre eles, destacam-se os nomes de Ana MariaRezende Pinto, João Batista de Oliveira, Maria Helena GuimarãesCastro, Paulo Roberto de Almeida, Renato Janine Ribeiro. Masobviamente, nenhum deles é responsável pelas posições do autor.

Opresente ensaio apresenta um conjunto de ideiase diretrizes para balizar as políticas educativas dopróximo governo – que se iniciará em 2011. Dadoo momento em que se encontra o País, não se trata

de um cardápio contendo novidades revolucionárias. De fato, oBrasil evoluiu muito e os diagnósticos atuais do sistema educa-tivo são bastante maduros. Portanto, trata-se de consolidarideias que estão sendo discutidas e amadurecidas faz tempo.

Obviamente, não se buscou linhas de consenso em todos osazimutes do pensamento educacional. Isso nos levaria a polí-ticas mornas, sem dentes e sem expressão. São apresentadasaqui ideias que encontram respaldo no que vem dizendo e es-crevendo um grupo relativamente amplo de pensadores e pes-quisadores, que se caracterizam por acreditar na chamada“educação baseada em evidência” e por respaldar seus argu-mentos com as melhores pesquisas e números disponíveis.

Não obstante serem compartilhadas por um número con-siderável de pensadores, algumas soluções aqui propostas sãode implementação delicada ou penosa. Mas acreditamos queos seus benefícios amplamente superam o sacrifício quandoposta em prática.

Um problema espinhoso para o planejamento é o fato deque somente a educação superior tem uma rede federal. No en-sino básico, ou é estadual ou municipal. Portanto, um plano deeducação feito nacionalmente pode tutelar quem está sob a au-toridade do Ministério da Educação (MEC). Mas fica sobrandoo ensino básico, manejado por municípios e Estados, autôno-mos para esse mister. Portanto, é um Plano que, para ser ado-tado, depende mais de persuasão do que da força da lei.

Este texto foi organizado em sete seções. A primeira apre-senta as quatro premissas que norteiam as propostas. A segun-da apresenta o ensino fundamental como a grande prioridadee a terceira trata da formação de professores. A quarta e a quin-ta abordam o ensino médio e a educação técnica nesse nível,respectivamente, no segundo caso abrangendo também oscursos voltados para formação de tecnólogos, de nível supe-rior. A sexta trata do ensino superior tradicional, com três sub-seções – precedidas por uma breve introdução –, a primeiravoltada para os sistemas público e privado em conjunto e asduas seguintes para esses sistemas separadamente. A sétima eúltima seção ocupa-se da pós-graduação.

I. Premissas

Norteando tudo que está sendo proposto estão quatro pre-missas básicas. Acerca delas, há pouco dissenso, mesmo den-tre grupos que discordam das proposições mais concretasapresentadas adiante.

1. Há ampla evidência de que o investimento naeducação é uma condição necessária para o aumentoda produtividade, para melhorar a distribuição derenda e para a consolidação da democracia.Como nos ilustram as experiências de países como a antiga

União Soviética, educação não é condição suficiente para cres-cimento ou para democracia. Contudo, bem sabemos ser con-dição necessária, pois não há casos de sucesso dentre paísesque pouco cuidaram de sua educação.

Estudos internacionais estimando os resultados de inves-timento em educação encontram uma contrapartida equiva-lente no Brasil. Em ambos os casos, as taxas de retorno são al-tas em todos os níveis de escolaridade. E quase sempre sãomaiores do que aquelas obtidas para investimento em capitalfísico. Ou seja, é um bom investimento. De fato, estima-se quehoje nos países avançados, dois terços do capital seja o conhe-cimento (ou know-how).

Outras formas de tratar o problema como funções de pro-dução e estudos correlacionais e históricos mostram exata-mente a mesma coisa: educação e crescimento estão intima-mente associados.

Educação custa dinheiro, e não é pouco. Nela se gasta maisde 5% do PIB. É muito ou é pouco? Na verdade, está na médiamundial e há países gastando menos e conseguindo resulta-dos bem melhores. Seja como for, em número de funcionários,o ensino é a maior indústria do País. Uma ideia disso é dadapelo fato de que o ensino básico, segundo dados do site do Ins-tituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), ocupava2.908.873 professores em 2006. Além disso, se contarmos cur-sos informais, o tamanho econômico do setor de ensino seaproxima de 10% do PIB (2). Portanto, não se gasta pouco.

Não obstante, no ensino fundamental, os gastos são insu-ficientes. Esse é um nível em que deveríamos dedicar bemmais recursos. Considere-se apenas que um aluno do fun-damental custa um décimo do que se gasta com universitá-rios da rede federal.

2. As estatísticas e os testes não deixam dúvidas: emmatéria de educação, o Brasil está mal, apesar dosgrandes avanços na matrícula.Somente em meados da década de 90 conseguimos univer-

salizar a presença das crianças de 7 a 14 anos nas escolas. Foimuito tarde. Ainda assim, cumpre celebrar o evento. Contudo,reprovação e repetência continuam muito altas na transição da4ª. para 5ª. série e altíssimas na 8ª. série e no ensino médio. Sãoas mais altas do mundo.

O grande escolho hoje é a má qualidade do ensino oferecido(em boa parte responsável pela repetência e evasão – que ace-leram a partir dos 14 anos). Nos testes do PISA, estamos entre osúltimos lugares, em um conjunto de países que hoje atinge 50.

(2) Para uma estimativa dos gastos fora dos sistemas oficiais, veja-seC. M. Castro, Maria Helena Magalhães Castro e Elenice Leite,"Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios", Brasil: Estadode uma Nação (Brasília: IPEA, 2006)

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3. A maior deficiência estána qualidade do ensino inicialNossos testes confirmam o desastre do início da escolariza-

ção (SAEB, Prova Brasil e ENEM). Para ilustrar, mais da me-tade dos alunos de quarta série não está funcionalmente alfa-betizado.

Portanto, só há uma prioridade na educação brasileira:melhorar o ensino nas séries iniciais. Tudo mais, ou é conse-quência, ou será espontaneamente resolvido quando tivermosuma educação fundamental de qualidade. Embora o presenteensaio lide com propostas para todos os níveis, como deve ser,é o nível inicial que merece todo o apoio, sobretudo, conside-rando que as forças políticas e sociológicas tendem a descon-siderar esse nível. Ou seja, política educacional é para impul-sionar aquelas mudanças que os sistemas e as gentes não sãolevadas a fazer por suas próprias vontades e iniciativas.

Isso não quer dizer que devemos parar de fazer tudo o maisque pode melhorar a educação. De fato, há muitas interven-ções altamente eficazes, em todos os níveis – até na pós-gra-duação – e não há razões para que não sejam implantadas.Contudo, não podemos perder o centro de gravidade de todosos esforços. Este deve estar nas séries iniciais, pelo menos, pormais uns quantos anos.

4. Se os pais acham a educação boa,é difícil implementar uma política de qualidadePesquisas recentes mostram que 70% dos pais acham boa a

educação dos seus filhos. Ao que parece, para eles contam asmelhorias de infraestrutura, merenda, livros etc. O dilema é queem um sistema minimamente democrático, a vontade da maio-ria pesa nas decisões dos políticos. Se o povo acha que a edu-cação é boa, eles não veem razões sólidas para gastar recursos ecapital político nas inglórias batalhas para melhorar a qualida-de. Os 30% de insatisfeitos são, justamente, os mais educados.Esse é talvez o maior de todos os impasses na educação brasi-leira: o círculo vicioso da mediocridade.

II. Ensino fundamental: a grande prioridade

Há hoje bastante consenso acerca do que é preciso fazer pa-ra que melhore a qualidade do ensino fundamental. Não obs-tante, há muitas providências politicamente delicadas ouque encontram ferozes resistências de grupos de interesses ede bolsões ideológicos, sobretudo nas lideranças intelectuaisda educação que professam uma pedagogia que ignora a evi-dência científica e a boa pesquisa na área (Faculdades de Edu-cação e Secretarias).

1. Foco na sala de aula e no ensinoPraticamente terminamos um longo ciclo de institucionali-

zação das escolas e das redes públicas de ensino. Há professores,há livros, há merenda, há equipamentos básicos e as qualifica-ções formais dos professores aumentam rapidamente.

Agora é a hora da sala de aula. A institucionalização men-cionada acima criou as pré-condições. Mas ensino se dá dentroda sala. É nessa etapa crítica que permanecem os defeitos e la-cunas. É preciso que os professores ensinem corretamente e

que os alunos aprendam. Não há mágicas tecnológicas. A so-lução está no “feijão com arroz” da boa sala de aula.

2. Programas de apoio aosalunos mais fracos e atrasadosQuando se descobriu que era o país com a melhor educa-

ção, a Finlândia tornou-se foco de atenções. Mas de tudo quefazem melhor ou diferente, possivelmente o que mais sepresta à cópia é a política de cuidar dos alunos que vão fican-do para trás. Ou seja, não permitir que alguns se distanciemdo resto da turma.

Essa é claramente uma ideia a ser aproveitada. Sobretudo nasescolas com piores resultados, ter professores preparados paralidar com os retardatários parece um investimento certeiro.

Nesse foco seletivo, é preciso considerar a situação vulne-rável das escolas em áreas urbanas conflagradas. Seus proble-mas não são apenas de educação. A sua situação requer inter-venções mais complexas, incluindo por tempo integral, espor-tes, políticas de segurança e emprego.

Não obstante, é também preciso oferecer oportunidades di-ferenciadas para os mais talentosos. É incomensurável o im-pacto social de iniciativas para esse grupo. Porém, esses sãoprogramas relativamente modestos, do ponto de vista dos re-cursos a serem mobilizados.

3. Expansão seletiva da pré-escolaHá evidência substancial, sobretudo dos Estados Unidos,

mostrando que os efeitos de uma boa pré-escola são substan-ciais e duradouros. Daí as inúmeras propostas de expandir asua matrícula.

Este ensaio recomenda essa política de expansão. Contudo,faz recomendações severas para a sua implementação.

O que sabemos é sobre o impacto positivo de pré-escolas dequalidade. Nosso conhecimento é muito ralo acerca dos bene-fícios trazidos por escolas fracas, como tendem a ser as nossas.

Portanto, não se pode recomendar a mera expansão semsólidos cuidados para assegurar a qualidade do ensino ofe-recido. Uma pré-escola fraca vai tirar a atenção e os recursosdo ensino fundamental. Terminaríamos com um sistemamais amplo, mas igualmente incapaz de oferecer uma edu-cação de qualidade. E para os políticos, construir e inaugu-rar é mais atraente do que brigar para melhorar a qualidade.Pior o remendo que o soneto.

4. Currículos mais enxutos,mais fáceis e mais explícitosO ensino fundamental deveria concentrar-se na língua na-

cional, na matemática (aplicada) e nas ciências elementares.Não é o caso de eliminar o resto, como história, inglês e outras.Mas a precedência deveria ser para as três básicas.

De pouco adianta criar parâmetros curriculares e, em se-guida, ter que escrever um livro para explicar o que quise-ram dizer os autores. Precisamos de marcos curricularesconcisos, sem jargão pedagógico e suficientemente detalha-dos para que os professores saibam em cada série e em cadadisciplina o que devem ensinar e o que os seus alunos devemsair sabendo.

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Temos um vício congênito de produzir livros e currículospara gênios. E bem sabemos, quando ensinamos demais, osalunos aprendem de menos. É preciso ter currículos que este-jam ao alcance dos alunos médios.

Pela legislação vigente, o MEC não pode produzir currí-culos nacionais, apenas orientações genéricas. No entanto,nada impede o MEC de preparar currículos que seriam vo-luntariamente adotados pelos Estados. Além disso, conce-der um selo de qualidade para materiais e currículos produ-zidos por Estados ou empresas. Na verdade, não há compe-tência instalada nas secretarias estaduais e municipais damaioria dos municípios. É razoável supor que, na impossi-bilidade de produzir seus próprios currículos, estas aceitemas sugestões federais.

Não obstante, o MEC pode produzir e aprovar padrões eexigências para o que deve ser aprendido nas escolas. É umpasso além dos currículos. É o nível de desempenho definidocomo padrão mínimo para todos.

5. Professores melhoresNão há nem novidade e nem exagero em dizer que a qua-

lidade dos professores tende a ser o mais forte determinante dequanto os alunos aprendem. Contudo, os próximos passos sãoárduos e controvertidos. Como fazer para que os professoressejam melhores?

Pela lógica, a primeira providência para melhorar o en-

sino é recrutar professores com mais talento e potencial. Seuma tal política houvesse sido adotada no passado, grandeparte dos problemas da educação não existiriam. Contudo,com um tempo de presença na força de trabalho de mais detrinta anos, é esse prazo que levará para renovar o quadrodocente, pois não é politicamente viável trocar os que estãohoje no quadro. Seja como for, é preciso recrutar melhor.Instrumentos valiosos são o Programa de Universidadespara Todos (PROUNI) e o Crédito Educativo, no lado finan-ceiro. Se forem oferecidas vantagens financeiras paramatriculados nos cursos de formação de professores,deve ser possível atrair para eles alunos mais talentosos.Para definir níveis de competência acadêmica, o ENEMpode vir a ser um instrumento privilegiado. Dessa forma,é possível atrair candidatos melhores, seja para o sistemapúblico, seja para o privado. Há ideias nessa linha, masainda não foram implementadas.

As políticas de aumentos salariais puros e simples são ine-ficazes, por tudo que sabemos – que não é pouco. ComparandoEstados e países, não há correlação entre nível salarial dos do-centes e qualidade do ensino.

Por outro lado, adicionais por desempenho, seja para a es-cola, seja para professores individuais, estão mostrando resul-tados muito positivos em vários países e mesmo em alguns ex-perimentos brasileiros. Este é o caminho.

A avaliação dos professores é um tema delicado e contesta-

Currículo: o ensino fundamental deveria concentrar-se na língua nacional, na matemática (aplicada) e nas ciências elementares.

Paulo Pinto/AE

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do pelos sindicatos. Contudo, por que não podem ser avalia-dos aqueles de quem dependemos para forjar o futuro do País?Há um claro avanço em outros países. Sindicatos americanos,até agora resistentes à ideia, estão mudando de opinião. (3)

Por tudo que sabemos pela via da pesquisa, os cursos dereciclagem de professores, oferecidos prodigamente, sãoineficazes. Simplesmente não melhoram o desempenho dosprofessores em sala de aula. Não obstante, como demonstraa experiência dos “sistemas de ensino”, cursos de como en-sinar e como usar os livros adotados se revelam altamentep ro d u t i v o s .

A carreira docente apresenta equívocos lamentáveis que,ademais, são politicamente difíceis de serem sanados. A es-tabilidade de cátedra torna virtualmente impossível se ver li-vre de professores incompetentes, negligentes ou pernicio-sos. O oposto, que são os contratos precários,tampouco são uma boa ideia. É preciso ajustara carreira, de forma a reduzir ou eliminar os“boias-frias” e também criar possibilidadesde dispensa mais realistas.

O progresso na carreira não pode ser apenaspor antiguidade e por cursos realizados. Nemum e nem outro estão estatisticamente associa-dos ao desempenho. Em vez disso, os profes-sores precisam ser avaliados periodicamente eo cumulativo de tais avaliações ter um peso sé-rio nas promoções.

Um problema sério em muitos lugares é aimpunidade diante do absenteísmo – o qualpode tomar muitas formas. Em outros, o exces-so de rotatividade dos professores impossibi-lita qualquer plano de melhoria do ensino.

Uma alternativa politicamente menostraumática seria criar uma estrutura paralelae voluntária. Quem quisesse, poderia optar por ela. A seleçãoseria mais rígida, as avaliações frequentes e os salários basea-dos em uma parte fixa e outra variável, dependendo do de-sempenho. Igualmente, as promoções seriam respaldadaspelo desempenho em sala de aula. As contratações seriam viaCLT, portanto, não garantiriam estabilidade. Ao cabo de al-gumas décadas, esse sistema substituiria o vigente hoje.

O outro lado da equação é que os professores se sentem de-samparados e alienados diante de uma máquina burocráticaburra, impessoal e injusta. Em particular, as comunicações entrecentro e periferia tendem a ser disfuncionais, pelo menos no ní-vel dos Estados. É preciso ajustar as formas de relacionamentohierárquico e pessoal, dando ao professor o justo valor e autoes-tima que merece. Quer pensemos em justiça ou em resultados,não é possível pensar em um ensino de qualidade com profes-sores insatisfeitos ou se sentindo desvalorizados.

6. Escolha do diretor: sai a politicagem, entra o méritoEm um terço das escolas, os diretores são ainda uma indica-

ção política. Essa chaga precisa ser eliminada rapidamente.

Contudo, outros mecanismos de escolha são também pro-blemáticos. A eleição tende a politizar a vida escolar, com con-chavos e compromissos assumidos no período pré-eleição eque tiram do diretor a sua autonomia para gerir a escola. Emtodos os países avançados, elege-se o legislativo e o executivo.Em seguida, os eleitos pelo povo decidem quem serão os ges-tores das escolas. Não há espaço para grupos de interesse in-ternos e nem democracia direta. Os concursos são mais neu-tros, mas capturam apenas os talentos que facilmente se reve-lam nos testes de “lápis e papel”.

Até o momento, o melhor sistema é um encadeamento deconcurso e eleição, em que os candidatos são apenas aquelesmais bem classificados na prova. Há boas razões para imple-mentar nacionalmente essa terceira alternativa. O MEC po-de condicionar suas transferências a municípios à adoção

desse sistema.Merece apoio a ideia de que o diretor deva re-

ceber um contrato de gestão. Ou seja, vai acertarcom a Secretaria de Educação quais serão suasmetas do ano e vai ser cobrado por elas.

7. Melhor gestão e maisautonomia para as escolasMuitas pesquisas internacionais confirmam a

seguinte hipótese: sistemas em que as escolastêm mais autonomia produzem melhor educa-ção. Hoje, as escolas têm quase nada de autono-mia para decisões críticas, para o seu funciona-mento. Praticamente, nenhum poder têm sobre aescolha e a manutenção do seu corpo de profes-sores. Têm muito poucos recursos discricioná-rios para obras e iniciativas próprias.

Em contraste, têm total impunidade paraproduzir resultados fracos ou escandalosos.

Ou seja, só têm autonomia para serem ruins. Faz muito maissentido dar mais ampla autonomia operacional e cobrar re-sultados finais com energia e rigor. Em boa medida, a refor-ma inglesa de uma década atrás adotou essa linha, com ex-celentes resultados: o diretor faz o que quiser e como quiser,mas no fim do ano terá que demonstrar que os alunos do-minaram um currículo muito explicitamente definido.

É claro, os diretores precisam ter sua missão melhor defi-nida. E também, uma orientação segura quanto à maneira deatingir suas metas.

Mas além dessas mudanças mais estruturais, há um semnúmero de aperfeiçoamentos nos sistemas de gestão das es-colas. Hoje, os diretores gastam grande parte do seu tempocom assuntos que nem são prioritários e nem têm a ver comensino. É preciso liberá-los dessas tarefas, para que possamcuidar do que importa no longo prazo.

Algumas fundações empresariais criaram sistemas de ges-tão para redes municipais. Parte-se da hipótese de que a escolaé uma organização que deve ser administrada com eficiência.Existem ferramentas para isso, derivadas de décadas de expe-

Muitas pesquisasinternacionaisconfirmam a seguintehipótese: sistemas emque as escolas têm maisautonomia produzemmelhor educação.Hoje, as escolas têmquase nada deautonomia paradecisões críticas parao seu funcionamento.

(3) Veja-se Bob Herbert, "A Serious Proposal", New York Times (11 de Janeiro 2010)

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13MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

riência de gestão empresarial e já vários anos de testes em redeseducativas. Os resultados são altamente positivos. Ao melho-rar a gestão e definir metas de desempenho, avanços muitosubstanciais na qualidade têm sido obtidos.

8. Apoio à participação de“redes de ensino” nos sistemas públicosDe alguns anos para cá, alguns “sistemas de ensino” (co-

mo o Positivo, Pitágoras, COC e Objetivo) assinaram contra-tos com municipalidades para que prestem a elas os mesmosserviços que oferecem à rede privada. Com a consolidaçãodos mecanismos públicos de avaliação, está ficando cadavez mais claro que há uma melhoria substancial no desem-penho das escolas dos municípios conveniados com as re-des. Uma pesquisa ainda não publicada mostra que, nos mu-nicípios conveniados, os alunos estão meio ano à frente dosoutros não participantes.

Para expandir a cobertura dramaticamente, bastaria que oFundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)permitisse que os municípios usassem os recursos dos livrosdidáticos a que têm direito para comprá-los dos “sistemas”previamente pré-qualificados. A teoria é simples e as medidasadministrativas ainda mais, pois os municípios sabem contra-tar o fornecimento de bens e serviços, desde que disponham

dos recursos para tal. O problema é a resistência ideológica dealgumas correntes dentro do MEC. Mas vamos e venhamos, seos prefeitos querem e se os resultados são bons, que argumen-tos existiriam para não permitir o uso dos recursos do FNDEpara esse fim? O País não pode ser refém de grupelhos ideo-lógicos operando dentro do MEC.

9. Consolidar a avaliação e usá-lapara premiar os melhoresO País deu um gigantesco salto ao criar um sistema de ava-

liações de padrão internacional. Não somente é inconcebívelqualquer recuo, mas torna-se necessário melhor usar os resul-tados obtidos, já que ainda não estão produzindo os impactosque poderíamos esperar.

Predicam-se avanços em duas linhas. Em primeiro lugar, épreciso educar os pais e a sociedade em geral acerca do que sig-nificam e como usar as avaliações. Isso tem que se incorporarna cultura do povo. Sabendo usar, a sociedade cobrará resul-tados dos sistemas escolares. Esse é um papel clássico para oMEC, mas apesar dos avanços técnicos na avaliação, esse as-pecto tem recebido pouca atenção.

Do lado do Estado, é preciso usar a avaliação para identificarproblemas e premiar as melhores escolas e os melhores muni-cípios. Ainda há muito pouco acontecendo nessa direção.

Algumas escolas municipais adotaram "sistemas de ensino" (Positivo, COC, Objetivo, Pitágoras) com bons resultados.

Paulo Pampolin/Hype

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14 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

III. Formação de professores

Há hoje forte consenso acerca das deficiências nas escolasque formam professores. Tais falhas são responsáveis, em boamedida, pela má qualidade do ensino. Vejamos:

1. Deficiências dos cursos de formaçãoPodemos falar em quatro: (i) Os futuros mestres não

aprendem corretamente aquilo que vão ensinar. Há poucaênfase no conteúdo e no currícu-lo que deverão transmitir aosseus alunos. (ii) Não aprendem adar aula, ou seja, não são expos-tos às técnicas e práticas que co-tidianamente necessitarão paralidar com seus alunos. (iii) Gas-tam um tempo excessivo comteorias abstratas e rarefeitas. Ja-mais aprendem a usá-las no coti-diano, apenas ouvem e memori-zam palavras e formulações lon-gínquas do mundo real. (iv) Gas-tam também muito tempo emdiatribes ideológicas e leiturassobre sistemas sociais, capitalis-mo e comunismo.

Vale enfatizar que essas lasti-máveis deficiências nos cursosde formação de professoresconstituem-se hoje no maior óbi-ce ao progresso da educação dequalidade. É impossível subesti-mar a importância dramáticadessa falha.

Os estágios que seriam a últimachance de aprender a ser profes-sor de sala de aula são ineficazes equase fictícios. Não têm nada a vercom o que se esperaria.

Assim como é inconcebívelum médico tratar pacientes semhaver feito internato e residên-cia, o que sabe um professor so-bre manejo de sala de aula, se nãopraticou antes, com uma super-visão adequada? O resultado éque seus alunos, nos primeirosanos de trabalho, são cobaias e vítimas do seu despreparo.Difícil imaginar um cenário pior.

É preciso uma revolução maior nas faculdades de educação.Os alunos, os futuros professores, precisam aprender bem osconteúdos, precisam menos teorias e mais técnicas para lidarcom o cotidiano da sala de aula.

Os programas precisam levar os futuros mestres aler mais e escrever mais. Igualmente, sem uma sólidafamiliaridade com informática, jamais os computadorespoderão ser usados de forma produtiva nas salas de aula.

E obviamente, com os estágios, precisamos de começartudo de novo.

De tudo que está sendo proposto no presente ensaio, es-sas mudanças podem ser as mais críticas para melhorar o en-sino. Mas são também as mais traumáticas e que mais coli-dirão com os interesses e as crenças de grupos com muitapresença política. Daí a importância de levar o assunto a umnível mais elevado, em que os interesses ideológicos e cor-porativos se diluam no bojo do interesse nacional.

2. Alta evasão nas universidades públicas,As universidades públicas estabelecem um nível de exi-

gência durante os cursos de pedagogia e licenciatura que éincompatível com o preparo dos alunos que recebem. Daíque as taxas de deserção nas licenciaturas científicas podemdizimar 95% dos alunos.

Como poucos se formam nas universidades públicas, arede escolar pública é abastecida por egressos das faculda-des privadas. Ora, como a carreira de professor atrai os alu-nos de nível econômico mais baixo de quantos entram no su-

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perior, eles não têm meios de pagar mensalidades que ga-rantam um ensino minimamente razoável.

As soluções aqui não chegam a ser difíceis, dada a exis-tência do programa federal de crédito educativo e doPROUNI. Basta criar facilidades e vantagens para quem op-tar por matricular-se em escolas que preparam professores.Quanto mais necessitado o aluno, mais será atraído por in-centivos financeiros, como bolsas ou isenções. Hoje, oPROUNI atrai alunos que, na média, mostram desempenho

superior ao dos alunos pagantes. Não há porque imaginarque um tal programa não possa também atrair bons candi-datos para o magistério.

IV. Ensino Médio

Nosso ensino fundamental é deficiente, mas sabemoscomo deveria ser. Nosso ensino médio também é deficiente,só que não sabemos como deveria ser. Aliás, por toda parte,o médio é um nível sempre em crise existencial. Ninguém

se põe de acordo de como deveria ser. No Brasil é pior, omédio vive em um vácuo de ideias. Sabemos que seus de-feitos são graves, mas não nos pomos de acordo com ummodelo alternativo.

Em resumo, o médio: (i) É difícil demais e os currículosexcessivos. (ii) Falta aplicação, sobra abstração. (iii) Ofereceum cardápio único para todos, embora receba alunos de níveismuito diferentes. Não há outro país no mundo que tenha cria-do semelhante assombração. (iv) Está perdido, com excesso depapéis. Precisa preparar os que terminam nesse nível sua pre-sença na escola. Precisa preparar para o superior, com seus exa-mes de entrada. Precisa preparar para o mundo do trabalho.Diante de tantos desafios, não atende bem a nenhum. (v) Fal-tam professores preparados para ministrar as disciplinas, par-ticularmente nas ciências e matemáticas.

As seguintes diretrizes são aqui propostas:

1. Reduzir o número de disciplinas obrigatórias,aumentar as eletivasEssa é a primeira providência para diferenciar os currículos,

de acordo com o perfil do aluno, do tipo de escola e da geogra-fia. Se são poucas as obrigatórias, cada escola pode diferenciarseu currículo. De fato, é totalmente inapropriado obrigar todasas escolas a ensinar, por exemplo, filosofia ou sociologia.

2. Oferecer a mesma disciplina com níveis diferentes dedificuldade, para atender à variedade da clientelaAlguns alunos precisam aprender equações do terceiro

grau para passar em vestibulares hipercompetitivos. Outrosganhariam muito mais gastando seu tempo com ferramentasmatemáticas mais simples e de maior utilidade prática. Paramuitos, é preciso contextualizar tudo. Outros vivem bem nomundo da abstração pura. Portanto, é preciso permitir e esti-mular que o mesmo assunto seja ensinado com níveis diferen-tes de exigência e de abstração.

Repare-se que as high schools americanas fazem exata-mente isso. Em estilo diferente, mas com o mesmo resulta-do, o ensino secundário europeu tem muitas alternativas,umas mais e outras menos profissionalizantes. Cada moda-lidade ensina, por exemplo, matemática com um nível dife-rente de abstração e dificuldade.

3. Reduzir o nível de dificuldade do curso como um todo,bem como o excesso de conteúdosOs programas do ensino médio são absurdamente longos e

difíceis. Sem dúvidas, estão muito acima da capacidade de ab-sorção da maioria dos alunos – curiosamente, o currículo doEJA (Ensino de Jovens e Adultos) é bem mais curto e realista.Em contrapartida à redução, faz sentido aumentar a profun-didade do aprendizado dos conceitos fundamentais.

Igualmente, é preciso aproximar o curso do mundo real.No nível de rarefação em que é oferecido, desmotiva os alu-nos e não permite um real domínio do que está sendo ensi-nado, pois não há a imprescindível contextualização. Disci-plinas como Tecnologia e Empreendedorismo caminhamna direção certa.

O ensino médioé um nívelem criseexistencial:sabemos queapresentagravesdeficiências, sónão sabemoscomo eledeveria ser, oupelo menosnão háconsensoneste sentido.

Christopher Robbins/Image Source

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4. A profissionalização oferecida dentro das escolas seráapenas aquela de tipo genéricoAs escolas acadêmicas não têm afinidades com o ensino

de profissões e com as inevitáveis mudanças de perfil ocu-pacional oferecido, como consequência das flutuações dosmercados de trabalho. Daí ser mais vantajoso ficar em áreasque estão na fronteira do profissional com o acadêmico, co-mo informática, práticas de escritório, economia aplicada,educação financeira etc.

5. Facilitar o acesso ao magistério de profissionaisuniversitários, em matérias afins à sua formação.Os cursos de reciclagem para esses profissionais deveriam

ser dramaticamente encurtados. Somente aqueles que confir-marem seu interesse em permanecer no magistério deveriamfazê-los. Ou seja, só seriam exigidos após um período de ca-rência, com o fim de atrair mais candidatos.

V. Educação técnica

O presente ensaio não lida com a formaçãoprofissional clássica, oferecida tipicamentepor entidades do Sistema S (principalmentepelo SENAI e SENAC) e de forma muito in-dependente. Cobrimos apenas o ensino téc-nico, no caso, técnicos e tecnólogos.

O marco legal balizando os técnicos e tec-nólogos é bastante razoável. O único porémsão os cursos técnicos federais que voltarama integrar o lado profissional com o lado aca-dêmico. Isso é uma odiosa volta ao seu elitis-mo e desvio de função. Ou seja, voltam aatrair alunos de classe média e alta que nãotêm interesse pelas carreiras técnicas. Ape-nas querem se aproveitar de um curso acadê-mico gratuito e de boa qualidade, para pre-pará-los para um vestibular competitivo.Portanto, ocupam oficinas e laboratórios quepoderiam estar sendo usados por alunos mais modestos einteressados nas ocupações técnicas oferecidas.

Países europeus matriculam entre 30% e 70% da faixa etáriado médio em cursos profissionais. No Brasil, estamos abaixodos 10%. Considerando a importância desse tipo de formaçãopara a economia e a alta empregabilidade de cursos desse tipo– sempre e quando bem conduzidos – essa é uma direção emque o País é lastimavelmente retardatário.

As seguintes diretrizes são propostas:

1. No sistema federal, voltar a oferecer o lado técnicoe o acadêmico de forma separadaAo aluno cabe decidir se faz um, o outro ou ambos. Ele pode

se formar em outra escola e, quando estiver pronto, se matri-cula no ramo técnico. Ou, pode fazer os dois, um de tarde e ou-tro pela manhã. Essa separação permitiu uma considerável de-selitização do ensino técnico, mas houve depois um grande re-trocesso. Pelo menos em São Paulo, as pesquisas da Fundação

Paula Souza são eloquentes, mostrando o aumento de alunosde origem mais modesta, após a separação.

2. Os cursos federais seriam obrigadosa realizar periodicamente estudosde acompanhamento de egressosA administração de cada escola seria responsabilizada pela

coerência entre as carreiras cursadas e as ocupações exercidas.Cursos cujos graduados não exercem a profissão seriam pro-gressivamente desativados.

3. A expansão seria predominantementepelo setor privado.Dados os altos custos por aluno na rede federal, não é razoá-

vel esperar que haja recursos para uma expansão muito subs-tancial nessa rede. Daí a necessidade de que o crescimento seja

pelo setor privado.Para isso, seriam criados, para técnicos e tec-

nólogos, mecanismos semelhantes ao créditoeducativo e o PROUNI. As escolas participan-tes teriam também que fazer os estudos deacompanhamento de egressos e só receberiamfinanciamento para os cursos com boa aderên-cia ao mercado.

4. As escolas médias públicas nãoofereceriam curso técnicos e nemformação profissionalDe fato, esse tipo de curso e a necessária

proximidade ao mercado não corresponde àsua cultura. Em contrapartida, as escolas pú-blicas teriam fundos para dar aos seus alu-nos, vouchers para que com eles possam sematricular em cursos pré-selecionados eaprovados. São Paulo e Minas Gerais cami-nham nessa direção.

5. Tornar menos pesadosa carga horária dos cursos técnicos.O aluno que busca o ensino técnico precisa vencer toda a car-

ga do médio acadêmico, já excessiva, somando a isso mais milhoras de profissionalização. Isso faz com que os alunos mais po-bres, que teriam mais interesse pelo técnico, terminem com umacarga horária superior à dos alunos acadêmicos. Ou seja, quemmenos pode se permitir passar tanto tempo na escola é justa-mente quem tem que passar mais.

A solução é mais ou menos óbvia. Trata-se de adotar para osalunos técnicos de todas as idades um currículo menos ambi-cioso, como é o do Educação de Jovens e Adultos (EJA Médio).De fato, em alguns Estados cria-se uma combinação de EJA comtécnico, para alunos mais velhos. Com isso, o técnico pode ficarmais ou menos do mesmo tamanho que o acadêmico.

6. O MEC criaria programas de formação de professorespara o ensino técnico e tecnológico.Além de programas para formar professores, tanto da rede

privada quanto da pública, haveria também recursos para a

Dados osaltos custospor aluno narede federal, nãoé razoávelesperar que hajarecursos parauma expansãomuito substancialnessa rede. Daía necessidade deque o crescimentoseja pelosetor privado.

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preparação de materiais didáticos apropria-dos para cursos técnicos e tecnológicos.

7. Os professores das disciplinasprofissionalizantes seriamnecessariamente profissionais comampla experiência de mercado.Há uma alarmante queda na presença

daqueles que exercem os ofícios ensina-dos, dentre os professores desses cursos.As exigências de diplomas de todos os ti-pos torna quase inviável a contratação deprofessores com experiência prática. Alémdisso, como são enquadrados apenas pelasua titulação formal, os profissionais sãoprejudicados do ponto de vista salarial e deposição no quadro docente. É preciso valo-rizar esses perfis práticos e dar a eles o sta-tus e a remuneração equivalente.

Paralelamente, deveriam ser encorajadasformas parciais de engajamento dos profes-sores (horistas, tempo parcial etc). Os melho-res profissionais podem estar interessadosem ensinar, mas não necessariamente deabrir mão de suas carreiras profissionais.

8. Tecnólogos passariam a ter apenasuma grade comum mínima.Um currículo mínimo substituiria as co-

leções de grades curriculares, uma para ca-da profissão. Para o restante das discipli-nas fica por conta de cada escola ajustar-seàs exigências e variações do mercado. Éuma solução inspirada nos Associate De-grees americanos, que tem disciplinasiguais e obrigatórias para todos os cursos eo resto variando de acordo com a orienta-ção da escola e o mercado.

VI. Ensino Superior

O ensino superior é o mais estudado e omais debatido. Mas, nem por isso há muito

consenso diante de seus dilemas. Contudo, há certas linhas deconvergência em torno de alguns pontos.

É certo que a matrícula nele é substancialmente menor doque em países de nível comparável ao Brasil. Mas ao contrá-rio do que pensam os mais desavisados, o que faltam sãocandidatos. O ponto de estrangulamento ocorre antes dovestibular. É o estreitamento ao fim do fundamental e a san-gria de uma deserção exagerada que limitam o crescimentoda matrícula no superior.

Comparado com outros países da América Latina, o nos-so ensino superior mostra uma ampla superioridade nasconstruções, laboratórios e parques de computadores. Ain-da mais expressiva é a fração dos professores com mestra-dos e doutorados.

Países europeusmatriculam entre

30% e 70% da faixaetária do médio emcursos profissionais.No Brasil, estamosabaixo dos 10%.Isso mostra como

estamos defasadosnesta área.

Leonardo Rodrigues/e-SIM

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Não obstante, o calcanhar de Aquiles do superior é a fracaqualidade dos alunos. Extrapolando os resultados do PISA,nossos alunos passam no vestibular com um nível de compe-tência acadêmica que corresponde à de europeus com quatroanos a menos de escolaridade.

Portanto, muitos dos problemas do nosso ciclo superior sóse resolverão no básico. É preciso ter clareza quanto a isso.

Além disso, precisamos relativizar o que significa um cur-so “profissional” para muitos alunos. Na verdade, são qua-tro anos a mais de escolarização, nem sempre importando odiploma para a ocupação mais adiante obtida. Hoje, menosde metade dos graduados está em ocupações que não corres-pondem especificamente às titulações profissionais queconstam dos seus diplomas.

A solução ideal seria proceder às reparações requeridas nonível básico. Contudo, para quem recebeu uma educação fraca,quatro anos a mais são de um valor inestimável, como demons-tram os estudos de remuneração e aproveitamento escolar (nocaso, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENA-DE e o antigo Provão). Não há nada de muito errado com o queestá fazendo o ensino superior (embora as universidades públi-cas sejam caras demais para exercer esse papel).

Nossos controles burocráticos evitaram abusos frequente-mente observados em outros países. Portanto, não se trata deacabar com sistemas de controle, fiscalização ou avaliação.Não obstante, esses mecanismos ultrapassaram de muito umaintromissão razoável e produtiva.

As seguintes políticas são aqui propostas:

Sistema público e privado

1. Introdução de um ciclo básico de estudos gerais.Cada vez mais, o curso superior é uma formação de caráter

geral. Cada vez menos, os seus graduados exercem a profissãoque consta no diploma. Por isso, é importante preparar parabuscar ocupações que não são diretamente contempladas pe-los currículos seguidos. É o caso de engenheiros que traba-lham no mercado financeiro. E muitas vezes, trata-se de mu-dar completamente de profissão. Daí as vantagens de um cur-rículo de graduação mais amplo e menos circunscrito às mi-nudências de uma profissão, qualquer que seja.

Todos os países avançados têm um ciclo básico, oferecendouma base cultural e nas humanidades, essencial para as socie-dades modernas. Progressivamente, deveremos aumentar asexigências de que o currículo das ciências e das humanidadesseja expandido. Inevitavelmente, isso se dá às custas das dis-ciplinas profissionalizantes, causando forte oposição. Masnão há razões para transigir, pois não tem sentido um modelobrasileiro totalmente na contramão do que fazem literalmentetodos os países mais avançados.

O Processo de Bolonha orienta o ensino superior europeuem sua transição para o futuro. Sua agenda deveria ser seria-mente estudada, pois há muito a se aprender nela, não apenasno ciclo de estudos gerais, mas em outros temas também.

2. Ênfase na qualidade do ensinoe não em uma suposta pesquisaNas universidades públicas, a pesquisa é pouca (só existem

dez universidades em que a média de publicações atinja umpaper por professor/ano). Na maioria do ensino privado, apesquisa é uma impossibilidade econômica, pois as mensali-dades necessárias para manter alguns poucos professores emtempo integral são proibitivas para a maioria dos alunos. Por-tanto, ou inexiste ou é uma ilhota ínfima.

Como não há pesquisa, na maioria avassaladora dos casos, oque interessa é a qualidade do ensino. Mais ainda, pesquisasbem conduzidas com alunos americanos revelaram claramen-te: em universidades que dão ênfase na pesquisa, isso traz umacontribuição negativa para os alunos. (4)

A pesquisa é desejável, sempre e quando falamos de insti-tuições com o perfil apropriado para tal, ou seja, com alunosacademicamente mais sofisticados e recursos para financiar oscustos correspondentes. Mas serão sempre situações de exce-ção. Ou seja, o foco tem que estar na qualidade da sala de aulae no que os alunos aprendem. Por outro lado, as atividades deextensão, mais usuais no ensino privado, podem ser uma al-ternativa interessante de aplicação de conhecimentos e de for-mação de cidadania.

3. Controlar pelos resultados e não pelo processoAs iniciativas do tipo Provão e ENADE são mais do que bem

vindas. Permitem caminhar na direção de controlar resultadose deixar os processos por conta de cada instituição. Infelizmen-te, o ENADE traz de volta os indicadores de processo, que oProvão, em boa hora, já havia abandonado. Não parece umaorientação correta.

A política geral não pode ser senão o acompanhamento ri-goroso dos resultados. Cada instituição que decida como che-gar lá. Se o resultado final é bom, é só isso que interessa. Assimsendo, predicamos o abandono dos indicadores de processo.Seu uso deverá ser reservado para examinar casos em que fo-ram detectadas disfunções de um tipo ou outro.

Cursos cujos resultados na avaliação estão abaixo de umcerto limiar, deverão ser tratados de forma severa. A incom-petência e a negligência não deverão ser toleradas.

Não obstante, pode haver casos em que o grande pecadodo curso é que seus alunos são fracos. Os cálculos de valoradicionado permitem dizer quem é quem. Nessas situações,é preciso julgar no caso a caso. Mas a fragilidade da prepa-ração dos alunos não pode ser vista com fatalismo. Se sãofracos, precisam se esforçar mais ainda. A complacência é

(4) "Attending a college whose faculty is heavily research-orientedincreases student dissatisfaction and impacts negatively on mostmeasures of cognitive and affective development. Attending acollege that is strongly oriented toward student development shows

the opposite pattern of effects." [p. 363]. A.W. Astin, What Mattersin College: Four Critical Years Revisited. San Francisco, Jossey-Bass, 1993. Note-se que o autor é talvez a pessoa que realizou maisestudos de acompanhamento de egressos de cursos superiores.

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inaceitável, particularmente no ensino superior, que não éobrigatório nem no Brasil e nem em qualquer outro pais.

4. Mercado é assunto dodono do curso, não do EstadoAs tentativas de determinar se há mercado para esse ou

aquele curso, aqui ou acolá, está fadada ao insucesso.Como o desemprego de graduados do superior é muito

baixo, podemos concluir que há mercado para virtualmentetodos. Por outro lado, se falamos de encontrar emprego cor-respondente ao diploma, isso ocorre para menos de metadedos diplomados. A prevalecer tais preceitos de existência demercado, não haveria curso de História da Filosofia ou Eco-nomia, pois a absorção pelo mercado, como filósofos e econo-mistas, é de, respec-tivamente, 5% e 10%d o s g r a d u a d o s ,mesmo consideran-do o magistério.

N a v e r d a d e , t a i spreocupações com o merca-dos de trabalho não passam decorporativismo mal disfarçado,visando proteger os mercadoseducacionais, seja para catego-rias profissionais (advogados emédicos), seja por donos de fa-culdade tentando eliminar aconcorrência para seus cursos.

Ao Estado cabe avaliar, sobre-tudo, quanto aprendem os alunos.Para a autorização de iniciar o curso,criou-se a prática de avaliar se as con-dições materiais e institucionais sãominimamente atendidas. Basta isso.

Não cabe ao Estado dizer se hámercado para advogados ou médi-cos. Mas há uma ressalva. Na me-dicina, é preciso assegurar que umlimiar de qualidade foi atingido,pois estamos lidando com vidas hu-manas e não há outros filtros ao lon-go do caminho. No Direito, nem isso,pois o curso de Direito é uma formação geral, útil para quasetodos. Dentre os formados, os que querem ser advogados fa-zem o exame da Ordem, assegurando a qualidade mínima.Na maioria das outras carreiras, as razões para essa filtra-gem são bem menos defensáveis.

Não nos esqueçamos, são maiores de idade, com níveis edu-cacionais muito acima da média brasileira, contratando servi-ços educacionais de empresas privadas que não recebem sub-sídios significativos do Estado. Por que interferir?

Ao contrário da nossa tradição, são nas universidades pú-blicas que deveriam se concentrar as atenções acerca de mer-cados, eficiência, bom uso dos recursos e qualidade do ensino.São cursos muito caros, pagos com recursos dos contribuintes.Cabe ao Estado zelar para que sejam bem utilizados.

5. Os cursos profissionais terão professores profissionaisO Brasil levou muito tempo para desenvolver seus pro-

gramas de pós-graduação. O que existia antes da década de70 era pouquíssimo e, quase sempre, precário e improvisa-do. Foi de extraordinária eficácia o grande empurrão, a par-tir dessa época, quando voltavam os primeiros mestres edoutores e foi oferecida a eles a chance de criar cursos depós-graduação. Produzimos hoje o dobro dos mestres edoutores que usamos no ensino.

No esforço de criar incentivos de carreira para mestres edoutores, a legislação passou a exigi-los para as posições do-centes, através de vários mecanismos, incluindo a avaliação.Como dito, o sucesso foi espantoso.

Só que passou da conta. Desde o início, profissões de serviço edas áreas artísticas ganha-ram a mesma legislaçãoexigindo mestres e douto-res, o que foi um absurdo. Omesmo com as profissõesclássicas, como engenhei-ros, advogados e médicos.

Isso trouxe uma distor-ção importante nos cursosprofissionais, de serviço eartísticos. Em vez de maes-tros, compositores e pia-nistas, a liderança dos cur-sos passou para musicólo-gos. Em vez de engenhei-ros com experiência defábrica, até as matériasprofissionais passaram aser ministradas por mes-tres ou doutores, que ja-mais pisaram nas fábricasque correspondem à suaespecialidade. E as disci-plinas aplicadas nos cur-sos de Direito, ministradaspor advogados que jamaisfizeram uma petição oudefenderam um cliente emuma corte de justiça?

Simplesmente, não há mestres e doutores com experiên-cia de fábrica, não há musicólogos que componham sinfo-nias – e Deus me livre de ser tratado por enfermeiras que sepõem a escrever artigos acadêmicos! O que precisamos nãoé voltar à situação em que engenheiros de fábrica ensinavamcálculo, mas a um equilíbrio entre professores acadêmicos epráticos. O currículo Lattes nada interessa para quem ensi-na uma disciplina profissional.

A proposta é óbvia: matérias acadêmicas serão ministra-das por acadêmicos e as profissionais pelos profissionais.Esses últimos terão uma carreira paralela à dos acadêmicos,sendo classificados pelo tempo e pela natureza da experiên-cia acumulada. Seus salários e status não serão inferiores,para a mesma estatura de carreira.

Rafael Hupsel/Folha Imagem

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E nas avaliações, seja da pós-graduação, seja da graduação,será penalizada a cátedra profissional exercida por quem nãotem a experiência correspondente.

Sistema público

Os sistemas públicos universitários têm problemas quelhes são próprios. Não têm a ver com os do privado.

1. O imperativo da internacionalizaçãoAs universidades públicas são caras e os recursos permi-

tem contratar seus professores em tempo integral. Em gran-de medida, essa última é uma pré-condição para produzirpesquisa em volumes substanciais. Aliás, isso é impossívelnas instituições privadas, financiadas pelos alunos e commenos acesso a fundos públicos.

Apesar de todo o esforço e do vertiginoso cres-cimento das publicações, as nossas universida-des não têm boa presença nas listas (inglesas echinesas) das melhores do mundo. A razão ésimples: nossas universidades pontuam pessi-mamente nos indicadores de internacionaliza-ção. São poucos alunos e professores brasileirosindo e vindo do exterior, bem como estrangeirosvindo ao Brasil. Temos pouco intercâmbio inter-nacional. As universidades são fechadas, isola-das do mundo e parecem estar contentes assim.

Quase todos os países emergentes (Chile,Coreia, China, Malásia) têm planos ambicio-sos para internacionalizar as suas universida-des. Não se trata aqui apenas de imitar essespaíses, mas de reconhecer as razões que os le-varam a dar às suas universidades um papel dejanela para o mundo. Assim sendo, não pareceuma boa ideia a atitude de anti-internaciona-lização que prevalece nas universidades e noMEC. O País precisa de planos mais agressivosde usar suas universidades para ter acesso aomundo das ideias e do desenvolvimento científico e tecnoló-gico. Já é hora de abandonar esse terceiro-mundismo que tantoprejudica as universidades latino-americanas.

2. Vínculos com o setor produtivoAs universidades públicas tendem a se manter distantes do

setor produtivo. Além disso, desconsideram o que necessitamos graduados quando forem trabalhar nas empresas. Há pre-conceitos ideológicos e grande relutância em sair do confortodo seu isolamento.

Mas é necessário que se estreitem os laços das universi-dades com as empresas e outras organizações fora das ins-tituições de ensino superior. Há muito a aprender sobre essemundo e os próprios cursos têm que ser ajustados ao perfilde mão de obra mais apropriado para encontrar oportuni-dades de trabalho.

Isso não significa mais especialização nos cursos de gra-duação. Pode ser o oposto, pois as empresas afirmam pre-cisar de gente culta.

Esse é um assunto que só se resolve por meio de um diálogopermanente e não com arrogância e distanciamento por partedos acadêmicos. E também com os estímulos pecuniários quepodem fertilizar essa osmose com as empresas. Portanto, cabeàs políticas públicas premiar tais associações.

3. Substituir a eleição dosreitores por “comitês de busca”Não há um só país avançado em que os reitores sejam elei-

tos. Entre outras coisas, em uma democracia representativa, osmandatários eleitos pelo povo são encarregados de escolher osadministradores dos diferentes segmentos do governo. Isso,inevitavelmente, inclui os reitores. Ou seja, quem representa opovo são os indicados por aqueles que ganharam mais votos.

A eleição universitária traz a politização das campanhas, oscompromissos assumidos e até a partidariza-ção do processo. Isso torna os reitores aindamais impotentes dentro das instituições.

Faz mais sentido indicar “comitês de bus-ca”, formados de pessoas acima de qualquersuspeita e de competência notória. Entramem cena depois de ampla divulgação em jor-nais da existência da vaga. Essas pessoas ali-nharão os candidatos e prepararão uma listacom pouquíssimos nomes, para a escolha pe-lo executivo.

4. Autonomia financeirae controle de resultadosO pouco grau de autonomia administrativa

e financeira das universidades federais é in-compatível com seus papéis. Por exemplo, nãotêm autonomia para deixar de contratar umprofessor e usar os recursos para um novo la-boratório. Substitui-se um professor desneces-sário, porque a vaga está lá, enquanto se deixade contratar o que faz falta. Tudo é controladodo centro. E controlado burramente, sem criar

quaisquer incentivos para a eficiência ou para resultados maisexpressivos. A isonomia se revelou uma péssima ideia, poissomente beneficia os incompetentes.

A ideia de um orçamento global já mostrou amplamentesuas vantagens no sistema paulista. Não obstante, o MECnão conseguiu implantar um sistema equivalente para suasuniversidades.

Os orçamentos devem ser baseados em fórmulas que pre-miam a matrícula, a conclusão, a qualidade, a eficiência e a pro-dução acadêmica. Como em outros setores, a boa regra é sim-ples: bons incentivos, liberdade de ação e cobrança rigorosa deresultados. Os reitores e sua equipe têm que ser responsáveispela gestão da instituição. Precisam liberdade, mas têm queprestar contas.

Comprar e vender, pagar e receber, contratar e descontratarsão operações que exigem uma energia hercúlea e muitas ve-zes insuficiente, dentro das regras do serviço público. Paracontornar a rigidez paralisante dessas regras, foram criadasfundações de direito privado nas universidades. Graças a elas,

Os orçamentosdevem ser baseadosem fórmulas quepremiam a matrícula,a conclusão, aqualidade,a eficiênciae a produçãoacadêmica. Comoem outros setores, aboa regra é simples:bons incentivos,liberdade de ação ecobrança rigorosade resultados.

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21MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

o sistema adquire a flexibilidade indispensável, por exemplo,para a pesquisa e para relacionar-se com o mundo externo aela. Todavia, vivemos um jogo de gato e rato, com os órgãos decontrole permanentemente tentando eliminar, justamente, es-sa flexibilidade que é essencial para a ciência e tecnologia. Issotudo, considerando que são ínfimos os abusos no uso desseinstrumento e, nos poucos delitos, os valores são modestíssi-mos (uma lata de lixo elétrica?).

Ou mudam totalmente as regras do serviço público ou é ne-cessário criar uma Pax Romana entre as fundações universi-tárias e os órgãos de controle. Em ambos os casos, os orçamen-tos devem premiar o esforço, o desempenho e a busca de re-cursos externos (Reino Unido e Chile são bons exemplos daaplicação desses princípios).

5. Os alunos devem pagar parte dos custosEsse é o tema mais explosivo no ensino público. Porém,

mais cedo ou mais tarde, é preciso que os alunos das univer-sidades federais paguem uma parte dos custos, já que mui-tos deles integram os segmentos mais ricos da sociedade.Aliás, são custos enormes, para o nível de renda per capitado País. Ajustados por paridade de poder de compra, equi-valem à média da OECD.

Obviamente, não se trata de cobrar os custos integrais.Pagar o equivalente à média do sistema privado já seria umbelo avanço. Tampouco, todos deveriam pagar. Pelo contrá-rio, os que não podem seriam isentos e os mais pobres aindaganhariam bolsas de manutenção. Tal cobrança geraria ummontante de recursos, que pode variar entre 10% e 30% dosorçamentos atuais.

Sistema privado

O sistema privado vem demonstrando dinamismo e inicia-tiva, mas também, forte variância na qualidade. Há de tudo.Não há boas razões para tolher o seu crescimento e avanços,pelos pecados de uma minoria. Não é com burocracias bizan-tinas e regras corporativistas que a situação vai melhorar.

1. Simplificação das regras da burocracia,mas cobranças rígidas de qualidadeHoje, o ensino privado enfrenta uma burocracia espessa e

pouco iluminada, em praticamente todas as suas relações como governo. É interminável o folclore dos absurdos nos proces-sos de autorização de cursos.

Na verdade, uma coisa são as reais exigências, outra coisaé o que acontece de fato. Os novos cursos são definidos deforma rígida, inflexível e pouco iluminada, ao cabo de infin-dáveis gestões administrativas. Mas na prática, após apro-vado, vale tudo.

É preciso simplificar as exigências que não têm uma as-sociação clara com qualidade. É preciso exigir menos papéisinúteis. Do outro lado do balcão, o MEC tem que ter prazosmáximos para dar andamento aos processos. Mas é tambémpreciso exigir rigidamente o cumprimento daquilo que foiacertado. O controle precisa migrar do processo para o re-sultado. O dono da faculdade deve ter bastante liberdade, Pa

ulo

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polin

/Hyp

e

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22 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

mas tem que apresentar os resultados prometidos e que cor-respondem à lei.

2. Financiamento e bolsas para alunosO sistema privado está chegando ao limite do seu cresci-

mento. Mas não é por causa de sua incapacidade de oferecermais vagas com a mesma qualidade. Pelo contrário, sua capa-cidade de expansão é quase ilimitada.

O que faltam hoje são alunos capazes de pagar as mensali-dades. A matrícula praticamente cobriu a categoria daquelesque podem pagar. Os que ficaram de fora, foi em razão de nãoterem os recursos necessários.

Considerando que, com custos/aluno próximos da média daOECD, o sistema federal tem uma perspectiva muito modestade crescimento, já que não há um cenário favorecendo a criaçãode cursos mais baratos (de fato, as poucas ins-tituições novas copiam as velhas em tudo). Se osetor público fosse oferecer vagas para o total dematrículas no País, o orçamento do MEC teriade triplicar. Isso, pela necessidade de absorveros 75% de alunos do setor privado aos custosoperacionais do setor público.

Daí o papel que implicitamente coube ao se-tor privado, pois é imperativa a expansão damatrícula no superior. Mas como dito, o esto-que de alunos capazes de pagar as mensalida-des está se exaurindo. Isso significa que o Es-tado precisará expandir substancialmente osseus financiamentos ao setor privado, pela viade créditos educativos para os alunos e a ex-pansão de programas do tipo PROUNI. O cus-to por aluno desses programas é uma pequenafração do que custa adicionar alunos nas uni-versidades federais.

Com a consolidação de programas desse ti-po, os filtros de qualidade devem ser expandi-dos. Não tem sentido dar bolsas ou auxílios pa-ra que os alunos estudem em faculdades de qualidade inferior.

3. Incentivos para a expansão dos tecnólogosNa Europa, formam-se mais graduados de cursos curtos

do que nos bacharelados convencionais. Nos Estados Uni-dos, de cada três formados, dois vêm de cursos de dois anosou menos. No Brasil, ainda estamos com menos de 10% dematrículas nos tecnólogos.

É óbvio que o nosso setor produtivo não é tão diferente do quehá na Europa e Estados Unidos. Portanto, se nesses países os tec-nólogos são mais demandados do que os bacharéis de quatroanos, é inevitável e necessário que sejam expandidas as matrícu-las de tecnólogos. São as profissões técnicas de nível intermediá-rio que se expandem a taxas superiores às de outros níveis.

Os tecnólogos do sistema federal operam com custosmuito elevados. Será difícil expandi-los em um ritmo queminimamente corresponda às necessidades do País. Daí aconveniência de apoiar a expansão dos tecnólogos opera-dos pela iniciativa privada.

Os mecanismos devem ser os mesmos que estão funcionan-

do relativamente bem na graduação convencional. Ou seja,crédito educativo e PROUNI. Mas também apoio para produ-ção de materiais e para a formação de professores.

VII. A pós-graduação

De todos os níveis educativos do Brasil, a pós-graduação é amais bem sucedida, seja em sua expansão acelerada, seja nosníveis de qualidade sempre mantidos. Portanto, é a área emque se requerem menos intervenções.

Ainda assim, há duas categorias de limitações. Uma é paraobter um grau maior de aplicação da pesquisa e do desenvol-vimento tecnológico. A outra é a necessidade de programasmais profissionalizantes, inclusive para a formação de profes-sores com perfis menos voltados para a pesquisa.

1. A pesquisa aplicada e odesenvolvimento tecnológicoDada a espetacular expansão da nossa pes-

quisa publicada em periódicos de primeira li-nha, é chegado o tempo de obter um grau maiorde focalização do esforço coletivo em temas demais interesse nacional.

A pesquisa brasileira é muito pulverizada,os temas seguem preferências individuais e semantêm muito atrelados aos interesses dosprofessores orientadores de tese. É preciso con-centrar mais o foco da pesquisa aplicada e vol-tada para o desenvolvimento tecnológico.

Apesar dos esforços continuados, por maisde uma década, as pesquisas nas áreas profis-sionais permanecem em um tom acadêmicoque subtrai ao seu possível uso pelas empresas.Por conta das pontuações na avaliação, as áreasprofissionais fazem pesquisa acadêmica, emvez de fazer tecnologia.

É preciso criar incentivos mais fortes para queas áreas profissionais focalizem seus esforços em assuntos de in-teresse mais imediato das empresas e da sociedade em geral.

2. O real mestrado profissionalApesar de alguns avanços recentes, ainda não temos um

verdadeiro mestrado profissional. As exigências de titulação,de tempo integral e de programas de pesquisa com fortes res-quícios acadêmicos faz com que os mestrados profissionaisexistentes sejam pequenas variações do mestrado acadêmico.Não atingem seus objetivos.

Em um país de pós-graduação recentíssima, poucos dou-tores têm alguma experiência profissional em fábricas, em-presas ou no governo. Toda a sua trajetória é dentro dos mu-ros da universidade. Portanto, é óbvio que questionemos:como é possível preparar um profissional se o professor nãoo é? O mestrado profissional precisa se tornar um espaçoprivilegiado para os melhores profissionais do País. Para is-so, as contratações deverão ser totalmente flexíveis. Se amaior autoridade brasileira em laminação de perfis planossó pode passar cinco horas por mês na universidade, isso é

Na Europa,formam-se maisgraduados de cursoscurtos do que nosbachareladosconvencionais. NosEUA, de cada trêsformados, dois vêmde cursos de doisanos ou menos.No Brasil, estamoscom menos de 10%de matrículasnos tecnólogos.

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23MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

infinitamente melhor do que não tê-la.É preciso criar mestrados profissionais em que grande parte

dos professores tenha ampla experiência profissional. Isso, naprática, significa que não terão doutorados ou mestrados, poisainda são raros os que têm experiência e diplomas. O tempointegral não tem sentido para profissionais que estão em suasfábricas e laboratórios e querem dedicar algum tempo ao ma-gistério e à pesquisa a ele associada.

Em muitos casos, os projetos de pesquisa deveriam ser pro-jetos de consultoria e intervenção nas empresas. A publicaçãodos resultados é uma possibilidade, masnão uma necessidade. Há até os casos li-mites de segredos profissionais que nãopodem ser divulgados.

3. Mestrados para a docênciaNa visão clássica, um mestrado ou

doutorado acadêmico é uma prepara-ção para a docência superior, pela sim-ples razão de que o bom professor é vistocomo um pesquisador. Acontece que obom professor não é necessariamenteum bom pesquisador. Ademais, a maiorparte dos professores de nível superior,quaisquer que sejam os seus diplomas,não faz pesquisa (possivelmente, nãolonge de 99%).

Resta o argumento de que, mesmonão fazendo pesquisa, uma formaçãoacadêmica pós-graduada, centrada napesquisa, é uma boa base para se tornarprofessor. Esse é um argumento ponde-rável. Contudo, tem muitas exceções.Em primeiro lugar, há as áreas profis-sionais em que grande parte do ensino éensinar a trabalhar e nada tem a ver compesquisa. Isso é verdade em Engenha-ria, Direito, Administração e muitas ou-tras, cujo peso do conjunto é bem acimada metade da matrícula total. Para essasdisciplinas profissionais, o mero con-ceito de pesquisa, se é que faz sentido, écompletamente diferente. Há tambémos cursos recebendo alunos de talentose base acadêmica mais modesta. Para eles, o mais importan-te é a capacidade do professor de dar boas aulas.

Portanto, faz imenso sentido a criação de mestrados profis-sionais, voltados para preparar professores de ensino supe-rior, seja dos bacharelados de quatro anos, seja dos tecnólogos.Esses deveriam ser programas voltados para desenvolver ostalentos e práticas de operar em sala de aula. E também, o am-plo domínio dos conteúdos efetivamente ensinados – em con-traste com teorias muito abstratas e além dos horizontes dedisciplinas de graduação.

Por razões puramente práticas, tais mestrados poderiamser feitos durante as férias escolares. E também, nos fins desemana.

A maior parte dosprofessores

de nível superior,quaisquer

que sejam osseus diplomas,

não faz pesquisa(possivelmente,

não longe de 99%).

Paulo Pampolin/Hype

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25MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Modernizaçãodas relaçõesdo trabalho

Proteção dostrabalhadores e

segurançadas empresas

Mas

ao G

oto

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o/e-

SIM

José PastoreDoutor em Sociologia pela Universidadede Wisconsin-Madison (EUA), professorde Relações do Trabalho na Faculdade

de Economia, Administração eContabilidade da Universidade de

São Paulo e na Fundação Instituto deAdministração. Membro do Conselho

Político e Social (COPS) e doConselho de Economia da Associação

Comercial de São Paulo

ALFER

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26 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Resumo

Este artigo argumenta pela modernizaçãodas relações de trabalho no Brasil, tantona proteção dos trabalhadores como nasegurança institucional das empresas.Aborda inicialmente, no seu formato enos seus problemas, o contexto normativoque rege as relações do trabalho.Na sequência, propõe uma estratégiade mudança focada em dois pontos,a desproteção dos trabalhadoresnão cobertos pelo aparato institucionale a baixa produtividade do fator trabalho.

Assentado nesses elementos, o textosugere medidas específicas ligadas a deztemas: inclusão social de trabalhadoresinformais, contrato de formação(para jovens de 24 a 30 anos de idade),programa do MicroempreendedorIndividual (MEI), terceirização, trabalhomediante pessoa jurídica, formaçãoprofissional, aprendizado (parajovens de 14 a 24 anos), estágios,seguro-desemprego e treinamentopara desempregados.

Introdução

Há muitas décadas o Brasil fez a opção pelo siste-ma estatutário no campo do trabalho. Esse sis-tema se baseia na garantia de praticamente to-dos os direitos por meio de leis. Outros países

optaram pelo sistema negocial, que garante a maioria dosdireitos por meio da negociação.

No sistema negocial, as leis são enxutas e as mudançassão feitas por vontade das partes. No sistema estatutário, asleis são detalhadas e as mudanças se submetem à lentidãodo processo parlamentar.

Nos dias de hoje, a economia concorrencial exige ajustesrápidos e frequentes em todas as áreas, inclusive na traba-lhista. A demora nas adaptações compromete a competiti-vidade das empresas, os investimentos e os empregos. Esseé o caso do Brasil.

Com esse pano de fundo, o texto a seguir revê, na sua pri-meira seção, o contexto normativo que rege as relações dotrabalho, cobrindo o seu formato e apontando seus proble-mas. A mesma seção apresenta uma estratégia de mudançafocada em dois pontos principais: a desproteção dos traba-lhadores não cobertos pelo aparato institucional e a baixaprodutividade do fator trabalho, com raras exceções. Sãoduas áreas que requerem mudanças urgentes. Com os fun-damentos dados pela primeira seção, a segunda seção volta-se para a proposição de mudanças específicas, ligadas aostemas já citados no resumo acima apresentado.

Leonardo Rodrigues/e-SIM

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27MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

I – O contexto normativo

1. A legislação trabalhista: formato e problemas

O Brasil possui um contexto normativo extremamente deta-lhado (Tabela 1), que é composto de dispositivos constitucionais,da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de leis esparsas, con-venções internacionais ratificadas e diretrizes jurisprudenciais.

Os dispositivos constitucionais (44) são os mais rígidos. Mu-danças nesse campo requerem três quintos dos votos dos se-nadores e deputados federais em duas votações em cada umadas Casas. As mudanças na CLT podem ser feitas por maioriasimples, mas, mesmo assim, tornam-se difíceis na medida emque são comumente consideradas como conquistas sociaisimutáveis. Os dispositivos de ordem jurisprudencial, por suavez, geram grande insegurança jurídica em face de interpre-tações oscilantes por parte dos magistrados.

Além das normas constantes da Tabela 1, há ainda umagrande quantidade de regulamentos relativos à PrevidênciaSocial, à saúde e à segurança no trabalho.

Com esse amplo contexto normativo, no Brasil sobrou pou-co espaço para a livre negociação entre as partes. Apenas doisdireitos caem nesse campo: o salário e a participação nos lucrosou resultados (PLR) (1). Todos os demais direitos são fixados naCarta Magna, nas leis complementares e ordinárias, nos decre-tos, portarias, instruções normativas e jurisprudência.

Um quadro tão detalhado como esse cria grandes dificulda-des para a administração de recursos humanos. Os dirigentesdas empresas multinacionais estabelecidas no Brasil dizemempregar muito mais funcionários e gastar mais recursos aquido que nos países de origem para fazer a mesma coisa.

De fato, a enorme profusão de normas reguladoras formaum cipoal complexo, burocrático e inseguro para empregado-res e empregados, além do seu elevado custo. No setor indus-trial, por exemplo, o total de despesas chega a 102,43% dosalário. Isso significa que, ao contratar um empregado porR$ 1.000,00 por mês, as empresas gastam R$ 2.020,00. São des-pesas compulsórias e que não admitem negociação ou adap-tação a setor de atividade, região do País, tamanho de empresaou características do mercado de trabalho local.

Fala-se muito em desonerar a folha de salários. Justifica-se.Mas, a tarefa não é simples. Um exame da Tabela 2 mostra queas contribuições do Grupo A sustentam políticas públicas degrande importância. A contribuição de 20% que as empresasaportam ao INSS, somados aos cerca de 10% pagos pelos em-pregados, formam as receitas do sistema de aposentadorias,pensões e outros benefícios da Previdência Social.

Os 2,5% relativos ao salário-educação são destinados a com-plementar os recursos do Ministério da Educação que, em face

(1) A própria participação nos lucros ou resultados que se baseiana negociação pode perder esse status e se transformar em medidade aplicação compulsória, caso vinguem as ideias de estudos queestavam sendo desenvolvidos pelo governo federal no início de2010. Ver José Pastore, "PLR compulsória", O Estado de S. Paulo,02/02/2010.

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28 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

do quadro educacional calamitoso do País, não abre mão de umsó centavo. Os 2% (média) destinados ao seguro de acidentes dotrabalho (SAT) são alocados ao Ministério da Previdência Socialpara socorrer os empregados nos casos de limitações físicas oumentais (ou morte) causadas por infortúnios no trabalho (2).

Em seguida vêm os recursos destinados às instituições quecuidam da formação profissional, da promoção sócio-culturale do empreendedorismo e que compõem o Sistema S. No con-junto, eles somam 3,1% da folha de salários, tidos como indis-pensáveis em face da reconhecida carência de mão de obraqualificada que perdura no País.

Vê-se, assim, que, para sustentar políticas de variadas na-turezas, o Brasil buscou o seu financiamento na folha de salá-rios. Até os projetos de colonização e reforma agrária são fi-nanciados pela folha de pagamentos de todas as empresas(0,2% para o INCRA).

A substituição dessas fontes de financiamento, embora ne-cessária, exige a busca de recursos em outras áreas, o que é di-fícil. Tome o caso da frequente proposta de mudar a base derecolhimento do INSS. Alguns propõem o faturamento dasempresas, o que torna a fonte de receitas muito sensível aos ci-clos econômicos (3), além de afetar os preços relativos: empre-sas intensivas em capital seriam fortemente penalizadas.

Outros sugerem o seu atrelamento a um IVA (imposto de va-lor adicionado) nacional que não existe e que depende de umaboa reforma tributária, que até hoje não foi feita. Em suma, me-xer no Grupo A da Tabela 2 implica no enfrentamento de gran-des desafios que só podem ser vencidos se acompanhados demudanças nos campos da tributação e da Previdência Social,pública e privada.

Alterar as alíquotas nos Grupos B e C também encerra di-ficuldades. Tratam-se de benefícios recebidos pelos emprega-dos e, como tal, são tidos como conquistas históricas dos tra-balhadores. O embate é social e político. Os parlamentares te-mem perder votos se mexerem nessa área.

As demais despesas (a rescisão contratual e as incidênciascumulativas do Grupo D) ficam engessadas por decorreremdas despesas constantes nos Grupos A e B.

No fundo, as dificuldades de mudança decorrem da tradi-ção da filosofia do "garantismo legal" que orienta o direito do

(2) O Decreto 6.957/09 introduziu importantes mudanças noSeguro Acidentes do Trabalho (SAT), com a criação do FatorAcidentário de Prevenção (FAP) que funciona como ummultiplicador individual por empresa, variando de 0,5 a 2, e que éaplicado sobre as alíquotas do SAT (1%, 2% e 3%), de acordo com ograu de risco do setor. A nova sistemática entrou em vigor em 1º. dejaneiro de 2010. Há várias empresas que foram penalizadas comaumentos de até 500%, por terem sido reclassificadas de baixo risco(1%) para de alto risco (3%). Ao aplicar o valor 2 do FAP, a alíquotaefetiva passará a 6%, o que elevará as despesas de contratação, dosatuais 102,43% para cerca de 110%!(3) É verdade que o emprego e a folha de salários também caem nasrecessões econômicas, mas, as demissões ocorrem com certadefasagem, o que não acontece com a queda de faturamento dasempresas que é instantâneo.

O Congresso Nacional deuum importante passo

para reduzir a desproteçãodos que trabalham por

conta própria ao aprovar aLei Complementar 128/2008,

que se refere aoMicroempreendedor

Individual (MEI).

Zé Carlos Barretta/Hype

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29MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

trabalho, segundo a qual quantos mais direitos forem inseri-dos na lei, mais trabalhadores estarão protegidos.

Seria bom se assim fosse. A distâ ncia entre a lei e a realidadeé enorme. Veja o caso do emprego formal. Apesar do grandeavanço registrado no período de 2003-2009 (4), o Brasil aindatem cerca de 50% da força de trabalho na informalidade. Sãopessoas que trabalham sem nenhuma das proteções constan-tes da Tabela 2. Quando adoecem, não têm uma licença remu-nerada para tratar da saúde. Ao envelhecer, não podem se apo-sentar, ainda que possam ter benefícios a título de assistênciasocial e a aposentadoria rural seja pouco exigente em matériade comprovação formal. Ao morrer, nada deixam para os seusdependentes, exceto a pensão devida no caso dos trabalhado-res rurais aposentados, sendo excluídos ainda de importantesbenefícios, como é o caso do atendimento de acidentes, dedoença profissional, no período de gestação e vários outros.Trata-se de uma situação precária e, sobretudo, desumana que,por sua vez, atinge as finanças públicas: quem está na infor-malidade nada recolhe para a Previdência So-cial, mesmo assim disso decorrem vários eonerosos custos para o setor público.

2. Uma estratégia de mudança

O Brasil precisa sair dessa camisa de força.Isso requer a formulação de políticas de longoprazo e que respeitem os diretos adquiridos.Trata-se de estabelecer um processo de mu-danças baseado em trocas que atendam os tra-balhadores, as empresas e as finanças públi-cas, o que já deveria ter sido feito há muitotempo. Por exemplo: no campo da Previdên-cia Social, fala-se em mudar o sistema há 30anos. Se isso tivesse ocorrido na década de 70,para vigorar a partir dos anos 90, o Brasil dehoje teria as contas equilibradas nessa área. No entanto, em2010, prevê-se um déficit de mais de R$ 50 bilhões!

Essa parece ser a trajetória a seguir no campo trabalhista. Asmudanças têm mais aceitação quando são propostas para en-trar em vigor no futuro e quando são acompanhadas de trocasque compensem os benefícios existentes.

Medidas desse tipo têm mais chance de vingarem no iníciodos mandatos quando o capital político dos governantes é alto.No caso, 2011 é um ano alvissareiro. Mas, as propostas preci-sam ser apresentadas e aprovadas com presteza, antes que seesgote o referido capital.

As mudanças se fazem necessárias não apenas no campo le-gislativo, mas também no judicial. Sim, porque além das des-pesas diretas e impostas pela legislação trabalhista, há várioscustos indiretos que se referem aos passivos trabalhistas de-

correntes de ações judiciais e mudanças de interpretações dasleis e da própria jurisprudência.

Os passivos são de dois tipos: visíveis e ocultos. Os dois sãofontes de grande insegurança jurídica. Um passivo é conside-rado visível quando uma ação é proposta contra a empresa poreventual descumprimento da legislação. A empresa sabe quetem de se preparar para uma eventual condenação. O seu va-lor, porém, só é conhecido em definitivo depois de vários anose de demorados procedimentos judiciais, o que mantém a em-presa em situação de incerteza.

O passivo oculto é ainda mais grave, pois surge inesperada-mente da mudança de entendimento dos dispositivos legais.Por exemplo, as empresas que negociaram com o respectivosindicato laboral e reduziram o intervalo de refeição de 60 para30 minutos, em troca do término da jornada diária meia horaantes, e que seguiram as normas da Portaria 42/07 do Minis-tério do Trabalho e Emprego, viram o acordo anulado por forçade várias manifestações do Tribunal Superior do Trabalho.

Consequência: as empresas foram condenadasa pagar as horas (extras) decorrentes da redu-ção do intervalo com multas, juros e correçãomonetária.

No caso do FGTS, onde se descobriu um dé-ficit antigo, uma decisão do Supremo TribunalFederal no ano 2000 acabou por exigir a criaçãode um adicional retroativo de 0,5% na alíquota,bem como um acréscimo de 10% na respectivaindenização, o que foi normatizado pela LeiComplementar 110/01 (5). Este acréscimo vemsendo pago até os dias atuais (fevereiro de2010), apesar do referido déficit ter sido intei-ramente liquidado.

Como se vê, as despesas geradas nesses ca-sos têm efeito retroativo. É assim mesmo: naárea trabalhista, também o passado é imprevi-

sível, como dizia o ex-ministro Pedro Malan ao se deparar commais um "esqueleto" a trazer custos adicionais para as finançasgovernamentais.

É impossível para uma empresa saber qual é o montante deseu passivo trabalhista. Se essa incerteza pudesse ser "precifi-cada", muitas empresas alterariam seus planos de expansão ecrescimento. O fato de não ser, porém, não as livra de proble-mas. Os custos das ações trabalhistas e das mudanças de inter-pretação das leis são de grande vulto e demandam um acom-panhamento contínuo por parte de exércitos de advogados eauxiliares, o que onera o custo de produção, a competitividadedas empresas, seus lucros, os investimentos e sua capacidadede gerar bons empregos. Não é à toa que o Brasil ocupa um dospiores lugares nos indicadores que medem a facilidade ou di-ficuldade para fazer negócios (6).

(4) Entre 2004-2009 a participação de empregados com registro emcarteira de trabalho passou de 49% para 54%.(5) A fixação desses adicionais decorreu do reconhecimento por partedo Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal) de que os saldos

das contas vinculadas do FGTS foram corrigidos a menor naimplementação dos Planos Verão e Collor I, o que teria aumentado opassivo daquele Fundo em cerca de R$ 42 bilhões.(6) World Bank, Doing Business – 2010, Washington: The WorldBank, 2009.

É impossível parauma empresa saberqual é o montante de seupassivo trabalhista. Seessa incerteza pudesseser "precificada",muitas empresasalterariam seus planosde expansão ecrescimento.

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30 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Ou seja, apesar de o Brasil possuir uma legislação superde-talhada e de dispor de um enorme aparato na Justiça do Tra-balho, o País protege apenas a metade dos seus trabalhadores,induz à informalidade, gera grandes despesas de contrataçãoe cria uma grave insegurança jurídica para as empresas – o querebate no emprego e nos salários dos seus colaboradores. Alémdisso, prejudica investimentos para expansão de atividades edesencoraja aqueles voltados para novos empreendimentos,em ambos os casos prejudicando a criação de empregos.

As mudanças nesse campo teriam de seguir o caminho dasimplificação da legislação e ampliação do espaço da nego-ciação. E, no que tange aos eventuais conflitos individuais,prestigiar de modo efetivo os métodos de mediação, conci-liação e arbitragem que, por serem mais simples e expeditos,reduzem a insegurança jurídica dos atores sociais (emprega-dores e dos empregados) e diminuem os gastos do Poder Ju-diciário. Sim, porque o Brasil possui cerca de dois milhões deações nos tribunais do trabalho. É o campeão mundial. Pior.Menos da metade é solucionada na primeira instância. Amaioria segue um trâmite caro e demorado que, em muitoscasos, chega a oito anos ou mais.

3. O que mudar?

Como foi visto, um dos mais graves problemas na área dotrabalho é a desproteção dos trabalhadores não cobertos peloaparato institucional e a extensa proteção conferida aos quesão cobertos, a qual muitas vezes se revela contraproducenteao prejudicar os investimentos e a criação de empregos. Outroé a baixa produtividade do fator trabalho, com raras exceções.São duas áreas que requerem mudanças urgentes.

A grande maioria das empresas brasileiras não consegue se-guir os dispositivos legais do atual contexto normativo. Algu-mas contratam todos os empregados sem registro em carteira.Outras registram uma parte e mantém a outra na informalida-de. Há ainda as que registram os empregados com salários me-nores, para gastar menos com as contribuições sociais.

Além da desproteção dos que trabalham como emprega-dos, há ainda a que afeta os trabalhadores por conta própria.Por estarem desvinculados do sistema previdenciário, elesnão dispõem de nenhuma proteção social.

No espaço estreito deixado pela Constituição Federal, pode-se pensar em duas frentes de mudança: a primeira teria o obje-tivo de aliviar a burocracia e as despesas de contratação, em es-pecial nas pequenas e microempresas, alterando-se apenas al-gumas leis ordinárias; a segunda teria o objetivo de elevar a pro-dutividade do trabalho, melhorando-se a qualidade da mão-de-obra. As duas contribuiriam para a redução do custo unitário dotrabalho e para a ampliação das proteções sociais.

a. A desproteção dos trabalhadores – Os dados da PNADde 2008 indicaram haver cerca de 92 milhões de brasileiros tra-balhando. Destes, cerca de 61 milhões trabalhavam como em-pregados. Dentre eles, cerca de 48 milhões eram empregadosde empresas privadas, 6,5 milhões de órgãos públicos e 6,5 mi-lhões eram empregados domésticos.

Ou seja, os empregados do setor privado somavam 54,5milhões. Destes, cerca de 32 milhões (59%) tinham registro

em carteira de trabalho e 22,5 milhões (41%) trabalhavam semnenhuma proteção.

É um número colossal. E mais: a desproteção não para aí. Alémdos empregados, há inúmeras outras categorias nas quais a in-formalidade é alta. Tratam-se de 19 milhões que trabalham porconta própria, 4,5 milhões que não têm remuneração e 4 milhõesque trabalham para si mesmos. Há ainda 4 milhões de emprega-dores – o que dá um total de quase 32 milhões de pessoas.

Estima-se que nesse total haja cerca 25 milhões que não dis-põem de proteções trabalhistas ou previdenciárias. Somadosaos 22,5 milhões de empregados indicados acima, o número debrasileiros desprotegidos chega a 47,5 milhões. Em um total de85,5 milhões de pessoas que trabalham no setor privado, a in-formalidade atinge a maioria dessa força de trabalho (55%). Éuma população gigantesca.

Onde está a maior parte da desproteção? Os grupos vulne-ráveis precisam ser bem localizados para o desenho de polí-ticas eficientes.

Entre os empregados em empresas do setor privado (48 mi-lhões), cerca de 38 milhões (80%) trabalhavam em 4 milhões deestabelecimentos (formalmente registrados) que tinham atédez empregados (7). Ao lado deles, existiam quase 11 milhõesde empreendimentos informais, onde predomina o trabalhopor conta própria, sem ajudantes ou sócios (8).

(7) IBGE, Estatísticas do cadastro central de empresas, Brasília:IBGE, 2007.(8) IBGE, Pesquisa da economia informal urbana, Rio de Janeiro:IBGE, 2003.

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31MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Dos que trabalhavam nas empresas com até dez emprega-dos, só 29% tinham registro em carteira de trabalho. É aqui queestá o principal foco do problema. Nessas empresas, 71% dosempregados estão na informalidade.

O papel das empresas de pequeno porte na geração de em-pregos é expressivo – 4,5% ao ano – e bem superior ao das de-mais empresas – 1,8% ao ano. Em 2008, para cada três novospostos de trabalho, dois foram criados nesse segmento. Trata-se de um montante que merece total prioridade para se elevaro nível de formalização do emprego (ver sugestão abaixo).

O outro foco de informalidade diz respeito aos trabalhado-res por conta própria. Para estes há o Programa do Microem-preendedor Individual (MEI), para o qual este ensaio apresen-ta sugestões de aperfeiçoamento.

b. A produtividade do trabalho – A base educacional damaioria da força de trabalho do Brasil é bastante precária. Issoafeta a produtividade do trabalho, a competitividade das em-presas, os lucros, os investimentos e os empregos.

A principal fonte de produtividade no trabalho diz res-peito à formação básica (ensino fundamental) dos trabalha-dores e dos empresários. Os problemas nessa área são co-nhecidos. O Brasil tem um dos mais altos índices de repe-tência escolar (19%). Menos da metade dos jovens está noensino médio, e apenas 13% chegam ao ensino superior. Aforça de trabalho do Brasil tem em média apenas sete anosde escola – e má escola. Para a crescente sociedade do conhe-cimento isso é insuficiente. Ademais, a maioria dos estu-

dantes que chegam à oitava série apresenta severas dificul-dades de leitura e de matemática.

Ainda que em andamento, a solução desses problemasserá demorada. Mas, há três mecanismos, relativamenteexpeditos, que podem trazer bons resultados para melhorara capacidade de trabalho dos adolescentes e jovens e elevara sua produtividade no trabalho. Um deles diz respeito àformação profissional. Dois outros se referem aos progra-mas de aprendiz e de estágio. Os três serão comentadosna próxima seção.

II – Sugestões de Mudanças

Esta seção apresenta, em primeiro, lugar as sugestões pa-ra melhorar e estimular a contratação do trabalho formal e,em segundo lugar, as propostas para elevar a produtividadedo trabalho.

1. Programa de Inclusão Social de TrabalhadoresInformais (um outro Simples)

A expressão "reforma trabalhista" causa uma grande apre-ensão nos sindicalistas, na opinião pública e nos políticos. Issoporque tal reforma é confundida como um expediente para re-tirar direitos dos trabalhadores.

É uma interpretação equivocada. Uma boa reforma traba-lhista é aquela que mantém os direitos de quem os tem, e levadireitos para os que nada têm (desempregados e informais).

A grande maioria das empresas brasileiras não consegue seguir os dispositivos legais doatual contexto normativo. Algumas contratam todos os empregados sem registro em carteira.

Pulo Pampolin/Hype Evandro Monteiro/Hype

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32 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Dentro dessa linha, este ensaio apresenta uma sugestão paralevar proteção aos empregados que estão na informalidadenas empresas de pequeno porte.

As pesquisas disponíveis indicam que o Programa Simplesajudou a formalizar empresas e empregados (9). O programado Supersimples deu mais um passo na mesma direção, am-pliando o número de empresas e empregados beneficiados.

Nos dois casos, houve simplificação da burocracia e redu-ção das contribuições previdenciárias. Restou, porém, a enor-me complexidade burocrática e o gigantesco peso das despe-sas trabalhistas. Daí a ideia de um outro simples, especifica-mente voltado para estimular a formalização nas pequenas em i c ro e m p re s a s .

As propostas aqui apresentadas buscam a sua viabilidadedentro do espaço limitado deixado pela Constituição Federal.Uma delas diz respeito à instituição de uma sistemática que per-mita às pequenas e microempresas, optantes dos Programas Sim-ples e Supersimples, negociarem em separado uma série de be-

nefícios que, na negociação conjunta para toda a categoria, cos-tumam assumir valores inviáveis para os pequenos produtores.

Esse é o caso, por exemplo, das categorias que, na convençãocoletiva, fixam o valor da hora extra em 70%, 80% e até 100% danormal, sem nenhum teto. Se isso cabe no bolso das grandes em-presas, não cabe no das pequenas e microempresas, que acabamdeixando muitos empregados na informalidade. O mesmoocorre com a hora noturna, na qual muitas convenções coletivasfixam o seu valor muito acima do legal, que é de 20%.

Como esses, há vários outros itens que poderiam passar pa-ra o campo de uma negociação em separado com valores maisrealistas e com vistas a proteger quem nada tem (empregadosinformais). Até mesmo uma diferenciação de alíquota doFGTS poderia ser estabelecida, como ocorre nos contratos portempo determinado.

É claro, todas as adaptações teriam seu próprio prazo de vi-gência. Nada pode ser eterno. Vencido o acordo, as partes po-deriam optar por continuar ou mudar.

Uma outra mudança de grande importância diz respeito àredução da alíquota do INSS se a aposentadoria ficar restrita àidade e invalidez (não se aplicando aos anos de contribuição),como fez a Lei Complementar 128/2008 que criou o Programado Microempreendedor Individual (MEI).

Há outras providências que podem ser tomadas se a refe-rida abertura for aprovada. É o caso da simplificação da buro-cracia e redução de despesas em relação a exames médicos, no-tificação de doenças, perícias técnicas, comparecimento emaudiências da Justiça do Trabalho e outros.

Nada disso precisa de mudança constitucional. Dependeapenas de leis ordinárias. São medidas que protegem quem estána mais absoluta desproteção – os 27 milhões de empregadosdas empresas de pequeno porte que estão na informalidade.

2. Contrato de formação (jovens de 24 a 30 anos)

As taxas de desemprego dos jovens são bem mais do que asdo desemprego geral (10). Esse é um problema crônico que de-corre da alegada falta de experiência dos jovens. Por trás disso,porém, estão as despesas de contratação (102,43%), que são asmesmas para quem tem e quem não tem experiência. Nessascondições, as empresas preferem contratar os mais experien-tes, deixando do lado de fora os inexperientes que, é claro, con-tinuarão sem experiência.

Para quebrar esse círculo vicioso, sugere-se a adoção doschamados contratos de formação destinados aos jovens recémformados por escolas técnicas e escolas de nível superior. Taiscontratos podem ser concebidos como uma variante do con-trato de aprendizagem (que é destinado para os adolescentes ejovens de 14-24 anos). Assim, as empresas teriam menos des-pesas nessa contratação, a começar pelo FGTS, que é de 2% aomês, além de outras reduções (não há indenização de dispensae aviso prévio e nem os reflexos destas despesas).

As empresas preferem contratar os maisexperientes, deixando de lado os inexperientesque, é claro, continuarão sem experiência.

Evandro Monteiro/Hype

(9) Guilherme Delgado e colaboradores, "Avaliação do Simples:Implicações para a formalização previdenciária", Texto paraDiscussão nº 1.277, Brasília: IPEA, 2007.

(10) 18,3% para os jovens e 6,8% para o geral.(Dados de janeiro de 2010).

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33MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Os jovens ficariam nesse regime por um período que pode-ria variar de 12 a 18 meses ( 11 ) . Isso seria útil para todos os lados.Os recém formados completariam a sua formação, vivendo arealidade das empresas. Estas teriam à sua disposição um va-lioso período de observação para eventual contratação dessesjovens depois do referido período.

Trata-se de um modo prático de se quebrar o círculo viciosoda falta de experiência. Aqui também, a criação desse expe-diente depende apenas de lei ordinária, sem nenhuma mu-dança na Constituição Federal.

3. Fortalecimento do programa doMicroempreendedor Individual (MEI)

O Congresso Nacional deu um importante passo para redu-zir a desproteção dos que trabalham por conta própria ao apro-var a Lei Complementar 128/2008, que se refere ao Microem-preendedor Individual (MEI).

O Brasil possui mais de 11 milhões de pessoas trabalhandopor conta própria e/ou como empregadoras (12), sem nenhumaproteção. Por meio de contribuições muito modestas (13), os mi-croemprendedores individuais que ganham até R$ 36.000,00por ano podem ter agora as proteções da Previdência Social(aposentadoria, pensão, auxílio doença, auxílio acidente e au-

xílio reclusão), podendo ainda contratar um empregado paraajudá-los – com despesas reduzidas. Enquadram-se nessa fai-xa inúmeras profissões, como pedreiro, pintor, eletricista, en-canador, antenista, manicure, barbeiro, jardineiro, artesão, ca-minhoneiro, carpinteiro, contador, costureiro, mecânico, sapa-teiro, serralheiro, taxista, transportador de escolares, vende-dores de rua e outros do mesmo gênero.

O MEI consagra o conceito de "proteção parcial", que é fun-damental para se reduzir a informalidade. Como R$ 57,15 sãoinsuficientes para uma cobertura previdenciária completa,tais contribuintes têm direito à aposentadoria por idade, aci-dente e invalidez, mas não por tempo de contribuição.

Isso é realista. Se as condições não permitem garantir umaproteção total, como no caso dos empregados que custam às em-presas 102,43% do salário, a nova lei garante uma aposentadoriabásica e os outros importantes benefícios previdenciários. Re-formas trabalhistas precisam do conceito de proteção parcial.

Além disso, o programa tem a virtude da portabilidade.Com a nova sistemática, quem tem as proteções são as pessoase não os empregos. Assim, as que, ao longo de suas vidas, pas-sarem da condição de conta própria ou empregador para a deempregado, levarão consigo as proteções adquiridas. Mesmocomo conta própria, se quiserem se aposentar por tempo decontribuição, basta fazer um aporte maior ao INSS.

No MEI, os contribuintes têm direito à aposentadoria por idade, acidente e invalidez, mas não por tempo de contribuição.

José Paulo Lacerda/Ag. Pixel

(11) Para bloquear a estratégia das empresas usarem esse tipo decontrato para fazer substituições de mão-de-obra mais cara pormão-de-obra mais barata, pode-se utilizar um teto de contratação daordem de 5% a 10% do número de empregados fixos das empresas –

ou, alternativamente, de acordo do o tamanho das empresas.(12) IBGE, Pesquisa sobre a Economia Informal Urbana, Op. cit., 2003.(13) R$ 51,15 mensais para o INSS; R$ 5,00 para o ISS; R$ 1,00para o ICMS.

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34 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Apesar de o Programa do MEI contemplar muitas ocupa-ções, houve inúmeras exclusões. Tratam-se de profissões quetambém têm renda limitada e muita informalidade, que me-receriam ser incluídas no MEI, como é o caso dos enfermeiros,músicos, artistas, despachantes e outros. Sugere-se assim quea referida lista venha a ser revista e ampliada.

Sugere-se ainda uma simplificação dos requisitos burocrá-ticos para a inscrição no Programa do MEI. Em 8 de fevereirode 2010, o Sebrae, operador do MEI, avançou nesse sentido,mas a inscrição ainda é uma operação demasiadamente com-plexa para esse público.

4. Terceirização

Nenhuma empresa podefazer tudo soz inha . Nomundo inteiro os produto-res trabalham em redes dasquais fazem parte váriasempresas, cada uma comsua missão específica. Asubcontratação é uma prá-tica universal. As contra-tantes encontram nas con-tratadas trabalho especiali-zado e realizado com maiorflexibilidade e menor custo.É impensável para umaconstrutora ter em seusquadros todos os tipos deprofissionais que entram naconstrução de um prédio –arquitetos, engenheiros,mestres de obras, pedrei-ros, eletricistas, encanado-res, vidraceiros, decorado-res etc. Por isso, terceirizame se mantêm competitivas.Isso se repete em milhares de casos em praticamente todos ossetores de atividades.

Se de um lado é crescente a necessidade de as empresas con-tratarem serviços de terceiros, de outro, persiste a resistênciados que entendem a terceirização como sinônimo de precari-zação do trabalho.

Nesse campo há bons e maus contratos. Há empresas con-tratantes que se preocupam com a proteção dos empregadosdas empresas contratadas. Mas há as que ignoram. Todas, po-rém, deveriam zelar por todos os que participam do processop ro d u t i v o .

Todavia, a atual base institucional que rege a terceirizaçãonão induz a essa co-responsabilidade. Há um vácuo legal quefoi parcialmente preenchido pela Súmula 331 do Tribunal Su-perior do Trabalho. Mas há problemas. Essa Súmula permiteterceirizar apenas as atividades meio, e não as atividades fim,sem que se saiba claramente o que seja fim e meio. A interpre-tação é oscilante e fica por conta dos auditores fiscais, promo-tores e juízes. Isso gera grande insegurança jurídica, afeta o

ambiente de negócios e a competitividade das empresas.Na verdade, distinção entre fim e meio é dispensável por-

que, nas redes de produção, as empresas precisam contratar detudo. A lei deveria se preocupar não com isso, mas sim com orespeito absoluto aos direitos e às proteções dos empregados,tanto da contratante como da contratada.

Idealmente, os detalhes dessa contratação e o respeito aosreferidos direitos deveriam fazer parte de contratos bem ela-borados, negociados entre as partes, e ajustados às especifici-dades das empresas e dos trabalhadores. Mas, a filosofia do ga-

rantismo legal do Brasil exi-ge lei. O que fazer? Que tipode lei?

Vários projetos de lei tra-mitam no Congresso Nacio-nal há mais de dez anos, masnenhum contempla as neces-sidades mencionadas. Faltaa eles uma visão pragmáticado processo.

Terceirização implica emparceria entre empresas con-tratantes e contratadas. Co-mo chegar a isso? Em primei-ro lugar, as empresas deve-riam ser livres para contrataro que quisessem, desde querespeitassem os direitos dosempregados das contratan-tes e das contratadas, regis-trando seus respectivos em-pregados, recolhendo ascontribuições sociais, respei-tando os pisos das respecti-vas categorias e demais obri-gações legais e contratuais.

Em segundo lugar, as em-presas contratantes e contra-

tadas deveriam compartilhar responsabilidades no cumpri-mento de aludidas obrigações. As contratantes não podem fa-zer "vista grossa" em relação ao que ocorre com os que traba-lham para as contratadas. Por outro lado, não se pode exigirdelas total responsabilidade pelos empregados das contrata-das. Afinal, as contratantes não têm ingerência sobre eles enem podem se defender em juízo (por não terem documenta-ção) no caso de ações trabalhistas.

A saída desse dilema seria o de exigir uma monitoria per-manente das contratantes em relação às contratadas, com re-ferência ao rol de obrigações trabalhistas e previdenciárias.Assim fazendo, a responsabilidade das contratantes seria sub-sidiária. Na ausência desse monitoramento, a responsabilida-de seria solidária, respondendo, assim, por todos os eventuaisdesvios de conduta das contratadas.

É claro que um sistema como esse induziria as empresascontratantes a criar e aprimorar a referida monitoria, surgin-do, assim um clima sadio de parceria e respeito, protegendo-seos empregados e afastando-se a precarização.

A base educacional da maioria dos trabalhadores é precária.

O Brasil possui maisde 11 milhões de pessoastrabalhando por conta própriae/ou como empregadoras,sem nenhuma proteção.

Newton Santos/Hype

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35MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

5. O trabalho mediante pessoa jurídica (PJ)

É enorme a polêmica existente a respeito do trabalho de pro-fissionais especializados na forma de pessoa jurídica. O fato éque essa realidade existe no mundo inteiro. Hoje, as empresasmantêm apenas uma parte de seus colaboradores como em-pregados fixos e utilizam uma verdadeira constelação de pro-fissionais que trabalham nas mais diversas formas de contra-tação rotuladas, genericamente, de trabalho atípico, incluin-do-se aqui os serviços casuais, temporários, a distância, emtempo parcial, por projeto, por prazo determinado e outrosque prestam serviços por projeto. As empresas não têm mo-tivos para contratar em seus quadros os profissionais cuja par-ticipação se dá em áreas muito específicas e por projetos quetêm início, meio e fim.

As empresas que optam por contratos atípicos visam ga-nhar qualidade de trabalho e transformar custos fixos em cus-tos variáveis. A fragmentação do trabalho tem sido um reflexoda especialização e das tecnologias modernas, que permitem adivisão da produção em várias tarefas.

Do lado dos profissionais também há ganhos. Eles alo-cam seu tempo para várias empresas ou para uma só duran-te um longo período. Além disso, eles se aperfeiçoam naprofissão e elevam a sua remuneração. No Brasil já há váriossinais desses movimentos. As empresas de maior densida-de tecnológica, por exemplo, exigem uma capacitação cres-cente e, em consequência, remuneram melhor os profissio-nais que trabalham como PJs.

O crônico problema nesse campo é a ausência de uma le-gislação adequada para ajustar as necessidades dos contra-tantes e dos contratados a esse regime de trabalho. A norma-lização dessas atividades impõe a adoção de regras que, aum só tempo, protejam os profissionais e deem segurança ju-rídica às empresas.

Assim, na formulação de um quadro legal para a tercei-rização, um capítulo especial deve ser dedicado aos profis-sionais que prestam serviços especializados na forma depessoa jurídica. Para fazer jus a essa modalidade, os referi-dos profissionais teriam de seguir de forma rigorosa as nor-mas estabelecidas em contratos de trabalho detalhados, nosquais ficariam explícitos os objetivos, a metodologia de tra-balho, o cronograma, os custos etc. – um verdadeiro "memo-rial descritivo", como os preparados pelos engenheiros paraa execução de uma obra.

Na ausência desse projeto ou quando os profissionais vie-rem a trabalhar em condições próprias do vínculo emprega-tício e definidas no art. 3º. da CLT, eles devem ser consideradosempregados da empresa. Sugere-se ainda que a mesma leiobrigue esses profissionais a se filiarem à Previdência Social,além de pagarem todas as contribuições e impostos que sãopróprios das pessoas jurídicas. Com isso, acabar-se-ia com apolêmica, dando segurança aos profissionais e às empresas.

6. Formação profissional

De modo geral, a formação profissional e os treinamentosrápidos oferecidos pelas escolas do Sistema S são de boa qua-lidade. Os Centros Federais de Educação Tecnológica (CE-FETS) e as escolas técnicas dos Estados em geral também têmboa qualidade. Mas, há uma enormidade de escolas de fundode quintal que são verdadeiros caça-níqueis na busca dosparcos recursos de alunos, que pouco apreendem. Escolasdesse tipo pouco contribuem para a elevação da produtivi-dade do trabalho.

Não se conhece o universo dessas escolas. O Ministério daEducação tem um levantamento em execução no Sistema Nacio-nal de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SIS-TEC) que, dentro em breve, oferecerá um mapa dessa realidade, eque poderá servir de base para se montar um serviço de certifi-cação dessas escolas e, com isso, assegurar melhor qualidade.

Em 2009, havia cerca de 860 mil alunos cursando escolas téc-nicas de nível médio cadastradas (14), ou seja, 10% dos alunosmatriculados no ensino médio. Isso é muito pouco para a de-manda existente (15). A rede atual de escolas profissionais pre-cisa ser ampliada. Obedecendo aos critérios da certificação aci-ma indicada, sugere-se a ampliação por meio de parcerias queenvolvam as escolas mais qualificadas que, no caso, podemoperar como estimuladoras da boa qualidade.

(14) Dados do Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional deEstudos e Pesquisas Educacionais (INEP) do Ministério daEducação em 2009.

(15) "Mão-de-obra qualificada é novo gargalo", Folha de S. Paulo,14/02/2010; José Pastore, "Crescimento de 6%: e a mão-de-obra"?,O Estado de S. Paulo, 08/12/2009.

Andrei Bonamin/LUZ

Guilherme Afif Domingos, secretário do Emprego eRelações do Trabalho de São Paulo, na cerimônia de

entrega das primeiras carteiras de trabalho doPrograma Aprendiz Paulista, em agosto de 2009.

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36 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Mas há muito a ser feito na pró-pria rede atual. Uma ação mais in-tegrada das escolas dos vários se-tores do Sistema S aumentaria a si-nergia desse sistema, tanto na par-te de ensino, como na da produçãode materiais didáticos de boa qua-lidade. No mercado de trabalhoatual, as profissões passam porenorme metamorfose. Está supe-rada a divisão clássica de profis-sões agrícolas, industriais, comer-ciais e de serviços. O mesmo setorpode exigir profissões de todos ostipos. Por isso, impõe-se um traba-lho mais integrado entre o SENAR(agricultura), SENAI (indústria),SENAC (comércio e serviços) eSENAT (transporte), assim comouma articulação com as escolas fe-derais e estaduais.

Finalmente, sugere-se o aperfei-çoamento dos métodos de pros-pecção do mercado de trabalho, afim de orientar o ensino profissio-nal também para as novas profis-sões. Nesse campo, é fundamentaluma boa articulação das escolasprofissionais com as empresas ecom universidades de boa quali-dade – as que fazem pesquisa deponta sobre as tecnologias que vão surgir nos próximos anos.

7. Aprendiz

O contrato de aprendiz está previsto na CLT (Título III, Capi-tulo IV) para jovens de 14 a 24 anos que recebem formação teórica(educação geral) e prática (educação profissional) numa articu-lação entre escolas e empresas. Pela lei, as empresas são obriga-das a admitir aprendizes na base de 5% e 15% das profissõesconstantes de seus quadros e que requerem qualificação profis-sional. Os aprendizes recebem salários e são protegidos por boaparte da legislação trabalhista e previdenciária.

As despesas de contratação de aprendizes são menores do queas dos empregados adultos. A alíquota do FGTS é de apenas 2%,não há aviso prévio e nem indenização de dispensa (50% sobre osaldo do FGTS). Por outro lado, a empresa tem a responsabilida-de de indicar um monitor para supervisionar o estagiário.

Na origem desse tipo de contrato, a educação profissionalera oferecida pelas escolas do Sistema S. Pelo decreto 5.598/05,outras escolas técnicas e entidades sem fins lucrativos entra-ram na lista de ofertantes da educação profissional.

Embora o Ministério do Trabalho tenha estabelecido nor-mas para avaliar a competência das novas entidades, a proli-feração de organizações não governamentais de baixa quali-dade é preocupante. Aqui também é premente criar algum ti-po de certificação das entidades, o que poderia ser realizado,

mediante a aplicação de normasclaras, pelo Ministério da Educa-ção e pelas Secretarias de Educa-ção dos Estados.

Sugere-se ainda a contenção doMinistério do Trabalho e Empre-go que, com base no Memorando-Circular nº 16/2008/SIT/MTE,decidiu que todas as funções notrabalho exigem qualificação, oque contraria a filosofia da apren-dizagem. Ao aplicar as alíquotasde 5% a 15% ao total de emprega-dos das empresas, o Ministério doTrabalho e Emprego aumenta deforma exagerada o número deaprendizes a serem contratados,com graves prejuízos para a qua-lidade da aprendizagem.

Sugere-se finalmente uma for-te ampliação da aprendizagemem escolas públicas nos casos deprofissões que dispensam as ofi-cinas requeridas para o ensinoindustrial e, ao mesmo tempo,dão aos jovens uma boa expe-riência na área dos serviços, hojeem franca expansão.

8. Os estágios

O estágio é uma atividade educacional por meio da qual osalunos de nível superior, profissional e médio participam domundo do trabalho por um período de, no máximo, dois anos.Ao contrário da aprendizagem, o estágio não implica em relaçãode emprego. Os estagiários recebem bolsa das empresas sobre aqual não incidem encargos sociais – exceto férias, vale transpor-te, auxílio alimentação e seguro de acidentes pessoais.

O estágio exige a articulação das escolas com as empresas.Dos dois lados deve haver um supervisor do estagiário. A boaqualidade do estágio depende fundamentalmente desses su-pervisores, em especial do professor.

Aqui reside um grande problema. Para os estágios obriga-tórios, as escolas fazem previsão de tempo nas grades curricu-lares. Mas, para os estágios voluntários, a falta de tempo e odesinteresse dos professores dominam, e comprometem aqualidade do estágio. A maioria dos professores se limita a as-sinar papéis e relatórios sem ter a menor noção do que é feitopelos estagiários no ambiente de trabalho.

Os motivos alegados procedem. Os professores não têm ne-nhum estimulo para fazer uma boa supervisão. É preciso moti-vá-los. Uma das ideias é fazer com que as empresas que, de fato,se interessam pelos estagiários, paguem uma pequena taxa des-tinada, em parte, aos professores e, em parte, às escolas, de modoa liberar um tempo gratificado para a supervisão, assim comoviabilizar para as escolas a contratação de mais professores paracobrir o tempo dos que supervisionam os estagiários.

Ricardo Padue/AFG

É fundamental uma boa articulação das escolasprofissionais com empresas e universidades.

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37MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Por custar mais caro, os empresários passariam a cobrar dosprofessores, das escolas e dos chefes da empresa uma super-visão qualificada.

Outros estímulos podem ser direcionados, como é o caso decréditos para a promoção e para a composição do currículo dosprofessores e dos chefes. Além disso, é claro, impõe-se um pro-cesso contínuo de sensibilização dos professores e chefes emfavor da boa supervisão.

Outro problema diz respeito às agências de intermediaçãode estágio. Inúmeras ONGs estão surgindo, cujo objetivo prin-cipal é a arrecadação de taxas das empresas. Impõe-se a adoçãoe cumprimento de normas e um sistemade credenciamento dessas entidades, oque poderia ser feito pelo Ministério doTrabalho e Emprego e/ou Secretarias doTrabalho dos Estados.

9. Seguro-desemprego:aperfeiçoamentos

Duas medidas poderiam aumentar aeficácia do seguro desemprego como for-ma de amparar os desempregados e pre-pará-los para a volta ao trabalho.

A primeira diz respeito à necessidade dese atrelar de maneira mais direta o segurodesemprego com cursos e treinamentos rá-pidos aos desempregados. Nesse campo éindispensável uma melhor articulação doSINE (que prospecta vagas) com as escolasprofissionais (que fazem treinamentos rá-pidos). Com isso, une-se uma política pas-siva (seguro desemprego) com uma políti-ca ativa (formação profissional), reduzindo-se, assim, o tempo dedesemprego e as despesas com a sua manutenção.

A segunda se refere a um aperfeiçoamento no critério de re-muneração dos desempregados. No Brasil, o valor do segurodesemprego é o mesmo para os solteiros e para os que têm mui-tos dependentes. Isso não é justo. É demais no primeiro caso ede menos no segundo. Sugere-se calibrar o valor do seguro de-semprego de acordo com as responsabilidades familiares dosdesempregados, levando em conta ainda a condição de traba-lho de cada membro da família. Com isso, atinge-se melhor efi-ciência na alocação dos recursos daquela política.

10. Treinamento para desempregados

Treinar desempregados é um desafio e uma necessidade.O desafio decorre da incerteza da própria reinserção dos de-sempregados. Treinar em que profissão? Onde estão as va-gas? A necessidade emerge da situação dos próprios traba-lhadores (e do seguro desemprego) que não podem estenderem demasia o tempo de desocupação.

Para os que estão desocupados e recebendo Bolsa Família (16)

há ainda a necessidade de se promover a transição da assistênciasocial para o trabalho produtivo. Nesse campo, sugere-se a trans-formação da Bolsa Família e do Seguro Desemprego em BolsaTreinamento quando os desempregados se matricularem emcursos de reciclagem ou treinamentos rápidos.

Para tanto, os serviços de intermediação como o SINE, porexemplo, precisam ser substancialmente melhorados. O de-sempregado que recusar trabalho compatível com sua compe-tência e local de residência, teria o seguro desemprego e a BolsaTreinamento reduzidos ao longo do tempo.

(16) São 3,2 milhões de famílias e 14,1 milhões de beneficiados, dentre os quais, estima-se 7 milhõesos que estão em idade de trabalhar, havendo 4 milhões de desocupados (Estimativa do Autor).

Em resumo, a filosofia do garantismo legal exige que as mu-danças trabalhistas permitidas pela Constituição Federal se-jam introduzidas por meio de leis e não por negociação. Issonão significa, porém, que o garantismo legal é imutável.

Para proteger de maneira mais realista os trabalhadores, éindispensável a adoção de uma política de longo prazo que,com base em trocas permanentes (negociação), permita a umsó tempo assegurar os direitos adquiridos e criar gradativa-mente um ambiente de negócios que estimule os investimen-tos e a geração de empregos de boa qualidade.

Enquanto isso não é feito, estão aí sugeridas algumas medidasde curto e médio prazo que podem melhorar sensivelmente aproteção dos trabalhadores e a segurança jurídica das empresas.

Em todos os casos, porém, há dois ingredientes que nãopodem faltar: pedagogia e liderança. Mudanças trabalhis-tas precisam ser bem explicadas, deixando claro que nenhu-ma delas visa retirar direitos de quem os tem, mas, sim levarproteções a quem nada tem. Para essa indispensável tarefa,impõe-se a participação efetiva de um bom líder – o Presi-dente da República.

Keiny Andrade/AE

O valor do seguro desemprego é o mesmo para os solteiros epara os que têm muitos dependentes. Isso não é justo.

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Barbara Peacock/Corbis

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Por uma PrevidênciaSocial justa e

sustentável no Brasil:ir em frente semolhar para trás

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Hélio ZylberstajnDoutor em Economia pela

Universidade de Wisconsin-Madison, professor adjunto da

Faculdade de Economia,Administração e Contabilidade da

USP, ex-secretário de Emprego,do Ministério do Trabalho e

Emprego e membro do Conselhode Economia da Associação

Comercial de São Paulo.

O autor agradece a José Cechin e Nilton Molinapor seus comentários e sugestões em apresentação

feita em reunião do mesmo conselho, em 26/10/2009.Agradece também a Eduardo Zylberstajn e

Luis Eduardo Afonso por comentários feitosa uma versão preliminar deste texto.

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40 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Resumo

Este texto tem como objetivosapresentar uma descrição dosproblemas da Previdência Sociale propor um novo modelo.O Brasil tem um sistema dual dePrevidência, que trata maisgenerosamente os funcionáriospúblicos do que os demaistrabalhadores. No conjunto,o País gasta 11% do seu PIB comaposentadorias e pensões, umvolume excessivamente grandepara sua estrutura etária e seuestágio de desenvolvimento.Apenas uma pequena parte dosbenefícios é obtida por tempo decontribuição. A grande maioriados beneficiários obtém suasaposentadorias com adesãoparcial (aposentadorias poridade) ou mesmo sem nenhumacontribuição. A carga decontribuição é desigualmentedistribuída, exigindo contribuiçõesmaiores dos trabalhadoresformais do setor privado. Não hárestrições para pensões, que sãoconcedidas sem limite de idadee sem redução nos valores.Na aposentadoria, a idademínima de 60 anos (55 paramulheres), além de pequena, seaplica apenas a funcionáriospúblicos. Para solucionar taisproblemas, o texto sugereaproveitar a oportunidade doinício da nova administraçãofederal em 2011 para criar umnovo sistema para os novostrabalhadores, mantendo osistema existente para os atuais.Assim colocada, a propostareduziria as resistências à reforma.O novo sistema teria quatropilares: (a) um não contributivo,(b) um contributivo em regime derepartição, (c) um contributivoem regime de capitalização queaproveitaria o FGTS e (d) umcontributivo de capitalizaçãocomplementar e voluntário.Finalmente, o texto propõe autilização de parte da receita doPré-sal para formar um fundode financiamento da transição.

1. Introdução

E ste texto reúne argumentos para defender a neces-sidade da reforma da Previdência Social brasileirae, ao mesmo tempo, sugere um modelo e uma estra-tégia para viabilizar a pretendida reforma. O tema é

relevante e não é novo. O País tenta reformar seu sistema dePrevidência Social desde o início dos anos 1990, mas os re-sultados alcançados, embora tenham produzido algumefeito, estão muito longe de solucionar os problemas exis-tentes nessa área.

A reforma da Previdência Social é um tema controverso doponto de vista conceitual e teórico, mas a maior dificuldadepara se avançar não é acadêmica. Pelo contrário, é prática econcreta, pois para reformar é preciso alterar regras de con-cessão de benefícios e de cálculo de valores e, portanto, afetarinteresses de segmentos que se beneficiam do modelo atual.Não por acaso, os beneficiários do modelo pertencem a gru-pos articulados e muito próximos aos círculos decisórios doEstado brasileiro, dispondo de poder e de influência que ostem capacitado a resistir a mudanças.

Não é exagero dizer que as tentativas de reforma da Pre-vidência Social no Brasil fracassaram porque todas olharam

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"para trás", ou seja, tentaram mudar as regras vigentes para ostrabalhadores e os funcionários públicos ativos e para os jáaposentados. Dentre eles, situam-se os grupos com a referidacapacidade de resistência. O fracasso das diversas tentativasdeixou uma lição importante: para reformar a Previdência te-remos que manter as regras atuais, para contornar a resistên-cia dos atuais beneficiários. Uma reforma somente terá êxitose for feita para os novos trabalhadores. Simplesmente pelofato de que, por não existirem ainda como tal, não poderãoresistir, ou sua resistência será minimizada. Para resumir:precisaremos adotar uma atitude pragmática e fazer a refor-ma da Previdência orientada para frente, para os novos tra-balhadores, sem olhar para trás.

As próximas seções desenvolvem o argumento da neces-sidade da reforma da Previdência Social e apresentam as ca-racterísticas de um modelo mais justo e ao mesmo tempomais eficiente. A seção 2 a seguir apresenta a Previdência So-cial sob a óptica fiscal e mostra que o Brasil gasta muito com osbenefícios de aposentadoria e pensão. A seção 3, na sequên-cia, mostra que não apenas o Brasil gasta muito com a Previ-dência, mas gasta mal, pois nosso sistema cria incentivos à in-formalidade e trata desigualmente seus cidadãos. A quartaseção se dedica a mostrar o potencial que a Previdência Social

Uma reformasomente terá êxitose for feitapara os novostrabalhadores.Simplesmentepelo fato de que,por não existiremainda como tal, nãopoderão resistir,ou sua resistênciaserá minimizada.A reforma daPrevidência deveser feita para frente,para os novostrabalhadores, semolhar para trás.

Rodrigo Clemente/AEteria como um instrumento de poupança para financiar os in-vestimentos de longo prazo, papel que nosso modelo nãoconseguiu desempenhar até hoje e que poderia passar a fazê-lo se conseguíssemos reformá-lo. A quinta seção apresenta oscontornos do modelo proposto, com seus quatro pilares e suanatureza universal. Seu desenho foi elaborado para transfor-mar a Previdência Social brasileira em um sistema socialmen-te justo, financeiramente sustentável e atuarialmente equili-brado, qualidades que o modelo atual não possui. A seção fi-nal discute a viabilidade da reforma proposta e faz algumasconsiderações adicionais.

2. Gastos da Previdência:a jabuticaba e o debate sobre o déficit

O Brasil gasta 11% do seu PIB com benefícios de aposenta-doria e pensões. Isso é muito? Para responder, é preciso com-parar nossos gastos com os de outros países e isso é feito peloGráfico 1, a seguir, que classifica os gastos previdenciários dospaíses da OECD (Organização para Cooperação e Desenvol-vimento Econômico) e no qual foi inserido o Brasil, para obtera desejada comparação. O eixo horizontal do gráfico represen-ta a proporção de pessoas com 65 anos de idade ou mais. O eixovertical representa o gasto com aposentadorias e pensões co-mo proporção do PIB. Vamos percorrê-lo no sentido horário,começando pelo quadrante superior direito.

Nesse quadrante, estão os países com gastos previdenciá-rios elevados (acima de 10% do PIB) e parcelas grandes de ido-sos na população (acima de 10%). São países desenvolvidos,com sistemas de seguridade social avançados, que arrecadammuito, e concedem benefícios generosos para seus idosos. Noquadrante direito inferior, aparecem países também desenvol-vidos, com grande parcela de população idosa, mas menos ge-nerosos na concessão dos benefícios previdenciários.

O terceiro quadrante apresenta os países com população jo-vem e em decorrência com gastos previdenciários menores. Fi-nalmente, o quarto quadrante tem apenas um país: o Brasil.Nosso caso é muito típico, como é típica a nossa jabuticaba. OBrasil gasta com sua Previdência como se tivesse uma grandeproporção de idosos e como se tivesse um sistema de bem estarsocial desenvolvido, embora sua parcela de idosos seja menorque 10%. Nosso país é um caso "fora da curva". Gastamos mui-to com a Previdência Social: 11% do PIB. Os 11% do PIB repre-sentam cerca de um terço da arrecadação total dos três níveisda administração pública com impostos e contribuições so-ciais. De cada R$ 3 que arrecadamos com impostos e contribui-ções, R$ 1 vai para pagar aposentadorias e pensões.

O Brasil tem dois sistemas de Previdência Social, o RegimeGeral de Previdência Social – RGPS e os Regimes Próprios dePrevidência Social – RPPS´s. O RGPS é administrado pelo INSS– Instituto Nacional de Seguridade Social, e cobre os trabalha-dores assalariados regidos pela CLT, bem como os autônomos,os empregadores e os não contribuintes. Os RPPS´s são os di-versos sistemas de Previdência da administração pública, quecompreende cada uma das suas instâncias, o governo federal,os governos estaduais e os governos municiais.

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O Regime Geral dePrevidência Social -RGPS.Em 2009, o INSS gas-

tou, em números redon-dos, R$ 225 bilhões, parapagar aposentadorias,pensões e benefícios deassistência social. Estegasto representa aproxi-madamente 7,5% do PIBesperado para o ano. Naarrecadação, o INSS con-seguiu R$ 182 bilhões, querepresentaram aproxima-damente 81% do gasto to-tal. Portanto, a arrecada-ção do INSS não é sufi-ciente para cobrir o gasto.Nos anos recentes, emfunção do crescimento doemprego formal, a arreca-dação tem crescido umpouco mais que os gastos(Tabela 1), mas a diferen-ça é muito grande e temgerado um intenso debatesobre o déficit desse regi-me. Antes de examinar es-sa questão, é preciso com-pletar os dados do INSScom a quantidade de be-nef ic iár ios e tambémapresentar a outra partedas contas da Previdên-cia, aquela referente aosfuncionários públicos.

Em dezembro de 2009,havia 27 milhões de bene-ficiários do INSS, em nú-meros redondos. A quan-tidade de beneficiáriostem crescido aproxima-damente 1 milhão a cadaano. Dos benefícios exis-tentes em 2009, 84% eram"previdenciários", 13% "assistenciais" e 3% "acidentários" (Ta-bela 2, coluna 2009). O exame mais cuidadoso da Tabela 2mos-tra que entre os benefícios concedidos pelo INSS, uma grandeparcela não se enquadra na categoria de contributivos. Bene-fício contributivo seria aquele em que o participante ganha odireito a um benefício mediante o pagamento de contribuiçõesdurante o período produtivo de sua vida. A rigor, essa situaçãose verifica apenas nas aposentadorias por tempo de contribui-ção, que constituíam 16% do número total de benefícios (Ta-bela 2, coluna 2009). Nas demais categorias, ou os benefíciossão não contributivos – como os benefícios assistenciais – ou

parcialmente contributivos – como as aposentadorias por ida-de. Aliás, as aposentadorias por idade – que correspondem anada menos que 29% do total de benefícios (Tabela 2, coluna2009) – constituem um caso bastante ilustrativo e ajudam a es-clarecer melhor a natureza do INSS.

O trabalhador brasileiro tem direito a se aposentar por ida-de a partir dos 65 anos, desde que tenha contribuído por 15anos. Na prática, a regra implica em que um cidadão pode co-meçar a contribuir aos 50 anos e, quando atingir os 65 anos temdireito a um benefício de aposentadoria completa. Para os tra-balhadores rurais, a aposentadoria por idade pode ser obtida

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aos 60 anos, e é concedida mesmo que o cidadão nunca tenhacontribuído. Neste caso, basta comprovar sua condição de tra-balhador rural, o que pode ser feito de diversas formas. Porexemplo, com uma declaração do Sindicato de TrabalhadoresRurais do município.

A grande proporção de aposentadorias por idade – quaseduas vezes mais que aposentadorias por tempo de contribui-ção – sugere que as regras existentes criariam um forte incen-tivo para não contribuir ou, pelo menos, para minimizar ascontribuições, uma vez que o benefício completo pode ser ob-tido com contribuição parcial ou até mesmo sem contribuição.De uma forma mais geral, o exemplo da aposentadoria por ida-de serve para mostrar que as regras de contribuição e de con-cessão de benefícios podem afetar as decisões, os comporta-

mentos e as atitudes dos cidadãos no mercado de trabalho. An-tes de retornar a esse ponto na próxima seção, é preciso exa-minar o outro sistema de Previdência Social, o conjunto doschamados Regimes Próprios de Previdência Social, do qualparticipam os funcionários públicos.

Os Regimes Próprios dePrevidência Social – RPPS´s.Em 2008, havia no Brasil 14,3 milhões de servidores públi-

cos, os assim chamados estatutários, civis e militares, nos trêsramos do poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário), enos três níveis da administração pública (União, Estados e Mu-nicípios). Daquele total, 4,4 milhões eram servidores inativosou pensionistas, e 9,9 milhões eram servidores ativos (Tabela 3,

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colunas 2008). O leitor poderá consultar a Tabela 3 para veri-ficar a composição da força de trabalho de servidores públicose de inativos segundo o nível de administração, que nessa ta-bela é subdividida em União, Estados, Capitais e Demais Mu-nicípios. O aspecto relevante desses dados é a proporção deativos e inativos na administração pública: para cada inativoou pensionista, há apenas dois ativos. Assim, um em cada trêsindivíduos desse grupo é inativo ou pensionista, uma propor-ção bastante alta. Com muitos inativos e pensionistas, e comregras generosas de cálculo de benefícios, deve-se esperaruma grande defasagem entre a receita das contribuições dosativos e o gasto com benefícios.

De fato, os dados mostram que o desequilíbrio é enorme. Em2008, o Brasil gastou aproximadamente R$ 126 bilhões com apo-sentadorias e pensões para seus funcionários públicos, sendo R$63 bilhões na administração federal, R$ 52 bilhões na administra-ção estadual, R$ 6 bilhões nos municípios das capitais e R$ 5 bi-lhões nos demais municípios (Tabela 4, colunas 2008). No mesmoano, a arrecadação total chegou a apenas R$ 77 bilhões, sendo R$39 bilhões da União, R$ 26 bilhões dos Estados, R$ 5 bilhões dascapitais e R$ 9 bilhões dos demais municípios (Tabela 4, colunas2008). Na verdade, o desequilíbrio pode ser ainda maior do queos dados informam, devido a um procedimento contábil adotadopara quantificar a receita de contribuições. Ocorre que em muitos

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casos – e o mais notório é odo governo federal – nãohá, a rigor, contribuição pa-tronal. O empregador des-conta a contribuição devi-da pelo funcionário, masnão recolhe a contribuiçãodo empregador. A receitade contribuições apresen-tada é obtida acrescentan-do à contribuição dos servi-dores (11% sobre o salário,parcela efetivamente reco-lhida) um valor equivalen-te ao dobro (22% sobre o sa-lário, mas não necessaria-mente recolhida). Não há,em geral, recolhimento daparcela patronal da contri-buição, existe apenas umconceito contábil. Conside-rando apenas as contribui-ções efetivamente recolhi-das, o desequilíbrio nos re-sultados dos RPPS´s seriamuito maior.

Em síntese, nos RPPS´s, havia em 2008, 4,4 milhões de ina-tivos e pensionistas, cujos benefícios produziam um gasto gi-gantesco de R$ 126 bilhões, com uma insuficiência de receitade pelo menos 48 bilhões, aceitando-se o procedimento con-tábil referido (Tabelas 3 e 4, anos de 2008).

Para efeito de comparação e de obtenção de um quadrocompleto, os números dos dois regimes são apresentados con-juntamente na Tabela 5 a seguir. O ano considerado foi o de2008, para o qual as estatísticas dos dois sistemas são dispo-níveis. Os dados mostram que nesse ano o Brasil gastou combenefícios nos dois sistemas de Previdência Social aproxima-damente R$ 246 bilhões.

O nível de gastos com a Previdência é motivo de preocupa-ção, pois a tendência de envelhecimento da população indicaque a quantidade de beneficiários tende a aumentar e a pres-sionar ainda mais estas despesas. Além de gastar muito, gas-tamos mais do que arrecadamos com as contribuições, mesmoaceitando a manobra contábil já referida que "engorda" a ar-recadação dos RPPS´s. Considerando o conjunto dos dois re-gimes, a diferença entre a receita e o gasto foi de aproximada-mente R$ 85 bilhões, o que representava em 2008 nada menosque 2,8% do PIB (Tabela 5, linha Resultado). A magnitude des-se número é uma clara indicação de que a Previdência Socialestá na raiz das dificuldades fiscais do País. O Brasil tem feitoesforços muito grandes para produzir superávits primáriosmais ou menos dessa ordem de grandeza. Os resultados desseesforço poderiam ser melhorados se o País conseguisse de al-guma maneira controlar os gastos Previdenciários.

É importante dizer que a expressão usada ao final do parágrafoanterior foi "controlar os gastos" e não "controlar o déficit". Há umgrande debate sobre o déficit da Previdência Social. Muitos pre-

tendem que não haveria déficit, argumentando que a arrecadaçãocom as Contribuições Sociais é suficiente para custear todas asdespesas da Seguridade Social, na qual se inclui a Previdência So-cial. De fato, sob este ponto de vista, não há déficit e, assim sendo,não haveria que se preocupar com os gastos, uma vez que o vo-lume destes seria menor que a arrecadação.

Sabe-se que o crescimento da arrecadação das contribuiçõessociais foi um recurso utilizado pelo Governo Federal a partir dapromulgação da Constituição de 1988. A Carta Magna retiroureceita líquida do governo central por meio dos Fundos de Par-ticipação no Imposto de Renda e no IPI, mas não transferiu namesma proporção atribuições para Estados e municípios. Parafazer frente à nova distribuição das receitas de seus impostos, oGoverno Federal aumentou as alíquotas das contribuições so-ciais existentes e criou novas, já que sobre as receitas dessas fon-tes não havia nenhuma determinação constitucional distributi-va. Com o tempo, o governo foi criando mecanismos para fle-xibilizar o uso de receitas, que hoje assumem o formato da DRU– Desvinculação de Receitas da União. O crescimento da arre-cadação das contribuições sociais foi, portanto, fruto de uma si-tuação de restrição fiscal e não uma decisão de política públicapara programas sociais. Assim sendo, dizer que "não há déficit"na Previdência Social é utilizar um argumento muito parcial ebastante viesado. É até mesmo uma maneira um tanto cínica deexaminar a escala de prioridades dos gastos públicos, na medi-da em que isola os gastos sociais dos demais gastos.

Além disso, sempre haverá benefícios não contributivos, in-clusive benefícios previdenciários. Portanto, sempre haverá des-pesas não cobertas por arrecadação de contribuições e que terãoque ser custeadas por dotações orçamentárias. Assim sendo, pelomenos uma parte da Previdência Social sempre será "deficitária".

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Para ilustrar este ponto, é conveniente lembrar, por exemplo, queo governo tem insistido (com razão) em separar os números re-ferentes aos benefícios urbanos dos referentes aos benefícios ru-rais, argumentando que estes últimos têm um caráter não con-tributivo e, portanto, intrinsecamente deficitários.

Por essas razões, o autor defende a ideia que o aspecto relevan-te na análise das contas da Previdência deveria ser o nível dos gas-tos. Nesse aspecto, como foi mostrado, o País está mal. De acordocom o Gráfico 1 os gastos com benefícios previdenciários repre-sentavam aproximadamente 11% do PIB daquele ano. E não épreciso ser especialista em finanças públicas para perceber quegastamos muito e que, com o envelhecimento da população, ogasto tende a crescer mais rapidamente que o PIB e a arrecadação.Assim, o cenário da Previdência é sombrio, compromete a saúdefiscal do País e limita a capacidade de investimento do Estado.Para evitar a concretização desse cenário e asse-gurar um futuro melhor para nossos filhos e ne-tos, é preciso reformar nosso modelo de Previ-dência Social. Mas a restrição fiscal não é o únicomotivo para implantar uma reforma. A reformaé necessária para eliminar as injustiças, a desi-gualdade e os incentivos perversos do sistemaatual. A próxima seção aborda estes pontos.

3. Tratamento desiguale incentivos distorcidos

Dicotomia entre funcionáriospúblicos e trabalhadores sob a CLT.A maior distorção do nosso sistema de Pre-

vidência Social está ligada à diferenciação en-tre o tratamento reservado aos funcionáriospúblicos e o aplicado aos trabalhadores no re-gime da CLT. A diferença maior se refere ao cál-culo dos benefícios: o funcionário público ain-da se aposenta com um benefício igual ao seuúltimo salário (ou muito próximo a isso), en-quanto que em geral o trabalhador sob a CLTrecebe um benefício menor que o seu último salário. Além dis-so, o benefício do funcionário público é reajustado anualmentecom a mesma taxa aplicada aos salários dos funcionários ati-vos, que em geral, embute ajuste para a inflação e algum ganhoreal. Já o benefício do aposentado da CLT é ajustado anual-mente pela variação da inflação, sendo que os que recebem osalário mínimo também têm um ganho real, e bem expressivo.O trabalhador da CLT tem um teto para o benefício de aposen-tadoria (hoje ao redor de R$ 3.000). Em consequência, mesmoque ao se aposentar ganhasse como ativo mais que o teto, o be-nefício de aposentadoria não poderá exceder esse valor. Paraos funcionários públicos também existe um teto, que é o saláriode um Juiz do STF, oito ou mais vezes maior que o teto aplicadoaos trabalhadores sob a CLT. O resultado da diferença de tra-tamento pode ser visto na segunda parte da Tabela 5 da seçãoanterior. Os inativos e pensionistas da Administração Públicarepresentam apenas 14% do total, mas consomem 38% dosgastos com aposentadorias e pensões e produzem 56% do dé-ficit total da Previdência. Em média, o benefício de aposenta-

doria do funcionário público é quase quatro vezes maior que odo trabalhador do regime CLT.

Incentivos à informalidade ou à adesão parcial.A seção anterior já mencionou o fato de que as regras de con-

cessão e de cálculo dos benefícios de aposentadorias criam in-centivos distorcidos no mercado de trabalho. Esse ponto foimencionado quando o texto examinava a quantidade grandede aposentadorias por idade em comparação à quantidade deaposentadorias por tempo de contribuição. A possibilidade decontribuir por pouco tempo ou por tempo nenhum estaria in-duzindo parcelas significativas de trabalhadores a retardaremseu ingresso no mercado formal de trabalho.

No período recente, o Brasil tem adotado uma política ousadae agressiva de combate à informalidade, o assim chamado Sim -

ples, um regime tributário e previdenciário quereduz impostos e contribuições sociais para mi-cro e pequenos estabelecimentos, para atraí-lospara a formalidade. Mais recentemente, na mes-ma linha de políticas públicas de reduzir exigên-cias burocráticas e tributárias, o País criou a figu-ra do MEI – Microempreendedor Individual.Oprograma é especificamente destinado aos tra-balhadores autônomos e aos microempreende-dores, reduzindo as exigências para o seu regis-tro no sistema MEI e drasticamente diminuindoa carga tributária e previdenciária. O impactodesses programas tem sido importante e podeser observado inclusive nos números da arreca-dação do INSS, que registra separadamente ascontribuições originadas no Sim pl es . No curtoprazo, estes programas certamente reduzirão ainformalidade, pois trarão para a economia for-mal empresas e muitos empreendedores que deoutra forma continuariam na informalidade. Nolongo prazo, porém, poderão agravar o desequi-líbrio da Previdência Social, pois os trabalhado-res do Simples têm os mesmos direitos daqueles

cobertos pelo regime de aposentadoria por tempo de contribui-ção. Estes programas, portanto, seguem a mesma linha da apo-sentadoria por idade, na medida em que reduzem as exigênciaspara ingresso no universo de proteção do INSS a um "preço" me-nor. Ou seja, criam incentivos para a filiação parcial dos trabalha-dores, na medida em que oferecem proteção completa.

Idade mínima.O Brasil é um dos raríssimos países em que não existe uma

idade mínima para se aposentar. Na verdade, existe sim umaidade mínima, mas apenas para os funcionários públicos. Essarestrição começou a ser imposta em 1998, no governo FHC,quando foi fixada em 58 anos para os homens e 53 para as mu-lheres. Em 2003, quando o governo Lula conseguiu aprovar asua reforma, a idade mínima foi elevada para 60 e 55, respec-tivamente. Para o RGPS, porém, não existe idade mínima.

A adoção de idade mínima depende de alteração na Consti-tuição, que requer quórum qualificado nas duas casas do Con-gresso, o que evidentemente dificulta sua aprovação. O governo

A idade mínimapara aposentadoria

começou a serimposta em 1998, nogoverno de FernandoHenrique Cardoso.

Luiz Prado/LUZ

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FHC conseguiu aprovar no Congresso o Fator Previdenciário,um mecanismo que reduz o valor do benefício dos que se apo-sentam por tempo de contribuição. A redução é tanto maiorquanto menor a idade de aposentadoria. Na falta de uma idademínima, esse fator tinha como objetivo incentivar o adiamento dadecisão de se aposentar. Como se trata de alteração na regra decálculo do benefício, não precisava do quórum qualificado e podeser aprovado no Congresso. Mas, a sobrevivência do Fator Pre-videnciário está sempre sob risco, pois assim como foi relativa-mente simples aprová-lo por maioria simples, seria também sim-ples extingui-lo, desde que se formasse uma coalizão com esseobjetivo. Por essa razão, é muito importante incluir na agenda dareforma da Previdência a adoção da idade mínima.

A idade mínima é importante para equilibrar as contas da Pre-vidência Social, especialmente num quadro de aumento da ex-

pectativa de vida. Para avaliar a importância dessa regra no casobrasileiro, basta lembrar que mesmo com o Fator Previdenciário,a idade média de aposentadoria no RGPS nos anos recentes temsido de 53 anos. Ou seja, a aposentadoria no Brasil é uma decisãoprecoce, induzida pela frouxidão das regras existentes.

Mulheres e professoras seaposentam antes e vivem mais.Relacionado com a questão da idade mínima, está o fato de

que no RGPS, além de não haver idade mínima, o tempo decontribuição exigido no Brasil é menor para mulheres e paraprofessores. Mulheres são mais longevas que homens e se apo-sentam cinco anos antes. Se forem professoras, se aposentamcinco anos antes adicionalmente. As duas regras operandoconjuntamente produzem casos em que não raro, o período defruição do benefício chega a ser maior do que o período de con-tribuição! É importante lembrar que a diferenciação no trata-mento entre homens e mulheres se justifica, pois as mulherestêm maior dificuldade de se comprometer nas suas carreirasem função do seu papel de mães. Portanto, o objetivo de com-pensar as mulheres por essa desvantagem não está errado.Mas, a compensação teria que evitar a criação de outros incen-tivos e não sobrecarregar as contas da Previdência.

Inativos que trabalham.Nosso sistema não proíbe aposentados de continuarem a tra-

balhar. A ausência dessa restrição viola o próprio conceito de apo-sentadoria. Aposentar-se significa literalmente retirar-se. Corres-ponde a um estágio na vida em que o indivíduo não mais dispõede capacidade laboral e não pode mais se sustentar. Nesse estágio,passa a receber a renda da aposentadoria. Do ponto de vista con-ceitual, portanto, não faz sentido se aposentar e continuar a tra-balhar. Muitos países, por essa razão, proíbem ou restringem apossibilidade de um aposentado continuar a trabalhar. A neces-sidade conceitual de restringir essa possibilidade acaba reforçan-do e justificando a necessidade da adoção da idade mínima. Afi-nal, aos 65 anos – essa é a idade mínima mais frequente – poucaspessoas ainda dispõem de capacidade laboral plena. Mas como aqualidade de vida e a saúde estão melhorando, muitos países au-mentam a idade mínima para 67, e possivelmente chegarão aos 70anos como idade mínima dentro em pouco. Para equilibrar ascontas da Previdência e para evitar a contradição de ativos apo-sentados, o Brasil precisa examinar a adoção dessa regra, se quiseralcançar uma Previdência Social menos onerosa.

Restrições às pensões.Em muitos países existem restrições à concessão da pensão – o

benefício a que tem direito o cônjuge e/ou os dependentes do be-neficiário falecido (Tafner, 2008). Em alguns países, a concessãoe/ou o valor da pensão depende da existência de crianças na fa-mília. Em outros países, depende da idade do cônjuge (em geral,a esposa) e da sua condição de ocupação no mercado de trabalho.Finalmente, é muito comum que quando um benefício de apo-sentadoria se transforma em benefício de pensão em razão do fa-lecimento do titular, o valor do novo benefício se reduz. Em suma,a concessão de pensão depende de diversos fatores e não é umdireito líquido e certo, na maioria dos países. No Brasil, porém, em

O MEI - Microempreendedor Individual, reduziudrasticamente a carga tributária e previdenciária.

Danilo Ramos/e-SIM

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geral seu valor é igual ou bem próximo da aposentadoria que aoriginou, independentemente da condição dos dependentes. Aausência de restrições e de condicionantes tem produzido situa-ções curiosas. Para muitos autores, a falta de restrições nas pen-sões está relacionada ao aumento do número de casamentos en-tre homens bem mais idosos que mulheres (Tafner, 2007). Parauma jovem solteira, a pensão de um aposentado de mais idade éum incentivo material para casar-se com ele. Como a probabili-dade do marido falecer antes da esposa é grande, ela herdariauma renda incondicional para o resto de sua vida.

Aposentadoria rural.Até 1988, o valor do benefício da aposentadoria dos trabalha-

dores rurais era igual a meio salário mínimo e sua concessão li-mitada a um benefício por família. A Constituição de 1988 es-tabeleceu que o menor benefício da Seguridade Social deveriater valor igual ao do salário mínimo, o que elevou em 100% ovalor da aposentadoria rural. Além disso, eliminou a restriçãodo número de benefícios por família. Nos anos seguintes, ob-servou-se um grande aumento na quantidade de trabalhadoresrurais aposentados. Este benefício acabou se transformando emum grande programa de transferência de renda, a tal ponto quehoje muitos municípios do Nordeste têm a maior fonte de rendados seus habitantes na aposentadoria rural (nessa região estãocerca de 50% dos benefícios a esse título). Apesar de ser classi-ficado como uma aposentadoria por idade é, na prática, um be-nefício não contributivo, pois para recebê-lo o trabalhador pre-cisa apenas comprovar que foi trabalhador rural, mesmo quesem registro em Carteira Profissional. Essa exigência acabatransferindo poder e influência àqueles que podem atestar acondição de trabalhador. Como já foi dito, na maioria dos casos,os interessados obtêm no Sindicato dos Trabalhadores Rurais oatestado que o INSS exige. Não por coincidência, a PNAD/IB-GE registrou um expressivo crescimento das taxas de sindica-lização rural, especialmente no Nordeste.

Excesso e falta de tributaçãoda folha de pagamentoNo RGPS, as contribuições para o INSS chegam a 31% sobre o

salário, assim distribuídas: (a) 11% descontados do salário do tra-balhador, incidindo até o teto; (b) 20% de contribuição adicionalao salário, cobrados do empregador, sem limite de teto; (c) 1% a3% de contribuição adicional ao salário, cobrados do emprega-dor, para financiar o Seguro de Acidentes do Trabalho - SAT (1). Ovolume total chega a 31% (considerando uma alíquota de 2% pa-ra o SAT). De acordo com Giambiagi e Afonso (2009) dependendodo gênero e da taxa de desconto utilizada, a alíquota necessáriapara equilibrar a parcela de aposentadorias por tempo de contri-buição do RGPS seria de algo como 15% a 20%. As alíquotas co-bradas são excessivas, maiores do que essas porque o INSS temtambém as contas dos demais benefícios, especialmente as apo-sentadorias por idade, e mesmo com alíquotas bem altas ainda édeficitário. Por outro lado, na administração pública, Zylberstajn,Souza, Afonso e Flori (2006) estimam que a alíquota necessáriapara equilibrar o RPPS sem a implantação do teto e de um Fundode Aposentadoria Complementar seria da ordem de 50% a 60%.Portanto, nossos sistemas cobram muito de alguns e cobram pou-

co de outros, para fazer uma redistribuição que não é transparen-te e provavelmente é regressiva.

Vinculação com o salário mínimo.A determinação da Constituição brasileira de que o piso dos

benefícios previdenciários seja igual ao salário mínimo tem sidofonte de pressão nas contas da Previdência Social. Ocorre que apartir de 1994, com o Plano Real e o consequente controle da in-flação, esse salário tem crescido em termos reais e, a cada novoreajuste, o gasto com benefícios de valor igual ao piso aumenta namesma proporção. E mais: a cada aumento real, os benefícios devalor próximo ao do piso são "engolidos" por este e passam a serreajustados na mesma proporção nos anos subsequentes. Hoje,aproximadamente 66% dos benefícios do RGPS têm valor igual

(1) A legislação do SAT (Seguro de Acidentes do Trabalho) foirecentemente alterada passando a RAT (Riscos de Acidentes noTrabalho) e com a criação de dois novos conceitos: o NTEP (NexoTécnico Epidemiológico Previdenciário) e o FAP (Fator Acidentáriode Prevenção), cujos efeitos serão provavelmente o de aumentarmais a carga tributária sobre a folha.

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ao salário mínimo e representam aproximadamente 45% do gas-to total. Isso significa que um aumento de 10% no salário mínimoimplica em um aumento de 4,5% nos gastos do RGPS.

Aposentadoria complementarpara os funcionários públicos.O governo Lula fez importantes modificações nas regras da

aposentadoria dos servidores públicos no seu primeiro ano, em2003. A medida mais importante foi a instituição da contribui-ção sobre os benefícios já concedidos, alteração que quebrou um"direito adquirido", uma vez que os benefícios já tinham sidoconcedidos. Outra alteração importante foi o aumento da idademínima de aposentadoria dos funcionários públicos, para 60anos no caso dos homens e 55 anos no caso das mulheres. Em-bora tenha fixado a idade mínima em níveis ainda baixos quan-do comparados com outros países, essa medida teve impactosnos gastos, pois adiou muitas aposentadorias. Outra alteraçãorelevante foi o estabelecimento do teto do benefício de aposen-tadoria e pensão nos mesmos valores do teto do INSS, para osnovos funcionários. Entretanto, o texto aprovado condicionavaa entrada em vigor do teto à constituição de fundos de aposen-tadoria complementar, que operariam no regime de contribui-

ção definida, e para o qual tanto o funcionário como o empre-gador (o Estado) contribuiriam. Infelizmente, a administraçãoLula não teve fôlego para aprovar no Congresso a legislação quecriaria esses fundos. Curiosamente, o Ministério da Previdênciae Assistência Social tem exigido das administrações estaduais emunicipais a criação dos respectivos fundos. É uma espécie de"Faça o que eu digo, não o que eu faço".

Em síntese, nosso modelo de Previdência Social tem diver-sos defeitos. O mais grave é o tamanho dos gastos, mas os ou-tros são importantes também porque o agravam. Uma reformada Previdência teria que estabelecer como objetivos, ao mesmotempo, a redução dos gastos, a equidade entre funcionáriospúblicos e demais trabalhadores, a eliminação dos incentivos àinformalidade e à inclusão parcial, a imposição de idade mí-nima, alguma limitação às pensões, a inclusão da aposentado-ria rural nos programas de transferência de renda incondicio-nais, a diferenciação entre o ativo e o inativo, a aposentadoriacomplementar para o funcionário público de maneira seme-lhante à dos demais trabalhadores, a redução da carga sobre afolha de pagamento e a superação do problema da vinculaçãodo piso previdenciário ao salário mínimo.

Mais adiante, neste texto, será apresentado um modelo que,em princípio, contempla todos esses objetivos. Antes, porém, épreciso lembrar mais um defeito do nosso sistema: sua inca-pacidade de gerar poupança. Isso é feito na próxima seção.

4. Previdência, poupança e investimento

Os sistemas de Previdência Social cumprem pelo menosdois importantes papéis nas sociedades modernas. Primeiro,são mecanismos de seguro social, que oferecem proteção aostrabalhadores e aos cidadãos em geral quando estes ficam im-pedidos de auferir renda com seu trabalho. O segundo papel,não menos importante, é o de, desde que adequadamente de-senhados, funcionar como canais de poupança e de investi-mento para financiar o crescimento econômico e a criação deempregos. Para entender melhor este segundo papel, é útillembrar que existem dois modelos básicos de sistemas de apo-sentadoria: repartição e capitalização.

O modelo de repartição funciona da seguinte maneira: es-tabelece uma contribuição compulsória para todos os traba-lhadores participantes e seus empregadores e recolhe as con-tribuições em um fundo, que é repartido entre os trabalhado-res inativos. O princípio e a garantia do funcionamento dessesistema é a aliança intergeracional. Os trabalhadores ativoscontribuem para o fundo geral sob a promessa de que quandose aposentarem e se tornarem inativos, os novos trabalhadoresque os substituirão, bem como seus empregadores, contribui-rão para o fundo e garantirão seu sustento. O sistema brasilei-ro, tanto o RGPS como os RPPS´s, funciona sob a lógica do mo-delo de repartição. Os trabalhadores ativos e seus empregado-res contribuem para o fundo (INSS ou cofres do Estado) e o go-verno reparte estas contribuições entre os inativos.

A lógica do modelo de repartição ajuda a entender porque aexistência tão comum no Brasil de aposentados que trabalham,ou seja, de inativos ativos, é uma contradição conceitual. O mo-delo exige que a dicotomia entre ativos e inativos seja respeita-

Leonardo Rodrigues/e-SIM

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da. A dupla condição de ativo e inativo não faz sentido nessemodelo. Por outro lado, o seu equilíbrio financeiro e atuarial nãoestá garantido, pois depende de diversos fatores, principalmen-te das mudanças demográficas que venham a ocorrer ao longodo tempo. Se por exemplo uma geração se tornar mais longeva,e não houver aumento na idade mínima e/ou no tempo mínimode contribuição, a geração seguinte terá que recolher mais e pormais tempo, para sustentar os inativos.

O outro modelo – de capitalização – segue uma lógica total-mente distinta. Os trabalhadores e seus empregadores tambémcontribuem, mas as contribuições são recolhidas em uma containdividual, que se constitui em uma poupança do respectivotrabalhador. Quando a poupança acumulada for suficiente-mente grande, o trabalhador pode se aposentar e passará a viverdos rendimentos e das retiradas da sua poupança previdenciá-ria. Em tese, esse modelo é, por definição, financeiramente equi-librado, pois o trabalhador poderá sacar apenas aquilo que con-seguiu amealhar durante sua vida produtiva.

Há duas diferenças importantes entre os dois modelos. Aprimeira se situa na dimensão dos valores e no estilo de vidaque a sociedade escolhe. O sistema de repartição se baseia nasolidariedade e a privilegia. Todos contribuem para um fundocoletivo, e os valores recolhidos são repartidos entre os queprecisam segundo critérios que podem inclusive ser progres-sivos e redistributivos. Por outro lado, o sistema de capitali-zação privilegia o individualismo: cada um poupa para si mes-mo, e o conforto na aposentadoria depende apenas do esforçoindividual. Solidariedade e individualismo, portanto marcamas diferenças éticas entre os dois sistemas.

A outra diferença é mais pragmática e se refere aos incen-tivos criados em cada um. No sistema de repartição, se a éticada solidariedade não for abraçada com intensidade por toda a

comunidade, podem surgir comportamentos oportunistas.Há um incentivo intrínseco a antecipar aposentadorias e umdesincentivo a contribuir para o fundo comum. É o conhecido"efeito carona", característico de situações em que o mercado edireito de propriedade são substituídos por mecanismos ad-ministrados coletivamente. O caso brasileiro comprova esseperigo. Como entre nós a ética da solidariedade é muito tênue,todos procuram contribuir pouco e antecipar as aposentado-rias, e como vimos, as regras existentes não coíbem esses com-portamentos. Já no sistema de capitalização, ocorre o contrá-rio: os indivíduos têm o incentivo a poupar muito e por muitotempo, pois essa é a única forma de garantir suas aposentado-rias. Não existe "carona" nesse sistema. Em consequência, se asociedade deseja incentivar a poupança de longo prazo, devecriar um sistema de aposentadoria no estilo capitalização.

O Chile é um exemplo sempre citado de país que migrou ra-dicalmente: de um sistema de pura repartição, semelhante aobrasileiro, passou para um sistema de pura capitalização. Mui-tos atribuem o vigoroso crescimento do Chile nos anos 1900 e2000 à reforma da Previdência dos anos 1980, que dotou o paísde instrumentos promotores da poupança. Se isso é verdade,não é menos verdade que após 30 anos os chilenos se depara-ram com um fato desconcertante: muitos cidadãos, os queconstituem a base da pirâmide social e não têm capacidade depoupar porque não permanecem empregados o tempo todo,chegaram à idade de aposentadoria sem nenhuma poupançaacumulada. Diante dessa realidade, o país fez nova reforma,criando benefícios não contributivos exatamente para atenderaqueles que não conseguem poupar.

O caso chileno ilustra muito bem a visão atual dos formu-ladores de políticas públicas na Previdência Social no mundo.Hoje há um reconhecimento consensual das qualidades e das

Como entre nósa ética dasolidariedade émuito tênue,todos procuramcontribuir poucoe antecipar asaposentadorias,e as regrasexistentes nãocoíbem essescomportamentos.

Márcio Fernandes/AE

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limitações dos dois sistemas e a recomendação geral é a demontar sistemas mistos, com diferentes pilares, cada um com alógica própria. Os sistemas modernos de Previdência Socialdevem, ao mesmo tempo, valorizar a solidariedade e a inicia-tiva individual e criar incentivos para que os dois valores se-jam praticados de forma harmônica.

O modelo de reforma da Previdência para o Brasil, sugeridona próxima seção pretende alcançar estes objetivos.

5. O novo modelo: cinco princípios e quatro pilarespara todos (2)

O modelo aqui proposto se baseia em cinco princípios fun-damentais e se aplicaria apenas para novos trabalhadores. Osprincípios são:

I. Universalidade: O novo sistema adota aideia de universalizar benefícios, concedendo-os sem nenhuma contrapartida e sem nenhu-ma exigência, além da condição de ser cida-dão. Este princípio se aplicaria a apenas partedos benefícios, com o objetivo de garantir a to-dos os brasileiros um nível mínimo de renda aoatingir a idade de aposentadoria.

II. Equidade: as regras do novo sistema se-riam as mesmas para todos os participantes,independentemente do setor de atividade eda relação de emprego. Hoje, as regras paracada situação são diferentes e partem deprincípios diferentes, o que gera tratamentosmais e menos generosos e produz desigual-dade e percepção de injustiça. O novo siste-ma trataria todos os novos trabalhadores se-gundo as mesmas regras, inclusive os servi-dores públicos, eliminando as causas da desigualdade.

III. Equilíbrio atuarial: O novo sistema, ao contrário doatual, seria estabelecido de forma a garantir que, para umamesma geração, o total arrecadado seria igual ao total pago.Contribuições e benefícios seriam equivalentes financeira-mente, a taxas de desconto razoáveis. Dessa forma, uma gera-ção não transferiria encargos para as outras gerações.

IV. Eficiência: O novo sistema procuraria minimizar a in-terferência no mercado de trabalho, para favorecer a de-manda e a oferta de trabalho formal. Para tanto, procurariareduzir e equalizar alíquotas de contribuição sobre os salá-rios, tanto as que são pagas pelos trabalhadores como as quesão pagas pelas empresas.

V. Simplicidade: Finalmente, haveria um conjunto pequenode regras e estas seriam muito simples, fáceis de explicar e fáceisde entender. A comunicação do novo sistema para a massa departicipantes seria facilitada com esse princípio.

Com base nestes princípios, o novo sistema se estabeleceria na

forma de um modelo único, com regras simples e iguais para to-dos os brasileiros: trabalhadores assalariados do setor privado,funcionários públicos, autônomos e empregados domésticos. Asregras seriam as seguintes:

(a) Taxa de reposição de 100% para a base da pirâmide so-cial: o desenho do novo sistema para os novos trabalhadoresseria ajustado intencionalmente para garantir a manutençãointegral da renda para quem tem renda mensal no trabalho deaté R$ 1.500,00 (3).

(b) Idade mínima para aposentadoria: todos os novos tra-balhadores, tanto os homens quanto as mulheres, se aposen-tariam aos 65 anos.

(c) Tempo de contribuição: para se aposentar com o valor in-tegral do respectivo benefício previsto, todos contribuirão du-

rante pelo menos 40 anos. Pessoas que cheguemaos 65 anos sem ter contribuído durante 40 anospoderiam se aposentar, mas o valor do seu be-nefício seria proporcional ao número de contri-buições. Para as mulheres, o período mínimo decontribuição seria de 35 anos. O novo sistema re-conheceria a condição específica da mulher, re-duzindo a exigência de período mínimo de suaparticipação no mercado de trabalho.

(d) Quatro pilares: os novos trabalhadoresteriam um sistema de aposentadoria constituí-do de quatro pilares:

Pilar 1: Renda Básica do Idoso (RBI)Pilar 2: Benefício Contributivo por Reparti-

ção (BCR)Pilar 3: Benefício Contributivo por Capitali-

zação (BCC)Pilar 4: Benefício Contributivo Voluntário

por Capitalização (BCVC)(e) Pilar 1: Renda Básica do Idoso – RBI. A RBI seria um be-

nefício universal e não contributivo. Todos os brasileiros rece-beriam sua RBI quando completassem 65 anos, independen-temente de terem ou não contribuído para a Previdência Sociale independentemente de sua renda. A RBI seria intransferível:a morte do beneficiário implicaria a extinção do benefício, quenão se transformaria em pensão para o cônjuge. A RBI seria umprograma financiado com recursos do Tesouro Nacional e ad-ministrado pelo próprio INSS. O valor da Renda Básica do Ido-so poderia ser R$ 300,00.

(f) Pilar 2: Benefício Contributivo por Repartição – BCR. OBCR equivaleria ao atual RGPS (administrado pelo INSS), masseria estendido aos novos funcionários públicos também. Parareceber o BCR, o indivíduo deveria cumprir dois requisitos:primeiro ter completado 65 anos e segundo, ter contribuídodurante 40 anos. O valor do BCR variará entre R$ 500,00 eR$ 1.500,00. Os indivíduos que tiverem contribuído durante 40anos sobre uma renda equivalente a R$ 500,00, receberão um

O novosistema, aocontrário doatual, seriaestabelecido deforma a garantirque, para umamesmageração, o totalarrecadadoseria igual aototal pago.

(2) O modelo aqui proposto foi inicialmente apresentado emZylberstajn, Zylberstajn, Afonso e Souza (2009) e 2008.(3) O valor de R$ 1.500 corresponde a aproximadamente três vezes osalário mínimo vigente em 2010. A partir desse ponto, os valores

dos benefícios sugeridos na proposta de reforma serão expressossempre em reais, procurando colocar em prática a ideia dedesvinculação entre benefícios previdenciários e salário mínimo.

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BCR de R$ 500,00. Os indivíduos que tiverem contribuído du-rante 40 anos sobre R$ 1.500,00 receberão um BCR de R$1.500,00. Os que tiverem contribuído sobre rendas maioresque R$ 1.500,00 terão o BCR limitado a R$ 1.500,00. Os indiví-duos que completarem 65 anos e não tiverem contribuído du-rante 40 anos receberão um BCR proporcional ao tempo e aovalor médio sobre o qual contribuíram. Por exemplo, para umtempo de contribuição de 20 anos sobre R$ 1.500,00, o valor dobenefício será reduzido pela metade, ficando em R$ 750,00. Dovalor do BCR, será deduzido o valor da RBI, de R$ 300,00. Des-sa forma, todos os indivíduos com renda de contribuição atéR$ 1.500,00 terão uma taxa de reposição de 100%. O BCR seráum programa financiado por meio de contribuições sobre arenda dos segurados e administrado pelo INSS.

(g) Pilar 3: Benefício Contributivo por Capitalização -BCC. Este pilar seria criado com a transformação do FGTS (Fun-do de Garantia de Tempo de Serviço) simultaneamente em Se-guro-Desemprego e poupança capitalizada pa-ra aposentadoria. Em linhas gerais, a justificati-va é bastante simples (4). Para propor mudançasnas regras de aposentadoria dos novos trabalha-dores, é essencial levar em conta as instituiçõesexistentes no mercado de trabalho e as restriçõese oportunidades a elas associadas. Nessa pers-pectiva, é necessário lembrar que existe desde1966 um sistema de poupança compulsória daqual participam todos os trabalhadores assala-riados do setor formal privado, o FGTS, que éadministrado pela Caixa Econômica Federal.

Para se transformar num fundo de desem-prego e aposentadoria, as empresas continua-riam a depositar 8% do salário dos empregadosnas contas do FGTS, mas os valores depositadospoderiam ser sacados em apenas três situações:desemprego, aposentadoria e morte. O novoFGTS continuaria sendo depositado nas contasindividuais na Caixa Econômica Federal ou eminstituições privadas, de acordo com a preferência do trabalha-dor. As contas teriam portabilidade e remunerada a taxas reais ecompetitivas, similares às taxas de títulos públicos. Hoje, o fluxodo FGTS é praticamente zerado ano a ano, pois os trabalhadoressacam o montante que acumularam em cada desligamento e ten-dem a transformá-lo em consumo. O volume de saques pratica-mente iguala o volume de depósitos. Nas nossas simulações(não apresentadas aqui), é feita a estimação do fluxo líquido po-sitivo durante as duas primeiras décadas depois do início da re-forma. Os saques por desemprego e por morte seriam menoresque os depósitos, gerando uma poupança líquida.

Finalmente, o novo FGTS seria estendido aos funcionáriospúblicos. Dessa forma, o governo completaria a reforma de2003, que previa a constituição de um fundo de aposentadoria

complementar para os servidores públicos. Esta solução teriauma vantagem adicional: como a taxa de rotatividade dos fun-cionários públicos é praticamente nula, o volume de saques se-ria muito pequeno, gerando um fluxo líquido positivo por al-gumas décadas, que ajudaria a financiar a transição para o no-vo modelo, sem necessidade de aportes.

(h) Pilar 4: Benefício Contributivo Voluntário por Capita-lização - BCVC: Este benefício complementa os três primeirospilares. Teria caráter voluntário e se basearia em contas indi-viduais capitalizadas, cujos gestores seriam escolhidos pelosparticipantes. As empresas poderiam criar planos de aposen-tadoria complementar mediante contas espelho às contas doFGTS dos seus empregados, depositando os valores em insti-tuições de sua escolha.

Financiamento do novo sistema.Para financiar o Pilar 2 todos os novos trabalhadores contri-

buiriam com 5% de seus rendimentos (incidin-do até o teto de R$ 1.500,00) e as empresas com10% (incidindo sobre todo o salário). De acordocom Giambiagi e Afonso (2009) e Zylberstajn,Souza, Afonso e Flori (2006) (ambos já citados naseção 3), a alíquota de 15% seria provavelmentesuficiente para equilibrar intertemporalmenteo sistema, inclusive cobrindo os gastos com be-nefícios acidentários. Na verdade, a taxa deequilíbrio deveria ser permanentemente recal-culada, pois é muito sensível a diversos fatoresque se alteram ao longo do tempo. Hoje, com osavanços da microssimulação, é relativamentesimples obter estimativas atualizadas de qual-quer parâmetro previdenciário (5). Quanto à co-bertura dos benefícios acidentários, seria reco-mendável criar um fundo separado com a fina-lidade específica de cobrir este tipo de risco, se-parando-o institucionalmente das contasreferentes aos benefícios previdenciários.

A carga de contribuições do novo sistema seria menor que acarga que incide sobre os trabalhadores atuais e poderia criaruma dualidade no mercado de trabalho, implicando em dife-rentes níveis de encargos previdenciários. Para evitar que issoocorresse, haveria uma contribuição adicional de 10% sobre asempresas, incidindo sobre todo o salário, denominadas decontribuição isonômica. Além de equalizar a carga de contri-buições dos novos trabalhadores com os atuais trabalhadores,a contribuição isonômica proporcionaria receitas adicionaispara financiar a transição do atual sistema para o novo modeloproposto. As receitas da contribuição isonômica se juntariamàs receitas das contribuições dos atuais ativos e se destinariama financiar todos os benefícios para os atuais ativos, sejam elesprevidenciários ou não.

Reformar aPrevidência seria umaempreitada polêmica,gigantesca edesgastante, com umcusto político paraquem a fizer e combenefícios quedemorariam anos oudécadas até serempercebidos. Por isso, aopção pelo adiamentoé sempre preferida.

(4) A transformação do FGTS em Seguro-Desemprego foi sugeridapor Ricardo Paes de Barros, José Marcio Camargo, José Paulo Z.Chahad e Hélio Zylberstajn ao então Ministro do Trabalho, FranciscoDornelles, em 2001. Stiglitz e Yun (2005) e Feldstein (2005, seção

IV) defendem ideia semelhante à dos autores deste artigo.(5) Os países desenvolvidos utilizam extensivamente amicrosimulação para acompanhar o comportamento financeiro efiscal de seus sistemas de aposentadoria.

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53MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

O modelo proposto de aposentadorias para os novos trabalhadores temvantagens evidentes sobre o modelo atual. Primeiro, a RBI, que é uma garantiade renda para todos os idosos, sem nenhuma restrição, exceto a idade de 65anos. Este benefício substituiria para os novos trabalhadores os benefícios nãocontributivos que hoje são conhecidos como LOAS. Indivíduos que nunca con-tribuíram para o INSS e mesmo indivíduos que nunca trabalharam teriam di-reito à RBI, cuja concessão não dependeria de nenhuma comprovação exceto aapresentação do Registro de Nascimento. A decisão de conceder ou não a RBInão dependeria da boa vontade de algum agente governamental ou da inter-venção de alguma instituição, como hoje ocorre no INSS. O cidadão estaria li-vre para exercer seu direito e obter a RBI, automaticamente.

A segunda vantagem é que a RBI seria claramente definida como um be-nefício não contributivo, financiado com recursos do Tesouro e não com con-tribuições sobre a folha de salários. As contribuições dos segurados se desti-nariam exclusivamente a financiar os benefícios contributivos. A diferença nanatureza dos benefícios (contributivos e não contributivos) implicaria a sepa-ração das respectivas fontes de financiamento (tributos gerais financiando aRBI e contribuições sobre a folha de salários financiando o BCR). A distinçãoconceitual e a separação das fontes de financiamento tornariam mais transpa-rentes as contas do novo sistema previdenciário.

A terceira vantagem seria a desoneração da folha de pagamentos. Ao transferiro financiamento do benefício não contributivo explicitamente para o Tesouro, re-duzir-se-ia a necessidade de recursos para financiar o INSS. Ao mesmo tempo,como o benefício contributivo dos novos trabalhadores teria um teto de R$1.500,00, as alíquotas de contribuição incidentes sobre a renda dos segurados se-riam menores do que as atuais alíquotas. Ou seja, a necessidade de recursos parafinanciar o INSS quando o novo sistema estivesse plenamente implantado e co-meçar a pagar suas aposentadorias, seria sensivelmente menor do que no atual.Sendo assim, o volume de encargos previdenciários sobre a folha de salários seriamenor que o atual, com impactos positivos no mercado de trabalho.

Em quarto lugar, o novo sistema introduziria um grau de equidade hoje ine-xistente na concessão de aposentadorias. Todos os brasileiros receberiam omesmo tratamento, até a renda de R$ 1.500,00. Seria um sistema único, nos doisprimeiros pilares, para todos. Como mais de 75% dos trabalhadores se encon-tram nesta faixa de renda, o novo sistema preservaria para os novos trabalha-dores todos os direitos prometidos pelo sistema atual e ainda asseguraria a RBIa todos, mesmo os que não trabalhassem. Com este desenho, o novo sistemaseria superior, para a grande maioria dos trabalhadores. Além disso, todos ostrabalhadores participariam também do terceiro pilar, e por ocasião da apo-sentadoria teriam um reforço na sua renda com a poupança acumulada. Os de-mais trabalhadores que tivessem capacidade de poupança poderiam acumu-lar recursos por meio das contas individuais do Pilar 4 e, dessa forma, obteraposentadorias mais elevadas, na medida de suas capacidades de poupança.

6. A hora e a vez da reforma da Previdência (6)

O problema da Previdência Social é reconhecido como tal desde os anos 1980,mas as sucessivas administrações não têm sido capazes de enfrentá-lo com a fir -meza necessária. Reformar a Previdência seria uma empreitada polêmica, gigan -tesca e desgastante, com um custo político para quem a fizer e com benefícios quedemorariam anos ou décadas até serem percebidos. Por isso, a opção pelo adia-mento é sempre preferida. A eleição do novo presidente em 2010 oferece umaoportunidade para romper a inércia. Os 100 primeiros dias durante os quais orecém eleito goza da boa vontade da opinião pública e do Congresso são geral-

(6) Esta seção final se baseia em Zylberstajn (2009).

Para ter uma boa chance de venceras resistências, a reforma deve

se limitar aos novos participantes.

Sergio Neves/AE

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54 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

mente aproveitados paraas iniciativas mais ousa-das da nova administra-ção. Esperemos que aoportunidade seja apro-veitada em 2011.

As seções anterioresdescreveram os defeitosdo sistema atual e identifi-caram os interesses que areforma afetaria. Sempreque se tentou reformar aPrevidência, a força dessesinteresses aflorou e impe-diu avanços. Mas, pelo me-nos o País aprendeu comos fracassos. Hoje, sabe-seque para ter uma boa chan-ce de vencer as resistênciasa reforma deve se limitaraos novos participantes. Omodelo aqui proposto so-mente afetaria quem aindanão houvesse entrado nomercado de trabalho. Estescidadãos, quando se tor-nassem trabalhadores, te-riam novas regras de apo-sentadoria, aplicadasigualmente a todos – fun-cionários públicos, traba-lhadores do setor privado,autônomos – sem diferen-ças nem privilégios. Parapoder reformar a Previ-dência as regras dos atuaisparticipantes seriam mantidas – mas só para eles. Com o tempo,eles se aposentariam e o mercado de trabalho seria então forma-do apenas pelos novos trabalhadores para os quais valeriam asnovas regras, igualitárias, simples e transparentes.

Olhando à frente e aproveitando o início de uma nova ad-ministração, a ideia poderia ganhar força e permitir o início dareforma. Mas, a implementação esbarraria em uma dificulda-de adicional muito importante: o custo da transição. Ao criar onovo sistema e separá-lo do sistema atual, a reforma explici-taria a dívida oculta e o governo teria que se comprometer ahonrá-la. Este tem sido outro grande impedimento de qual-quer reforma, pois os valores envolvidos são gigantescos.Nossos cálculos apontam para um volume equivalente a umPIB, que teria que ser coberto nos próximos 30 a 40 anos (ZYL-BERSTAJN, SOUZA e AFONSO, 2006). É um valor maior quea atual dívida mobiliária, que se situa no nível dos 60% do PIB.O governante que promovesse a reforma estaria multiplican-do a dívida atual por quase três! Convenhamos, seria precisomuita coragem para fazer isso.

Felizmente, o Brasil ganhou da Natureza uma fonte de re-cursos para ajudar a financiar a transição: o petróleo do Pré-sal.

Segundo os especialistas da área, o excedente gerado pela suaexploração seria da ordem de um PIB e estes recursos jorrariamdo fundo do mar durante as próximas duas ou três décadas,exatamente no período da transição, se a reforma da Previdên-cia for feita nos próximos anos. As receitas teriam uma desti-nação nobre, formando o Fundo da Transição que garantiria oscompromissos gerados pela reforma da Previdência. Anun-ciando a formação desse fundo com os recursos do Pré-sal oPaís daria credibilidade para a própria reforma e iniciaria umprocesso virtuoso, pois permitiria reduzir imediatamente osencargos sobre a folha de salários, estimulando a geração deempregos e a produção.

Cabe uma menção à questão demográfica. De acordo comas estatísticas do IBGE, o Brasil está entrando no período dobônus demográfico (O Estado de S. Paulo, 03/01/2010). As-sim, teremos durante as próximas décadas um contingentede pessoas em idade ativa maior do que o de crianças e ido-sos. Isso acontece com todas as sociedades, mas apenas umavez. É uma oportunidade para crescer, pois haverá muitostrabalhadores e poucos dependentes. Se fizermos a reformada Previdência agora, estaremos amplificando os efeitos

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55MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

positivos do bônus demográfico.Em conclusão, este texto procurou mostrar que o Brasil gas-

ta muito com aposentadorias e pensões e gasta mal. Uma par-cela muito grande da arrecadação está comprometida comaposentadorias e pensões, de uma maneira pouco equitativa,privilegiando alguns segmentos em detrimento da grandemaioria. O sistema atual impõe uma forte carga tributária so-bre a folha de salários, cria incentivos para a informalidade e ooportunismo previdenciário, não contribui para a formaçãode poupanças e para a expansão do emprego e da produção.Enfim, o texto procurou justificar uma reforma da PrevidênciaSocial. Ao mesmo tempo, procurou mostrar que há uma con-jugação de fatores favoráveis à decisão de reformá-la. Um no-vo governo tomará posse em janeiro de 2011. Se focar apenasnos novos trabalhadores, sem questionar direitos adquiridos eexpectativas de direitos dos atuais trabalhadores, aposenta-dos e pensionistas, a reforma ganhará viabilidade política. OPré-sal poderá garantir a viabilidade econômica, oferecendorecursos para financiar a transição. Os quatro pilares propos-tos poderão criar um novo sistema mais justo e eficiente. O Bra-sil precisa aproveitar esta oportunidade.

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Um novo governotomará posse emjaneiro de 2011.Se focar apenasnos novostrabalhadores,sem questionardireitosadquiridos eexpectativas dedireitos dos atuaistrabalhadores,aposentados epensionistas, areforma ganharáviabilidadepolítica.

Marcelo Soares/Luz

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Câmbio, juros espreads – propostas depolíticas econômicas

ALFER

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57MARÇO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Patrícia Cruz/LUZ

Joaquim ElóiCirne de Toledo

PhD em Economia peloMassachusetts Institute of

Technology (MIT), foiprofessor da FEA-USP e

diretor executivo doBanco Nossa Caixa.

Atualmente, é consultoreconômico-financeiro.

Resumo:

Este artigo propõe um conjunto de medidas de política econômica, que temcomo objetivo depreciar a taxa real de câmbio, reduzir a taxa básica de jurose reduzir os spreads de crédito. O objetivo último que se busca é odesenvolvimento econômico equilibrado, isto é, com crescimento, melhordistribuição de renda e riqueza, e estabilidade de preços. Defende-se aqui avisão de que uma taxa real de câmbio (relativamente) depreciada e menorescustos de capital induzirão, não apenas ao crescimento do estoque de capital,mas também ao progresso técnico, especialmente pela emulação e difusão detécnicas e tecnologias já conhecidas em outros países.

Entre as várias medidas propostas, destacam-se: políticas fiscais restritivas;redução, ao longo do tempo, do estoque da dívida pública líquida, através damaximização dos superávits primários; redução dos encargos fiscais sobre afolha de pagamento; instituição de royalties significativamente mais elevadossobre toda a produção mineral; instituição de impostos (como a CIDE) sobre aprodução de minerais brutos, com alíquotas decrescentes ao longo do tempo;maior liberalização da legislação cambial, viabilizando maiores investimentosde brasileiros no exterior; reforço nas estruturas legais de defesa daconcorrência; implantação de sistemas de cadastro positivo; imposição delimites legais (razoáveis) para taxas de juros para consumidores; ação doBanco Central para coibir, através de persuasão, spreads excessivos; e forteatuação de bancos públicos na concessão de crédito às micro e pequenasempresas, sem a imposição de restrições individualmente estabelecidas sobreos potenciais demandantes de crédito, agindo como verdadeiros garantidoresda liquidez desse segmento empresarial.

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Introdução

Este artigo não pretende inovar e nemavançar a fronteira do conhecimentode política econômica. Apresenta-seaqui a visão do autor sobre relações

entre variáveis econômicas, e sobre políticasadequadas para obter três resultados que me-recem ser objetivos de política econômica naatual situação do Brasil: depreciação da taxareal de câmbio, redução da taxa básica (real) dejuros e redução dos spreads de crédito.

O referencial básico de análise enfatiza o pa-pel dos mercados de ativos, a determinaçãoendógena e correlacionada da taxa real decâmbio e dos salários reais, e a determinaçãodas taxas de juros (e de suas expectativas) emfunção do objetivo buscado pela autoridademonetária – o de estabilidade de uma (baixa)taxa de inflação.

A atenção dedicada à taxa de câmbio e aocusto de capital está fundamentada na rele-vância dessas duas variáveis para o desen-volvimento econômico equilibrado, isto é,com crescimento, melhor distribuição de ren-da e riqueza, e estabilidade de preços. Defen-de-se aqui a visão de que uma taxa real decâmbio (relativamente) depreciada, e meno-res custos de capital, induzirão não apenas aocrescimento do estoque de capital, mas aoprogresso técnico, especialmente pela emu-lação e difusão de técnicas e tecnologias já co-nhecidas em outros países

O texto a seguir foi dividido em sete seções.A primeira inclui breves considerações sobreinvestimento e poupança, temas centrais doconjunto de artigos em que este se insere. A se-gunda, a quarta e a sexta seções tratam dos fa-tores determinantes, no Brasil, da taxa de câm-bio, da taxa básica de juros e dos spreads decrédito, respectivamente. A terceira, a quinta ea sétima seções incluem sugestões de políticaspara depreciar a taxa de câmbio e reduzir a ta-xa básica de juros e os spreads de crédito, tam-bém respectivamente.

1. Investimento e Poupança

1.1. Investimento

O nível de investimento em ativos físicos (aFormação Bruta de Capital Físico – FBCF) nãoé o único determinante da capacidade de cres-cimento viável da economia, mas é sem dúvi-da um dos mais importantes. Também são fun-damentais o crescimento da força de trabalho,seu grau de educação e treinamento (o "capital

humano"), e o progresso técnico.Como o investimento nada mais é do que a

construção, produção e instalação de novosequipamentos, veículos, infraestrutura, imó-veis etc., seu nível depende das condições deoferta de tais ativos físicos reproduzíveis. Umaumento no preço de mercado desses ativos,devido à maior demanda, estimulará um au-mento no volume e quantidade ofertados.Contrariamente, aumentos nos preços dos "fa-tores de produção" e nos impostos dos setoresprodutores de bens de capital reduzem suaoferta e, logo, deprimem o investimento.

O preço de mercado de um ativo real repro-duzível depende, entre outros fatores, das ta-xas de retorno de ativos alternativos na deci-são de alocação de portfólio dos agentes eco-nômicos. Entre essas taxas, uma das mais rele-vantes é a taxa de retorno dos títulos públicos,que depende da política monetária seguidapelo Banco Central, tanto no presente, comono futuro (conforme prevista pelos agenteseconômicos), e da política fiscal. Além da evo-lução da taxa básica de juros, também é de fun-damental importância o custo do crédito parao setor privado e, por isso, o nível dos spreadsbancários praticados.

1.2. Poupança

A definição econômica de poupança é sim-ples: é a parcela da renda (bruta) de um agenteeconômico que não é consumida. Esta referên-cia à renda "bruta", acima, é devida ao fato deque não são considerados os valores de even-tuais depreciações, amortizações e exaustões

A definiçãoeconômica de

poupança é simples:é a parcela da renda(bruta) de um agente

econômico quenão é consumida.

Diego Padgurschi/Folha Imagem

Paulo Pampolin/Hype

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de recursos naturais. A "renda", aqui, não inclui ganhos ou perdas de capital.Há três fontes de poupança, conforme as características do poupador: a pou-pança privada, a pública e a externa. A poupança privada engloba aquela rea-lizada pelas famílias e pelas empresas. A das famílias é a diferença entre seufluxo de renda (descontados os impostos diretos) e seu fluxo de consumo, in-clusive impostos indiretos. A das empresas é o seu fluxo de lucros líquidos re-tidos – ou seja, já descontadas eventuais distribuições de lucros – somados àsdepreciações e amortizações do período. Como no caso das famílias, eventuaisganhos ou perdas de capital sobre ativos não são considerados, pois não fazemparte do PIB. A poupança pública é a diferença entre a receita líquida do go-verno e seus gastos correntes (o consumo público). A receita líquida do gover-no é igual à receita bruta, menos as transferências ao setor privado (aposen-tadorias, pensões, benefícios assistenciais, subsídios, juros sobre a dívida pú-blica etc.). A poupança externa é o déficit na Balança de Transações Correntesdo País, que é a soma da balança comercial, da balança de serviços e das trans-ferências unilaterais (doações internacionais, remessas de migrantes etc.).

A poupança privada pode ser afetada pela estrutura tributária, como no ca-so das isenções fiscais para aplicações em previdência complementar. As evi-dências empíricas internacionais indicam que não há relação entre o nível depoupança propriamente definido das famílias e a taxa real de juros da econo-mia. Por outro lado, existe sim o efeito esperado entre juros e a aquisição ("con-sumo") de bens duráveis, que na realidade representa um investimento dasfamílias. Em geral, ressalte-se, a principal fonte de poupança privada não é apoupança das famílias, mas os lucros retidos do setor empresarial.

Os mais importantes fatores que determinam o nível de poupança privada emuma economia são: seu nível e perfil de distribuição de renda; a cultura e os cos -tumes sociais (como a aversão ao consumismo, a busca de melhor situação eco-nômica através da acumulação de ativos, a aversão ao risco de perda de renda etc.);

a estrutura, a abrangência, a sofisticação e a ga-rantia de esquemas de previdência pública e pri-vada; e a estrutura, a abrangência, a sofisticação eo tamanho da indústria de seguros.

Em geral, esquemas públicos e/ou priva-dos de previdência em bases correntes, ou seja,sem acumulação, tendem a reduzir a taxa depoupança privada. A razão é absolutamentesimples: a poupança de um grupo – os que pa-gam as contribuições – é compensada pela"despoupança" (a "poupança negativa") dogrupo que recebe os benefícios. Estes últimosnão geram renda econômica, mas consomem –ou seja, têm uma "despoupança".

Os graus de garantia e de "generosidade"(nível de cobertura) dos esquemas de previ-dência pública e/ou privados também são fa-tores importantes para a determinação do ní-vel de poupança privada. Esquemas de bene-fício definido incentivam menos a poupançado que os de contribuição definida, pois os par-ticipantes desses últimos precisam se protegerde seus riscos intrínsecos (como a baixa renta-bilidade das reservas previdenciárias, o au-mento na expectativa de sobrevida etc.).

A indústria de seguros também é um fatordeterminante da poupança privada, devido ànecessidade de acumulação de reservas atua-riais. Tal acumulação significa que os segura-dos deixam de consumir para pagar os prê-mios de seguros; o valor da acumulação de re-servas pelas seguradoras é equivalente a lu-cros retidos, pois esse valor não pode serdistribuído e, logo, não pode ser consumidopelos acionistas das seguradoras.

2. Fatores determinantesda taxa de câmbio no Brasil

A taxa de câmbio é o preço relativo de um ati-vo, a moeda nacional. Por outro lado, a taxa decâmbio real é o preço relativo (abstraindo-se im-postos) de dois conjuntos de bens e serviços naeconomia, tradeables e non-tradeables, que sãoaqueles efetiva ou potencialmente transacioná-veis ou não com o exterior. Tal preço relativo éum dos determinantes dos fluxos de comérciointernacional de bens e serviços e, logo, dos sal-dos na Balança de Transações Correntes.

A análise da taxa de câmbio, portanto, re-quer a integração do comportamento de esto-ques e fluxos, e não pode prescindir da incor-poração explícita de suas dinâmicas (ou seja,de suas evoluções ao longo do tempo), bem co-mo do papel fundamental das expectativas. Ataxa (real) de câmbio em um dado momento, eseu caminho ao longo do tempo, dependem

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também das expectativas de desenvolvimen-to futuro de novas e significativas fontes de ex-portações e/ou substituição de importações(como no caso do petróleo no pré-sal), da evo-lução da produtividade, das políticas econô-micas e da situação de equilíbrio (steady state)previstas para o futuro. O equilíbrio de "steadystate" é a situação da balança de transaçõescorrentes que eventualmente terá que preva-lecer para garantir que a economia não seguiráuma trajetória de acumulação explosiva depassivos externos, ou seja, um "jogo Ponzi".

No caso brasileiro, os fluxos da Balança deTransações Correntes são fortemente depen-dentes dos mercados internacionais de commo-dities. A alocação de portfólio, por sua vez, comoem qualquer economia, depende das rentabili-dades relativas dos ativos (incluindo variaçõesde seus preços, ou seja, ganhos e perdas de ca-pital), de seus riscos, e de eventuais restrições àliberdade de decisão dos agentes econômicos.

Como os mercados de ativos são mais orga-nizados, transparentes e ágeis do que os mer-cados de bens e serviços e o mercado de traba-lho, a taxa de câmbio prevalecente é sempreaquela determinada pelo equilíbrio nos mer-cados de ativos. Se essa taxa não for simulta-neamente aquela que equilibra os mercadosde bens e serviços, e o mercado de trabalho,surgirão pressões sobre os preços nominais esobre os salários nominais.

2.1. Preços internacionaisde commodities (1)

Há um vasto e extremamente convincenteconjunto de evidências que mostram a estreitacorrelação entre os preços internacionais decommodities e a taxa real de câmbio no Brasil.Quando as commodities se valorizam, tam-bém se aprecia a taxa real de câmbio.

A relação é facilmente explicada pelo grandepeso das commodities na pauta de exportaçõesbrasileira. Se adotada uma conceituação amplade commodities, incluindo certos produtos ma-nufaturados (como siderúrgicos), sua propor-ção nas exportações totais brasileiras pode supe-rar três quartos. Além disso, o Brasil exporta ma-nufaturados para países que também são de-pendentes da exportação de commodities. Dadoo peso do Brasil na produção mundial de com-modities – especialmente metálicas e agrícolas –,bem como o longo prazo de maturação de inves-timentos para ampliar a produção das commo-

dities minerais, é natural que se observe a forte correlação descrita.A elevada competitividade relativa do setor brasileiro de commodities (es-

pecialmente minerais), junto com a perspectiva de manutenção de preços in-ternacionais elevados, tem determinado uma taxa de câmbio apreciada de-mais para viabilizar o crescimento e diversificação de outros setores produ-tores de tradeables. Tendo em vista que essas commodities são recursos nãorenováveis, geradores de renda econômica pura, há um claro caso a favor desua tributação (através de royalties e impostos específicos).

2.2. Alocação de portfólio e fluxos de capitais

Fluxos de capitais podem ser atraídos ao País em resposta a três variáveis: apercepção de risco do Brasil (como mensurado, por exemplo, pelo spread derentabilidade, o chamado "risco Brasil"); a taxa de juros; e, finalmente, a expec-tativa de lucros e, especialmente, de ganhos de capital de investimentos inter-nos. A correlação entre a taxa real de câmbio e cada uma dessas variáveis é in-tuitiva: o real se aprecia com menor risco, maior taxa de juros e maior expec-tativa de lucros e ganhos de capital.

2.3. Alocação de portfólio e reservas externas

A acumulação de reservas externas pelo Banco Central pode afetar o com-portamento da taxa real de câmbio. Expansão das reservas, em função de suaaquisição no mercado, induz à depreciação do real, ou tende a minorar umatendência de apreciação.

(1) O conceito de commodities adotado neste artigo é mais abrangente que o usual, incluindo também os minérios em geral.

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A razão para esse efeito é o fato de que a acu-mulação de reservas tem como contrapartidanecessária a expansão da dívida pública inter-na. No processo, os agentes econômicos redu-zem a proporção de ativos externos (ou au-mentam a proporção de passivos externos) emseus portfólios, ao mesmo tempo em que se ex-pande a proporção de títulos públicos deno-minados em reais. Como essas duas classes deativos não são equivalentes, como é óbvio, a al-teração na alocação de portfólio afeta seus pre-ços relativos, ou seja, a taxa de câmbio.

3. Políticas para depreciara taxa de câmbio

Antes de mais nada, é preciso analisar, ain-da que brevemente, se a depreciação da taxareal de câmbio é efetivamente um objetivoadequado hoje, no Brasil. Afinal, há trade-offsrelevantes, refletindo a necessidade de esco-lher entre duas situações que se opõem na bus-ca de um resultado desejável, e que devem serexplicitamente considerados.

Primeiro, há os efeitos negativos da depre-ciação cambial, basicamente dois: aceleraçãoinflacionária e redução dos salários reais, numprocesso que depende também das condiçõesda demanda agregada no momento em que adepreciação ocorre. Como mostram as políti-cas cambiais populistas há muito adotadas naAmérica Latina, e como mostram abundante-mente as experiências de estabilização comâncora cambial, a apreciação da taxa real decâmbio tem como contrapartida um aumentono poder de compra dos salários. Inversamen-te, a depreciação reduz os salários reais. Poroutro lado, tanto em função da queda nos sa-

lários reais – que gera pressões trabalhistas poraumentos nominais de salários, que pressio-nam custos e preços –, como diretamente, a de-preciação tende a acelerar a taxa de inflação(mais sobre esta questão a seguir).

Os efeitos positivos da depreciação cambialtambém são dois. Primeiro, ela tende a melho-rar a Balança Comercial, e a de alguns serviços e,dessa forma, a Balança de Transações Corren-tes. Como consequência, tende a cair o "riscoBrasil", ou seja, cai o custo de capital. Segundo,amplia-se a produção de tradeables na econo-mia (exportáveis e concorrentes de importa-ções), com geração de empregos na sua cadeiaprodutiva. Ademais, os setores corresponden-tes, devido à necessidade de competição inter-nacional, são importantes absorvedores e difu-sores de avanços técnicos, induzindo a ganhosde produtividade em toda a economia.

A ocorrência simultânea de efeitos positi-vos e negativos (trade offs) pode ser adminis-trada seguindo a regra de alocação de instru-mentos a objetivos. Assim, os dois efeitos ne-gativos da depreciação podem ser compensa-dos ou, pelo menos, minimizados, através deoutras medidas de política econômica. Aspressões inflacionárias podem ser combatidascom medidas de política fiscal restritiva. A re-dução dos salários reais – que levaria não ape-nas à inflação, mas a um menor nível de ativi-dade e emprego – pode ser compensada atra-vés de alterações na estrutura tributária. Aqui,a principal recomendação seria a redução dosencargos fiscais sobre a folha de pagamentos.

As seguintes medidas, então, poderiam seradotadas para induzir à depreciação da taxareal de câmbio: políticas fiscais restritivas; re-dução dos encargos fiscais sobre a folha depagamento; acumulação de reservas exter-nas pelo Banco Central (BACEN), levando-seem conta custos e benefícios; aumento da vo-latilidade da taxa de câmbio, pelo BACEN(aumenta o risco dos passivos externos); re-dução da rentabilidade de aplicações de capi-tais de estrangeiros no Brasil, incluindo: im-posto sobre Operações Financeiras (IOF) noingresso de recursos estrangeiros para aplica-ção no mercado financeiro e de capitais, comatenção para as formas em que essa entradapode ser disfarçada de modo a contornar a tri-butação, retenção compulsória (quarentena),sem remuneração e por período determina-do, dos recursos internados (já convertidosem reais), e incidência de Imposto de Renda(IR) na fonte sobre toda e qualquer remune-ração auferida no Brasil, inclusive e particu-larmente ganhos de capital; instituição de

Quando as commoditiesse valorizam, também

se aprecia a taxa real decâmbio. A relação é

facilmente explicadapelo grande peso

das commodities napauta de exportações

brasileira.

Pablo de Sousa/Luz

Fábio Morra/AE

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royalties permanentes sobre toda a produçãomineral; instituição de impostos do tipo daContribuição de Intervenção sobre o Domí-nio Econômico (CIDE) sobre a produção deminerais brutos, sendo que essa tributação,para induzir à depreciação cambial, deveriater as seguintes características: alíquotas eprazos de duração suficientes para afetar omercado cambial via expectativas (lembran-do-se que a taxa de câmbio é o preço de um ati-vo), transitoriedade pré-anunciada e rigoro-samente obedecida, para induzir à posterga-ção de produção e exportações, e alíquotasdecrescentes no tempo, até a eliminação total,também pré-anunciadas, para reforçar a in-dução à postergação de exportações (aumen-tando o lucro da postergação, pela menor tri-butação futura), com cuidado para evitar amigração para outros países de novos inves-timentos na prospecção e exploração de re-cursos minerais; maior liberalização das re-gras cambiais, viabilizando maiores investi-mentos de brasileiros no exterior, inclusive

fundos de pensão; adoção de estruturas tributárias que, na medida do pos-sível, não penalizem a produção de bens e serviços exportáveis, vis-à-vis osque competem com importações; e restrições ao financiamento de importa-ções de bens e serviços de consumo.

4. Fatores determinantes da taxa de juros

4.1. Objetivos da política monetária

O principal objetivo da política monetária é a estabilidade de preços ou,mais apropriadamente, a estabilidade de uma taxa "módica" de inflação. Nocaso específico do Brasil, o Banco Central declara explicitamente que esse é seuúnico objetivo.

Os estatutos legais de criação do Federal Reserve System (Fed), o bancocentral dos Estados Unidos, estabeleceram três objetivos simultâneos: es-tabilidade de preços, pleno emprego e taxa de juros mínima viável de longoprazo. Apesar da possível interpretação de que a existência desses múlti-plos objetivos poderia implicar em incompatibilidades, tal não ocorre efe-tivamente. De fato, o objetivo de pleno emprego – na visão dos economistasem geral – é equivalente ao objetivo de estabilidade de preços: o pleno em-prego é definido como "os níveis de atividade e emprego que geram esta-bilidade de preços" (2). O objetivo de "taxa de juros mínima viável de longoprazo" não conflita, por hipótese, com a estabilidade de preços (daí a qua-

O objetivo de "taxa de juros mínima viável de longo prazo" não conflita, por hipótese, com a estabilidade de preços.

2) Na literatura acadêmica em inglês, o pleno emprego é identificado como NAIRU – Non Accelerating Inflation Rate of Unemployment.

Eduardo Knapp/Folha Imagem

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lificação de "viável"). A racionalização desse objetivo está na minimizaçãodo prêmio de risco da taxa de juros de longo prazo. A minimização desseprêmio de risco é conseguida através da prática de políticas monetárias pre-visíveis e de baixa volatilidade, que minimizam a variância dos preços dostítulos de longo prazo e, portanto, de suas taxas de retorno.

Outros arranjos e combinações de objetivos da política monetária podem serobservados em outros países, inclusive com relação às taxas de câmbio. Assimcomo no caso do Fed, porém, o resultado da prática de política monetária é ge-neralizadamente o mesmo: busca-se obter a estabilidade de preços e minimizar avolatilidade (e, portanto, os prêmios de risco) nos mercados de títulos públicos.

A conclusão, assim, é que as taxas básicas de juros praticadas por um BancoCentral em geral independem da existência ou não de objetivos adicionais,além da estabilidade de preços.

4.2. Regime de metas de inflação

Não há evidências conclusivas de que o regime de metas de inflação sejapor si mesmo um fator totalmente determinante da taxa básica de juros empaíses onde a políticamonetária é orientadapor tal regime, desde quehaja um histórico portempo razoável de infla-ção módica e um clarocompromisso do sistemapolítico de manter o con-trole inflacionário, comojá é a situação brasileira.Seja qual for o regime depolítica monetária ado-tado por um Banco Cen-tral, por outro lado, a taxabásica de juros será simafetada transitoriamentepor uma mudança na me-ta de inflação (explícitaou implícita). Em parti-cular, se o Banco Central adotar e perseguir ativamente uma meta de infla-ção inferior à meta prevalecente e, especialmente, inferior às taxas de infl a-ção corrente e prevista para o futuro próximo, a taxa básica de juros terá queser mais alta, em média, do que seria se a meta não fosse alterada. Assim,durante um certo período de tempo, e de forma transitória, o Banco Centraltentará provocar uma elevação nas taxas reais de juros, de modo a deses-timular o investimento e a aquisição de bens de consumo duráveis privadose, então, reduzir a demanda agregada e o nível de atividade na economia. Amaior ociosidade e o maior desemprego deveriam, em tese, provocar a re-dução da taxa de inflação.

Tendo em vista que a redução da taxa de inflação só poderá ser obtida comdefasagens e à custa de uma redução nos níveis de investimento e de con-sumo privados, e da atividade econômica, e de um aumento do desemprego– ou seja, terá elevados custos sociais e econômicos – essa redução só será jus-tificável quando a inflação, por si só, apresentar elevados custos. Tal nãoocorre quando a taxa de inflação é razoavelmente baixa e estável, como é ocaso na atual situação da economia brasileira.

4.3. Política Fiscal

Os efeitos da política fiscal sobre a taxa bá-sica de juros são indiretos, e se dão através dareação do Banco Central e das expectativasque os agentes econômicos formam com refe-rência a tal reação. Basicamente, o que é rele-vante é a caracterização da política fiscal comrespeito a seus impactos adicionais sobre o ní-vel de demanda agregada na economia: ex-pansiva ou restritiva. Se a política fiscal esti-mula positivamente a demanda agregada naeconomia, ela é considerada como "expansi-va", no caso contrário, é "restritiva".

Se medidas de política fiscal com efeito lí-quido expansivo forem adotadas e/ou foremprevistas para o futuro, o Banco Central rea-girá (imediatamente ou ao longo do tempo)

prat icando taxasbásicas de juros su-periores às que de-terminaria, na au-sência daquelas me-didas. O Banco Cen-tral, assim, agirá detal forma que qual-quer estímulo adi-cional de demandaproduzido pela po-lítica fiscal (ou porqualquer outro fa-tor) terá como con-trapartida uma polí-tica monetária me-nos expansiva (oumais restritiva).

A política fiscalserá (mais) expansiva nos seguintes casos: au-mentos nos gastos públicos, incluindo tantoos correntes (consumo do governo) como osde investimento, e menor tributação líquida,seja por menor arrecadação de impostos (tri-butação bruta), seja por aumento nas transfe-rências ao setor privado (aposentadorias,pensões, subsídios, benefícios sociais, e jurosreais sobre a dívida pública).

Além desses casos básicos, outras combi-nações de variações nos gastos e na tributaçãolíquida também podem ter efeito expansivosobre a demanda agregada na economia. Oexemplo clássico é o de um aumento nos gas-tos, acompanhado de um aumento (um pou-co) maior na tributação líquida. Dependendode suas dimensões, tais medidas podem ser

Seja qual for oregime de políticamonetária adotadopor um BancoCentral, por outrolado, a taxabásica de jurosserá sim afetadatransitoriamentepor uma mudançana meta de inflação(explícita ouimplícita). Na foto,Henrique Meirelles,presidente do BC.

Dida Sampaio/AE

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expansivas, apesar de reduzirem o déficit público. Este é umexemplo que mostra por que não é apropriado relacionar semmaiores qualificações o déficit público (primário, real ou nomi-nal) às taxas de juros básicas praticadas pelo Banco Central.

4.4. Dívida Pública

A relação entre o tamanho relativo da dívida pública (líquida)e a política monetária se dá através de seus efeitos sobre os mer-cados de ativos. Se a dívida pública (líquida) aumentar, sem queo Banco Central suba as taxas de juros básicas, os mercados doschamados ativos reais serão pressionados, devido à tentativados agentes econômicos de manter a diversificação de seus port-fólios. Em consequência, haverá um excesso de demanda inci-piente sobre esses ativos, determinando um aumento compen-satório em seus preços. O aumento nos preços dos ativos reaisreproduzíveis (como imóveis, equipamentos, veículos etc.) es-timulará sua produção – ou seja, o investimento, a FormaçãoBruta de Capital Fixo. Como o investimento é um importantecomponente da demanda agregada, o resultado final será tam-bém seu aumento.

Além disso, o aumento da dívida pública, também devido àtentativa de diversificação, poderá gerar depreciação da taxa decâmbio, que é o preço dos ativos externos da economia. Além doefeito direto sobre a inflação, nesse caso, haverá também o efeitoindireto sobre os níveis de salário real. Como a depreciação dataxa real de câmbio reduz os salários reais, haverá uma pressãodos trabalhadores por aumentos nos salários nominais, pressio-nando custos e preços.

Em ambos os casos – maior demanda e depreciação – haverá orisco de pressões inflacionárias. Para evitá-las, o Banco Centralirá praticar uma política monetária mais restritiva. Assim, o au-mento da dívida pública induz o Banco Central a adotar jurosmais elevados.

4.5. Poupança interna

Em geral, quanto maior for a poupança total, menor será a ta-xa real de juros de equilíbrio da economia – ou seja, a taxa real de juros com-patível com estabilidade da taxa de inflação. Um aumento da poupançaagregada nada mais é do que uma queda na demanda agregada na econo-mia, abrindo espaço para uma menor taxa real de juros – que irá estimularo investimento privado mantendo-se a estabilidade da taxa de inflação.

4.6. Eficiência sistêmica da economia nacional

O grau de eficiência do sistema econômico nacional como um todo é umimportante fator na determinação do nível de atividade viável, para um dadoconjunto de fatores de produção. A eficiência sistêmica depende, entre outro sfatores, da existência de um sistema de preços não distorcedor, da estruturatributária, da estrutura legal e judicial, da abrangência dos "mercados", daqualidade da infraestrutura (especialmente de transportes), e do grau de in-tegração regional e setorial.

Quanto maior for a eficiência sistêmica, maior também será a capacidadeprodutiva efetiva. Isso reduz a necessidade de conter a demanda agregada pa-ra evitar pressões inflacionárias e, logo, viabiliza a adoção de políticas mone-tárias menos restritivas (ou seja, de menores taxas básicas de juros).

4.7. Grau de concorrênciana economia

Quanto maior o grau de concorrência naeconomia, menor será o poder de mercadomédio das empresas e, logo, também menor omark up. A contrapartida lógica de menoresmark ups são maiores níveis de salário realefetivamente observados.

Para um dado nível de atividade econômicae de emprego (e de desemprego), como já se ar-gumentou extensivamente, maiores saláriosreais reduzem a pressão por aumentos nomi-nais de salários. Como consequência, tambémse reduzem as pressões de custos e de preços,diminuindo a necessidade de políticas econô-micas restritivas para controlar a inflação.

A eficiência sistêmica da economia tambémdepende do grau de concorrência. Quanto maior

Bobby Yip/Reuters

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maiores salários nominais e gerando inflação direta e indiretamen-te: no primeiro caso, porque certos salários são também preços (co-mo em serviços, por exemplo); no segundo, porque salários são cus-tos e, quando aumentam de forma generalizada, afetando toda a es-trutura produtiva, afetam os preços dos produtos de forma signi-ficativa. Como se viu, para evitar tais pressões inflacionárias, oBanco Central irá adotar uma política monetária mais restritiva, ouseja, irá praticar juros básicos (reais) mais elevados.

Deve-se enfatizar os resultados finais dessa cadeia de causalidade,que são o menor nível de atividade econômica e, logo, o maior de-semprego. A inflação só irá se estabilizar quando a atividade econô-mica for suficientemente menor, e o desemprego maior, para deses-timular no grau necessário as pressões dos trabalhadores por aumen-tos nominais de salários, apesar de seu menor poder de compra.

Em resumo, uma taxa real de câmbio depreciada tem como con-trapartida menores níveis de salário real, emprego, e atividadeeconômica, enquanto a taxa real de juros é mais alta. Os setores detradeables da economia (exportadores efetivos ou potenciais, e osque competem com importações) são beneficiados, claro, mas opreço é pago pelo conjunto da economia, se não forem adotadaspolíticas compensatórias.

4.9. Risco relativo dos ativos financeiros

As decisões de alocação de portfólio pelos agentes econômicosdependem, entre outros fatores, de seus graus relativos de risco ede suas taxas de rentabilidade previstas.

Uma redução no grau de risco das aplicações em títulos públi-cos aumenta sua atratividade e, portanto, sua demanda. Há um ex-cesso de demanda pelos títulos e, em contrapartida, excesso deoferta de ativos reais e/ou ativos externos. Como consequência, ospreços dos ativos reais reproduzíveis tendem a cair, e a taxa decâmbio tende a se apreciar. Como já se argumentou (vide seção4.4), isso reduz as pressões inflacionárias na economia, viabilizan-do menores taxas básicas de juros.

De modo contrário, medidas que aumentem o risco das aplicaçõesem títulos públicos acabam por gerar pressões inflacionárias e, porisso, levam a taxas básicas de juros mais elevadas.

4.10. A questão da remuneração dos depósitos de poupança

A existência de uma taxa fixa de juros para depósitos de poupança podese tornar um problema, quando houver a expectativa de a taxa básica dejuros tornar-se inferior a ela e, pior ainda, se isso efetivamente acontecer.Nesse caso, se o sistema financeiro for obrigado a aceitar depósitos de pou-pança de qualquer valor, sua taxa de juros se transformará no piso do custode funding, determinando um dos componentes fundamentais do custo docrédito para indivíduos e empresas, e levando a distorções na captação ealocação de recursos financeiros, particularmente no sistema financeirobrasileiro, onde os da poupança se destinam a finalidades específicas, co-mo o financiamento de habitações.

Além disso, a remuneração dos depósitos de poupança também afeta a alo-cação de portfólio pelos agentes econômicos. Como os depósitos de poupançasão vistos como aplicações de baixo risco, sua remuneração líquida será a prin-cipal taxa de retorno alternativa às taxas dos ativos reais. Nesse caso, reduçõesna taxa básica de juros (dos títulos públicos) não estimularão uma realocaçãode portfólio a favor dos ativos reais.

for o grau de concorrência, maior será a eficiên-cia do sistema de preços e, portanto, também daalocação de recursos na economia.

A conclusão, assim, é que a defesa da con-corrência acaba por viabilizar maior eficiên-cia, menores mark ups, maiores níveis de sa-lários reais, menores pressões inflacionárias e,portanto, viabilizam a adoção de menores ta-xas básicas de juros pelo Banco Central.

4.8. Taxa real de câmbio e salário real

Como já argumentado acima, o nível da taxareal de câmbio também é um fator determinan-te da política monetária, ou seja, da taxa básicade juros. Em resumo, quanto menor o poder decompra externo da moeda (uma taxa real decâmbio depreciada), menor também o poder decompra dos salários, levando a pressões por

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A conclusão, assim, é que, em tal situação a política monetária (ou seja, astaxas básicas de juros) terá grandemente prejudicada sua capacidade de con-trole sobre a economia.

5. Políticas para redução da taxa básica de juros

A análise precedente dos fatores determinantes da taxa básica de juros indica aspolíticas que são mais adequadas para obter sua minimização: política fiscal res-tritiva, com redução de gastos correntes e racionalização de subsídios; elevaçãodos royalties sobre recursos não renováveis, ajudando a financiar a desoneraçãoda folha de pagamentos – como se trata de tributação sobre renda econômica pu-ra, os royalties não são distorcedores (são neutros relativamente à alocação de re-cursos), aumentando a eficiência econômica sistêmica em geral; redução, ao lon-go do tempo, do estoque da dívida pública líquida, através da maximização dossuperávits primários; adoção exclusiva de esquemas de previdência complemen -tar do tipo de contribuição definida, ao invés de benefício definido; incentivos àpostergação das aposentadorias; manutenção do regime de metas de inflação;prática da política monetária sem "surpresas" desnecessárias, minimizando a vo-latilidade do elenco de taxas de juros (de curto, médio e longo prazos); redução deincertezas legais e jurídicas, inclusive por meio da clara definição de marcos re-gulatórios (rule of law); investimentos públicos em infraestrutura, em educaçãofundamental, e em avanço e difusão técnica; reforço nas estruturas legais de de-fesa da concorrência; e redução paulatina da taxa fixa de juros de remuneração dosdepósitos de poupança, mantendo porém regras uniformes de remuneração paratodos os depositantes, em todas as instituições depositárias.

6. Fatores determinantes dos spreads de crédito

6.1. Conceituação de spreads

Há diversos tipos de spreads financeiros, muitas vezes confundidos no de-bate público sobre a composição do custo de capital no Brasil. Para efeito me-todológico, conceituam-se aqui seis spreads: de aplicação, da contribuição aoFundo Garantidor de Créditos (FGC), de funding, de IOF sobre operações decrédito (IOF/crédito), de crédito e o total (a soma dos anteriores). Ressalte-seque o BACEN considera apenas o spread total em seus estudos sobre o tema,sem explicitar esta decomposição.

6.1.1. Spread de aplicação

É a diferença entre o rendimento bruto e o rendimento líquido recebidos peloaplicador. É composto apenas por dois impostos: a) IOF, para aplicações de prazoabaixo de 30 dias; e b) IR na fonte sobre o rendimento do aplicador (já descontadoo eventual IOF), com alíquotas decrescentes conforme o prazo da aplicação.

6.1.2. Spread FGC

É o valor da contribuição, pela instituição depositária, ao FGC, que repre-senta um seguro de depósitos. Não há contribuição (nem cobertura) para de-pósitos de entes ligados à instituição depositária.

6.1.3. Spread de funding

É a diferença entre a taxa de juros básica (Selic/CDI), e o custo total de cap-tação pelo banco. O custo total de captação é a soma do rendimento bruto doaplicador, mais o spread FGC. O spread de funding é a rentabilidade do "pro-duto" depósito, para a instituição depositária.

6.1.4. Spread IOF/crédito

É o valor do IOF sobre operações de crédito,cujas alíquotas variam em função das caracte-rísticas do tomador, da destinação do crédito, edo prazo.

6.1.5. Spread de crédito

É a diferença entre o custo total do créditopara o tomador, e a soma da taxa Selic/CDI (o

custo de oportunidade dos recursos) e ospread IOF/crédito. O spread de crédito é a re-muneração bruta (ou seja, antes do custo deinadimplência) da operação de crédito, para ainstituição financeira. O spread de crédito seráo único a ser analisado em mais detalhe, a se-guir, por ser o mais relevante na composiçãodo custo de capital.

Choi Bu-Seok/Reuters

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6.2. Spread de crédito:fatores determinantes

Fundamentalmente, há quatro fatores quedeterminam os spreads de crédito: o custo deinadimplência (ou seja, o valor médio esperadoda inadimplência), o prêmio de risco de inadim-plência (o risco, aqui, pode ser medido pela va-riância, ou pela insegurança/incerteza, do custode inadimplência), o custo de alocação de capitalpelas regras de Basileia e o poder de mercado.

das características do setor, e das características específicas do tomador de cré-dito (tamanho, grau de alavancagem etc.). A proporção da perda, ocorrendo odefault, depende da existência e qualidade das garantias, da certeza e enfor-cement de contratos, e da agilidade jurídica.

6.2.2. Prêmio de risco da inadimplência

Depende da variância e do grau de insegurança (incerteza) sobre a ina-dimplência efetiva. Depende da existência e qualidade das informações ca-dastrais, incluindo avaliações de comportamento (behavior scores) e ca-dastros positivos. Também depende da volatilidade das taxas de inadim-plência, ao longo do tempo.

6.2.3. Custo de alocação de capital

Pelas regras dos acordos de Basileia, as instituições financeiras são obriga-das a manter níveis de capital (grosso modo, o patrimônio líquido) que depen-dem do volume de crédito e de suas características. O custo dessa alocação decapital depende de duas coisas: da efetiva escassez de capital da instituiçãofinanceira (ou seja, se é um binding constraint) e do custo de oportunidade daalocação de capital (a rentabilidade esperada em aplicações alternativas, quecompetem na alocação de capital).

6.2.4. Poder de mercado

Quanto maior for o poder de mercado de um produtor/ofertante de bens ouserviços, naturalmente maiores serão suas margens de lucro (mark ups). Demodo semelhante, quanto maior for o poder de mercado das instituições fi-nanceiras, maiores serão os spreads de crédito.

O poder de mercado existe no crédito quando uma ou mais das condiçõesabaixo está presente: há um monopólio; há cartelização; a indústria bancária temuma (ou poucas) grandes instituições, e muitas pequenas, surgindo a estruturade mercado de "líderes e seguidores"; e a curva de demanda é negativamenteinclinada para cada um e todos os ofertantes, devido a custos e dificuldades di -versas para os clientes mudarem de instituição (switching costs).

Estrita imposição de leis e procedimentos de defesa da concorrência é a re-comendação óbvia para os três primeiros casos. O último caso, devido a swit-ching costs, caracteriza uma estrutura de mercado de concorrência monopo-lística. Nessa situação, não há qualquer tipo de conluio entre os ofertantes, quesão muitos e estão dispostos a competir livremente no mercado. O problema éa falta de resposta do tomador de crédito, que não premia as instituições quereduzirem seus spreads, nem penaliza as que os elevarem.

A falta de resposta (significativa) da coletividade dos tomadores de créditoé devida à existência de múltiplos e significativos custos de mudança. Os clien-tes podem estar presos a uma instituição onde têm "domicílio bancário" (porexemplo, na condição de fornecedores ou trabalhadores pagos por seus con-tratantes por meio de instituições bancárias que caracterizam esse "domicí-lio"). A mudança de banco pode ser trabalhosa e trazer custos adicionais, nocaso de débitos autorizados de contas. O mais importante custo de mudança,porém, é devido à não existência de disponibilidade de informações confiáveise de qualidade sobre o risco de crédito do cliente. Na ausência dessas infor-mações, um cliente não obtém boas condições de crédito (volume, prazo, taxasetc.) em uma nova instituição, enquanto não tiver um longo track record quepermita à instituição conhecê-lo. A inexistência de cadastros positivos, é claro,é o principal determinante para este tipo de situação.

A falta de informações abrangentes e confiáveis também gera poder de mer-cado, frente às micro, pequenas e médias empresas. Mesmo sendo já cliente de

6.2.1. Custo de inadimplência

Esse custo depende da probabilidade deum cliente ficar inadimplente, e do valor efe-tivamente perdido, ocorrendo a inadimplên-cia. A probabilidade de default (inadimplên-cia) depende do ambiente macroeconômico(especialmente, da fase do ciclo econômico),

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mais de uma instituição, o cliente não tem liber-dade efetiva de escolha, devido à prática bancá-ria de restringir os limites de crédito (nenhumainstituição quer ser o único ou mesmo o princi-pal banco a emprestar a um de seus clientes). Oproblema, aqui, está na falta de balanços e outrosdocumentos contábeis confiáveis que o tomadordeveria oferecer, e na fragilidade de garantias(como no caso de duplicatas descontadas que"viram pó", pois seu emitente entra em acordocom o sacado para receber diretamente o valordevido, mesmo depois de descontar o papel nu-ma instituição financeira).

6.3. Depósitos compulsórios

No sistema brasileiro, os depósitos compul-sórios podem ser realizados em títulos públi-cos (através de sua vinculação ao Banco Cen-tral), ou "em espécie" (efetivamente, depósitosjunto ao Banco Central). No caso de títulos, co-mo é óbvio, os depósitos compulsórios são re-munerados pela própria rentabilidade dos tí-tulos. Os depósitos em espécie podem ser ounão remunerados. No caso da poupança, sãoremunerados pelas mesmas regras dos depó-sitos de poupança. Nos demais casos de depó-sitos em espécie remunerados, a taxa de remu-neração é a Selic Referencial. Os únicos depó-sitos compulsórios não remunerados são oscorrespondentes aos depósitos à vista e asse-melhados, nas alíquotas normais.

Em geral, a existência de depósitos compul-sórios remunerados só afeta os spreads de fun-ding, pois induzem os bancos a reduzir a re-muneração bruta (explícita ou implícita, comoreciprocidades) paga aos aplicadores. No casoespecífico dos depósitos compulsórios sobredepósitos a prazo, se e quando afetam as pe-quenas e médias instituições, geram um au-mento nos seus custos de funding. O efeito,nesse caso, é a redução da competitividadedessas instituições, levando ao aumento dopoder de mercado das demais e, logo, ao au-mento dos spreads de crédito em geral.

6.4. Regulamentaçãodireta e quedas-de-braço

As características específicas do sistema fi-nanceiro justificam um grau diferenciado deregulamentação e intervenção estatal. Entreoutras regulamentações cabíveis, está a fixa-ção de tetos para os spreads bancários.

Um caso clássico de regulamentação e dosproblemas da sua ausência é o empréstimo aconsumidores, nos EUA. A esmagadora maioria

dos estados nos EUA tem leis de proteção aos consumidores, com regras antiusuraque definem as taxas máximas de juros legais (em geral, em torno de 40% a.a).Aproveitando-se da existência de alguns estados sem essas leis, e da abertura dosmercados bancários para instituições de outros estados, surgiram financeiras queoperavam com pay day loans, o equivalente (subdesenvolvido...) do crédito con -signado brasileiro (o cliente autoriza o débito automático, eletrônico, no dia dopagamento de seu salário). Muitas dessas instituições induziam os clientes à "es-cravidão de dívida", oferecendo o primeiro crédito a custo zero. Como o prazo éextremamente curto (15 dias), na renovação o cliente passava a pagar as "módicas"taxas usuais – de "apenas" 17,5% por quinzena, ou seja, mais de 5000% ao ano!

Quanto o autor deste artigo era estudante nos EUA (anos 70 e 80), na re-gião da Nova Inglaterra, a taxa máxima legal de juros para cartões de cré-dito era de 1,5% a.m..

Além de limites legais para juros, também há casos de "persuasão moral" (ouquedas-de-braço). Há alguns anos, este autor foi informado pelo presidente deum banco estrangeiro atuante no Brasil que, em seu país, sem nenhum estatutolegal que o apoie, o banco central "avisa" os bancos locais que o spread máximopermitido é de apenas 1% a.a..

7. Políticas para redução dos spreads de crédito

A análise dos fatores determinantes dos spreads de crédito, e a análise deinstituições para ampliar a concessão de crédito para o segmento de micro epequenas empresas, sugerem o seguinte conjunto de políticas.

7.1. Políticas gerais

Arcabouço institucional que melhore a qualidade de garantias, particu-larmente recebíveis, simplificando seu registro e o processo de adjudicação

Márcia Foletto/Ag. O Globo

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em caso de inadimplência; implantação desistemas de cadastro positivo; maior fiscali-zação da qualidade de demonstrativos con-tábeis, criminalizando a prática de fraude;padronização e simplificação de produtos,serviços e procedimentos bancários, redu-zindo os custos de mudança; eliminação dedepósitos compulsórios sobre depósitos aprazo, para bancos que não façam parte dogrupo das dez maiores instituições; imposi-ção de limites legais (razoáveis) para taxasde juros para consumidores; e ação do BancoCentral para coibir (através de persuasão)spreads excessivos.

7.2. Bancos públicos

É amplamente defendido que há um papelespecífico para os bancos públicos comerciaisno financiamento de micro/pequenas empre-sas. Esse papel, no entanto, só pode ser efeti-vamente desempenhado por instituições comtrês características simultâneas: controle esta-tal, gestão não orientada exclusivamente paraa maximização/otimização de lucros, e nãooperar através de repasses para outras insti-tuições, mas sim diretamente com os tomado-res de crédito, através de uma grande rede,viabilizando operações pulverizadas.

A evolução do mercado de financiamento de veículos no Brasil ilustra qualpoderia e deveria ser o papel dos bancos públicos comerciais. No passado, ape-sar da garantia oferecida (os próprios veículos), os spreads de crédito eram ex-tremamente elevados. Com a entrada nesse mercado dos bancos e financeirasde montadoras, os spreads desabaram. Os demais bancos comerciais (não li-gados a montadoras) seguiram as taxas definidas por aqueles que assumiramo papel de líderes. Em um caso recentemente relatado a este autor, a mera en-trada em operação do banco de uma empresa do setor de veículos foi suficientepara determinar a redução das taxas de juros em cerca de 30%.

No caso de micro e pequenas empresas, é preciso duplicar esta experiência.Os bancos públicos (com as características citadas) deveriam agir sem restri-ções individuais a tomadores de crédito, calibrando os spreads de crédito paracompensar o custo efetivo de inadimplência do segmento, cobrir custos e obterum lucro "normal". Com tal oferta "garantida" de crédito, os bancos públicosseriam verdadeiros "emprestadores de última instância" para o segmento, ga-rantindo-se, assim, que não haveria crises de liquidez/crédito generalizadasno segmento de micro e pequenas empresas. Com essa garantia implícita e aatuação como líderes de preço, pelos bancos públicos, o sistema bancário emgeral operaria sem problemas com o segmento, seguindo a mesma evoluçãodo caso do financiamento de veículos.

7.3. Fundos de aval

Em geral, os fundos de aval existentes cobrem no máximo 80% das per-das, exigindo assim que os bancos retenham uma parcela significativa dorisco (nesse exemplo, 20%), e impõem limites ao total de perda efetiva co-berta pelos fundos. Tais regras são necessárias para evitar fraudes, com oconluio do banco e do tomador de crédito. A consequência, porém, é quenão se elimina o problema da escassez de crédito para o segmento de pe-quenas e médias empresas: a inadimplência é uma variável do tiposim/não; a perda dada a presença de inadimplência (loss given default) emgeral alcança 100% nesse segmento; portanto, para uma instituição finan-ceira, conceder crédito a ele, com fundo de aval, equivale a uma aquisiçãode títulos públicos (na proporção de 80%), mais uma concessão de créditonormal (20%), sem aval, mas com spread. Isso não elimina em nenhuma me-dida os problemas de incerteza, fragilidade de liquidez, ausência de garan-tias etc.. Logo, o crédito continua escasso.

Para serem eficientes, fundos de aval e seguros de crédito para o segmentode micro e pequenas empresas teriam de mimetizar o comportamento acimasugerido para os bancos públicos: cobertura integral (100%), parâmetros uni-formes para concessão de crédito (como percentual do faturamento, propor-ção de overcollateral em desconto de recebíveis etc.), prêmio de seguro dadopela inadimplência média do segmento (mais um prêmio adicional fixo, paraformar um colchão de reserva para períodos de inadimplência extraordiná-ria), e spread de crédito homogêneo entre setores, regiões e devedores.

Seria necessária uma estrutura de incentivos diferenciada para as institui-ções que concedessem os créditos, tendo em vista a cobertura integral (que po-deria induzir a fraudes). A estrutura de remuneração dos bancos não poderiadesestimular a concessão de crédito – logo, não pode depender da minimiza-ção da taxa de inadimplência e/ou das perdas efetivas, em caso de inadim-plência. Duas possibilidades seriam possíveis: a) taxa de administração pagasobre o estoque total de crédito (equivalente a um spread fixo para o banco); b)tarifas por contrato de concessão de crédito, pagas pelos clientes.

São também necessários incentivos para minimizar fraudes por conluio. Umaestrutura possível seria uma remuneração adicional para a instituição financeira,inversamente proporcional à participação de créditos inadimplentes com "z e ro "de parcelas pagas (que é um típico indicador de operações fraudulentas).

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O Brasil precisacompletar a

revolução dastelecomunicações

ALFER

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72 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

Milton Mansilha/Luz

Ethevaldo SiqueiraJornalista, escritor e consultor nas áreas deTelecomunicações, Tecnologia da Informação eEconomia Digital. Colunista do jornal O Estado deS. Paulo e da Rádio CBN (programa Mundo Digital),fundou e dirigiu a Revista RNT (Revista Nacionalde Telecomunicações (de 1979 até abril de 2001);foi professor de Telecomunicações e Tecnologia daInformação na Escola de Comunicações e Artes daUniversidade de São Paulo (USP), de 1988 a 1996.

Resumo

Este artigo faz um retrato do passado e do presente das telecomunicações brasileiras,e sugere providências para que o País retome a revolução setorial iniciada em 1995 einterrompida praticamente a partir da morte do ex-ministro Sérgio Motta.

A privatização da Telebrás, ocorrida em 1998, deu frutos surpreendentes. Investimentosprivados da ordem de R$ 180 bilhões, em 11 anos, permitiram que Brasil saltasse de umadensidade franciscana de apenas 14 para os atuais 107 telefones por 100 habitantes,que podem caracterizar a efetiva universalização da telefonia. O total de celulares emserviço, que era de apenas 5,2 milhões em julho de 1998, superou os 170 milhõesem dezembro de 2009, dando ao Brasil a quinta posição entre os maiores mercados decelulares no mundo.

Esses números mostram, no entanto, apenas uma face das telecomunicações, pois hágraves problemas a serem resolvidos e riscos a serem evitados. O mais sério deles é, delonge, a legislação brasileira setorial, que se transformou ao longo de décadas em umaverdadeira colcha de retalhos, incoerente e contraditória, dispondo de apenas uma leirazoavelmente moderna (a Lei Geral de Telecomunicações ou LGT).

Ao final de sua análise, o artigo sugere as seguintes medidas ao Presidente da Repúblicaque for escolhido na eleição deste ano:- Aprimorar o modelo institucional privatizado das Comunicações como um todo,harmonizando-o e promovendo seu reordenamento jurídico, sem desfigurá-lo;- Estimular o investimento privado no setor;- Reduzir significativamente a carga fiscal absurda (média nacional de 43%) que oneratodos os serviços de telecomunicações, inclusive os novos serviços de banda larga;- Profissionalizar e fortalecer a Anatel, como agência reguladora; estimular a competiçãoentre as prestadoras de serviço;- Formular políticas públicas e criar condições para a inclusão digital, a começar pelaelaboração de um plano nacional de banda larga baseado em parceriaspúblico-privadas, isentando ou reduzindo a tributação desses novos serviços;- Fortalecer a indústria nacional;- Cuidar da melhoria permanente da qualidade dos serviços e do atendimento ao usuário;- Escolher e prestigiar um ministro das Comunicações competente, probo e comprometidocom o desenvolvimento setorial;- Abandonar totalmente a ideia anacrônica de reativação da Telebrás e/ou criação deuma estatal para cuidar da universalização da banda larga e, por fim:- Fazer com que o Estado cumpra da melhor forma possível o papel estatalde regulação e fiscalização.

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1. Visão geral

De início, cabe ressaltar a enorme importância das te-lecomunicações. É um setor integrado à fronteiradinâmica dos desenvolvimentos tecnológicos, compapel fundamental no provimento de informações

e facilidades de comunicação entre pessoas, governos, empre-sas e outras organizações. Disso decorrem amplos desdobra-mentos educacionais, culturais e sobre a produtividade indi-vidual e organizacional, com reflexos na competitividade na-cional, entre outros aspectos.

Investimentos no aprimoramento desse setor são assim cru-ciais para permitir o desenvolvimento de outros, integradoque está em praticamente todas as cadeias produtivas dos de-mais setores e ramos de atividade.

Dada essa importância econômica, o uso intenso que faz detecnologias de ponta e a rápida evolução dessas tecnologias, osetor de telecomunicações é universalmente objeto de forte re-gulamentação governamental. Nessas condições, este artigoconfere particular atenção às formas pelas quais essa regula-mentação define especificamente o perfil do setor e também à

maneira com que é afetado por outras políticas públicas de al-cance mais geral, como é o caso da tributária.

A privatização das telecomunicações ocorrida em 1998 deufrutos surpreendentes. Investimentos privados da ordem de R$180 bilhões, em 11 anos, permitiram que Brasil saltasse de umadensidade franciscana de apenas 14 para os atuais 107 telefonespor 100 habitantes, que podem caracterizar a efetiva universa-lização da telefonia. O total de celulares em serviço, que era deapenas 5,2 milhões em julho de 1998, superou os 170 milhões emdezembro de 2009, dando ao Brasil a quinta posição entre osmaiores mercado de celulares no mundo, só atrás da China, Es-tados Unidos, Índia e Rússia. O número de celulares em serviçono País deverá quebrar a barreira dos 200 milhões, ainda em2010, segundo as previsões mais conservadoras.

Esses resultados tão positivos decorreram, também, da ado-ção de novas tecnologias – em especial com digitalização e aconvergência de serviços. Graças à nova infraestrutura im-plantada nesse período, o número de usuários da internet sal-tou de pouco mais de 2 milhões para mais de 60 milhões no fi-nal de 2009. O número de usuários da banda larga, praticamen-te desconhecida em 1998, é hoje de 12 milhões – o que ainda estábem aquém da média dos países mais desenvolvidos.

Malcolm Fife/Folhapress

Serão 200milhões decelulares emoperação noPaís em 2010.

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74 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

É claro, portanto, que há muita coisa a ser feita, em especialna qualidade do atendimento dos usuários, no aumento dacompetição, na modernização da legislação, na desoneraçãofiscal dos serviços, na fixação de novos critérios e novas metasde universalização. A proposta central deste artigo é fazer aavaliação do passado e do presente das telecomunicações, epropor as medidas que parecem mais adequadas e oportunaspara assegurar o desenvolvimento continuado e sustentáveldas telecomunicações e dar ao setor tudo que falta, e que de-veria ser prioritário para o próximo Presidente da República

O texto do artigo abrange mais quatro seções. A segunda apre-senta um retrospecto do setor desde o seu período estatal (1962-1994), seguido por uma fase de transição entre esse modelo e aprivatização (1995-1998), e de um outro período em que a priva-tização foi consolidada. A terceira seção ocupa-se do modelo re-sultante, mostrando a sua evolução até os dias atuais. A quartaidentifica várias carências do setor em sua atual configuração. Aquinta apresenta as conclusões da análise, e sugere um conjuntode políticas públicas que o próximo governo federal deveria ado-tar para que essas carências fossem atendidas, le-vando ao aprimoramento do setor em seus as-pectos institucionais e operacionais.

2. Retrospecto históricoPara traçar um retrato abrangente

das telecomunicações brasileiras, éessencial que façamos uma retrospec-tiva histórica, ainda que de forma su-cinta, dos três períodos bem definidosem que ela se divide:

a) Períodoestatal,quevaidesde1962a1994,ecujomodeloins-titucional foi estabelecido, principalmente, por duas leis: o Códi-go Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117, de 1962) e pela leique criou a Telebrás (Lei 5.792, de 1972);

b) Período de transição, que vai de 1995 a 1998, durante oqual ocorreu profunda reestruturação setorial e culminou coma privatização do Sistema Telebrás.

c) Período privatizado, de 1998 até hoje, cujos resultados edesafios analisamos com maior profundidade para os objeti-vos deste artigo.

2.a - Período estatal – 1962-1994A primeira formulação clara e ambiciosa de uma política

nacional para as telecomunicações nasce, praticamente, com aLei 4.117 de 27 de agosto de 1962, conhecida também pelo no-me de Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), que de-finiu o papel do Estado no setor e coordenou meios e fins paraque o Brasil vencesse o extremo atraso em que se encontrava nametade da década de 1960. O País tinha, então, menos de 2 te-lefones por 100 habitantes.

Embora votada pelo Congresso e promulgada em 1962, nummomento de intensa agitação política no Brasil, no período go-vernamental do presidente João Goulart, o Código só começou aproduzir efeitos significativos a partir 1965, por decisão do regi-me militar implantado em 1964, com a criação da Embratel (Em-presa Brasileira de Telecomunicações), como primeira grandeempresa estatal responsável pela infraestrutura de comunica-

ções de longa distância, nacionais e internacionais.Além da Embratel, o Código também possibilitou a criação

do Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações), entida-de que, nos primeiros anos, exerceu praticamente o papel deum ministério setorial, já que o Ministério das Comunicaçõessó seria criado pelo Decreto-Lei 200, de fevereiro de 1967, doentão presidente Castello Branco.

Nessa primeira etapa do modelo estatal, de 1965 a 1972, tevegrande significado o trabalho da Embratel, tanto do ponto de vis-ta econômico como alavanca do desenvolvimento setorial, poisaquela nova empresa implantou em apenas 7 anos um sistemabásico de micro-ondas que interligou todos os Estados por rotasde micro-ondas de alta capacidade. Entre os modernos serviçosque aquela operadora de serviços de longa distância passou a ofe-recer, destacam-se a discagem direta a distância (DDD) nacional,a partir de 1969, e a discagem direta internacional (DDI), que co-nectou o Brasil ao mundo via satélite e via novos cabos subma-

rinos, a partir de 1975.Até 1972, além da correção ade-

quada das tarifas, o governo fede-ral passou a destinar a totalidadedos recursos do antigo FNT (Fun-do Nacional de Telecomunica-ções) aos investimentos em obrasde infraestrutura da Embratel. Es-se fundo era uma sobretarifa de30%, que incidia sobre todos osserviços de telecomunicações e te-ve grande importância para a de-colagem das telecomunicações no

final dos anos 1960 e começo dos anos 70. A partir de 1972, agestão do fundo passou para as mãos da Telebrás e, de 1975 emdiante, para a antiga Secretaria do Planejamento (Seplan).

Vale ressaltar nesse período o excelente trabalho profis-sional da Embratel, em seus primeiros 15 anos de existência,de 1965 a 1980.

A holding Telebrás – Para reestruturar a telefonia brasileira,o governo militar do presidente Emílio Médici criou a Te l e b r á s ,em novembro de 1972, para exercer o papel de empresa holdingcontroladora das operadoras estaduais (as Teles). Em sua faseinicial, de 1972 a 1985, a Telebrás foi bem administrada, investiaadequadamente, em grande parte porque teve como presidentesprofissionais competentes, especialistas respeitados como o co-mandante Euclides Quandt de Oliveira e o general José Antôniode Alencastro e Silva. Nesses 13 anos iniciais, a Telebrás realizouadmirável trabalho de implantação da infraestrutrura setorial.

O primeiro grande desafio enfrentado pela Telebrás foi con-solidar e integrar as mais de 900 pequenas empresas operado-ras e serviços telefônicos municipais que atuavam no Brasil até1972. A maior empresa operadora da época era a CTB (Com-panhia Telefônica Brasileira). A grande maioria delas era for-mada de serviços telefônicos municipais obsoletos, muitos atésem conexão de longa distância. Essas operadoras maiores –CTB e CRT (Companhia Riograndense de Telecomunicações)– já haviam sido nacionalizadas antes de 1967.

Depois de incorporadas, aquelas 900 pequenas empresasoperadoras foram reagrupadas e deram origem às 27 subsidiá-

Telefone castiçal (1910)

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rias da Telebrás (as Teles), uma por unidade da Federação, co-mo Telerj, Telesp, Telepar, Telemig e outras. Sobreviveram co-mo empresas estaduais ou privadas, e não foram incorporadasao Sistema Telebrás, a Companhia Riograndense de Teleco-municações (CRT), controlada pelo governo gaúcho; a Com-panhia Telefônica Melhoramentos Resistência (CTMR), con-cessionária controlada pela Prefeitura Municipal de Pelotas(RS); e duas empresas privadas que usavam a sigla CTBC:Companhia de Telefones do Brasil Central, no Triângulo Mi-neiro; e a Companhia Telefônica da Borda do Campo, no ABCpaulista, ou seja, na Grande São Paulo.

Raízes da crise estatal – O sistema estatal de telecomunica-ções começou a enfrentar problemas mais sérios a partir de 1985,ano em que o FNT passou a ser praticamente confiscado peloTesouro Nacional. A saída do general José Antonio de Alencas-tro e Silva da presidência da holding, depois de 11 anos à frenteda empresa, abre espaço para a politização e desprofissionali-zação, não apenas da diretoria da Telebrás, mas também das di-retorias de suas 27 subsidiárias. O País passou a investir cada vezmenos na expansão das telecomunicações, pois o sistema estatalse descapitalizava diante do enxugamento sucessivo dos supe-rávits operacionais (lucro) da Tele-brás, para cobrir déficits do Te-souro Nacional.

Agravam-se, então, dois dosmaiores problemas do mono-pólio estatal, quais sejam:

- Descompasso crescente entrea oferta e a demanda de linhas te-lefônicas e de novos serviços;

- Redução acelerada da capaci-dade de investimento do SistemaTelebrás, fazendo baixar os índicesde expansão a níveis absolutamente insuficientes.

Aliás, essa descapitalização das estatais era consequência, naverdade, de um procedimento perverso do governo em relaçãoàs suas melhores empresas. A partir de 1970, para reduzir os crô-nicos déficits de caixa do Tesouro Nacional, o governo federalpassou a confiscar os superávits das empresas estatais mais ren-táveis, reduzindo-lhes drasticamente a capacidade de investi-mento. Entre as vítimas dessa ação predatória, além da Telebrás,estavam empresas como Vale do Rio Doce, Petrobras, Volta Re-donda (CSN), Embraer, Embrapa, Eletrobrás, Instituto de Res-seguros e Banco do Brasil, para ficar apenas nas maiores.

As telecomunicações entraram, então, em profunda crise, es-pecialmente a partir da metade da década de 1990. É nesse pe-ríodo que o represamento da demanda alcança seu nível máxi-mo. A politização e a desprofissionalização da gestão da Tele-brás e de suas subsidiárias reflete-se até na defasagem extremados novos serviços, como telefonia celular, comunicação de da-dos, serviços telemáticos, redes de valor agregado e outros.

Os problemas das telecomunicações no Brasil de então nãodecorrem de uma suposta falta de dirigentes competentes e debons profissionais. Com a interferência política crescente na ges-tão em cada uma dessas empresas, os executivos e profissionaismais competentes acabavam sendo, sistematicamente, alijadosdos cargos de direção, e eram substituídos por apadrinhados

políticos, quase sempremenos capazes, como temocorrido tradicionalmen-te na maioria das empresasestatais brasileiras.

O quadro dramático:1990-94 – Além de enfrentardiversas restrições de ordemadministrativa, o Sistema Te-lebrás passa a sofrer drásticaredução dos investimentos,nos sucessivos cortes e confis-cos de seus recursos determi-nados pelo governo federal,em especial no período 1990-1994. Entre esses problemas estavam a proibição de empréstimose a subscrição compulsória de títulos do governo, atrasos siste-máticos na autorização para o lançamento de debêntures, prote-lações sucessivas nas permissões para a captação de recursos noexterior (como, por exemplo, dos recursos de ADRs), além de ou-tras intromissões descabidas na administração daquelas que já

haviam sido as melhores estatais do País.A penúria de linhas telefônicas fazia explodir

os preços no mercado paralelo, no final do gover-no Itamar Franco, em 1993 e 1994. No bairro de Al-

phaville, no município de Barueri, na Grande SãoPaulo, uma linha telefônica para uso empresarialchegava a ser vendida em 1991 por 10 mil dólares.Na capital paulista e em dezenas de outras gran-

des cidades brasileiras, um telefone residencial che-gava a custar o equivalente a 5 mil ou 7 mil dólares.

O congestionamento dos serviços passou a comprometer aqualidade, nas maiores cidades brasileiras. As chamadas lo-cais, quando completadas, sofriam todo tipo de interferência,ruídos e problemas de linhas cruzadas. As ligações de longadistância enfrentavam congestionamento crescente, depoisdas 10 horas da manhã ou entre 3 e 6 da tarde. Os grandes usuá-rios – como bancos, corporações internacionais, companhiasaéreas e empresas de serviço – não dispunham de serviçosmais avançados nem de redes digitais de alta velocidade.

Qual seria o preço para o País desse profundo atraso de suastelecomunicações? O congestionamento e a baixa qualidadedos serviços de telecomunicações reduziam a competitivida-de, afetavam diretamente o abastecimento, as exportações, ovolume de negócios e agravavam o chamado custo Brasil.

Em dezembro de 1984, o FNT foi transformado em Impostosobre Serviços de Comunicações (ISSC). Na verdade, foi extin-to sem ter tido nenhuma aplicação direta no setor nos 12 anosanteriores. Com a Constituição de 1988, outra mudança: o ISSCé substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços (ICMS) e recolhido em favor dos Estados e municí-pios, com alíquotas muito elevadas, que chegam a mais de 40%do valor dos serviços telefônicos. Essa supertributação dos ser-viços de telecomunicações persiste ainda em 2010.

As novas gerações não se lembram mais da escassez de te-lefones nem dos carnês do famigerado Plano de Expansão, emque o cidadão tinha de "comprar" uma linha telefônica, subs-

Telefone "pé-de-ferro"da Ericsson-Suécia (1892)

Telefone automáticode mesa da Standart

Electrica (anos 50)

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crevendo ações da Telebrás e pagando tudo em 24 suaves pres-tações mensais. A linha só seria instalada em prazo "médio" de24 meses, o que nem sempre acontecia.

Exemplo eloquente dos atrasos nos planos de expansão ha-via ocorrido em São Paulo entre 1984 e 1990, quando mais de400 mil pessoas só receberam seu telefone em prazos superio-res a quatro anos. E, curiosamente, diante desse quadro, os de-fensores tradicionais do monopólio estatal não erguem suasvozes contra todos os abusos e males do modelo, nem se preo-cupam com os problemas dessa massa de cidadãos burladosem seus direitos. Poucos eram os que realmente apontavam omonopólio estatal como causa central de todos os problemas.

As centenas de milhares de cidadãos que pagavam seus pla-nos de expansão e não recebiam seus telefones não tinhamapoio nem de sindicatos, nem de partidos de oposição, nem se-quer de Procons. Só em casos raros e isolados, a Justiça, confi-gurando o estelionato, acabava dando alguma sentença em fa-vor dos usuários prejudicados, obrigando asoperadoras do Sistema Telebrás a instalar emuma semana o telefone residencial ou comercialcomprado há alguns anos e não entregue.

Nesse quadro, o telefone torna-se privilégiode apenas 8,5% da população. A demanda na-cional represada chega a mais de 20 milhões delinhas telefônicas no final de 1994.

2.b - Período de Transição(1995-1998)

A grande lição do período estatal que ficoupara o País foi a da incompetência governa-mental em gerir grandes empresas de serviçonas áreas de alta tecnologia como a das teleco-municações. Além disso, o governo federal de-monstrou, durante décadas, que não sabia ad-ministrar tarifas públicas. A interferência deinteresses político-partidários criava todo tipo de distorção.

Estudos conduzidos na época pela própria Telebrás mostra-vam que as tarifas telefônicas vigentes no início dos segundosemestre de 1994 equivaliam a apenas 18% de seu valor real emjaneiro de 1975. Uma assinatura mensal de telefonia residen-cial local correspondia a apenas R$ 0,61. Em contrapartida, osinterurbanos tinham preços excessivamente elevados.

E pior: no início dos anos 1990, os novos assinantes eramobrigados a pagar o equivalente a mais de US$ 3 mil para as-segurar o direito ao uso de uma linha telefônica. Mesmo com aredução ocorrida na metade da década, esse valor de autofi-nanciamento ainda superava US$ 1 mil. O confisco sistemáticodos superávits operacionais do Sistema Telebrás pelo governofederal acabou por descapitalizar o setor.

Na telefonia, o modelo estatal se assemelhava a um clubefechado, em que se pagava uma taxa milionária para ingres-sar e, depois, lá dentro, uma taxa mensal de manutenção mi-núscula e simbólica.

O cenário mundial de 1995 – Após a avaliação completa doquadro setorial vigente no final de 1994, era natural que um no-vo governo, com maior força e liberdade para introduzir mu-danças e fazer reformas, considerasse a hipótese de privatizar as

telecomunicações brasileiras. Foi o que ocorre com a posse dopresidente Fernando Henrique Cardoso, em janeiro de 1995, e,em especial, de seu ministro das Comunicações, Sérgio Motta.

Com a perspectiva histórica de pouco mais de 10 anos, já po-demos afirmar que foram as decisões centrais da política setorialredefinidas por Sérgio Motta que mudaram radicalmente o qua-dro dramático das telecomunicações em vigor no final de 1994. Opróprio presidente Fernando Henrique Cardoso talvez não pu-desse prever o alcance de médio e longo prazo de sua escolha e detudo que aquele homem poderia realizar à frente de um Minis-tério até então sem perspectivas e usado apenas como moeda detroca nas barganhas partidárias. Sérgio Motta, no entanto, mu-dou para sempre a face das telecomunicações no País.

Ao tomar posse como ministro das Comunicações, SérgioMotta não tinha sequer tomado a decisão de privatizar totalmen-te o setor. Sua primeira preocupação foi fazer o grande diagnós-tico setorial e conhecer o que havia de melhor no mundo em ma-

téria de legislação e modelos institucionais de te-lecomunicações. Nesse sentido, dois meses de-pois de sua posse, ele encarregou três assessoresde viajar à Europa, aos Estados Unidos e ao Japãopara fazer um levantamento das principais legis-lações existentes nessas regiões do mundo.

A primeira grande carência das telecomuni-cações brasileiras era de ordem tecnológica. Até1992, com a vigência da reserva de mercado nocampo da informática e do monopólio estataldas telecomunicações, o Brasil ia ficando à mar-gem da revolução tecnológica. O percentual delinhas telefônicas digitais era dos mais baixos.

O Brasil caminhava na contramão do mun-do. Desde a década de 1980, a maioria dos paí-ses desenvolvidos revia os velhos modelosmonopolistas, abrindo a cada dia maiores es-paços à privatização e a competição nas teleco-

municações, impelido por três fatores poderosos – a revoluçãotecnológica, o processo de globalização e a queda progressivade barreiras comerciais. Não se tratava de neoliberalismo, co-mo acusava a esquerda. Essa onda de reformas iniciada nosanos de 1980 na Grã–Bretanha e nos Estados Unidos chega àsAméricas nos anos de 1990, como resposta à necessidade deatualização de modelos e infraestruturas.

Aqui, como em todo o mundo, a reestruturação do modeloinstitucional tinha como principal objetivo o atendimento dademanda, a universalização, a modernização das infraestru-turas, o aumento da produtividade geral e setorial e sua ade-quação às profundas mudanças do mercado, bem como às exi-gências dos consumidores.

Nesse cenário, a eficiência dos serviços de telecomunicaçõestornava-se fator essencial de competitividade, tanto para a indús-tria altamente consumidora de informação como, consequente-mente, para os próprios mercados em que elas se inseriam. Eraurgente para o Brasil criar condições para que as tecnologias dainformação e das comunicações pudessem efetivamente contri-buir para mudar, para melhor, a vida das pessoas.

Sérgio Motta compreende bem a importância desse momen-to e proclama enfaticamente: "o Brasil tem pressa". Com energia

Com a perspectivahistórica de pouco maisde 10 anos, já podemosafirmar que foram asdecisões centraisda política setorialredefinidas por SérgioMotta que mudaramradicalmente o quadrodramático dastelecomunicações emvigor no final de 1994.

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e entusiasmo, envia o projeto de emen-da constitucional propondo o fim domonopólio estatal previsto no Artigo 21da Constituição. A emenda é aprovadapelo Congresso em menos de seis mesesde discussões, eliminando para sempreo monopólio estatal exercido principal-mente pela Telebrás.

Em seguida, o Congresso aprova a LeiMínima, que permite a abertura do mer-cado de telefonia celular à competição,com a introdução de novas operadoras,na chamada Banda B.

Para dar novos rumos institucionaisao setor, o Congresso aprova a Lei Ge-ral de Telecomunicações (LGT) – umadas mais completas e modernas domundo – cujo modelo vai muito alémda privatização das empresas opera-doras. A nova lei cria condições para acompetição, transfere a maioria dasatribuições do Ministério das Comuni-cações à Anatel, uma agência regula-dora especializada e independente. OPaís se prepara para a modernidade.

A Lei Geral se transformou, então,em um dos instrumentos essenciais para que o Brasil alcanças-se seus novos objetivos. Por outras palavras, era necessárioque o arcabouço regulatório de telecomunicações evoluísse demodo a colocar o usuário em primeiro lugar, conferindo-lhe li-berdade de escolha e assegurando-lhe serviços de alta quali-dade, a preços acessíveis. Como demonstrava a experiênciamundial recente, isso só seria possível em um ambiente que es-timulasse a competição dinâmica, garantisse a separação entreo organismo regulador e os operadores, e facilitasse a interco-nectividade e a interoperabilidade das redes.

Tal ambiente permite ao consumidor a melhor escolha, porestimular a criação e o fluxo de informações colocadas à sua dis-posição por uma grande variedade de fornecedores. Ao mesmotempo, as regras da competição devem ser interpretadas e apli-cadas tendo em vista a convergência das novas tecnologias eserviços, a liberalização do mercado, o estímulo aos novos for-necedores e a intensificação da concorrência internacional.

2.c – Preparando a privatizaçãoA estratégia de privatização total dos serviços de teleco-

municações segue um programa que inclui os seguintespassos e medidas:

- Programa de Investimentos Plurianual, o PASTE (Programade Ampliação e Recuperação do Sistema de Telecomunicações edo Sistema Postal), com as metas estabelecidas para o desenvol-vimento setorial nos primeiros cinco anos;

- Emenda constitucional, aprovada pelo Congresso Na-cional em agosto de 1995, estabelecendo a quebra do mono-pólio das empresas estatais;

- Lei Específica ou Lei Mínima (Lei n° 9295, de julho de1996), aprovada pelo Congresso Nacional, abrindo ao mer-

cado privado os serviços celulares daBanda B, além dos serviços via satélite,serviços limitados, trunking, paging,redes corporativas;

- Lei Geral de Telecomunicações(LGT), aprovada pelo Congresso Na-cional, definindo as linhas gerais donovo modelo institucional e criando aAgência Reguladora independente;

- Agência Nacional de Telecomuni-cações (Anatel), agência reguladora dosetor, criada pela LGT e instalada no dia5 de novembro de 1997;

- Privatização do Sistema Telebrás,ocorrida em leilão realizado em 29 dejulho de 1998;

- Implementação da competição, ini-cialmente, pelo modelo do duopólio,com a outorga de licenças a empresas-espelho, ou seja, empresas competido-ras que passam a operar em cada umadas áreas de concessão das antigas ope-radoras do Sistema Telebrás.

- Abrir novos espaços à competição,à medida que se vão alcançando as me-tas de universalização;

- Abertura total à competição a partir de 2002.Para surpresa dos incrédulos, as metas setoriais não apenas

iam sendo cumpridas, mas eram ultrapassadas ao longo dosúltimos 11 anos (1998-2009).

A Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, previra a criaçãoda Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), autarquiaespecial denominada órgão regulador, com relativa indepen-dência, que deveria assumir praticamente, todas as atribui-ções regulatórias do Ministério das Comunicações.

Para o ministro Sérgio Motta, o modelo concebido para oBrasil deveria evoluir em seguida para além das telecomuni-cações. Assim, a Anatel deveria ampliar suas atribuições ini-ciais de agência reguladora para cobrir todas as áreas e seg-mentos das comunicações, como Radiodifusão (Rádio e TVabertos), Comunicações em Circuito Fechado – aí incluídas aTV paga, a TV por assinatura, a TV a cabo e outras formas decomunicação eletrônica e internet.

Nasceria, então, uma agência reguladora para todas as mo-dalidades de comunicações, à semelhança das que existem emPortugal e Reino Unido. Seu novo nome poderia ser, simples-mente, Agência Nacional de Comunicações (Anacom). Com amorte do ministro Sérgio Motta, esse projeto foi simplesmenteesquecido por seus sucessores.

Os primeiros resultados do processo de abertura das teleco-municações brasileiras foram surpreendentes. Os númerosefetivamente realizados pelo Programa de Ampliação causamimpacto entre todos os que acompanhavam o desenvolvimen-to das telecomunicações brasileiras.

Entre 1995 e 1998, a Telebrás investia a surpreendente quan-tia de R$ 18 bilhões na atualização da infraestrutura setorial,não apenas porque o País necessitava com urgência de mais e

Gustavo Miranda/ O Globo

Sérgio Motta, ministro dasComunicações de FHC, comandou oprocesso de privatização do setor.

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78 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

melhores serviços, mas para valorizar o patrimônio da hol-ding. O Programa detalha os projetos de investimento no setorno período 1995-1999 e estima sua extensão até 2003, financia-dos com recursos provenientes essencialmente da iniciativaprivada, totalizando no período R$ 90 bilhões, equivalentes acerca de US$ 75 bilhões.

3. O novo modelo privatizadoO leilão da privatização da Telebrás, realizado na Bolsa de Va-

lores do Rio de Janeiro, realizado no dia 29 de julho de 1998, pro-moveu a venda da fatia de 18% do total de ações da Telebrás, querepresentava o controle da holding e de suas 27 subsidiárias,R$ 22,26 bilhões, equivalente a aproximadamente US$ 19 bi-lhões da época. Foi a maior e mais bem sucedida privatização deuma operadora de telecomunicações em todo o mundo, da dé-cada de 1990, segundo a publicação britânica Privatisation.

Mais do que avaliar esse leilão, o que importa aqui é analisaras consequências práticas, concretas, da privatização das tele-comunicações, da forma mais objetiva possível, comparandoo que era o setor em 1998 com o que ele é hoje, seu crescimentoao longo de quase 12 anos do modelo privatizado.

É curioso que as metas do Plano de Ampliação e Recuperação(PASTE), que pareciam tão ambiciosas e que geravam tanta in-credulidade sobre sua viabilidade até entre especialistas, foramtotalmente superadas. O ministro Sérgio Motta, que sempre acre-ditou no sucesso do projeto de reestruturação setorial que lideroue elaborou, bem como nas perspectivas de expansão das teleco-municações no período privatizado, não pode assistir em vida aosucesso do novo modelo, pois faleceu em 19 de abril de 1998.

3.a – Resultados da privatizaçãoOs números falam mais alto do que as palavras, quando se

avalia a privatização das telecomunicações brasileiras. Ao lon-go dos últimos 11 anos, a melhor e mais objetiva avaliação doprojeto de reestruturação geral das telecomunicações brasilei-ras, portanto, pode ser feita como base na comparação dos da-dos de 1998, ano da privatização da Telebrás, e os dados de abrilde 2009. Vale a pena refletir sobre os números que caracterizamo avanço das telecomunicações no período pós-privatização.

No dia da privatização, 29 de julho de 1998, o Brasil contavacom um total de 24,5 milhões telefones – sendo 19,5 milhões delinhas fixas e apenas 5 milhões de celulares. A média nacionalnão chegava a 15 telefones por 100 habitantes.

Ao encerrar o ano de 2009, o País alcançava o total de 211milhões de telefones (sendo 170 milhões de celulares e 41 mi-lhões de linhas fixas), alcançando uma densidade superior a100 por cento, ou seja, um total de telefones superior à popu-lação do País. Por outras palavras, o Brasil já tem mais telefo-nes do que gente. Em termos percentuais, esse salto represen-tou um crescimento da ordem de 750% sobre julho de 1998.

O crescimento mais impressionante foi o da telefonia celu-lar (ver gráficos), cujo número de aparelhos em serviços passoude pouco mais de 800 mil telefones móveis em 1994 para 170milhões em dezembro de 2009. E as previsões mais conserva-doras indicam que o Brasil deverá ultrapassar a densidade de100 celulares por 100 habitantes ainda em 2010, chegando aofinal do ano com a marca de 200 milhões de telefones móveis.

CELUL ARES: DE 5 MILHÕES A 170 MILHÕES DE CELUL ARES

O crescimento da telefonia celular no período 1998-2009é um dos maiores do mundo. Mesmo com a barreira deum dos maiores índices de tributação sobre serviços detelecomunicações, o número de celulares no País seexpandiu de 5,2 milhões, em julho de 1998, a 170 milhõesem dezembro de 2009. Eis aí um dos melhores exemplosde inclusão digital proporcionados pela reestruturação domodelo institucional das telecomunicações brasileiras.

Façamos um retrospectos de outros aspectos relevantesdos principais resultados da privatização ao longo dos úl-timos 11 anos:

- Em apenas três anos, os investimentos privados em tele-comunicações públicas criaram o equivalente a uma nova Te-lebrás no Brasil.

- Atelefoniacelulardáosaltoaindamaisexpressivo,de1998adezembro de 2009, passando de 5,8 milhões de assinantes paramais de 170 milhões – um aumento de mais de 3.100% no mesmo

O BR ASIL É HOJE O 5º MERC ADO DE CELUL ARES DO MUNDO

Os quatro maiores mercados de países emergentes domundo (Grupo BRIC) são responsáveis por quase metadeda demanda mundial dos telefones celulares. O Brasilocupa hoje o 5º lugar em número de celulares em serviço.Dois dados curiosos: o mundo quebrou a barreirados 4 bilhões de usuários de celulares em dezembrode 2008. Segundo a ONU, há mais usuários de celular doque de escova de dentes.

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período. O Brasil tem hoje a 5ª rede celular do mundo, só ultra-passada por China, Índia, Rússia e Estados Unidos.

- Nos primeiros três anos pós-privatização, o percentual dedomicílios servidos por telefone saltou de 21% para 49%. Emdezembro de 2009, ultrapassava os 75%.

- A taxa de digitalização das linhas telefônicas saltou de 68%para alcançar 100%, já em 2002.

- A rede de fibras ópticas dá um salto de mais de 1.000%,passando de 44 mil para 512 mil quilômetros de cabos nomesmo período.

- O número de satélites geoestacionários brasileiros e es-trangeiros autorizados a operar no Brasil cresceu de 17 para 62no período 1998-2009.

- E para surpresa dos mais pessimistas, em especial dos di-rigentes sindicais que se opuseram radicalmente à privatiza-ção, sob o argumento de que haveria diminuição do númerototal de empregos do setor, o número de postos de trabalho emempresas de telecomunicações cresceu de 150,6 mil para 315,8mil nos anos de 1999 a 2009.

- Os investimentos em infraestrutura de telefonia fixa e ce-lular, que no período de 25 anos de existência da Telebrás(1972-1997) haviam alcançado o total de R$ 42 bilhões, atingi-ram R$ 185 bilhões nos 11 anos que vão de 1998 a 2009. O poderde investimento do País em telecomunicações cresceu, portan-to, mais de 300% com a privatização.

- Se forem mantidas suas regras básicas e linhas gerais, o mo-delo privatizado brasileiro de telecomunicações tem todas ascondições de sustentabilidade. O sucesso desse setor é compará-vel ao dos demais países integrantes do grupo de países emer-gentes conhecido pela sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

- De1998atéhoje,comacombinaçãodetrêsfatoresdecisivos–competição, evolução tecnológica e maior escala de aquisições –têm caído continuamente os custos de investimento por linha outerminal de acesso. No período Telebrás, o investimento médionecessário para se ativar uma linha telefônica era da ordem deUS$ 3 mil a US$ 5 mil. Hoje, não chega a US$ 300.

- E, para os usuários, é bom lembrar que uma cesta de ser-viços (que inclui tarifas de acesso, assinatura básica, chamadaslocais, ligações de longa distância nacionais e internacionais)está caindo de preços de forma dramática. Assim, uma cesta deserviços que custava US$ 119,50 (como média anual brasileira)em 1990, caiu para US$ 60,73 em 1994; US$ 33,79 em 1998; US$30,58 no final de 2000; e a menos de US$ 15,00 em 2009.

- Conforme dados da Anatel, a abertura do setor resultouem um processo de inclusão social nunca visto no Brasil, deque são exemplos os indicadores de densidade telefônica noPaís. Em 1997, somente 8% das classes D e E tinham telefone.Em 2009, eram mais de 50%.

4. O que falta hoje às telecomunicaçõesO que importa hoje ao Brasil é consolidar e aprimorar o mo-

delo privatizado, cujos resultados têm sido os melhores pos-síveis, quanto à expansão da oferta de serviços, ampliação dainfraestrutura, investimentos e modernização tecnológica.

Reordenamento institucional – O Brasil precisa consolidarsua legislação de comunicações, que se transformou numa col-cha de retalhos. Decorridos de 11 anos da privatização, a maior

prioridade para as telecomunicações brasileiras é hoje de ordeminstitucional. A legislação conta com uma parte moderna (aLGT) e outra obsoleta, inclusive com um capítulo do velho Có-digo Brasileiro de Telecomunicações de 1962. A nova Lei Geralde Comunicações (LGC) que se propõe deverá harmonizar to-dos os segmentos que compõem as Comunicações: telecomuni-cações, radiodifusão (rádio e TV), TV por assinatura, internet,comunicação eletrônica de massa e correios.

O projeto de reestruturação setorial proposto por SérgioMotta, no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Hen-rique, previa a reforma profunda das quatro grandes áreas emque se constitui o Ministério das Comunicações: Telecomuni-cações, Radiodifusão, Comunicação Eletrônica e Serviços Pos-tais. Nos 40 meses em que esteve à frente do Ministério das Co-municações, o ministro só conseguiu completar a tarefa na áreade telecomunicações públicas. Ficaram quase intocadas, con-tudo, as três outras áreas: de radiodifusão, comunicação ele-trônica e serviços postais.

Em resumo, o Brasil precisa retomar o projeto de abertura eliberalização setorial, com prioridade para a atualização legis-lativa que completará o processo de profunda reestruturação emodernização iniciado pelo falecido ministro das Comunica-ções, Sérgio Motta. Um novo governo e seu ministro das Co-municações precisarão, portanto, pensar grande para levaravante um projeto dessa magnitude.

Não bastará aplicar novos remendos na Lei Geral de Teleco-municações ou baixar uma dúzia de decretos paliativos. O Brasil

Masao Goto Filho/e-SIM

A telefonia celular saltou de 5,8 milhões de assinantesem 1998, para 170 milhões em dezembro de 2009.

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80 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO 2010

precisa de uma lei que dê coerência a todo o universo das Comu-nicações, que absorva o máximo do conteúdo da Lei Geral de Te-lecomunicações de 1997 e que elimine do restante da legislaçãosetorial todos os remendos que nela sobrevivem desde 1962.

O Brasil precisa de uma lei que contemple a modernidade eatenda à realidade da convergência tecnológica, das novas pers-pectivas de mercado em todos os segmentos que integram essesetor. Todos os ajustes desta lei devem ser feitos dentro de umavisão global das Comunicações, pois o mundo está unificando asfunções regulatórias sob a responsabilidade de uma única agên-cia reguladora. Assim acontece, por exemplo, na Grã-Bretanha,nos Estados Unidos, em Portugal, no Canadá e em outros países,que modernizaram recentemente sua legislação setorial. No pro-cesso de reestruturação institucional que sugerimos, o Brasil po-deria criar uma grande agência reguladora das Comunicações –que poderia chamar-se Agência Nacional das Comunicações(Anacom) – que absorveria a Anatel e ampliaria sua ação regu-latória à Radiodifusão, à TV por Assinatura, à Comunicação Ele-trônica de Massa (inclusive internet) e aos Correios.

Fortalecer a Anatel – É urgente que um novo governo re-tome duas tarefas urgentes como: a) elevar o nível de profis-sionalização da Agência Nacional de Telecomunicações; b)respeitar sua autonomia, para que a agência exerça seu papelfundamental de regulação, de defesa do usuário, fiscalizaçãode todas as operadoras e do desenvolvimento setorial. c) as-segurar à agência recursos orçamentários mínimos que lhepermitam cumprir suas obrigações, utilizando, inclusive, amaior parte dos recursos do Fundo de Fiscalização das Tele-comunicações (FISTEL), fundo esse criado, entre outros fins,para o aprimoramento da fiscalização setorial.

Mais competição – Entre outros objetivos ainda não con-quistados, o projeto brasileiro de telecomunicações tem pelomenos um aspecto de longo prazo: a competição na telefonia lo-

cal. Em quase todo o mundo, tem sido muito difícil implementara competição na telefonia local. A digitalização total das comu-nicações e o processo de convergência tecnológica são condi-ções objetivas que favorecem também a competição, porquepermitem que diversos operadores explorem infraestruturascomuns. Desse modo, uma das estratégias propostas no mundoé a desagregação das redes (unbundling), de modo que todas asoperadoras possam compartilhar a mesma rede de cabos, saté-lites e demais infraestruturas, em condições isonômicas.

Desonerar os serviços – Nenhumpaísdomundocobratantoimposto sobre telecomunicações. Daí a necessidade urgente de sereduzir a brutal alíquota de tributos que incidem sobre serviçosde telecomunicações, equivalente à média de 43% do valor dosserviços prestados pelas concessionárias. O que tem mais dificul-tado essa redução é o fato de se tratar, predominantemente, deImposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), des-tinado aos Estados e municípios, cujas alíquotas são fixadas e con-troladas por um feudo chamado Conselho Nacional de PolíticaFazendária (Confaz), integrado, entre outros membros, pelos se-cretários da Fazenda de todas as unidades da Federação.

Universalização dos serviços – Alémdaofertaabundantedeserviços já alcançada nos serviços de telefonia celular e fixa, o Bra-sil deveria debater as possibilidades de fixação de metas de uni-versalização do acesso à banda larga, como condição essencial aouso generalizado da internet de alta velocidade, para dados eimagens, com o máximo de interatividade.

A importância da banda larga–A disponibilidade de redesde banda larga tem hoje no mundo importância social, eco-nômica e cultural estratégica. O Brasil dispõe hoje de uma in-fraestrutura moderna na área de telecomunicações que lhepermite oferecer não apenas serviços avançados, como aces-so em banda larga à internet.

Falta capilaridade, contudo, a essa imensa rede de cabos óp-

Stuart Westmorland/Folhapress

O Brasil precisade leis quecontemplem amodernidade.

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ticos e metálicos, redes sem fio e sistemas de satélites, para queela alcance literalmente todos os municípios e localidades doPaís. Empresas, escolas, hospitais, repartições públicas e amaioria dos domicílios do País precisam dispor desse acesso,para conectar-se a todas as formas avançadas de comunica-ções e serviços proporcionados pela internet.

Tudo isso deverá exigir atenção muito maior do governo, nãopara operar ou investir diretamente nesse segmento, mas paraformular políticas públicas adequadas, estimular ao máximo osinvestimentos privados e modernizar a administração públicapara a utilização crescente dos serviços de banda larga.

Fortalecer a indústria nacional – Outro problema ainda nãoresolvido de forma adequada tem sido o dos fabricantes de ma-teriais e equipamentos de telecomunicações. O Brasil dispunhade um parque industrial diversificado, no qual estavam presen-tes quase todas as grandes corporações globais de telefonia fixa ecelular, dentre as quais a Al-catel-Lucent, Ericsson, Sie-mens, NEC, Nortel, Motoro-la, Pirelli, Nokia e Qual-comm. Só nos mercados chi-n ê s e n o r t e - a m e r i c a n ocompetem tantos fornecedo-res de grande porte. Com ofim da bolha de telecomuni-cações e da internet do ano2000, mudou completamenteo cenário anterior, não ape-nas no mundo, como no Bra-sil. Não apenas mudou a tec-nologia, bem como muda-ram as condições de competi-ção. As grandes operadorasbrasileiras passaram a adqui-rir centrais e equipamentos no mercado mundial, a preços muitomais competitivos do que os da indústria local. Com esse pro-cesso, a indústria brasileira mudou radicalmente seu perfil, vol-tando-se predominantemente para a área de serviços.

Melhor qualidade dos serviços – Está na hora de se pensarem maior qualidade dos serviços de telecomunicações. Uma dasgrandes queixas do usuário brasileiro na área de telefonia são osproblemas de relacionamento com suas operadoras. Mesmonum ambiente relativamente competitivo, esse usuário tem sidomaltratado e desrespeitado, especialmente nos call centers.

Nesta área, há, sim, muita coisa a melhorar na telefonia bra-sileira, em especial na área da qualidade, nos padrões de aten-dimento, com destaque para o inferno dos call centers.

Perfil do novo ministro – Num novo governo realmentecomprometido com o desenvolvimento setorial, será altamentedesejável que o ministro das Comunicações não mais deveráperder a oportunidade histórica de mudar e aprimorar o mo-delo setorial. O titular dessa Pasta não deverá agir como a maio-ria dos políticos que ganham um ministério e só pensam no va-rejo, nas coisas menores, nas barganhas político-partidárias.

Extinguir ou reativar a Telebrás? – A ideia de reativar a Te-lebrás nos parece totalmente inconveniente e sem sentido. Ao pri-vatizar as telecomunicações, em 1998, o governo sinalizou à so-

ciedade e aos investidores que o Estado se retirava do setor, dei-xando a condição de empresário e de prestador de serviços, paraassumir o papel, muito mais relevante de regulador e fiscalizadordo funcionamento do setor, visando ao pleno desenvolvimentodo País e ao atendimento do usuário.

Segundo as propostas anunciadas pelo segundo escalão dogoverno até janeiro de 2010, eram quatro os objetivos sugeri-dos pelos defensores da volta da Telebrás:

a) atender progressivamente a demanda de serviços de te-lecomunicações governamentais, o que "deverá proporcionarmaior economia ao governo e maior segurança aos serviços":

b) assumir o papel de "gestora da rede nacional de banda lar-ga para levar o acesso à internet rápida a todo o País";

c) operar a rede de mais de 20 mil quilômetros de cabos defibra óptica de empresas estatais federais, inclusive a infraestru-tura da rede da falida Eletronet, estatal formada pela Eletrobrás

e a AES Bandeirante;d) operar um futuro saté-

lite geoestacionário estatalbrasileiro para atender aogoverno e às comunicaçõesa e ro n á u t i c a s .

Na verdade, o Brasil nãoprecisa de uma operadoraestatal para servir ao gover-no nem às Forças Armadas.Para cumprir esses quatroobjetivos, bastaria recorreràs diversas operadoras pri-vadas, que dispõem de in-fraestrutura e de oferta deserviços, inclusive de satéli-tes, que poderiam atenderao governo. A segurança

das comunicações militares e governamentais, em todo omundo, é assegurada por meio de sistemas avançados de crip-tografia e codificação e não, necessariamente, pela operaçãodos serviços ser feita por empresa estatal ou privada.

O maior risco da criação de uma estatal, num ano eleitoral ounão, é o empreguismo, pois, é quase certo que a nova opera-dora exigirá a criação de, no mínimo, 500 vagas para nomea-ções de profissionais, amigos e correligionários. Outra conse-quência seria a oportunidade de grandes licitações para aqui-sição de equipamentos pelo governo na área de telecomunica-ções. É isso que, na realidade, seduz alguns defensores dovelho projeto de telecomunicações do governo.

Embora nunca anunciada oficialmente pelo governo fede-ral ou pelo presidente da República, até o início de 2010, a rea-tivação da Telebrás tem sido considerada pelo primeiro esca-lão do governo – especialmente pelos ministros do Planeja-mento, Paulo Bernardo, e da Casa Civil, Dilma Roussef.

Primeiro grande argumento contrário à volta da holding:a Telebrás nunca foi empresa operadora, mas apenas umaholding de um conjunto de 27 concessionárias estaduais detelecomunicações.

O segundo argumento é a existência de um marco regu-latório inteiramente contrário à presença de empresas esta-

José Cruz/ABr

Ronaldo Mota Sardenberg, atual presidente da Anatel

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tais como operadoras de serviços,a não ser em casos excepcionais emuito específicos.

Terceiro argumento: o Estado bra-sileiro tem outras prioridades de or-dem social (saúde, educação, segu-rança, previdência etc.) a atender e,mais do que isso, não tem recursos deinvestimento para retornar ao setorde telecomunicações.

Quarto argumento: o País já dis-põe de infraestrutura e a iniciativaprivada provou que é capaz de aten-der, fazer mais e melhor nessa áreado que o Estado. E dar respostas mui-to mais rápidas e com mais eficiênciaàs demandas da sociedade.

Teoricamente, se o governo quises-se contribuir com uma pequena par-cela para o financiamento da bandalarga no País, poderia ter utilizado osquase R$ 10 bilhões acumulados, ar-recadados desde o ano 2000 e nuncaefetivamente aplicados pelo Fundode Universalização dos Serviços deTelecomunicações (FUST). Ocorreque, ao final de cada ano fiscal, os re-cursos não aplicados desse fundo sãotransformados em superávit fiscal enão mais existem como disponibili-dade a ser utilizada.

Até o momento, o governo Lulaparece ignorar que o fim da Telebrásresultou de duas decisões solida-mente fundamentadas pelo Con-gresso: a emenda constitucional nº8, de 1995 e a Lei Geral de Telecomu-nicações, de 1997.

É claro que o Estado pode ou deve voltar a atuar no setor detelecomunicações em três circunstâncias muito especiais: a) se asoperadoras privadas não forem capazes de cumprir suas obriga-ções contratuais; b) para corrigir graves desequilíbrios econômi-cos ou sociais; e c) em casos de emergência ou de guerra.

Nada disso ocorre hoje. Para a inclusão digital e para a uni-versalização da banda larga, há alternativas muito mais lógi-cas e convenientes.

Papel do Estado – Que papel tem o Estado na área de tele-comunicações? Muito mais nobre e relevante do que investir eassumir o lugar das empresas privadas na operação dos serviçosde telecomunicações, cabe hoje ao Estado regulá-las e fiscalizá-las. Essas duas tarefas centrais abrangem ações como fixar nor-mas, elaborar programas, formular políticas públicas, estabele-cer metas e objetivos, fiscalizar, supervisionar e agir proativa-mente no tocante à confiabilidade e à qualidade dos serviços, uti-lizar intensamente as novas tecnologias e a infraestrutura exis-tente visando à implementação do governo eletrônico, estimularas empresas privadas a inovar e a investir permanentemente em

pesquisa e desenvolvimento, nego-ciar e conduzir parcerias público-pri-vadas, com a participação de todas asempresas operadoras.

5. ConclusõesO mais grave problemas das tele-

comunicações é a legislação brasi-leira setorial, uma verdadeira col-cha de retalhos, incoerente e contra-ditória, com apenas uma lei razoa-velmente moderna (a Lei Geral deTelecomunicações ou LGT). O res-tante é um emaranhado de decretosobsoletos e do que sobrou do antigoCódigo Brasileiro de Telecomunica-ções, de 1962. Esse quadro jurídico-legal é gerador de problemas e dis-putas entre os diversos segmentosdas Comunicações, particularmen-te entre as Telecomunicações e a Ra-diodifusão (Rádio e TV).

Em síntese, com base nessa análi-se, sugerimos ao novo governo, a serinstalado em 1º de janeiro de 2011, asseguintes prioridades para as tele-comunicações brasileiras:

1. Aprimorar o modelo institu-cional privatizado das Comunica-ções como um todo, harmonizando-o e promovendo seu reordenamen-to jurídico, sem desfigurá-lo;

2. Estimular o investimento pri-vado no setor;

3. Reduzir significativamente acarga fiscal absurda (média nacio-nal de 43%) que onera diretamentetodos os serviços de telecomunica-

ções, inclusive os novos serviços, de banda larga;4. Profissionalizar e fortalecer a Anatel, como agência re-

guladora;5. Estimular a competição entre as prestadoras de serviço;6. Formular políticas públicas e criar condições para a inclu-

são digital, a começar pela elaboração de um plano nacional debanda larga baseado em parcerias público-privadas, isentan-do ou reduzindo a tributação desses novos serviços;

7. Fortalecer a indústria nacional;8. Cuidar da melhoria permanente da qualidade dos servi-

ços e do atendimento ao usuário;9. Escolher e prestigiar um ministro das Comunicações

competente, probo e comprometido com o desenvolvimen-to setorial;

10. Abandonar totalmente a ideia anacrônica de reativaçãoda Telebrás e/ou criação de uma estatal para cuidar da univer-salização da banda larga e, por fim;

11. Fazer com que o Estado cumpra da melhor forma pos-sível o papel estatal de regulação e fiscalização.

Paulo Pampolin/Digna Imagem

Marco Antônio Teixeira/O Globo

O que importa hoje ao Brasil é consolidar eaprimorar o modelo privatizado, cujos

resultados têm sido os melhores possíveis.

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