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DIGESTO ECONÔMICO - MAIO/JUNHO 2013 - ANO LXVIII - Nº 473 Levantamento mostra tamanho dos gastos com o evento; manifestantes protestam nas ruas. A democracia, na visão de Ayres Britto. MAIO/JUNHO 2013 – ANO LXVIII Nº 473 – R$ 4,50 COPA EXPLOSIVA COPA EXPLOSIVA

Digesto Econômico - Nº 473 - COPA EXPLOSIVA

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COPA EXPLOSIVA - Levantamento mostra tamanho dos gastos com o evento; manifestantes protestam nas ruas. - A democracia, na visão de Ayres Britto. MAIO/JUNHO - 2013 – ANO LXVIII - Nº 473

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Levantamento mostra tamanho dos gastos com o evento; manifestantes protestam nas ruas.

A democracia, na visão de Ayres Britto.

MAIO/JUNHO2013 – ANO LXVIIINº 473 – R$ 4,50

COPA EXPLOSIVACOPA EXPLOSIVA

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AnDigestoACcertifica.pdf 1 30/4/2013 5:07:14 PM

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3MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

Os impostos e ainsatisfação popular

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Este mês de junho ficará marcado na história pelas gigantescasmanifestações populares, que reuniram centenas de milhares depessoas nas principais capitais do País. Ainda não se tem claro o que

vem motivando tamanha mobilização, que começou como um protestocontra o aumento nas tarifas dos transportes públicos, mas que acabouatraindo outros movimentos sociais – nas passeatas, é possível vercartazes contra a PEC 37 (que rapidamente foi votada e rejeitada pelaCâmara), contra os gastos da Copa do Mundo, contra a hidrelétrica de BeloMonte, pelos direitos indígenas, mais verbas para a saúde e educação,mais moradias, contra o deputado Marco Feliciano na Comissão de DireitosHumanos na Câmara, entre outros.

Insatisfação parece ser a palavra-chave que melhor define o sentimentoda população e que tem levado as pessoas às ruas – insatisfação por váriosmotivos, não apenas pelo aumento de 20 centavos nas passagens deônibus e metrô. As pessoas estão percebendo que pagam muitos impostos e não têm o retorno emserviços públicos de qualidade. Coincidentemente, no último dia 10 de junho entrou em vigor aLei 12.741, que obriga o estabelecimento comercial a discriminar na nota fiscal o quanto o consumidorestá pagando de impostos.

Essa lei nasceu do movimento De Olho no Imposto, liderado pela Associação Comercial de SãoPaulo (ACSP) e pela FACESP - Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, quejunto com o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) e a AFRAC- Associação Brasileira deAutomação Comercial, contribuíram para que diversas empresas já estejam destacando o valoraproximado dos impostos pagos pelo consumidor, complementando as informações do Impostômetro,que desde 2005 mostra o total dos tributos arrecadados pelo três níveis de governo.

Os gastos com a Copa do Mundo, que são um dos motivos das manifestações populares, é temadesta edição do Digesto Econômico, com base em palestra realizada no seu Conselho de AltosEstudos Fiscais e Tributários, pelo advogado Matheus Carneiro, integrante da Advocacia Geral daUnião, que detalhou os investimentos, gastos e renúncia fiscal envolvendo o evento. Segundo Carneiro,falta transparência e o valor exato da conta só vamos saber após a auditoria do TCU.

Outros destaques desta edição são o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto,que aborda temas como democracia, segurança jurídica e liberdade de imprensa; o jurista IvesGandra, que em entrevista critica a atual posição do STF em criar leis, papel que deveria ser exclusivodo Poder Legislativo; e o desembargador Walter Maierovitch, que comenta sobre a questão da reduçãoda maioridade penal e as distorções das nossas leis.

Boa leitura!

Rogério AmatoPresidente da Associação Comercial de

São Paulo e da Federação das AssociaçõesComerciais do Estado de São Paulo.

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4 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

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w w w. d co m e rc i o. co m . b r

ÍNDICE

6Em defesa da constituiçãoe da democraciaCarlos Ossamu

14STF: novos ministros, novasfunções, novos problemas

Carlos Ossamu eDomingos Zamagna

20Maioridade penal: uma

questão maior do menorCarlos Ossamu,

Domingos Zamagnae José Maria dos Santos

CAPAArte: Max

24A serviço de CubaOlavo de Carvalho

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5MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

28A conta exata,só depois da CopaCarlos Ossamu

44Governo e FIFAse explicamCarlos Ossamucom Agências46

Finanças públicas:LDO - O VelhoModelo deAumento de Receitacom FlexibilizaçãoCriativaVera Martins da Silva 52

O pré-sal e a realidadeenergética brasileiraCarlos Ossamu

60Nós e eles, caraspálidas e índiosDomingos Zamagna eJosé Maria dos Santos

65Por trás dos

conflitos

66Um índio na terra

dos caciques

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6 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

José Cruz/ABr

O ex-ministro CarlosAugusto Ayres de FreitasBritto foi eleito presidentedo STF em 14 de março de2012 e se aposentou em

novembro do mesmo ano.

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7MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

CONSTITUIÇÃOEm defesa da

e daDEMOCRACIACarlos Ossamu

Em fins de maio, o ex-ministro do SupremoTribunal Federal (STF) Carlos AugustoAyres de Freitas Britto proferiu uma pales-tra na Associação Comercial de São Paulo,

evento promovido pelo Conselho de Política Social(Cops). Na ocasião, Ayres Britto falou sobre segu-rança jurídica, liberdade de imprensa, Estado deDireito e, principalmente, defendeu a nossa Cons-tituição. Em sua opinião, o Brasil é juridicamenteum país de primeiro mundo graças a esta Consti-tuição, que aos poucos vai sendo melhor conhecidae que vai completar 25 anos em outubro. "Nós es-tamos nos habituando a pensar institucionalmen-te. Estamos fugindo dos personalismos, tão perigo-sos, porque implicam o populismo, os cultos às per-sonalidades, e pode descambar para o caudilhis-mo, ao fisiologismo, à fidedignidade; e não àsideias, mas às pessoas, a ação entre amigos", disse.

Nomeado em 2003 pelo presidente Lula para ocargo de ministro do STF, Ayres Britto também pre-sidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de maio de

2008 a abril de 2010. Foi eleito presidentedo STF em 14 de março de 2012, composse no cargo em 19 de abril, onde per-maneceu até 18 de novembro de 2012,quando completou 70 anos e se apo-sentou compulsoriamente.

Leia a seguir os principais trechosda palestra do ex-ministro, que foiuma preciosa aula de Direito.

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8 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

Recentemente, recebi um convite para fazer uma palestraem São Paulo sobre estas três estrelares figuras do PrincípioConstitucional da Segurança Jurídica – o Direito Adquirido, oAto Jurídico Perfeito e a Coisa Julgada. Este convite foi feito pe-lo amigo, admirado jurista e literato Dr. Ives Gandra. Ele meencaminhou um parecer jurídico do consagrado professorportuguês constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho.O parecer foi impresso e versa exatamente sobre este tema con-jugado do Direito Adquirido, o Ato Jurídico Perfeito e a CoisaJulgada em matéria de meio ambiente. A publicação vem como prefácio do próprio Dr. Ives Gandra.

E aqui, o professor Ives Gandra faz um link entre econo-mia de mercado e regime jurídico estável. Ao se fazer esteliame, o professor Ives Gandra cita um economista laureadocom o Prêmio Nobel de Economia, Ronald Coase. De fato,não pode haver economia de mercado se não à luz de um re-gime jurídico estável, que propicie segurança, estabilidadeao planejamento dos empresários. Os empresários assim osão por vocação, por gosto e jeito de produzir bens, de pres-tar serviços e de criar mecanismos de intermediação mer-cantil. Quando a nossa Constituição consagra o princípio dalivre iniciativa desde o seu Artigo 1º como um dos funda-mentos da República, assim como o Artigo 170 como base detoda ordem econômica, a Constituição nada mais fez do quereconhecer que a livre iniciativa empresarial e econômicacorresponde a uma vocação. E quem nasce assim vocacio-nado para os misteres da economia tem todo o direito de serealizar. Seria uma violência impedir que pessoas dotadasde tino negocial, de gosto, de jeito, se realizassem profissio-nalmente como empresários.

O direito de desenvolver uma atividade econômica, naConstituição, é um direito fundamental e mais do que isso, éum bem de personalidade, na medida que corresponde a esseimpulso intrínseco e inato de atuar no plano da geração de ri-queza, produzindo sobretudo o que hoje se chama de desen-volvimento. Essa vocação para os negócios, na perspectiva doprofessor Ives Gandra, tem por pressuposto um regime jurí-dico estável. Para a projeção dos seus investimentos e a dedi-cação do seu tempo, ele precisa saber das regras do jogo sociale mercantil. Nesse ponto, um regime jurídico estável se faz ab-solutamente necessário. Não é um regime jurídico estratifica-do, absolutamente imutável, estagnado, que nunca saia dainércia, não é isso. Mas a estabilidade com relativa certeza deque as regras jurídicas postas pelo Estado serão cumpridas.

O Estado de Direito é autoexplicativo: é aqueleEstado que respeita o direito por ele mesmo

editado, por ele mesmo criado.

E não é por outra razão que o primeiro artigo da Constitui-ção fala de Estado de Direito – diz que o Brasil é uma Repú-blica Federativa, que se constitui sob a forma de Estado de Di-reito. O Estado de Direito é autoexplicativo: é aquele Estado,pessoa jurídica pública, que respeita o direito por ele mesmoeditado, por ele mesmo criado. É o conceito mais elementar,mais simples e ao mesmo tempo permanente de Estado de Di-

reito. Vale dizer, é um Estado que pode até desfazer o Direito,revogando-o, mas ele não pode jamais desfazer do Direito en-quanto esta revogação não sobrevém. O Direito posto peloEstado há de ser irrestritamente observado por ele mesmo Es-tado, para o que a Constituição cria os poderes da República,os três poderes elementares – Legislativo, Executivo e Judi-ciário, nessa ordem, que não é apenas uma ordem lógica, co-mo também cronológica. Os três momentos lógicos da vidado Estado são exatamente os três momentos lógicos da vidado Direito – legislação (ninguém é obrigado a fazer ou deixarde fazer alguma coisa se não em virtude de lei), execução ejurisdição. O Poder Judiciário, exercente da jurisdição, nãopor acaso vem por último na relação do Artigo 2º da Consti-tuição. É que tudo afunila para o Poder Judiciário, ele operacomo uma espécie de funil.

Assim como não se pode impedir o Judiciário defalar por último, também não se pode impedir a

imprensa de falar primeiro

Ainda há pouco eu estava participando de um debate na Câ-mara dos Deputados sobre liberdade de imprensa e pudeavançar a seguinte ideia, que me parece tão simples quanto ir-refutável: assim como não se pode impedir o Judiciário de falarpor último, também não se pode impedir a imprensa de falarprimeiro. São coisas muito simples. A imprensa noticia em pri-meiro lugar, tem todo o direito de tomar a dianteira da divul-gação dos fatos, até como condição de desalienação coletiva. Opreço que se pagaria por uma censura à liberdade de imprensaseria a alienação dos fatos, dos acontecimentos, das ideias, dasnotícias. E quem tem o direito de nos alienar, seja individual oucoletivo? Absolutamente ninguém.

E o Judiciário, também por definição, é quem dá a últimapalavra, a palavra final. Ele é o que representa para a socie-dade uma espécie de âncora de conhecimento e ordenamen-to jurídico e de confiabilidade ética e técnica. O Judiciáriocumpre este papel de assegurar a todos a irrestrita obser-vância da ordem jurídica no limite das controvérsias amis-tosamente conciliáveis. Quando não dá mais para conciliarno plano da persuasão, as portas do Judiciário estão abertaspara os contendores. E o Judiciário não pode deixar de jul-gar, diferentemente do Legislativo, que não pode ser obri-gado a legislar. Então, ele resolve os conflitos no plano dascontrovérsias factuais, entre sujeitos; e o Judiciário tambémresolve as teses jurídicas, mediante as ações de controlesabstratos de constitucionalidade, as chamada ADIN - AçõesDiretas de Inconstitucionalidade, ADC - Ação Declaratóriade Constitucionalidade e ADPF - Arguição de Descumpri-mento de Preceito Fundamental.

Um país só é desenvolvido quando a sua riquezacomo um todo, a riqueza produzida

materialmente, se estende, rende os seus frutos edistribui esses frutos com a população por inteira.

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9MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

Então, este primeiro link que fala o professor Ives Gandra éabsolutamente verdadeiro. A economia de mercado, aquelapor excelência de produção de riqueza naqueles três planos –prestação de serviços, produção de bens materiais e interme-diação mercantil – é voltado para o mercado consumidor, des-tinatário da produção econômica, donde a expressão "econo-mia de mercado", que se volta para o mercado de consumo in-terno e externo, mediante exportação. E a ordem jurídica as-segura àqueles que são mentores e motores da economia, osempresários, os investidores, o conhecimento prévio da con-sequência dos próprios atos, porque tudo é pré-ordenado nor-mativamente. Não por acaso o Direito chama Ordem Jurídica.É só abrir a Constituição, no artigo 127, esta expressão avulta –o Direito é a Ordem Jurídica. Há um sentido de ordem, de es-tabilidade, de certa fixidez nas coisas.

Quero dizer que falo em desenvolvimento também emuma perspectiva constitucional. O estudioso do Direito ter-mina sendo um pouco reducionista no plano cognitivo, por-

que ele tende a ver a realidade pelo prisma do Direito Posi-tivo a partir da Constituição. Então, em todas essas catego-rias – empresários, economia, mercado, desenvolvimento,Ordem Jurídica – eu tenho este cacoete, para não incorrer emsubjetividade excessiva, busco a âncora da Constituição.Então, de logo explico que para mim desenvolvimento, naConstituição, tem o sentido de compatibilizar a riqueza doPaís com a riqueza da sociedade civil. Um país só é desen-volvido quando a sua riqueza como um todo, a riqueza pro-duzida materialmente, se estende, rende os seus frutos e dis-tribui esses frutos com a população por inteira. O princípioda igualdade não é absoluto, mas é possível criar uma situa-ção geral de vida de igualdade aproximativa. Então, quan-do a riqueza do país corresponde com a riqueza da popula-ção, nós temos o primeiro significado de desenvolvimento.Outro, mais atual ainda, é uma compatibilidade entre de-senvolvimento e meio ambiente equilibrado. Antigamentese dizia que o meio ambiente economicamente equilibrado

Arquivo/AE

Em outubro, aConstituiçãoBrasileiracompleta 25 anos.Na foto, odeputado UlissesGuimarães,presidenteda AssembleiaConstituinte.

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10 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

não seria compatível com o desenvolvimento. Hoje já não éassim. Hoje, o que se diz mundialmente é que não há desen-volvimento sem um equilíbrio com o meio ambiente. Ou,num paralelo que me parece perfeito, não há democraciasem liberdade de imprensa.

Há pouco tempo vi um governante sul-americano dizeralgo perigoso: ele disse que a liberdade de imprensa não éincompatível com a democracia. Ora, dizer isso é muitopouco, a radicalização conceitual aí se impõe. Não há demo-cracia sem liberdade de imprensa e liberdade em plenitude,a rechaçar portanto qualquer tentativa de censura prévia,que é uma camisa de força do pensamento, é o bloqueio dalivre circulação da ideias, das notícias, dos fatos. E desenvol-vimento também como um estado de crescimento material,econômico, produtivo, sem temerária dependência externa.Parece até um conceito paradoxal, antiglobalizante, masainda hoje prevalece esse conceito de que o dever de cadapaís é impedir uma dependência excessiva dos mercadosexternos, de países outros dotados das respectivas sobera-nias, porque quando um país monta o seu aparelho produ-tivo com excessiva dependência externa, o conceito de de-senvolvimento fica fragilizado.

A perspectiva histórica, analítica, é exatamenteigual à perspectiva ótica do fotógrafo: precisa de

certa distância para entrar em foco.

Mas o segundo link operacional, também citado pelo pro-fessor Ives Gandra, é que há um vínculo entre regime jurí-dico estável e democracia. Isso me parece também digno detoda a nossa atenção. Primeiro link: não pode haver econo-mia de mercado sem regime jurídico estável, ou seja, seguro,um Estado de Direito, um regime jurídico respeitante das re-gras do jogo, dentro daquela variabilidade que falei. O Es-tado pode desfazer o Direito, revogando-o, mas não se des-fazer do Direito enquanto a revogação não se dá. E esse se-gundo link é entre o regime jurídico estável e a democracia.E aí, me permito dizer, que a democracia, na Constituiçãobrasileira não é um discurso, não é uma prescrição oca, va-zia, não é um discurso bonito, mas sem viabilidade, sem pra-ticidade. A nossa Constituição fez da democracia a sua "me-nina dos olhos", porque desde o preâmbulo está dito com to-das as letras – são quase 25 anos de promulgação do MagnoTexto brasileiro, faremos isso agora no dia 5 de outubro, umquarto de século, é um feito para o Brasil. Todos temos or-gulho da Constituição, porque agora ela se faz conhecida. Aperspectiva histórica, analítica, é exatamente igual à pers-pectiva ótica do fotógrafo: precisa de certa distância para en-trar em foco. A perspectiva do fotógrafo, que é ótica, precisade uma distância física; a perspectiva histórica, que é ana-lítica, precisa de uma distância temporal. O optimum vi-sual, seja fisicamente, seja analiticamente, necessita de certadistância entre o sujeito e o objeto.

A nossa Constituição agora já pode ser melhor compreen-dida. E lá no preâmbulo está dito, em todas as letras, com toda

a ênfase: "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidosem Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Es-tado democrático". Então, o sumo objetivo da AssembleiaNacional Constituinte foi instituir um Estado democrático,naquele conceito "lincolniano" – democracia é o governo dopovo, pelo povo, para o povo; ou "tobiático", de Tobias Bar-reto, num conceito tão radical quanto atual – sobre democra-cia ele disse: ali onde o povo não é tudo, o povo não é nada.Coisa notável. Tobias Barreto morreu em 1889, pouco antesda Proclamação da República, mas deve ter proferido estafrase por volta de 1872, segundo minhas pesquisas,.

É como se a Constituição dissesse:o caminho mais curto entre o desenvolvimento

e o País é a democracia.

E a Constituição realmente fez por onde normatizar a demo-cracia de modo fidedigno ao conceito que ela exprime – todossabem que democracia é uma palavra composta de demos, queem grego significa povo, e cracia, que significa governo: gover-no do povo, o governo da sociedade civil perante o Estado.

Mas a Constituição não ficou nisso, o preâmbulo não ficounisso – "para instituir um Estado democrático". E aí seria umdiscurso bonito, porém evanescente. Ela diz "um Estado de-mocrático destinado a" – então uma democracia como proce-dimento, via, caminho, estrada, conjunto de condições. Pararealizar o quê? Diz a Constituição: os direitos sociais e indivi-duais e em seguida seis valores que passam por essa estrada dademocracia: desenvolvimento, justiça, bem-estar, liberdade,igualdade e segurança.

Mas a democracia tem suas particularidades – vou recorreragora a uma metáfora quiçá prosaica: numa linguagem fute-bolística, ela é a melhor assistente, o camisa 10 a partir de Pelé.A democracia coloca esses seis valores mencionados na cara dogol. Só a democracia faz isso. É como se a Constituição dissesse:o caminho mais curto entre o desenvolvimento e o País é a de-mocracia. O caminho mais curto entre a liberdade e o indiví-duo é a democracia. O caminho mais curto entre a igualdade ea população, sobretudo carente, é a democracia. É a Constitui-ção que diz isso, a meu sentir. A democracia cumprindo estepapel instrumental, propiciadora das melhores condições pa-ra a realização desses valores, que dão mais grandeza, sentido,propósito, autoestima à população. Estou falando de um paíscivilizado, humanista por excelência.

Mas, quando o gol é feito, o desenvolvimento se realiza, ajustiça se realiza, a igualdade se realiza – por exemplo, igual-dade entre pares homoafetivos e heteroafetivos – quando aliberdade de imprensa se realiza em plenitude, sem que o go-verno possa puxá-la pelo cós da saia ou calça, conforme seprefira, aí a democracia resplandece, reluz em cada um des-ses valores concretamente realizados. É como se o árbitro dapartida de futebol dissesse: o gol realizado pelo desenvolvi-mento, pela justiça, pela liberdade, pela igualdade, o gol é dedupla autoria. E lá na súmula do árbitro, quem fez o gol? Ademocracia ao lado do desenvolvimento, da igualdade, da li-

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11MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

berdade, da transparência, da impessoalidade, da eficiência,da legalidade, em suma, a democracia é meio e é fim. Temuma dimensão instrumental, procedimental, mas tem umadimensão substancial: ela é coautora de cada gol no plano dosvalores. Daí porque Churchill disse aquela frase famosa: "ademocracia é o pior dos regimes políticos, salvos todos os ou-tros". Ou seja, a democracia é igual a concurso e a licitação.Um concurso público tem defeitos? A licitação tem defeitos?Tem, mas já se concebeu algo melhor? Não. Então, a "meninados olhos" da Constituição, o valor continente, tudo mais éconteúdo, o valor teto, não há outro que se iguale, em impor-tância sistêmica, à democracia. A democracia é uma espéciede imã, atrai tudo para ela; de bússola, dá o norte; e de fonte,é a base de inspiração. Fonte, ímã e bússola.

E por que a Constituição é um fator de segurançamáxima? Porque a multiplicidade infinita das leis

tem que se conduzir à unidade da Constituição.

Assim, a Constituição é, em si mesma, um fator de segurança.E por que a Constituição é um fator de segurança máxima? Por-que a multiplicidade infinita das leis tem que se conduzir à uni-

dade da Constituição. E a vida é exigente de unidade, de har-monia, de equilíbrio. Não é estagnação, há um dinamismo nessaestabilidade. Mas a vida é exigente de unidade. O espermato-zoide e o óvulo são polaridades que se unificam na figura do zi-goto, embrião dos primeiros dias, que é o ponto de unidade. Océu e a terra são duas polaridades, a linha do horizonte é o pontode unidade, de confluência, aquele ponto onde o céu e a terra setocam, é o terceiro elemento promotor da unidade, do equilíbrio,do visual de conjunto. Heráclito, que foi um pré-socrático – o te-nho como o maior de todos os filósofos – dizia que "o ser das coi-sas é o movimento". Enquanto Parmênides dizia "nada de novosob o sol", Heráclito dizia "tudo de novo sob o sol", porque "o serdas coisas é o movimento", "ninguém entra duas vezes nas águasde um mesmo rio", "só o impermanente é permanente" e "tudomuda, menos a mudança" – é o que a física quântica diz: tudo senos dá sob a forma de ondas de possibilidades, tudo são ondasde possibilidades. Werner Heisenberg, no ano de 1925, cunhou oprincípio da incerteza, dizendo que tudo é incerto, não se podedescrever com absoluta precisão a trajetória de uma partícula

Arquivo/ABr

Graças a esta Constituiçãoestamos nos habituando

a pensar institucionalmente.Na foto, deputados comemoram

a nova Constituição.

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12 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

subatômica, dos nêutrons, dos prótons, dos elétrons. Ora partí-cula se comporta como partícula, ora se comporta como onda; eninguém vê uma partícula se transformando em onda. Isso ocor-re fora do tempo e do espaço, num movimento descontínuo, quedescarta a categoria do tempo e do espaço para eclodir. Assimcomo o raio no céu, ninguém vê pedaços de eletricidade se com-pondo para formar a figura do raio. Ele aparece de um súbito,não ensaia para acontecer. Assim é a vida.

Portanto, esse caráter de estabilidade que a Constituiçãopromove, reconduzindo a multiplicidade infinita das leis auma unidade, é uma exigência da própria vida. E no interior daConstituição, essa exigência de unidade é alcançada pela figu-ra da democracia. Os outros valores também se reconduzem aosentido da palavra democracia. E a democracia opera, portan-to, como um fator de estabilidade. Toda a interpretação próxi-ma da democracia é a melhor interpretação. No limite, inter-pretemos as coisas democraticamente. Democracia implican-do, por exemplo, limitação das cúpulas e prestígios das bases,isso é eminentemente democrático. Todas as vezes que limita-mos as cúpulas e prestigiamos as bases, estamos caminhandoem direção à democracia. Democracia é tirar o povo da plateiae colocá-lo no palco das decisões coletivas. Democracia é ummovimento que um poder político assume ascendentemente,vem de baixo para cima, não vem de cima para baixo. A demo-cracia como fluxo ascendente do poder também é um conceitorigorosamente correto. Todas as vezes que interpretamos umanorma jurídica na perspectiva desse valor teto da democracia,nós estamos interpretando tecnicamente correto. O dispositi-vo jurídico é posto pelo legislador, é lógico, mas metaforica-mente ele é como uma ostra: a norma é a pérola, não adiantaprocurar a norma (a pérola) senão dentro de uma ostra (o dis-positivo). E o que faz o intérprete é usar, digamos, metaforica-mente, o estilete (sua interpretação) para abrir a ostra e dela ti-rar a pérola, que se chama norma jurídica.

O Brasil é juridicamente um país"primeiromundista", graças a esta Constituição,

que aos poucos a conhecemos melhor,penetramos em sua intimidade estrutural.

Então, dentro da Constituição, o fator de unidade está den-tro da democracia. Este ano de 2013 é o ano do primeiro quartode século desta Constituição, que nos confere o mais honrosodos diplomas, um diploma coletivo. Esta Constituição, a partirdeste valor máximo da democracia, nos confere o diploma depaís do Primeiro Mundo. O Brasil é juridicamente um país "pri-meiromundista", graças a esta Constituição, que aos poucos aconhecemos melhor, penetramos em sua intimidade estrutu-ral e ali vamos debulhando conceitos mais precisos, juridica-mente falando, e que está nos conduzindo àquela direção ci-vilizada, que se poderia chamar de apogeu da institucionali-dade. Nós estamos nos habituando a pensar institucionalmen-te. Estamos fugindo dos personalismos, tão perigosos, porqueimplicam o populismo, os cultos às personalidades, e podedescambar para o caudilhismo, o populismo, o fisiologismo, a

fidedignidade, não às ideias, mas às pessoas, ação entre ami-gos. Isso não é programático, não é ideológico, não é politica-mente filosófico. O ideal é que a vida gravite na órbita das ins-tituições, tanto públicas quanto privadas. Claro que as institui-ções também se afirmam a partir de certas personalidades, quepensam institucionalmente, coletivamente. Pessoas que traba-lham com ideias civilizadas, contemporâneas. Mas as pessoaspassam, os líderes passam.

Um dos maiores pontos defragilidade estrutural do nosso País,

historicamente, é a corrupção.

Outro dia conversava sobre corrupção. Quando ela é sis-têmica, "enquadrilhada", ela é uma declaração de guerra aoEstado de Direito e sobretudo aos valores e direitos sociais,porque pela falta do dinheiro desviado por efeito da corrup-ção, deixaremos de ter estradas, escolas, merendas escola-res, casas populares, remédios, hospitais etc. E Ulisses Gui-marães, um líder extraordinário que tanto concorreu para ofortalecimento das instituições e para a elaboração e pro-mulgação desta Carta, que ele apropriadamente chamou deConstituição cidadã, ele disse: "A corrupção é o cupim daRepública". E ela tem à corrupção uma resposta nesta Cons-tituição, que eu não conheço nenhum outro país que tenhacom tanto vigor. No Parágrafo 4ª, do Artigo 37 da Constitui-ção está dito assim: Os atos de improbidades administrati-vas importarão a suspensão dos direitos políticos, a perdada função pública, a indisponibilidade dos bens, o ressarci-mento do erário, sem prejuízo da ação penal cabível. QueConstituição primorosa! Um dos maiores pontos de fragili-dade estrutural do nosso País, historicamente, é a corrup-ção. E deu uma resposta de combate à corrupção que eu nãoconheço em nenhum outro país com tanta eficácia, pelo me-nos teoricamente.

Então, à luz desta Constituição, nós estamos caminhandopara ter essa compreensão de que, ou gravitamos em tornodas instituições, Tribunais de Conta, Ministério Público, Po-lícia Federal, Poder Judiciário independente – não basta terum Poder Judiciário, é preciso que ele seja rigorosamente in-dependente, e é preciso muita coragem para assumir essa in-dependência no âmbito do Judiciário. Porque historicamen-te também nós somos submissos. A Revolução Francesa sefez também contra os juízes, porque os juízes à época eramda copa e da cozinha dos governantes coroados; diferente-mente da Inglaterra, a Revolução Liberal inglesa, cem anosantes da Revolução Francesa, apenas não alcançou o mesmoprestígio universal, ela se fez com os juízes, porque os juízeseram razoavelmente independentes, eram confiáveis. Porisso, os precedentes judiciais lá têm mais força do que as leis.Na França, porque os juízes não eram confiáveis, as leis têmprecedência sobre as decisões judiciais – os juízes só podemdecidir segundo as leis. Veja como a história explica as ins-tituições hoje vigorantes. Como o aporte de episódios ou dequadras históricas, dá uma clareada nos horizontes mentaisda gente analiticamente.

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13MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

A democracia tem na liberdade de imprensaa sua irmã siamesa, porque nenhum

país civilizado consegue alcançar um estadode plenitude democrático sem o estado de

plenitude da liberdade de imprensa.

De sorte que o maior patrimônio hoje, o maior patrimônio ob-jetivo do povo brasileiro, o maior patrimônio imaterial do povobrasileiro, do ponto de vista documental, é esta Constituição. Sequeremos refundar o País, estamos refundando a partir destaConstituição, que é o fator de segurança máxima. No dia da mi-nha posse eu disse isso lá no STF. Certa vez, estava em uma dasruas de Brasília, me dirigindo com meu filho mais velho (23 anos)e minha esposa a um restaurante e fui abordado por um moradorde rua que eu já havia visto. Um homem bonito, alto, bem apes-soado, por algum motivo ele estava ali experimentando uma vi-da marginal. Ele se dirigiu a mim por ministro Ayres Britto. Fi-quei impressionado, ele me reconheceu. Ele disse: ministro Ay-res Britto, estou tomando conta de seu carro, de seu patrimônio.Eu disse obrigado e procurei uma gorjeta para recompensá-lo.Eu não tinha, nem minha mulher ou meu filho. Pedi desculpaspor não poder recompensá-lo. Ele disse: o senhor não me devenada, ministro. Basta cumprir a Constituição. Achei isso de uma

beleza, que coisa impressionante, que senso de civismo!Mas esse episódio de Brasília mostra como o povo comum já

tem consciência da importância estratégica, vital, sustentáveldessa nossa Constituição. E no interior dessa Constituição,dentro dela, o ímã por excelência, a base de inspiração, é a de-mocracia. A democracia tem na liberdade de imprensa a suairmã siamesa, porque nenhum país civilizado consegue alcan-çar um estado de plenitude democrático sem o estado de ple-nitude da liberdade de imprensa. É ela que tem o direito de di-zer o que quer que seja, claro que respondendo por eventuaisexcessos, no plano penal, com injúria, difamação, calúnia, di-reito de resposta, mas não se pode, no ponto de partida das coi-sas, obstar a plenitude da liberdade de imprensa. Por isso é queesta Constituição, no Artigo 220, Parágrafo 1º diz: Nenhumalei conterá dispositivo que possa causar embaraço à plena li-berdade de informação jornalística.

Se de um lado nós temos a Constituição como fator de uni-dade, portanto a segurança jurídica por excelência, internamen-te o grande ímã é a democracia, que é o caminho mais curto entreo desenvolvimento e o nosso status de país civilizado.

André Dusek/AE

O presidente da AssembleiaConstituinte, Ulisses

Guimarães, segura abandeira brasileira junto

a deputados constituintes.

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14 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

Carlos Ossamu e Domingos Zamagna

Um dos juristas mais conhecidos erespeitados do País, o advogadotributarista Ives Gandra da SilvaMartins tem um currículo extenso

e diversos títulos. É Professor Emérito dasuniversidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO,UNIFMU, do CIEE/O Estado de São Paulo,das Escolas de Comando e Estado-Maior doExército - ECEME, Superior de Guerra - ESG eda Magistratura do Tribunal Regional Federal- 1ª Região; Professor Honorário dasUniversidades Austral (Argentina), SanMartin de Porres (Peru) e Vasili Goldis(Romênia); Doutor Honoris Causa dasUniversidades de Craiova (Romênia) e daPUC-Paraná, e Catedrático da Universidadedo Minho (Portugal); Presidente do ConselhoSuperior de Direito da Fecomercio - SP;fundador e Presidente Honorário do Centrode Extensão Universitária - CEU/InstitutoInternacional de Ciências Sociais - IICS.

Para falar sobre o desempenho recente doSupremo Tribunal Federal (STF), emparticular do julgamento do Mensalão e asnovas teses jurídicas que de lá saíram, IvesGandra recebeu a reportagem do DigestoEconômico em seu escritório no bairro dosJardins. Em sua opinião, o STF deixou o seupapel de Guardião da Constituição eenveredou perigosamente em terrenopantanoso, passando a ser um legisladorpositivo, ou seja, passou a fazer leis.Consequência disso é o conflito que vemoshoje entre o STF e o Poder Legislativo –Congresso Nacional e Senado.

STF: novos ministros, novasLeticia M

oreira/Folhapress

Ives Gandra Martins: oSTF assumiu um papel

de legislador positivo epassou a fazer leis.

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15MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

Digesto Econômico - O Supremo Tribunal Federal tem aparecidomuito na mídia, juntamente com seu presidente, o ministroJoaquim Barbosa. O senhor acha isso positivo?

Ives Gandra da Silva Martins - A minha experiência com oSTF vem do início da década de 60, eu sustento perante o Su-premo Tribunal há mais de 50 anos. Vi um grande número deministros passar por lá. Até o fim do governo Fernando Hen-rique em 2002, todas as mudanças no STF ocorriam em um pra-zo de dois a três anos, o que permitia que um ministro que en-trasse, em seis meses compreendesse o perfil da corte, de queforma deveria decidir. E a linha do STF, até dezembro de 2002,era a de ser um legislador negativo. O Supremo só poderia não

dar curso a leis inconstitucionais, jamais produzir a lei.Vou contar um episódio que me parece relevante. Quando

da Constituinte, entre fim de 1987 e começo de 88, o relator Ber-nardo Cabral, o ministro Sidney Sanches, um antigo presiden-te já falecido da Associação dos Magistrados Brasileiro e eu, es-távamos em Brasília. E discutíamos a ação direta de inconsti-tucionalidade por omissão, que é uma ação pela qual o Con-gresso não legislando, se omitindo, não impondo dispositivosconsiderados fundamentais em lei, deixando de regular aConstituição, poderia então o cidadão entrar, através das en-tidades legitimadas, no Supremo Tribunal Federal com umaação de inconstitucionalidade por omissão, para que o STF de-

funções, novos problemas

Luiz Novaes/Folhapress

Ulisses Guimarães (esq.) eBernardo Cabral (dir.) naAssembleia Constituinte

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16 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

clarasse omissão do Congresso. Saiu de lá o Artigo 103, Pará-grafo 2º, que declara que em caso de ações diretas de incons-titucionalidade por omissão, o STF declarará omissão do Con-gresso e comunicará o mesmo que está em uma posição incons-titucional – mas caberá ao Congresso fazer a lei. Essa redaçãonão foi dada por nós naquele momento. Naquele momento,nós só discutíamos o princípio, a redação foi dada pelos cons-tituintes, mas o Bernardo era o relator. Lembro-me que propusque se pusesse uma sanção e um prazo de 120 dias para pro-duzir a norma. E o ministro Sidney Sanches fez uma observa-ção, naquele seu estilo de humor. Ele disse: Ives, imaginemosque coloquemos um prazo de 120 dias e o Congresso não venhaa decidir. Você acha que eu teria condições de mandar prender503 deputados e 81 senadores por desacato? E o argumentouconvenceu a todos e terminou sem prazo e sem sanção.

O senhor disse até o fim do governo FHC. O que aconteceu com oSTF no governo Lula?

A partir de 2003 – enfatizando que até então a função do STFera de legislador negativo, nunca fazer a lei – muitos ministrosforam se aposentando, em um mês se aposentaram três, o querepresentou uma necessidade de preencher os quadros do Su-premo com muita rapidez. Isso fez com que os ministros nãotivessem, digamos, aquela escola anterior de uma tradição doSupremo de legislador negativo. Tivemos uma mudança mui-to rápida na era Lula – quando falo era Lula e Dilma, são dezanos – em que o Supremo foi mudado algumas vezes por eles.Tivemos uma alteração sem que os mais velhos pudessemexercer uma influência sobre os novos, mas todos eles grandesjuristas. O próprio ministro (José Antônio Dias) Tofolli, que euàs vezes critico, li um trabalho dele muito bom sobre Hans Kel-sen. Todos eles são grandes juristas, mas não houve, digamos,aquela ambientação que havia no passado. No passado havia,por exemplo, um ministro, que em minha opinião foi o maiorministro do Supremo, o José Carlos Moreira Alves, que diziaque o Supremo era o Guardião da Constituição (mas MoreiraAlves era o guardião do Supremo). Vale dizer que ele não per-mitia disfunções. Essa mudança rápida levou, em determina-do momento, que os ministros do Supremo sentissem que eles

tinham também uma função legislativa. Quando o Congressofor omisso, nós vamos legislar em seu lugar. Isso levou à inci-neração do Artigo 103, Parágrafo 2º. Se eles podem legislar, aação direta de inconstitucionalidade por omissão do Congres-so passa a ser inútil, eles passaram a ter poderes legislativos. Ameus ver, de modesto constitucionalista, são poderes incons-titucionais, eles são os guardiões da Constituição e não podersubstitutivo do Poder Legislativo. Eles têm de guarda a Cons-tituição e não mudá-la.

O senhor poderia exemplificar isso?Eles mudaram em diversos casos, por exemplo, no caso do

governador da Paraíba Cássio Cunha Lima, que foi cassado e oSTF deu posse ao segundo colocado, José Maranhão. Se o go-vernador eleito e o vice são cassados, a Constituição mandaque haja uma nova eleição, se o fato ocorrer nos dois primeirosanos; e eleição indireta, se ocorrer nos dois últimos anos. Emnenhum lugar está escrito que o candidato derrotado é quemdeve assumir. Então, eles legislaram. A fidelidade partidáriafoi discutida na Constituinte e os partidos não quiseram levara diante, apesar de Tancredo Neves ser eleito por quebra da fi-delidade partidária, talvez por isso eles não quiseram. Se de-cidiu na Constituinte que cada partido definiria de que formairia regular a fidelidade partidária, é o que está no Artigo 17.Mas vem o Supremo e diz que a fidelidade partidária tem de seraplicada em todos os partidos. O STF foi legislador positivo.No caso das células tronco, o que ocorre é que, pela primeiravez a Constituição fez menção de que deveria haver uma in-violabilidade do direito à vida. As Constituições anteriores fa-lavam de inviolabilidade dos direitos concernentes à vida. Es-ta não, ela fala do direito à vida. A vida começa na concepção,está no Artigo 2º do Código Civil, todos os direitos do nasciturosão garantidos desde a concepção. Isso está no Tratado Inter-nacional dos Direitos Humanos, que o Brasil assinou. A con-cepção é o zigoto, a primeira célula. Mas vem o Supremo e dá ainterpretação que a inviolabilidade do direito à vida é garan-tida ao cidadão que nasceu. Então, temos um conflito entre adecisão do Supremo e o Código Civil. Isso significa que o Có-digo Civil deveria ser lido da seguinte forma: Todos os direitos

Mastrangelo reino/Folhapress

José Carlos MoreiraAlves, ex-ministrodo STF, dizia que o

Supremo erao Guardião

da Constituição.

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17MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

do nascituro são garantidos, menos o da vida. O que é uma con-tradição evidente. Novamente, o Supremo legislou.

Outro exemplo é o casamento gay: o relator da Constituintefoi o Bernardo Cabral. Ele declarou que será uma entidade fa-miliar a união entre um homem e uma mulher, fazendo o Estadotudo para transformar em casamento. Como tudo no Brasil po-de acontecer, o Bernardo Cabral disse: "Vamos colocar que temde ser entre um homem e uma mulher, senão, é capaz de elesinventarem". E o Supremo vem e diz: realmente, tem de ser entrehomem e mulher, mas dada as circunstâncias, pode ser entredois homens ou duas mulheres. Novamente o STF legislou. Paraunião gay existem vários projetos e Emendas Constitucionaistramitando no Congresso. Eles desconheceram as atividades le-gislativas do Congresso e passaram a legislar.

Como o senhor vê esta questão de legislador positivo?O supremo passou a tomar medidas do legislativo sem man-

dato. Entre os três poderes, o Judiciário é um poder técnico, é es-colhido, ou por concurso ou eleito por uma pessoa só, o presi-dente da República. O Poder Executivo é o que representa amaioria da nação. O Congresso representa a totalidade da na-ção, pois tem situação e oposição. Se o Congresso não está que-rendo aprovar uma lei, ele está sentindo o que o povo quer. Umcongressista, quando não aprova uma lei, ele pensa no seu elei-torado. Quando o Supremo diz: nós, que não fomos eleitos por130 milhões de brasileiros, mas por uma pessoa só, de acordocom a sua preferência pessoal, vamos decidir em nome dos re-presentantes de 130 milhões. Neste ponto, o que começamos aperceber é que, apesar deles serem grandes ministros, eles nãotiveram aqueles breques necessários que os mais antigos fariam.Moreira Alves não deixaria isso ocorrer. Se falarmos com os an-tigos ministros, todos eles teriam uma concepção diferente.

Qual a sua opinião sobre o julgamento do Mensalão?Esse legislar positivamente no Supremo é que tem provo-

cado problemas, como exemplo, em relação ao Mensalão.Acho que do ponto de vista de mídia e do ponto de vista doscostumes políticos, o Mensalão foi muito importante. Dá a ní-tida impressão para o povo que os maus costumes políticos

foram contestados e que serão punidos. Pela primeira vez nahistória, 40 participantes foram processados, e a grandemaioria punida. Do ponto de vista político, sociológico, estouconvencido que foi um bem para o Brasil. Do ponto de vistaestritamente jurídico, falando como jurista, é uma mudançaque nunca teria acontecido no Supremo até 2002. Haveria al-gumas condenações, mas não aquelas com base na teoria doDomínio do Fato. Qual é a matéria que sempre regeu do Di-reito Penal? Como vai tirar a liberdade de um cidadão, quetem direito a defesa, a dúvida não beneficia a sociedade, a dú-vida beneficia o acusado. Isso é pacífico em Direito Penal, queé a teoria In Dubio Pro Reo.

No caso do ex-presidente Fernando Collor, que foi afastado,Moreira Alves foi o relator e não encontrou nexo causal do pon-to de vista jurídico. Collor foi condenado politicamente. Não seviu nexo causal entre aquela Elba que ele ganhou e benefíciosque o governo tenha feito de qualquer forma para a Fiat. Razãopela qual, não havendo nenhum processo, ele absolveu e o Su-premo acompanhou por unanimidade.

Agora, colocaram de lado a teoria do In Dubio Pro Reo e pas-saram para a teoria do Domínio do Fato, que a meu ver, doponto de vista jurídico, passamos a ter uma teoria que traz in-segurança jurídica. Por exemplo: alguém tem um emprega-do, que cometeu um crime e o patrão desconhece. Pela teoriado Domínio do Fato, como o patrão é conhecedor do que ocor-re em sua casa, ele é corresponsável na parte penal, não naparte civil. Em Direito Penal, a teoria do Domínio do Fato po-de levar pessoas que não tenha conhecimento do crime a serconsiderado criminoso. No Direito Penal, há um princípio deque tem de haver prova contundente, ou indícios extrema-mente contundentes.

Por que traz insegurança jurídica?Enquanto o Collor foi beneficiado pelo In Dubio Pro Reo, con-

tra o José Dirceu não há prova nenhuma – abaixo dele sim, oGenuino, o Delúbio Soares e o João Paulo Cunha receberam di-nheiro. Mas em relação ao José Dirceu, não havia provas ma-teriais, então eles aplicaram a teoria do Domínio do Fato. Nãoestou tomando posição, estou apenas mostrando que entre o

Sergio Lima/Folhapress

Na Constituição,casamento tem deser entre umhomem e umamulher, mas o STFnovamente legisloue mudou isso.

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18 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

aspecto positivo político da imagem que o Supremo passou e oaspecto da insegurança jurídica, porque se a teoria do Domíniodo Fato pegar, ninguém mais, na função do poder público, vaiestar garantido, porque se ele tem o domínio do fato, ele é quemescala as pessoas. Se levarmos essa teoria às últimas conse-quências, no caso do Mensalão, quem deveria ser condenado?O José Dirceu ou o ex-presidente Lula? Então, eles levaram ateoria do Domínio do Fato pela metade. Isto é que me dá certaintranquilidade, apesar de reconhecer um mérito grande dosministros do Supremo – tenho livros escritos com muitos deles,com o Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski,tenho uma grande admiração por todos, o que não modifica aminha impressão de que, com esta elasticidade de Poder Le-gislativo que eles se dão – e é um Poder Legislativo do qual nãose pode recorrer. Quando o Congresso faz uma lei inconstitu-cional, posso recorrer ao Supremo, quando o Supremo faz a lei,não tenho a quem recorrer. Essa lei dos governadores, em que oSupremo pôs o candidato derrotado na Paraíba, a quem recor-rer, se foi o próprio Supremo quem determinou?

É esta nova posição do STF que o tem levado à mídia?Eu considero que esta nova linha do Supremo extremamen-

te perigosa. Tenho um profundo respeito pelo Supremo, pelosseus ministros, mas o perfil hoje é completamente diferente doque há 56 anos, quando comecei advogar. Por isso ele está tantona mídia. Antigamente, o Supremo falava nos autos. Nos ve-lhos tempos do Supremo, nunca vi ministro antecipar voto, darentrevistas fazendo considerações. Essa mudança de perfiltem levado o Supremo à mídia, criado conflitos com o Legis-lativo, que percebeu que o Supremo está legislando e está rea-gindo. A meu ver, se o Legislativo levasse às últimas conse-quências esse conflito de invasão de competências, eles teriam,pelo Artigo 49, Inciso 11 da Constituição, o direito de brecar (es-sas decisões do Supremo) e se por acaso o Supremo não qui-sesse, eles poderiam recorrer às Formas Armadas – o Artigo142 diz que, a pedido de qualquer Poder, para manter a ordeme a lei, o Poder pode recorrer às Forças Armadas.

Hoje vivemos em um terreno movediço nas relações entre oPoder Judiciário e o Poder Legislativo, decorrente, a meu ver,

desta tendência do Supremo de considerar que nos vácuos le-gislativos, eles têm de substituir o Poder Legislativo, compe-tência que, para mim, eles não têm. A Constituição diz que osPoderes são harmônicos e independentes.

Alguém pode se aproveitar dessa desarmonia?Tenho a impressão que no momento ninguém pode se apro-

veitar. O Congresso não é uma força unida; no Supremo, ve-mos que os próprios ministros têm essa tendência, mas publi-camente têm divergências que os jornais exploram; e o Execu-tivo não sabe dialogar nem com um, nem com o outro, basta veras derrotas sucessivas da presidente Dilma no Legislativo. Vá-rios ministros do Supremo que condenaram os mensaleiros fo-ram indicados pelo Lula. Isso significa que há certa descone-xão entre os perfis que vão para o Supremo, para o Legislativoe para o Executivo.

Isso provoca uma instabilidade institucional na medida emque se percebe que os poderes não são nem tão harmônicos enem tão independentes, já que um começa a invadir a compe-tência do outro.

Essa tendência de o Supremo legislar, é um caminho sem volta,será assim daqui para frente?

A reação dos constitucionalistas tem sido grande e o Supre-mo tem percebido que tem havido conflitos desnecessárioscom o Poder Legislativo. Os próprios ministros que lá estão, osmais jovens, eles vão ficar até os 70 anos e terão tempo de re-fletir. Cada vez que o pêndulo vai muito longe, ele termina vol-tando. Eu tenho a sensação que o tempo vai auxiliar a voltar. Éuma fase especial, cujo ponto culminante foi exatamente o jul-gamento do Mensalão.

E essa grande exposição na mídia, quais as consequências?Isso é uma posição pessoal minha: acho que a televisão,

transmitindo o processo do Mensalão, de um lado foi positi-va, pois permitiu que todos acompanhassem, mas de outrofoi ruim. Cada ministro, para cada voto, se sentiu na obriga-ção de dar uma aula de Direito. Quando comecei a advogar,na década de 60, o relator trazia seu voto, se o ministro estava

Clério Tomaz/AE

Contra José Dirceunão havia provas

materiais, então elesaplicaram a teoria

do Domínio do Fato.

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19MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

de acordo, acompanhava o relator. No Mensalão, mesmo es-tando de acordo, o ministro dava uma aula de Direito. Comisso, houve muita demora.

Eu vi discussões homéricas entre Cordeiro Guerra e MoreiraAlves em decisões, mas quando terminava a sessão os doissaiam abraçados para jantar. Perante a televisão é diferente, ga-nha outra conotação, não é apenas uma "raiva técnica". Há mo-mentos em que, o fato de ter palco, ninguém quer ficar inferio-rizado, o que é humano.

O que o senhor pode falar sobre o atual presidente do STF, ministroJoaquim Barbosa?

É uma das pessoas mais cultas que eu conheço, de uma cul-tura indiscutível, fala diversos idiomas, é um humanista, conhe-ce literatura, conhece música, filosofia etc. Mas a sensação queeu tenho é que, com todo talento que ele tem, ele ainda não tirouinteiramente a roupagem do Ministério Público. Sendo do Mi-nistério Público, a sua função era acusar. Agora, ele tem que fa-zer o papel de magistrado. Poucos magistrados no Brasil pos-suem a cultura do ministro Joaquim Barbosa, que é um méritoimpressionante pela sua origem humilde, pelas dificuldade quepassou. Mas o seu temperamento, muitas vezes, o trai, tempe-ramento este que decorre de suas funções no Ministério Público.Hoje, o seu maior inimigo não são os outros, é ele mesmo.

Qual a sua expectativa em relação ao julgamento do Mensalão?O grande tema que será discutido sobre o Mensalão é o cha-

mado Crime da Quadrilha. É o ponto mais complicado, em quese pressupõe que se tivesse toda uma armação. Esse será o pon-to crucial a ser discutido no Supremo. Os outros crimes, tenhoimpressão de que eles adotaram uma linha que dificilmenteirão mudar. A questão da quadrilha é uma prova difícil, dizerque todos eles se reuniam. Esse vai ser o ponto que será maisdebatido. E com dois novos ministros participando, há possi-bilidade de alteração. Esses debates devem ocorrer agora emagosto. Acho que este ano ainda deve ter solução, agora que oSupremo está completo, quando todos estiverem preparados,o ministro Joaquim Barbosa deve colocar na pauta o exame dosembargos que foram apresentados.

O caso Batistti foi diferente do Mensalão, não é mesmo?No caso do Cesare Battisti, aconteceu o inverso no Supremo:

no momento que o Supremo declarou que ele deveria ser de-portado para a Itália, o Lula não poderia ter dito que o manteriaaqui, o Supremo deveria ter exigido que fosse deportado. O Su-premo abdicou do seu direito de decidir, deixando nas mãosdo Executivo. Houve muitas críticas dos constitucionalistassobre isso. Ele foi condenado na Itália por crime comum, nãoum crime político. O Supremo não poderia abrir mão, esta erauma competência exclusiva dele.

Em palestra na ACSP, o ex-ministro Ayres Britto disse que somenteagora se começa a perceber a grandeza da atual Constituição. Osenhor compartilha dessa opinião?

Escrevi, juntamente com o Celso Bastos, 15 volumes comen-tando toda a Constituição, são mais de 12 mil páginas. Com to-dos os problemas que tivemos, nunca mais se falou em rupturainstitucional, há um equilíbrio de poderes. No momento emque há um vácuo de poder, cada poder tem força suficiente pa-ra que não haja uma desfiguração. Isso o que o Carlos AyresBrito disse é uma verdade, agora é que estamos descobrindomuitas coisas desta Constituição.

José Genuíno (aolado) e Delúbio

Soares receberamdinheiro do

Mensalão, háprovas quanto a

este fato.

André dusek/AE

Lula Marques/Folhapress

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20 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

MAIORIDADEPENAL:

uma questãomaior

do menor

Monarquistas que defendam a redução da maiori-dade penal em nosso País têm, neste segundo ar-gumento, mais um motivo para reforçar o sonhode assistir ao retorno da Casa de Bragança. No

nosso primeiro Código Penal, datado de 1830 e vigente durantetodo o reinado de Dom Pedro II, um adolescente de 14 anos já po-dia responder por crimes diante da Lei. Esse princípio foi varridopela República, mas as três primeiras constituições dela – de l891,l934 e 37 – não trataram do tema. De modo que nesse período pre-valeceu a idade limite de 18 anos, consagrada pelos usos e cos-tumes. "Foi determinada por um critério biopsicológico, conside-rando que tal idade é uma referência para a aquisição da matu-ridade e aplicada por meio de legislação ordinária", explica o de-sembargador Walter Maierovitch, 66 anos. Essa marca seriaoficializada no nosso Código Penal de 1940.

De lá para cá, embora sempre controverso, o assunto perma-neceu numa espécie de hibernação, até ganhar corpo nos úl-timos anos com o aumento da criminalidade envolvendo me-nores. Uma das acusações recorrentes em favor da redução pe-nal é que esses infratores, beneficiados pelas regras protetorasdo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ora em vigor,estariam assumindo a responsabilidade de crimes hediondoscometidos por maiores.

O desembargador Maierovitch pensa que isso pode ocorrereventualmente e que, mesmo nesses casos, a polícia tem amplascondições de estabelecer autorias, inclusive com o auxílio da redede câmeras instaladas nas cidades. Porém, entende que, devidoao clamor levantado e a necessidade de acertos no ECA, a reduçãoda maioridade penal precisa ser debatida em profundidade e comurgência para o País encontrar respostas para suas ansiedades.

Alguns caminhos estão delineados na entrevista que se se-gue. Além de haver sido o primeiro Secretário Nacional An-tidrogas do Brasil, no governo de Fernando Henrique Cardo-so, o currículo de Walter Maierovitch o aponta como consultorda União Europeia para questões de crime organizado e res-ponsável pelo Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, dedicadoàs pesquisas relativas à mesma matéria.

Digesto Econômico - Shigeaki Ueki, ex-ministro das Minas eEnergias, relatou recentemente que na escola de sua neta, quemora no Canadá, os alunos estrangeiros são alertados que naquelepaís as pessoas podem responder por crimes a partir de 12 anos. Oque o senhor pensa a respeito disso?

Walter Mairovitch - O Canadá é um país sério e de vanguar-da e onde a educação é levada a sério. Trata-se de um país de cul-tura diversa e que, como os EUA, acreditam no poder inibitórioda lei penal. No Brasil, como poderosos e poentes não vão para acadeia, o peso do Código Penal, como inibidor de condutas an-tissociais, é baixo. A lição de Beccaria, precursor do Direito Penalmoderno e com a obra Dos Delitos e das Penas (1764) é que oinfrator, que conhece a lei penal, faz uma relação custo-benefício(conduta e pena). No Brasil, a relação custo-benefício faz valer apena, quer pela morosidade da Justiça, com prescrições, etc,quer pela impunidade. De modo que a legislação canadense e oseus sistema preventivo devem servir como comparações e issona escolha do nosso modelo (brasileiro).

Rogério Cassimiro/Folhapress

Carlos OssamuDomingos Zamagna

José Maria dos Santos

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21MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

No Brasil, deve a sociedade civil participar de uma discus-são em profundidade sobre o tema, assim como a experiênciade outros países. Há nações que estabelecem os 16 anos, porexemplo. Já que o assunto vem sendo levantado frequente-mente entre nós, no sentido de mudança, penso que é hora dedebatermos criteriosamente a questão. Se for comprovada anecessidade de mudanças, que sejam feitas. Mas sou abso-lutamente contrário que se tome decisões ao sabor de emo-ções do momento, como está ocorrendo. Por outro lado, todavez o tema me chega, a imagem do salesiano São João Boscome vem à cabeça. Suas experiências e reflexões a respeito de-vem, no meu entender, ser a primeira referência para enca-minharmos bem o debate.

Fale então, por favor, sobre Dom Bosco.Trata-se de um episódio ocorrido na cidade de Turim, então

capital do reino do Piemonte, na segunda metade do século 19.Ali havia um "reformatório" (era esse o nome usado) famoso,de nome La Generala, que, na verdade, era um depósito com300 crianças e adolescentes, entre 12 e 18 anos, tidos como ir-recuperáveis. A certeza dessa inexorabilidade era influencia-da pelas teses do célebre Cesare Lombroso, que estavam namoda. Lombroso era um médico de grande prestígio, que ha-via escrito a primeira obra sobre Antropologia Criminal. Se-gundo ele, o homem delinquente se desenvolve dentro de umdeterminismo delineado por taras ancestrais. Era a figura docriminoso nato. Em contrapartida, Dom Bosco fora formadopela doutrina da Metanoia, o principio da Igreja Católica emque é possível ocorrer uma mudança essencial no pensamentoe no caráter de uma pessoa, como desfecho de uma profunda

transformação espiritual. Não podemos esquecer que, naque-la época, o crime, além de infringir regras do Estado, era tam-bém qualificado como uma infração religiosa (pecado) sujeitaà punição. Não por acaso, existiam estabelecimentos religiososde internação chamados penitenciários (relacionados à peni-tencia), que inspiraram nossas penitenciárias. A Metanoiabuscava, vamos dizer assim, a mudança da alma e do coraçãono sentido da recuperação da pessoa.

Marcelo Justo/Folhapress

Com o aumento dacriminalidade envolvendomenores, principalmente

em crimes hediondos,volta à discussão a

redução da maioridadepenal. Na foto, rebeliãode internos da Fundação

Casa, antiga Febem.

Divulgação

Para odesembargadorWalterMaierovitch,a redução damaioridade,como estáproposta, éuma questãoeleitoreira.

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22 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

Este princípio, pelo menos na teoria, rege o cumprimento de penase funcionamento das cadeias?

Sim. A propósito, essa crença no principio ético da recupera-ção está inserida na Constituição de 1988, pois a Carta estabelecea pena máxima de 30 anos. Não há condenação definitiva emnosso País. O período de 30 anos representa um investimento narecuperação. Isto está baseado lá trás, na experiência de DomBosco. Ele foi ao referido reformatório que reunia os casos con-siderados socialmente perdidos. As crianças e jovens estavam lápara o resto de suas vidas. Aquele reformatório não tinha outrafinalidade senão essa. Vejam o cenário: cerca de cem agentes for-temente armados vigiavam os internos com uma violência im-pressionante. Dom Bosco procurou o ministro da Justiça, que,aliás, era um liberal e anticlerical, para pedir-lhe autorização pa-ra um passeio pelas ruas de Turim com os 300 internos no sen-tido de mostrar que não seriam os monstros imaginados. Semescolta. O ministro deu a licença, temendo inclusive que sua ne-gação fosse interpretada como fruto do seu anticlericalismo. Foium escândalo. No dia marcado, as pessoas não saíram de casa,temendo pela sua segurança. E o que aconteceu? Nada. A de-legação passou o dia na rua e não houve o menor incidente, se-quer sobressaltos. Ninguém tentou fugir e nem roubar. Sequerse registrou uma briga. Nada.

E qual foi o segredo?Dom Bosco disse que o sucesso da iniciativa decorreu da sua

autoridade moral. Os participantes – aqueles irrecuperáveis –acreditaram no seu propósito de tentar a recuperação deles. Porisso, todos aceitaram suas ponderações. Ficou caracterizado queesse valor é fundamental num processo dessa natureza. No en-tanto, conforme atesta nossa experiência, parece estar esquecido.Basta lembrar as condições das cadeias de adultos e das unidadesdestinadas aos menores infratores. Já é lugar comum entre nósque, no Brasil, cadeia é escola de crime. Esta questão precisa serencarada com seriedade e ser considerada quando se propõe in-tempestivamente a redução da maioridade penal. Antes de se fa-lar em redução dos 18 anos, é preciso verificar se os investimentosna recuperação foram suficientes e eficientes. Pois a questão podese repetir, mesmo com a maioridade fixada para 16 ou 12 anos.

Em geral há muitas críticas relativas às liberalidades e leniênciasdo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em favor daimpunidade dos menores infratores.

Toda a culpa pelo aumento da criminalidade, numa visão mío-pe, recai sobre o ECA. A insegurança da população diante da es-calada do crime, a voz corrente de que menores são utilizados poradultos para assumir culpas e outros argumentos desse teor con-tribuem para lançar aquela responsabilidade sobre o Estatuto. Nomeu entendimento, o ECA deveria ser melhor conhecido para sermelhor entendido. Se isso for feito, nós veremos que o ECA possuiuma série de regras e princípios de normas impositivas aos infra-tores ,que fazem parte do programa de recuperação. O estatutonão é um amontoado de liberalidades e leniências em favor dosinfratores. Mostra como deve ser conduzido o processo de recu-peração. Eu diria que o ECA padece de um problema de gestão.Porém, por outro lado, tem coisas absolutamente esdrúxulas quemerecem ser discutidas.

O senhor tem algum exemplo?O prazo de internação para infrações gravíssimas é uma ver-

dadeira excrescência. Segundo o artigo 121, o prazo não pode sersuperior a três anos. Mas, simultaneamente, determina que o me-nor deve passar por uma avaliação a cada seis meses. É tempomuito curto para avaliação tão complexa. E no fundo, isto signi-fica que um menor custodiado, que pode ter cometido crime comagravantes prescritos no Código Penal, tipo motivo fútil ou torpe,e tem a possibilidade de sair para um regime de semiliberdade emseis meses. Na verdade, nesse prazo não houve tempo sequer dese consolidar um processo de reeducação, se ele for aplicado. Nãopermite considerar que tipo de progressão esse menor poderá ter.Por outro lado, considerando os três anos, esse menor volta aocontato com maiores. Não se sabe que qualidade de influênciaspode ocorrer nessa convivência. E há um outro lado da moeda:esse curto prazo de internação e suas decorrências faz supor queuma vida humana que foi tirada (homicídio) vale três anos e pon-to final. E, findo o prazo, apaga-se esse episódio gravíssimo davida do menor. Se há uma preocupação de livrar o interno de umestigma, é necessário buscar outros caminhos.

Tais circunstâncias permitem que uma pessoa perigosa volte paraa rua. É esta possibilidade que produz a indignação popular.

Eu gostaria de fazer um esclarecimento: não se deve co-locar pessoas perigosas na rua, sejam maiores ou menores.Nesse sentido, um laudo médico – sobre periculosidade in-dividual e social – a respeito vale para alguém com 14, 16, 18,20 50 ou 70 anos.

Neste ponto, nós entramos num terreno pantanoso, que é a culturada tutelagem que sobrevoa a elaboração e aplicação de leis noBrasil. Tivemos o famoso caso de Champinha, ou RobertoAparecido Alves Cardoso, que praticamente chefiou o grupo quetorturou e matou o casal Felipe Caffé e Liana Friedenbach em 2003,nas matas da cidade de Embu-Guaçu na Grande São Paulo. Estariana rua se não fosse a grande pressão popular e da imprensa. Trata-se de um clássico psicopata.E o psicopata mata com frieza quandolhe aparece um momento dado como oportuno.

Sim. Mas a palavra tutelagem é utilizada neste contexto nãoporque é necessário, mas no sentido de que a tutelagem, no dia adia nas instituições de custódia de menores, significa leniênciana aplicação da lei. E aqui eu retorno à questão da gestão já re-ferida. Por exemplo e com relação a maiores: a Lei de ExecuçõesPenais estabelece que pessoas acima de 70 anos ou mulheresgrávidas devem cumprir a pena em regime de prisão-alberguedomiciliar. Mas na prática, todos os presos beneficiados pelo sis-tema de progressão da pena podem ser contemplados pelosmais variados motivos. Se o preso ganha o beneficio do regimesemi-aberto e faltar vaga, vai para a prisão-albergue domiciliar.E na concessão de benefícios, falta também acuidade no acom-panhamento de periculosidade e de egressos do sistema pro-gressivo do regime fechado. Um exemplo é o do encaminha-mento para um instituto penal agrícola. Existem dois estabele-cimentos agrícolas em São Paulo: em São José do Rio Preto e Bau-ru. Porém, a origem do indivíduo é desprezada nessa seleção. Seele tem origem urbana e jamais pegou numa enxada, será difícilter algum enriquecimento com a agricultura. Em todo caso, de-

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vido à dinâmica da pena, muitas vezes o apenadoplanta, mas não vê o resultado do seu trabalho, poispoderá estar livre ou, por alguma razão, transferidona época da colheita. Ver o fruto do trabalho tem altovalor pedagógico. Outro exemplo de tutelagem: oministro Gilmar Mendes determinou audiências pu-blicas para debater problemas da questão penitenciá-ria. Em uma delas, o representante da Pastoral Car-cerária fez um discurso equivocado em que conde-nou todo tipo de privação da liberdade, dando a ideiade que um criminoso poderia se recuperar por si só,leve e livre. Partindo de quem partiu, a posição tempeso e confunde as pessoas.

O senhor se referiu a equívocos. Parece que não sãoraros no assunto que estamos tratando?

Essa pergunta remete novamente ao período deinternação do infrator. O atendimento, muitas vezes,é terceirizado, portanto, sujeito a contratos. Nesse ca-so pode ocorrer a quebra do vínculo com certa frequência e issonão é indicado em tratamentos dessa natureza. Ou então, umarelação como essa pode criar vínculos fragilizados. Isso remete auma dúvida: seriam essas pessoas contratadas adequadas paraparticipar da elaboração de programas e acompanhamento pa-ra o menor? O fim do laudo referente à periculosidade – o examecriminológico para determinar a concessão de benefícios rela-tivos à progressão de pena – foi outro equívoco com relação aosmaiores de idade (um equívoco bancado pelo então ministroMárcio Bastos e o governador Geraldo Alckmin). Felizmente,foi retomado. Aliás, é preciso dizer que muitos laudos, que têma finalidade de informar ao juiz para ajudá-lo em sua decisão,precisam ser melhorados. Muitas vezes são lacônicos, sem fun-damentações que o justifiquem a conclusão do experto.

Por que o senhor valoriza os vínculos com essa ênfase?Como juiz de execuções penais e corregedoria dos presídios,

eu trabalhei com o sistema penitenciário e constatei que víncu-los são suportes psicológicos essenciais no processo de recupe-ração. Aliás, durante muitos anos o presídio feminino foi cui-dado por freiras, que ofereciam educação religiosa. Havia bonsresultados. No Rio de Janeiro havia as Irmãzinhas de Jesus, queviviam como prisioneiras voluntárias, passando pelas mesmasvicissitudes das prisioneiras, a fim de assisti-las. Evidentementehoje, por questões de segurança, seria impossível. Mas a verda-de é que, por circunstâncias várias a serem estudadas por soció-logos, tenho a impressão de que a população brasileira não acre-dita em reeducação, em recuperação. A minha suspeita é que háuma certa confusão entre a eficiência dos instrumentos de recu-peração e a inobservância e a prática efetiva. Conheci presídiosna Holanda em que os presos trabalhavam. Em determinado es-tágio da pena, o preso passava no estabelecimento e na sua celaindividual com a esposa no final de semana. E com o que ele tra-balhava, podia comprar coisas que necessitava na farmácia ouno supermercado do presídio. Era assim que se procedia nessafase quase final de ressocialização e a reintegração do egresso eque saia com proposta de emprego e direito a auxílio financeiro(bolsa). Poderão alegar que a Holanda é primeiro mundo etc.

Certo. Mas aqui não se coloca uma política de emenda e de rein-clusão. É claro que mexer com menores é uma questão mais de-licada. Porém, se a reincidência de menores está em torno de70%, a condução político e administrativa está errada.

O senhor acredita que essa alta reincidência estimule as pessoas aserem favoráveis à redução da maioridade?

Penso que sim. Mas como já disse, baixar a maioridade nessascircunstâncias equivale a colocar um esparadrapo numa fraturaexposta. Aliás, é o que esta sendo tentado. Discutimos a questãopelo foco errado. A situação de prisões para adultos espelha per-feitamente essa contradição. A Lei de Execuções especifica até ametragem adequada das celas individuais. Mas a realidade de-monstra que as cadeias estão superlotadas.

Depois de tudo o que o senhor expôs, qual é, na sua opinião, aperspectiva que temos pela frente?

A verdade é que nós estamos em uma encruzilhada. É neces-sário haver vontade política para atacarmos o problema da cri-minalidade em geral e do menor infrator dentro de programaseficientes. O Brasil até recentemente esteve bem economicamen-te. Foi uma oportunidade de traçar esses caminhos, parecia tem-po de uma reconstrução. Agora já chegou a ameaça de inflaçãotrazendo as sombras que fazem levar o problema para debaixo dotapete. Ou deixá-lo permanecer lá. No meu entendimento, a re-dução da maioridade, como está proposta, é uma questão eleito-reira e de falsa resposta social, como se o encarceramento bastassee esquecêssemos dos percentuais de reincidência.

Na hipótese de se reduzir a maioridade seria por simples legislaçãoordinária ou por emenda constitucional?

Há duas correntes a respeito. Uma entende que é matéria deCódigo Penal, de legislação ordinária. Outra entende que oBrasil assinou convenções e tratados internacionais, que nãorecomendam a redução da maioridade penal e neste caso al-terações exigem tramitação por emenda constitucional. Nomeu entender, trata-se de cláusula pétrea e, portanto, só mo-dificável em nova Constituição.

Sebastião Moreira/AE

Não se deve colocar pessoas perigosas na rua, maiores ou menores.

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A serviço de Cuba

Decorrido meio século do assassinatode John F. Kennedy, o episódio é ain-da um dos muitos mistérios da polí-tica americana, cuja solução definiti-

va se encontra talvez em algum dossiê da KGB.A abertura mesmo parcial e temporária dosArquivos de Moscou modificou profunda-mente a visão convencional da história dosEUA no século 20, mas essa reviravolta histo-riográfica ainda continua desconhecida noBrasil, provavelmente o país onde os mitosconsagrados do esquerdismo chique, reforça-dos pela hegemonia petista e pela total destrui-ção da vida intelectual superior, têm a sobrevi-da mais longa do universo. Até hoje não falta,entre os nossos patrícios, quem tome o filme deOliver Stone como a última palavra a respeito

da morte de Kennedy, sem nem de longe ima-ginar que nos EUA nenhum estudioso da árealeva a sério a patacoada de que o ex-presidentefoi morto por uma conspiração interna da CIAcom a Máfia.

A história parece ter sido satisfatoriamenteelucidada por Gus Russo e Stephen Molton nolivro Brothers in Arms: The Kennedys, the Cas-tros and the Politics of Murder (New York, Blo-omsbury, 2008). O advogado Vincent Bugliosi,autor de um catatau que subscreve a tese do "ati-rador solitário" proposta pela Comissão War-ren, esperneou um pouco, apontou uns detalhesincertos, mas, no conjunto, a tese de Russo eMolton é sólida e, no fim das contas, a mais ve-rossímil de todas. Durante anos John Kennedy eFidel Castro fizeram tudo para dar cabo um do

Reprodução

Após 50 anos,o assassinatodo presidente

John F. Kennedyainda é recheado

de mistérios.

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25MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

outro sem parecer envolvidos na trama assassi-na. O ditador cubano foi apenas mais rápido,graças à eficiência prodigiosa do seu serviço se-creto – pequeno, mas tecnicamente superior àCIA – e à circunstância imprevista de que umamericano maluco, entusiasta do comunismocaribenho, se ofereceu para fazer a parte suja doserviço em troca de nada ou quase nada.

Russo e Molton reconstituem passo a passotoda a sucessão de contatos entre Lee HarveyOswald e os agentes da DGI cubana, não dei-xando margem a dúvidas quanto a pelo menosum ponto: eles viram nele amelhor oportunidade de li-vrar-se de John Kennedy abaixo custo e sem envolvernenhum deles próprios naoperação. O livro é tremenda-mente convincente, mas atéhoje a explicação que ele ofe-rece é mais conhecida atravésdo filme Rendez-vous withDeath, do cineasta alemãoWilfried Huisman, que a re-sume de maneira correta, masdemasiadamente compacta e sem dar os nomesde algumas das principais testemunhas.

Além disso, a ação da DGI no caso foi dasmais sutis e escorregadias.

Manipular psicologicamente um desequili-brado não é a mesma coisa que enviar um agen-te em missão ou contratar um assassino profis-sional. Os laços de autoridade e compromissosão aí muito mais tênues e indefinidos. É inútillidar com o caso usando as categorias conven-cionais e perguntar se Oswald era "um agentecubano" ou um "atirador solitário", um braçoarmado do comunismo internacional ou loucoagindo por conta própria: ele não era nem umacoisa nem a outra, mas uma mistura nebulosadas duas. Que a mistura foi espertamente apro-veitada pelos cubanos não é coisa que se possaainda contestar. Decerto Oswald acreditavapiamente na primeira hipótese e os cubanos nasegunda, mas regozijando-se de que, na práti-

ca, ela acabaria talvez funcionando tão bemquanto a primeira, e com menores riscos. O"talvez", o coeficiente de incerteza, reside nanatureza mesma das relações entre um planotático racional e o agente insano incumbido derealizá-lo. Incumbido por quem? Por ele mes-mo, com certeza; pelos cubanos, só ambígua eexperimentalmente, como quem solta no arum pombo-correio bêbado e se surpreende deque ele chegue ao seu destino.

Mas, ainda assim, resta a pergunta: por queuma hipótese tão sensata e realista – hoje bem

documentada – foi preterida,durante cinco décadas, em fa-vor das explicações mais ro-cambolescas e extravagantes,como a de uma conspiraçãoda CIA, da Máfia e do própriovice-presidente LyndonJohnson?

Não é possível compreen-der isso sem ter uma ideia cor-reta da influência comunistano governo, na mídia e na vi-da cultural americana, in-

fluência que a abertura dos Arquivos de Mos-cou e a decifração dos códigos Venona (mensa-gens cifradas trocadas entre o Kremlin e a em-baixada da URSS em Washington) acabarammostrando ter sido muito mais vasta, profundae avassaladora do que tudo o que o célebre JoeMcCarthy, no auge da sua campanha de denún-cias, tivesse podido imaginar. O senador doMissouri, que por isso teve a sua carreira des-truída após ter sido carimbado como louco e"teórico da conspiração", aludia a algo entre cin-quenta e oitenta agentes soviéticos infiltradosnos altos escalões do governo. Hoje sabe-se queeram no mínimo quinhentos. Só no governo,sem contar a multidão de militantes, colabora-dores e "companheiros de viagem" espalhadosnos jornais, canais de TV, universidades, etc. Oassassinato de Kennedy não foi o único crimecomunista, cuja autoria foi meticulosamenteocultada pelo próprio establishment america-

Divulgação

Olavo de CarvalhoJornalista, escritor e

professor de Filosofia.

A história pareceter sido elucidadapor Gus Russo eStephen Molton

no livroBrothers in Arms:The Kennedys,the Castros andthe Politics of

Murder. Ligaçõesentre Lee HarveyOswald e agentesda DGI cubana.

Reprodução

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26 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

no, manipulado desde dentro. Foi o milésimo,para ficar numa conta modesta.

Raros indivíduos estudam a história dosserviços secretos, mas quase todo mundo vêfilmes de espionagem e lê autores como JohnLe Carré e Ian Fleming. O resultado é que a vi-são geral dessas coisas, inclusive nas classes di-tas "cultas", se baseia num equivalentismo pu-ramente ficcional em que a CIA e a KGB apa-recem como forças de igual potência disputan-do o domínio do mundo.

Na verdade, a desproporção entre essas for-ças era monstruosa. A KGB chegou a ter 700 milempregados só na Rússia, isto é, sem contar osagentes disseminados na Europa Ocidental ena América como "imigrantes" ou "exilados",fenômeno sem equivalente na própria URSS,nem os milhões de militantes comunistas espa-lhados pelo mundo, que a qualquer momentopodiam ser transferidos para a clandestinida-de como agentes da KGB ou do GRU, serviçosecreto militar soviético (ou-tro monstro do mesmo tama-nho da KGB). Com um orça-mento ilimitado e secreto,desconhecido até pelo Parla-mento da URSS, a KGB nãose limitava ao trabalho usualde um serviço de inteligên-cia, mas controlava a mídia, omovimento editorial, a ativi-dade científica dentro daURSS e uma infinidade dejornais, estações de rádios einstituições culturais em to-do o Ocidente. O escritorVladimir Bukovski, o pri-meiro pesquisador independente a ter acessoaos Arquivos de Moscou, descobriu que prati-camente toda a mídia de esquerda "moderada",na Europa, era financiada pela KGB. Para fazeruma ideia aproximada da desproporção a queme refiro, basta notar que a URSS lançou sua"ofensiva cultural" no Ocidente ainda nos anos20, e a primeira reação ocidental concebida pa-ra enfrentá-la não veio senão em 1956, no céle-bre "Congresso pela Liberdade da Cultura",realizado em Berlim Ocidental sob a direção deSidney Hook. A revista lançada pelo congres-so, "Encounter", foi logo denunciada no mun-do inteiro como um pseudópodo da CIA, en-quanto milhares de publicações culturais sub-sidiadas e dirigidas pela KGB circulavam emtoda parte sem suscitar qualquer escândalo.Mais ainda, o serviço secreto soviético come-çou a agir na Europa e nas Américas logo em1917, ao passo que os EUA não tiveram nenhu-

ma agência de inteligência no exterior até o co-meço da 2ª Guerra Mundial.

Em segundo lugar, o observador leigo quasenunca se lembra de levar em conta o fato fun-damental da política moderna: até a ascensãodo radicalismo islâmico, que é em grande partecriação sua, o comunismo foi o único, sim, oúnico movimento político mundial que existiunos últimos duzentos anos. Todos os outroseram e são apenas locais, incapazes de articu-lar-se em escala global. O cidadão comum quese imagina bem informado é em geral incapazaté mesmo de distinguir entre as relações inter-governamentais e a articulação mundial de ummovimento político.

Em terceiro, é óbvio que a interpretação pú-blica dos fatos depende da cultura dominan-te, e desde os anos 60 a cultura americana tra-dicional foi substituída pelo que os estudiososchamam "cultura adversária", onde prevaleceo reflexo condicionado de culpar sempre a

América em primeiro lugare fazer vista grossa às açõesmais decisivas e violentas deseus inimigos.

Em quarto, a cada novamudança de estratégia domovimento comunista se-gue-se invariavelmente,desde 1917, uma campanhamundial de desinformaçãoatravés de canais nominal-mente insuspeitos, anun-ciando que o comunismoacabou ou se tornou acomo-dado e inofensivo. Em ne-nhuma dessas ocasiões a ma-

nobra encontrou oposição séria no Ocidente.No Brasil, tivemos a experiência do Foro de SãoPaulo, cuja simples existência foi negada du-rante dezesseis anos pelas autoridades e pelamídia chique, toda ela dominada por simpati-zantes, quando não por militantes comunistas,e só veio à tona quando o próprio Foro, agoradominador de meio continente e sentindo-seportanto fora de perigo, decidiu anunciar pu-blicamente sua presença triunfante.

Todos esses fatores têm de ser levados emconta quando se pergunta por que certas açõescomunistas ou pró-comunistas inegáveis e pa-tentes se tornam invisíveis e só vêm a ser reve-ladas quando é tarde demais para impedi-lasou mesmo para puni-las. O panorama assusta-dor do controle exercido pela elite pró-comu-nista sobre a administração federal e a mídianos EUA é descrito com bastante exatidão nolivro recente de Diana West, American Be-

Lee Harvey Oswald:os cubanos viram

nele a melhoroportunidade de

livrar-se dopresidente JohnKennedy a baixo

custo e sem envolvernenhum deles

próprios na operação. Repr

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27MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

trayal: The Secret Assault on Our Nation'sCharacter (New York, St. Martins, 2013).

Nos últimos anos, vimos o caso de um faná-tico esquerdista sem qualquer curriculumidentificável, com quatro nomes diversos, umabiografia totalmente inventada e nenhum do-cumento genuíno, chegar à presidência dosEUA sob a proteção de um muro de chumbo er-guido pela grande mídia para impedir que suavida fosse investigada. Mesmo depois de o ho-mem ter-se desmoralizado completamentesob uma chuva de escândalos, a questão da suaidentidade ainda é um tabu ciosamente guar-dado pelo establishment.

Em comparação com fatos dessa magnitu-de, a ocultação geral do braço cubano que ar-mou e controlou a mão de Lee Harvey Oswaldtorna-se até um episódio menor.

Qualquer que seja o caso, a população dosEUA, nominalmente o império da liberdade deimprensa, vive há cinco décadas sob um regi-me de privação de informações essenciais. Es-tas não são proibidas, é claro (definitivamente

os EUA não são a URSS). Circulam livrementeem livros, congressos de intelectuais e revistasacadêmicas. Só não chegam à massa do eleito-rado, que depende da mídia popular e da pa-lavra das autoridades.

A verdade da história americana não é ina-cessível, mas tornou-se uma espécie de segre-do esotérico reservado à minoria highbrow. Adiferença é que nos EUA essa minoria abrangeumas quarenta mil pessoas, e no Brasil, hojeem dia, não chega a uma dúzia. É assim que,entre as vaias que explodiram subitamentesobre a presidenta Dilma Rousseff e os movi-mentos de protesto em São Paulo, subsidia-dos pelo próprio governo federal e apoiadosem 27 países por organizações bilionárias, oque passa por "manifestação popular espon-tânea" é o segundo desses fenômenos em vezdo primeiro. A elite manipuladora já não temmais nada a temer, nem mesmo a opinião deuns quantos "intelectuais dissidentes": podementir com gosto, segura de si, rindo da carada população otária.

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Durante anos, JohnKennedy e Fidel Castrofizeram tudo para dar

cabo um do outrosem parecer envolvidos

na trama assassina.O ditador cubano

foi apenas mais rápido,graças à eficiência

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28 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

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29MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

DEPOIS DA COPACarlos Ossamu

Para a Copa do Mundo,os estádios precisam seguir

determinados padrões e requisitosimpostos pela Fifa em termos de

capacidade, conforto e segurança.

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30 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

Dimang Kon Beu/Estadão Conteúdo

Manifestantes protestam na Praça Sete emBelo Horizonte (MG) contra os gastos públicos

na Copa do Mundo em detrimento ainvestimentos em educação, saúde,

transportes e outros serviços públicos.Um evento promovido pelo Conselho de AltosEstudos de Finanças e Tributação (Caeft) daAssociação Comercial de São Paulo discutiu

exatamente esta questão dos gastos.

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31MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

Há menos de um ano do início daCopa do Mundo, gigantescasmanifestações populareslevaram centenas de milhares

de pessoas às ruas e pararam o País.Inicialmente em protesto contra o aumentodas tarifas dos transportes públicos, parcelados manifestantes colocaram outros temasna pauta, entre eles os altos gastos do Paíscom o evento, em oposição à falta deinvestimentos em saúde, educação,transportes e moradia.

Um evento promovido pelo Conselho de

Altos Estudos de Finanças e Tributação(Caeft) da Associação Comercial deSão Paulo, em março, discutiu exatamenteesta questão dos gastos. Participou do eventoo advogado Matheus Carneiro, integrante daAdvocacia Geral da União, que apresentoudiversos números em relação aosinvestimentos e a renúncia fiscal envolvendoa Copa do Mundo de 2014. Para ele, faltatransparência nas contas, apesar dadeterminação de que tudo seja explicitado nainternet. É que os valores divulgados estãotodos defasados e os valores exatos só

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BELO HORIZONTEESTÁDIO MINEIRÃOCusto: R$ 695 milhões (com a esplanada)Contrato: PPP (concessão por 27 anos)Construtora: Construcap, Egesa e Hap

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32 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

saberemos após a auditoria do Tribunal deContas da União, depois do evento. Aí o povobrasileiro saberá se foi bola dentro ou bolafora realizarmos aqui a Copa do Mundo.

Segundo contou Carneiro, o Brasil, aindano mandato do presidente Lula, assumiu ocompromisso, que está expresso em umaMatriz de Responsabilidades, de realizar aCopa do Mundo em 12 cidades sedes. "Issoenvolve compromissos da União, dos Estadose dos municípios, e alguns desses Estados nãoestão com suas finanças muito saudáveis, porexemplo, o Rio Grande do Norte, que teve

problemas com atrasos em pagamentos.Vemos o reflexo dos problemas federativosque podem aflorar nesta matéria", observou.

Para a Copa do Mundo, os estádiosprecisam seguir determinados padrões erequisitos impostos pela Fifa em termos decapacidade, conforto e segurança. Antesde 2010, nenhum estádio do Brasil atendiaessas exigências. "Portanto, foramnecessárias medidas, tanto de incentivosfiscais, quanto gastos públicos diretos ouparcerias público-privadas, para se fazerreformas significativas e construção de

BRASÍLIAESTÁDIO NACIONAL MANÉ GARRINCHACusto: R$ 1,01 bilhão (cobertura: R$ 173,9 mi)Contrato: PúblicoConstrutora: Via Engenharia eAndrade Gutierrez

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33MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

novos estádios", comentou Carneiro.Segundo ele, a pergunta inicial é: quais os

custos e os benefícios envolvidos nestegrande evento? A pergunta inclui toda ainfraestrutura necessária, não apenas osestádios, mas também aeroportos, portos,obras de mobilidade urbana, acomodações,telecomunicações etc. "A Anatel informou,no fim do ano passado, investimentos deR$ 52 milhões com infraestrutura paracumprir compromisso com a Fifa, como aimplantação da rede 4G de telefoniamóvel", observou o advogado.

O evento também irá trazer benefíciosde ordem econômica. Para Carneiro, aquestão é se estamos falando de umdesenvolvimento econômico de curto prazoou de um desenvolvimento sustentávelde longo prazo. Tudo o que foi feito peloMinistério do Esporte, através de umaconsultoria, pontuou que a projeção para operíodo 2010-2012 de aumento do PIB emdecorrência dos grandes jogos no Brasilé da ordem de 0,4% ao ano. Em númerosabsolutos seria algo em torno de R$ 190bilhões neste período em consequência da

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CUIABÁARENA PANTANALCusto: R$ 519,4 milhõesContrato: PúblicoConstrutora: Santa Bárbara e Mendes Júnior

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34 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

Copa – turismo, aumento de consumo dasfamílias e infraestrutura, no caso deinvestimentos do governo. "A Matriz deResponsabilidade, que elenca todos oscompromissos assumidos, traz – são dadosmais recentes, ainda não atualizados para2013 – investimentos da ordem de R$ 29bilhões, dos quais temos financiamentosfederais, de governos locais e também dainiciativa privada", disse Carneiro

Segundo esclarece, estes investimentos dainiciativa privada de certa forma também sãoacompanhados de investimentos públicos

por meio de incentivos fiscais. Esses númerosnão foram incluídos no plano plurianualanterior, foram inseridos no plano plurianualde 2012-2015, está lá nos Objetivos 0686 –coordenar, monitorar, fomentar os esforçosgovernamentais para a preparação erealização da Copa do Mundo Fifa. Dentrodas metas está monitorar a execução dosempreendimentos apontados na Matriz deResponsabilidade – que traz todas as obrasque serão desenvolvidas, que ficaram a cargodos governos estaduais, municipais etambém algumas obras federais.

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C U R I T I BAARENA DA BAIXADACusto: R$ 234 milhõesContrato: PrivadoConstrutora: Engevix (gerenciadora)

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Investimentos em estádios

A LDO - Lei de Diretrizes Orçamentáriade 2011 também prevê em seu artigo 17 anecessidade de divulgação na internet dodemonstrativo atualizado mensalmentedas ações e despesas da Copa do Mundo."Esses dados, porém, não estão sendoatualizados com frequência, mas sãonúmeros aproximados. Os valores corretossó saberemos após a auditoria do TCU.As informações que tenho são númerosestimados inicialmente, não os montantes

realizados. A Arena do Corinthians estáorçada em R$ 820 milhões, mas este númerojá foi reajustado e já ultrapassou R$ 1 bilhão.Os dados são do custo do estádio – no casoda Arena do Corinthians, uma parte foiempréstimo do BNDES e outra parte temincentivos fiscais", disse.

"O Maracanã também está nessa faixa deR$ 800 milhões. A reforma do Mineirão foiuma PPP (Parceria Público-Privada), já estápronta e foi inaugurada com um show doElton John. O Castelão também está pronto,também uma PPP, uma reforma da ordem de

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F O RTA L E Z AESTÁDIO CASTELÃOCusto: R$ 519 milhõesContrato: PPP (concessão por 8 anos)Construtora: Consórcio Galvão, AndradeMendonça e BWA (operadora)

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R$ 500 milhões. Fonte Nova foi outra PPP,uma reforma de cerca de R$ 600 milhões. AArena Pernambuco foi construção, tambémPPP, e o valor já passou o divulgado",comentou. "O estádio de Manaus (Arena daAmazônia), vai custar R$ 583 milhões e é umcontrato público, não houve interesse dainiciativa privada. A Arena das Dunas, emNatal, no Rio Grande do Norte, está tendoum problema de atraso e tem custo orçadode R$ 418 milhões. O Mané Garrincha, emBrasília, já foi inaugurado – este eu acho queserá o maior elefante branco do Brasil, já que

Brasília não tem time de futebol ou torcidapara encher o estádio, se fala em outroseventos. É um contrato público do governodo Distrito Federal, não há participação dainiciativa privada e os custos superaram R$ 1bilhão", enfatiza, acrescentando que a ArenaPantanal (Cuiabá) é outro elefante branco."Ninguém ouviu falar de times de Cuiabá, éoutro contrato da ordem de R$ 500 milhões".

Ao lado desses contratos, sejamconcessões ou contratos públicos diretos,todos eles juntos somam entre R$ 6 bilhões eR$ 7 bilhões. Com as obras de infraestrutura

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M A N AU SARENA DA AMAZÔNIACusto: R$ 583 milhõesContrato: PúblicoConstrutora: Andrade Gutierrez

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e mobilidade humana necessárias, seja parao acesso aos estádios ou transporte dosturistas, temos algo em torno de R$ 12bilhões. "Tenho alguns dados comparativospor cidade: São Paulo, como não poderiadeixar de ser, tem um gasto superior àsdemais, da ordem de R$ 6,2 bilhões, isso comdados de abril de 2012. Rio de Janeiro vemlogo em seguida, com R$ 3,8 bilhões. A quegastou menos foi Salvador, com R$ 687milhões", revelou Carneiro. "Sãoinvestimentos públicos que todas as cidadesestão se comprometendo, juntamente com os

governos estaduais. São despesas públicascontratadas na Matriz de Responsabilidade".

Incentivos tributários

Além das despesas diretas mencionadaspor Carneiro em contratações públicas,existem os incentivos tributários, que sãoconsiderados gastos públicos. Os incentivosfederais estão previstos na Lei 12.350/2010,os estaduais em dois decretos do Estadode São Paulo, e incentivos municipais,basicamente em duas leis do município de

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N ATA LARENA DAS DUNASCusto: R$ 418 milhõesContrato: PPP (concessão por 20 anos )Construtora: OAS

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PORTO ALEGREESTÁDIO BEIRA RIOCusto: R$ 330 milhõesContrato: Público (Prefeitura de Porto Alegre)Construtora: indefinida

São Paulo. "Nos incentivos tributáriosestaduais temos no Decreto 55.634 isenção deICMS para construção e reforma de estádios,vinculado a este tipo de atividade apenas.Também há isenção do ICMS para operaçõese prestações vinculadas à realização da Copa,ou seja, todas as operações relacionadas aprestações de serviços vinculadas à realizaçãoda Copa serão beneficiadas com a isençãodo ICMS, não apenas construção de estádio.O problema básico é que tudo isso estavaprevisto em um acordo com a Fifa e todos têmde acatar", afirmou Carneiro.

Em relação aos incentivos tributáriosmunicipais, segundo disse Carneiro, oItaquerão está utilizando o Certificado deIncentivo de Desenvolvimento (CID). Foiprevista a utilização de até R$ 420 milhõesnestes certificados, que na realidade geramdireito a créditos para quem dele se utiliza.A construtora investe na construção doestádio, juntamente com recursosfinanciados pelo BNDES e além disso poderáutilizar no plano de desenvolvimento lá deItaquera este Certificado de Incentivo deDesenvolvimento, para depois compensar

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RECIFEARENA PERNAMBUCOCusto: R$ 500 milhõesContrato: PPP (Governo de Pernambuco)Construtora: O d e b re c h t

com outros débitos municipais. "Também éprevisto a suspensão condicional do ISS,com conversão e isenção, ou seja, suspende aincidência do ISS – se ele cumprir aquelasdeterminadas condições, converte-se emisenção. O Tribunal de Contas do Municípioseria o órgão com capacidade para fazer afiscalização de todas essas questões",observou Carneiro. "Nas Olimpíadas deLondres também foi assim, a renúncia fiscalultrapassou 1 bilhão de libras. Houverenúncia fiscal para o McDonald's, porexemplo, que era o patrocinador oficial.

No Brasil será a mesma coisa, mas estádentro do pacote deste grande evento.A justificativa é que os benefícios trazidospor essas empresas suplantam muitoo montante de renúncia".

Subsídios creditícios

Em relação aos incentivos financeiros, deacordo com Carneiro, o Tribunal de Contasda União disse que não consta subsídiosexplícitos ou diretos de natureza financeira,que são desembolsos previstos na portaria do

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RIO DE JANEIROESTÁDIO DO MARACANÃCusto: R$ 883 milhõesContrato: PúblicoConstrutora: Andrade Gutierrez e Odebrecht

Ministério da Fazenda 3729/2006, de caráterbastante específico, referente a subsídiosdiretos e explícitos. "Isso não houve,ocorreram aqueles indiretos, que são ossubsídios tributários", explicou. "Temostambém subsídios creditícios, basicamenteatravés do BNDES, Caixa e Banco do Brasilpara financiamento da infraestrutura. Todosos financiamentos dos estádios gozaram dealgum incentivo creditício, também boa partedas obras públicas. Esses incentivos são daordem de R$ 8,4 bilhões".

Uma resolução do Conselho Monetário

Nacional de 2009 criou a linha definanciamento do BNDES, limitada a R$ 400milhões por estádio, desde que o valorfinanciado represente no máximo 75% docusto total. O subsídio é caracterizadoquando o retorno do ativo é negativo, ou seja,quando o custo de oportunidade do governoé maior do que a taxa de juros do empréstimo,caso dos financiamentos do BNDES. "Com aCaixa Econômica houve a justificativa de quenão se trata exatamente de um incentivocreditício, por conta que os recursos coletadossão do FGTS, são recursos de natureza

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S A LVA D O RARENA FONTE NOVACusto: R$ 592 milhõesContrato: PPP (concessão por 35 anos)Construtora: Odebrecht e OAS

privada e não pública. Do BNDES, osrecursos são do FAT - Fundo de Amparo aoTrabalhador. Esses recursos são públicos e seenquadram nesta característica, porque ocusto de oportunidade do governo é maior doque a taxa de juros do empréstimo doBNDES", disse Carneiro.

Ele explicou que o Procopa Arenas, que sãoos programas de incentivo para a construçãodos estádios, envolveram três operações decrédito com o BNDES, totalizando R$ 1,87bilhão nos estádio de Mato Grosso, Bahia,Ceará, Rio de Janeiro, Pernambuco etc.

"Foram R$ 188,7 milhões em subsídiocreditícios do BNDES em 2011, ou seja, comtaxas de juros privilegiadas. Traduzindo emmiúdos, isso significa gastos públicos",observou.

Falta de transparência

Para Carneiro, o volume de recursosenvolvidos e renúncias fiscais mostram aimportância dos controles dos gastospúblicos. A transparência consta comoprincípio fundamental, decorrente da própria

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SÃO PAULOARENA CORINTHIANSCusto: R$ 820 milhõesContrato: PrivadoConstrutora: O d e b re c h t

noção de cidadania, explícito no artigo 48 daLei de Responsabilidade Fiscal, que coloca atransparência como algo fundamental, comacesso público, amplo e o mais claro possível."A transparência incentiva a participaçãopopular e o acompanhamento da sociedadeem tempo real, mas o que a gente vê emrelação à Copa é uma dificuldade em teracesso a dados atualizados", afirma Carneiro."No controle do gasto tributário há umadificuldade enorme em obter informações.No caso do município de São Paulo, háapenas um número genérico, mas nada

específico sobre a renúncia tributária para aCopa; na esfera Federal, esses dados são maisexplicitados, mas estão defasados", afirmou.

Principalmente ao montante do gastotributário, há ausência de uniformidade nadivulgação das informações, pois cada umfaz de uma forma. "Isso leva a gente a refletirno aprimoramento dos mecanismos decontrole, buscando essa uniformidade, umarede de cooperação, para que o cidadão possasaber aquilo que é gasto, para onde está indoo dinheiro que ele contribui para asociedade", finalizou Carneiro.

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Adalberto Marques/Estadão Conteúdo

Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo

Cerimônia de abertura da Copa dasConfederações realizada no Estádio NacionalMané Garrincha, em Brasília. O estádio teve

um custo superior a R$ 1 bilhão.

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Governo e FIFA seexplicam

Fábio Motta/Estadão Conteúdo

Jérôme Valcke (esq.) e Aldo Rebelo (dir.): explicações sobre os investimentos para a Copa do Mundo.

Em meio às diversas manifestações populares contra osgastos do governo com a Copa do Mundo, em detri-mento a investimentos em saúde, educação, transpor-tes e outros serviços públicos, o Ministério do Esporte e

a Fifa (Federação Internacional de Futebol) concederam umaentrevista coletiva no último dia 24 de junho para rebater as crí-ticas e explicar os investimentos previstos na Matriz de Respon-sabilidades da Copa do Mundo. O ministro do Esporte, AldoRebelo, fez questão de frisar que não há recursos do orçamentodo governo federal na construção dos estádios da Copa do Mun-do, reforçando a afirmação dada pela presidente Dilma Rous-seff em rede nacional, na semana anterior. "Não há recursos dogoverno federal, apenas empréstimos no valor máximo de R$400 milhões por estádio via BNDES", enfatizou o ministro.

Segundo ele, os investimentos com estádios representam R$7,5 bilhões dos R$ 28,1 bilhões previstos nas obras previstas naMatriz de Responsabilidades da Copa. Os financiamentos doBNDES em construção e reformas das arenas esportivas chegama R$ 3,8 bilhões. "No caso dos estádios, não há recursos do or-çamento da União. O que há são empréstimos oferecidos pelogoverno, que alguns tomaram na totalidade, outros, como o In-ternacional e o Atlético Paranaense, em parte, e outros, como oDistrito Federal, não tomaram", disse Aldo Rebelo, justificandoque os valores provenientes de subsídios e renúncias fiscais têmcomo objetivo manter as estratégias sociais do governo. "Os re-cursos na forma de subsídios e renúncia fiscal são oferecidos pelogoverno de forma ampla, inclusive no papel usado pelos jornais– e o governo faz isso porque acredita que assim estará facilitan-

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do o acesso da população à informação, oque mantém parte da estrutura democrá-tica do País", comentou o ministro.

"A indústria automobilística, nos últi-mos anos, recebeu renúncias fiscais vul-tosas. O governo não faz isso porque éamigo delas, mas porque pensa que mi-lhares de empregos gerados por essa in-dústria são importantes para a política deproteção nacional do emprego. A renún-cia fiscal na Copa é uma parcela pequenados recursos. No caso da Arena do Corin-thians, são dos governos estadual e muni-cipal, mas porque o projeto promove o de-senvolvimento da área mais pobre da ci-dade de São Paulo," completou.

Luis Fernandes, secretário executivo doMinistério do Esporte, observou que osprojetos incluídos na Matriz de Responsa-bilidades foram assinados por represen-tantes dos governos federal, estadual emunicipal das 12 cidades sedes. O docu-mento explicita o que cabe a cada um dosentes executar. "O ponto básico no nossoplano para a Copa é a premissa de que otorneio representa uma oportunidade his-tórica para promover o desenvolvimentodo País. A Matriz não é uma compilação degastos, mas uma estratégia de investimen-tos, sendo que 3/4 dos recursos se desti-nam a serviços e infraestrutura essenciais,concentrados em obras de mobilidade ur-bana e aeroportos", disse.

Na atualização do documento apresen-tada por Luis Fernandes, os investimentosem mobilidade urbana somam R$ 8,9 bi-lhões, em aeroportos são de R$ 8,4 bilhões,em estádios são R$ 7,6 bilhões e em portos,R$ 700 milhões. Para as estruturas, equipamentos e capacitaçãoem segurança, o recurso é de R$ 1,9 bilhão. A área de telecomu-nicações soma R$ 400 milhões e a de turismo, R$ 200 milhões.Segundo Fernandes, a diferença de R$ 2,6 bilhões em relação àúltima versão da Matriz, publicada em abril deste ano, se deve,principalmente, aos recursos privados que serão aplicados nosaeroportos concedidos recentemente ao setor.

De acordo com o ministro Aldo Rebelo, tirando os R$ 7,5 bi-lhões para a construção e reforma de estádios, os R$ 20,6 bilhõesrestantes previstos na Matriz de Responsabilidade se destinama obras necessárias para o Brasil, que já faziam parte do Progra-ma de Aceleração do Crescimento (PAC) e "aconteceriam noPaís independentemente da Copa". Para o ministro, não faz sen-tido dizer que o governo deixou de investir em saúde e educaçãopara gastar dinheiro com o evento esportivo da Fifa. "Apenasneste ano, o orçamento da União está destinando para a saúde eeducação R$ 177 bilhões. O orçamento do Ministério do Esporteé aproximadamente 1% desse valor", disse.

Além disso, o ministro ressaltou que o evento permitirá a

circulação de R$ 112 bilhões no País no período de 2010 a 2014e gerará R$ 63,5 bilhões de renda para a população, de acordocom estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Ministériodo Esporte também considera que a Copa do Mundo é umaoportunidade para o Brasil se desenvolver, com a atração deinvestimentos privados.

Questionado sobre os lucros da Fifa, Jérôme Valcke, secretário-geral da federação, confirmou que o evento gerará dividendos, jáque é uma entidade privada, mas que ela também gastará em tor-no de US$ 1,5 bilhão com a organização da Copa do Mundo. Eledestacou que pelo menos parte desse dinheiro ficará no País, soba forma de hospedagem, transportes e a organização do evento."A Fifa vendeu seus direitos comerciais por US$ 4 bilhões para ociclo de 2011 a 2014. Somos uma empresa, estamos ganhando di-nheiro, mas também temos uma série de responsabilidades e pro-jetos que apoiamos. Mas no fim, não estamos lucrando, porqueesse não é o objetivo da Fifa", afirmou Valcke.

Dimang Kon Beu/Estadão Conteúdo

Manifestações populares questionam os gastos do governo com a Copa do Mundo

Carlos Ossamu com Agências

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FINANÇAS PÚBLICASLDO - O Velho Modelode Aumento de Receitacom FlexibilizaçãoCriativa

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Vera Martinsda SilvaEconomista edoutora emTeoria Econômicapelo IPE-USP.

Texto originalmente publicado no Boletim da Fipe nº 392 de maio de 2013

ALei de Diretrizes Orçamentárias(LDO) é a peça do sistema orça-mentário que define os parâmetrosda política fiscal para o ano seguin-

te à sua aprovação e norteia os parâmetros pa-ra a elaboração do orçamento do governo pa-ra o período seguinte. A LDO foi criada pelaConstituição Federal de 1988 e alcançou umarelevância maior a partir da Lei de Responsa-bilidade Fiscal de 2000 ao exigir a explicitaçãoda origem de recursos, programas que nãopodem ser objeto de contingenciamento, re-núncia de receitas e formas de sua compensa-ção, aumento de despesas continuadas e, es-pecialmente, a definição de metas fiscais parao ano seguinte, assim como para os três exer-cícios seguintes. Em que pese o aspecto de fu-turologia baseada em expectativas voláteis, aLDO acaba se tornando um instrumento decomunicação entre as autoridades fiscais e asociedade. Através dela é possível a análise dapolítica fiscal no médio prazo.

Nesse sentido, a LDO em discussão no Con-gresso este ano define: (1)

O objetivo primordial da política fiscal dogoverno é promover a gestão equilibrada dosrecursos públicos, de forma a assegurar a ma-nutenção da estabilidade econômica e o cres-cimento sustentado e socialmente justo. Paraisso, atuando em linha com as políticas mone-tária, creditícia e cambial, o governo procuracriar as condições necessárias para a quedagradual do endividamento público líquidoem relação ao PIB, a redução das taxas de ju-ros e a melhora do perfil da dívida pública.(grifo nosso)

Portanto, repete-se o compromisso com aestabilidade econômica, ou seja, o controle dainflação, com ênfase no aspecto redistributivoe de redução da relação dívida líquida/PIB.

Contudo, entre o discurso genérico e os dadosatuais, percebe-se que há uma tendência àmaior tolerância com a inflação, de modo quea questão só se torna efetivamente um grandeproblema se a taxa acumulada de um ano doÍndice de Preços ao Consumidor Ampliado(IPCA) da IBGE superar o teto da meta, ou se-ja, 6,5% aa.

A visão de inflação ainda sob controle, po-lítica monetária estabilizada com taxa de jurosbaixa (2) e o desempenho sofrível da produçãointerna, com um crescimento modestíssimo de0,9% em 2012, fazem surgir a percepção de quea política fiscal deve ser anticíclica.

Apesar disso, a política fiscal continua ado-tando como meta a obtenção de superávit pri-mário, isto é, receitas menos despesas ex-cluindo-se os itens financeiros, da ordem de3,1% do PIB, a chamada meta cheia. Entretan-to, o que já aparecia como uma possibilidadeeventual nas LDOs anteriores, ou seja, a redu-ção da meta cheia pelos gastos relativos aos in-vestimentos do Programa de Aceleração doCrescimento (PAC) e do Programa de Susten-tação do Investimento (PSI), agora entram ex-plicitamente como instrumento a ser efetiva-mente utilizado. Isto significa que o conceitode meta de superávit primário perdeu seu sig-nificado mais comumente entendido pelosanalistas, passando mais a ser uma variávelde acompanhamento do que uma meta fiscal aser atingida a todo custo. (3)

Conforme o PLDO, o resultado nominal,previsto em -0,70% do PIB para 2014, é apenasindicativo, pois depende de variáveis fora decontrole da política fiscal, ou seja, variáveismonetárias e financeiras. Aliás, essa tem sidoa crença desde a adoção do regime de metas desuperávit primário, inflação e câmbio flu-tuante, desde 1999. A rigor, os diversos níveis

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de governo só têm sob sua governabilidade osgastos, pois também as receitas públicas de-pendem do desempenho econômico e, pormais eficiente que seja a burocracia estatal pa-ra ampliar a arrecadação de tributos, o limite éo próprio crescimento da economia, que emperíodos de estagnação se impõe como um li-mite à arrecadação.

Como a obtenção de superávit primáriodepende da arrecadação, que, por sua vez,depende da atividade econômica, há uma cir-cularidade no processo, ficando relativamen-te fácil atribuir a fatores fora da gestão gover-namental a obtenção do resultado primárioao final de cada exercício. (4) No caso dos re-sultados de 2012, a explicação apresentadano PLDO para o uso de artifícios criativos pa-ra obtenção do resultado almejado recaiu so-bre o desempenho fraco do PIB em 2012 e estefoi causado por fatores externos adversos, es-pecialmente a continuidade da crise na euro-zona e da desaceleração da economia chine-sa. É curioso destacar a defesa das autorida-des fiscais para o baixo desempenho da eco-nomia no ano anterior:

No setor externo, um dos impactos da crise ficaevidenciado na queda do valor exportado, que so-mou US$ 242,6 bilhões em 2012, redução de US$13,5 bilhões frente a 2011. Com isto houve reduçãode US$ 10,4 bilhões no superávit da balança comer-cial, principal contribuição para a pequena elevaçãodo déficit em transações correntes. O saldo negativoem transações correntes, contudo, foi financiado pe-lo forte ingresso líquido de investimentos estrangei-ros diretos (IED) no País, US$ 65,3 bilhões, próxi-mo do recorde histórico de 2011 (US$ 66,7 bilhões) emantendo a participação do Brasil no fluxo global deinvestimentos acima de 4,0%.

Sem dúvida, é muito importante que o Brasilseja o destino de investimentos estrangeiros, oque mostra que o País apresenta-se como umaeconomia atrativa. Entretanto, o fraco desem-penho da atividade e o ressurgimento da infla-ção recolocam os desafios para a continuidadede modelo de desenvolvimento. Por outro la-do, a dependência de recursos externos para fe-char as contas externas traz um risco inerenteaos movimentos internacionais de capital, re-conhecidamente voláteis.

Thiago Bernardes/Luz

O fracodesempenho daatividade e oressurgimento dainflação recolocamos desafios paraa continuidadedo modelo dedesenvolvimento.

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Em relação às perspectivas para 2013, as au-toridades fiscais trabalharam inicialmentecom uma expectativa de crescimento real doPIB de 3,5%, acima da expectativa média demercado, que havia oscilado em torno de 3%,e ainda, conforme exigência legal, o projetotrabalha com expectativa de crescimento realde 4,5%, 5% e 4,5% respectivamente em 2014,2015 e 2016. O crescimento, segundo o projeto,deve vir da demanda doméstica em expan-são, principalmente em função do consumodas famílias, impulsionado pelo mercado detrabalho com alta ocupação da mão de obra,ampliação da massa salarial e crédito ao con-sumo. No texto do PLDO fica claro que o ob-jetivo maior do governofederal é melhorar a justi-ça social e o seu modo defazer isso é pela continui-dade da política redistri-butiva e incentivo ao con-sumo de bens e serviços.

Há também uma ex-pectativa muito otimistaem relação ao crescimentodo investimento, segundoo projeto "voltando a cres-cer quase o dobro do cres-cimento do PIB". É bemprovável que o investi-mento volte mesmo a crescer em 2013, mas issodecorre do simples fato de que o investimentofoi muito baixo em 2012 e deve-se esperar umretorno ao normal. Adicionalmente, à medidaque se aproxima o ano eleitoral, é muito plau-sível uma aceleração do investimento público,o que é uma característica do ciclo eleitoral so-bre os gastos públicos.

Contudo, a esperada expansão da demandainterna deverá se refletir negativamente nascontas externas, pois em uma economia abertaparte do crescimento da demanda acaba va-zando para o exterior, a não ser que as expor-tações acelerem com a economia mundial reto-mando seu dinamismo, o que não parece ser ocaso. A Tabela 1 apresenta as principais va-riáveis macro projetadas no projeto da LDO.

Do lado da oferta, o governo espera uma re-tomada do setor industrial, especialmente emresposta aos estímulos fiscais e proteção con-tra concorrência externa para vários setores,destacando-se o Plano Brasil Maior, adoçãode margens de preferência, desonerações tri-butárias para diversos setores, redução da ta-rifa de energia elétrica, taxa cambial mais de-preciada e juros mais baixos. Mas a realidadedo início do ano já aponta para a continuidade

dos problemas no setor industrial, com umaqueda de 0,5% no acumulado do primeiro tri-mestre de 2013 em relação a 2012, que já foi umano sofrível. A boa notícia nesse âmbito é ocrescimento de 9,8% no acumulado do pri-meiro trimestre de 2013 em relação ao mesmoperíodo do ano anterior da produção da in-dústria de bens de capital, o que sugere que fi-nalmente as medidas tomadas ao longo de2012 começaram a surtir efeito.

Para 2014, a meta de superávit primário foiprojetada em R$ 167,4 bilhões para o setor pú-blico não financeiro, o que equivale a 3,1% doPIB estimado para o ano, sendo mantida essameta para 2015 e 2016. A meta anual de supe-

rávit primário do Governo Central para 2014 éde R$ 116,1 bilhões, equivalente a 2,15% do PIBestimado para o ano. Como nos anos anterio-res, a meta do Governo Central poderá ser re-duzida em função de gastos do Programa deAceleração do Crescimento (PAC). O montan-te de redução foi elevado para R$ 67,0 bilhões, oque inclui também os montantes estimados pa-ra desonerações tributárias. Portanto, o que oGoverno Central pretende entregar efetiva-mente é um superávit primário da ordem de R$49 bilhões em 2014.

Além disso, não há intenção de cobrir o des-cumprimento das metas fiscais por parte deEstados e Municípios, o que na verdade é mui-to razoável, uma vez que, além da própria au-tonomia dos níveis de governo, os níveis sub-nacionais têm tido também dificuldades naobtenção das metas acordadas com a Uniãonos diversos contratos de refinanciamento dadívida em vigor em função da redução da ati-vidade econômica que também atinge suas re-ceitas próprias e as transferências intergover-namentais. Estas, por sua vez, têm sido erodi-das pelas desonerações do Imposto sobre Pro-dutos Industrializados (IPI) realizados pelaUnião. (5) A flexibilização da política fiscal tem

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ocorrido não só a nível fe-deral, mas também nasunidades federadas, e osinstrumentos para issosão a ampliação dos limi-tes de endividamentopúblico subnacional e adiscussão no Congressosobre alterações de al-guns itens dos contratosde refinanciamento dasdívidas firmados no finaldos anos 90.

A adoção de uma polí-tica fiscal anticíclica e aconsequente flexibiliza-ção das metas f i sca iscaem bem como discur-so e prática, porém, infelizmente, não são pa-ra todos: não são para os setores ou empresasque não são beneficiadas pelo conjunto demedidas de desoneração, proteção e incenti-vo ao aumento de produtividade, nem para amaioria das pessoas físicas. Há estimativa derenúncia fiscal alcançando R$ 65 bilhões pa-ra 2014, dos quais R$ 36 bilhões são relativosà Previdência, ou seja, praticamente metadedo total refere-se a receitas previdenciáriasque não ocorrerão. Adicione-se a isso a Des-vinculação de Receitas da União (DRU) - nãoé de se espantar que a Previdência apresenteresultados difíceis.

Quanto às pessoas físicas, consumidoresem geral, afinal, alguém tem de pagar a conta,prevalecendo o velho modelo de ajuste pelareceita e não pelos gastos públicos. Isso podeser visto na Tabela 2, que reproduz os dadosdo Anexo IV.13 do PLDO, que mostra clara-mente que a expectativa principal ainda é deaumento de receita permanente, em torno deR$ 37 bilhões, uma redução de despesa per-manente de R$ 199 milhões e, após as transfe-rências constitucionais a Estados e Municí-pios, espera-se um aumento permanente dereceita de R$ 27 bilhões, dos quais R$ 18 bi-lhões estão já destinados ao financiamento docrescimento vegetativo dos gastos sociais. Osgastos crescentes com despesas referentes aosalário mínimo desta vez não são tão signifi-cativos, em função do fraco crescimento de2012. (6) O resultado final esperado para 2014 éum aumento de R$ 7 bilhões nas disponibili-dades do Governo Central. Enfim, tudo issosão projeções e suposições, mas a única coisacerta é que a carga tributária tende a continuarcrescendo, porém, suportada por menosagentes econômicos.

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Notas(1) Projeto de Lei n. 2, de 2013-CN (PLDO).(2) Já que "a taxa Selic atingiu 7,25%, a menortaxa dos últimos 15 anos." (cf. PLDO).(3) Os resultados do resultado primário acumuladoentre janeiro e março de 2013, de R$ 20 bilhões,já mostram uma significativa redução em relaçãoao mesmo período de 2012, quando foram obtidosR$ 34 bilhões. Em termos nominais é uma reduçãode R$ 14 bilhões, o que significa que a obtenção desuperávit primário está perdendo efetivamentea posição de destaque na política fiscal.(4) Então, não é só sobre o resultado nominal queo governo não tem governabilidade, mas tambémsobre o resultado primário.(5) A arrecadação do IPI entre janeiro e março de2013 apresentou uma redução de R$ 711 milhõesem relação ao mesmo período do ano anterior.(6) A regra de reajuste do salário mínimo incorporaa inflação do ano mais o crescimento real do PIBnos dois anos anteriores. Como o crescimento realdo PIB foi de 0,9%, houve menor pressão dereajuste para o salário mínimo.

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SXC

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Carlos Ossamu

Há cerca de dois anos, de formalamentável, o País deixou de serautossuficiente em petróleo. Aprodução do petróleo brasileiro

estagnou e as importações de gasolinacresceram 73%. A produção do etanol decana-de-açúcar não acompanhou a aceleradademanda e o combustível renovável perdeua sua competitividade econômica em faceao congelamento de preços da gasolina.O resultado é que muita usinas fecharam.

Para discutir esses assuntos, foi realizadono fim de abril, na Associação Comercial deSão Paulo (ACSP), o seminário "A Realidadedo Pré-Sal", coordenado pelo vice-presidentee coordenador do Conselho de Infraestruturada entidade, Luiz Gonzaga Bertelli. O eventocontou com a presença de diversosespecialistas, entre eles Osvaldo Kawakami,gerente-geral da unidade de exploração eprodução da Bacia de Santos, e Shigeaki Ueki,ministro das Minas e Energia de 1974 a 1979 epresidente da Petrobras de 1979 a 1984. Leia aseguir os principais trechos das palestras. Fá

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O pré-sal e a realidade

energética brasileira

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53MAIO/JUNHO 2013 DIGESTO ECONÔMICO

Plataforma P-63, que acaba de sair do EstaleiroQuip em Rio Grande (RS). Tem capacidade

para processar 140 mil barris/dia de óleo ecomprimir 1 milhão de m³/dia de gás. A unidade

irá para o pós-sal da Bacia de Campos

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LUIZ GONZAGA BERTELLI

As minhas considerações iniciais são sobre a importância des-te evento, no tocante aos preços dos combustíveis e sobre to-

da a política traçada no sentido de produzirmos petróleo no Bra-sil, que redundará no futuro da nação. Como todos sabem, a Pe-trobras vem acumulando sucessivas quedas na produção de pe-tróleo e derivados, bem como em seu lucro, como apontam osdemonstrativos financeiros do ano transcorrido de 2012 e divul-gados. Como é sabido, artificialmente o governo vem congelandoos preços dos combustíveis e desde 2011 a empresa do Estado temimportado a preço mais alto do que vende no mercado interno. Ospreços da gasolina e do diesel continuam defasados entre 15% e16% em relação ao mercado internacional.

A partir do ano de 2002, em decorrência da Lei 9478/97, res-ponsável pela abertura do capital social da Petrobras, a empre-sa teve prerrogativas de fixar os preços dos derivados do pe-tróleo no consumo nacional. Imaginava-se que a medida ado-tada atenuaria o peso dos crescentes preços dos combustíveisnos índices inflacionários. Daí a contenção nos preços da ga-solina e do diesel, este último um derivado fundamental notransporte da produção e dos habitantes e um preponderanteinsumo para as commodities agrícolas.

Fim da autossuficiência

Há dois anos a nação brasileira perdeu lamentavelmente asua autossuficiência na produção do óleo e refino da gasolina,gerando crescentes importações. A produção do petróleo bra-sileiro estagnou e as importações de gasolina cresceram 73%.Ademais, a produção do etanol de cana-de-açúcar não acom-panhou a acelerada demanda e o combustível renovável per-deu a sua competitividade econômica em face ao congelamen-to de preços da gasolina.

O descompasso da política de preços dos combustíveis ge-

rou o afastamento e o desencanto dos investidores, internacio-nal e brasileiros, das indústrias alcooleiras e na ampliação dasusinas, inclusive migrando para a produção de açúcar, cujopreço é estabelecido pelo mercado internacional. O País colo-cou 6 milhões de toneladas do alimento no mercado externonos três primeiros meses deste ano, um volume 70% superiorao igual período de 2012. Desta forma, os maiores prejudica-dos hoje são a Petrobras e os fabricantes de etanol, benefician-do os usuários dos combustíveis.

Tristemente, o País perdeu a sua autossuficiência na produ-ção dos seus combustíveis fósseis e também nos renováveis.No período entre 2009 e 2012, o consumo da gasolina cresceuperto de 60%, enquanto a queda do uso do álcool hidratado,também consumido nos carros flex, teve uma queda de 41%.

Quanto ao parque de refino da Petrobras, desde os anos 70 aPetrobras não constrói nenhuma nova unidade. E diante dapolítica de monopólio de fato concedido à Petrobras, não existenenhum investimento privado no setor hoje.

Preço defasado

É tradicional entre nós a diretriz governamental de gover-nar a administração dos preços dos combustíveis como instru-mento de política econômica. O especialista Adriano Pireslembrou que tão somente no período de 1998 a 2001 houve umafase em que todos os derivados do petróleo eram atualizadosmensalmente em função do valor do combustível no GolfoPérsico e da taxa de câmbio, acompanhando a tendência exis-tente no mercado internacional.

O mercado brasileiro atravessa incontestavelmente um perío-do contraditório, com efeito no que tange à indústria de carrosflex, uma notável invenção dos técnicos brasileiro, beneficiadacom vultosos incentivos fiscais para a compra de veículos novos.Do lado da produção e oferta do etanol quase nada se fez paraestimular a atividade econômica. Das 430 usinas de açúcar e ál-cool que existiam no Brasil há cinco anos, 41 delas praticamentefecharam as suas portas ou foram incorporadas por outras.

Como tudo indica, não existe nenhuma possibilidade de opreço do barril do petróleo baixar dos atuais cem dólares, o quemanteria a delicada defasagem existente entre os preços inter-nacionais e os preços hoje praticados no Brasil. No primeiro tri-mestre deste ano há um déficit estimado de 300 mil barris diá-rio na produção de gasolina e diesel, o que deverá perdurar atéaproxima década, até que as novas refinarias da Petrobras en-trem em operação. Segundo um trabalho que fizemos em par-ceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a impor-tação da gasolina pode chegar há mais de 20% do consumo noBrasil nos próximos cinco anos.

Falta política

Definitivamente, não existe uma política sensata de preçospara os combustíveis no Brasil. Basta atentarmos para o fato deque a Petrobras ajusta regularmente os preços dos outros de-rivados, com exceção da gasolina e do diesel, combustíveis es-tes que não interferem nos índices da inflação.

O Brasil já poderia, sem dúvida, estar dispensando as cres-

Paulo Pampolin/Hype

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centes importações de petróleo e derivados, bem como produ-zindo o etanol suficientes para as necessidades internas da na-ção, misturando esse etanol à gasolina em percentuais de 20%a 25% ou para usar nos carros bicombustíveis e mesmo expor-tar esse combustível em grande volume.

Hoje, as ações da Petrobras estão em queda. Esta organizaçãoestá sendo lamentavelmente utilizada como instrumento de po-lítica monetária, assim como a sua produção. Se confirmada asestimativas do pré-sal, e todos nós torcemos muito para que issoaconteça, a produção de petróleo subirá para mais de 4 milhõesde barris diários de óleo. Consoante o plano de negócio da estatal,

Paulo Pampolin/Hype

no entanto os investimentos necessários chegarão a 69 bilhões dedólares para tanto. Ademais, produzir petróleo a 7 mil metros deprofundidade e a 340 km da costa exigirá a adoção de tecnologiaavançada, com a celebração de acordos e parcerias com centraisde pesquisas e universidades nacionais e estrangeiras. É uma ta-refa gigantesca que a Petrobras e o governo têm pela frente. Aosegurar os preços da gasolina, o governo promoveu uma devas-tação sem precedentes no patrimônio da Petrobras, bem como daindústria alcooleira, além de estragos nas contas externas nacio-nais, levando o saldo da balança comercial para o nível mais bai-xo dos últimos dez anos.

OSVALDO KAWAKAMI

A Bacia de Santos é uma das maiores bacias sedimentar ma-rítima do Brasil, que se estende desde o Rio de Janeiro até

Santa Catarina, ocupando uma área superior a 350 mil quilô-metros quadrados. A primeira descoberta na Bacia de Santosocorreu no pós-sal em 1979, ainda na época do contrato de ris-co. Desde então, o Campo de Merluza produz e fornece gás pa-ra a Baixada Santista. Temos uma rede de dutos de 180 km paraescoar esse gás, que chega a nossa refinaria em Cubatão. A uni-dade de negócio da exploração da Bacia de Santos foi criado em2006, com a descoberta do Campo de Mexilhão.

O maior destaque da unidade ocorreu um julho de 2006com a descoberta da área de Tupi, hoje Campo de Lula, comvolumes recuperáveis da ordem de 6,5 bilhões de barris deóleo equivalente.

O pré-sal

A área do pré-sal é extensa, ocupando uma área de 150 milquilômetros quadrados, dos quais um terço dessa área já foi

concedido pela União para a exploração da indústria petro-leira. Uma parte substancial do pré-sal está localizada na Ba-cia de Santos, basicamente concentrado nos Estados de SãoPaulo e Rio de Janeiro.

A primeira produção de óleo do pré-sal da Bacia de Santosfoi em 1º de maio de 2009, com teste de longa duração na áreaque era chamada de Tupi. Em outubro de 2010, o primeiro pro-jeto definitivo do pré-sal na Bacia de Santos foi iniciado na mes-ma área com o início da operação do FPSO Cidade de Angrados Reis. Em dezembro do mesmo ano, a companhia declaroua comercialidade das duas primeiras áreas do pré-sal da bacia– as antigas áreas de Tupi e Iracema.

Em setembro de 2011, a UO-BS conquistou mais um impor-tante marco: o início da produção de gás proveniente do pré-sal da Bacia de Santos, também no campo de Lula (antiga áreade Tupi). Todo o gás do pré-sal de Lula está sendo transportadoaté Caraguatatuba via gasoduto Lula-Mexilhão

Infraestrutura

Os campos estão, em média, a uma distância de 300 Km dacosta, exigindo uma grande demanda de transporte aéreo emarítimo. A Petrobras teve de renovar praticamente toda suafrota de helicópteros para permitir voos a longa distância. Es-tamos desenvolvendo a malha de escoamento de gás. O poço,em geral, é de grande complexidade, de grande produção – opoço Sapinhoá tem capacidade em torno de 30 mil barris. Paraquem conhece esta atividade sabe que um poço de 500 barrisem terra é de grande porte, no mar, um único poço produzir 30mil barris é realmente muito significativo. A operação trazgrandes riscos operacionais e ambientais, que estão mitigadoscom o trabalho que a Petrobras vem realizando. E o fato tam-bém dessa grande extensão, estamos com uma estrutura gran-de e eficiente, de resposta rápida das contingências.

Investimentos

O volume que a Petrobras está investindo no total, no novo pla-no que foi recentemente anunciado no PNG 2013-2017, temosUS$ 236,7 bilhões em termos de investimentos, dos quais US$207,1 bilhões já estão em implantação e em torno de US$ 30 bi-lhões em projetos em análise. Sendo que, dos quase US$ 237 bi-lhões, 62% são da área de exploração e produção, o que equivale a

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US$ 147,5 bilhões em investimentos nos próximos cinco anos.Na curva de produção de óleo e gás natural (LGN), estamos

prevendo em 2016 produzir 2,5 milhões de barris. Em 2020, a pre-visão é produzir 4,2 milhões barris, sendo que 2 milhões de barrisvirão do pré-sal. Se a gente imaginar que hoje a Petrobras produzem média pouco mais de 2 milhões de barris, nós teremos umaPetrobras a mais produzindo somente no pré-sal. Naturalmente,não será com a quantidade de gente que temos hoje. Teremosmuito mais eficiência, novas tecnologias, com os poços produzin-do em grandes volumes. Temos 25 unidades novas de produção aserem implementadas e colocadas em produção até 2017. Se con-siderarmos até 2020, serão 38 unidades.

Gasodutos e plataformas

Na atual malha de gás, temos um gasoduto que liga a pla-taforma de Merluza à refinaria de Cubatão, fornecendo gás ba-sicamente para a Baixada Santista. E temos a chamada RotaUm da área da Bacia de Santos, que vem lá da plataforma Lula,se conecta à Uruguá-Tambaú e Mexilhão, escoando o gás até aunidade de tratamento em Caraguatatuba e de lá entrega o gás

para a malha de transporte em todo o Brasil, juntando com ogasoduto Brasil-Bolívia.

A plataforma Merluza é fixa, com capacidade de 2,3 milhõesde metros cúbicos de gás e 4,4 mil barris de óleo condensado. Aplataforma de Mexilhão, quando foi concebida, previa produ-zir basicamente o que chamamos de gás seco, mas aproveitan-do essa plataforma que estava em construção, fizemos algu-mas modificações e viabilizamos a antecipação da produçãodo pré-sal com a passagem do gás e escoamento através destaplataforma. Tem capacidade máxima de 15 milhões de metroscúbicos e 20 mil barris de óleo condensado.

A plataforma FPSO Cidade de São Vicente, que está em testede longa duração, é um sistema de produção antecipada comcapacidade máxima de 30 mil barris por dia e 1 milhão de me-tros cúbicos de gás.

A plataforma FPSO Cidade de Santos produz no campo deUruguá-Tambaú óleo e gás, com capacidade de 35 mil barrispor dia e 10 milhões de metros cúbicos de gás natural.

A plataforma FPSO Cidade Angra dos Reis é a que mais estáproduzindo na área do pré-sal atualmente, localizada no cam-po de Lula. Tem capacidade de 100 mil barris/dia e 4 milhõesde metros cúbicos de gás.

Temos uma unidade de tratamento de gás em Caraguatatu-ba, com capacidade de 18 milhões de metros cúbicos por dia.

A FPSO Cidade de São Paulo é uma das plataformas maisnovas que chegou à Bacia de Santos e está produzindo no cam-po de Sapinhoá. Temos hoje apenas um poço conectado, queproduz 25 mil barris/dia. Ela vai produzir 120 mil barris e 5milhões de metros cúbicos de gás por dia. Conectamos agoraum poço injetor de gás e devemos conectar outros poços.

Futuro

Este ano duas plataformas estão entrando em operação. O FP-SO Cidade de São Paulo já entrou em operação no campo de Sa-pinhoá e a FPSO Cidade de Paraty, um piloto de Lula Nordeste,com capacidade de 120 mil barris por dia. Para 2014 estão previs-tas mais duas plataformas: FPSO Cidade de Ilhabela, piloto de Sa-pinhoá Norte (150 mil bpd) e FPSO Cidade de Mangaratiba, pi-loto de Iracema Sul (150 mil bpd). Em 2015 está prevista a plata-forma FPSO Iracema Norte (150 mil bpd) e em 2016 a FPSO Ca-rioca 1 (150 mil bpd). Estas são FPSOs fretadas pela Petrobras.

Teremos várias unidades operadas pela Petrobras, são oitoreplicantes, como chamamos, que são plataformas em série,começa com P-66 a P-73. E também na Cessão Onerosa, que foiadquirida em 2010, teremos mais nove FPSO também repli-cantes, que vai de P-74 a P-82. E ainda tem o campo de Júpiter,com FPSO ainda a definir. Desses, 6 entram em operação em2016 - P-66 (Lula Alto), P-67 (Lula Central), P-68 (Lula Sul), P-74 (Franco 1), P-69 (Lula Norte) e P-75 (Franco 2); e 5 em 2017 -P-70 (Lula Extremo Sul), P-71 (Iara Horst), P-76 (Nordeste deTupi), P-72 (Iara Noroeste) e P-77 (Franco 3).

Se a gente analisar os FPSOs próprio de 2016 a 2020, temos 5 em2018 - P-78 (Franco 4), P-79 (Sul de Guará), Júpiter, P-73 (Carcará)e P-80 (Franco 5); 1 em 2019 - P-81 (Entorno de Iara), 1 em 2020 - P-82 (Florim). Estas replicantes têm capacidade média de 150 milbarris diários e 6 a 7 milhões de metros cúbicos de gás por dia.

A previsão da Petrobras é produzir, até 2016, 2,5 milhõesde barris. Em 2020, este número saltará para 4,2 milhões.

Arestides Baptista/AE

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Estamos sendo obrigados a fazer adaptações em nossaunidade de tratamento de gás em Caraguatatuba, que estásendo preparada para processar 20 milhões de metros cúbi-cos de gás por dia.

São três os gasodutos do pré-sal - Caraguatatuba, Cabiúna eMaricá, onde está a refinaria de Comperj, que está sendo cons-truída. São os três gasodutos do pré-sal e as plataformas esta-rão conectadas a esses gasodutos.

SHIGEAKI UEKI

Conversar sobre energia em São Paulo é tempo perdido, nin-guém dá importância a este assunto. Tenho a experiência de

visitar secretários de Estado, levantar assuntos importantes parao setor de energia, mas o Estado de São Paulo se preocupa maiscom taxas de juros, câmbio e outros assuntos – ultimamente é se-gurança pública – , mas energia nunca foi objeto de muita preo-cupação dos paulistas. Quando a Unica (União da Indústria deCana-de-Açúcar) montou escritório aqui, tendo como primeiropresidente Eduardo Carvalho, disse a ele que a sede da entidadetinha de ser no Rio de Janeiro, pois lá se discute energia com pro-priedade, se discute os problemas nacionais com propriedade, aocontrário de São Paulo. Nós paulistas, apesar do fato de nosso Es-tado ser o mais rico, ser o maior contribuinte, temos pouca pre-sença em Brasília. Os nossos representantes deveriam, em minhaopinião, representar melhor os interesses do nosso Estado.

Petróleo

Aqui em São Paulo, ainda há gente que duvida que o pré-salexiste. E não são pessoas que não leem, não estudam. Recen-temente, um professor da Unicamp, que eu respeito muito, emum artigo levantou dúvidas e disse que, se já estão produzindo300 mil barris, por que a Petrobrás não anuncia isso? A ANPconfirmou que já está produzindo. Se um professor da Uni-camp do setor de energia levantou dúvidas sobre a existênciado pré-sal, se a produção é verdadeira, imagine outros. Acho

que a Petrobras e a ANP têm um trabalho muito grande paraconvencer os paulistas que o pré-sal existe.

Isso me fez lembrar quando um ex-governador de São Pauloresolveu criar uma empresa de petróleo no Estado, dizendoque temos técnicos no IPT mais competentes que na Petrobrase por isso iria montar uma empresa de petróleo em São Paulo.Eu lhe disse não faça isso, o senhor já tem problemas com a edu-cação, saúde, segurança pública, deixe o assunto de petróleocom a nossa empresa. Porque se São Paulo faz isso, Paraná vaicriar uma empresa de petróleo, Minas Gerais também e tudoisso faz parte de uma campanha para destruir o maior patri-mônio nacional, que é a nossa empresa (Petrobras), onde de-diquei a minha vida, com muito orgulho, e acho que todoscumprimos a nossa missão da melhor forma possível. Mas nãotive êxito, os senhores conhecem bem esta história.

Expertise

Há uma desconfiança, principalmente dos paulistas, sobre acompetência da Petrobras. Gostaria de fazer uma apologia aosgeólogos e engenheiros de petróleo da nossa empresa. O ex-diretor de exploração e produção dr. Guilherme Estrella é umdos maiores geólogos que o Brasil teve e no entanto muita gen-te faz comentários negativos sobre a sua capacidade técnica.Ele trabalhou no Iraque na descoberta do campo de Majnoon,vários assessores dele foram recrutados pelas maiores empre-sas de petróleo do mundo. Então, eu gostaria de dizer quequem entende de petróleo, de geologia, de geofísica, de pro-dução de petróleo, de engenharia de petróleo, os melhores pro-fissionais estão na Petrobras, não estão fora. Hoje existem vá-rias empresas de petróleo, privadas inclusive - Queiroz Gal-vão, a OGX, também estão formando o seu time. Assim, eu gos-taria de fazer uma referência sobe os nossos técnicos, que nãotrabalham apenas pelos salários que ganham, aliás a Petrobraspaga relativamente bem, mas competindo com as empresas in-ternacionais, paga menos. Mas há outros motivos que faz comque eles trabalhem com entusiasmo na nossa empresa.

O pré-sal existe

Muitas críticas que têm surgido são em cima de declaraçõesque foram ditas pelo ex-presidente Lula, da presidente Dilma, doex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli. O que eles falaramainda não se confirmou, falou-se de 35 bilhões de barris adicio-nais, mas vendo o relatório da Petrobras, este ano acrescentouapenas 0,2%. Houve um excesso de entusiasmo com a descobertado pré-sal em 2006. Eu também cometi este excesso em dezembrode 1974. Quando ministro, descobrimos o campo de Garoupa e noteste produziu 6 mil, 7 mil barris. Para nós, naquela ocasião, pa-recia como acertar na MegaSena. Eu fiz uma declaração e fui mui-

Paulo Pampolin/Hype

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to criticado durante dez anos. A minha alegria era tão grande queeu disse que no carnaval iria me fantasiar de barril de petróleo.Paguei durante dez anos por essa declaração. Mas quando pre-sidente da Petrobras, conseguimos triplicar a produção de petró-leo e ninguém mais criticou. Assim, quando da descoberta do pré-sal, se eu fosse ministro ou presidente da Petrobras, talvez eu co-metesse o mesmo erro de entusiasmo, que não faz mal a ninguém.Mas daí querer que a Petrobras no ano seguinte, no relatório dereserva, aumente em 35 bilhões de barris, isso é impossível. A con-tabilidade de reservas obedece um critério técnico, que a ANPacompanha, os agentes financeiros querem saber.

Então, o que é importante saber é que o petróleo é um bemfinito, a medida que se produz, a reserva vai diminuindo. Alémdisso, se não produzir obedecendo a critérios técnicos, você vaideixar no subsolo uma porcentagem grande de petróleo quenunca vai conseguir retirar, a não ser minerando. Então, obede-cer critério técnico para produzir é da maior importância. Paísesque obedeceram critérios políticos, como a Venezuela, ou por ra-zões de guerra, por necessidade para atender urgentementeuma produção adicional, praticamente mataram os campos,causando um dano praticamente irrecuperável.

Alternativas

Gostaria de dizer que nesses últimos anos, desde a nossaépoca, o Brasil ainda está no Fase In, na fase de levantar voo.Outros países, como Inglaterra no Mar do Norte, a Noruega,estão na Fase Out, está diminuindo a produção de petróleo deforma já quase irrecuperável. Novas descobertas podem ocor-rer, mas há pouca probabilidade. Assim, as empresas de petró-leo estão indo para o petróleo não tradicional, por exemplo,produzindo petróleo e gás do xisto, no caso dos EUA, o Canadáminerando areia betuminosa, a África do Sul transformandocarvão em petróleo, produzindo gasolina e diesel, a Malásia e aVenezuela produzindo gasolina e diesel com gás natural.

Obviamente, o custo vem subindo. O custo de produção, nosúltimos anos, subiu de dez dólares por barril para 30 dólares, evai continuar subindo. Aí vem o segundo ponto sobre o pré-sal,que é em termos de custo. Vai ser lucrativo? Vai dar resultadospara a Petrobras? Vou dar os dados que constam no relatório daPetrobras, mas que pouca gente lê, que é verdadeiro, pois foi au-ditado pela Pricewaterhouse – eu troquei a auditoria da Petro-bras por uma internacional exatamente para manter a credibi-lidade. O custo de produção da Petrobras é da ordem de 15 dó-lares por barril, a média. O governo federal, junto com os Estadose municípios, quer cobrar o máximo imposto da Petrobras sobreo petróleo, o famoso royalties e tudo mais. Com royalties e ou-tros, chega a 19 dólares o barril. O custo da Petrobras é 15 dólares,com os impostos e royalties chega a quase 19 dólares.

Mas com o custo de 30 dólares por barril hoje, o preço doBrent (óleo bruto), que caiu um pouco, está pouco menos decem dólares, ainda dá um lucro gigantesco. Quando vejo pes-soas inteligentes dizendo que o campo fica a 300 km da costa,vai queimar querosene com helicóptero, vai ter de fazer umailha artificial, a plataforma de produção precisa de separadorde óleo e gás no convés do navio, trabalha flutuante sem amar-ração e depois trazer esse gás para o continente ou deixar o pe-

tróleo armazenado no navio e depois enviar outro navio parabuscar, será que a receita que a Petrobras tem vai pagar tudo?Apesar de a ANP trabalhar contra, o lucro que a Petrobras dei-xa no Upstream paga o prejuízo no Downstream.

Transparência

Este prejuízo é justificado ou não? Para mim, é mais do que in-justificado. Considero um absurdo a Petrobras perder dinheirona importação de derivados, no seu parque de refino. Ou entãoobedecer ordens políticas, investir em projetos antieconômicos,considero isso um absurdo. Quando estávamos na Petrobras, amelhor maneira para defendermos a empresa era publicar os nos-sos balanços trimestralmente, nenhuma empresa fazia isso. Eudisse, na ocasião, junto ao presidente Geisel, que era a melhor de-fesa para evitar que tentassem resolver problemas macroeconô-micos destruindo a microeconomia da indústria de petróleo doBrasil, representada pela Petrobras. E foi a melhor defesa.

E hoje a Petrobras, em minha opinião, após sucessivos go-vernos, não apenas do PT, ela não quebrou até agora porquesentam no conselho o ministro da Fazenda, da Minas e Ener-gia, presidente do BNDES etc. Acho isso um absurdo, nunca viuma empresa de petróleo de qualquer país do mundo ter o seuministro da Fazenda sentado na mesa discutindo que tipo deplataforma vamos escolher, o sistema de produção. Não deveter ambiente para isso, mas a presença deles no conselho estáevitando que a Petrobras venha a quebrar e que a influênciapolítica seja excessiva, danosa, mas se limite diante de trans-parência da nossa contabilidade. No caso da Eletrobras, quenão tem o Guido Mantega, eles conseguiram quebrar.

Ações em baixa

Falam do valor patrimonial da Petrobras. É uma das poucasempresas de petróleo ainda lucrativa, mas que o valor das açõesestá abaixo do valor patrimonial. O valor patrimonial é de 27reais, cotado no mercado entre 16 e 17 reais. Isso é um absurdo,isso não existe. As ações da Petrobras e Eletrobrás são muito maistransacionadas na Bolsa de Nova York do que de São Paulo. En-tão, as duas empresas são vitrines do Brasil, são termômetros se oPaís merece ou não crédito. A Eletrobras, há alguns meses atrás,tentou emitir 2 bilhões de reais no mercado de debêntures e nãoconseguiu, isso foi um desastre para o País, não só para a Eletro-brás. Acho que, se não tomarmos cuidado, a Petrobras caminhaneste sentido se o governo continuar a manter os preços dos de-rivados artificialmente para controlar a inflação. Energia é umacoisa muito séria, é quase 10% da economia do País.

Corte de custos

O orçamento já foi aprovado e vejo as declarações da pre-sidente dra. Graça Foster tentando equilibrar o orçamento edeixando de lado alguns projetos não prioritários. Eu acho queela está fazendo muito bem e é mais ou menos o desafio que eutive em 1979, quando a Petrobras tinha quatro setores com in-vestimentos bilionários – o desenvolvimento da planta do xis-to do Paraná, a modernização de todas as refinarias de petró-

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leo, o desenvolvimento docampo de Majnoon no Ira-que, que até hoje não produ-ziu nenhum barril de petró-leo, e o desenvolvimento daBacia de Campos.

Naquela ocasião, fui for-çado a demitir dois amigosda diretoria para congelar oprojeto do xisto, moderniza-ção das refinarias e o campode Majnoon, e concentra-mos no desenvolvimento daBacia de Campos. Isso é quepermitiu à Petrobras de 1979a 1985 triplicar a produçãode petróleo, aliviando mui-to a balança de pagamentos.Mas essa volatilidade nopreço, depois de o preço teralcançado 42 dólares, cincoanos depois caiu para me-nos de 10 dólares. E muitagente esquece que dez anosatrás o preço do petróleocustava 25 dólares. Já colo-camos na cabeça que esses 100 dólares é permanente.

Eu acho que o preço do gás natural, que hoje está nos EUAem termos energéticos um terço do preço do petróleo, creio queo gás natural vai subir de preço, porque muitas empresas degás estão perdendo dinheiro; e o preço do petróleo vai baixar,se não houver nenhum conflito em regiões produtoras. Isso fazcom que, em minha opinião, a economia mundial não consigasustentar por muito tempo um preço tão alto.

Energia elétrica

Em relação à hidroeletricidade, quando assumi o ministério,levei um susto pelo desconhecimento do setor elétrico nacionalda problemática do petróleo. Parecia que eles viviam em ummundo separado, era só barragem. Era mais ou menos o quadrode hoje, que tem gente que não acredita no pré-sal, que acha queproduzir petróleo é antieconômico, contra os interesses nacio-nais. Naquela época, o pessoal da hidroeletricidade era totalmen-te divorciado da realidade da crise do petróleo da década de 70.Como ministro, visitei, por exemplo, o projeto Juscelino Kubits-chek no Amapá, a hidroelétrica do Paredão, e vi as máquinas ge-radoras lá – já tinha gente que havia nascido no canteiro de obrase estava na universidade e a Petrobras mandando óleo diesel paragerar energia elétrica em Macapá. Fui a Santarém em outra usinahidroelétrica, a Curuá-Una, também com uma máquina em umavila muito bonita, com escola e assistência social.

A propósito, acho que empresas como a Petrobras e Eletrobrásnão precisam se preocupar com questões sociais – ambientaissim, mas sociais, não. Para isso tem vários ministérios para cuidardesses problemas. Por que a Petrobras deveria pegar o dinheirodos acionistas e investir naquilo que o governo deveria fazer com

o que arrecada de impostos? O que o governo arrecada do setor depetróleo é quase 40 bilhões de dólares por ano. Que use esse di-nheiro para hospitais e não peça à Petrobras para patrocinar cor-rida disso, corrida daquilo. Na nossa época, recusamos (patroci-nar) até o famoso Ayrton Senna para manter o dinheiro da dentroda Petrobras e investir naquilo que fosse necessário.

Barbaridades

Mas na hidroeletricidade estamos assistindo algumas barba-ridades e todos estamos quietos. Por exemplo: todas as grandeshidroelétricas projetadas no País serão de fio d'água. Há uma di-ferença grande entre usina hidroelétrica com reservatório e usinahidroelétrica fio d'água. Este último vai gerar com a água dispo-nível, pois não tem reservatório. Na época da chuva, terá grandecapacidade de geração, na época de estiagem, não vai produzirquase nada. Estamos incentivando a custos altos a energia solar, aeólica, que do ponto de vista ambiental é fantástico. A eólica e asolar possuem suprimento intermitente, quando tem vento, temenergia, quando tem sol, também. Essa política que prevalece ho-je de construir usina hidroelétrica sem reservatório é um crimeque se estão cometendo neste País.

Os ambientalistas conseguiram evitar a duplicação da rodo-via Régis Bittencourt por quase 40 anos, por causa de passa-rinho, macaco etc. Essa questão também de reserva indígena,que levou a adotar a política de usinas de fio d'água é uma hi-pocrisia muito grande. Eu gostaria que esses ecologistas fos-sem viverem lá, junto com os índios durante um mês para verse eles querem manter os seus filhos e netos como índios. Isso éuma hipocrisia, ninguém quer ser índio o resto da vida, ou queseu filho seja, eles querem ser civilizados.

Marcos de Paula/AE

Plataforma FPSO Cidade de Angra dos Reis, localizada no Campo de Lula. A unidade temcapacidade de produzir 100 mil barris/dia e 4 milhões de metros cúbicos de gás.

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Nós e eles, caras pálidas

Eduardo Knapp/Folhapress

Domingos Zamagna eJosé Maria dos Santos No seu espaço habitual, como arti-

culista do jornal O Estado de S.Paulo, o agrônomo Xico Grazia-no, 60 anos, resolveu escrever,

sem meias palavras, o que estava pensando sobreos recentes conflitos indígenas em nosso País. Acrônica dos últimos dias é movimentada: mortedo índio terena Oziel Gabriel em Sidrolândia(MS), invasões de novas fazendas, clima de guer-ra no oeste do Paraná entre dez tribos e fazendei-ros. Considerando a repercussão obtida pelo seuartigo, ele descobriu, surpreso, que boa parcelada população desejava ver o tema – e por exten-são qualquer assunto relativo aos nossos índios –tratado sem o tradicional paternalismo ideológi-co que caracteriza matérias dessa natureza na mí-

dia nacional. Ele se atreveu a escrever, por exem-plo, que já tarda o momento de transformá-losem cidadãos brasileiros, mudança que certamen-te lhes propiciaria não só a necessária inclusão so-cial, mas melhor qualidade de vida. São ideiasque se chocam contra teses largamente dissemi-nadas por núcleos de antropólogos, que acaba-ram deitando influências na própria FundaçãoNacional do Índio (Funai).

Graziano tem boa experiência nesse terrenoem que se misturam preservacionismo, ambien-talismo e questões fundiárias. Foi por duas vezessecretário estadual em pastas ligadas ao setor:Agricultura, no governo Mário Covas, e Am-biente, na gestão Geraldo Alckmin. Nessa mes-ma direção, ocupou a presidência do Instituto

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Nacional de Colonização e Reforma Agrária (IN-CRA) em l995. Seu currículo ainda o designa co-mo professor universitário, mestrado em Econo-mia Agrária e doutorado em Administração pelaFundação Getúlio Vargas. Entre uma coisa e ou-tra, teve tempo de escrever alguns livros da suaárea de conhecimento e ser chefe de gabinete dopresidente Fernando Henrique Cardoso. Na en-trevista que se segue, Graziano discorre sobre aquestão indígena, sem a preocupação de ser al-godão entre cristais.

Digesto Econômico - Por que o senhor estáparticularmente incomodado com os recentesconflitos indígenas?

Xico Graziano - Porque me parece que estáhavendo uma condução errada na política dedemarcação de terras. De uns tempos para cá,estamos percebendo que remanescentes de tri-bos indígenas passaram a reivindicar territó-rios dos quais estavam sumidos há mais de 50,80 anos. Curiosamente, a forma de comprovaro seu direito são os laudos antropológicos en-comendados ou emitidos pela Fundação Na-cional do Índio (Funai). Tais documentos en-contram vestígios recentes dessas populaçõesem locais onde sabidamente não estavam. En-tão, se começa a descobrir suspeitas de fraudespor trás dessa situação. Descobre-se que aque-

EM VEZ DE FLECHAS, BALAS!

Como foi isso?Um deles ocorreu na Ilha do Cardoso, próxi-

ma a Cananéia. Lá se instalaram duas famíliasde indígenas, com cachorros e armas de fogo,matando antas e pacas a tiro. Não com flecha-das. A Polícia Ambiental da PM veio pedir ins-truções. Eu disse, à luz da legislação ambiental:pegue-os. Os soldados responderam: não, não.Não podemos mexer com eles de jeito nenhum.Então, vim perceber o que significava a "inva-são de índios nômades em áreas ambientais".Outro ocorreu na região de Paranapiacaba,aqui perto. Eram umas 40 ou 50 famílias que ti-

le determinado índio do Amazonas não era ín-dio, mas apenas um picareta. De repente, aque-la história de encantos em torno de tribos ga-nhou a sombra da suspeita.

Qual seria a razão da inconsistência desses laudosa que o senhor se refere?

Os tupis-guaranis são tidos como tribos nô-mades. De fato, sabe-se que eram realmentepovos nômades. Esse argumento passou a serusado antropologicamente pela Funai e poraqueles que defendem as invasões dessas ter-ras. Apoiam-se em pretensos vínculos anterio-res: eles foram para lá e agora estão voltandopara cá. É algo extremamente equivocado, que,aliás, cria situações estapafúrdias como algu-mas que enfrentei quando era Secretário Esta-dual do Meio Ambiente .

nham vindo não se sabe de onde. A SecretariaEstadual de Justiça, condoída, tratou de cons-truir uma escola para as crianças. Porém, nãoera possível, pois não se pode construir nadaem parque ambiental. Nessa altura, surgiu umpromotor da área de proteção ambiental do Mi-nistério Público pedindo a remoção das famí-lias. Outro promotor foi contra, alegando que"era um direito dos povos originais". A coisa fi-cou mal parada. São fatos como esses que levama questionar o Estatuto do Índio.

Conforme sua experiência de secretário de Estadoe também de agrônomo, conhecendo as questõesfundiárias, qual seria o caminho para conciliar aproteção ao índio com as necessidades dedesenvolvimento do País?

No meu entendimento, deveríamos tratar me-

Xico Graziano:índios

aculturadosdeveriam sertratados comocidadãos e nãocomo pessoasinimputáveis.

e índios

Newton Santos/Hype

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lhor essas populações remanescentes ou descen-dentes de povos originais no sentido de entendê-los como cidadãos e não como pessoas inimpu-táveis. Inimputável significa primitivo, semqualquer responsabilidade: a lei dos homens éuma, a deles é outra. Para tribos isoladas da Ama-zônia, sem contato com a civilização, tal conceitoé válido. Temos que preservá-las absolutamente;é melhor que não tenham contato com brancos.Mas com os índios aculturados há 200 ou 300anos, tudo muda de figura. Na minha compreen-são, devem ser tratados como cidadãos. Não émais possível mantê-los a margem.

TRIBOS ISOLADAS? QUE FIQUEM ASSIM

Essa postura não seria um preciosismo da Funaiuma vez que, historicamente, a política indígena,desde o pioneiro general Cândido Rondon (1865-1958), é voltada para a preservação, o respeitoà cultura original das tribos que se aproximamde utopia?

Pode ser que seja. O mundo precisa de uto-pias para viver. Mas isto não tem nada a ver comos conflitos indígenas do Brasil de hoje. Volto àstribos isoladas do Amazonas. Somos uma dasúnicas nações do mundo a ter tribos ainda des-conhecidas. Em qualquer outro lugar, os índiosjá foram aniquilados ou aculturados. Essas au-tóctones devem ser preservadas sem haver con-tato. Mas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso,Paraná, não. Nesses lugares os guaranis – sabe-se lá se são guaranis – se juntam ao MST e tor-nam-se invasores. Acredito que deva haver umapolítica para os isolados e outra para os acultu-rados. No meu entender, se isso não ocorrer, nóscontinuaremos patinando entre o preciosismo ea passividade. A situação dos nossos parquesambientais enquadra-se perfeitamente nessamentalidade. Quando fui secretário, quis sabercomo os parques eram explorados. Eu tinha umprograma de turismo ecológico. Os ambienta-listas foram contra, a exploração ia contaminar,estragar os parques, sei lá o que...

Então decidi estudar o assunto. Fui ao Quê-nia, a Costa Rica, a Bariloche... Constatei que naPatagônia argentina a caça é liberada, eviden-temente sob controle, e a remuneração é feita àstribos indígenas. São eles que gerenciam esseprocesso de caça aos cervos e javalis, que sãoanimais exóticos e que acabaram se espalhan-do por lá. Tratava-se de uma mistura de preser-vação e ambientalismo sustentáveis. Por queos índios aculturados precisam ganhar dinhei-ro para sobreviver? Devem ser auxiliados nabusca dos recursos? Querem ser agricultores?Vamos ajudá-los? Mas, nesse caso, é necessário

abrir firma, abrir fazenda, serem cidadãos.

Na verdade, o senhor está fazendo umacrítica à cultura da tutelagem que viceja emnosso País, não é?

No caso dos aculturados, tutelamos quemnão é mais tutelável. E os tutelados usam o fatode o serem para obter benesses do poder políticoinstalado. Ganha-se bolsas, benefícios etc. Trata-se de uma mistura de manipulação política comtutelagem, que não consigo entender direito.Veja: não há um movimento de índios querendopreservar sua cultura. Na verdade, há uma caraideológica muito grande por trás de movimen-tos indígenas. Não se pode desprezar a articu-lação da Via Campesina, do MST e do CIMI(Conselho Indigenista Missionário). Eu já escre-vi sobre isso. Trata-se de um pessoal que se julgade esquerda. É gente dinossáurica, retrógrada,que vê o mundo da tecnologia como algo que es-tragou o planeta. Prefeririam voltar ao passado.São regressivos. Houve até um grupo articuladocom indígenas , que imaginou fazer no Matogrosso do Sul uma espécie de república guarani,independente do Estado brasileiro.

A REINVENÇÃO URGENTE DA FUNAI

Das entidades que o senhor citou, o CIMI é amenos conhecida do público.

A atuação dele é profundamente ideológicadentro daquilo que chamam de esquerda. Masnão é de esquerda. De esquerda sou eu, quequero ver as coisas irem para a frente. O CIMI éarticulado com esse grupo de antropólogosque, dentro da Funai, faz os laudos que estãosendo extremamente questionados.

Nesse caso, o que o senhor pensa da Funai?Acho que ela precisa se encontrar melhor no

mundo de hoje. Aliás, isso também vale para oIncra (Instituto Nacional de Colonização e re-forma Agrária) e Embrapa (Empresa Brasileirade Pesquisa Agropecuária). As instituiçõestêm seu tempo de se renovar e se reencontrarnos seus objetivos, ou ficam para trás. A Funaiprecisa se reinventar, pois faz a mesma coisa dequando foi fundada.

Qual seria a principal reinvenção?Deve garantir a qualidade de vida para os ín-

dios. Eles não têm boa qualidade aonde real-mente existem. E não estou falando desses in-vasores de agora. Nas reservas, a qualidade devida é muito precária. Vamos tomar a aldeiaKrukutu, de Parelheiros, na Grande São Paulo.Vivem na indigência.

Abaixo, índiosterena invadem

fazenda emSidrolândia (MS)

e entram emconfronto com

policiaisfederais; aolado, índiosmunduruku

fazemmanifestações

contra a usina deBelo Monte.

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ENFIM, CAMINHOS CORRETOS

O senhor acredita que possa haver interessesgeopolíticos e/ou financeiros externos por trásdos movimentos indígenas, como alguns setoresp ro p a l a m ?

Não duvido que possam existir empresascom interesses estratégicos. Mas não me pare-ce o componente fundamental dentro da ideiade que exista articulação com o exterior. Doponto de vista europeu, pode haver um inte-resse inocente, de caráter humanista, no senti-do de assistir aos índios. Em todo caso, essas re-flexões indicam como, no conjunto, o assunto écomplexo. Mas isso não significa que devamosaceitar que índios comecem a tomar, na marra,territórios que pertencem a agricultores há 60ou 80 anos, como está acontecendo no Paraná,Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, espe-cialmente. A complexidade adquirida peloproblema tem a ver com a leniência do poderpúblico. Falando francamente: quem está nopode hoje, está há dez anos. Este assunto já po-deria estar resolvido. Vão levando com a bar-riga. Mas chegará um momento de se adotarsoluções. Que possivelmente não serão as me-

Ed Ferreira/Estadão Conteúdo

Moisés palácios/Folhapress

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lhores face à urgência do problema. No fundo,o responsável pelos conflitos é o Governo Fe-deral. Isso tem que ser dito.

Não seria adequado que a Polícia Federal fizesseum mapeamento na região de conflitos,investigasse para abastecer a justiça?

Também acho. Mas ocorre que a legislação arespeito se apoia absolutamente sobre os laudosantropológicos. E, invariavelmente, esses docu-mentos dizem que as terras são dos indígenas.Nenhum juiz ou promotor poderá dizer quenão. Mas parece que agora o Governo está en-frentando corretamente a situação Vai convocaroutros órgãos, além da Funai, como o Ibama(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), o Incra,a Embrapa para opinar sobre a ocupação histó-rica dos territórios. Muitos antropólogos não es-tão satisfeitos com isso. E os indigenistas fica-ram loucos da vida. Não por acaso, a Federaçãode Agricultura do Mato Grosso do Sul contra-tou antropólogos para fazer laudo que contra-ponham aos da Funai. E, de fato, os laudos sãoantagônicos. Era isso que era preciso ter, que sereclamava o que nunca foi considerado. Na ver-dade, a situação chegou ao limite de abusos. Umbom exemplo dos absurdos foi uma reportagemexibida pelo Canal Terra Viva, de assuntos ru-rais, da TV-Bandeirantes.

ÍNDIO QUER ARRENDAR

Como foi essa reportagem?Fizeram uma reportagem sobre as áreas de

alguns colonos no Rio Grande do Sul. O repór-ter entrevistou colonos e índios. Os índios de-

fenderam que, no fundo, todas aquelas terrasseriam deles. Mas disseram que na parte quelhes cabia, cultivavam soja em vez de plantasda sua cultura tradicional. Ou melhor, nãoplantavam, arrendavam a terra para fazendei-ros brancos plantar soja. O ministro JoséEduardo Cardozo, da Justiça, entrou na maté-ria dizendo que aquilo era um absurdo e queprovidências seriam tomadas. Mas porque de-moraram tanto, se tudo isso já se sabia antes?Os índios querem mais reservas indígenas nosentido de mais área para arrendar. Esse assun-to tomou tais proporções que entrará na agen-da da próxima disputa presidencial. E quemassumir o poder precisará estar preparado pa-ra resolver essas questões complexas.

O senhor acha que esse tema será assuntode debate popular?

Não sei. Mas vai repercutir. O ministro Gil-berto Carvalho terá que comparecer ao Con-gresso para esclarecer coisas que andou falandoa respeito. Já foi convocado pela Comissão deAgricultura. E esse é um ponto importante. Detudo que estamos falando aqui, eu tenho amaior certeza de todas: ingenuidade o ministroGilberto Carvalho não tem. Ele é, por exemplo,peça-chave no esclarecimento do assassinato doex-prefeito Celso Daniel, de Santo André. PauloVannucchi, atual membro da Comissão de Di-reitos Humanos da OEA, fez críticas públicas àsposições da ministra Gleisi Hoffmann, da CasaCivil, quando ela anunciou que os procedimen-tos iriam mudar, como já foi falado nesta entre-vista . Duas ministras saíram em sua defesa, atéfizeram uma carta de reparação. Esse confrontoprecisa ser esclarecido. Eu, pessoalmente, con-sidero a ministra muito lúcida, sensata e correta.Agora eles estão acusando o governo de des-truir o movimento indigenista e a Funai. O as-sunto já ganhou outra proporção.

Para finalizar, nós temos um problema pontualpela frente: a reintegração de posse de futurasterras por índios sem haver confrontos.

Acho que, através de negociação, o governoencontra outras áreas para eles ocuparem. Co-mo já ocorreu com os sem-terra em circunstân-cia semelhante.

Mas isso, não naquela ideia do direito dos índiosrelativo às terras dos antepassados e aonomadismo, defendida pela Funai?

Isso é conversa fiada. Como falar em noma-dismo nos dias de hoje? E mesmo no passado, onomadismo seria apenas um deslocamento embusca de oportunidade de vida.

Ed Ferreira/Estadão Conteúdo

Índios terenaprotestam naPraça dos TrêsPoderes, em

Brasília, contrao mandato dereintegraçãode posse da

fazenda Buriti,em Sidrolândia.

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POR TRÁS DOS

CONFLITOS

Desde a década de 1980, o Brasil vemsendo alvo de sucessivas campanhas depressões políticas, em grande medidaorientadas do exterior, cujo objetivo

principal é influenciar as políticas públicas deordenação da ocupação física e exploração dosrecursos naturais do território nacional, parapropósitos alheios aos do desenvolvimento doPaís. Tais campanhas são implementadas poruma rede de organizações não governamentais(ONGs) nacionais e internacionais, sob opretexto de uma alegada proteção dos povosindígenas e do meio ambiente, temas cujoapelo emocional tem granjeado um grandeapoio midiárico e popular a esta agendaintervencionista.

Este é o tema principal do livro "QuemManipula os Povos Indígenas Contra oDesenvolvimento do Brasil", de LorenzoCarrasco e Silvia Palacios (Editora CapaxDei). Segundo os autores, essasintervenções têm resultado em conflitossociais motivados por demarcações deterras indígenas em áreas produtivasocupadas há décadas, além de atrasos, encarecimentos e, emmuitos casos, o impedimento de numerosos projetos deinfraestrutura em todo o País – processo que se assemelha auma guerra irregular, de efeitos mais eficientes que os deuma agressão militar convencional.

Por trás delas, dizem os autores, se encontra uma vastarede de ONGs, fundações privadas e agênciasgovernamentais de alguns países industrializados doHemisfério Norte, como Estados Unidos e Reino Unido.

Entre essasentidades, de acordo com os autores,destaca-se o Conselho Mundial de Igrejas, cujas intervençõesno Brasil remontam à década de 1950, tendo muito pouco aver com a promoção de um verdadeiro ecumenismo e, muitomais, com o velho objetivo colonial de obstaculizar odesenvolvimento das regiões "periféricas" do planeta,dificultando-lhes a modernização e o progresso.

Repr

oduç

ão

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66 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2013

Moreira Mariz/Folhapress

UM ÍNDIO NA TERRA DOS CACIQUESNa década de 70, Mário Juruna ficou famoso ao percorrer os gabinetes da Funai por tando

um gravador, registrando tudo o que o homem branco dizia e que na maioria das vezes não cumpria.Eleito deputado federal em 1983, foi responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio,

que levou o problema indígena ao reconhecimento nacional. Mário Juruna faleceu em julho de 2002.

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Data Cadernos Setor 12 de março Construção Civil Constr.Civil/Imob. 01 de abril Energia Elétrica Energia 25 de abril Contabilidade, Auditoria & Consultoria Serviços 03 de junho Pós-graduação Educação 12 de junho Franchising Comércio & Serviços 25 de junho Automação Comercial Tecnologia 16 de julho Dia do Comerciante Comércio 22 de julho Padarias Alimentos e Bebidas 14 de agosto Tecnologia, Software e Serviços Tecnologia 21 de agosto Previdência Privada Finanças 05 de setembro Turismo e Hotelaria Indústria e Serviços 17 de setembro Logística Logística 20 de setembro Contador Serviços 04 de Outubro Micro & Pequenas Empresas Empreendedorismo 11 de outubro Seguros Finanças 16 de outubro Shopping Centers Comércio 06 de novembro Responsabilidade Ambiental Sustentabilidade 12 de dezembro Natal Comércio

CADERNOS ESPECIAIS

2013

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