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Digesto Econômico nº 445

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Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2007

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N O M U N D O

D O S N E G Ó C I O S,

T E C N O L O G I A

T E M N O M E.

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3SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Com este número, a revista Digesto Econômico, editada há mais de 60 anos pela Associação Comercialde São Paulo - ACSP, dá continuidade à sua trajetória histórica de colocar em debate temas relevantes paraos destinos brasileiros, apresentando não apenas as perspectivas da economia para 2008, a partir da visão dediversos especialistas, como trata de questões importantes, mas que, no geral, pouco são discutidas pelamídia ou pela academia.

Temas como o papel do Foro de São Paulo na América Latina e o do aparelhamento do Estado pelo partidopolítico que governa o País, embora possam apresentar sérios desdobramentos para o futuro da democraciabrasileira, não têm merecido análises correspondentes à sua importância e, ao levantá-los, a revista DigestoEconômico espera provocar um debate que esclareça a sociedade sobre a real dimensão desses fatos.

Quanto às expectativas para o próximo ano, parece não haver dúvidas de que deveremos ter umcrescimento entre 4% e 5%, sem grandes pressões inflacionárias, mas com um resultado menos favorável dosetor externo e maior preocupação com o desempenho da área fiscal, que vem se sustentando com base nocrescimento da arrecadação, que tem compensado o aumento dos gastos públicos.

A preocupação com o incremento das despesas governamentais se justifica porque a maior parte dessesgastos tem natureza permanente e, portanto, continuará impactando as contas públicas por muitos anos.Não basta, contudo, reduzir as despesas, mas é preciso que os recursos sejam mais bem aplicados, tanto emtermos de prioridades, como de eficácia das ações. É preciso aumentar investimentos em infra-estrutura,cortando gastos de custeio, para que o setor privado possa se expandir, gerando mais emprego e rendapara a população, de forma que os necessários programas assistenciais do governo não se perpetuem,oferecendo a possibilidade de resgatar a auto-estima e a cidadania através do trabalho. É necessário, também,racionalizar os gastos com a saúde e a educação, de forma a preparar a população para atender as exigênciascada vez maiores do mercado de trabalho. Tudo isso exige melhor planejamento das ações, maior controlepara evitar desperdícios, mais envolvimento da sociedade no acompanhamento dos resultados. Em suma,redução e racionalização dos gastos, considerando que os recursos públicos são extraídos da populaçãoatravés da tributação.

Se, no curto prazo, as perspectivas são favoráveis, não podemos deixar de assinalar que as mesmas sãomuito dependentes do ambiente externo altamente favorável, que teria nos permitido crescer mais, como osdemais países emergentes, se tivéssemos sabido aproveitar as oportunidades.

Embora não adiante "chorar sobre o leite derramado", isto é, não termos aproveitado mais o expressivocrescimento da economia mundial e seus reflexos positivos sobre os preços e quantidades das exportações de"commodities", o que preocupa é a inércia que se observa no País em relação às reformas necessárias eurgentes, a começar pela reforma política, a fim de preparar o Brasil para enfrentar períodos de "vacasmagras" que inevitavelmente ocorrerão, mais cedo ou mais tarde. O ajuste das finanças públicas imporiamenos sacrifícios à sociedade se fosse realizado durante o ciclo de expansão econômica, do que se tivermosque fazê-lo em uma situação de desaceleração ou recessão.

Apesar da perspectiva positiva para a economia em 2008, a sociedade precisa se mobilizar, para que o Paísfaça os ajustes e reformas necessárias para continuar a usufruir os benefícios de um cenário externo favorável,se preparando para enfrentar tempos menos brilhantes da economia mundial.

CARTA AO LEITOR

Alencar BurtiPresidente da Associação Comercial de São Paulo e da

Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

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4 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

As economias dopassado e do futuro

A situação econômica do País é rigorosa e incorpora faixas cada vez maisamplas da população, que já colhe os benefícios de uma economia emdesenvolvimento, como acentuou um relatório da ONU a respeito do nossoPaís. Segundo esse relatório, "o Brasil exibe avanços, mas é o pior entre osmelhores". Cabe-nos, agora, estender nossas vistas para o futuro da Nação,aparelhada para garantir a evidente posição de país que venceu fases decrescimento econômico, entrando, portanto, na fase do desenvolvimentopleno, do qual se beneficiaria em futuro próximo, desde que os governosaproveitem o seu trabalho, incorporando as populações mais atrasadas nosbenefícios do desenvolvimento.

Temos feito um enorme esforço para convencer a massa dos nossosleitores a participarem da corrida para o desenvolvimento, sem o qual aNação não chegará à altura dos povos mais desenvolvidos. O Brasil deu umgrande pulo no agrobusiness, tornando-se grande fornecedor de gêneros deprimeira necessidade, mas isso não é tudo; é apenas um começo onde aocupação de terras semi-áridas foi efetiva, revertendo em produção deindiscutível magnitude.

Em 2007, tivemos uma economia razoavelmente bem aparelhada, comresultados positivos nas balanças comercial e financeira. O PIB se mostroualtivo. Estamos em boa escala, manifestando o otimismo dos que crêem noBrasil e em seu futuro, próximo de tornar-se uma nação de crescimentoabrangente, fornecedora de grandes encomendas de gêneros de primeiranecessidade, concorrendo para o combate da fome mundial.

É um prazer assinalar que o Brasil está conquistando espaços, que lheeram vedados há até pouco tempo, conseguindo se impor entre as naçõesprodutoras. Mas, infelizmente, registramos ainda a desnutrição em algumaspartes do Brasil não alcançadas pela política de ocupação econômica denosso vasto território de dimensões continentais.

Assim sendo, entendo eu, a economia para o ano de 2008 será positiva,respondendo ao que dela se espera por todos aqueles que confiam num paíscomo o nosso. Temos uma estrutura agronômica, industrial e de serviçoscompleta, principalmente a bancária, que se equipara à dos países bemorganizados e tão extensos como o nosso.

Em síntese, somos a favor da atitude otimista com que se deve encarar aNação, que apresenta os dados econômicos que compulsamosfreqüentemente para nos ajustar à realidade moderna do Brasil.

João de ScantimburgoMembro da Academia Brasileira de Letras

CAPAFotos: Masao Goto FilhoArte: Alfer

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030CEP 01014-911 - São Paulo - SP

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Pre s i d e nteAlencar Burti

Superintendente InstitucionalMarcel Domingos Solimeo

ISSN 0101-4218

Diretor-Resp onsávelJoão de Scantimburgo

Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

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REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADERua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911

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Page 5: Digesto Econômico nº 445

5SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

6Expectativaseconômicaspara 2008Patrícia Büll

22No Brasil, ofuturo chegouGuy Sorman

28O PT no jogodo poderJosé Pastore

42Esquerda nacionale empresáriosna América LatinaLuiz Carlos Bresser-Pereira

6

ÍNDICE

Masao Goto Filho/e-SIM

52Venezuela: A Ditadurada VerdadeiraDemocraciaAmaury de Souza

52

Carlos Garcia Rawlin/Reuters

62A maior tramacriminosa detodos os temposOlavo de Carvalho

6266Foro de São PauloRenato Pompeu

66

Ricardo Stuckert/ABr 02/07/200574O Ministro e adoutrinaçãoMiguel Nagib

78Direitos constitucionaisno Brasil: uma ficçãolegal?Augusto Zimmermann

78

Patrícia Santos/Folha Imagem

28

Alfer

Alfer

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6 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

2008

Expectativaseconômicaspara

Expectativaseconômicaspara

Por Patrícia Büll

2008

Mas

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SIM

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7SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Leia naspróximas

páginas asopiniõesde nove

economistassobre o

desempenhodo País

em diferentessetores

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8 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

Economistas ouvidos pela revista D i-gesto Econômico são unânimes emdizer que em 2008 haverá continuida-de do crescimento da economia brasi-

leira. O que variam são as expectativas quantoao tamanho da expansão. Há quem diga queela repetirá o desempenho de 2007, que segun-do a pesquisa Focus do Banco Central, de 19 deoutubro, aponta crescimento de 4,7% para oProduto Interno Bruto (PIB). Os mais otimistasacreditam que tanto este ano quanto no próxi-mo, a expansão será entre 5% e 5,5%; os maiscontidos, algo entre 4% e 4,5%. Entretanto, in-dependentemente da expectativa, todos di-zem que o País poderia crescer a taxas muitomaiores – aos menos semelhantes aos outrospaíses do Bric, que além de Brasil, reúne Rús-sia, Índia e China.

Mas, segundo o relatório Perspectiva Eco-nômica Mundial para 2008, divulgado peloFundo Monetário Internacional (FMI), o Paísestá muito distante deles. Enquanto o relatórioaponta perspectiva de crescimento de 4% parao Brasil no próximo ano, mostra expansão de6,5% para Rússia, 8,4% para a Índia e 10% paraa China. E, vai mais longe: aponta que em 2006,sozinhos, esses três países responderam pormetade do crescimento do PIB mundial. O

Brasil poderia ter uma contribuição mais fortenesses números, desde que o governo federalpriorizasse temas importantes como infra-es-trutura e as reformas trabalhista e tributária.

"A questão da infra-estrutura caminha muitolentamente, e apesar das recentes concessões dasrodovias federais, existe um prazo de maturaçãopara que os efeitos apareçam", afirma Marcel So-limeo, superintendente do Instituto de Econo-mia Gastão Vidigal, da Associação Comercial deSão Paulo. Ele acredita na continuidade do pro-cesso de investimentos da indústria, que traráexpansão para o setor produtivo. "Mas haverápoucas mudanças estruturais, que seriam fun-damentais para uma expansão maior do PIB",salienta. Mesmo assim, ele aponta um cresci-mento entre 4% e 4,5% para o próximo ano.

Mais otimista, o diretor da Saint Paul Instituteof Finance, José Cláudio Securato, crê em umaexpansão de pelo menos 5%. "O crescimento seráconsistente e sustentado no médio e longo prazo.E o fundamental é que deriva do crescimento in-terno, ao contrário do que ocorria no passado,pois é o consumo brasileiro que está demandan-do a expansão da economia", afirma.

Aumento do emprego e da renda e expan-são do crédito são apontados por Securato pa-ra a melhora da demanda interna. Para ele, es-

José Securato, daSaint Paul:crescimentoconsistente de pelomenos 5% em 2008.O aumento doemprego e da rendae a expansão docrédito resultam nocrescimento doconsumo.

Ana Castro/e-SIM

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9SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

se cenário deve perdurar ao menos até 2010,mas também esbarra na questão de infra-es-trutura. "Se não temos infra-estrutura sufi-ciente hoje, quanto mais para um crescimentocontínuo", questiona. Além da falta de inves-timento intensivo e de marcos regulatórios,Securato diz que o mais preocupante são osproblemas que surgem de repente e se trans-formam em gargalos. Como exemplo, cita acrise aérea e os controladores de vôo. "Até oacidente da Gol (ocorrido em 29 de setembrode 2006), eu sabia que existia a profissão con-trolador de vôo. Mas só. De repente, eles se tor-naram um problema e depois, um grande gar-galo. Portanto, a pergunta que me perturba ésaber qual será o próximo gargalo que o Brasilnão faz idéia que existe?", questiona.

Juros– Alcides Leite, professor de EconomiaBrasileira da Trevisan Escola de Negócios, tam-bém acredita que a expansão será contínua, ain-da por conta dos mais de dois anos de quedasda Selic. Segundo ele, embora o Banco Centraltenha interrompido a queda da taxa básica dejuro na reunião realizada em outubro, ainda háespaços para novas reduções em 2008. "A taxade juro continuará caindo, mas de maneiramais lenta, porque embora a inflação esteja sob

controle, há algumas ameaças, principalmentepor conta da alta dos preços agrícolas", afirma.Segundo ele, essas quedas permitirão a expan-são no volume de consumo e assim, um cresci-mento do PIB em 2008 um pouco maior que os5% que ele prevê para 2007.

"Além disso, ainda sentiremos os efeitos dasquedas anteriores, pois existe um hiato entre aqueda e o efetivo impacto que ela tem na econo-mia real", afirma, explicando que leva de seis me-ses a um ano para que os agentes econômicos ab-sorvam as reduções. "Estamos colhendo agora oque plantamos no período de seis meses a umano atrás. Isso significa que parte do crescimentoesperado para o ano que vem virá das reduçõesde juros feitas ainda este ano, e parte das próxi-mas reduções", afirma Leite.

Investimento já – O professor lembra queum princípio básico para a expansão econômica,aqui ou em qualquer parte do mundo, é o inves-timento. Para Leite, na medida em que a econo-mia se estabiliza, com a inflação sob controle, ataxa de juro em um patamar mais baixo e o câm-bio "mais ou menos estabilizado", o volume deinvestimento cresce. A partir daí, cria-se um cír-culo virtuoso de melhora do emprego, da renda,do consumo e da produção, que em última aná-

Alcides Leite, daTrevisan: com a

taxa de juros em umpatamar mais

baixo e o câmbioestabilizado, a

tendência é que ovolume de

investimentoscresça.

Leonardo Rodrigues/e-SIM

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10 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

lise se traduz para em crescimento. "Acho quenós já estamos entrando em uma velocidade decruzeiro, quase uma rotina, com investimentosaltos já pensando nos resultados futuros", diz.

Já o diretor da Saint Paul afirma que em 2007,o Brasil alcançará um nível recorde de investi-mento direto, ultrapassando US$ 30 bilhões."Um volume assim só foi alcançado em 1996,com as privatizações do setor público. E o maisinteressante é que são investimentos em produ-ção, não se trata de capital especulativo", afirmaSecurato. Segundo ele, esse volume recorde éum dos motivos que pressionam o dólar e cau-sam a desvalorização da moeda norte-america-

na em relação ao real. Situação que deve perma-necer no próximo ano, principalmente pela ex-pectativa do Brasil se tornar investment grade.

"A partir do investment grade, o Brasil teráum novo apelo para receber investimento ma-ciço, como dos fundos de pensão mundiais, quepor força de estatuto, são proibidos de investirem países considerados de capital especulati-vo", complementa Michal Gartenkraut, presi-dente executivo da Fundação Nacional da Qua-lidade (FNQ) e sócio da Rosenberg e Associa-dos. Assim, na opinião de Gartenkraut, o dólarpoderá cair ainda mais em relação ao real, poishá muito dinheiro para entrar no Brasil a partirdo momento que alcançar o investment grade."Isso vai ocorrer no curto prazo, pois o Brasil, secomparado aos países que recentemente alcan-çaram investment grade, como Rússia e Méxi-co, não difere em nada", afirma

Ladeira abaixo – Além da entrada recor-de de dinheiro no País, Leite, da Trevisan Es-cola de Negócios, alerta que outro fator temcontribuído para derrubar a cotação do dólar,não apenas em relação ao real, mas a outrasmoedas internacionais, é a questão do déficitnorte-americano em conta corrente. "A ques-tão do déficit nos Estados Unidos chegou emuma situação que, a se estender por mais tem-po, há risco de um desbalanceamento insus-tentável, com risco da economia entrar em cri-se, pois para manter o déficit será necessárioque o mundo continue financiando a econo-mia norte-americana, e já há sinais de que mui-tos países – especialmente os emergentes – jácomeçam a diversificar suas reservas, e nãomanter apenas em dólar", explica Leite.

Em relação ao real, o professor diz que "talveznão ocorra uma queda nominal grande", por-que é preciso levar em consideração a diferençaentre a inflação aqui e lá. "Também acho que oBC não vai permitir o dólar abaixo de R$ 1,80porque deixaria de ser um problema meramen-te cambial para se tornar político, com a pressãodos exportadores cada vez maior. "Acredito quea questão do câmbio estará na pauta de discus-são para 2008, pois será decisiva para alguns se-tores da economia", complementa Securato, daSaint Paul. Segundo ele, fica o questionamentopara o próximo ano, de quanto se deve insistirem uma política cambial flutuante, que o câm-bio pode cair a patamares muito baixos para opoder da economia brasileira, em detrimentode todo o conjunto da economia.

MichalGartenkraut, daRosenberg: o Brasildeverá se tornarum investmentgrade, atraindo umvolume maior deinvestimentos,principalmente defundos de pensãomundiais.

Masao Goto Filho/e-SIM

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11SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Ameaça paraos planos do Brasil

Se o Brasil é o país do futuro, 2008 tem todos os ele-mentos para que esse futuro se concretize. Naspróximas páginas, analistas de diversos setores fa-lam à Digesto Econômico sobre suas perspectivas

para o próximo ano. Segundo eles, as cartas foram lançadas,o País só precisa fazer a lição de casa e não deixar mais umachance escapar.

Por exemplo, diz José Cláudio Securato, diretor da SaintPaul Institute of Finance, cuidando melhor da dívida inter-na, que é o maior problema do Brasil. E, para ele, só tende apiorar. "Não há um posicionamento do governo, uma agen-da ou mesmo uma movimentação político-partidária parasegurar o rolo compressor da tributação – quer se tributarcada vez mais em função de se gastar cada vezmais", afirma. Na opinião de Securato, o go-verno federal, que está indo por um cami-nho complicado de se voltar. "O gover-no faz gastos cada vez menos compe-tentes em termos de utilidade emais consistentes em termos devalor. Por isso, na minha opinião,o principal problema do Brasil é ogasto público: um gasto sem qua-lidade, com desperdício do di-nheiro público e serviços que o ci-dadão paga dobrado – paga parater segurança pública, transporte,saúde e educação. E paga tudo priva-do novamente, a um custo também ex-tremamente elevado", salienta.

Ele reconhece que falta dinheiro para fazermuitas mudanças, "mas, um país que arrecadaR$ 50 bilhões por mês tem dinheiro para fazeralgumas coisas. Então, o Brasil gasta mal o quearrecada". Opinião semelhante tem o superinten-dente da ACSP, Marcel Solimeo. "Os gastos públicoscontinuam crescendo e isso é preocupante, muitas dasmedidas tomadas este ano são de gastos permanentes,como novas contratações de funcionários, aumentodos cargos de comissões, tudo isso vai mostrando umadeteriorização da política fiscal no sentido de qualida-de", alerta Solimeo. Ainda assim, ele acredita que o Paíspoderá manter o superávit primário, que será maispelo lado da receita, e não do gasto, "cujo limite hámuito já foi ultrapassado", diz o diretor da ACSP.

O medo que vem de fora – Fora essas ques-tões, as ameaças são externas, especialmente a

forma como os Estados Unidos vão lidar com a crise no mer-cado de crédito imobiliário.

"Se eles conseguirem fazer uma aterrissagem suave, umajuste que não seja tão turbulento, não irá impactar muito naeconomia mundial. Agora, se eles perderem o controle desseajuste, pode causar um problema sério nos EUA e afetar osmercados mundiais. E o Brasil irá junto", afirma Alcides Leite,da Trevisan Escola de Negócios. Entretanto, ele acha que essapossibilidade é pequena. "Além disso, nossa dependência daeconomia norte-americana é muito menor do que era algunsanos atrás. O Brasil diversificou suas exportações e o próprioPaís depende muito menos de capital externo para fecharsuas contas. Nós sofreremos menos por conta da menor de-

pendência e da nossa diversificação", complementa.Já na visão do diretor da Saint Paul, o Brasil étotalmente vulnerável às crises externas, in-

clusive à que se refere aos Estados Uni-dos nos problemas dos títulos do mer-

cado imobiliário. "A idéia de que es-tamos em uma bolha, conservados,infelizmente não é verdade. O quemelhorou em relação às crises de1997, de 1998 e de 1999, por exem-plo, é a forma como o Brasil podeamortecer os efeitos da crise inter-

nacional no mercado doméstico",afirma Securato, salientando que a

melhora se deve a uma consistênciaeconômica que, "se completada com o

governo Lula, serão 16 anos de uma políti-ca econômica mais ou menos parecida".

"O primeiro teste dos efeitos dessa crise so-bre o Brasil nós passamos com louvor. E, nãosurpreendeu os especialistas, porque nós já es-

perávamos que, a partir da melhora dos indica-dores em geral, mas particularmente quanto à me-lhora da vulnerabilidade externa brasileira, nós te-ríamos uma condição inegável e inédita de enfren-tar uma crise de fora", opina Michal Gartenkraut.Ele destaca porém, que não dá para garantir que oimpacto será nulo. "O que dá para estimar é que, porconta dessa crise, embora o quadro geral da econo-

mia brasileira para 2008, na minha perspectiva,seja muito parecido com o deste ano, haveráuma diminuição na força da aceleração. Muitoprovavelmente não conseguiremos manter omesmo ritmo", afirma Gartenkraut.

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12 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

A a

lta d

o em

pre

goO Brasil amarga um índice de de-

semprego de 9,5% da Popula-ção Economicamente Ativa, deacordo com a Pesquisa Mensal

de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), referente aomês de agosto. Segundo o presidente do Ins-tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),Márcio Pochmann, especialista em mercadode trabalho, esse valor é mais que o dobro doregistrado pelos Estados Unidos, por exem-plo. Mas já esteve pior: no mesmo período doano passado, era de 10,6%.

"A melhora verificada de janeiro a agosto sedeve ao fato de em 2007 ter ocorrido uma ge-ração recorde de empregos formais, que se tra-duziu em vagas com carteira assinada", explicaPochmann. Ele lembra que embora o empregovenha melhorando desde 1999, com a volta doBrasil ao comércio internacional, apenas noano passado refletiu-se na queda efetiva da ta-xa de desemprego. "Até 2005, o conjunto deemprego criado não era suficiente para abrigaros desempregados e os trabalhadores que en-travam no mercado de trabalho, daí o motivode não haver redução na taxa de desemprego",explica Pochmann. Já no ano passado, segun-do o presidente do Ipea, a melhora está ligadaao número de vagas criadas e não a uma dimi-nuição no número de pessoas que entraram nomercado de trabalho. "E em 2008, deverá havercontinuidade dessa expansão", opina.

"O primeiro motivo é que haverá continui-dade na ocupação da capacidade ociosa noparque produtivo, o que demandará mão-de-obra. O outro, é o forte ritmo de expansão da

taxa de investimento no País", salienta o presidente doIpea. Ele lembra que, embora a taxa de investimento sejabaixa comparada a outros países emergentes, nos últimos15 trimestres a expansão foi contínua, equivalente a duasvezes o crescimento do próprio Produto Interno Bruto(PIB). "No meu modo de ver, essa ampliação dos investi-mentos trará principalmente mais emprego. Mas alémdisso, essas novas ocupações serão de mais qualidade,pois até então, o padrão criado era para pessoas que ga-nhavam até dois salários mínimos", afirma.

Te rc ei ri za ção – Quanto à terceirização, aparente-mente é um caminho sem volta. Para Pochmann, ela é um"imperativo econômico em respeito às novas formas deorganização das empresas. Isso ocorre em toda a parte domundo, mas aqui ela se assemelha à precarização, o quenão ocorre em outros países".

Segundo o presidente do Ipea, não há no Brasil uma re-gulamentação específica para o trabalho terceirizado. "Éessa ausência de regulamentação que permite o avançoda precarização dos postos de trabalho. Muitas vezes, emuma mesma empresa, o que temos são padrões de empre-go muito diferentes entre os terceirizados e os contrata-dos", diz. Para Pochmann, a terceirização só funciona sefeita para modernizar a atividade econômica e permitir aampliação da produtividade. Mas não para precarizar asrelações do trabalho.

"A ausência de um de um código de trabalho para os ter-ceirizados prejudica também a competitividade entre asempresas, pois aquela que contrata assalariados pela CLTtêm um custo de produção que é muito diferente daquelaque o faz sem carteira ou por outra forma de contrato detrabalhadores", salienta. Quanto à afirmação do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, de que o Estado precisa contratarmais trabalhadores, tese compartilhada por Pochmann, elediz que isso é necessário para que o Estado tenha condiçõesde atender de maneira satisfatória as funções para as quaiso Estado foi criado, que é produzir o bem-estar da popu-lação, através de saúde de qualidade, educação universal emais segurança. "Esse é o debate que eu defendo: ver quaissão as condições necessárias para garantir esse tipo de in-tervenção. Claro que is-so passa pela ampliaçãodo Estado, mas não setrata de inchar a máqui-na para absorver outentar conter o desem-prego. O emprego pú-blico é uma decorrên-cia, no meu modo dever, do exercício e com-promisso de garantir obem- estar da socieda-de", finaliza.

Paulo Pampolin/Hype

Márcio Pochmann,presidente do IPEA

Newton Santos

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13SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Brasileiros vão às compras

Masao Goto Filho/e-SIM

Patrícia Vance,coordenadorade pesquisas doCanal Varejo

Para a coordenadora de pesquisas do Canal Varejo,do Programa de Administração do Varejo (Provar),Patrícia Vance, o ambiente econômico está bastantefavorável para o consumo, e essa tendência deverá

se repetir no próximo ano. "Indicadores positivos de renda eemprego apontam para um crescimento contínuo do con-sumo. Na medida em que há oferta ampla e fácil de créditopara a baixa e média renda, a tendência é que agora essascamadas procurem produtos de maior valor agregado, oque deverá dar novo fôlego ao consumo", afirma Patrícia.

Ela ressalva, entretanto, que isso vai depender se a in-dústria terá capacidade para atender o aumento da de-manda "Tudo indica que sim, pois os investimentosapontam para isso. Resta conferir se esses investimentostambém serão contínuos", salienta.

Segundo Patrícia, é do investimento da indústria que vaidepender a inflação em 2008, "questão imperativa para onível de consumo no próximo ano", diz. Ela lembra que emtodo ambiente, quando há aumento de demanda, a ofertaprecisa acompanhar. Caso isso não ocorra, há uma inver-são de números, e o que seria bom para a economia – o cres-cimento do consumo – acaba se traduzindo em inflação.

Limites – A coordenadora do Canal Varejo afirma quehá um limite até onde o consumidor poderá se endividarem 2008. E ele não vai muito longe. "Em pesquisa realizapelo Provar, verificamos que a renda média mensal dobrasileiro está entre R$ 1,1 mil e R$ 1,2 mil. Desse mon-tante, ele tem disponível 17,8% para outras despesas, que

são os gastos não fixos. Ou seja, sobram cerca de R$ 200para ele se endividar, dos quais R$ 90 já estão comprome-tidos com outros crediários", afirma. Ou seja, a disponi-bilidade de renda para novos gastos é muito pequena.

A boa notícia, segundo Patrícia, é que ao contrário dealguns anos atrás, agora o consumidor gerencia melhor asua vida financeira. "Depois de alguns percalços nos úl-timos dois anos, o consumidor está aprendendo que a so-ma de várias parcelas pequenas acumulam grandes va-lores. Por isso sabe até onde poderá comprometer seu or-çamento com novos gastos."

Depois de algunspercalços nos

últimosdois anos, o

consumidor estáaprendendo

que a soma devárias parcelas

pequenasacumulam

grandes valores.

Milton mansilha/Luz

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14 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

Inflação na linha

Ana Laura Castro/e-SIM

MárcioNakane,coordenadordo IPC daFipe

O fator determinante para manter a infla-ção dentro da meta de 4,5% estipuladapelo Banco Central para 2008, será aatuação do próprio BC ao longo do pró-

ximo ano. Essa é a opinião do professor Márcio Naka-ne, coordenador do Índice de Preços ao Consumidorda Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe). "Boa parte do que vai acontecer com a inflaçãoem 2008 depende do que o BC fizer com sua política dejuro. E visto que temos o regime de meta inflacionáriaem vigor, isso dá à autoridade monetária o mandatopara perseguir a meta. E o Banco Central já mostrou emum passado recente, que leva muito a sério o seu papelde guardião", afirma Nakane.

De resto, o professor acredita que o comportamentoda inflação será tranqüilo. Mas alerta que a economiadoméstica merece uma atenção especial, já que váriosindicadores da atividade econômica, como o de renda,de crédito e de faturamento no comércio, por exemplo,mostram que a atividade doméstica está muito robus-ta. "E do ponto de vista da inflação, isso é um proble-ma", afirma Nakane, ao explicar que essa "robutez"pode causar a chamada inflação de demanda, que é oaumento do preço pelo fato de a oferta ser menor doque a necessidade.

Já do lado positivo, o professor diz que o comporta-mento do dólar, a continuar como em 2007, talvez sejafavorável para segurar a inflação. Ele lembra que, des-de 2004, a contínua desvalorização da moeda norte-americana em relação ao real atua dessa maneira.

INCÓGNITA

O fator surpresa no próximo ano, na opinião de Na-kane, será saber exatamente o que vai acontece com opreço dos alimentos. "Em 2007, nós aprendemos que opreço de alimento rapidamente joga a inflação para pa-tamares muito elevados. Desde 2003, alimentos deuma forma geral contribuíram muito favoravelmentepara o comportamento da inflação. E em 2007 ocorreu ocontrário: de longe a alimentação foi o item que maispressionou o índice", salienta o professor.

A boa notícia, na sua opinião, é que muito dessapressão teve a ver com fatores climáticos e com o cená-rio internacional muito favorável às commodities agrí-colas, que conseguiram aumentar os preços interna-cionais em dólares.

Patrícia Cruz/Luz 19/01/2006

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15SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Tempo bom parao agronegócio

Masao Goto Filho/e-SIM

Alexandre Mendonça deBarros, professor de

Agronegócio da FundaçãoGetúlio Vargas de São PauloDois componentes mundiais vão colaborar para

que 2008 seja um ano extremamente bom para oagronegócio brasileiro. "De um lado, um novopadrão de preço de commodity, puxado princi-

palmente pelo crescimento da demanda asiática. De outro,o fortalecimento da agroenergia, que fará com que paísescomo os Estados Unidos, maior produtor mundial de mi-lho, amplie mais essa área para atender a demanda do eta-nol de milho, em detrimento das áreas onde plantam soja, oque deve melhorar ainda mais o preço desses grãos", afirmao professor de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas deSão Paulo (FGV-SP), Alexandre Mendonça de Barros.

Mendonça de Barros cita ainda o biodiesel, que só noBrasil vai demandar 800 milhões de litros para cumprir ameta do governo de adição de 2% de óleo vegetal ao com-bustível a partir de 2008.

Ele explica que nos últimos dez anos, os grandes tra-ders mundiais deixaram de carregar estoques de alimen-tos e outras commodities agrícolas e passaram a compraras safras dos dois hemisférios e exportá-las para o mundointeiro. Fator que também contribuiu para a melhora dospreços. "A conseqüência dessa mudança é que os esto-ques são muito curtos (just in time) e uma quebra de safraem qualquer parte do mundo joga os preços lá para ci-ma", afirma. Foi justamente isso o que aconteceu na Aus-trália, por exemplo, no início de 2007, com a quebra naprodução de leite. E embora tenha sido um problema lo-cal, foi suficiente para que os preços mundiais disparas-sem, inclusive aqui no Brasil.

Mais carne na mesa - Do ponto de vista do Brasil,Mendonça de Barros lembra que houve uma expansão darenda que não ocorria há muitos anos, o que contribuiu paramaior acesso a alimentos até então restritos. "A renda realcresce sistematicamente e o salário mínimo teve recupera-ção acima da inflação. Por conta dessas variáveis, o consu-mo per capita de carne aumentou, algo que não ocorria hámuito tempo", afirma o professor. Ele cita ainda o aumentosignificativo do consumo de legumes, de verduras e frutas,que também melhoram o preço. "O quadro geral é extrema-mente favorável para o agronegócio local", comenta.

A única ressalva, segundo Mendonça de Barros, é aquestão da cana-de-açúcar. "Atualmente, esse é o únicosetor no Brasil que não está fazendo dinheiro", diz. O mo-tivo, explica o professor, é que a produção de cana estácrescendo por conta da expectativa de que a demanda pa-ra exportação de álcool cresça. "Acontece que as vendasexternas ocorreram na mesma velocidade do crescimen-to da oferta e mesmo o consumo interno não cresce namesma proporção da produção", afirma.

Segundo Mendonça de Barros, as exportações esbar-ram na logística, que só deverá ter uma solução quando oPaís e seus possíveis parceiros decidirem sobre a constru-ção de dutos para o transporte. "O outro problema é que ocomprador do álcool combustível só vai de fato dar o iní-cio ao processo de compra quando mudarem as regras deprodução. Ou seja, quando ele tiver o domínio da tecno-logia." Ele exemplifica com o Japão, que só passará a com-prar do Brasil quando for o "dono" da matriz energética."Até lá, as exportações não aumentam."

Quanto ao consumo interno, Mendonça de Barros des-taca que apesar da venda recorde de carros bicombustí-veis, a procura não segue a mesma linha crescente porqueo preço do álcool é convidativo apenas no Estado de SãoPaulo. "Conforme vai subindo no mapa, o preço tambémaumenta, pois o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços) distorce o preço", afirma. Na visão doprofessor, o setor sucroalcooleiro é o único que poderá en-frentar problemas no próximo ano. "De resto, o ciclo debons preços deve perdurar."

Divulgação

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16 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

Expresso Oriente

Rubens Ricupero,diretor do curso

de RelaçõesInternacionaisda Faculdade

ArmandoÁlvares

Penteado(FAAP)

O próximo ano será o ano da Ásia. A afirma-ção, feita pelo ministro de Relações Interna-cionais, Celso Amorim, é repetida pelo em-baixador Rubens Ricupero, que acredita

estar no Oriente as melhores perspectivas para a políticaexterna brasileira. "A Ásia é, de longe, o continente commaior potencial de expansão de negócios, já que há trêsdécadas cresce de maneira contínua", afirma o embaixa-dor, atualmente diretor do curso de Relações Internacio-nais da Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP).

"O Brasil já mantém uma relação intensa com a Chinae com o Japão, mas com os outros países da região, comoCoréia do Sul, Malásia, Cingapura e Vietnã, por exem-plo, há muito ainda por fazer", afirma Ricupero. Quantoà América Latina, ele acredita que as perspectivas maispromissoras estão em países como México, Colômbia,Chile e Peru, que segundo o embaixador, têm políticaseconômica e externa mais moderada e por isso mesmo,mais próxima à do Brasil. "A política externa brasileiraaparece mais concentrada em países problemáticos, co-mo Venezuela, Bolívia e Equador, quando as perspecti-vas mais interessantes estão nos países moderados, co-mo é o próprio Brasil, que no fundo é um país modera-do, que finge ser de esquerda", afirma Ricupero. Na opi-nião do embaixador, se o Brasil aceitar que suasafinidades estão mais com esses países moderados, ha-verá muita coisa por fazer concretamente, em termos deempreendimentos econômicos.

"Além disso, o Brasil não deve esquecer um tema denatureza global, onde poderá ter uma posição de ex-traordinária projeção, que é o tema da mudança climá-

tica", diz Ricupero.

DE VOLTA À ECO 92

O embaixador se refereprincipalmente à posiçãoque o País deveria adotarem dezembro, em Bali,

na Indonésia, quando ocorre a conferência dos países sig-natários da convenção das Nações Unidas sobre mudan-ça climática, que dará partida ao processo do protocoloque irá substituir o de Kyoto, a partir de 2012. "Se o Brasilsair da posição inadequada e atrasada de não aceitar ne-nhum tipo de meta de redução de emissão de carbono,

praticamente servindo de mão-de-gato para China e Ín-dia, e adotar uma atitude mais pró-ativa, ele terá umaprojeção muito importante", afirma. Os motivos, segun-do Ricupero, é que o Brasil tem grandes vantagens sobreos outros países. Entre elas, matriz energética limpa emcontraste com os chineses e hindus, que usam carvão;grande experiência na área de combustíveis substitutos,sem falar do etanol e de possuir a maior floresta tropicaldo mundo", enumera. "Mas, isso tudo infelizmente estáum pouco anulado devido à atitude tímida e defensivaem relação às queimadas na Amazônia", afirma.

Na opinião de Ricupero, o ministro Celso Amorim jácomeçou a adotar um vocabulário mais pró-ativo na po-lítica externa. "A posição mais retógrada é de alguns se-tores dentro do Itamaraty, e do próprio presidente Lula,que é uma pessoa muito atrasada. Afinal, ao adotar essaatitude retógrada de não negociar, eles estão fazendo ocontrário do que defendem: estão destruindo o maior pa-trimônio natural do Brasil e conseqüentemente, contri-buindo para o empobrecimento do País", finaliza.

Patrí

cia

Cru

z/Lu

z

Jonas Oliveira/Folha Imagem

A posição mais retrógrada é de alguns setoresdentro do Itamaraty, e do próprio presidente

Lula, que é uma pessoa muito atrasada.

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17SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

A China comomotor do mundo

O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou em outubro oestudo "Perspectivas para a Economia Mundial", e reviu parabaixo a previsão de crescimento mundial para 2008, de 5,2% noestudo divulgado em julho, para 4,8%.

O motivo apontado foi a turbulência dos mercados após a crise de créditoimobiliário nos Estados Unidos. Com isso, todas as perspectivas para os paí-ses, inclusive os emergentes, foram revistas para baixo. O estudo aponta, in-clusive, que a queda só não foi maior justamente pela vigorosa expansão dosemergentes e dos países em desenvolvimento. Mesmo assim, o relatório con-sidera vigorosa essa perspectiva de crescimento. Tanto que o presidente exe-cutivo da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) e sócio da Rosenberg eAssociados, Michal Gartenkraut, questiona a sustentabilidade desse cenáriode crescimento vigoroso no longo prazo.

"Vivemos um período de crescimento mundial inédito, que tem provocadoum desequilíbrio de demanda e oferta. O mundo precisa desacelerar, pois nãohá produto suficiente para atender essa demanda crescente", afirma Garten-kraut. A situação se agrava ainda mais porque a China, cuja previsão de cres-cimento para 2008 feita pelo FMI é de 10%, não dá mostras de que vai segurarsua locomotiva, ao contrário. "Quantas vezes já ouvimos o governo chinês di-zer que vai segurar o crescimento, e no ano seguinte, a taxa de expansão é ainda

Masao Goto/e-SIM

maior que a do ano anterior?" O moti-vo, segundo Gartenkraut, é que elesnão conseguem diminuir o ritmo por-que para isso, é necessário os instru-mentos corretos e, aparentemente, oschineses não os possuem.

"Ao contrário do que se imagina, aeconomia chinesa é muito descentra-lizada. As províncias têm muita auto-

nomia e elas não querem crescer menos, porque há uma migração dos cam-pos para a cidade da ordem de 100 milhões de pessoas", explica Gartenkraut.Ele afirma que, no momento em que os camponeses passam para a cidade, arenda deles é multiplicada em cinco vezes. "Talvez até mais do que isso, poisa renda no campo é muito baixa, é praticamente zero", diz.

Gartenkraut lembra que essa migração do campo para a cidade é um pro-cesso natural que os países em desenvolvimento passam. "Todos os países re-levantes na economia mundial já passaram por isso. O Brasil inclusive. Por-tanto, a demanda continuará expandindo, o que colabora para o aumento nopreço internacional das commodities e, em última instância, pode contribuirtambém para pressionar os preços locais, causando a tão temida inflação".

O relatório do FMI aponta inclusive, que a inflação é um dos eventosque podem colocar em risco o desempenho mundial em 2008, principal-mente por conta das altas sucessivas do preço do petróleo e agora, das al-tas das commodities.

Quantas vezes já ouvimos o governochinês dizer que vai segurar o

crescimento, e no ano seguinte,a taxa de expansão é ainda maior

que a do ano anterior?

Michal Gartenkraut,presidente-executivo daFundação Nacional da

Qualidade (FNQ) e sócio daRosenberg e Associados

Jason Lee/Reuters

AFP Photo

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18 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

INDICADORES ECONÔMICOSOs números a seguir foram fornecidos pela empresa de consultoria

Rosenberg e Associados e traçam um panorama atual da economia brasileira

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19SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

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22 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

Guy SormanCientista político e escritor

Tradução: Rodrigo Garcia

Divulgação

NO BRASIL,O FUTUROCHEGOU

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23SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

Para todos, no Brasil, é Fernando Henrique. Ninguémpensaria em chamá-lo de "senhor presidente". O Brasil éassim: uma civilização singular, onde as grandes desi-gualdades sociais são encobertas por uma grande cor-

dialidade. Fernando Henrique Cardoso passou por duas vidassucessivas e contraditórias, como a economia de seu país. Aca-dêmico e sociólogo, ele foi, inicialmente, o analista do Brasil; de-pois, de 1995 a 2002, o presidente. Sociólogo na Universidade deSão Paulo nos anos 60, depois no exílio na França e nos EstadosUnidos durante a ditadura militar. Cardoso não era marxista,dizia ele, mas "marxiano": como toda sua geração intelectual.Alguns, fortemente representados nas universidades, conti-nuam. Marxiano quer dizer inspirado por uma concepção domundo onde a pobreza da periferia, o Brasil, só é explicada pelariqueza do centro imperialista, os Estados Unidos. Essa teoria,conhecida como teoria da dependência, versão latino-america-na do imperialismo leninista, tinha um mestre pensador argen-tino, Paul Prebisch, na chefia de um escritório da ONU, a Cepal,instalado ainda hoje em Santiago, no Chile.

As polí-ticas econômicasdo continente latino-ame-ricano, até o começo dos anos 80,eram concebidas na Cepal. Cardoso, co-mo Prebisch, deduziu da teoria da dependênciaque a verdadeira descolonização do continente deles exi-gia a industrialização. Isso era indiscutível. Mas só se conside-rou, liderada pelo Estado, em protegê-la contra qualquer con-corrência interna ou externa. No Brasil, isso se chamou de de-senvolvimentismo. As indústrias que surgiram daí eram pro-digiosamente ineficientes, mas enriqueceram os burocratasque as administravam, os militares que freqüentemente eramos proprietários, uma nova burguesia cliente do Estado indus-trial e os sindicatos que participaram dessa aventura.

Uma das conseqüências do desenvolvimentismo foi apro-

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24 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

fundar as desigualdades sociais. Grandes fortunas foramconstituídas sob a asa do Estado. Para os pequenos empresá-rios e para os brasileiros mais pobres, não houve vantagem: odesenvolvimentismo não era o desenvolvimento. Dizia-se doBrasil que era um país do futuro e que assim continuaria.

A esse estatismo tropical, economistas brasileiros, em parti-cular Delfim Netto, acrescentaram, nos anos 70, uma contribui-ção impressionante: a justificativa da hiperinflação como fatorde progresso. A moeda brasileira, nos anos 80, não valia nada, ospreços mudavam diariamente, a inflação de 1993 atingiu os6.000% ao ano. Entretanto o governo brasileiro, que deve a suaascendência portuguesa uma grande sofisticação, tinha instau-rado um sistema de indexação generalizado. Com a indexação, ahiperinflação não tinha, teoricamente, conseqüências, pois os sa-lários acompanhavam os preços. O Estado, portanto, podia emi-tir moeda sem escrúpulos para financiar seus gastos, as infra-es-truturas e os investimentos industriais: uma bomba financeiraque, teoricamente, não deixava vítimas. O modelo brasileiroconseguiu respeito durante alguns anos e chegou a ser ensinadonas universidades européias. Por motivos ideológicos antes demais nada. Ele não demonstrava que os monetaristas à MiltonFriedman, partidários de uma moeda verdadeira, estavam erra-dos? A hiperinflação, na verdade, enriquecia os ricos que viviamcom dólares e arruinava os pobres, cujos salários sempre esta-vam atrasados em relação aos preços. Dessa hiperinflação, umhorror social, nasceu o segundo Cardoso, o sociólogo "marxia-no", que se tornou o primeiro presidente liberal do Brasil.

A inflação, horror social

Conhece-se a influência da inflação no curso da história: o Di-retório e a República de Weimar, entre outros regimes, afunda-ram com sua moeda ruim. No Brasil, nos anos 80, a inflação con-tribuiu com a queda da ditadura militar. Os novos governanteseleitos – José Sarney na Presidência, e Cardoso, ministro da Eco-nomia de Itamar Franco e presidente depois, e Mailson da Nó-brega, ministro da Economia de Sarney – compreenderam o que

o povo esperava deles - antes da liberdade política, antes do cres-cimento – a estabilidade da moeda. Será a grande obra de Car-doso: uma nova moeda, verdadeira, autêntica, estável. Todo oresto, a nova economia do Brasil, provém dela. Para que a moedapermanecesse estável, o Estado tinha de equilibrar suas contas.Para eliminar o déficit, ele parou de contratar funcionários e desubvencionar as empresas públicas. O que se seguiu, as priva-tizações, a abertura do mercado à concorrência, afirma Cardoso,não foram uma escolha ideológica de inspiração liberal. Foi aconseqüência natural da estabilidade monetária.

Mas Cardoso só conseguiu na medida que o Estado brasileiroé sério, com uma administração competente, que executa as or-dens. O esforço tecnicamente comparável de estabilizar a moe-da fracassou na Argentina, onde o Estado, mais mafioso do quehonesto, continuou a gastar mais do que seus recursos.

"Após o restabelecimento da democracia", diz Cardoso, "oseleitos foram os primeiros a ficarem surpresos ao constatar comosua popularidade estava indexada à estabilidade dos preços". Opovo tinha compreendido, mais rápido do que as elites políticas,melhor do que certos economistas, que a inflação, antes de maisnada, era um imposto sobre os pobres. A experiência política doBrasil confirma em todos os pontos a análise econômica clássica.

Transformado em presidente, Cardoso aplicou a receita di-ta monetarista. Para que a moeda continuasse estável, duran-te um longo período, ele concordou que ela fugisse do poderpolítico e que o Estado equilibrasse seu orçamento. Então, oBrasil precisava de instituições democráticas que escapas-sem definitivamente da versatilidade política e das tentaçõespopulistas. Cardoso criou um Banco Central independentedo governo e instaurou uma transparência orçamentária to-tal. Pela internet, qualquer cidadão brasileiro pode conhecertodas as despesas públicas, a situação da dívida e uma even-tual ameaça à estabilidade monetária. Essa transparênciaamarra a classe política e a burocracia. Nenhuma transgres-são à transparência orçamentária escapa à imprensa bastantelivre do Brasil. Com o BC e a transparência, a mídia forma ostrês pilares da nova ordem brasileira.

Bolsa Família: ajudar apróxima geração maisque os pobres atuais,essa foi a escolhaestratégica e cruel deCardoso. O Brasilprivilegiou o futuro.Da primeira vez comCardoso, um presidentede 'direita'. Umasegunda vez comLuiz Inácio da Silva,presidente deesquerda.

Edson Ruiz/Folha Imagem 29/10/2006

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25SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

A sociedade justa

Cardoso não se define como um liberal. Compreende-se. Oliberalismo no Brasil é visto, com razão, como a ideologia de umgrande patronato, que se aproveitou da ditadura militar. Seexiste, em qualquer parte do mundo, um liberalismo radical quereduz tudo ao mercado, que não quer ver a sociedade como elaé, e que prefere o despotismo esclarecido à democracia, ele é la-tino-americano. Um integralismo que enrubesceria os mestres,Hayek e Milton Friedman, seguidos pelos adeptos brasileiros.

Fernando Henrique declara-se, então, social-democrata. Defato, sua compreensão do mercado não exclui ações diretas con-tra a pobreza. Primeiro chefe de Estado brasileiro a se interessarpelos pobres, de maneira concreta, ele instalou um modelo deassistência pública notável, na concepção e na aplicação. Partin-do do fato conhecido de que a grande miséria brasileira está an-corada na ignorância, ele entrega ajuda financeira às famíliascom a condição de que elas ponham os filhos na escola. Falta me-lhorar a qualidade das escolas públicas, mas, graças a essas "bol-sas famílias", o analfabetismo recuou. Ajudar a próxima geraçãomais que os pobres atuais, essa foi a escolha estratégica e cruel deCardoso. O Brasil privilegiou o futuro. Da primeira vez comCardoso, presidente de direita. Uma segunda vez com Luiz Iná-cio Lula da Silva, presidente de esquerda.

Na economia, as instituições traçam o futuro de uma nação deuma forma mais certeira do que as intervenções conjunturais dosgovernos do momento. Mas só se pode contar com essas institui-ções se elas resistem aos testes das recessões econômicas e das al-ternâncias políticas. As instituições políticas e econômicas, desde1995, têm resistido. Lula, oriundo do sindicalismo antiliberal,apoiado pelos teólogos da libertação e pelos universitários trots-kistas, contra todas as espectativas, preservou integralmente aherança. Até o próprio Cardoso se espantou. A intuição do certo,no caso de Lula, teve mais peso do que a ideologia.

Mas o Brasil, tradicionalmente, é um país mais da acomoda-ção do que do confronto. Os adversários políticos de Lula o acu-sam de contratar funcionários públicos demais, de ter aumen-

tado o número de famílias beneficiadas pela assistência socialpor motivos eleitorais, incluindo não só os pobres, de ter cons-tituído uma clientela de assistidos. Essas acusações fundamen-tadas são insignificantes, comparadas ao benefício da continui-dade institucional. A independência do Banco Central, a esta-bilidade da moeda, a abertura do mercado, as privatizações, atransparência fiscal, a ajuda com condições às famílias, tudo issofoi mantido. Uma conquista comparável ao sucesso da Índia,onde uma política econômica liberal é também administrada demaneira contínua pelos governos da direita nacionalista e da es-querda socialista. O Brasil, como a Índia, conseguiu sua transi-ção econômica, desde então dotada de instituições necessárias aum desenvolvimento econômico duradouro e a uma melhorigualdade social. Verifica-se isso pela experiência.

Surgimento da classe média

A perenidade das instituições financeiras, a previsibilidadeda moeda, a transparência das transações permitiram estabe-lecer uma verdadeira organização de crédito. O que tornoupossível para um empresário obter empréstimos a juros com-patíveis com seu nível econômico. Tornou-se possível a umafamília comprar uma casa ou um apartamento. Graças ao cré-dito, uma nova classe média teve acesso a uma vida razoávelcom o trabalho, sem ter mais de depender do clientelismo par-tidário ou das bênçãos do Estado.

Essa nova mentalidade econômica, na qual o Estado dá oexemplo, levou os empresários a modificarem seu comporta-mento. Enquanto que no Brasil tradicional se procuravam ni-chos especulativos e arranjos, agora as estratégias observam alongevidade, os investimentos e a pesquisa de mercado. Os mé-todos antigos não desapareceram, mas diminuíram. A rigor, asempresas brasileiras ainda não são as do Primeiro Mundo, po-rém, como observa o economista Mailson da Nóbrega, o Brasilsaiu do Terceiro Mundo. Os obstáculos residuais a um desen-volvimento econômico sustentado não são mais do terceiro-mundismo, como a corrupção do governo ou o caráter fantasio-

Nos anos 70,economistas

brasileiros, emparticular Delfim

Netto (esq.),justificavam a

hiperinflação comofator de progresso.Para o economista

Mailson da Nóbrega,o País se desenvolveu

nesses anos esaiu do Terceiro

Mundo.

José Paulo Lacerda/Ag. Pixel 19/10/2005 Fernando Moraes/Folha Imagem 06/09/2005

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26 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

so do Estado. Os empresários brasileiros, como os do PrimeiroMundo, só fazem protestar contra um salário mínimo alto de-mais, que prejudica a concorrência com a China, contra as leissociais que impedem as demissões, contra os sindicatos antica-pitalistas, contra a insuficiência de infra-estruturas públicas quedesaceleram as exportações e mereciam serem privatizadas.

Essas reclamações, legítimas, são bem características de ummundo que entrou na racionalidade econômica e que saiu dapobreza estrutural. O Brasil precisa de reformas, mas a revo-lução econômica está feita. Se sobrevivem partidários da teo-ria da dependência e "marxianos" virulentos, restam-lhes a mí-dia e as cátedras, mas eles não têm mais como modificar o cur-so da história. Esses "marxianos", enterrados por um deles,Fernando Henrique Cardoso, pertencem ao passado, a novaclasse média representa mais modestamente seu futuro. Umfuturo que é chamado de progressista, porque o novo Brasil, aomesmo tempo que se desenvolve, torna-se mais igualitário.

Em 2007, o Brasil foi o único país do mundo, com a Tailândia,no qual o coeficiente de Gini melhorou. Esse ín-dice, aceito universalmente, mede a desigual-dade de renda entre os 10%, o décimo mais po-bre e o décimo mais rico da população. Em to-dos os lugares, menos no Brasil e na Tailândia,a diferença aumentou. Nos países desenvolvi-dos e nos em desenvolvimento, constata-seque os ricos se enriqueceram mais rápido doque os pobres, mesmo onde os pobres ficarammenos pobres. Nos Estados Unidos, todomundo na média enriqueceu, porém os maisricos mais rapidamente, em razão do bônus àeducação, sempre mais valorizada em ummercado global. Na China ou na Índia, a vidados humildes melhorou, mas menos veloz doque a dos mais ricos. Entretanto, no Brasil, ospobres avançaram mais rápido do que os ricos.Pela primeira vez na história do País a diferen-ça diminuiu. Mailson da Nóbrega explica isso pela passagemdo desenvolvimentismo de Estado a uma economia liberal. Oenriquecimento pelo clientelismo e os monopólios foramsubstituídos pelo acesso de uma multidão ao mercado.

O mercado cria uma mobilidade social, enquanto que o es-tatismo reforçava a riqueza. Logo, é o modelo econômico quemelhora a igualdade, bem mais que a redistribuição fiscal ou aassistência social. A ajuda direta às famílias contribui com aigualdade, mas de modo acessório. As bolsas familiares só re-presentam 0,5% da riqueza nacional para cerca de 12 milhõesde famílias. Será a próxima geração de pobres, que estará es-colarizada, mais do que a atual, que é beneficiada pela ajuda. Omercado cria mais igualdade que o estatismo. É também omercado que explica a curva ascendente da taxa de crescimen-to brasileira. Essa taxa sobe sem outra razão objetiva a não sera liberalização do crédito, do comércio e do câmbio. O caminhobrasileiro, igualdade e progresso, não é acidental, não é con-seqüência de uma dádiva, é uma lição de boa economia tal co-mo os teóricos do desenvolvimento ensinam.

Mencionamos também um fator não quantificável da novaeconomia brasileira, do qual não se sabe se é causa ou conse-

qüência. A substituição do catolicismo pelas igrejas evangéli-cas pentecostais. A transferência dos fiéis é em massa. No Es-tado de São Paulo, o mais rico do País, esses evangélicos se tor-naram maioria. Ora, eles não propagam os mesmos valoresque a Igreja católica. Esta, no Brasil particularmente, é hostil àeconomia de mercado, inclinada pela revolução em nome dateologia da libertação, da qual o "bispo vermelho" do Recife,Dom Hélder Câmara, foi durante muito tempo sua encarna-ção. Ele via nas favelas o gatilho de uma revolução contra o ca-pitalismo selvagem. Mas atualmente, as favelas, longe da re-volução, são centros de tráfico de drogas e de outras atividadescriminosas. Isso não é um progresso, mas também não é o queesperavam delas os teólogos da libertação.

Lula, em sua versão original de revolucionário, era mais ins-pirado pela teologia da libertação brasileira do que pelo mar-xismo europeu. É verdade que, sob a influência de João PauloII, a Igreja Católica no Brasil e seus ativistas jesuítas modera-ram o engajamento político. Mas muitos fiéis deserdaram. Ao

contrário, os evangélicos preconizam contra apobreza o esforço individual, idealizam o es-pírito empreendedor e até o enriquecimento.Nisso estão próximos dos pentecostais dos Es-tados Unidos. É possível que esse deslocamen-to ético-religioso tenha contribuído com o sur-gimento de novas normas e novos comporta-mentos econômicos, mais coerentes do que ocatolicismo com a passagem para a economiade mercado e adaptado à globalização.

Pagar seus impostos enriquece

A economia informal é característica de todosos países pobres. O vendedor de rua, o artesão, ofaz-tudo, o camponês sem terra trabalham àmargem da lei, freqüentemente por um pequenoganho. Na maioria das vezes sem o título de pro-

priedade e sem direitos, a informalidade é uma estratégia de so-brevivência econômica contra os Estados desleais, os burocratasfamintos e as aristocracias coloniais. O economista peruano Her-nando de Soto mostrou como em seu país a quase impossibilida-de de se obter uma escritura de propriedade impedia o acesso aocrédito e condenava a atividades marginais. No campo, os cam-poneses invasores sem escritura cultivam a coca porque ela nãoexige investimentos e a rotação das culturas é rápida. No Peru, onúmero de passos necessários para se abrir uma empresa legal étão grande e custosa (incluindo propinas), que é impossível tor-nar-se empresário sem a proteção pessoal dos funcionários.

A constatação de De Soto vale para grande parte da AméricaLatina, com graus diversos, incluindo o Brasil. O Estado de Di-reito ainda não substituiu totalmente a personificação da lei e oclientelismo. Desse quadro da economia informal, extrai-se àsvezes um certo romantismo, uma idealização do capitalismodos descalços, o empresário aventureiro que supera a burocra-cia. Mas se deve a dois economistas brasileiros, José Scheink-man e Áureo de Paula, terem demonstrado que a informalida-de, longe de ser uma estratégia de sobrevivência, cria em vezdisso uma espiral de empobrecimento. A partir de uma amos-

Na China ou naÍndia, a vida doshumildes melhorou, masmenos veloz do quea dos mais ricos.Entretanto, no Brasil,os pobres avançarammais rápido do que osricos. Pela primeiravez na história do Paísa diferença diminuiu.

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tragem de 50 mil empresas informais no Brasil, descobre-seque elas só podem ser mal gerenciadas e improdutivas. Seusgerentes são medíocres porque os bons vão para o setor formal,seu capital é insuficiente porque o acesso ao crédito é impos-sível ou caro por falta de garantias, os salários são comparáveisaos do setor formal, o que prejudica os lucros e as perspectivasde desenvolvimento. Logo o setor informal desacelera o cres-cimento. Além disso, ele é contagioso: as empresas informaistendem a só se relacionar com outras empresas informais, a fimde escapar dos impostos e da regulamentação durante todo oprocesso de produção. Em função da importância da informa-lidade em um país relativamente pobre como o Brasil (sem dú-vida, 40% da produção nacional), a passagem à formalidadeacelerou sensivelmente o crescimento.

Seguindo as recomendações de Scheinkman e de Áureo dePaula, o governo, desde 2006, propôs uma anistia fiscal às empre-sas que paguem seus impostos. Pagar os impostos permite tam-bém ter acesso ao crédito bancário com juros de mercado e nãocom juros de agiota. Segundo De Soto, a taxa de crédito no setorinformal é em média cinco vezes maior do que as do setor formal.Portanto pagar tributos – o imposto sobre valor agregado no casobrasileiro – enriquece o empresário e o País. Com esse imposto, aformalidade substitui os canais informais por canais formais.

As duas Américas Latinas

A globalização, diz Cardoso, dividiu a América Latina emduas. Uma parte do continente se adaptou à nova realidade e aoutra nega a sua existência. Entre os que se adaptaram, Car-doso põe na frente o Chile, a primeira democracia liberal docontinente a aderir à economia de mercado. Os chilenos com-preenderam antes dos outros que a vantagem não estava noclima nem nos minerais, mas na capacidade ou não de criarinstituições estáveis. Desde Pinochet, chefe de Estado de 1981a 1990, até Michelle Bachelet, presidente socialista desde 2005,o Chile não mudou suas regras econômicas e se integrou comsucesso à economia mundial. México, Brasil, Uruguai, Colôm-

bia, Peru, Costa Rica, República Dominicana se engajaram, emritmos e graus diferentes, nessa mesma reconciliação entre de-mocracia liberal, economia de mercado e globalização.

O Brasil, afirma Cardoso, está agora mais integrado ao mundodo que a América Latina. Sem dúvida, é o feliz resultado de boasescolhas políticas. Havia também algumas predisposições histó-ricas. O Brasil e esses outros países a caminho da integração como mundo atual desfrutavam de uma certa tradição do Estado e dodireito herdados da colonização. Todos têm uma antiga burgue-sia empreendedora e uma tradição liberal que remonta ao século19. Todos participam de uma cultura nacional relativamente ho-mogênea, que autoriza a cidadania e o exercício da democracia. OBrasil é etnicamente diversificado, porém, do aristocrata latifun-diário ao camponês mulato, os brasileiros compartilham um sen-timento de participação nacional, uma civilização mestiça cole-tiva e um projeto de futuro comparável ao que é nos Estados Uni-dos o sonho americano. "Somos", diz Cardoso, "americanos maisdo que europeus". Como os americanos do Norte, completa ele,temos "um problema racial", mas ele não ameaça o País.

A outra América Latina, da qual se afastaram o Brasil, a Co-lômbia e o Chile, caracteriza-se pela recusa à realidade. Os chefesde Estado são sempre caudilhos, cujos clientes contam com o queeles distribuem. A redistribuição do petróleo, de minerais e da ter-ra tem lugar na economia e substitui o desenvolvimento. O mitoda revolução continua presente, uma revolução comunista e,mais ainda, uma revolução indígena. A tensão revolucionárianessa velha América Latina é explicada pela não integração dosindígenas (os índios da Bolívia ou do Paraguai, por exemplo) nasociedade nacional. É um erro comum na Europa traduzir em lin-guagem de luta de classes o que em um país como a Bolívia vemda luta de raças, herança da colonização. Nessa velha AméricaLatina, a democracia é freqüentemente uma ficção. O populismotem lugar de projeto, um caudilho elimina o outro. O desenvol-vimento não pode se enraizar por falta de instituições estáveis.No melhor dos casos, a alta temporária dos preços das matérias-primas, o petróleo na Venezuela, a soja na Argentina, cria uma ilu-são de prosperidade. O fluxo dos capitais internacionais à procu-ra de bons negócios, tanto quanto as cotações mundiais, fazem edesfazem essas economias baseadas na especulação, mas não naconstituição de uma burguesia empreendedora local. A únicacerteza, diz Mailson da Nóbrega, é que na velha América Latinatudo termina sempre mal. Com nuances: muito mal na Venezue-la, menos mal na Argentina. Entretanto, após a euforia, voltamsempre os tempos da recessão econômica e da ditadura militar.

Além da fascinação que a AL exerce sobre os intelectuais oci-dentais saudosos da revolução, não estamos mais nos anos 60-70.Os populistas antiliberais à Chávez refutam a ordem mundial, to-davia não propõem alternativas. O desaparecimento da URSSmudou a distribuição das cartas, bem como a experiência econô-mica adquirida. Fora da integração à ordem mundial, à democra-cia e ao mercado, não existe caminho para o desenvolvimento.Cardoso chama isso a nova social-democracia, sua tradução paraa economia social alemã. Vai pela social-democracia porque o ter-mo liberalismo foi deturpado por seus seguidores.

"O Brasil não é um país sério", declarou De Gaulle após a visitaque fez em 1961. Se pudesse voltar, ele deveria corrigir seu julga-mento. No Brasil, diz Mailson da Nóbrega, o futuro começou.

Arquivo DC

Desde Pinochet,chefe de Estado de1981 a 1990, atéMichelle Bachelet(foto), o Chilenão mudou suasregras econômicase se integroucom sucesso àeconomia mundial.

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Alfe

r

O Brasil vem apresentando umdesempenho econômico bas-tante favorável. Os indicadoresbásicos registram um nível de

crescimento que há muito não ocorria. A maio-ria das boas notícias apareceu no governo Lula(2). O que dizer do futuro?

A sustentabilidade desse crescimento de-pende de regras claras. Em qualquer socieda-de, as instituições é que fazem esse papel, dan-do base para a previsibilidade. São elas que ga-rantem o direito de propriedade, a validadedos contratos e os estímulos para investir.

Até que ponto as regras que estão sendomoldadas no governo Lula favorecem a con-cretização desses objetivos no longo prazo?

Os primeiros passos do PT no governo

O PT nunca escondeu seu propósito detransformar as instituições brasileiras paraimplantar no Brasil um regime socialista, res-tabelecendo-se assim a figura do Estado-Em-preendedor. O Partido dos Trabalhadoresnasceu na esteira do marxismo misturadocom catolicismo, e sempre visou a estratégiade forte intervenção governamental na eco-nomia e na sociedade.

No campo institucional, a mudança demaior profundidade buscada pelo PT diz res-peito à substituição da democracia representa-

O PT no jogoAs regras dogoverno Lulae o Brasil no

longo prazo (1)

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tiva pela democracia partici-pativa, com ampla liberdade devoz, voto e ação para os movi-mentos sociais. Nos primeiros anos do gover-no Lula, o direito de propriedade e a validadedos contratos foram abertamente questiona-dos por esses movimentos e por vários inte-grantes da máquina pública federal.

Dois exemplos. Uma grande onda deocupações de terras tomou conta doPaís, tendo à frente o MST – Movi-mento dos Trabalhadores sem Terra –e continua até hoje. No início do primei-ro mandato do presidente Lula, o ministrodas Comunicações, Miro Teixeira, declarounulos os contratos com as empresas de te-lecomunicações, então privatizadas. (3)

O ímpeto intervencionista nos pri-meiros anos do governo Lula foi alémda área econômica, adentrando nocampo das idéias. As tentativas de criar oConselho Nacional de Jornalismo (CNJ) ea Agência de Cinema e Audiovisual (AN-CINAV) mostraram que o dirigismo pre-tendido incluía o monitoramento dopensamento social por meio do contro-le da imprensa e da cultura.

Isso fazia parte do projeto de po-der do PT. Frei Beto costumavadizer que "o PT chegara ao gover-no, mas não ao poder".

Renata Jubran/AE

José PastoreProfessor da Faculdadede Economia eAdministração da USP.www.josepastore.com.br

do poder

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Segundo analistas, o partido perseguia cincoetapas para atingir aquele objetivo. Primeiro,era necessário transformar o PT em partidohegemônico. Segundo, era crucial ocu-par toda a estrutura do Estado. Tercei-ro, fazia-se urgente ampliar o arco deapoio eleitoral pela via dos progra-mas sociais. Quarto, era fundamen-tal desenvolver a tática da persua-são social, mediante a espetacula-rização das atitudes. Quinto, erapreciso cimentar a legitimidadesocial pela via das urnas, ganhan-do eleições em todos os níveis. (4)

Essas etapas eram consideradasexeqüíveis. A brutal desigualdadedo País garantiria ao PT as condiçõesbásicas para a construção de um par-tido hegemônico, com forte adesãodos destituídos. Mas, uma vez no gover-no, os dirigentes do partido aprenderamque isso não seria rápido, e muito menos au-tomático. Uma estratégia abrupta se chocariacom os direitos civis e políticos e com as garan-tias de liberdades assentadas na ConstituiçãoFederal. Era necessário certo gradualismo.

A estratégia gradual estava explicitada nareceita de Antonio Gramsci, que inspirou mui-tos dirigentes do PT, que em suas falas e obrasmostravam familiaridade com os conceitos de"hegemonia", "descontrução", "intelectuaisorgânicos", "sociedade civil" etc., cunhadospelo filósofo italiano na década de 30.

Por exemplo, José Genoíno, quando presi-dente do PT, raciocinava da seguinte maneira:

"A partir das formulações de AntonioGramsci, os partidos de esquerda aceitam aspremissas do jogo político democrático até asúltimas conseqüências. A radicalização e oaprofundamento da democracia se tornaramelementos centrais de suas estratégias. Trata-se de lutar, gradualmente, pela hegemonia po-lítica, cultural e moral (valores) no interior dassociedades democráticas". (5)

Tarso Genro, que também foi presidente doPT, em um de seus livros pregava o seguinte:

"A adaptação aos novos métodos de tra-balho não pode se dar apenas pela coerção.Esta deve ser sabiamente combinada com apersuasão e o consenso". (6)

"O governo reformista de Lula está, sim,agindo com realismo, pois qualquer políticapode e deve combinar realismo com ousadia,nos seus momentos próprios". (7)

"[O PT] não é um partido que exacerba a lutade classes, porque essa exacerbação fragiliza ogoverno ante o domínio do capital financeiro

globalizado: esta é a primeira e estratégica con-dição a ser assumida. Tudo para que possa

ocorrer uma transição – internamente ne-gociada – para um modelo de desenvol-

vimento de produção, emprego e dis-tribuição de renda". (8)

"A pura representação política doparlamento, por mais depurada queseja, é insuficiente e incapaz de me-diar vontades democraticamenteformadas. Estas precisam de ou-tras mediações. É preciso, pois,reinventar a democracia..." (9)

"No que se refere à questão dainformação, impõe-se uma estra-tégia que direcione a sociedade

para uma forma de socialismo de-mocrático, que se baseia em uma es-

trutura estatal de caráter político-ad-ministrativo..." (10)

"As 'não-classes' – da exclusão, da pre-cariedade – são as que mais pesam como

formadoras de opinião eleitoral e também pa-ra os movimentos sociais extraparlamentares.As próprias classes hegemônicas já não sãomais alicerçadas na ideologia burguesa clássica,com o seu manto fáustico-produtivista". ( 11 )

Em outras palavras, o novo socialismo teriade ser buscado através de uma "revolução es-pontânea", com base na educação, propaganda eação massiva junto aos grupos desprotegidos.

De fato, Gramsci alertava os militantes dosocialismo para o fato de que os trabalhado-res não odeiam as classes média e alta e nemtêm disposição inata para destruir a ordemexistente, porque eles mesmos estão impreg-nados com muitos valores dessa ordem. Oimportante era atacar e destruir esses valoreso que, não podia ser feito com base na força,mas sim por meio de persuasão e ação delibe-rada. O novo socialismo seria baseado, assim,em uma revolução com o povo e não sem po-vo, como foi na Rússia, em 1917.

O método persuasivo é demorado, traba-lhoso e requer um planejamento estratégicopara, no fim, chegar ao domínio das consciên-cias. Nessa empreitada, tem grande impor-tância, para Gramsci, a conquista dos órgãosda cultura, das escolas, das igrejas, dos jor-nais, do rádio, das revistas, da música (letra-da), da literatura e, sobretudo, das artes vi-suais. É crucial trilhar muito mais a pista dasemoções do que a da razão.

Com isso, chegar-se-ia ao "controle natural"dos pensamentos, utilizando-se com ênfase aimaginação e a criatividade das pessoas. As re-sistências mais fortes tenderiam a desaparecer.

Leia a edição"A Revolução Gramscista

no Ocidente" emhttp://www.dcomercio.

com.br/especiais/digesto/digesto_04/

anteriores.htm

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Os integrantes da classe baixa deixariam deamar a servidão sem, no entanto, odiar os do-minadores. Essa é a receita para se chegar auma hegemonia cultural, que seja capaz de mi-nar os elementos da cultura tradicional.

Dentro dessa concepção, a transformaçãoalmejada pelo projeto de poder do PT não po-dia vir por meio da tradicional concepção mar-xista de revolução do proletariado contra aburguesia. Ao contrário, ela teria de se utilizardas próprias instituições para fazer penetrarna juventude e no povo o questionamento dosvalores existentes, de modo a levar os destituí-dos a ocuparem, gradualmente, os postos di-rigentes das empresas e do governo para entãoapoiar e implantar uma forte intervenção doEstado em setores estratégicos da vida econô-mica – única forma de se assegurar mais igual-dade e mais justiça social.

Para Gramsci, a escola e a cultura desem-penham papéis cruciais nesta trajetória. Nassuas palavras, ao criticar a situação italianados anos 30:

"Nosso partido [socialista] ainda não se pro-nunciou sobre um programa escolar preciso. Aescola continua sendo um organismo estrita-mente burguês, no pior sentido da palavra. Aescola é um privilégio. O Estado não deve pa-gar a escola (...) para os filhos medíocres e de-ficientes dos ricos, enquanto deixa de fora osjovens proletários inteligentes e capazes". (12)

A semelhança com os vários sistemas de co-tas e programas de inclusão propostos pelo PTé mera coincidência?

Na tarefa de desconstrução dos valores, di-zia Gramsci, a cultura desempenha um papelfundamental. Referindo-se mais uma vez à si-tuação da Itália, criticava:

"Em Turim, não existe nenhuma organiza-ção de cultura popular. Da Universidade Popu-lar, é melhor nem falar: ela já foi algo vivo". (13)

"A escola deve ser uma instituição proletária e,como tal, a Associação de Cultura deveria criarconvicções, contribuindo poderosamente paragerar novos costumes, mais livres e desprecon-ceituosos que os atuais..." (14)

Enfim, na concepção do astuto filósofo, parase chegar ao estado socialista é preciso conquis-tar os corações dos cidadãos e prepará-los paraabsorverem as elites sem choques, seduzindo amente dos adversários para as novas idéias. Is-so vai melhor pelas vias das emoções do que pe-las vias da razão ou da confrontação.

A imprensa, a escola e a cultura tinham, as-sim, um importante papel na modelagem danova ideologia para se chegar ao poder, ordei-ramente e por meio do voto.

Sobre a imprensa:Dizia Gramsci:"A imprensa é a parte mais dinâmica dessa es-

trutura ideológica. Mas não é a única: tudo o queinflui ou pode influir na opinião pública, diretaou indiretamente, faz parte dessa estrutura. Delafazem parte as bibliotecas, as escolas, os círculosde variado tipo, até a arquitetura, a disposição e onome das ruas. O que se pode contrapor, por par-te de uma classe inovadora, a este complexo for-midável de trincheiras e fortificações da classedominante? O espírito de cisão. A conquista pro-gressiva da consciência da própria personalida-de histórica requer um complexo trabalho ideo-lógico, cuja primeira condição é o exato conhe-cimento do campo a ser esvaziado de seu ele-mento de massa humana." (15)

Sobre a família:"Para nós, socialistas, a família deve ser rein-

tegrada em sua função moral, de preparaçãohumana, de educação cívica. A família atualnão pode realizar esta tarefa. A preocupaçãomaior dos pais é a de garantir o desenvolvimen-to fisiológico da prole e de assegurar-lhe osmeios de subsistência... Queremos que todosdisponham dos meios necessários para educara própria inteligência. Portanto, somente a abo-lição da propriedade privada e sua conversãoem propriedade coletiva poderão fazer comque a família seja aquilo que deve ser: um orga-nismo de vida moral. Os pais não mais viverãona angústia de buscar o pão para seus filhos,mas poderão assim exercer serenamente sua

tarefa moral de educadores". (16)

A pregação da hegemonia da família naocupação de terras praticada pelo MST,MLST e CPT (17) é mera coincidência?

Voltando ao primeiro mandato dospetistas. Com os escândalos de cor-

rupção eclodidos em 2005 ("mensa-lão"), o governo Lula suspendeu a

Na concepção doastuto filósofo (Gramsci),para se chegar aoestado socialista, épreciso conquistar oscorações dos cidadãos eprepará-los paraabsorverem as elites semchoques, seduzindo amente dos adversáriospara as novas idéias.Isso vai melhor pelas viasdas emoções do quepelas vias da razão

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estratégia indicada, passando a intensificar osprogramas sociais e, com base neles, ajudarconcretamente os destituídos ( 18 ) pela via doBolsa Família (que atende a mais de 45,5 mi-lhões de pessoas), o PROUNI (que já ofereceumais de 250 mil bolsas de estudo), PROJOVEM(que favoreceu a educação de mais de 440 miljovens que estavam fora da escola) (19), a cons-trução de quase 150 mil cisternas para as famí-lias pobres, o grande aumento de 37% reais nosalário mínimo e suas repercussões nas aposen-tadorias e pensões, a Farmácia Popular, o Pro-grama Luz para Todos e vários outros.

Com base nesses programas, o presidenteLula saiu da crise como o amigo dos ricos e paidos pobres – a fórmula adotada com sucessopor Getúlio Vargas. Na linha do Estado-Em-preendedor, no curto período de 2005 a 2006, oBrasil viu criados 404 mil postos de trabalho naadministração pública dos três níveis de go-verno (chegando a um total de 5,9 milhões des e r v i d o re s ) (20), uma grande parte estimuladapelo governo federal: o presidente Lula decla-rou explicitamente que o choque de gestão éengordar a máquina pública. Outra parte foirealizada (e assim continua), através de convê-nios com Estados e municípios, disciplinadospela Lei dos Consórcios Públicos (Lei11.107/05) (21), que permitiu a penetração dopoder central nas esferas estaduais e munici-pais. Com isso, o aparelhamento das máqui-nas públicas foi irradiado para os três níveis degoverno. Foi a fase de ocupação da imensa ma-quinaria estatal do Brasil. Muitos sindicatos li-gados à CUT e ao PT ressentiram-se da perdade quadros estratégicos para a luta sindical.

A situação presente

O aparelhamento da máquina pública e osprogramas sociais tiveram um impacto decisi-vo na reeleição de Lula em 2006, quando obte-ve mais de 60 milhões de votos.

Nos vários cargos ocupados nos três níveisde governo, em especial no federal, os filiadosdo PT, na maioria dirigentes sindicais, passa-ram a ser as peças-chave para levar adiante afilosofia do partido – muitas vezes sem conhe-cer em profundidade os seus alicerces ideoló-gicos. Mas, na prática, são eles que autorizamdespesas, propõem decretos, assinam porta-rias e tomam decisões, na maioria, irreversí-veis e que vão modelar a feição do governo e daeconomia no longo prazo. (22)

Os postos ocupados foram tão numerososque, raramente, conseguiu-se casar a necessi-dade de competência dos cargos com a quali-

ficação dos ocupantes. Dos novos indicados,os mais bem preparados estão na área econô-mica. Mesmo assim, apenas 27% dos nomea-dos têm formação universitária compatívelcom suas responsabilidades. Na área da Saú-de, são 19%. E na da Educação, só 14%. Nasáreas de maior concentração de petistas (pro-gramas sociais, reforma agrária, assistênciasocial, trabalho, previdência social), a grandemaioria não tem formação universitária e,muitas vezes, nem o nível médio. (23)

Se de um lado a penetração de sindicalistasna máquina pública pode ser considerada comoum avanço democrático, de outro, pode ser en-tendida também como a reinauguração da co-optação dos sindicatos pelo governo, nos mol-des do corporativismo praticado por GetúlioVargas, que distribuía cargos e recursos para asentidades sindicais. Por iniciativa do governoLula, que sempre condenou essa cooptação, oCongresso Nacional foi instado a aprovar umrepasse de recursos públicos para as centraissindicais. Esse é o espírito do Projeto de Lei1.990/07 de autoria do Poder Executivo.

A retórica hoje não é a mesma do primeiromandato. Mas, não é inteiramente diferente. Alinguagem mudou, mas ficou o sotaque.

Para se conhecer a orientação de um partidopolítico tem-se que ir além da retórica explícitados governantes e chegar ao seu ideário. E, noBrasil, o PT é o único partido que possui um ideá-rio e uma estrutura de ação. O partido conta comquase 900 mil filiados com carteira, contribuin-do financeiramente, de forma regular, com en-dereço conhecido, sede própria e que consegue,a qualquer momento, mobilizar milhares de mi-litantes para defender uma causa (24), nem sem-pre bem conhecida. Essa combinação de ideárioe militância deu ao PT uma força indiscutivel-mente superior à dos demais partidos.

Para se entender o impacto do ideário dopartido e as conseqüências das medidas toma-das pelos governantes para os próximos oitoou dez anos, há de se distinguir as ações do pre-sidente Lula das ações do governo Lula.

As ações do presidente Lula tendem a aco-modar variados interesses corporativos, queestão presentes no seu governo e, ao mesmotempo, a vender otimismo para os empresáriose os trabalhadores quanto ao futuro do País. Osbons resultados da economia fluem nas falas deLula com muita facilidade, da mesma maneiraem que, a cada oportunidade, relaciona a con-cretização do tão pregado – e nunca alcançado –crescimento com progresso social, ignorandoque isso é fruto de ações anteriores ao seu man-dato e à boa fase da economia mundial.

Para se conhecera orientação de umpartido político tem-se que ir além daretórica explícita dosgovernantes echegar ao seuideário. E, no Brasil,o PT é o único partidoque possui umideário e umaestrutura de ação.

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Não há dúvida de que o poder de compra dospobres cresceu de forma expressiva no governoLula e é um dos principais responsáveis pelo for-te aumento da demanda doméstica e, mais re-centemente, do crescimento dos investimentosinternos. Estudos da Fundação Getúlio Vargasmostram que a miséria foi reduzida em 28% noprimeiro mandato do presidente Lula, o que aju-dou a ampliar a demanda interna. (25)

A boa onda da economia mundial é um for-te convite para os empresários a elevarem osinvestimentos. (26) Lula tem usado o seu caris-ma para capitalizar em cima desses fatores. Asua ação é de um ativista do crescimento.

Entretanto, são nas ações do governo Lulaque se devem procurar as medidas que terãomaior conseqüências para o futuro dos investi-mentos e para a eficiência da economia no mé-dio e longo prazos. Será que a ação do presiden-te Lula casa com as ações do governo Lula?

Fiel à preferência pelo Estado-Empreende-dor, o PT tem mantido sua ojeriza pela priva-tização. Uma enormidade de empresas esta-tais foi criada pelo governo federal.(27) Na áreada infra-estrutura, o governo tem feito pouco enão tem deixado a iniciativa privada fazer,com raras exceções.

A conduta do governo em relação às empre-sas privadas continua dicotômica. Para as em-

presas que produzem bens e serviços onde o Es-tado-Empreendedor não tem vantagem compa-rativa, o espaço está aberto para investir. Os ad-vogados desse estilo de governo não vêem oEstado em condições de produzir sapatos, con-fecções, mobiliário, alimentos, automóveis, ma-quinário etc. Esses setores continuam com auto-nomia para planejar, produzir e vender.

Mas, para as empresas que dizem respeitoaos bens e serviços básicos e que dependem daautorização do governo, a maioria dos auxilia-res do presidente Lula tem utilizado a máqui-na pública, a burocracia governamental e asagências reguladoras de forma rigorosa e atédiscricionária. Entram aí os vários projetos deinfra-estrutura e as empresas que dependemde autorização governamental nas áreas deenergia, meio ambiente, transporte e outros.Recentemente, o governo aprovou as conces-sões de cerca de 2.600 mil quilômetros de rodo-vias. O modelo adotado foi bem diferente doanterior. As concessionárias nada pagarampela concessão e venceram pelo menor preçodo pedágio oferecido. No modelo anterior, asconcessionárias pagaram pela concessão edestinam uma parte a arrecadação dos pedá-gios para o governo que, por sua vez, cons-troem outras rodovias. Como elemento eleito-ral, o modelo de Lula é muito mais poderoso,

Antonio Cruz/ABr

Com os escândalosde corrupção

eclodidos em 2005("mensalão"), o

governo Lulasuspendeu a

estratégiaindicada, passando

a intensificar osprogramas sociais.

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pois contará com o apoio de todos os motoris-tas que, sem atentarem para as conseqüênciasde longo prazo, sentir-se-ão satisfeitos comum pedágio mais barato.

No campo das idéias e valores sociais, o fra-casso das tentativas de implantar o CNJ e a AN-CINAV foi compensado pela TV Brasil, criadapela Medida Provisória 398/07. ( 2 8 ) Trata-se deuma nova empresa pública com forte interven-cionismo governamental. Dos vinte membrosque comporão o conselho superior da entidade,dezenove serão indicados pelo presidente Lula.Há mais intervencionismo. O artigo 29 da MP398/07 determina que as prestadoras e serviçosde TV por assinatura deverão reservar, gratuita-mente, dois canais para o Poder Executivo Fede-ral: um para transmitir a TV pública e outro paratransmitir atos e matérias de interesse do gover-no. É a volta da "Hora do Brasil", agora ampliadae fortalecida. Nas palavras dos dirigentes do PT,a nova televisão visa "democratizar" os meios decomunicação de massa, para que todos tenhamoportunidades de entender os debates políticose saber como decidir.

Ao lado da grande penetração de petistas naburocracia governamental, a máquina públicatem se revelado muito lenta nas decisões. Emvárias áreas, os funcionários têm medo de de-cidir. Eles são os mesmos que, quando na opo-

sição, acionavam o Ministério Público contraos servidores que autorizavam as agências re-guladoras a prosseguir no seu trabalho. Comreceio de serem vitimas do próprio "modis-mo", eles não decidem. Os investidores têmmostrado grande preocupação com a lentidãodo Novo Estado Empreendedor. Segundo aABDIB, o PAC vai produzir efeitos muito me-nores do que os anunciados pelo governo, emvista do cipoal burocrático que trava a aprova-ção dos projetos e o começo das obras. (29)

A área do meio ambiente é das mais críticas.Por exemplo, o prazo legal para a concessão deuma licença ambiental pelo IBAMA é de 30 dias,enquanto que o prazo médio (real) no governoLula tem sido de 394 dias. A aprovação de umEIA-Rima, que deveria ser feita em 60 dias, estálevando 576 dias. A realização de uma audiên-cia pública sobre questão ambiental, que deve-ria ocorrer em 45, leva 239 dias. E uma licençaprévia, que deveria ser concedida em 270 dias,leva 1.188 dias. (30) Os dirigentes de associaçõesde investidores em infra-estrutura não se can-sam de dizer que, no Brasil de hoje, o setor pri-vado não encontra ambiente favorável para aju-dar a construir o País, apesar de estar preparadopara "bancar" mais de 40% do PAC. (31)

Ou seja, o viés anticapitalista leva as autori-zações para o mais alto nível de decisão e en-

Os dirigentes deassociações deinvestidores eminfra-estrutura nãose cansam de dizerque, no Brasil dehoje, o setorprivado nãoencontra ambientefavorável paraajudar a construir oPaís, apesar deestar preparadopara "bancar" maisde 40% do PAC.

Roosewelt Pinheiro/Abr

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volve muitos administradores que, no conjun-to, titubeiam para decidir.

No 3º. Congresso do PT, realizado em 1º. desetembro de 2007, o partido reafirmou sua con-vicção anticapitalista. Nos vídeos preparató-rios ao evento, os apelos foram explícitos, comindicativos para aumentar o controle do Esta-do sobre a economia privada. (32)

Tanto esses vídeos como as três teses aprova-das no Congresso (33) , levaram o PT a recomen-dar grandes mobilizações populares, com movi-mentos de ruas, especialmente no que tange àpreparação da população na prática do voto emplebiscitos e referendos. O partido deseja utilizaresses meios para obter decisões sobre temas eco-nômicos e políticos de grande importância.

Para o PT, "o socialismo não é apenas um meio,mas o fim e o valor da sua ação política". (34)

Essa idéia tem levado os seus dirigentes a con-siderar o próprio partido como um fim. Isso ficouclaro nos casos de corrupção denunciados em2005. "Recursos não contabilizados" foi um dosmeios ilícitos para justificar um fim pretensa-mente lícito. Mais. A corrupção encontrou umamplo amparo dentro da filosofia explicitada no3º Congresso do PT, segundo a qual os fins supre-mos do partido justificam os meios.

Voltemos à relação entre as ações e a economia.Para reafirmar a sua linha de "intervencionismoseletivo", o Congresso do PT concluiu pela neces-sidade de se "reabilitar o papel do Estado no pla-nejamento democrático da economia". (35)

Em 1º de setembro de 2007, o partido recha-çou, de uma vez por todas, a idéia do Estadomínimo.(36) Um mês depois, o presidente Luladeclarou que "choque de gestão é contratarmais gente, ter mais pessoas qualificadas tra-balhando em consonância com a a burocraciagovernamental, que decidiu gastar em 2008R$ 130 bilhões com pessoal e encargos – umvalor 10,1% maior que o previsto na revisãodo orçamento de 2007.

Para os petistas, mais funcionários e maisdespesas com pessoal correspondem a me-lhores serviços públicos. "Se essa tese fosseverdadeira, a administração federal teria me-lhorado incessantemente nos últimos cincoanos. Não há notícia dessa melhora. O Tesou-ro Nacional gastou com pessoal e encargos,de janeiro a agosto de 2007, 13,5% mais quenos oito meses correspondentes de 2006. Asdespesas com esse item cresceram mais que areceita do governo central, 12,3%. A folha depessoal foi inflada não só pela contratação defuncionários, mas também pela generosaconcessão de aumentos salariais". (37)

No 3º Congresso do PT, os petistas reafirma-

ram que o Estado precisa crescer para assumiro planejamento e o financiamento do cresci-mento econômico.

"É necessário retirar o planejamento econô-mico das mãos de quem o faz hoje: da anarquiado mercado capitalista, bem como da minoriade tecnocratas estatais e de grandes empresá-rios, a serviço da acumulação do capital... (38)

"O governo Lula tem um projeto para o País. Éum governo que trabalha para que os bancos pú-blicos sejam bancos de fomento e que o BNDESseja o carro-chefe da economia brasileira". (39)

O PAC (Programa de Aceleração do Cresci-mento) foi lançado dentro dessa filosofia, naqual o Estado planeja e financia os projetos.

No que tange à preservação do direito depropriedade privada, o PT, apesar de ter ocu-pado certos setores críticos com um grande nú-mero de filiados (4 0 ) , lamenta a conduta dosmagistrados na condução de controvérsias so-bre aquele direito:

"O Poder Judiciário tem representado umimportante obstáculo à reforma agrária (...)sendo ágil nas ações penais contra liderançasdos movimentos sociais e lento nas ações ded e s a p ro p r i a ç ã o " . (41)

Nesse campo, aliás, o atual Ministro do De-senvolvimento Agrário, Guilherme Cassel,declarou: "há invasões compreensíveis". (42)

Na esteira do anti-privatismo, uma série demedidas vem sendo tomadas no sentido derestringir a ação das agências reguladoras. Adesmoralização da ANAC foi usada como pa-radigma em busca das mudanças, em especial,na regra que garante a estabilidade dos direto-res das agências. Tramita no Congresso Nacio-nal o Projeto de Lei 3.337/04, de autoria do Po-der Executivo, que visa dar um novo formatoàs agências reguladoras. Há uma forte tendên-cia de se transformar as agências em reparti-ções do governo federal, que não estarão livresde influências políticas.

Nesse campo, as medidas concretas foramalém dos sonhos. No governo Lula, as agênciasreguladoras tiveram grandes cortes em seusre c u r s o s (43) e novas restrições têm sido intro-duzidas para o investimento privado. Nosprojetos de produção e transmissão de energiaelétrica, por exemplo, o governo estabeleceuum limite estreito para a participação do capi-tal privado na construção de usinas e linhões.No caso da Usina Santo Antônio, do Rio Ma-deira, essa participação será acanhada.

A preferência do PT é pela elevação do papeldos órgãos de Estado no investimento e na ge-rência das atividades de infra-estrutura, o quepode comprometer os aspectos da eficiência,

Na esteira do anti-privatismo, uma sériede medidas vem sendotomadas no sentido derestringir a ação dasagências reguladoras.A desmoralização daANAC foi usada comoparadigma em buscadas mudanças, emespecial, na regra quegarante a estabilidadedos diretores dasagências.

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custos, margens, cortes, inadimplência ou equi-líbrio financeiro dos contratos. Em recentes revi-sões tarifárias, as empresas de energia elétrica,privatizadas, são levadas a trabalhar em condi-ções intoleráveis. Já há sinais de empresas queestão se desinteressando e se retirando da ativi-dade. Pressões exageradas podem derrubar opreço dessas empresas o que, de certa forma, fa-cilitaria a sua recompra pelo Estado.

Mas, as propostas apresentadas no 3º Con-gresso do PT foram além da área econômica.Seguindo os passos de Gramsci, os intelectuaisdo partido aprovaram várias teses no campodas instituições.

Sobre a escola:"A escola deve sedimentar os valores que

q u e re m o s " . (44) (grifo acrescentado)Sem querer estabelecer semelhanças, é inte-

ressante notar uma decisão de Hugo Chávezna mesma direção:

"As escolas públicas e privadas têm de ensi-nar às crianças o socialismo do século 21. Quemnão quiser terá de fechar sua escola. Haverá in-tervenções, nacionalizações e assumiremos aresponsabilidade sobre essas crianças". (45)

Além disso, será determinada a adoção denovos livros didáticos para todas as escolas.Coincidentemente, a imprensa brasileira de-nunciou que mais de 20 milhões de estudantesvêm sendo "doutrinados" pelos livros distri-buídos pelo Ministério da Educação e Cultura,em especial, pela Nova História Crítica, usadona 8ª série, que busca incutir nas crianças que oregime capitalista é mau e que a solução de to-dos os problemas é o socialismo.(46) O jornalis-ta Ali Kamel fez um resumo das partes maisilustrativas dessa estratégia:

"Terras, minas e empresas são propriedadeprivada. As decisões econômicas são tomadaspela burguesia, que busca lucro pessoal. Aburguesia recebe muito mais do que o prole-tariado. [No socialismo], terras, minas e em-presas pertencem à coletividade. As decisõeseconômicas são tomadas democraticamentepelo povo trabalhador. Os produtores são ospróprios consumidores, por isso tudo é feitocom honestidade. Não há mais ricos, e as dife-renças sociais são pequenas". (47)

Ao comentar um outro livro de história,com tiragem de mais de um milhão de exem-plares e distribuído pelo Ministério da Educa-ção e Cultura – "Projeto Aribá, Historia, Ensi-no Fundamental 8" – o mesmo jornalista des-tacou vários trechos de pura propaganda dogoverno Lula e que nada têm a ver com a rea-lidade dos fatos da formação do Brasil. (48)

Para agir de forma mais harmônica e compe-

tente, o 3º Congresso decidiu criar a "Escola Na-cional do PT" para elaborar e executar uma po-lítica de formação de futuros gestores de prefei-turas, governos estaduais e parlamentares. (49)

No campo da cultura, o PT reconheceu a ne-cessidade de: "reforçar o seu compromissocom a cultura como ferramenta de transforma-ção" (50) , dentro de uma "prática cultural petis-ta" (51), na qual "artistas, intelectuais e militan-tes da cultura tenham um papel mais impor-tante na construção do ideário e atuação par-tidária". (52) Nesse campo, o partido prega que"se pense a ação cultural como assunto estra-tégico de governo e de poder". (53)

Qual será o método para se chegar a esses fins?No 3º Congresso o PT anunciou os mecanismosque pretende pôr em marcha para atingir a de-mocracia participativa como, por exemplo:

"A convocação de plebiscitos para decidirquestões de grande alcance nacional; a simpli-ficação das formalidades para a proposição deiniciativas populares legislativas; a convoca-ção de consultas e referendos em temas de im-pacto nacional..." . (54)

Foi dentro dessa perspectiva que surgiu aidéia de um plebiscito sobre a validade da pri-vatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Trata-se de um plebiscito de resultado qua-se conhecido. Os brasileiros, de modo geral,gostam mais de estatização do que de privati-zação. A grande maioria quer ver o governo to-mando conta da energia elétrica (64%), estra-das e rodovias (68%), bancos (51%). A únicaárea em que a privatização é privilegiada pelopovo é a da telefonia, devido ao fácil acesso aostelefones celulares. (55)

Por isso, há os que especulam que a idéiado plebiscito sobre a Vale do Rio Doce foi pen-sada como um projeto piloto para testar a via-bilidade das consultas populares e, ao mes-mo tempo, desenvolver o "know how" do PTno campo dos plebiscitos e referendos sobretemas mais complexos, como é o caso dasquestões políticas como, por exemplo, as quevisam mudar as funções das instituições de-mocráticas (Senado Federal), dos mandatoseletivos e até mesmo as cláusulas pétreas daConstituição Federal. Outros vêem nisso ummero estratagema para alinhar aquela em-presa na futura campanha eleitoral à Presi-dência da República.

Mas, ao que tudo indica, a busca de plebisci-tos vai mais longe do anunciado pragmatismo ese mostra como uma das peças para se materia-lizar uma reforma política. Nesse terreno, o PTdeseja: "a convocação de uma Assembléia Na-cional Constituinte exclusiva, livre, soberana e

Há os queespeculam que aidéia do plebiscitosobre a Vale do RioDoce foi pensadacomo um projetopiloto para testar aviabilidade dasconsultas popularese, ao mesmo tempo,desenvolver o"know how" do PTno campo dosplebiscitos (...)

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democrática, a ser alcançada através de umgrande movimento que venha a ganhar as ruascom um sentido de conquista e ampliação de di-reitos políticos e democráticos". (56)

Não foi mencionada a idéia de mudança domandato presidencial e muito menos a possi-bilidade de reeleição do presidente Lula. Mas,nada disso pode ser feito sem uma AssembléiaNacional Constituinte. Uma vez na rua, a cam-panha prevista pode ser ampliada em seus ob-jetivos, para criar o clima de forte demandadas massas pela continuidade do presidente. Éuma hipótese remota, mas que não está fora decogitação. Tudo vai depender do andamentoda economia e da satisfação dos eleitores comas políticas do governo atual.

Especulações sobre o Futuro

O que se pode esperar dos investimentosem um governo de esquerda e intervencionis-ta? O que antever em termos de eficiência daeconomia brasileira?

O governo Lula se caracteriza por uma es-querda do tipo burocrático-sindical. Não setrata de uma esquerda revolucionária. Lula éum homem conservador e que não gosta de

correr grandes riscos. Ademais, vários de seusauxiliares aprenderam que, para a sobrevivên-cia no governo, o crescimento econômico é in-dispensável e, portanto, não se pode agredir osinvestidores privados impunemente.

Ao lado da concepção ideológica que presideas decisões nos Congressos do Partido dos Tra-balhadores e nos escritos dos expoentes mais in-telectualizados, há que se considerar que agrande maioria dos militantes que ocuparam amáquina do Estado age de forma pragmática efisiológica. São dirigentes sindicais que assumi-ram postos públicos, que têm a liberdade paracontratar pessoas, independentemente de qua-lificação e concurso. São pessoas que se encan-tam com os hotéis cinco estrelas e que usufruemde outras facilidades, comuns aos cargos públi-cos, e estranhas à dureza franciscana da vidasindical – com exceções, é claro.

Para essas pessoas, o socialismo dos intelec-tuais do partido é um ornamento sofisticadopara justificar uma vida de regalias que agradaa todas. Sentados na proa de uma grande nave,elas agem com extremo pragmatismo paramanter-se no governo, haja vista a variada listade coligações do PT com partidos que nadatêm a ver com os princípios socialistas – ou, pa-

Coincidentemente, aimprensa brasileiradenunciou que maisde 20 milhões deestudantes vêmsendo doutrinadospelos livrosdistribuídos peloMinistério daEducação e Cultura,em especial, pelaNova HistóriaCrítica - 8ª série.

Reprodução

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ra ser franco, com quaisquer princípios. Naverdade, os que defendem de modo maisaguerrido as teses socialistas são os políticosque se desligaram do PT, como é o caso, porexemplo, dos integrantes do PSOL.

Dentro do pragmatismo do dia-a-dia, a con-duta desses petistas se aproxima do velho pe-ronismo, em que o sindicalismo fez todo o tipode arranjo para continuar governando a Ar-gentina. Para essa massa de recém-chegados àvida pública, a delapidação da máquina do Es-tado virá mais pela degradação ocasionadapela incompetência técnica e pelo estilo de ad-ministração feudal do que pela concepção in-telectualizada do novo socialismo pregadopela cúpula do PT.

As ações praticadas se assemelham às deuma política de varejo de estilo municipalista– muito longe do que caracteriza a construçãode um projeto de desenvolvimento de Nação.A maioria desses militantes tem conseguido"desconstruir" no pressuposto de que a "re-construção" será automática. Miram em açõesintervencionistas, como se a economia e a so-ciedade reagem na mesma direção e com amesma eficiência – sem levar em conta os pro-blemas de segunda geração.

Tome o caso do desrespeito ao direito depropriedade. Em certos casos, o desrespeitotem sido aberto como foi a quebra de patentedo medicamento Efavirenz para tratamentode AIDS e produzido pelo Laboratório MerckSharp & Dohme, determinada por um decretopresidencial em 4 de maio de 2007. Em outroscasos, desrespeito se esconde na leniência dogoverno em relação às ações predatórias doMST em várias regiões do País.

Há ainda a conduta que fica nas entrelinhas,como é o caso da simpatia pelos governos deesquerda da América Latina. Muitos burocra-tas nem conhecem a realidade dos países, masatuam na direção a ser seguida porque se tratade uma contestação às elites formulada e acio-nada pelo Foro de São Paulo, que foi fundado,pela iniciativa de Lula, para articular os esfor-ços de todos os partidos de esquerda da região,com o apoio de Fidel Castro e Hugo Chávez.

Trata-se de um pano de fundo, que justificacertas condutas, aparentemente triviais, masque levam avante a utopia de um novo socialis-mo na América Latina. Podem ser citadas algu-mas decisões muitos simples. No caso dos atle-tas cubanos, por exemplo, ficou clara a interli-gação entre os governos do Brasil e de Cuba, napronta deportação daqueles esportistas. (57) Nocaso da Bolívia, ficou patente o alinhamento en-tre os presidentes Lula e Evo Morales em face de

uma brutal invasão de escritórios e plantas dasrefinarias da Petrobras naquele país. No caso doMercosul, identificou-se um acordo tácito entreLula e Chávez, que recebeu um convite para en-trar no bloco regional sem a aprovação préviados demais parceiros – Argentina, Paraguai eUruguai – e do Congresso Nacional.

São forças que se somam na redução da efi-ciência dos órgãos públicos e, no longo prazo,da economia como um todo.

Por não ser uma esquerda de total arbítrio, ogrosso da interferência do Estado na vida dasempresas privadas vem sendo feita através deleis, medidas provisórias, decretos e outrosatos administrativos. Entram nessa estratégia,a agressividade da Petrobras ao comprar, noperíodo de poucas semanas, o Grupo Ipiranga,juntamente com a Braskem e Ultra – assim co-mo na aquisição da Suzano Petroquímica. Sãosinais de franca reestatização do setor.

Compõe esse modelo a proposta do gover-no de criar uma grande empresa nacional detelecomunicações, com a fusão da OI (ex-Te-lemar) com a Brasil Telecom. Indiretamente,atuam nessa direção as dificuldades criadaspelo governo contra a terceirização, o que estálevando as empresas privatizadas a uma re-estatização pela incorporação forçada emseus quadros de empregados que pertenciamàs empresas contratadas. É a chamada "esta-tização branca" – tudo dentro da legalidade.O mesmo combate à terceirização, na maioriados casos, reduz a eficiência das empresasque não podem realizar todas as atividades edependem de sub-contratação.

A redução das liberdades vem sendo prati-cada também através de mecanismos legaismuito sutis. Por exemplo, a Medida Provisória316/06, depois convertida na Lei 11.430/06, in-verteu o ônus da prova no caso de acidentes dotrabalho e doenças profissionais. Um emprega-do, individualmente, ou por meio de seu sindi-cato, passou a ter o direito de responsabilizar aempresa onde trabalha por qualquer problemade saúde que lhe venha a ocorrer durante o seucontrato de trabalho. Cabe à empresa provarque o problema não foi causado por suas ativi-dades. Isso já está gerando uma enorme quan-tidade de ações trabalhistas, invocando, inclu-sive, vultosas indenizações por danos materiaise morais. O acúmulo dessas ações na mesmaempresa acarreta uma elevação do seu grau derisco, o que implica em aumentos expressivosna alíquota da contribuição compulsória ao se-guro acidentes do trabalho.

Outro exemplo. Desde julho de 2006, os sin-dicatos laborais passaram a ter o direito de

O Foro de São Paulo foifundado pela iniciativade Lula para articular os

esforços de todos ospartidos de esquerdada região, com apoio

de Fidel Castroe Hugo Chávez.

Na foto, capa da revistaDigesto 439 - Os 4

Cavaleiros do Leviatã

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39SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

acionar as empresas em nome de seus repre-sentados, mas sem autorização destes e atémesmo contra a sua vontade, o que, de certaforma, tornou os empresários reféns dos sindi-calistas. Trata-se do dispositivo legal chamadode "substituição processual", por meio do qualo sindicato substitui o trabalhador, semanuência deste. Com isso, os sindicatos estãose preparando para usar esse poderoso direitopara acionar as empresas por motivos presen-tes e passados, em ações trabalhistas de gran-de monta. Numa palavra, os empresários nãosabem mais o passivo trabalhista que de fatopossuem porque, a qualquer momento, umsindicato pode processá-los por motivos re-motos referentes a todos os seus empregados eaté mesmo a toda uma categoria profissional.

Esses dois exemplos explicitam a insegurançajurídica que cerca os investidores no longo pra-zo. É a formação de passivos ocultos. A qualquermomento eles podem se transformar em açõesjudiciais onerosas para ressarcir um acidente ouuma doença que foi contraída fora de suas em-presas ou indenizar prejuízos alegados por umsindicato que sequer consultou seus representa-dos para deles obter a devida autorização.

Na área trabalhista, a lista de medidas inter-vencionistas é infindável e transborda os limi-tes deste ensaio.

Em vista de tudo isso, ainda é vantajoso in-vestir no Brasil?

Parece que sim. Afinal, o potencial de consu-mo do País é enorme. A melhoria da distribui-ção de renda vem ampliando esse potencial. Aelevação do poder de compra dos pobres, pro-movida em grande parte pelos programas so-ciais, amplia as oportunidades de vendas e lu-cros. Ganhos adicionais podem surgir da esta-bilidade política mantida por um governo quetem fortes raízes populares. Na opinião de Bres-ser, para os investidores, a esquerda ideal é aque busca reformar o capitalismo. (58)

Na concepção do PT, entretanto, o capitalis-mo não tem conserto. O regime precisa sersubstituído pelo socialismo moderno que, dei-xa para o setor privado a produção do "varejo",para a qual o Estado não tem condições de so-bressair, e reserva para o governo os grandesinvestimentos em infra-estrutura e em progra-mas sociais, incluindo-se aqui, as transferên-cias de renda, os projetos educacionais, da cul-tura, da imprensa e outros que garantem a he-gemonia do partido no processo eleitoral.

Se essa hipótese tem validade, o socialismomoderno estaria sendo cunhado dentro de umpacto implícito, no qual as grandes empresas,que podem trabalhar com mais liberdade em

áreas não estratégicas, concordariam em repas-sar para o governo quase 40% do PIB na forma deimpostos, e o governo, em contrapartida, garan-tir-lhes-ia uma exposição mínima ao comérciointernacional. Sim, porque uma grande aberturacomercial colocaria a céu aberto as feridas daeconomia brasileira. Seria um desastre para mui-tas empresas terem de competir com similares depaíses que produzem os mesmos bens com me-nos custo e mais qualidade. Ademais, isso trariaà praça pública as mazelas que hoje impedem asempresas nacionais de competirem com vanta-gem, como é o caso do gigantismo das despesaspúblicas e do anacronismo da carga tributária.

Como isso não interessa nem às empresas,nem ao governo, a troca de uma pesada cargatributária por garantias contra as agressões ex-ternas surge como uma hipótese de um pactoquase sinistro, o que explicaria, dentre outrascoisas, o bombardeio do Brasil à ALCA e a bus-ca de um relacionamento mais forte com ospaíses pobres. (59)

Mas, o que há de errado com um governoque distribui renda e reduz a pobreza? Nada.Há que se perguntar, porém, se, em nome des-sa política, o País consegue manter a eficiênciada economia no longo prazo. É bom lembrarque o comunismo morreu por ter abandonadoa eficiência, deixando como saldo o desamorpela produtividade e o desprezo ao mérito.

Aliás, esse mesmo mérito vem sendo "des-construído" em muitas áreas da sociedade bra-sileira. Há sindicatos que criticam as empresasque premiam os melhores empregados, porqueisso significa uma exclusão social dos demais. Omesmo ocorre nas escolas, em que a premiaçãodo aluno mais brilhante é vista como desprezoaos demais. E assim vai se destruindo a noção demérito, que é o símbolo da eficiência, da garra, dadedicação, do comprometimento, do amor aobem-feito, numa palavra, da ética do trabalho.

No caso do Brasil, o grosso da produção ain-da se guia pela produtividade e pelos sinais dospreços, que caracterizam a concorrência acirra-da. É isso que levou as empresas a avançarembastante no terreno da eficiência, das inovaçõesorganizacionais e da modernização tecnológi-ca. A melhoria da produção e da produtividadese aplicam à agricultura, à indústria, ao comér-cio e aos serviços. Só não houve mais avançosdevido à persistência dos constrangimentos dainfra-estrutura, à má qualidade da educação e àperversidade dos juros e tributos.

O que dizer da marcha do intervencionismodepois do PT?

O "day after" depende muito do andamentodo crescimento econômico. A continuar com

Alfer

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taxas de 5%, com a economia internacional fa-vorável aos preços brasileiros e com a valori-zação do real garantindo baixa inflação, tudoindica que Lula terá um amplo espaço paracontinuar como o amigo dos ricos e pai dos po-bres e, com isso, ser, no mínimo, um eleitor de-cisivo nas próximas eleições.

Nesse cenário, o intervencionismo serácrescente. A reversão é pouco provável. Mes-mo porque a oposição terá grandes dificulda-des para conquistar os corações da grandemaioria dos eleitores, se tentar mexer nos pro-gramas de apoio aos mais pobres seria um sui-cídio político.

A continuar com o quadro econômico atual,o presidente Lula tem uma grande oportuni-dade de construir um candidato do PT ou mui-to próximo ao PT para levar o partido a venceras próximas eleições.

Mas, se a situação econômica virar, em decor-rência de uma desaceleração do mercado exter-no, com aumento da inflação interna, as dificul-dades políticas para Lula e o PT crescerão. Mas,

mesmo nessa situação, há que se considerar queo capital político de Lula pode resistir por umbom tempo. Tudo indica que esse capital estarávivo nas eleições de 2008, o que permitirá – pro-vavelmente – o avanço do PT no domínio dasmáquinas municipais. Daí a importância da Leidos Consórcios Públicos, que viabiliza os repas-ses diretos da União aos municípios. Isso é estra-tégico para alavancar a campanha de 2010.

Há indicações ainda de que os recursos paraos programas sociais estarão garantidos para2008-2010, com a aprovação da CPMF e outrasimportantes fontes de recursos do governo fede-ral. Finalmente, é preciso considerar que, pelomenos até 2010, a militância do PT continuaráocupando os cargos públicos e exercendo umforte poder de manobra para buscar um novo su-cesso eleitoral nas eleições presidenciais.

Ou seja, mesmo no cenário de um desa-quecimento econômico, não há como afir-mar que o governo Lula entrará em erosão aponto de perder toda a sua credibilidade aolongo dos próximos 30 meses. O estilo inter-

N O

TA S (1) A versão inicial deste trabalho foi apresentada na Reunião dos Membros

do Grupo de Conjuntura da FIPE – Fundação Instituto de PesquisasEconômicas, 21/09/2007. Esta versão incorpora inúmeras sugestões dosparticipantes daquela reunião. O Autor agradece os professores AntonioEvaldo Comune, Carlos Antonio Luque, Celso Luiz Martone, DomingosPimentel Bortoletto, Eli Roberto Pelin, ElianaA. Cardoso, Fernando Homem de Melo, Guilherme Leite da Silva Dias,Helio Nogueira da Cruz, Joaquim Elói Cirne de Toledo, José Paulo ZeetanoChahad, Juarez Alexandre Baldini Rizzieri, Maria Helena PallaresZockun, Rodrigo Rodrigues Celoto e Simão Davi Silber.(2) De 2003 a 2007, o Governo Lula reduziu a dívida externa de US$ 210bilhões para US$ 161 bilhões; derrubou o Risco Brasil de 2.000 pontospara 200 pontos; elevou as reservas internacionais de US$ 16 bilhões paraUS$ 165 bilhões; fez o saldo comercial passar de um déficit de US$ 9bilhões para um superávit de mais de US$ 120 bilhões; aumentou asexportações em 100%; chegou a uma inflação de apenas 3,4% em 2006;e mostra levar o país a crescer quase 5% em 2007.(3) Foi necessário um recurso à Justiça para restabelecer a ordem.(4) Extraído de Gaudêncio Torquato, "Por trás da barricadas",O Estado de S. Paulo, 15/08/2004.(5) José Genoino, "A esquerda e as reformas", O Estado de S. Paulo,07/06/2003.(6) Tarso Genro, Esquerda em Processo, Ed. Vozes, São Paulo, 2004, p. 48.(7) Tarso Genro, op. cit., p. 96(8) Tarso Genro, op. cit., p. 71(9) Tarso Genro, op. cit. P. 76(10) Tarso Genro, op. cit., p. 87( 11 ) Tarso Genro, op. cit., p. 77(12) Antonio Gramsci, Escritos Políticos, Civilização Brasileira,Rio de Janeiro, 2004, Vol. I, p.121.(13) Antonio Gramsci, oip. cit., Vol. I, p. 122.(14) Antonio Gramsci, oip. cit., Vol. I, p. 123-125.(15) Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, Civilização Brasileira,Rio de Janeiro, 2000, Vol. II, pp. 78- 79.(16) Antonio Gramsci, Escritos Políticos, Civilização Brasileira,Rio de Janeiro, 2004, Vol. I, pp. 142-145

(17) Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), Movimento deLibertação dos Trabalhadores sem Terra (MLST) e Comissão Pastoralda Terra (CPT).(18) Para assegurar a produção e o crescimento, foram aprovados algunsalívios tributários, estímulos a investimentos setorizados e ampliação docrédito aos consumidores, em especial, o vinculado às folhas de pagamentoe às aposentadorias e pensões.(19) O PT lamentou a perda de apoio dos jovens, em especial da classemédia, depois dos escândalos de corrupção denunciados em 2005 e 2006.Segundo dados apresentados no 3º. Congresso do PT, o número defiliados jovens, com idade até 29 anos, é de apenas 280 mil – dentrode um total de 900 mil de todo o partido ("PT Concepção eFuncionamento", 3º. Congresso do PT, São Paulo, 1/9/07, p. 7).O Congresso aprovou o trabalho junto aos jovens como prioridadenúmero 1 a ser seguida nos próximos anos ("PT Concepção eFuncionamento", op. cit. p. 54).(20) IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios, (PNAD), 2006.(21) Esta lei permite à União firmar convênios, contratos, acordos dequalquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais eeconômicas de outras entidades e órgãos do governo. No estabelecimentodesses instrumentos, o PT tem indicado um grande número de seusfiliados para deles participarem como funcionários.(22) No primeiro mandato de Lula, o aparelhamento do Estado em nívelfederal visou os cargos mais altos e mais estratégicos. Cerca de 45%da cúpula do governo (que leva em conta apenas os cargos de níveis 5 e 6)era composta de sindicalistas ligados à CUT e ao PT.(23) Celina D´Araujo, "Governo Lula: contornos sociais e políticos da elitedo poder", Centro de Pesquisas e Documentação Histórica da FundaçãoGetúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2007.(24) Paulo Delgado, "A Problemática do PT", in João Paulo dos ReisVelloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (coordenadores),Crise política e reformas das instituições do estado brasileiro,Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 2005(25) "Miséria no Brasil cai 27,7% no primeiro mandato de Lula",O Estado de S. Paulo, 20/09/07.

A continuar com oquadro econômico atual,o presidente Lula temuma grandeoportunidade deconstruir um candidatodo PT ou muito próximoao PT para levar opartido a vencer aspróximas eleições.

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vencionista e estatizante tem seu próprio fô-lego e só será abandonado no caso de umacrise econômica muito séria.

Assim, parece legítimo esperar que aolongo dos próximos anos o Brasil convive-rá com uma economia mais dirigida. Issotudo aumenta o perigo de perdermos efi-ciência em um mundo que prosseguirá nacompetição. O Estado é lerdo; demora paradecidir; e, em muitos casos, decide mal.

Em conclusão. O risco do Brasil se tornarmenos competitivo não é imediato. Ele seráuma decorrência da desconstrução dos va-lores da liberdade, da produtividade, daeficiência, do mérito e da ética do traba-lho. Sabemos bem o que um Estado diri-gido por grandes massas de burocratas,que acreditam na capacidade do gover-no de planejar e financiar a produção, e,em muitos casos, executar os projetos. Esseé o futuro que nos espera. Nada de pânico pa-ra os nossos dias. E toda atenção aos dias dosnossos filhos e netos.

Este tipo de preocupação parece cair fora daanálise da maioria dos investidores e até mes-mo dos estudiosos do processo de crescimentoeconômico. Na área acadêmica, seria oportu-

no retomar a temática das instituições, pa-ra, com apoio nela, tentarmos enxergaralém das estatísticas do presente.

Mas, por outro lado, é ingênuo culti-var o catastrofismo. O Brasil é um paísque surpreende. É possível que os go-vernantes atuais venham a se conscien-tizar a respeito da inviabilidade dos re-gimes que suprimem a liberdade.Mas, isso não será automático. Os que

acreditam na democracia precisam enten-der que não basta votar. James Madison diziaque a democracia é um processo de formaçãodemorada. No primeiro estágio, os governa-dos precisam aprender a respeitar os gover-

nantes. No segundo, os governantes têm deaprender a respeitar os governados. E no

terceiro, os governados têm de controlaros governantes.

(26) Apesar do aumento dos investimentos verificado no período de2005-2007, o seu montante (18% do PIB) ainda muito baixo quandocomparado com grande parte dos países emergentes que investem maisde 25% do PIB anualmente.(27) O Departamento de Coordenação e Governança das EmpresasEstatais (DEST) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestãoregistra a criação de mais de quinze empresas no Governo Lula. A grandemaioria de seus dirigentes é de origem sindical, mais especificamente,militantes da CUT.(28) A MP 398 institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusãopública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de suaadministração indireta, autoriza o Poder Executivo a constituir a EmpresaBrasil de Comunicação - EBC, e dá outras providências.(29) "ABDIB vê cipoal burocrático em incentivos do PAC ao setor privado",O Estado de S. Paulo, 20/09/07.(30) Dados referentes a 63 empreendimentos licenciados pelo IBAMA entre1997 e 2006 e coletados pelo Banco Mundial(31) Declaração de Paulo Godoy, Presidente da ABDIB.(32) Ver os vídeos emh t t p : / / w w w. p t . o rg . b r / s i t e p t / i n d e x _ f i l e s / v i d e o s / i n d e x . p h p .(33) "O Socialismo Petista", "O Brasil que Queremos" e "O PT, Concepçãoe Funcionamento".(34) "O Socialismo Petista", 3º. Congresso do PT, São Paulo, 1/9/07, p. 7.(35) "O Socialismo Petista", op. cit. p. 8.(36) "O Brasil que queremos", 3º. Congresso do PT, São Paulo, 1/9/07, p. 20.(37) "Lula critica desaprovação da secretaria de Mangabeira",O Estado de S. Paulo.(38)Rodolfo Kuntz,"É isso aí, choque de gestão", O Estado de S. Paulo,04/10/2007.(39) "O Socialismo Petista", op. cit., p. 11(40) Dos 20 superintendentes do INCRA, 12 são dirigentes do MST.O movimento mantém uma rede educacional com 1.800 escolas,4 mil professores e cerca de 160 mil alunos, com verbas oficiais.(41) "O Brasil que queremos", op. cit., p 58(42) "Há invasões compreensíveis, diz ministro", Folha de S. Paulo,23/02/2007

(43) No primeiro mandato, o governo Lula impediu que as agenciasgastassem 79% dos seus recursos. Entre 2003 e 2006, as agencias ficaramimpedidas de gastar R$ 14,6 bilhões, aprovados por lei. No primeirosemestre de 2007, o bloqueio de verbas das agencias chegou a R$ 5,3 bilhões(73% do orçamento aprovado).(44) "O Brasil que queremos", op. cit., p. 12(45) "Chávez faz ameaças a escolas", O Estado de S. Paulo, 18/09/07.Segundo o Presidente venezuelano todas as instituições de ensino do paísterão de permitir a visita de inspetores, cujo objetivo principal será o deverificar se o conteúdo ministrado em sala de aula está de acordo com o"socialismo do século 21". Um novo currículo escolar, "livre dos valoresindividualistas do sistema de ensino capitalista" deverá ficar pronto atémeados de 2008.(46) "Vinte milhões utilizam livro polêmico", O Estado de S. Paulo,20/09/07.(47) Ali Kamel, "O que ensinam às nossas crianças", O Globo, 18/09/07.(48) Ali Kamel, "Livro didático e propaganda politica", O Globo, 01/10/07.(49) "PT Concepção e Funcionamento", 3º. Congresso do PT, São Paulo,1/9/07, p. 12.(50) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit., p. 56.(51) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit. p. 60.(52) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit., p. 61.(53) "PT Concepção e Funcionamento", op. cit., p. 62.(54) "O Brasil que queremos", op. cit., p. 27.(55) Antonio Carlos Almeida, A Cabeça do Brasileiro, Editora Record,Rio de Janeiro, 2007.(56) O Brasil que queremos, op. cit., p. 28.(57) No caso do traficante colombiano, despontou, ao contrário, odesatrelamento entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos.(58) Luiz Carlos Bresser Pereira, "Esquerda Nacional e Empresários naAmérica Latina", Revista LuaNova, No. 70, 2007, pp. 83-100..(59) Pesquisas de opinião pública sobre o estilo de política externa que visaaproximar o Brasil dos países mais pobres contam com a simpatia da maiorparte do eleitorado. Persiste, para a maioria das pessoas,uma certaantipatia pelos ricos e a prática da generosidade em relação aos pobres.

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Fórum SocialMundial 2005,evento realizadono ginásioGigantinho, emPorto Alegre.

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Lalo de Almeida/Folha Imagem

Luiz CarlosBresser-PereiraEconomista e professor daFundação Getúlio Vargas.www.bresserpereira.org.br.

Este artigo foi publicadona edição 70 da RevistaLua Nova

Pode um empresário fazer parte de umpartido político de esquerda? Para res-ponder esta pergunta, o autor defineesquerda como a ideologia política que

aceita arriscar a ordem social em nome da jus-tiça social. Se isso é feito moderadamente, se opartido político adota uma posição de centro-esquerda, não haverá inconsistência. Nas de-mocracias modernas, os partidos políticos daesquerda e da direita lutam por apoio do centroideológico, e tendem a convergir para ele.

O que dizer sobre o assunto no caso do Bra-sil? Aqui, como nos outros países da AméricaLatina, os partidos políticos de esquerda mo-derados freqüentemente vencem as eleições,mas raramente governam. Este paradoxo é ex-plicado pelo caráter conservador das elites la-tino-americanas. A América Latina é formadapor países dependentes, competindo em ummundo onde as estratégias nacionais são ne-cessárias para o crescimento. Em princípio, es-pera-se que a esquerda seja uma esquerda na-cional, mas desde que a teoria da dependênciadeclarou que a burguesia nacional era "impos-sível" na América Latina, uma aliança entreempresários progressistas e a esquerda torna-se mais difícil, ao mesmo tempo em que a es-querda e os intelectuais tendem a tornarem-sedependentes ou cosmopolitas.

Meu conceito de esquerda e direita tem co-mo critérios a justiça social e a ordem pública,de um lado, e o reconhecimento ou não da ne-cessidade de intervenção do Estado na econo-mia, de outro. Enquanto alguém de direitaprioriza sempre a ordem em relação à justiça,quem é de esquerda está disposto a arriscar aordem em nome da justiça social; enquanto oconservador é hoje um neo ou ultraliberal, oprogressista defende um grau razoável de in-tervenção do Estado para corrigir as falhas alo-cativas e distributivas do mercado. Há muitostipos de esquerda, mais do que tipos de direita,provavelmente porque esta, além dos valorese idéias, tem o capital para uni-la, enquantoque a esquerda só tem valores e idéias.

Podemos distinguir pelo menos quatro tiposde esquerda: a extrema-esquerda, a esquerdautópica, a esquerda burocrático-sindical e acentro-esquerda. A extrema-esquerda é revolu-cionária, não vendo na democracia existente se-não uma forma de dominação: pretende assu-mir o poder revolucionariamente para, em se-guida, implementar o que denomina socialis-mo, mas que é mais correto chamar deestatismo. A esquerda utópica prefere não dis-putar o poder para manter seus ideais socialis-tas, e para poder ser uma força crítica dentro da

s o c ie d a-de. O me-lhor exem-plo desse tipode esquerda éhoje o movimento‘o utromu ndi ali sta ’,que se formou a partirdos Fóruns Sociais Mundiais:seus participantes mais representa-tivos afirmam que não aspiram ao poder, masquerem ser a consciência crítica das sociedadescapitalistas contemporâneas.

A esquerda burocrático-sindical joga o jogodemocrático e tem bases fortes na burocraciado Estado e nos sindicatos. Finalmente, a cen-tro-esquerda reconhece a impossibilidade deuma transição para o socialismo dentro de umprazo previsível e, usando uma frase de Mi-chel Rocard, trata de "governar o capitalismomais competentemente que os capitalistas".Ou seja, é uma esquerda reformista, que du-rante o século 20 foi social-democrata, mas queestá se transformando em uma centro-esquer-da social-liberal, na medida em que os parti-dos de esquerda na Europa vêm reformandosuas economias e seu Estado, no sentido demanter a garantia aos direitos sociais e apro-fundar a igualdade, ao mesmo tempo em queaceitam um papel mais ativo de mercados re-gulados na coordenação do sistema.

Uma segunda pergunta, porém, é necessá-ria: pode essa esquerda ser nacional? Na Amé-rica Latina, depois de um longo período de he-gemonia das idéias de direita e globalistas, quese tornaram dominantes na região na segundametade dos anos 1980, a esquerda e o naciona-lismo democrático estão de volta. Nos últimostrês anos, foram eleitos governos de esquerdae nacionalistas no Brasil, na Argentina, na Ve-nezuela, no Uruguai e na Bolívia.

Entende-se aqui por nacionalismo a ideolo-gia da formação e sustentação do estado-na-ção. O nacionalismo democrático e moderada-mente liberal que está surgindo compreende aglobalização como a competição generaliza-da, em nível mundial, das empresas apoiadaspor seus respectivos países ou estados-nação,e, sem rejeitar os conflitos, defende uma razoá-vel solidariedade das classes quando se tratade competir internacionalmente.

O globalismo ou o cosmopolitismo, por suavez, entende que na globalização os Estadosnacionais perderam autonomia e relevância,rejeita a idéia de uma competição generaliza-da, e espera que seu país conte com o apoio oua ajuda dos países ricos. O nacionalismo não é

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n e c e s s a-r i a m e n t e

de esquerda.Hi st or ic am en-

te, foi antes umaideologia burguesa,

que se somou à ideolo-gia liberal para que se for-

massem os modernos estados-nação. Mas desde que a Guerra Fria

levou as burguesias nacionais a se identifica-rem com os Estados Unidos, para assim faze-rem frente às ameaças comunistas locais, o na-cionalismo tendeu a ser crescentemente ado-tado por partidos de centro-esquerda.

A Guerra Fria já terminou há quase 20 anos,mas só recentemente os empresários estão sedando conta de que seus interesses mudaram,e que agora faz mais sentido competir interna-cionalmente ao invés de se subordinar e apro-veitar as frestas, como supõe a ideologia glo-balista e cosmopolita.

A LUTA PELO CENTRO

Na discussão do conceito de esquerda é es-sencial debater o problema do centro. No qua-dro das sociedades modernas, os agrupamen-tos políticos que se autodenominam de centrosão sempre de direita, ou de centro-direita. Po-demos e devemos pensar em uma escala ideo-lógica que vai da extrema direita para a extremaesquerda, passando pela direita, a centro-direi-ta, a centro-esquerda, e a esquerda. Ficamos, as-sim, com uma escala de seis formações políti-cas, mas sem um centro. Nessa escala, o centro éinexistente, mas, como ponto virtual, é funda-mental. O grande objetivo, tanto da esquerdaquanto da direita, é conquistar o centro, porque,quando o conquista, se torna governo. Comoesse centro se move ciclicamente, ora para umlado, ora para outro, toda a luta ideológica entrea esquerda e a direita nas democracias moder-nas se trava em torno de empurrar esse centromais para a esquerda ou mais para a direita.

Os movimentos do centro são, naturalmen-te, pendulares: ora o centro caminha para a es-querda, como aconteceu no mundo a partir daGrande Depressão dos anos 30, ora caminhapara a direita, como ocorreu a partir de meadosdos anos 70. Esses movimentos ocorrem na me-dida em que as propostas de governo de um oude outro grupo se esgotam, e os eleitores situa-dos mais próximo ao centro deslocam-se na di-reção oposta àquela dominante. Por outro lado,é preciso considerar que o centro varia geogra-ficamente. Nos Estados Unidos, onde nunca

houve um movimento socialista forte, o centroestá muito mais à direita do que na Grã-Breta-nha, que, por sua vez, está mais à direita do quena França, na Alemanha, ou na Espanha.

Esta diferença geográfica de colocação docentro se deve a razões de ordem histórica, quenão importam aqui discutir. O que é importan-te deixar claro é o fato de que, se aceitarmos es-sa variação no centro, o conceito de esquerda edireita torna-se relativo. Políticas que são con-sideradas de esquerda nos Estados Unidos po-derão ser consideradas de direita na França.

Os políticos progressistas ou de esquerdaamericanos são geralmente associados ao Par-tido Democrata, e são denominados ‘liberais’,numa referência ao século dezoito e começo do

Desde que a GuerraFria levou as

burguesias nacionaisa se identificarem

com os EstadosUnidos, para fazerem

frente às ameaçascomunistas locais,

o nacionalismotendeu a ser adotado

por partidos decentro-esquerda.

Flávio Florido/Folha Imagem

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dezenove, quando os liberais eram pro-gressistas, lutando em nome da burgue-

sia contra os conservadores ainda aliadosà aristocracia.Ao afirmar que o centro se move no tempo, e

que varia geograficamente de país para país,reconheço uma limitação na definição teóricaque ofereci inicialmente. Se for estrito em de-finir esquerda e direita em relação à ordem e àjustiça, não faria sentido essa variação.

Arriscar a ordem, admitir a ação de movi-mentos sociais, como greves, restringir semviolência ações ilegais de outros movimentossociais, como as invasões que, no Brasil, os sem-terra e os sem-teto com freqüência promovem,e apoiar suas reivindicações, seria sempre deesquerda. Em contrapartida, defender a lei aqualquer preço, usar da autoridade tradicionale religiosa para justificar posições políticas emorais seria sempre de direita. Isto, porém, éverdadeiro até certo ponto. Nas questões so-ciais, o princípio da razoabilidade deve sempreprevalecer, e esse princípio rejeita distinçõesclaras e precisas entre o branco e o preto.

A realidade social é ambígua, assim como oser humano. A direita tende a pressupor que oser humano é, por natureza, egoísta ou auto-in-teressado; a esquerda, a pensá-lo como genero-so ou capaz de generosidade. Na verdade, o serhumano é intrinsecamente contraditório e, por-tanto, ambíguo. Ele nasce com duas necessida-des fundamentais e contraditórias: de um lado,o instinto da sobrevivência o faz individualista eegoísta; de outro, o instinto da convivência o tor-na solidário e cooperativo. Toda a sociedade hu-mana está baseada nessa ambigüidade, e por is-so os cientistas sociais enfrentam tanta dificul-dade em prever seu comportamento.

Se o centro varia geograficamente, seria inte-ressante perguntar o que acontece com o centrono Brasil ou na América Latina. Está mais à es-querda ou mais à direita do que nos países de-senvolvidos da Europa continental? Não seiresponder com clareza, porque a divisão entreesquerda e direita enfrenta uma dificuldadefundamental na região. Não quero falar por to-da a América Latina, onde a esquerda hoje estápresente no governo da Argentina, do Uruguai,do Chile, da Venezuela, da Bolívia e do Brasil.Conforme observou Wilfredo Lozano (2005:145), "a esquerda hoje no poder resulta ser umcomplexo produto de sua reacomodação refor-madora, o que a obrigou a girar para o centro".Quanto, entretanto, girar para o centro? E o giroé apenas para o centro ou para a direita? DitmarDimoser (2005: 28), escrevendo sobre a demo-cracia na América Latina, pergunta: "Estará o

futuro latino-americano caracterizado por de-mocracias sem democratas?" Tal pergunta en-volve um paradoxo absoluto.

No caso do Brasil, em relação não à democra-cia, mas à esquerda, a questão está dominadapor um outro paradoxo que talvez não esteja au-sente do restante da América Latina: a esquerdaganha as eleições, na medida em que partidos deesquerda ou de centro-esquerda alcançam amaioria no parlamento, mas não governa. De-nomino esse fenômeno de "paradoxo da esquer-da". Será ele verdadeiro? E, se for, há uma expli-cação para ele, ou é um paradoxo puro?

Para responder a essas perguntas, e tomandoo Brasil apenas como base de minha análise, par-to do pressuposto de que a ideologia é determi-nante do voto. Esse pressuposto teórico foi colo-cado em dúvida por uma série de analistas inter-nacionais, geralmente de filiação conservadora,que também tendem a negar a relevância da di-ferença esquerda-direita. Mas afinal, as pesqui-sas deixaram claro que os eleitores, embora nãotenham uma estrutura ideológica definida, paraa qual seriam necessários conhecimentos queeles não possuem, são possuidores de uma iden-tificação ideológica suficiente que lhes permitedistinguir as posições de esquerda ou de direita,progressistas ou conservadoras.

Singer (1999) testou essa hipótese em rela-ção ao Brasil, e a viu confirmada. O Brasil tran-sitou para a democracia em 1985. Desde então,os partidos que dominam o parlamento brasi-leiro (pela ordem histórica, o PMDB, o PSDB eo PT) sempre se autodefiniram como partidosde esquerda – os dois primeiros, de centro-es-querda, o último, de esquerda, e, juntamentecom os pequenos partidos de esquerda, logra-ram a maioria na Câmara dos Deputados. (1)

Entre os três presidentes eleitos diretamentepelo povo desde 1985, dois se autodenomina-ram de esquerda, Fernando Henrique Cardo-so e Luiz Inácio Lula da Silva, e apenas umaceitava ser de direita, Fernando Collor. É ver-dade que nem todos os parlamentares dessespartidos podem ser considerados de centro-esquerda: alguns, inclusive entre os do PT de-

(1) Não lograram, todavia, maioria no Senado.(2) Esse conceito de sociedade civil, porém, foimuito útil para a análise que fiz, na segundametade dos anos 70, da transição democrática quecomeçava então.(3) Para uma excelente resenha do debate sobre asorganizações da sociedade civil que surgiramcomo uma alternativa emancipadora nos anos 90,ver Lavalle (2003).

Marcelo Min/AFG 29/10/2006

Entre os trêspresidentes eleitos

diretamente pelo povodesde 1985, dois se

autodenominaram deesquerda, FernandoHenrique Cardoso eLuiz Inácio Lula daSilva, e apenas um

aceitava ser de direita,Fernando Collor.

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pois que se tornou governo, são antes de cen-tro-direita, mas os programas e as mensagenspolíticas que passam são de centro-esquerda.

O motivo pelo qual no Brasil os partidos e oscandidatos presidenciais de esquerda tendema ser eleitos com mais freqüência do que os dedireita é evidente. Está diretamente relaciona-do com a brutal desigualdade social existenteno País. Esta desigualdade, somada aos baixosníveis de educação e de formação cívica do po-vo brasileiro, o fazem esperar dos políticos umdiscurso voltado para uma maior distribuiçãode renda. Os políticos de esquerda podem fa-zer isto naturalmente, sem necessariamenteserem populistas; já os candidatos de direita sósão capazes de formular um discurso dessa na-tureza sendo populistas. Os candidatos de di-reita que ganham eleições executivas no Brasilsão quase invariavelmente políticos populis-tas e demagógicos, que fazem um discurso quenão corresponde a suas convicções. Já os can-didatos de esquerda podem ser mais autênti-cos, embora não estejam livres do populismo.

Entretanto, uma vez eleitos, nem o presiden-te, e nem os parlamentares de esquerda fazemum governo de esquerda, ou seja, que efetiva-mente contribua para a redução da injustiça so-cial no País. Podem incluir em suas administra-ções algumas políticas sociais redistributivas,atendendo assim à pressão dos pobres, mas afi-nal seus governos promoverão principalmen-te os interesses dos ricos, e a renda e a riquezacontinuarão a se concentrar.

Por que os partidos de esquerda não gover-nam em nome da esquerda no Brasil, e, eu supo-nho, na América Latina? Não é porque um go-verno de esquerda é impossível em países capi-talistas. As experiências européias não deixamdúvida a respeito da viabilidade de governos deesquerda governando o capitalismo. Por que,então, no Brasil não tem sido viável, ainda que oseleitores elejam candidatos de esquerda ou, pelomenos, com um discurso de esquerda?

A resposta mais geral a esta questão está nofato de que, no Brasil, como nos demais paísesem desenvolvimento, há um grande descom-passo entre o "povo" e a "sociedade civil", e é nes-ta última que está sempre o verdadeiro poderpolítico nas democracias. Coloquei as duas ex-pressões entre aspas porque as estou usando emum sentido muito preciso: povo, aqui é o con-junto de cidadãos iguais perante a lei, dotadoscada um do direito de um voto; sociedade civil éesse povo no qual, porém, o poder de cada cida-dão é ponderado pelo dinheiro, conhecimento ecapacidade de organização que ele detém.

Não estou, portanto, confundindo socieda-

de civil, que é um conceito clássico, com "orga-nizações da sociedade civil", principalmenteorganizações públicas não-estatais de advoca-cia políticas – as chamadas ONGs stricto sensu– que são a base da lenta transição das atuaisdemocracias de opinião pública para as demo-cracias participativas. Enquanto o conceito deorganizações da sociedade civil permite o de-senvolvimento de uma teoria de emancipaçãosocial através da emergência da democraciaparticipativa ou da democracia deliberativa, oconceito de sociedade civil não tem carátern or ma t iv o. ( 2) Sugere apenas que a sociedadepoliticamente organizada – ou seja, a socieda-de civil – tende a ser mais conservadora, e tal-vez seja menos democrática do que o povo,porque nela aqueles indivíduos que possuemmais capital, mais conhecimento técnico, orga-nizacional e comunicativo, e estão inseridosem organizações, sejam elas corporativas oupúblicas não-estatais, terão individualmentemais poder do que os cidadãos comuns.

Quanto mais avançada for uma democracia,mais democratizada será sua sociedade civil, e,por isso mesmo, menor será a diferença entre elae o povo.(3)Enquanto, no caso de uma sociedadecivil autoritária, ela própria não se distinguecom clareza do conceito de elites, a distinção éclara no caso de sociedades civis democráticas.

Entende-se aqui por uma sociedade civil maisdemocrática exatamente aquela na qual as dife-renças de poder de seus participantes em relaçãoao poder de cada cidadão no povo são menores.Ora, isto acontecerá na medida em que, em cadasociedade, aumentar o grau de igualdade de ren-da, de conhecimento, de capacidade de organi-zação, e, portanto, de poder político real. Ou seja,aumentar o grau de justiça social existente nessasociedade. O que mostra que, embora liberdade,garantida pela democracia, e justiça, que é trazi-da pelo crescente respeito aos direitos sociais, se-jam objetivos políticos independentes, a teoriapolítica indica que afinal são também interde-pendentes quando pensamos em termos degraus de liberdade e em graus de justiça. Socie-dades como a sueca, ou a suíça, na qual as desi-gualdades são relativamente pequenas, são so-ciedades em que a sociedade civil é fortementedemocrática, diferenciando-se pouco do povo.Sendo assim, nessas sociedades, uma vezeleito pelo povo um governo de esquerda,esse governo, que afinal reflete o poder dasociedade civil, fará uma administraçãode esquerda.

Enquanto isso, em sociedades me-nos democráticas e menos justas, co-mo são as latinoamericanas, o des-

(...) no Brasil,como nos demaispaíses emdesenvolvimento,há um grandedescompasso entreo ‘povo’ e a‘sociedade civil’, e énesta última queestá sempre overdadeiro poderpolítico nasdemocracias.

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compasso entre o povo e a sociedade civil éenorme. O povo não tende necessariamente aser mais democrático do que a sociedade civil,como bem mostram as pesquisas sobre o temaque realizam entidades como o Latinobarôme-tro, mas tende a ser mais de esquerda, na medi-da em que demanda do Estado políticas ativasmais distributivas. Dado esse descompasso,uma vez eleito um governo de esquerda, a ten-dência dos novos governantes, para alcançar‘legitimidade’ política junto à sociedade civil,será a de identificar-se rapidamente com as per-cepções e valores centrais dessa sociedade que éa fonte real de legitimidade.

A fonte da legalidade política, nas democra-cias, é sempre o povo, mas a da legitimidade édada antes pelo apoio da sociedade civil. Ob-serve-se que esta afirmação que faço, comoquase todas as demais, obedece a um critériohistórico antes que normativo. Do ponto de vis-ta normativo, seria melhor que legitimidade elegalidade se confundissem, mas neste casobastar-nos-ia apenas um conceito. Por isso, e apartir de Weber, uso o conceito de legitimidadepara indicar o fato de que um governo contacom o apoio da sociedade civil, enquanto queemprego o conceito de legalidade para dizerque ele foi eleito regularmente pelo povo. O pri-meiro é um conceito real – sociológico e histó-rico; o segundo, um conceito formal – jurídicono sentido estrito desta palavra. Quando o go-verno está recém-eleito, a tendência será de a le-galidade e a legitimidade política coincidirem,mesmo que o governo eleito seja de esquerda, enão tenha contado na eleição com o apoio da so-ciedade civil. Isto porque, eleito o novo gover-no, a sociedade civil tenderá a dar um voto deconfiança aos novos governantes.

Entretanto, a sociedade civil, e principal-mente seus componentes mais à direita, espe-ram que o novo governo, ainda que conser-vando uma retórica de esquerda, revele rapi-damente seu respeito pela propriedade e peloscontratos – pela ordem estabelecida, portanto– e que não adote políticas redistributivas for-tes. Caso contrário, o governo correrá o riscode perder seu apoio.

OS EMPRESÁRIOS E A ESQUERDA

Não há obstáculo para um empresário ser deesquerda desde que a esquerda que apóie nãoseja revolucionária. Ele talvez precise de algumespírito republicano para sê-lo, mas não muito,porque no longo prazo é bem possível que elesaia ganhando com a política distributivista edefensora das liberdades que o governo de es-

querda por ele apoiado provavelmenteadotará. Poderá sair ganhando se a redu-ção da desigualdade reduzir a instabilida-de política, e, em conseqüência, acelerar oprocesso de desenvolvimento econômico (Pr-zeworski e Curvale, 2005). Poderá também sairganhando se a política de intervenção modera-da do Estado patrocinada pelo governo contri-buir para o desenvolvimento. Caso, entretanto,tenha espírito republicano, mesmo sem se be-neficiar pessoalmente, o empresário poderá serde esquerda, desde que seu partido, uma vez nogoverno, seja capaz de governar o capitalismomais competentemente do que os capitalistas.

Para o empresário, o partido de esquerdaideal é aquele que busca reformar o capitalis-mo. A social-democracia foi a primeira formaque assumiu a esquerda quando deixou de serrevolucionária. Hoje, os partidos políticos decentro-esquerda, que foram inicialmente so-cial-democráticos, tendem cada vez mais a setornar social-liberais. O social-liberalismo re-presenta uma superação positiva da social-de-mocracia, mas é naturalmente objeto de des-confiança da esquerda burocrática e da utópica.Da mesma forma que a social-democracia foipor muito tempo acusada de trair os ideais dosocialismo, agora se acusa o social-liberalismode trair os ideais da social-democracia. Entre-tanto, ser social-liberal é hoje quase que umacondição para o êxito de um partido de esquer-da no governo. Hoje, os países que apresentamgovernos de esquerda mais bem-sucedidos, co-mo é o caso dos países escandinavos, da Holan-da e da Grã-Bretanha, estão deixando de ser so-cial-democratas para serem social-liberais. Adiferença fundamental entre a social-democra-cia e o social-liberalismo não está na defesa dosdireitos sociais, mas no papel maior dado aomercado e à competição na coordenação da eco-nomia e da própria organização do Estado e dosserviços sociais e científicos que financia.

ESQUERDA E NAÇÃO

No caso da América Latina o programa deum partido de esquerda na América Latina de-verá necessariamente combinar a luta pela di-minuição das desigualdades com a luta pelodesenvolvimento. A esquerda radical tende aacreditar que o desenvolvimento está assegu-rado no capitalismo, e se preocupar apenascom a distribuição, mas isto é um equívoco.Embora seja verdade que, para os países que sedesenvolveram originalmente e completaramsua revolução industrial, o desenvolvimentocapitalista tenda a ser auto-sustentado(4). Nes-

Historicamente, naEuropa do século 19

de Marx, a burguesiaera nacionalistae a esquerda,

internacionalista.O internacionalismo

da InternacionalSocialista, porém,

nunca convenceu ostrabalhadores, quenão hesitaram em seassociar à burguesia

e aos técnicos dogoverno quando setratava de competirinternacionalmente.

Reprodução

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se caso suas elites dependentes se torna-ram ambíguas em relação aos interesses

nacionais, porque ao mesmo tempo em quese identificavam com esses interesses, eramideologicamente subordinadas ao centro de-senvolvido. Entretanto, quando se adota o de-senvolvimento econômico como um objetivo,não há alternativa senão em pensar estratégiasnacionais de desenvolvimento.

Desde que nos anos 80 a onda ideológica eglobalista se tornou dominante, as elites con-servadoras no continente subordinaram-sede forma indiscriminada às recomendaçõesvindas de Washington e Nova York. Ora, odesenvolvimento econômico é sempre o re-sultado de uma estratégia que cada nação de-fine com autonomia. Por isso, os países asiá-ticos que preservaram ciosamente essa auto-nomia são países dinâmicos, enquanto os daAmérica Latina, que se inclinaram diante daspressões vindas do Norte, mantiveram-se se-mi-estagnados. Para os empresários nacio-nais, portanto, poderá ser interessante parti-cipar de governos de esquerda, que se tem re-velado como maior capacidade se identificarcom os interesses nacionais. As estratégiasnacionais de desenvolvimento variarão mui-to de país para país.

Os países maiores serão mais voltados parao mercado interno do que os países pequenos.Mas nenhum deles pode partir do pressupos-to globalista de que os países ricos cuidarão deseus interesses. No capitalismo global, onde acompetição entre os estados-nação é o princí-pio organizador do sistema, essa possibilida-de não existe. Ou os partidos centro-esquerda,além de social-liberais, são nacionalistas (co-mo, aliás, o são todos os partidos que nos paí-ses centrais disputam realmente o poder) ounão se desenvolverão.

O interesse e a capacidade de promover odesenvolvimento econômico, como o de pro-mover a liberdade, não distinguem a esquerdada direita. Naturalmente, cada um dos agru-pamentos políticos afirmará que é mais capaztanto de uma coisa como de outra, mas, histo-ricamente, vimos governos de direita e de es-querda sendo bem-sucedidos e sendo desas-trosos em relação a esses dois objetivos políti-cos. Entretanto, nesta seção argumentarei que,quando se pensa na definição de esquerda empaíses em desenvolvimento, é preciso incluir aidéia de desenvolvimento como um objetivo

básico e as idéias de nação e de interesse nacio-nal como meios para alcançar esse objetivo.

Historicamente, na Europa do século deze-nove e de Marx, a burguesia era nacionalista ea esquerda, internacionalista. O internaciona-lismo da Internacional Socialista, porém, nun-ca convenceu os trabalhadores, que não hesi-taram em, de alguma forma, se associar à bur-guesia e aos técnicos do governo quando setratava de competir internacionalmente. Foiisso que permitiu que todos os países capita-listas bem-sucedidos no plano econômico aomesmo tempo consolidassem o projeto deconstrução de seus Estados-nação. Uma naçãosó ganha coesão e força, e o Estado só se torna oinstrumento de ação coletiva dessa nação, se asclasses sociais, não obstante seus conflitos, sãocapazes de se tornar solidárias quando se tratade competir com outras nações.

No momento, porém, em que a construçãonacional e o desenvolvimento se consolida-ram naqueles países do Norte, o nacionalismo,embora se mantendo dominante, deixou deser uma ideologia expressa para se tornar su-bentendida. O nacionalismo, em sua condiçãode ideologia da construção do Estado-nação,implica em se atribuir aos governos a respon-sabilidade de defender o trabalho, o conheci-mento e o capital nacionais. Hoje, nesses paí-ses, como nos países dinâmicos da Ásia – emuito diferentemente do que acontece nospaíses dependentes da América Latina – pra-ticamente ninguém tem dúvida que esse é odever de seus governos, de forma que se tor-nou desnecessário reafirmar o próprio nacio-nalismo, transformado em valor consensual.

Tornou-se, então, possível ocultar essa pers-pectiva, que sempre é incômoda nas relações in-ternacionais, e reservar o adjetivo ‘nacionalista’para as perversões do nacionalismo, para suasexpressões extremadas e violentas como o na-zismo, ou para formas de populismo de direitaou de esquerda em países em desenvolvimento.Para os países ricos, esse ocultamento que natu-ralmente se processou tem a vantagem não pre-vista de neutralizar o eventual nacionalismodos países em desenvolvimento, tornando suaselites mais dóceis às diretrizes vindas do Norte,principalmente às políticas de seu interesse decaráter econômico.

Já no caso dos países em desenvolvimentoe particularmente dos países da América La-tina, não faz sentido ignorar o nacionalismo,porque ele está longe de ter se tornado con-sensual, e de poder, portanto, ser subentendi-do. As elites da região – econômicas e intelec-tuais – são em grande parte dependentes. Fo-

(4) Isto não é verdade para os países que foramsubmetidos a processos de imperialismo.

No caso dos países emdesenvolvimento eparticularmente dos

países da América Latina,não faz sentido ignorar onacionalismo, porque ele

está longe de ter setornado consensual (...).Getúlio Vargas, no Brasil,

talvez tenha sido omodelo de estadista

industrializante enacionalista.

Reprodução

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50 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

ram nacionalistas em diversos graus ecom graus diferentes de êxito entre 1930

e 1960. Getúlio Vargas, no Brasil, talveztenha sido o modelo de estadista industria-

lizante e nacionalista.Entretanto, essas elites, a partir da ameaça

que representou a revolução cubana de 1959,subordinaram-se ao Norte. A adoção da "teo-ria da dependência", seja na sua versão mar-xista radical, seja na versão também marxistamas mais moderada da "dependência associa-da", não foi motivo para que se tornasse maisnacionalista, como se poderia imaginar, mas,pelo contrário, que copiasse a clássica pers-pectiva internacionalista da esquerda euro-péia do século 19. Partindo do pressuposto deque na América Latina não seria possível ha-ver uma "burguesia nacional", a primeira ver-são da teoria da dependência concluiu pela re-volução socialista, e a segunda pela associaçãoou subordinação aos países ricos (5)

Em ambos os casos, a idéia de nação ficavaautomaticamente rejeitada. A ascendênciadessas duas interpretações sobre as esquerdasna América Latina, além de dificultar umaaproximação das esquerdas com os empresá-rios, as levou a se tornarem cosmopolitas. Aprópria prioridade dada ao desenvolvimentoeconômico foi perdida pela esquerda, na me-dida em que esta assumiu que, no capitalismo,o desenvolvimento ocorreria de qualquer ma-neira, de forma que caberia a ela se preocuparcom a democracia e a justiça social.

A partir da crise da dívida externa dosanos 1980, a dependência dos países latino-americanos aprofundou-se. Isto ocorreuporque o antigo modelo nacional-desenvol-vimentista que fora bem-sucedido em pro-mover a industrialização do país entre 1930 e1980, entrou em crise. Ocorreu também por-que a pressão ideológica globalista vinda doNorte afirmando que na era da globalizaçãoo Estado-nação perdera relevância e anun-ciando a governança global em um mundosem fronteiras tornou-se fortíssima a partirdaquela mesma data. E ocorreu, finalmente,porque as elites latino-americanas, conser-vadoras e dependentes, principalmenteaquelas ligadas ao setor financeiro, aderiramrapidamente às novas idéias.

Dessa forma, os países latino-americanos,inclusive o Brasil, que entre os anos 30 e 80 es-tavam realizando suas revoluções nacionais,viram essa construção ser interrompida. (6 )

Hoje, porém, quase 20 anos depois do fim daGuerra Fria, e dado o fracasso das políticasneoliberais em promover o desenvolvimento

da América Latina, seria razoável esperarque, nos países latino-americanos, a esquer-da fosse nacional e tivesse como prioridade odesenvolvimento econômico nacional. Semuma atitude nacionalista democrática e libe-ral, mas não neoliberal, os países de desenvol-vimento médio não lograrão evitar a domina-ção vinda do Norte, não lograrão realizar asreformas institucionais e adotar as políticaseconômicas que são realmente necessáriaspara seu desenvolvimento.

Nos últimos 25 anos, porém, os países asiá-ticos dinâmicos demonstraram que é possívelusar com moderação o nacionalismo paraconstruir seus Estados nacionais e para pro-mover com êxito seu desenvolvimento. Serãoos países latino-americanos capazes de fazer omesmo? Se formos depender de seus intelec-tuais, dificilmente. Na região, os intelectuaissão particularmente dependentes, como o de-monstraram formulando teorias da depen-dência equivocadas. Fazem o que é inerente àsituação de dependência não criticada: co-piam o internacionalismo das esquerdas euro-péias, não se dando conta que estas só adota-ram o internacionalismo em teoria, enquantose associavam aos empresários na construçãoda nação e na participação em estratégias na-cionais de desenvolvimento.

É preciso, entretanto, considerar que alémdas duas teorias da dependência mais conhe-cidas – a da super-exploração capitalista e a dadependência associada – existe uma terceiraque faz mais sentido: a teoria do desenvolvi-mento nacional-dependente. (7) Através desseoxímoro, o que se pretende acentuar é o caráterintrinsecamente ambíguo e contraditório daselites latino-americanas, que são dependentesdos Estados Unidos, mas têm interesses reaisrelacionados com suas respectivas nações. Emcertos momentos, como aconteceu entre osanos 1930 e os anos 1950, os interesses nacio-nais prevalecem, inclusive porque o centro es-tava em crise; em outros, como aconteceu nosanos 1980 e 1990, a dependência torna-se do-minante. Resta saber o que acontecerá nosanos 2000. Metade da década já passou, e algu-mas tendências na direção da esquerda e danação são visíveis, mas é cedo ainda para seafirmar qualquer coisa com segurança.

(5) Bresser-Pereira, "Do ISEB e da CEPAL à teoriada dependência" (2005).(6) Celso Furtado, A Construção Interrompida(1992).(7) Bresser-Pereira (2005).

A partir da criseda dívida externa dosanos 1980, adependência dos paíseslatino-americanosaprofundou-se. Istoocorreu porque o antigomodelo nacionaldesen-volvimentista quefora bem-sucedidoem promover aindustrialização do paísentre 1930 e 1980,entrou em crise.

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CONCLUSÃO

Nos últimos anos, diante do fracasso das re-formas e políticas neoliberais em promover odesenvolvimento da região, nota-se por partemais dos empresários do que dos intelectuais,um interesse maior pelas questões nacionais, euma maior disponibilidade de apoiar partidosde esquerda moderados que tenham um com-promisso com o desenvolvimento nacional.

Enquanto os empresários e a burocracia doEstado são mais facilmente nacionalistas do quede esquerda, os intelectuais tendem a ser mais deesquerda do que nacionais. A aliança funda-mental que constitui uma nação é sempre a daburguesia com a burocracia do Estado, enquan-to que é nos intelectuais e nos trabalhadores quese encontram as bases principais da esquerda.Caso esses dois grupos venham a se associar, co-mo é possível que agora aconteça, pode-se espe-rar, assim, que um nacionalismo democrático esocial-liberal ganhe força na região e passe a ca-racterizar os partidos de centro-esquerda.

Se isto de fato acontecer, os empresários pro-gressistas terão nesses partidos políticos um es-paço privilegiado para sua ação política. A elei-ção de presidentes de esquerda e eventualmen-te nacionalistas na América Latina nos últimosanos são uma indicação dessa mudança. Nãohá, entretanto, segurança de que sejam bem-su-cedidos e promover os dois objetivos que legi-timariam seus governos democráticos: retomaro desenvolvimento econômico e promover amelhoria da distribuição de renda. No Brasil, opresidente Luiz Inácio Lula da Silva, emboraapoiado em um partido forte, fracassou. Subor-dinou-se à coalizão dominante no Brasil – a dosrentistas e do setor financeiro, interessados emjuros escandalosamente altos, associados às

empresas multinacionais e aos expor-tadores para o Brasil, interessados emtaxa de câmbio valorizada – e manteve apolítica macroeconômica perversa de juroalto e câmbio baixo.

Além disso, o PT comprometeu-se com umsistema de corrupção generalizado. Na Vene-zuela, Hugo Chávez continua a ser uma alterna-tiva muito melhor do que a direita corrupta ecosmopolita que lhe faz oposição, mas sua in-continência verbal suas tendências autoritáriassão preocupantes. No Uruguai e na Bolívia, te-mos incógnitas. Apenas na Argentina, sob a li-derança de Néstor Kirchner (e Cristina Kirchner,presidente eleita), a esquerda nacional vem rea-lizando avanços na direção do bom governo.

Está claro que a América Latina está precisan-do de um novo desenvolvimentismo para supe-rar a semi-estagnação dos últimos 25 anos e en-frentar os desafios do atual estágio de desenvol-vimento de cada um de seus países. O neolibe-ralismo fracassou, e só uma política econômicaque combine estabilidade macroeconômica compromoção ativa da competitividade internacio-nal e do desenvolvimento poderão substituí-lo.Uma política dessa natureza será onovo-desenvolvimentismo a queme refiro, que tem nos partidos decentro-esquerda da América Lati-na seu respaldo natural. Se essespartidos contarem com o apoio deempresários progressistas e nacio-nais, as possibilidades que terão deevitar os dois grandes problemasque assolam a política na AméricaLatina – o populismo econômico ea subordinação aos interesses derentistas e multinacionais – au-mentarão substancialmente.

REFERÊNCIAS

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Furtado. São Paulo: Editora 34, 2002.Furtado, Celso (1992) Brasil: a Construção Interrompida. São Paulo:Editora Paz e Terra.Lavalle, Adrián Gurza (2003) "Sem Pena nem Glória: O Debate Sobrea Sociedade Civil nos Anos 1990". Novos Estudos Cebrap, no. 66,p.91-109, julho 2003.Lozano, Wilfredo (2005) "La Izquierda Latinoamericana en el Poder".Nueva Sociedad 197: 129-145.Przeworski, Adam e Carolina Curvale (2005) "Does politics explain theeconomic gap between the United States and Latin America?" NovaYork: New York University,Department of Politics, October 13, 2005.Singer, André (1999) Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro. SãoPaulo: Edusp – Editora da Universidade de São Paulo.

Marcos Adandia/AFP

Apenas na Argentina,sob a liderança dopresidente Nestor

Kirchner, a esquerdanacional vem

realizando avançosna direção

do bom governo.

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Venezuela: A Ditadura daVenezuela: A Ditadura da

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Andres Stapff/Reuters

Eleito em 1998 e reeleito em 2004 e

2006, o presidente venezuelano

Hugo Chávez governa com o

autoritarismo de um ditador.

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Verdadeira DemocraciaVerdadeira Democracia

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54 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

Paulo Pampolin/Hype

Amauryde SouzaCientista políticoe sócio-diretor daMCM ConsultoresAssociados

A "ditadura da verdadeira democra-cia" é o oxímoro da transição da Ve-nezuela para uma democracia par-ticipatória, baseada na imposição

da vontade popular, sem instituições ou inter-mediários que a desvirtuem.

O truque do paradoxismo cunhado pelo vice-presidente da Venezuela, Jorge Rodríguez, é in-sinuar que a democracia tem sido marca indelé-vel do regime do presidente Hugo Chávez e quecontinuará a sê-lo, conquanto em formato maisradical, na nova etapa de sua Revolução Boliva-riana. O argumento, dentro e fora do País, é que oregime é democrático porque Chávez che-gou ao poder em 1998 pelo voto (em-bora tivesse liderado seis anos an-tes um golpe militar contra o go-verno do presidente CarlosAndrés Perez) e que nele semanteve por meio de elei-ções livremente disputa-das em 2004 e, mais re-centemente, em 2006.

Quem assesta o focono esvaziamento dasinstituições, na trucu-lência do mando, na re-pressão à mídia, na in-timidação dos oposito-res e na manipulação deplebiscitos e assembléiasconstituintes vê, ao con-trário, sinais inequívocosde autoritarismo. Plantadasobre os escombros dos freiose contrapesos institucionais dosistema político, a democracia ple-biscitária bolivariana tem maior pro-babilidade, não de aprofundar, mas de extir-par qualquer vestígio de democracia no país.

Useiro e vezeiro em manipular as institui-ções representativas a seu bel-prazer, o regimede Chávez, que agora quer institucionalizar apresidência vitalícia, evoca menos a democra-cia do que as tradicionais ditaduras que há sé-culos infestam a região. Desde 1999, instituiçõesvêm sendo desmanteladas para concentrar to-dos os poderes em suas mãos. Pretextando obe-diência à lei, ele nomeou juízes facilmente ma-leáveis; baniu militares refratários ao seu man-do; restringiu drasticamente a liberdade de im-prensa e cerceou com ferocidade a oposição. Sefor referendada pelo voto popular, a reformaque aumenta o mandato presidencial para seteanos e abole o limite para reeleições dará a Chá-vez a possibilidade de perpetuar-se no poderungido de ditadura constitucional.

Não obstante a tudo isso, a Venezuela deChávez é uma ditadura sui generis – uma "di-tadura pós-moderna", segundo Francis Fu-kuyama, "um híbrido de esquerda nem plena-mente democrático nem plenamente totalitá-rio". Não se trata de fenômeno isolado. O mun-d o p ó s - G u e r r a F r i a t e s t e m u n h o u osurgimento de regimes que não podem ser fa-cilmente classificados como autoritários oudemocráticos, mas que exibem traços de am-bos. Reduzem a democracia a mero mecanis-mo eleitoral, mas toleram algum grau de opo-sição e de competição política – desde, é óbvio,

que não se configure a possibilidade de al-ternância de poder.

Essa visão de uma democraciaparticipatória, que exalta a mo-

bilização de massa e avilta opapel das instituições, de-

ve ser examinada em de-talhe, pois nela estãocombinados dois for-matos extremos. Deum lado, um líder ca-rismático, que encarnaa vontade do povo, ede outro, a corporaçãomilitar como pedraangular do sistema po-lítico. A militarização

do governo e da socie-dade é o sombrio pano

de fundo do chavismo.Vem daí a vigorosa apli-

cação de conceitos militares àpolítica. Polarizar permanen-

temente com os adversários é a tá-tica até agora vitoriosa de Chávez.

No plano doméstico, a polarização man-tém coesas e aguerridas as forças que o apóiam,encanta a oposição e intimida o centro, afugen-tando-o das disputas políticas. Octávio Amo-rim Neto assinala que a polarização é tambémprojetada no plano internacional por meio deuma retórica anti-imperialista e pela tentativade exportar a Revolução Bolivariana para o res-to do continente, imiscuindo-se na política in-terna dos países no seu entorno.

Essa intromissão política vem alterando oequilíbrio de forças na região. Sua influênciafavoreceu a eleição de Evo Morales na Bolívia(2005), Daniel Ortega na Nicarágua (2006) eRafael Correa no Equador (2007). Mesmo ondeseu apoio foi contraproducente (Ollanta Hu-mala, no Peru, e Andrés Manuel Lopez Obra-dor no México, ambos em 2006), Chávez forta-leceu a oposição nacionalista-revolucionária

Simon Bolívar é umherói cultuado por

Hugo Chávez,responsável pela

libertação de cincopaíses do domínio

espanhol:Venezuela,

Colômbia, Bolívia,Peru e Equador.

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oduç

ão

Page 55: Digesto Econômico nº 445

55SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

local. O próximo desafio será o Paraguai, ondeo ex-bispo católico Fernando Lugo Méndez,um apologista do Socialismo do Século 21 deChávez, lidera as pesquisas para a eleição pre-sidencial de abril de 2008.

É verdade que as iniciativas diplomáticasde Chávez, embora amparadas por um fluxonababesco de petrodólares, nem sempre têmobtido os resultados esperados. Mas a preten-são de alterar o equilíbrio regional e até mun-dial de poder usando o petróleo como instru-mento estratégico mantém um clima de apre-ensão e vigilância entre os países vizinhos.

Seria precipitado atribuir a esse fato, por sisó, a inquietação que permeia o cenário regio-nal. A percepção de ameaça corporifica-se nasvultosas compras de armamentos e equipa-mentos militares e na formação de uma novareserva civil-militar de dois milhões de volun-tários para a defesa interna e externa da Revo-lução Bolivariana. O que gera incerteza é a am-bição da Venezuela de se tornar uma potênciamilitar na América do Sul.

Até quando pode persistir a situação atual éuma questão em aberto. A reorientação da po-lítica externa da Venezuela teve origem numamudança radical da política doméstica e é pru-dente conjeturar que o abandono de uma estra-tégia internacional de confrontação, que mesclaamiúde o trágico e o histriônico, se dê pelo co-lapso ou pela consolidação do regime chavista.

Origens

Chávez empalmou o poder em condições deprecária governabilidade e nele tem se mantidograças a uma aliança entre o aparelho militar, so-bretudo a parcela que lhe é fiel desde o golpe de1992, empresários cartoriais, políticos carreiris-tas e a massa de eleitores pobres e ressentidos.Para manter coesas forças tão díspares, Cháveztem recorrido a uma tática de permanente pola-rização entre governo e oposição, bem como agenerosos gastos sociais proporcionados peloaumento exponencial do preço do petróleo.

Mas o principal sustentáculo da RevoluçãoBolivariana são os militares. Não cessam de seempilhar evidências de sua crescente presençana administração pública, nas empresas esta-tais e nos programas e organizações voltadospara a população mais pobre. Essa tendência decrescente militarização do governo e da própriasociedade suscita graves preocupações, sobre-tudo porque razões de ordem ideológica egeoestratégica tendem a ter precedência na for-mulação da política externa venezuelana.

"Não sou marxista, mas tampouco antimar-

xista. Nem sou comunista, nem anticomunista",declarou Hugo Chávez em 1998. "Sou bolivaria-no". É uma descrição rente à realidade, desdeque se entenda por "bolivarianismo" o destiladode uma extravagante alquimia entre um milita-rismo nacionalista, vagos conceitos marxistas efascistas e o velho populismo latino-americano.Dos três componentes, tem primazia o primei-ro, inspirado no culto a Simon Bolívar e forjadodurante o turbulento período que vai do Pactode Punto Fijo à ascensão de Chávez.

O radicalismo militar venezuelano deita raí-zes em uma longa história de governos milita-res (de 1830 a 1958, o país foi governado por ci-vis apenas durante nove anos). A eleição de Ró-mulo Betancourt em 1958, após a derrubada doGeneral Pérez Jiménez no mesmo ano, inaugu-rou um longo período democrático e de contro-le civil sobre os militares, mas não erradicou opretorianismo das Forças Armadas.

Entre 1962 e 1970, o governo civil derrotouuma insurreição armada liderada pelo diri-gente comunista Douglas Bravo e financiadapor Cuba. Os derrotados, entretanto, se rea-gruparam em centros educacionais e acade-mias militares. A reforma educacional cas-trense, o chamado Plano Andres Bello, levouuma massa de oficiais a se matricular nas uni-versidades do país. A convivência entre mili-tares e estudantes gerou uma situação parado-xal, pois enquanto os soldados combatiamguerrilhas marxistas no interior do país, os ofi-ciais eram expostos ao pensamento de esquer-da que dominava o ensino superior.

Essa nova geração militar, imbuída da missãode comandar políticamente o país, juntou-se asetores radicais de orientação marxista para for-mar grupos de conspiradores. Chávez graduou-

Leslie Mazoch/AP/AE

Chávez tem semantido no poder

graças a umaaliança entre o

aparelho militar,empresários

cartoriais, políticoscarreiristas e a

massa de eleitorespobres e

ressentidos.

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56 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

se na Academia Militar nessa época, envolvidonum ambiente de debates exaltados nas escolase nos quartéis. O seu "Movimiento BolivarianoRevolucionario 2000" descende desses grupos edas sociedades secretas de oficiais militares.

Em 1989, um desastre político galvanizousua geração. Um brusco aumento das tarifasde transportes decretado pelo governo de Car-los Andrés Pérez deflagrou violenta onda deprotestos e saques em Caracas. Convocadospara conter as manifestações, os militares re-vidaram ataques a tiros, deixando um trágicosaldo de mortos e feridos nos bairros mais po-bres da capital. Aí tem início a conspiração deChávez para desfechar um golpe de Estadocontra o presidente Carlos Andrés Pérez.

A doutrina da conspiração foi explicitadapor Chávez no Projeto Nacional Simón Bolí-var. Aí está o conceito da Revolução Boliva-riana como movimento cívico-militar deabrangência continental, impulsionado pelouso estratégico do petróleo, a ser materializa-do em duas etapas: uma, de transição, e a ou-tra, de consolidação da "democracia revolu-cionária". O tripé "Caudilho-Exército-Povo",cerne do projeto, preconiza que o poder devepermanecer concentrado nas mãos de um lí-der carismático, sustentado por uma "aliançacívico-militar". Nem a instituições políticasnem a partidos ou ideologias é reservado umpapel significativo.

Em 1992, a tentativa de Chávez de deporCarlos Andrés Pérez fracassou, mas o transfor-mou em celebridade, permitindo-lhe eleger-sepresidente em 1998 com folgada margem devotos. A partir daí, sua intenção de hegemoniatraduziu-se no controle gradativo de todas as

instituições que pudessem contrabalançar seupoder, fazendo amplo uso dos instrumentos dedemocracia direta, como o referendo.

Transformação

A transformação da Venezuela teve inícioem 1999. Chávez elegeu a maioria dos depu-tados à Assembléia Nacional Constituinte in-cumbida de redigir a nova Constituição da Re-pública Bolivariana da Venezuela. Aprovadapor plebiscito em dezembro, a nova carta au-mentou o mandato presidencial para seisanos, com a possibilidade de reeleição; conce-deu-lhe o poder de legislar sobre virtualmentequalquer matéria por meio de lei habilitante;acrescentou o Poder Cidadão e o Eleitoral aostrês poderes clássicos (Executivo, Legislativoe Judiciário); transformou o Poder Legislativoem unicameral; expandiu o número de minis-tros da Suprema Corte; criou a Reserva Nacio-nal e a unificou juntamente com o Exército,Marinha, Aeronática e Guarda Territorial nu-ma única Força Armada Nacional (FAN); e fa-cilitou a convocação de plebiscitos e referen-dos para questões de interesse nacional.

Iniciado o desmonte dos mecanismos insti-tucionais da democracia representativa, Chá-vez dedicou-se a aumentar os rendimentos dopetróleo. As rendas provenientes da alta dopetróleo têm representado um extraordinárioreforço do poder de Hugo Chávez. Quando as-sumiu o poder, o petróleo venezuelano era ex-portado a pouco mais de 16 dólares o barril;hoje, beira os 100 dólares. Despejados emabundância nos cofres governamentais, os pe-trodólares vêm financiando o aumento indis-criminado do gasto público para obter aaquiescência das elites e do povo venezuelanoe o apoio de outros governos nas Américas.

Ofuscado pela retórica anti-americanista,tem-se ignorado o importante papel que Chá-vez desempenhou na OPEP, o cartel de petró-leo do qual a Venezuela é membro fundador,para impor sucessivos aumentos do preço dopetróleo. Para sustentar a política de valoriza-ção do petróleo, ele reestabeleceu o controlegovernamental sobre a PDVSA e aumentoudrasticamente a taxação das empresas multi-nacionais que operam no setor petrolífero.

Paradoxalmente, o petróleo é também res-ponsável pelo peculiar dilema em que se debatea Revolução Bolivariana. Ocorre que os EstadosUnidos compram 60% das exportações de pe-tróleo da Venezuela, constituindo a principalfonte de divisas do país. Manter o delicadoequilíbrio entre uma política de confrontação e

Jorge Silva/Reuters

As rendasprovenientes daalta do petróleotêm representadoum extraordinárioreforço do poderde Hugo Chávez.

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57SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

a realidade da dependência econômica tem si-do um admirável ato da diplomacia chavista.

A despeito de suas ameaças, é improvávelque Chávez possa cortar drasticamente o for-necimento de petróleo para os Estados Uni-dos. Graças à proximidade geográfica, o mer-cado norte-americano é extremamente atraen-te. Acresce que as oito refinarias que a PDVSAopera em solo norte-americano são adaptadaspara processar o petróleo pesado produzidopela Venezuela. Mas nem por isso os EstadosUnidos deixam de ser refém da Venezuela.Buscar outros fornecedores envolve pesadocusto econômico e não é certo que possa redu-zir a vulnerabilidade do país.

Por esta razão, usar o "petróleo na nossaguerra contra o neoliberalismo", como amea-çou Chávez em entrevista à emissora Al-Jaze-era, requer uma estratégia complexa que com-bine acomodação e confronto, sem perder devista o objetivo principal de preservar o regi-me bolivariano. A alternativa é abrir novosmercados e expandir exportações para outrosparceiros comerciais. De 2004 a 2006, as expor-tações de petróleo para a China, por exemplo,foram decuplicadas (de 12.500 para 150.000barrís) e podem chegar a 500.000 barrís nospróximos cinco anos, passando a representarum quarto das exportações da Venezuela.

A questão do petróleo também está presen-te nas propostas chavistas de integração regio-nal. A Petrocaribe distribui diariamente cercade 200.000 barrís de petróleo para diversospaíses caribenhos, consolidando alianças naregião, e a venda de petróleo a preço subsidia-do tornou-se um dos principais esteios da eco-nomia de Cuba. A adesão ao Mercosul correparalela à proposta de criação da Petrosur,uma empresa de energia que busca integrar re-gionalmente as indústrias de gás natural e pe-tróleo, e da construção do Gasoduto do Sul,embora custos e dúvidas sobre sua viabilidadetécnica e eventual uso político tenham tiradomuito do brilho dessa última iniciativa.

Focalizando a política doméstica, deve-sereconhecer que o sucesso de Chávez originou-se tanto da rejeição de partidos e políticos tra-dicionais pelos venezuelanos quanto dos er-ros de seus adversários. Especial destaque, en-tretanto, deve ser dado ao uso da polarizaçãopolítica para vencer eleições e dar uma pátinade legitimidade democrática ao seu governo.

Javier Corrales definiu a Venezuela Boliva-riana como uma "autocracia competitiva", on-de Chávez tem suficiente apoio popular paraganhar eleições, mas não para eliminar a opo-sição. Nesse cenário, para manter a fachada

democrática do regime, é indispensável sabermanipular a oposição e usá-la para alavancar opróprio poder. A solução consiste em polari-zar o sistema político, fustigando uma oposi-ção rancorosa para a extrema direita e apartan-do-a do centro. Horrorizadas com a radicaliza-ção, as alas mais moderadas da esquerda api-nham-se no pólo oposto, aliando-se à extremaesquerda. Esvaziado, o centro se divide e seabstém de participar, assegurando ao presi-dente um número suficiente de votos para ga-nhar qualquer eleição ou referendo.

Por vezes, coube à própria oposição promo-ver a polarização da qual se nutre o regime bo-livariano. Foi o que ocorreu em 2002, quando aoposição liderou um golpe contra Chávez eacabou desacreditada como inimiga da demo-cracia. Reinstalado no comando do governo, opresidente enfrentou um período de enormeinstabilidade, pontuado por uma longa grevedo setor petrolífero e nova tentativa da oposi-ção de removê-lo do poder em 2004 por meiode um referendo revocatório de seu mandato,vencido por Chávez com 59% dos votos.

Alegando desconfiança no Poder Eleitoral,os partidos de oposição cometeram o erro catas-trófico de boicotar as eleições legislativas de2005, deixando a totalidade das cadeiras na As-sembléia Legislativa nas mãos do partido do go-verno e seus aliados. Integrada apenas por alia-dos de Chávez, a Assembléia aprovou a reformaconstitucional como lhe aprouve. Reeleito em2006 com 61% dos votos, Chávez encontrou ocaminho aberto para consolidar o regime.

Militarização

Para manter a polarização da vida domés-tica e internacional, o governo de Chávez temrecorrido à política clássica do brinkmanship,isto é: a uma estratégia temerária de ameaçar oadversário até que ele recue e faça concessões.O sucesso dessa estratégia depende do desa-fiante avaliar corretamente até que ponto a es-calada de ameaças não incitará o desafiado aorevide. Se houver erro de cálculo (a importân-cia da questão pode justificar um confrontomilitar), cabe ao desafiante recuar. Ou não, se oconflito aberto o beneficiar.

É este o audacioso jogo que Chávez mane-jou até agora com maestria. Convicto de que omundo pós-Guerra Fria caminha para a mul-tipolaridade, ameaça cortar o fornecimento depetróleo para os Estados Unidos, aprofundar arevolução socialista na Venezuela e exportá-lapara o resto do continente. Ao mesmo tempo,apregoa aos quatro ventos que os Estados Uni-

Alegandodesconfiança no PoderEleitoral, os partidos deoposição cometeram oerro catastrófico deboicotar as eleiçõeslegislativas de 2005,deixando a totalidadedas cadeiras naAssembléia Legislativanas mãos do partido dogoverno e seus aliados.

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dos preparam uma invasão para derrubar seugoverno, com base na ação direta de tropas mi-litares norte-americanas em terrítório vene-zuelano ou em ações indiretas deflagradas apartir de um país fronteiriço, como a Colôm-bia, as quais podem contar com o apoio de co-laboracionistas domésticos.

A doutrina bolivariana de segurança e de-fesa reflete essa percepção de um cenário inter-nacional ameaçado no plano geopolítico pelahegemonia dos Estados Unidos; no planogeoeconômico, pela globalização, e no campogeocultural, pelo liberalismo político. Paracontra-arrestar a ameaça militar norte-ameri-cada, três linhas de ação vêm sendo imple-mentadas: (1) uma nova visão estratégica dedefesa nacional no marco de uma guerra assi-métrica; (2) a defesa integral da nação com ba-se em uma aliança cívico-militar e (3) o forta-lecimento e preparação da Força Armada Na-cional, com a modernização de seu equipa-mento e a criação de uma força conjunta para adefesa da América do Sul.

Nova Visão Estratégica

Entre 2001 e 2004, a seqüência de greves,manifestações de rua, tentativa de golpe e o re-ferendo revocatório do mandato de Chávezapressaram a implementação da nova doutri-na de segurança. Em agosto de 2004, o governodeu a conhecer o "Novo Mapa Estratégico" pa-ra orientar sua atuação interna e externa no pe-ríodo 2004-2006.

Para consolidar o processo revolucionáriobolivariano, abertamente proclamado comosocialista em abril de 2005, o mapa considerouindispensável impedir ações internacionaisde isolamento ou de intervenção no país. Doisdos seus dez objetivos estratégicos são direta-mente relevantes para isso: a implementaçãoda nova estratégia militar nacional e de umapolítica externa destinada a impulsionar amultipolaridade do sistema internacional. Es-ses são os elementos centrais, segundo ElsaCardozo, para a defesa e a projeção internacio-nal do modelo bolivariano.

Sem suficiente poder militar para desafiar osEstados Unidos ou qualquer dos vizinhos maio-res, Chávez adotou o conceito de "guerra assi-métrica" como alternativa de defesa do regime.A idéia de assimetria pressupõe o recurso a es-tratégias usadas por oponentes mais fracos con-tra os mais fortes e baseadas na escolha de ob-jetivos, processos e meios inesperados do pontode vista de um confronto convencional, como oterrorismo ou o uso de combatentes civis.

Na guerra convencional, os Estados Unidospossuem inigualável capacidade militar. Seuponto fraco é a contra-insurgência, como mos-tram as guerras do Vietnã e do Iraque ou até aintervenção na Colômbia. Impotentes para en-frentar seu poderio militar, os adversáriosaprenderam a reequilibrar o campo de batalhaadaptando táticas, técnicas e armamentos. NoIraque, por exemplo, explosivos improvisadosrepresentam uma ameaça "assimétrica" capazde destruir tanques e veículos blindados, ele-mentos essenciais da guerra convencional.

Para o analista venezuelano Alberto Gar-rido, a guerra assimétrica preconizada porChávez tem caráter cívico-militar, potencia-lizando a resistência do povo contra a "amea-ça permanente" representada pelos EstadosUnidos. A organização se daria em três ní-veis superpostos: primeiro, a força conven-cional da FAN; segundo, a força cívico-mili-tar institucional (Reserva Nacional e GuardaTerritorial); e terceiro, a força popular, estru-turada em unidades básicas de resistência auma possível invasão militar.

É também de Garrido a observação de que aVenezuela vem se preparando para lutar umaguerra combinada – convencional e assimétri-ca. Embora seja ineficaz contra um inimigo po-deroso, a guerra convencional pode ser deci-siva em confrontos provocados pelo "trans-bordamento" de conflitos travados em paísesvizinhos, como o Plano Colômbia. Decisivatambém, deve-se acrescentar, no caso de dis-putas territoriais. Além de contencioso fron-teiriço com a Colômbia, a Venezuela reivindi-ca a posse de toda a região a oeste do Rio Es-sequibo, província que representa dois terçosda Guiana e roça a fronteira do Brasil.

Defesa Integral da Nação

A militarização da sociedade é elemento es-sencial da nova doutrina de segurança e defe-sa. O artigo 326 da Constituição da Venezuelaestipula que "a segurança da Nação baseia-seno co-responsabilidade entre o Estado e a so-ciedade civil". A fusão povo-exército é a idéiaque presidiu a formação da Reserva Nacionale a mobilização da Guarda Territorial.

Nos primeiros anos do governo Chávez,eram incipientes os sinais de militarização. Ainiciativa mais vistosa foi o "Plan Bolívar2000", a primeira de uma série de "missões bo-livarianas". Definido como um "plano cívico-militar", mobilizou cerca de 40.000 soldadospara o atendimento da população em situaçãode pobreza extrema, com distribuição de ali-

Sem suficientepoder militar paradesafiar os EstadosUnidos ou qualquerdos vizinhosmaiores, Chávezadotou o conceito de"guerra assimétrica"como alternativa dedefesa do regime.

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mentos, campanhas de vacinação em massa eprogramas educacionais.

O passo seguinte foi a criação de tropas dereserva. Cabe à Reserva Nacional e as forçasparamilitares defender o país contra uma in-vasão norte-americana, um conflito com a Co-lômbia ou uma insurreição fomentada por "co-laboracionistas" internos. Embora atuem emapoio às forças armadas regulares, a separaçãoinstitucional entre as organizações impedeque possam cair sob o comando da FAN. A no-va Lei Orgânica das Forças Armadas colocoutodas as tropas regulares e a nova Reserva Na-cional de milhões de voluntários sob o coman-do operacional de Chávez.

Chávez também criou grupos paramilitaresindependentes das forças regulares de segu-rança e sujeitos a seu comando direto. Conhe-cidos como "Círculos Bolivarianos," essa forçade reserva atua na organização de programassociais nas comunidades pobres e na imple-mentação do programa de reforma agrária.Exemplifica-o a Frente Francisco de Miranda.Presidida por Chávez, congrega 20.000 volun-tários incumbidos de "promover e atuar emconsonância com o ideário bolivariano e opensamento do Comandante Chávez", desen-volver o conceito de Defesa Integral da Pátria eestar preparada para atuar na defesa da Revo-lução Bolivariana e de seus aliados.

Reorganização eReaparelhamento da FAN

O fortalecimento do componente militar dotripé Caudilho-Exército-Povo teve início comas compras já formalizadas à Rússia de 24 ca-ças Sukhoi Su-30, 53 helicópteros de transpor-te, baterias antiaéreas do míssil Tor-M1, 5 milrifles de precisão Dragunov e 100 mil rifles deassalto Kalashnikov, que atingem US$ 4,3 bi-lhões desde 2005.

Entretanto, o projeto de modernização dasForças Armadas no longo prazo contempla ne-gociações para a compra de cinco submarinosrussos Kilo-636, com alcance de 14 mil quilôme-tros e equipados com mísseis táticos ou antiaé-reos, quatro corvetas espanholas de patrulhaoceânica e outras quatro, mais leves, para ope-rações costeiras. Até 2010, a Venezuela planejaadquirir outros 120 aviões de combate, 15 sub-marinos equipados com mísseis, 138 navios e 25radares tridimensionais. O desenvolvimento deuma indústria militar própria, preconizado no"Novo Mapa Estratégico" de 2004, deverá terinício com a construção de uma fábrica de riflesKalashnikov e outra de munições.

Projeção Militar na Região

Defender o processo revolucionário, promo-ver a liderança regional da Venezuela, opor-se àglobalização e ao neoliberalismo e lutar pelaemergência de um mundo multipolar são os te-mas que compõem a agenda básica da políticaexterna bolivariana. O quinto – e insólito – temaé a disposição de confrontar o poder e a influên-cia dos Estados Unidos na América Latina.

A manifestação mais visível dessa disposi-ção é a tentativa de mobilizar apoio para a cria-ção de novas instituições regionais que ex-cluam os Estados Unidos. Ilustra-o o lança-mento da Alternativa Bolivariana para asAméricas (ALBA) para se contrapor à propos-ta da Área de Livre Comércio das Américas(ALCA). O que tem sido menos perceptívelsão os esforços em prol de uma integração mi-litar e geopolítica paralela à integração econô-mica da região e do desenvolvimento de umpensamento militar autóctone.

Tem-se travado nas organizações militaresdo continente um debate sobre as vantagensde um esquema hemisférico de defesa, com aparticipação dos Estados Unidos, e de esque-mas regionais, que não requerem necessaria-mente sua participação. Estes últimos enfati-zam a cooperação multilateral de defesa, comespecial atenção às particularidades de cadapaís e da própria América do Sul, mas sem ex-cluir ou hostilizar os Estados Unidos.

Precisamente o contrário foi proposto noâmbito da defesa dos membros da ALBA (Cu-ba, Nicarágua, Venezuela e Bolívia). Trata-sede um pacto militar para a defesa conjuntacontra os Estados Unidos por meio de mobili-

(...) o regimechavista continua a

despertar forteresistência da classe

média, deempresários e

sindicalistas, damídia e da alta

hierarquia da Igreja

Jorge Silva/Reuters

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zação das respectivas forças armadas paraatuar em cenário de guerra convencional e damobilização de contingentes irregulares ouparamilitares, agindo fora das fronteiras deseus países em esforço de guerra assimétrica.

Que ameaças reais a Venezuela encerra paraos países da região? Admitindo-se que a meracompra de armamentos não caracteri-za uma corrida armamentista, o fato éque a militarização do país vem geran-do tensão e incerteza entre os vizinhos,além de fornecer pretexto a outras for-ças armadas para demandar a moder-nização de seus próprios arsenais.

Consequência grave dessa tendên-cia é a tentação de intervir militarmen-te em um país vizinho. O acordo de co-operação militar entre a Venezuela e aBolívia, celebrado em outubro de2006, concede à primeira o direito deacantonar tropas e construir bases mi-litares nas fronteiras da Bolívia. Preve-se a construção de um porto da Mari-nha em Puerto Quijarro, no departa-mento de Santa Cruz de la Sierra, a 200km de Corumbá e da fronteira com oParaguai, e de um forte militar em Ri-beralta, no departamento de Beni,próximo à fronteira com o Brasil. Nãopor acaso, as novas bases se localizamem áreas onde é forte a oposição ao go-verno de Evo Morales, deixando en-trever a possibilidade de que as tropas sejamusadas para reprimir manifestações políticas.

Finalmente, a militarização pode dar ensejoa conflitos com países vizinhos ou até mesmoincentivar aventuras externas para galvanizara opinião pública em apoio ao governo. Aindaestá fresca na memória da região a tresloucadainvasão das Ilhas Malvinas pelo regime mili-tar argentino.

Percepções de ameaças, mesmo quando sãoapenas parcialmente fundamentadas, alteramo equilíbrio militar regional. As pesadas com-pras de armamentos para fins de defesa exter-na e interna da Venezuela; a criação de enormecontingente de reservistas e a crescente intole-rância contra a oposição, demonizada como"quinta coluna" a serviço dos Estados Unidos,representam, no mínimo, sinais de alerta paraos países em seu entorno.

Evolução

Embora não se vislumbrem mudanças pro-fundas no futuro próximo, existem sinais de queo regime bolivariano pode ser mais instável do

que aparenta. Existem forças internas e externasque militam contra sua determinação de mantero status quo, forçando-o eventualmente a abrirmão do controle sobre certas áreas.

As receitas extraordinárias provenientes dopetróleo têm permitido ao regime expandirprogramas sociais e promover níveis de con-

sumo sem precedentes. De 1998 atéhoje, a população em situação de ex-trema pobreza caiu de 20% para 11%.Resta saber se esse processo é susten-tável. Não sendo acompanhado demudanças estruturais efetivas, o re-gime chavista pode tornar-se vulne-rável caso flutuações do mercado in-ternacional afetem sua capacidadede manter os benefícios a que a popu-lação se acostumou a receber.

Apesar do controle sobre institui-ções públicas, da repressão sobre a vi-da política e do poder de governar pordecreto, o regime chavista continua adespertar forte resistência da classemédia, de empresários e sindicalistas,da mídia e da alta hierarquia da Igreja.Chávez já enfrentou uma tentativa degolpe e uma greve debilitante da in-dústria de petróleo em 2002, um refe-rendo revogatório em 2004 e agressi-vas demonstrações de protesto a cadatentativa de endurecimento do regi-me, como as que se seguiram ao fecha-

mento da RCTV. Levada ao extremo, a polariza-ção política exacerba divisões e estimula o im-passe, conduzindo o regime a um ciclo viciosode maior controle e confrontação.

Até onde a vista alcança, entretanto, o eventomais decisivo para o futuro da Venezuela é pro-vavelmente a reforma constitucional propostapor Chávez e aprovada pela Assembléia Nacio-nal com esmagadora maioria dos votos. Resul-tado da decisão catastrófica da oposição de boi-cotar a eleição legislativa em 2005, entregandoaos chavistas o controle da Assembléia, a refor-ma será submetida a referendo em dezembro.

Trata-se de audacioso passo para perpetuarChávez no poder pretextando acelerar a tran-sição da Venezuela para o Socialismo do Sécu-lo 21. A reforma amplia seus poderes, estabe-lece a permissão infinita para reeleição e pra-ticamente elimina os freios e contrapesos ins-titucionais remanescentes. Em suma, instituiuma ditadura constitucional.

A Lei Habilitante, de 2007, já lhe outorgou opoder de legislar por decreto em diversasáreas, notadamente em segurança e defesa. Areforma o autoriza a declarar "território fede-

Chávez criou gruposparamilitares

independentes dasforças regulares de

segurança e sujeitos aseu comando direto.

Eles atuam emprogramas sociaisnas comunidades

pobres

Edwin Montilva/Reuters

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ral" qualquer parte do país, governando-o di-retamente do gabinete presidencial; a criar"conselhos comunitários" populares comoinstâncias de poder em competição com Esta-dos e municipalidades; e a declarar estado deemergência por tempo indeterminado, sus-pendendo o direito à informação e ao devidoprocesso legal. Coloca também em suas mãosas reservas internacionais do país, autorizan-do-o a usá-las a seu critério.

Outra faceta da reforma é o debilitamentodo direito de propriedade. A reforma cria cin-co tipos de propriedade. Os quatro primeiros,exercidos sob o controle do Estado, são a pro-priedade social, pertencente ao povo; a coleti-va, pertencente a grupos sociais ou comunitá-rios; a mista, com participação do setor priva-do e do Estado; e a pública, administrada pelogoverno. Por último vem a propriedade priva-da, que poderá ser confiscada quando afetar osdireitos de terceiros ou da sociedade.

Mas o cerne da reforma é a transformaçãoda Força Armada Nacional em verdadeiropartido oficial. Abandonam o caráter profis-sional e assumem caráter claramente político,conformando "um corpo essencialmente pa-triótico, popular e anti-imperialista". Dilui-sea distinção entre o poder militar e o poder po-pular e a tríade Caudilho-Exército-Povo é fi-nalmente constitucionalizada.

Em retrospecto, vê-se que Chávez semprepreferiu manter seus seguidores como um mo-vimento de massa pouco estruturado. O Mo-vimiento V República, que o levou ao poderem 1998, era um conglomerado de forças dís-pares e não se vê real empenho para a criaçãodo novo Partido Socialista Unido da Venezue-la (PSUV). É com a corporação militar que eleconta efetivamente para governar.

Este é provavelmente o seu calcanhar deAquiles, pois a defesa do projeto bolivariano en-volve o risco de uma crescente politização dosmilitares. Evidencia-o a discordância quanto aocontrole da Força Armada Nacional sobre as mi-lícias da Reserva Nacional. Oficiais da FAN te-mem que o desenvolvimento das milícias e doconceito do povo em armas acabem por reduziro seu poder. Chávez vem escamoteando a ques-tão, ora enfatizando a subordinação das milíciasà organização militar, ora afirmando que a pri-mazia cabe às milícias, às quais caberá conduzira "guerra de todo el pueblo".

Embora seja difícil prever os rumos da Ve-nezuela nos próximos anos, a abundância depetrodólares, o fortalecimento militar e umaclara agenda política de abrangência conti-nental tornam Chávez um formidável adver-

sário. Nessas circunstâncias, soa pueril a reite-ração de que o Brasil pode exercer ação mode-radora sobre seus atos e decisões.

Ao contrário, é mais provável que a radica-lização leve o regime chavista ao isolamento.A aproximação de Chávez com o Irã, porexemplo, afronta a Argentina. Foi obra do go-verno iraniano o atentado terrorista que arra-sou a embaixada de Israel e a Asociación Mu-tual Israeli-Argentina em Buenos Aires no iní-cio dos anos 90, deixando centenas de mortos eferidos. O Brasil, por sua vez, retirou-se discre-tamente do megaprojeto do Gasoduto do Sul ejá debate abertamente a modernização e ree-quipamento de suas forças armadas. Seja qualfor o destino do regime de Chávez, a única cer-teza é que haverá riscos para a região.

A aproximação deChávez com o Irã afrontaa Argentina. Foi obra do

governo iraniano oatentado terrorista que

arrasou a embaixada deIsrael e a Asociación

Mutual Israeli-Argentinaem Buenos Aires no

início dos anos 90

Hassan Ammar/AFP

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AMAIORtramacriminosade todosos tempos

Divulgação

Olavo deCarvalho

Jornalista,escritor e

professor deFilosofia

O pioneiro inconteste na investigação do fenômeno"Foro de São Paulo" foi o advogado paulista JoséCarlos Graça Wagner, homem de inteligência pri-vilegiada, que muito me honrou com a sua ami-

zade. Ele já falava do assunto, com aguda compreensão da suaimportância histórica e estratégica, por volta de 1995, quando oconheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobrea origem e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da suacasa, e uma prova da criteriosidade intelectual do pesquisadorfoi que só a partir de então ele se sentiu em condições de começara escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele me chamou paraajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para aRomênia e, com muita tristeza, declinei do convite.

Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois,quando, ao retomar o contato com o Dr. Wagner, soube que oprojeto tinha sido interrompido por uma onda súbita e irre-

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freável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que termi-naram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, am-bos já idosos. Não sai da minha cabeça a suspeita de que a pe-rigosa investigação em que ele se metera teve algo a ver com arepentina liquidação de uma carreira profissional até entãomarcada pelo sucesso e pela prosperidade.

Ele tinha negócios nos EUA e era também lá, nas bibliotecase arquivos de Miami e de Washington D.C., que ele coligia amaior parte do material sobre o Foro. Nos últimos anos, a pes-quisa havia tomado um rumo peculiar. O Dr. Wagner esperavaencontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de SãoPaulo e uma prestigiosa entidade da esquerda chique ameri-cana, o "Diálogo Interamericano". Não sei se essa prova espe-cífica existe ou não, nem se ela é realmente necessária para de-monstrar algo que metade da América já conhece por outros eabundantes sinais, isto é, que os líderes mais barulhentos doPartido Democrata são notórios protetores de movimentos re-volucionários e terroristas (de modo que o Foro, se acrescen-tado à lista, não modificaria em grande coisa as biografias des-ses personagens vampirescos).

O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo dataaproximadamente de uma entrevista que ele deu ao Diário LasAméricas, importante publicação de língua espanhola em Mia-mi, na qual falava do Foro de São Paulo e de suas relações peri-gosas com o "Diálogo". Mas isto já seria matéria para outra inves-tigação, e longe de mim a intenção de explicar obscurum per obs-curius. Mesmo sem poder prometer a solução para esse aspectoparticularmente enigmático do problema, uma coisa posso ga-rantir: os arquivos do Dr. Wagner, recentemente postos à dispo-sição da equipe de pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da As-sociação Comercial de São Paulo, pela generosidade de José Ro-berto Valente Wagner, permitem retomar a investigação com a es-perança de que antes de um ano teremos pelo menos a históriainterna do Foro de São Paulo reconstituída praticamente mês amês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a questãodo "Diálogo", mas antes disso será preciso resolver outro enigma,bem mais urgente e bem mais próximo de nós.

Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duasordens de fatos:

Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização po-lítica que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma dasmaiores do mundo. Dele participam todos os governantes es-querdistas do continente. Mas não é uma organização de esquer-da como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de par-tidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotrá-fico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno,todas empenhadas numa articulação estratégica comum e nabusca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escalatão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tãoorganizada e tão duradoura entre a política e o crime.

Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canaisde TV e estações de rádio deste País – todos, sem exceção, in-clusive aqueles que mais se gabavam de primar pelo jornalismoinvestigativo e pelas denúncias corajosas – se recusaram obsti-nadamente a noticiar a existência e as atividades dessa organi-zação, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei arespeito, em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso so-

lícito à provocação insultuosa, das súplicas humildes às argu-mentações lógicas mais persuasivas, tudo foi inútil. Quandonão me respondiam com o silêncio desdenhoso, faziam-no comdesconversas levianas, com objeções céticas inteiramente aprio-rísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com ob-servações sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mentalou com a zombaria mais estúpida e pueril que se pode imaginar.Reagindo a essa pertinaz negação dos fatos, fiz publicar no jor-nal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase completas dasassembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A vo-lumosa prova documental mostrou-se incapaz de demover osnegacionistas. Eles pareciam hipnotizados, estupidificados,mentalmente paralisados diante de uma hipótese mais temíveldo que seus cérebros poderiam suportar na ocasião.

A publicação das atas teve porém duas conseqüências im-portantes. De um lado, o site oficial do Foro, www.forosaopau-lo.org, foi retirado do ar às pressas, para só voltar meses de-pois, em versão bastante expurgada. De outro lado, entre osjornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo as-

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sunto cedeu lugar à negação ostensiva, pública, da existênciamesma do Foro de São Paulo. Dois personagens destacaram-se especialmente nesse servicinho sujo: o inglês KennethMaxwell e o brasileiro Luiz Felipe de Alencastro. Para anun-ciar ao mundo a completa inexistência da entidade que eu de-nunciava, ambos – por ironia, historiadores de profissão – usa-ram como tribuna ou megafone o pódio do CFR, Council onForeign Relations, o mais poderoso think tank americano, dan-do assim à ignorância dolosa (ou à mentira grotesca) o aval deuma autoridade considerável. Quem ainda tenha ilusõesquanto à confiabilidade intelectual da profissão acadêmica,mesmo exercida nos chamados "grandes centros" (Alencastroé professor na Universidade de Paris, e Maxwell é o consultorsupremo do próprio CFR em assuntos brasileiros), pode se cu-rar dessa doença mediante a simples notificação desses fatos.

Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa aceder lugar à suspeita de uma trama consciente bem maior doque a nossa paranóia poderia imaginar. Membros importantesdo CFR tiveram contatos próximos com as organizações crimi-

nosas participantes do Foro de São Paulo, cuja existência, por-tanto, não poderiam ignorar (leia-se a respeito o meu artigo "Portrás da subversão", Diário do Comércio, dia 05 de junho de2 0 0 6 , h t t p : / / w w w. o l a v o d e c a r v a l h o . o r g / s e m a-na/060605dc.html). Em suma, o Brasil parecia estar preso entreas malhas de uma articulação criminosa, que envolvia, ao mes-mo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda latino-ameri-canos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais gan-gues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcelanada desprezível da elite política e financeira norte americana.

A gravidade desses fatos mede-se pela amplitude e persistên-cia da sua ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulotornou-se o motor principal das transformações históricas nocontinente, ao mesmo tempo que a ignorância geral a respeitofazia com que os debates públicos – e portanto a totalidade davida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se trans-formasse numa engenharia da alienação, favorecendo aindamais o crescimento de um esquema de poder que se alimentavagostosamente da sua própria invisibilidade. A queda vertigino-sa do nível de consciência pública nessas condições, era não sóprevisível como inevitável. As opiniões circulantes tornaram-seuma dança grotesca de irrelevâncias, desconversas e erros ma-ciços, ao mesmo tempo em que a violência e a corrupção cres-ciam ante os olhos atônicos do público e dos formadores de opi-nião, cada um apegando-se às explicações mais desencontra-das, extemporâneas e impotentes. Muitas décadas hão de pas-sar antes que a devastação psicológica resultante desse quadropossa ser revertida. O fabuloso concurso de crimes que a deter-minou não tem paralelo na história universal.

Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade comque os culpados se desvencilham de qualquer tentativa de de-núncia, qualificando-a de "teoria da conspiração". Mas quem fa-lou em conspiração? O que vemos é uma gigantesca movimen-tação de recursos, de poderes, de organizações, de correntes his-tóricas, que para permanecer imune à curiosidade popular nãoprecisa se esconder em porões, mas apenas apostar na incapaci-dade pública de apreender a sua complexidade inabarcável e deacreditar na existência de tanta malícia organizada.

O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência emqualquer época ou país. Longo tempo depois de extinto, comoespero venha a sê-lo um dia, ele ainda constituirá um enigma eum desafio ao tirocínio dos historiadores. Para nós, ele é mais doque isso. É o inimigo "onipresente e invisível" sonhado por An-tonio Gramsci.

Leia a seguir a matéria do jornalista Renato Pompeu sobre o Foro deSão Paulo, com base em materiais colhidos e disponíveis no site MídiaSem Máscara (N.R.)

O Foro de São Paulo reúne mais deuma centena de partidos legais evárias organizações criminosasligadas ao narcotráfico e àindústria dos seqüestros, como asFARC e o MIR chileno.

João Wainer/Folha Imagem 20/08/2003

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66 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

FORO

DE

SÃO

PAU

LOS egundo o historiador Carlos I.S.

Azambuja, colaborador do sitewww.midiasemmascara.com.br, oForo de São Paulo, sob a liderança do

Partido dos Trabalhadores – o PT brasileiro – edo Partido Comunista Cubano, reúne mais decem partidos e grupos de esquerda latino-americanos, entre eles alguns armados, comoas Forças Armadas Revolucionárias da Co-lômbia (Farc) e o Exército Zapatista de Liber-tação Nacional (EZLN), do México. O objetivodo Foro de São Paulo, fundado em 1990 na ca-pital paulista, seria fomentar a difusão, paramais países do continente, de regimes sociali-zantes, como os dos presidentes Hugo Chá-vez, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia.

No III Congresso do PT, realizado em se-tembro último, também em São Paulo, confor-me assinala Azambuja em artigo a 5 de setem-bro de 2007, estiveram presentes "cerca de 100delegados, partidos e organizações de esquer-da de 32 países – Alemanha, Angola, Argenti-na, Bolívia, Chile, China, Colômbia, Coréia doNorte, Cuba, El Salvador, Espanha, EUA,França, Galícia-Espanha, Haiti, Honduras,Itália, Japão, México, Nicarágua, Palestina,Panamá, Paraguai, Porto Rico, Portugal, Re-pública Dominicana, República Saharaui, Sí-ria, Suécia, Uruguai, Venezuela, Vietnã". Naseção solene de abertura, falaram os represen-tantes do Partido Comunista Cubano – Fer-nando Ramírez de Estenoz, chefe do Departa-mento de Relações Exteriores do PCC – e daFrente Ampla do Uruguai. Ramírez de Este-noz entregou ao presidente do PT, RicardoBerzoini, uma imagem da manifestação de 1ºde maio último em Havana.

O Congresso do PT, entre as várias decisõesque adotou, aprovou a realização do XIV e XVencontros do Foro de São Paulo, em Montevi-déu, no ano que vem, e na Cidade do México,em 2009. Comenta Azambuja: "Vejam, senho-res! Quem define em quais países e em quedatas devem ser realizados os encontros doForo de São Paulo – uma entidade que, paramuitos, não existe e que não passa de uma di-vagação do filósofo Olavo de Carvalho e des-te site, o Mídia sem Máscara –, é o Partido dosTr a b a l h a d o re s ! "

Em outro artigo, de 2004, o historiadorAzambuja relembra a fundação do Foroem 1990: "

O motivo da criação do Foro de São Paulo(que hoje reúne mais de 100 partidos, organi-zações e grupos de esquerda da América La-tina e Caribe), uma reedição da OLAS - Orga-nização Latino-Americana de Solidariedade

Sob a liderançado PT e do PCCcubano, o Forode São Pauloreúne mais decem partidos e

grupos deesquerda.

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67SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

(organização similar constituída em 1966,em Havana) e da fracassada JCR - Junta deCoordenação Revolucionária (constituídaem 1973, por organizações terroristas doChile, Uruguai, Argentina e Bolívia, após adeposição do governo marxista de SalvadorAllende, no Chile), foi uma das formas en-contradas pelo regime cubano para sobre-viver à queda do Muro de Berlim e ao des-monte do socialismo real, que provocou odesmoronamento, como um castelo de car-tas, de todos os partidos comunistas e movi-mentos aliados da ex-União Soviética. ParaCuba, então, tornou-se fundamental que asforças consideradas aliadas assumissem ocontrole de, pelo menos, um dos países daAmérica Latina. É evidente que o Brasil, faceàs condições políticas da época (1990), foi oalvo preferido.

Sempre segundo Azambuja, ao longo dosanos o Partido Comunista Cubano foi trans-formando o Foro, de reunião de debates so-bre "ações comuns", numa organização cen-tralizada, "de cuja direção, hoje, fazem parteos principais grupos terroristas da AméricaLatina. "Em 1991, a direção era constituídado Partido Comunista Cubano, Partido daRevolução Democrática (México), Partidodos Trabalhadores (Brasil), Frente Farabun-do Martí de Libertação Nacional (El Salva-dor), Movimento Lavalas (Haiti), Movimen-

Newton Santos/Hype

Renato PompeuÉ jornalista e escritor,autor do romance-ensaio 'O mundocomo obra de artecriada pelo Brasil',Editora CasaAmarela.

O ExércitoZapatista deLibertação

Nacional, doMéxico, e as

FARC, daColômbia,participam

do Foro.

Reprodução

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68 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

to Bolívia Livre e dos partidos da EsquerdaUnida (Peru) e da Frente Ampla (Uruguai, li-derada pelo Movimento Tupamaros, antigaorganização guerrilheira urbana). No anoseguinte, foi acrescentada a União Revolu-cionária Nacional Guatemalteca, "que agru-pa várias organizações voltadas para a lutaarmada", de acordo com Azambuja. Acres-centa o historiador: "Em maio de 1995, no VEncontro do Foro, realizado em Montevi-déu, a sua direção já incluía, também, a Co-ordenadora Guerrilheira Simón Bolívar, asFARC-EP - Forças Armadas Revolucioná-rias da Colômbia-Exército do Povo, o ELN -Exército de Libertação Nacional e a AliançaDemocrática M-19 (todos da Colômbia), oPartido Laborista (Dominica), o Partido Re-volucionário Democrático (Panamá) e trêsorganizações de Guadalupe: o Partido Co-munista e os grupos União e Resistência eUnião Popular pela Liberdade". Posterior-mente, se somou à direção do Foro de SãoPaulo o EZLN - Exército Zapatista de Liber-tação Nacional do México.

Também desde 1995 funciona o Secretaria-do Permanente do Foro; desde antes disso, apartir de 1992, vem sendo editada, como órgãoporta-voz do Foro, a revista quadrimestralAmérica Livre, com edições em português ecastelhano, sob a direção do Frei Betto. Cons-tata Azambuja: "No primeiro número, em umartigo que fazia a apresentação da revista, FreiBetto escreveu que ‘é preciso não ceder à ingê-nua pretensão de fazer a revolução pelo voto’.Nesse mesmo número, o cubano FernandoMartinez Heredia, pertencente ao Departa-mento América (órgão de Inteligência do Co-mitê Central do Partido Comunista Cubano),membro do Conselho de Redação, escreveuque ‘reforma e revolução, e não reforma ou re-volução, tem que ser a palavra de ordem’."OForo mantém ligações com os partidos comu-nistas da Coréia do Norte, China, EUA, Cana-dá, Áustria, Inglaterra, França, Alemanha,Grécia, Itália e Portugal, "bem como" – dizAzambuja, com "a Eta-Basca, que internacio-nalizou as ações de seqüestros de empresáriose que, há mais de uma década, estabeleceu ba-ses de operações na América Latina (México,Venezuela, Cuba, Nicarágua e, possivelmen-te, El Salvador, Uruguai e República Domini-cana)". Nota o historiador: "Basta recordar osseqüestros do empresário Abílio Diniz, em de-zembro de 1989, e do publicitário WashingtonOlivetto, em dezembro de 2001, ambos em SãoPaulo, bem como a libertação, em São Paulo,em 1987, do Cel. do Exército chileno Carlos

Carreño, seqüestrado no Chile. São exemplosda internacionalização desse tipo de crime.

Recorde-se que do seqüestro do empresárioAbílio Diniz participaram chilenos, argenti-nos, canadenses e brasileiros. Posteriormente,em 1993, quando da explosão de um bunker naNicarágua, documentos apreendidos vincula-ram esses seqüestradores à Eta-Basca, a diri-gentes da Frente Farabundo Martí de Liberta-ção Nacional (El Salvador), e a ex-dirigentesdo aparelho de inteligência sandinista. Do se-qüestro de Washington Olivetto participaramchilenos, argentinos e colombianos, além de,pelo menos, duas brasileiras.

"Outros aliados internacionais do Foro, quelhe dão apoio de diferentes formas, são a Con-ferência Permanente dos Partidos Políticos daAmérica Latina, vinculada à Internacional So-cialista; o Novo Partido Democrata (Canadá);o Instituto Democrata Nacional e a FundaçãoNacional pela Democracia (ambos dos EUA);a Internacional Socialista; e o Centro Triconti-nental da Universidade de Louvain, na Bélgi-ca. Azambuja calcula que o Foro de São Paulo,em suas cem organizações integrantes, agrupa250 mil quadros e simpatizantes, entre eles 20mil a 30 mil com acesso a armas.

E assinala: "O destacado papel que as FARCdesempenham na estrutura do Foro, serve deexemplo da relação integral deste com o nar-cotráfico" e mais: "O Novo Movimento pela In-dependência de Porto Rico, por sua vez, quehá pouco tempo aderiu ao Foro, já ameaçoucom a realização de ações terroristas contra apossível instalação, no país, pelos norte-ame-ricanos, de um radar voltado ao combate dotráfico de drogas".

Histórico

Azambuja apresenta uma cronologia dasreuniões do Foro:

- Julho de 1990, em São Paulo: na confe-rência de fundação do Foro, com o nome de"Encontro Latino-Americano e Caribenho dePartidos e Organizações de Esquerda", foiapresentada a tese "O que foi perdido no Leste-Europeu será reconquistado na América Lati-na";

- Junho de 1991, no México: no II Encon-tro, o tema foi a "A América Latina e o Caribeem face da Reconstrução Hegemônica Inter-nacional". No mês de março anterior, tambémna Cidade do México, foi definido que as de-cisões do encontro, além de caráter consultivo,teriam também caráter deliberativo.

Comenta Azambuja: "Isso significa que as

Doseqüestro doempresárioAbílio Dinizparticiparamchilenos,argentinos,canadenses ebrasileiros.(...) Doseqüestro deWashingtonOlivetoparticiparamchilenos,argentinos ecolombianos,além de, pelomenos, duasbrasileiras.

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decisões aprovadas em plenárias e constantesdas Declarações finais passaram, a partir deentão, a ser consideradas d e l i b e ra t iva s , istoé, decisórias em termos de aceitação e cum-primento pelos membros do Foro, subordi-nando-os, portanto, aos ditames dos Encon-tros na ação a ser desenvolvida em nível inter-nacional e nos respectivos países. Tais delibe-r a ç õ e s o b e d e c e m a u m a p o l í t i c ainternacionalista, com vistas à implantação dosocialismo no continente, fato que transferepara um segundo plano os interesses nacio-nais e fere os princípios da soberania e autode-terminação.

A Lei Orgânica dos Partidos Políticos(LOPP) e a Constituição da República definemque ‘A ação do partido tem caráter nacional e éexercida de acordo com o seu estatuto e pro-grama, sem subordinação a entidades ou go-vernos estrangeiros’ (artigo 17 da Constitui-ção e item II, artigo 5º da LOPP)".

Na Declaração Final desse II encontro, ospontos aprovados foram: "irrestrito apoio aCuba e à Revolução Cubana; solidariedadeaos governos socialistas e comunistas da

América Latina e Caribe; condenação doneoliberalismo; e conscientização de que osenormes desafios da América Latina não po-dem ser solucionados isoladamente, ‘masatravés da transformação das nossas socie-dades e da integração política e econômicade seus povos’ (transcrito do jornal Granma,porta-voz do Partido Comunista Cubano,21 de julho de 1991)".

- Julho de 1992, em Manágua, Nicará-gua:o tema básico do III Encontro foi "O Estudodas Alternativas de Desenvolvimento e Inte-gração da América Latina e Caribe". No entan-do, a Declaração Final não foi publicada.

- Julho de 1993, em Havana, Cuba: o IVEncontro abordou o tema "O Socialismo de Ca-ráter Marxista não Morreu e é possível restau-rá-lo na América Latina". De acordo com o jor-nal Granma de 24 de julho de 1993, Luiz InácioLula da Silva, na época presidente do PT, pre-sente ao Encontro em Havana, declarou: "Aheterogeneidade do movimento revolucioná-rio progressista e democrático da América La-tina é muito complicada, mas só o fato de nosreunirmos, de nos entendermos pessoalmen-

Em 2005, opresidente Lulaparticipou da

celebração dos15 anos do Forode São Paulo,

criado em 1990com o nome

Encontro Latino-Americano eCaribenho de

Partidos eOrganizações de

Esquerda.

Ricardo Stuckert/ABr 02/07/2005

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70 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

te, com o propósito de construir uma políticade solidariedade, representa um saldo inegá-vel e um mérito para o Foro de São Paulo".

Fidel Castro, por sua vez, afirmou: "Pode-mos dizer que esta Declaração Final é, pratica-mente, um programa de luta e um programa daesquerda da América Latina e Caribe. Se conse-guirmos alcançar esses objetivos, chegaremostão longe como ninguém é capaz de imaginar"(jornal Granma, 27 de julho de 1993).

- Maio de 1995, em Montevidéu, Uru-gua i: o V Encontro discutiu "A Ofensiva doNeoliberalismo e o Avanço da Globalizaçãoem Detrimento dos Países Pobres". A Declara-ção Final se manifestava contra o bloqueio aCuba e contra o estado de sítio em vigor, naépoca, na Bolívia, e em solidariedade aos za-patistas e aos petroleiros brasileiros, então emgreve. A Resolução Final qualificou os guerri-lheiros do EZLN de "representantes de novasformas de expressão, democracia e poder po-pular". O chamado Subcomandante Marcosfalou no Foro por meio de um vídeo, trazidopelo Partido Revolucionário Democrático doMéxico. Esteve presente, como observador,um dirigente do "Herri Batasuma", braço po-lítico da organização terrorista Eta-Basca.

Assinala Azambuja: "Entre o V e o VI En-contro, em abril de 1996, na Selva Lacandona,Chiapas, México, foi realizado o Encontro In-ternacional Contra o Neoliberalismo e pelaHumanidade, convocado pelo Exército Za-patista de Libertação Nacional. Gilberto Car-valho, membro da Executiva Nacional do PT,atual assessor do presidente Lula no Paláciodo Planalto, representou o partido nesse En-contro que, no Brasil, foi o encarregado de re-lacionar e credenciar os que desejassem par-ticipar. Uma delegação de 12 brasileiros,composta por militantes do PT, CUT, MST eCIMI - Conselho Indigenista Missionário, es-teve presente. Também participaram Daniel-le Mitterrand, viúva do presidente Mitter-rand, e o sociólogo francês Alain Touraine.Este, em entrevista publicada pelo jornal OGlobo de 2 de agosto de 1996, classificou oPartido da Social Democracia Brasileira co-mo "pura merda".

Regis Debray, guerrilheiro nas selvas da Bo-livia junto com Che Guevara, na década de 60,não compareceu, mas enviou uma mensagemao subcomandante Marcos expressando suaadesão ‘à grande causa zapatista’. A esse En-contro Internacional nas selvas de Chiapas es-tiveram presentes cerca de 3 mil nostálgicosmilitantes de organizações de esquerda, movi-mentos sociais e ONGs de 42 países".

Segundo ainda Azambuja, a 14 e 15 de junhode 1996, promovido pelo Foro de São Paulo,Partido Comunista Cubano e Assembléia Na-cional do Poder Popular de Cuba, houve emHavana um "Encontro de Parlamentares pelaSoberania e Integração da América Latina eCaribe", com 171 parlamentares de 17 paísesda região, "ao qual não foi dado qualquer tipode divulgação no Brasil, desconhecendo-se osnomes dos brasileiros que dele participaram,além do senador Amir Lando", que foi minis-tro da Previdência Social. Segundo a Declara-ção Final, publicada pelo jornal "Granma", oEncontro discutiu a "crise global do modeloneoliberal e seu impacto nos âmbitos econô-mico, social e político; o problema das diferen-ças entre o Norte e o Sul; os sintomas de ingo-vernabilidade; os efeitos das novas tecnolo-gias; e a deterioração do papel dos Parlamen-tos e dos partidos políticos". Foi aindadebatida a "necessidade de mudanças que ga-rantam a participação popular nas atividadeslegislativas e que incidam na situação econô-mica e social, garantindo o processo de genuí-na integração e defesa da soberania de cadaum dos países da América Latina e Caribe".

Os 171 parlamentares concordaram – deacordo com o "Granma"- "que não pode existiruma verdadeira democracia nos lugares ondea cada dia cresce a pobreza e a injustiça, a cor-rupção, a deterioração do meio ambiente e aexclusão do bem-estar social de mais da meta-de da população dos países da região".

- Julho de 1996, em El Salvador:do VI En-contro participaram integrantes de cerca de100 partidos e organizações de esquerda daAmérica Latina. Da delegação de cinco mem-bros do PT participavam Luiz Inácio Lula daSilva e José Dirceu. Acrescenta Azambuja:"Lula, em seu discurso, fez referência às trêsgerações da esquerda neste século: a primeira,comunista, construída com o nascimento daUnião Soviética; a segunda, que se baseou naluta armada inspirada pela revolução cubana;e a terceira, originada nos anos 80, comprome-tida com a democracia. Concluiu, fazendo umapelo à unidade das esquerdas." Também dis-se: "O Foro de São Paulo não é uma nova Inter-nacional. É apenas um Foro, que não pretendeimiscuir-se na situação interna de nenhumpaís ou partido".

- Julho de 1997: o VII Foro de São Paulo foicoordenado pelo PT, em Porto Alegre, com 400representantes de partidos e organizações deesquerda. José Dirceu, então presidente do PT,abrindo o encontro e falando em nome do PT,PSB, PCB, PC do B, PDT e PPS, criticou o neo-

AResoluçãoFinalqualificou osguerrilheirosdo EZLN derepresentantesde novasformas deexpressão,democracia epoderpopular".

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liberalismo e elogiou as "forças contrárias aele, conformadas na insurreição na Colômbia;vitória da Frente Farabundo Martí, em El Sal-vador; a luta dos estudantes e operários san-dinistas, na Nicarágua; vitória do Partido daRevolução Democrática, no México; crise noPeru, prenunciando a queda de Fujimori; cres-cimento da esquerda radical, na Argentina,com chances de vitória nas eleições presiden-ciais de outubro; e a derrota da direita conser-vadora, na França e Inglaterra, sinalizandodescenso do neoliberalismo como forçapolítica e ideológica".

E continuou: "Façamos da AméricaLatina, façamos do exemplo de luta dossem-terra no Brasil, um exemplo para to-dos os movimentos populares da Améri-ca Latina e, com o espírito de Che, vamosà luta e à vitória, companheiros". O Docu-mento Central do Foro foi baseado noDocumento de Análise da Conjuntura,apresentado pela delegação cubana, de14 pessoas, entre elas, de acordo comAzambuja, "o embaixador no Brasil, oConselheiro Político da embaixada,membro da inteligência cubana, o subs-tituto de Manuel Piñero Losada na chefiada inteligência cubana, o vice-Cônsul deCuba em São Paulo e Marta Harnecker", a in-telectual chilena radicada em Cuba, conside-rada uma das principais ideólogas marxistasda América Latina.

O VII Foro de São Paulo aprovou:- A criação de uma Coordenadoria de Mu-

lheres, pertencentes aos partidos de esquerdada América Latina e Caribe, para funcionar emcaráter permanente, integrada por represen-tantes do PRD (mexicano), PT e PC do B (doBrasil), PC Cubano, Frente Ampla (Uruguai),Liga Socialista (Venezuela) e Frente Sandinista(Nicarágua). A constituição dessa Coordena-doria de Mulheres atende à decisão adotadaem abril de 96, em Chiapas, de criar uma "In-ternacional de Mulheres contra o Neolibera-lismo Patriarcal";

- Criar um Comitê de Municipalidades, do-tado de uma Coordenação e uma Secretaria-Geral; - criar uma Secretaria Permanente deParlamentares, constituída por representantesde cada um dos países representados no Foro, afim de "melhorar a coordenação dos parlamen-tares dos partidos integrantes do Foro";

- Instituir, em caráter permanente, o Semi-nário de Cultura do Foro de São Paulo, com oobjetivo de "avançar na constituição de políti-cas culturais para a América Latina e Caribe";

- Criar o Fórum Empresarial da América La-

tina, com o objetivo de "formar uma rede deempresários, que lutará pela implantação deum modelo econômico solidário, que coloquecomo prioridades a erradicação da pobreza, ajusta distribuição de renda, o desenvolvimen-to com geração de empregos, a ética nos negó-cios e a preservação dos nossos patrimônioshumanos, culturais, econômicos e ambien-tais". Essa foi uma proposta da CIVES - Asso-ciação dos Empresários pela Cidadania (Bra-sil), APYME - Assembléia de Pequenos e Mé-

dios Empresários (Argentina) e ANIT -Associação Nacional de Indústrias emTransformação (Uruguai).

Logo depois, o Grupo de Trabalho doForo, em Montevidéu, decidiu que o te-ma do 8º Foro, no México, seria "A Es-querda Latino-Americana e Caribenhano Ano 2000", e em julho de 1998, defi-niu "mecanismos de centralização e des-centralização" de suas atividades, emreunião em Manágua, na Nicarágua. OGrupo de Trabalho é constituído do Par-tido Comunista Cubano, Frente Sandi-nista de Libertação Nacional (Nicará-gua), Partido dos Trabalhadores (Bra-sil), Frente Farabundo Martí de Liberta-ção Nacional (El Salvador), Partido

Revolucionário Democrático (México), Fren-te Ampla (Uruguai) e União RevolucionáriaNacional Guatemalteca, que constituem seuSecretario Permanente.

Esclarece o historiador Azambuja: "Essareunião realizada na Nicarágua decidiu que o8º Foro deveria dar respaldo às Forças Arma-das Revolucionárias da Colômbia (FARC), emseu diálogo com o novo governo recém-em-possado na Colômbia. "No 8º Foro, o PT esteverepresentado por Marco Aurélio de AlmeidaGarcia (Secretário de Relações Internacionaisdo partido), Ana Maria Stuart (assessora doSecretário de Relações Internacionais), depu-tada federal PT/MG Joana D’Arc Guimarães edeputado federal PT/SP Arlindo Chinaglia. Adelegação do PC do B foi composta por JoséReinaldo de Carvalho (membro do ComitêCentral e Secretário de Relações Internacio-nais do partido) e pelo Vereador PC do B/Sal-vador, Bahia, Francisco Javier Alfaya.

Diz Azambuja: "A comitiva do PC do B de-fendeu a tese de que a esquerda continentaldeve se esforçar para unir e aproximar-se deoutros setores, inclusive "segmentos políticosque se desgarram das bases de governos vaci-lantes ou de orientação neoliberal". Comoexemplo dessa linha, foi mencionada a expe-riência brasileira, "com a chapa unitária de

A comitiva do PCdo B defendeu a

tese de que aesquerda

continental deveesforçar-se para

unir-se eaproximar-se deoutros setores,

inclusivesegmentos

políticos que sedesgarram das

bases degovernos

vacilantes.

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Representandoas FARC estava

presente ocomandante

RamiroVargas, queem janeirotambém

representou ogrupo no 2ºFórum SocialMundial em

Porto Alegre.

apoio a Lula e a aproximação de lideranças co-mo Itamar Franco e alguns governadores elei-tos no segundo turno, constituindo uma linhade resistência à política mais progressivamen-te antipopular e antinacional". Esse posiciona-mento político foi também defendido por ou-tros partidos integrantes do Foro, como o Par-tido Comunista Cubano, a Frente Ampla(Uruguai), o Partido da Revolução Democrá-tica (México), a Frente Sandinista de Liberta-ção Nacional (Nicarágua), a Frente FarabundoMartí de Libertação Nacional (El Salvador) e oPartido dos Trabalhadores (Brasil)".

Falou durante o 8º Foro o guerrilheiro co-lombiano Marco Leon Calarca, militante dasFARC, que vive no México, criticando o Foro,"por mover-se entre todas las aguas de la nue-va izquierda", definindo que, para as FARC, "ocaminho continua sendo o do socialismo","embora essa não seja a posição do Foro, em fa-ce da amplitude do seu arco de opções".

- Em 19/21 de fevereiro de 2000: foi rea-lizado, em Manágua, Nicarágua o 9º Encontrodo Foro, com os assuntos: condição da mulher;juventude; o papel dos micro, pequenos e mé-dios empresários; universidade pública; o pa-pel dos parlamentares; diversidades étnicas;movimentos sociais e o papel dos cristãos nosprocessos de mudanças sociais e políticas. Adelegação do PT estava composta por LuizInácio Lula da Silva, Marco Aurélio AlmeidaGarcia e Ana Maria Stuart.

- Em dezembro de 2001: foi realizado o 10ºEncontro em Havana/Cuba. Presentes 513 de-legados e observadores de 82 países da Amé-rica Latina, Caribe, Europa, África e Ásia, re-presentando 73 partidos membros do Foro e138 partidos, organizações e movimentos po-líticos convidados. Do Brasil estiveram pre-sentes delegações do PT, PC do B, PSB, PDT ePPS. Luiz Inácio Lula da Silva esteve presente.Junto dele, estavam o comandante Fidel Cas-tro, o comandante nicaragüense Daniel Orte-ga, representantes de partidos comunistas detodos os continentes e delegados das FARC,ELN e TUPAC-AMARU (incluídas na relaçãode organizações terroristas organizada peloDepartamento de Estado dos EUA após o 11 desetembro de 2001). Representando as FARCestava presente o comandante Ramiro Vargasque, anteriormente, em janeiro, também re-presentou as FARC no 2º Fórum Social Mun-dial, em Porto Alegre.

Ramiro Vargas, em seu discurso, exortou oForo de São Paulo a reforçar sua solidariedadecom a Venezuela, cujo governo revolucionário– segundo afirmou - "se ergue como um muro

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73SET/OUT E NOV/DEZ 2007 DIGESTO ECONÔMICO

de contenção aos interesses hegemônicos nor-te-americanos na área andina".

A cronologia do historiador, publicada co-mo vimos em 2004, se encerra aqui. Azambu-ja conclui: "Como vimos, participam do ForoSão Paulo partidos e organizações de esquer-da, reformistas e revolucionárias; PCs que sedefinem como marxistas-leninistas; organi-zações e grupos trotskistas; PCs que conti-nuam se definindo como marxistas-leninis-tas-maoístas (da Argentina, Peru e Uruguai)e que possuem uma articulação internacionalprópria em 17 países; PSs filiados ou não à In-ternacional Socialista; organizações que con-tinuam desenvolvendo processos de luta ar-mada, como as FARC e ELN, na Colômbia; eorganizações que participaram da luta arma-da e hoje atuam na legalidade, como o Movi-mento 19 de Abril, também da Colômbia, e osTupamaros, do Uruguai."

Dessas organizações e partidos, os que têmmaior peso e influência no Foro de São Paulo,são indubitavelmente, pela ordem, o PartidoComunista Cubano, o PT, a Frente Ampla doUruguai e o PRD mexicano. "O fim da Guerra-Fria, o desmantelamento do socialismo real e ofim do próprio Estado Soviético, tiraram umpeso que pairava sobre o mundo, mas trouxe-ram à tona uma série de problemas que passa-ram a conformar palavras-de-ordem de váriasOrganizações Não-Governamentais e – na au-sência de uma ideologia – também a linha po-lítica de partidos, organizações e grupos de es-querda, em várias partes do mundo.

Afinal, os quase 40 anos de Guerra-Fria fo-ram um período relativamente estabilizado,no qual os limites eram obedecidos e as duassuperpotências mantinham, bem ou mal, ocompromisso de não assustar uma à outra."Com uma única superpotência, com o nacio-nalismo exacerbado, o indigenismo, a ecolo-gia, a luta pela preservação do meio ambiente,a etnicidade, os problemas de fronteiras, os di-reitos humanos, o narcoterrorismo e o ciber-terrorismo, a posse de tecnologias letais porgrupos ou indivíduos fanatizados (o gás sa-rin, as explosões de Oklahoma, EUA, e da se-de da AMIA, em Buenos Aires, os atentadosno metrô de Paris e da Eta-Basca, na Espanhae, finalmente o ato terrorista contra as torresdo World Trade Center e as torres gêmeas), eoutros tipos de problemas, que pareciam se-pultados, como o estupro e a matança étnicaelevados à categoria de tática militar, comoocorreu recentemente nos Balcãs, bem comoos riscos da expansão indiscriminada da ener-gia nuclear para fins não-pacíficos, o mundo

de hoje mostra-se relativamente mais perigo-so. "Esses são alguns dos problemas que po-dem não ser exatamente um caldeirão à espe-ra de ebulição, mas preocupam. "Após os 40anos da era denominada Guerra-Fria, seguidados 12 anos da fase pós-Guerra Fria, tudo in-dica que o mundo iniciou outra fase que po-derá ser denominada Era do Terror."

Realidade ou folclore?

Que o Foro de São Paulo tenha existido econtinue a existir sob novas formas, envolven-do petistas brasileiros, comunistas cubanos eguerrilheiros colombianos, parece fora de dú-vida. Mas que as reuniões envolvam algo maisdo que palavras vazias e slogans sem resulta-dos em ações, parece duvidoso, segundo o jor-nalista e escritor gaúcho Janer Cristaldo, que jácolaborou no site Mídia Sem Máscara em queAzambuja e o filósofo Olavo de Carvalho di-vulgam suas teses. Diz Cristaldo:

"O Foro de São Paulo foi uma reunião degrupos de esquerda como tantas outras, emque linhas de ação e estratégias são traçadas.Todas as esquerdas fazem isso periodicamen-te. Nada mais que isso. Manifestos e declara-ções são as únicas fontes que poderiam provaralguma ação continuada, mas manifestos e de-clarações não passam de manifestos e declara-ções. Não se tem prova alguma concreta que otal de Foro de São Paulo seja uma entidadeoperante, que produz guerrilhas, terrorismo,assaltos ao poder. Não se tem fato algum, do-cumento algum, que prove que o tal de Foro fi-nancie este tipo de ação.

"Se assim fosse, a grande imprensa brasi-leira já o teria denunciado. Os grandes jornaisdo País têm denunciado com eficiência osdesmandos, crimes e corrupções das esquer-das. Veja, Folha, Estadão, não têm dado folgaao PT. Tanto que Lula e petistas vêem umaconspiração da mídia. Por que estes jornais secalariam ante o Foro, se fosse entidade real-mente operante?

"O PT pode ter tido pretensões de expan-dir o bolchevismo, em seu nascimento. Al-guns malucos do PT ainda podem alimentaressas pretensões. O PSOL ainda vive destailusão. Mas a maior parte dos petistas já nãopensa mais nisso. Eles têm o poder. Têm aces-so à corrupção. Gozam de impunidade. Quemais quereriam? Nada. Um Brasil bolchevi-zado seria um Brasil pobre. Menos para rou-bar. Eles sabem disso. Não interessa" – con-clui Cristaldo. Cabe a cada um chegar às con-clusões que achar melhor.

O Foro deSão Paulo foiuma reuniãode grupos deesquerdacomo tantasoutras, emque linhas deação eestratégiassão traçadas.Todas asesquerdasfazem isso.

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74 DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2007

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A obrigação daescola é formarpessoasautônomas.

e a doutrinação

Os artigos do jornalista Ali Kamel sobre a conta-minação ideológica nos livros didáticos do en-sino fundamental e médio (O Globo, 18/09 e02/10/2007) atraíram finalmente a atenção da

grande imprensa para o grave problema da doutrinação po-lítico-ideológica nas escolas.

Por conta das denúncias, o petista Fernando Haddad, Mi-nistro da Educação, tem sido chamado pela mídia a dar expli-cações sobre a inclusão dessas obras no Programa Nacional doLivro Didático (PNLD) do MEC e sobre a ideologização do en-sino em geral. E, por incrível que pareça, está conseguindo es-capar das cobranças que lhe são feitas: nem ele, nem o MECtêm culpa pelo que está acontecendo – se é que alguma coisaestá de fato acontecendo.

Na entrevista concedida por Haddad à revista Veja (PáginasAmarelas, edição e 17/10/2007), o tema foi objeto de duas per-

guntas, cujas respostas reproduzimos e comentamos a seguir.A primeira é esta:

Ve j a – O senhor concorda com os educadores, segundo osquais as escolas no Brasil estão passando uma visão re-trógrada do mundo a seus alunos?Haddad – Isso acontece, sim. Um problema evidente é odogmatismo que chega a algumas salas de aula do país.Ele exclui da escola a diversidade de idéias na qual ela de-veria estar apoiada, por princípio, e ainda restringe a vi-são de mundo à de uma velha esquerda. Não é para esselado, afinal, que o mundo caminha. Sempre digo que emuma igreja ou em um partido político as pessoas têm o di-reito de promover a ideologia que bem entenderem, masnunca em uma sala de aula. A obrigação da escola é for-mar pessoas autônomas – capazes, enfim, de compreen-der de modo abrangente o mundo em que vivem. Todo

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procedimento que mutila isso é incompatível com umbom processo de aprendizado. Em suma, educação nãocombina com preconceito.

A pergunta está mal formulada. Para começar, "visão retró-grada" não define aquilo que as escolas brasileiras estão trans-mitindo aos alunos. A jornalista não disse – talvez para nãomelindrar o entrevistado, que é devoto de Karl Marx e filiadoao PT desde criancinha –, mas essa visão retrógrada tem nomee sobrenome: chama-se ideologia e propaganda político-par-tidária de esquerda.

Ainda quanto à pergunta, cabe notar o seguinte: quem dizque as escolas estão transmitindo aos alunos uma visão retró-grada do mundo não são os educadores. Ao contrário: os pro-fissionais da área acreditam que essa visão é altamente progres-sista, na medida em que é voltada para a "construção de umasociedade mais justa". É isso o que eles aprendem e ensinam nasfaculdades de educação, história, geografia, sociologia etc. Noque se refere ao problema da doutrinação ideológica em sala deaula, não é injusto dizer que os educadores são os principais res-ponsáveis pela septicemia ideológica que devasta a educaçãono Brasil. São eles os agentes transmissores do vírus "gramscia-no" que se espalhou por todo o sistema de ensino. De tanto es-cutar e repetir que a educação é um ato político, sequer reconhe-cem a ideologização como um mal a ser evitado. É inevitável,dizem eles, todo mundo tem um lado, não existe neutralidadeetc. Ao abandonarem a noção de objetividade científica, perde-ram também a de honestidade intelectual. Portanto, que fiqueclaro: a instrumentalização do conhecimento para fins político-ideológicos não só não está sendo denunciada pelos educado-res, como vem sendo por eles praticada e ocultada.

Passando à resposta, observa-se que o entrevistado, não po-dendo negar a existência da doutrinação político-ideológica nasescolas, age como todo dono de escola quando recebe uma de-núncia de assédio ideológico praticado por professor: trata deminimizar o problema. Segundo Haddad, "o dogmatismo che-ga a algumas salas de aula do País". Não é assim não, ministro.Chega a praticamente todas. De norte a sul, de leste a oeste, dapré-escola ao ensino superior, a militância esquerdista ocupoutodos os espaços. Em colégios de classe média alta, filhos de em-presários aprendem que seus pais são exploradores inescrupu-losos. Os vestibulares assumem essa mesma perspectiva,atuando como filtros ideológicos de acesso ao terceiro grau. Nasuniversidades, o sectarismo esquerdista domina as ciências so-ciais e já se espalha para outras áreas. Todo mundo sabe disso eo senhor, na posição que ocupa, não tem direito de não saber.

Por outro lado, embora a "visão retrógrada" não tenha sidoidentificada na pergunta, Haddad identificou-a quase que invo-luntariamente na resposta, ao afirmar que o dogmatismo "res-tringe a visão de mundo à de uma velha esquerda". Atenção, lei-tor, para o adjetivo. Ao usá-lo, o ministro quer induzi-lo a acre-ditar no seguinte: não é "a esquerda" que promove a doutrinaçãoideológica em sala de aula, mas sim "uma velha esquerda". Afi-nal de contas, a esquerda representada pelo ministro e pelo PT émoderna, pluralista e democrática, não é mesmo? Não seria ca-paz de promover ou endossar essa covardia intelectual.

Esse tipo de argumento é recorrente entre os esquerdistas. Elesempre os socorre quando se trata de tirar o corpo fora. Com a

mesma pureza de alma ou cara-de-pau, não me cabe julgar, o mi-nistro é capaz de afirmar que não foi a esquerda, e sim a velhaesquerda que matou 100 milhões de pessoas ao longo do século20. Os nazistas de hoje também devem acusar os velhos nazistaspelas atrocidades cometidas em nome da sua ideologia.

A esquerda que seqüestrou a educação brasileira não é velhanem nova: é a esquerda de sempre, aquela para a qual os finsjustificam os meios. Portanto, pensam eles, se é para "construiruma sociedade mais justa", não é errado abusar da inexperiên-cia, da imaturidade e da falta de conhecimento de um jovempara fazê-lo empunhar as bandeiras certas.

Como quer que seja, o fato é que a ideologia e o partido doministro da Educação foram e continuam a ser os grandes be-neficiários da ação dos doutrinadores. Graças ao trabalho de-senvolvido pela militância esquerdista nas escolas, está cadavez mais difícil encontrar um jovem brasileiro, na faixa dos 15aos 25 anos, que não alimente um ódio irracional ao capitalis-mo e um amor ainda mais irracional à utopia socialista; e quenão esteja doidinho para entregar os destinos da nação a po-líticos que pensam (ou fingem que pensam) como ele.

E é isso o que me leva a desconfiar da sinceridade do ministroquando ele afirma que as pessoas têm direito de promover aideologia que bem entenderem numa igreja ou num partido,"mas nunca em uma sala de aula". Desconfio porque sei que opartido do ministro sofreria um golpe duríssimo se tivesse derenunciar à prática da doutrinação ideológica em sala de aula; e,sendo Haddad um esquerdista, ele não teria muita dificuldadeem sufocar esse "escrúpulo burguês" em nome do objetivomaior de lutar pela "construção de uma sociedade mais justa".

Miguel NagibAdvogado e

coordenador do sitewww.escolasempartido.org

Divulgação

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Mesmo porque, diria ele, o partido não pode amordaçar sua mi-litância e, ademais, é preciso respeitar a liberdade de cátedra.

Mas se o ministro estiver mesmo determinado a acabar comessa prática covarde e imoral, eu lhe digo que é muito fácil: bas-ta fazer uma campanha para conscientizar os estudantes dosseus direitos em relação ao comportamento do professor emsala de aula. Explico.

Ao lado da liberdade de ensinar está a liberdade de aprender,ambas asseguradas pelo art. 206 da Constituição Federal.

A doutrinação político-ideológica em sala de aula constituiclaro abuso da liberdade de ensinar; abuso que implica o cer-ceamento da correspondente liberdade de aprender, já que,numa de suas vertentes, essa liberdade compreende o direitodo estudante de não ser doutrinado. Ora, só um estudanteconsciente dos seus direitos poderá defendê-los contra a açãoabusiva de professores militantes.

Aos direitos compreendidos na liberdade de aprender doestudante correspondem, entre outros, os seguintes deveresdo professor:

- O professor não abusará da inexperiência, da falta de co-nhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o obje-tivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-ideológica.- O professor não favorecerá nem prejudicará os alunosem razão de suas convicções políticas, ideológicas, reli-giosas, ou da falta delas.- O professor não fará propaganda político-partidária emsala de aula.- O professor não incitará seus alunos a participar de ma-nifestações, atos públicos e passeatas.- Ao abordar temas controvertidos, o professor apresen-tará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma pro-fundidade e seriedade –, as diversas versões, teorias, opi-niões e perspectivas concorrentes a respeito.- O professor deve conhecer os argumentos e teorias deque discorda tão bem quanto aqueles em que acredita, afim de poder apresentá-los como o faria se fosse seu de-f e n s o r.- O professor não promoverá em sala de aula debatespreordenados a corroborar a "verdade" ou a "superiori-dade" de determinada corrente política ou ideológica.- O professor não criará em sala de aula uma atmosfera deintimidação capaz de desencorajar a manifestação depontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá quetal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários.

Se o ministro da Educação estiver realmente disposto a aca-bar com a doutrinação ideológica nas escolas – e ele tem obri-gação de fazer isto –, basta afixar em cada sala de aula ou emcada pátio de escola do País um cartaz com essa relação de de-veres. Tal como ocorre com os consumidores em geral, os pró-prios alunos saberão se defender se conhecerem seus direitos.Conscientizar os alunos é libertá-los do jugo do professor mi-litante.

Mas é claro que o governo petista, principal receptador dosmilhões de furtos ideológicos praticados diariamente pela mi-litância esquerdista nas escolas, não cometerá esse desatino.Ainda que tivesse vontade, o ministro Haddad não teria cora-

gem de lançar essa campanha de vacinação em massa contra adoutrinação ideológica em sala de aula. Ele sabe que, politica-mente, seria um ato de traição e suicídio. Seria morder a mãodedicada e leal que alimenta seu partido há mais de vinte anos.Embora disponha dos meios para fazê-lo, o governo federalnão fará nada, rigorosamente nada, para combater a septice-mia que tomou conta do sistema de ensino.

Seria injusto, no entanto, atribuir toda a responsabilidade aogoverno federal. Os governos estaduais e municipais, no casodas escolas públicas, e os donos das escolas particulares tam-bém deveriam fazer a sua parte.

Cabe aos estudantes e seus pais exigir de suas escolas e dasescolas de seus filhos que adotem medidas concretas para com-bater a doutrinação ideológica em sala de aula. O cartaz anti-doutrinação é uma idéia. Só o professor militante vai reclamar.

Ve j a – Por que, então, o MEC aprova livros didáticos comesse viés?Haddad – Temos um sistema de escolha dos livros didá-ticos com o qual, em tese, especialistas de diferentes ma-tizes ideológicos concordam. É simples. Mandamos os li-vros para as melhores universidades públicas do país, esão os professores escolhidos por elas que opinam. De-pois, as escolas escolhem os livros da lista que conside-

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ram mais apropriados. Nesse sistema, portanto, o MECnão atua como um censor com superpoderes, mas, sim,delega a tarefa a um conjunto de pessoas qualificadas pa-ra executá-la. Não inventamos essa fórmula. A avaliaçãode trabalhos acadêmicos feita por pares funciona em vá-rios países desenvolvidos – e aliás muito bem.

Na teoria, o sistema de escolha dos livros didáticos não éruim. O MEC realiza periodicamente um processo de avaliaçãoe seleção das obras didáticas que serão incluídas no Guia do Li-vro Didático, no caso do ensino fundamental, e no Catálogo doPrograma Nacional do Livro, no caso do ensino médio; as edi-toras interessadas em participar do processo submetem suas co-leções ao julgamento do MEC; os avaliadores contratados ava-liam e selecionam as obras que deverão ser incluídas no guia eno catálogo; o guia e o catálogo elaborados pelo MEC são en-viados às escolas e, a partir deles, os professores escolhem livre-mente as obras que serão adotadas durante o ano letivo. Essaescolha é comunicada ao MEC, que contrata com as editoras aprodução e distribuição gratuita dos livros escolhidos.

Como diz Haddad na entrevista, "o problema não é propria-mente com o modelo que implantamos, mas justamente com a vi-são dogmática que ainda circula em parte do meio acadêmico".

Ele está certíssimo, exceto na parte em que minimiza, nova-mente, o grau de contaminação ideológica do meio acadêmico.Na verdade, o problema é muito mais grave e não dá sinais deque esteja refluindo, ao contrário do que sugere Haddad, ao di-zer que a visão dogmática "ainda circula". Além disso, para serhonesto, Haddad teria de dizer: "a visão dogmática que nós, daesquerda, introduzimos no meio acadêmico" .

Esse dogmatismo marxista domina, hoje, todo o sistema de en-sino. As faculdades de educação, sociologia, história e geografia,por exemplo, estão impregnadas de uma ideologia igualitária,que detesta o capitalismo – e, por tabela, os EUA, o Estado de Is-rael, a Igreja Católica, os jesuítas, a colonização, a burguesia, osempresários, os proprietários, o agrobusiness, os militares, osmeios de comunicação, as multinacionais, a globalização, a Coca-Cola, o Mc Donalds, George W. Bush etc., etc. etc. – por enxergá-loapenas como um regime gerador de desigualdades.

Na medida em que todos os sujeitos do processo seletivo sãoformados nessa mentalidade – o autor da obra, o avaliador doMEC e o professor que a escolhe – é inevitável que ela se reflita noslivros didáticos. Todos pensam, enfim, com a mesma cabeça.

Haddad reconhece o problema, mas falha gravemente aominimizá-lo e ao não reconhecer a responsabilidade da es-querda, especialmente do seu próprio partido, pela situação.

Falha, também, ao não assumir responsabilidade adminis-trativa pela contaminação ideológica dos livros didáticos. Mes-mo delegando a avaliação pedagógica dos livros a professoresuniversitários sem vinculação direta com o Ministério, o MECresponde pela avaliação. De acordo com os editais de convoca-ção para inscrição no processo de avaliação e seleção de obrasdidáticas a serem incluídas no guia de livros didáticos, a avalia-ção pedagógica das coleções está "sob a integral responsabilida-de da Secretaria de Educação Básica do MEC", tanto no caso doensino fundamental como no caso do ensino médio. Se o livrodidático promover o racismo, por exemplo, e o avaliador con-tratado pelo MEC deixar passar, a Secretaria de Educação Básicatem a obrigação legal de desqualificar a obra. Não vai censurá-la, mas vai excluí-la do PNLD ou do PNLEM, como fez, por re-comendação do avaliador, no caso da cartilha ideológica de Má-rio Schmidt. Repito: ao contrário do que o ministro Haddad querfazer crer, o MEC não é obrigado a acatar a opinião dos avalia-dores. A responsabilidade pela avaliação é da Secretaria de Edu-cação Básica do MEC, que contrata os serviços dos professoresavaliadores, mas não é obrigada a acatar seu parecer.

"Reafirmo minha opinião sobre o assunto", diz o ministronessa entrevista. "Eu acho que cada um deve ter suas convic-ções e crenças, mas, de novo, quando se fala de educação é pre-ciso ser mais pluralista, ir de A a Z no espectro ideológico – se-não, simplesmente não dá certo."

O ministro tem o cuidado de dizer que se trata da "sua opi-nião", o que significa que ele não pretende impô-la a ninguém.Afinal, ele sabe que no governo e no PT a imensa maioria dis-corda do que ele acha. Se Haddad se engraçar, vai acabar es-cutando do próprio chefe: "dá certo, sim, cumpanhero; se nãodesse, tu não era ministro da Educação".

Mesmo delegando a avaliação pedagógicados livros a professores universitários

sem vinculação direta com o Ministério,o MEC responde pela avaliação.

Lailson Duarte/O Popular/AE

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Direitos constitucionais noDireitos constitucionais noDireitos constitucionais no

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Brasil: uma ficção legal?Brasil: uma ficção legal?Brasil: uma ficção legal?

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Augusto ZimmermannBacharelado em direito, mestrado em direito (com

louvor), doutorado (na Universidade Monash).Professor assistente na Faculdade de Direito daUniversidade Murdoch. O autor agradece ao

professor Jeffrey Goldsworthy, ao doutor VernonNase, ao doutor Dale Smith e ao senhor Frank

Gashumba por gentilmente lerem e comentaremuma versão anterior deste artigo.

MURDOCH UNIVERSITY E LAW JOURNAL,Volume 14, Número 2, 2007

Tradução: Rodrigo Garcia

"H oje, o Brasil tem uma das mais belas consti-tuições de sua história em tudo o que diz res-peito aos direitos fundamentais do ho-mem... Além disso, não há nada do que recla-

mar em relação a nossas leis nessa área. O problema está napreocupante distância que separa os direitos escritos no pa-pel de seu exercício efetivo, e sobretudo em garantir o exer-cício deles na vida prática". Editorial da revista Veja de 15 defevereiro de 1989, pág. 23 (1)

1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES

O Brasil é um país sob uma ordem constitucional que formal-mente protege uma vasta gama de direitos humanos "funda-mentais". Sob a Constituição brasileira, seus cidadãos possuemdireitos básicos à vida, à liberdade, à igualdade social, à segu-rança e a muitos outros direitos "fundamentais". Segundo KeithS. Rosenn, só a Artigo 5.º "impressionantemente parece garantirqualquer forma de direito humano.(2) Ele afirma que o conceitodos direitos humanos no Brasil está mais cuidadosamente pro-tegido na lei do que em qualquer outro país. (3) Mas a realidademostra como direitos fixados na teoria podem ser consideravel-mente diferentes dos direitos na prática. Apesar de sua consti-tuição escrita e orientada para as garantias, no Brasil, os direitoshumanos são freqüentemente violados com impunidade.

Este artigo procura, assim, revelar como a proteção aos di-reitos constitucionais no Brasil está longe de ser exemplar.

2. DIREITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS

Enquanto este artigo tenta explicar a realidade dos direitosconstitucionais no Brasil, um melhor entendimento da ques-tão pode ser conseguido se observado o desenvolvimento his-tórico do ideal completo dos direitos humanos. Segundo o fa-lecido Karel Vasak, diretor de Direitos Humanos da Unesco efundador do Instituto Internacional de Direitos Humanos (Es-trasburgo, França), os direitos humanos podem ser divididosem três gerações de direito. A divisão segue os três lemas daRevolução Francesa: "liberdade, igualdade e fraternidade" (4).

Mesmo que seja apenas uma supersimplificação da questão, omodelo é apesar de tudo útil para o propósito deste artigo.

Os direitos de primeira geração caracterizam o ideal da li-berdade individual contra a opressão governamental. São di-reitos básicos, como os defendidos durante a Revolução Glo-riosa (Grã-Bretanha) de 1688 e depois pelos revolucionáriosfranceses e americanos no século 18. O conteúdo dos direitosda primeira geração é revelado especialmente na Declaraçãode Direitos da Constituição dos Estados Unidos.

A Declaração de Direito dos Estados Unidos, uma das pri-meiras declarações de direitos humanos na história moderna,foi concebida na base do aforismo de Lord Acton, em que o po-der político corrompe e o poder absoluto corrompe absoluta-mente. Ele declara a supremacia do cidadão sobre o Estado epor conseguinte nossos direitos mais básicos à vida, à seguran-ça, à propriedade, à livre expressão, à livre associação, à liber-dade religiosa, a um julgamento público e justo e assim pordiante. Uma constante repetição demonstrada pela enumera-ção desses direitos é a preocupação em preservar a vida huma-na e a liberdade, garantindo assim os meios para a resistênciacivil contra a opressão política.

Após a consolidação histórica desses direitos de primeirageração, surgiu no final do século 19 uma nova geração de di-reitos que exigia mais intervenção governamental para garan-tir que todos ficassem satisfeitos em suas necessidades de pro-teção, vestuário, alimentos, saúde e educação. Os direitos dasegunda geração também englobam os direitos ao trabalho, aodescanso, à seguridade social, à educação pública e ao lazer.

Finalmente, uma terceira geração de direitos surgiu nos úl-timos anos, cobrindo uma nova gama de direitos humanos,tais como a um ambiente saudável, à autodeterminação e àpreservação de tradições culturais. Alguns desses direitos sãode fato privilégios legais reservados para certos grupos étni-cos, religiosos ou sexuais, nos aspectos em que são, ou tenhamsido, de alguma forma discriminados na sociedade.

Na verdade, a Constituição reconhece integralmente todasessas gerações de direitos. Seu preâmbulo explicitamente decla-ra que o principal objetivo do documento é "instituir um EstadoDemocrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos so-

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ciais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o de-senvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremosde uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fun-dada na harmonia social e comprometida, na ordem interna einternacional, com a solução pacífica das controvérsias".

A Constituição Brasileira também declara em seu primeiroartigo que "a dignidade da pessoa humana" e a "prevalênciados direitos humanos" compreendem "princípios fundamen-tais", que o Estado deve apoiar como um governo democráticosobre o Estado Democrático de Direito.(5) . Esse artigo tambémdeclara que todo poder emana do povo, que deve exercer essepoder por meio de seus representantes eleitos para o Parla-mento e também por meio de plebiscito popular, referendo epropostas de lei apresentadas diretamente por ele. (6)

Indubitavelmente, o ponto mais impressionante da Constitui-ção encontra-se no Artigo 5.º. Ele trata da igualdade do status le-gal entre homens e mulheres, bem como dos direitos à livre ex-pressão e associação, à propriedade, a garantias jurídicas etc. SeuParágrafo 4 declara que todos os tratados aprovados sobre direi-tos humanos terão força de emenda constitucional aprovada portrês quintos das duas casas do Congresso Nacional. Essa cláusulaé muito pertinente porque, nas palavras da Comissão de DireitosHumanos da ONU, o País "tem uma ampla política nacional paraa promoção dos direitos humanos", incluindo a "ratificação damaioria dos tratados importantes sobre direitos humanos". (7)

A Constituição garante aos cidadãos brasileiros direitos bá-sicos à educação, saúde, trabalho e lazer.(8) Ela também garanteproteção à maternidade e à infância, bem como assistência pú-blica para os necessitados e desfavorecidos. Em relação aos di-reitos trabalhistas, a lista de direitos inclui proteção contra de-missão arbitrária, seguridade social, salário mínimo, direito àgreve, direito à livre associação, pagamento de folga semanal,licença-maternidade, proibição de diferença salarial entre ho-mens e mulheres e assim por diante. (9)

Como artigos de terceira geração, a Constituição contém, en-tre outras cláusulas, o direito a um "meio ambiente ecologica-mente equilibrado". (10) Para garantir a aplicação desse direitobastante abstrato, a lei básica também estipula a obrigação decada governo em proteger o ecossistema nacional, preservandosua diversidade ecológica contra qualquer prática que possaameaçar espécies ou submeter animais a tratamento cruel. ( 11 )

A Constituição também garante valores culturais. Assim, ogoverno tem de legalmente apoiar e cuidar da valorização e di-fusão de expressões culturais, particularmente as expressõesde culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, ou de qual-quer grupo significativo dentro da sociedade. (12)

No caso da Constituição Brasileira ter "esquecido" de men-cionar algum direito "fundamental", o Artigo 5.º completa queos direitos explicitamente mencionados ali não excluem ou-tros oriundos do ideal do "Estado Democrático de Direito oude qualquer convenção internacional aprovada pelo governo.Finalmente, há uma cláusula pétrea no Artigo 60, que proíbeexplicitamente qualquer emenda à Constituição destinada aabolir a forma federalista do Estado; o voto periódico, univer-sal, secreto e direto; a doutrina de separação dos poderes; e osdireitos individuais e garantias do cidadão, como estão implí-cita ou explicitamente mencionados no texto constitucional.

Como artigos de terceira geração, a Constituição confere odireito a um "meio ambiente ecologicamente equilibrado".

Na foto, vista aérea da floresta Amazônica.

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Como se pode ver, a Constituição Brasileira está fortementecomprometida com a idéia de direitos humanos. Ela contémuma longa lista de "direitos fundamentais", embora o alcancedeste artigo não permita uma análise detalhada de cada umdeles. Este trabalho se focaliza apenas nos artigos que são con-siderados como realmente importantes. São eles: o direito à vi-da e à segurança das pessoas; os direitos dos prisioneiros, dascrianças; das mulheres; dos trabalhadores; dos índios; a liber-dade de expressão e a liberdade de imprensa.

2.1. O Direito à Vida e à Segurança da Pessoa

A Constituição Brasileira declara, no Artigo 5.º, que todosque residam no País devem ter garantido o direito à vida. Esseartigo também informa que ninguém morando no País serásubmetido à pena capital nem à prisão perpétua, a trabalhosforçados, banimento e castigo cruel.(13) Para comparar, a Cons-tituição dos Estados Unidos, por exemplo, também garanteque ninguém vai perder a vida sem um processo jurídico, pormeio de procedimentos legais realizados por tribunais regu-lares. Pode-se deduzir disso que a Constituição dos EstadosUnidos fornece consideravelmente bem menos proteção doque a do Brasil.

Na verdade, porém, o direito de permanecer vivo no Brasilnão está tão garantido como pode parecer a partir da lei básica.Enquanto o atual período democrático foi inicialmente sauda-do como o começo de uma nova era de direitos humanos e li-berdades, o País tem observado uma explosão de violência ecriminalidade nos últimos anos, desvalorizando a vida huma-na apesar do status que a lei lhe atribui.

O homicídio atualmente é a principal causa (58%) da morteprematura de pessoas no País. (14) No Brasil de hoje, observaJoseph A. Page: O crime violento pode ocorrer em qualquer hora emqualquer lugar. As ruas lotadas das cidades não oferecem refúgio, en-quanto os assaltantes caçam pedestres e ocupantes de veículos, as ou-tras pessoas seguem silenciosamente. Os que não são ricos o suficientepara transformar suas casas em fortalezas nunca podem ter certeza queum dia intrusos não vão invadi-las e cometer violência. (15)

Um relatório da ONU revela que enquanto o Brasil tem só2,8% da população mundial, ele é responsável por mais de 11%de todos os homicídios registrados. De acordo com o IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais de 600 milpessoas foram mortas no Brasil entre 1980 e 2000, uma médiade 30 mil por ano.(16) Para comparação, a guerra civil de 30 anosque devastou Angola matou "apenas" 350 mil pessoas. (17) As-sim, Timothy Cahill, um chefe de pesquisa da Anistia Interna-cional, explica que o número de mortes no País se enquadrafacilmente nos parâmetros da ONU para uma situação deguerra civil. (18)

Antes conhecida como "Cidade Maravilhosa", o Rio de Ja-neiro agora é chamado de "batata quente" e "cidade sob estadode sítio. (19). Anualmente morrem mais pessoas no Rio vítimasde violência do que todos os soldados americanos durante aGuerra do Vietnã.(20) Em suas favelas, os chefões do tráfico "fo-ram para uma posição de domínio total sobre as instituiçõescomunitárias". (21) O braço da lei não é aplicado nessas áreas,porque os criminosos estabeleceram o que a população descre-

ve apropriadamente como "governo paralelo". (22) São regiõesque se tornaram fora dos processo normal de lei e ordem. Háuma forte sensação de que essas áreas proibidas estão se espa-lhando. De fato, as autoridades públicas do Rio de Janeiro re-conhecem abertamente que o Estado perdeu o controle emmuitos locais da cidade. Em maio de 2004, o secretário estadualda Segurança, Anthony Garotinho, classificou a situação como"fora de controle" e que "dizer o contrário poderia ser ignorar are a l i d a d e " . (23) Uma nítida descrição dessa realidade muitodramática foi fornecida em maio de 2003, publicada no diáriolondrino The Guardian:

Quadrilhas de traficantes fortemente armados lançaram uma sériede ataques audaciosos que chocaram os moradores da cidade. Bombasde fabricação caseiras foram jogadas no luxuoso Hotel Le Meridien napraia de Copacabana e em um hotel e restaurante no vizinho Leblon…Tiros foram disparados no requintado Hotel Glória. Uma granada foilançada contra um shopping center e outro foi metralhado. Dezenas deônibus foram incendiados e trocas de tiros fecharam as principais ruasda cidade. (24)

De 1985 – o último ano dos 20 de regime militar do Brasil – a2005, o número de pessoas assassinadas no Brasil cresceu 237%(25). Críticos desse regime culpam o período de autoritarismopelos males atuais. Argumentam que ele promoveu uma cul-tura de violência, arbitrariedade e impunidade.

Por outro lado, uma das hipóteses para explicar pelo me-nos parcialmente a explosão da criminalidade nas últimasduas décadas é que os radicais de esquerda, que recorreram aatividades terroristas durante o regime militar e em seguidapassaram temporadas na prisão, transferiram para os crimi-nosos sua ideologia radical e, sobretudo, as técnicas que de-senvolveram. (26) Eles fizeram isso na crença de que as "injus-tiças sociais" de alguma forma justificavam o comportamen-to criminoso. Eles podem ter abraçado uma teoria marxista,que apresenta o criminoso comum como uma "vítima rebel-de" do capitalismo, vendo o comportamento ilegal comomeio de um ativismo político ou, em outras palavras, um ins-trumento do oprimido contra o sistema capitalista. ( 27 ) Deacordo com Joseph A. Page:

Há evidências que prisioneiros políticos ficaram juntos com de-tentos comuns... no final dos anos 60 e começo dos 70, e que os úl-timos aprenderam com os primeiros não apenas como se organizar edefender seus direitos na penitenciária, mas também alguns dos de-talhes do planejamento e execução dos roubos a bancos e seqüestros.Além disso, essa foi a época na qual os prisioneiros fundaram o "Co-mando Vermelho", uma rede que permite ao crime organizado de as-sumir o controle virtual das principais prisões do Estado do Rio deJaneiro e atrair para suas fileiras alguns dos maiores traficantes daregião... Muitos dos novos barões da droga... aprenderam seu ne-gócio... atrás das grades, onde tiveram contato com o "ComandoVermelho". Eles não hesitam em usar a violência ou em até trocartiros com a polícia em batalhas ocasionais. (28)

Apesar do argumento acima ser apenas hipotético, não hádúvida que a impunidade constitui uma grande contribuiçãoà explosão do crime. A sensação de impunidade é muito difun-dida, apesar do fato de o Artigo 144 da Constituição dizer quea segurança pública é obrigação básica do Estado. Porém, asautoridades do Estado demonstraram uma preocupante falta

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de habilidade em efetivamente garantir esse direito mais bá-sico. Em 2003, a ONU revelou que apenas 7,9% dos 49 mil casosde assassinato oficialmente registrados naquele ano foram re-solvidos com sucesso. (29)

Isso reflete o fato de que a polícia raramente prende crimino-sos perigosos. Freqüentemente, casos não são investigados comzelo, mesmo quando envolvem crimes violentos, como estupro,tortura e assassinato de primeiro grau. Ao contrário, as inves-tigações policiais são freqüentemente conduzidas de uma for-ma bem superficial e incompleta, se não realizada com nítidamá-fé. Como conseqüência, até casos famosos de assassinatosde primeiro grau podem não produzir provas para sequer ini-ciar o julgamento dos autores. Os tribunais brasileiros de fatocondenam apenas 1% de todos os suspeitos de assassinato emprimeiro grau. Como justificativa, os juízes argumentam que osinquéritos enviados para eles pela Promotoria Pública são tãomal-elaborados que eles aparentemente não encontram nenhu-ma prova para condenar até um famoso assassino em série. (30)

Para os poucos que são condenados por crimes como assassi-natos de primeiro grau, as sentenças são tão lenientes que elessão libertados após uns poucos anos na prisão.

Em todas as sociedades modernas, os jovens são responsá-veis, de longe, pela maioria dos crimes, notadamente os graves,incluindo homicídio, estupro, assalto e roubo. (31) Contudo, umfamoso criminalista brasileiro chama a atenção para a anomaliade um jovem de 17 anos poder votar para presidente, mas sendoinelegível criminalmente e assim não ser responsabilizado pe-los seus atos. (32) E mais, deliqüentes juvenis não podem passarmais de três anos internados em um "estabelecimento educacio-nal". Nesses locais "educativos", porém, jovens perigosos nãosão apropriadamente separados daqueles que são desfavoreci-dos sociais. Como resultado, crianças pobres têm sido tortura-das, assassinadas e abusadas sexualmente por adolescentesperversos, com a cumplicidade das autoridades. (33)

Mas é também importante considerar que o crime é geral-mente interpretado pela elite brasileira como sendo mera-mente o resultado de um ambiente social desfavorecido.Apesar dessa interpretação ser mais compreensível sob a luzdo sentimento de culpa e vergonha pela própria responsabi-lidade deles pela situação do País, ela falha em considerarapropriadamente que o crime também pode ser resultado deuma escolha pessoal. (34)

Enquanto é certo sugerir que alguns criminosos vieram deum contexto de privações sociais, esse tipo de determinismoprovou ser particularmente inadequado pelas muitas exce-ções à regra. Realmente é uma injustiça difamar milhões debrasileiros pobres que cresceram em condições sócio-econô-micas completamente desfavorecidas, mas são cidadãos ho-nestos, que nunca recorreram ao crime. Por contraste, muitoscrimes no Brasil são cometidos por membros da elite. Sua prin-cipal motivação não é a necessidade, mas a ganância. Eles sa-bem que a lei da impunidade é a "lei" mais freqüentementeaplicada a pessoas como eles.

Naturalmente, a indesejável combinação de uma educaçãofraca, condições de trabalho ruim e ambiente sócio-econômicoproblemático pode levar algumas pessoas a encontrar no cri-me uma forma alternativa de "emprego". No contexto da im-

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A Constituição garante direitos básicos à educação, saúde,trabalho e lazer. Ela também garante proteção à maternidade

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punidade e falta de incentivos legais para o desenvolvimentode atividades econômicas honestas, a opção pelo crime podeeventualmente parecer mais atraente. Ela é de uma forma claramais atraente nas atuais circunstâncias do que se houvesse defato um medo do castigo.

Infelizmente, o alvo mais fácil dos criminosos perigosos éclaramente o cidadão comum, que não pode pagar por "pro-teção especial" e tem seu direito à segurança pública violadopelo Estado. Aliás, um advogado com doutorado na prestigio-sa Universidade de São Paulo (USP), Cândido Mendes Prunes,afirma que as políticas de segurança pública no Brasil são equi-valentes a "um convite à criminalidade". Ele também comentaque o Estado fornece um "pacote completo de incentivos" aoscriminosos perigosos, os quais nenhum cidadão honesto pos-sivelmente teria acesso para desenvolver atividades econômi-

No Brasil, os membros da polícia são geralmente desqualificados, despreparados, corruptos e mal pagos.

Patrícia Santos/Folha Imagem

cas dentro da lei. Como parte desse "pacote", Prunes ressalta afalta de polícia preventiva, a falta de habilidade em investigarcasos rapidamente e a morosidade judicial.(35) O último incen-tivo ocorreu porque inquéritos policiais demorados permitemaos autores se beneficiarem do estatuto da prescrição, que es-tabelece um limite de tempo para o julgamento dos suspeitos

Não é surpresa que as pessoas estejam propensas a pensarque os criminosos não têm tanto medo das punições do Esta-do. Essa sensação de impunidade explica a razão pela qualmuitos deles partem para fazer justiça com as próprias mãos. Eapesar do quanto primitiva a justiça "faça você mesmo" possaparecer, as chacinas e os linchamentos se tornaram ocorrênciasdiárias em todo o País. Segundo a OEA, essas ações constituemuma solução natural à "falta de um sistema policial efetivo efuncional, e o fato de que o público não acredita na eficiênciado sistema judiciário".(36) Aliás, como Katherine Hite e Leonar-do Morlino, observam:

A maioria dos brasileiros atribui os altos índices de criminalidadee a violência cotidiana à autoridade fraca. Ainda que os cidadãos tam-bém percebam a polícia como corrupta, injusta e acima da lei. Assim,enquanto há uma indiferença e até apoio para tratamentos cruéis comsupostos criminosos, há também uma forte sensação de que "a justiçaé uma piada" e "a impunidade está dissiminada". (37)

No Brasil, os membros da polícia são geralmente desqua-lificados, despreparados, corruptos e mal pagos. Um corpoauxiliar das Forças Armadas, a policia estadual tem sido acu-sada de tratar suspeitos como "inimigos armados que preci-sam ser destruídos". (3 8) Em alguns Estados, os salários dosagentes da polícia começa só uns poucos dólares acima do sa-lário mínimo fixado por lei. (39) Para uma carreira que exigecoragem, disciplina e sensibilidade, o Estado fornece saláriobaixo e formação inadequada. Por causa dos salários visivel-

mente baixos, os policiais honestos têm de viver com suas fa-mílias em áreas muito pobres, normalmente sob o controledas quadrilhas de traficantes. (40)

Mas há também casos nos quais agentes estiveram envolvi-dos em extorsões, seqüestros, tortura de suspeitos, prisões ar-bitrárias, tráfico de drogas e execuções feitas por esquadrõesda morte. (41) Em vez de expulsar esses policiais, algumas au-toridades estaduais até os condecoraram.(42) Em 1997, o gover-nador de São Paulo promoveu um policial responsável por pe-lo menos 40 execuções extralegais. (43) Da mesma forma, em1995, o governo do Estado do Rio de Janeiro estabeleceu um"bônus salarial" para policiais participantes em "atos de bra-vura". Na prática, porém, a Human Rights Watch argumentouque esses "atos de bravura" eram freqüentemente confundidoscom execução sumária dos suspeitos. (44)

Quando a polícia do Rio executou um número recorde de100 pessoas, em abril de 2003, seu secretário de Segurança Pú-

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blica, Anthony Garotinho, foi à televisão elogiar as mortes co-mo um "desenvolvimento muito positivo". Ele garantiu que apolícia limitou as mortes "apenas" aos criminosos. (45) A expli-cação parece bem relevante, porque não é sempre que a políciamata "apenas" criminosos. Em 2 de abril de 2005, por exemplo,a polícia do Rio massacrou 30 pessoas numa favela em repre-sália à prisão pelo governo estadual de três policiais, que fo-ram filmados por moradores da região jogando as cabeças desuas vítimas por cima do muro de uma casa. (46)

2.2. Direito dos Prisioneiros

A Constituição Brasileira declara que nenhum castigo podeser cruel ou levar o contraventor a morrer. Ela também afirmaque ninguém pode ser submetido a nenhuma forma de tortura

As prisões no Brasil geralmente são superlotadas e totalmente inapropriadas para habitação humana.

Reginaldo Pupo/AE

ou tratamento degradante ou desumano.(47) Além disso, a tor-tura é tratada como crime hediondo, sem direito à fiança ouqualquer forma de perdão ou anistia em absoluto. (8) Para hon-rar a lei constitucional e as obrigações internacionais assumi-das com a ratificação do País da Convenção Internacional Con-tra a Tortura de 1989, o Congresso federal aprovou em 1997uma lei contra a tortura.

Na prática, porém, a dramática realidade dos direitos dospresos difere radicalmente do que está escrito na lei. As prisõesno Brasil geralmente são superlotadas e totalmente inapro-priadas para habitação humana. Muitos prisioneiros e suspei-tos têm sido mortos, torturados e espancados nas prisões e nasdelegacias, embora tal crueldade contra suspeitos de crimes eprisioneiros não possa ser atribuída meramente a verbas insu-ficientes. (49) O problema parece ser que os policiais se acostu-maram a agir dessa forma violenta, extralegal. (50) Como umfamoso relatório da Anistia Internacional (AI) explica:

Tortura e maus-tratos continuam a ser utilizados por elementosdentro de todas as forças policiais como meios de investigação e obtençãode confissões... A tortura também era usada para extorquir dinheiro eservir aos interesses criminosos de agentes corruptos. Apesar de o go-verno federal ter lançado uma campanha para combater a tortura em2001, os números de denúncias pela Lei contra a Tortura de 1997 con-tinuam bastante baixos dada a prática endêmica desse crime. (51)

A polícia brasileira usa a tortura de suspeitos como um mé-todo comum de investigação. Como relator especial da ONUsobre a questão da tortura no Brasil, Sir Nigel Rodley afirmouque ela ocorre nos interrogatórios iniciais, prisões temporáriase longas detenções.(52) Isso foi confirmado por um antigo chefeda polícia no Rio de Janeiro, que afirma que a tortura é realmen-te uma "prática normal" nas prisões e delegacias. Mas ele a jus-tificava alegando que os brasileiros considerariam a tortura

"um simples castigo para criminosos comuns, como um meiolegítimo de se obter informações". (53)

Isso pode explicar por que um considerável número de de-legacias no Brasil tem uma sala de tortura. Uma técnica comumde tortura é o pau de arara. Segundo a descrição do HumanRights Watch (HRW), o pau de arara é uma barra na qual a ví-tima fica suspensa pela parte de trás dos joelhos com as mãosamarradas nos cotovelos. No pau, a vítima, geralmente nua, ésubmetida a fortes pancadas, choques elétricos e a quase-afo-gamento. O quase-afogamento é uma técnica de tortura naqual a cabeça da vítima é submergida num tanque de água oua água é empurrada em sua boca e narinas. (54)

A Constituição também estipula que o local onde os conde-nados paguem a pena de prisão tem de corresponder à natu-reza de seu crime, bem como a idade, sexo e outras caracterís-ticas. (55) Além disso, prisioneiros perigosos devem ser separa-dos dos menos perigosos. Na prática, porém, criminosos não-

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violentos estão freqüentemente dividindo espaços superlota-dos com criminosos perigosos, que às vezes os matam. Taismortes têm sido encorajadas pela impunidade que os assassi-nos desfrutam, seguros na certeza que poucos incidentes co-mo esses são investigados apropriadamente.

Embora os prisioneiros tenham garantido por lei livre aces-so a cuidados médicos, assistência jurídica e serviços sociais,esses benefícios raramente são fornecidos. O fato é que a maio-ria dos prisioneiros não recebe nem sequer cuidados médicosbásicos, incluindo remédios para o tratamento de doenças co-mo tuberculose e HIV/Aids, ambas alcançaram agora níveisepidêmicos entre os prisioneiros. Em algumas prisões, "deten-tos gravemente doentes e até morrendo continuam aglomera-dos com outros prisioneiros". (56)

Também foi relatado o fato de que as prisioneiras não têmseus direitos básicos respeitados. Uma forma comum de abusocontra prisioneiras é a extorção por favores sexuais. (57) Emboraa Constituição declare que as detentas podem ficar com seus be-bês durante o período de amamentação, elas freqüentementesão afastadas dos filhos depois que nascem. (58) Além disso, asprisioneiras informam que a tortura não se limita aos homens.Uma detenta disse aos investigadores da HRW que numa oca-sião ela foi despida, molhada e posta no pau de arara e bastanteespancada por quatro policiais homens, que davam choqueselétricos em todo o seu corpo, incluindo na vagina. (59)

Mas, sem dúvidas, um dos mais terríveis feito da polícia foi omassacre de 111 prisioneiros na Penitenciária de Carandiru, emSão Paulo, em 1992. Ironicamente, o povo elegeu o oficial quecomandou a operação toda, coronel Ubiratan Guimarães, para aAssembléia Legislativa do Estado de São Paulo.(60) A eleição lhegarantiu imunidade parlamentar da decisão judicial que o con-denou à prisão. (61) Ele permaneceu livre e atuando como mem-bro eleito da Assembléia. Aqueles que votaram no Coronel Gui-marães para o legislativo estadual acreditam que a polícia tem odireito, às vezes, de agir de uma forma extralegal e violenta. Talaprovação é mostrada numa pesquisa de opinião realizadapoucos dias após o massacre. Ela revelou que 60% dos entrevis-tados apoiavam essas mortes extralegais. A pesquisa tambémdescobriu que 56% deles achavam que a proteção aos direitoshumanos não deviam ser estendidas a alguns criminosos, par-ticularmente assassinos e estupradores. (62)

2.3. Direitos das Crianças

As pessoas no Brasil são obrigadas por lei a garantir os direi-tos básicos das crianças. O Artigo 277 da Constituição declara:"É dever da família, da sociedade e do Estado garantir às crian-ças e aos adolescentes, com prioridade absoluta, o direito a vida,saúde, alimentação, educação, lazer, ensino profissionalizante,cultura, dignidade, respeito, vida comunitária e familiar, bemcomo protegê-los de todas as formas de negligência, discrimi-nação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Há muitas outras cláusulas legais relacionadas à proteçãodas crianças contra todas as formas de abuso, violência e ex-ploração sexual. Alguns advogados internacionais saúdam asproteções constitucionais e estatutárias como um modelo aomundo em tudo que diz respeito aos direitos das crianças. O

Unicef, por exemplo, descreve o Estatuto da Criança e do Ado-lescente (ECA), uma legislação criada para implementar ascláusulas relacionadas aos direitos das crianças, um dos maisavançados do mundo.(63) Da mesma forma, juristas da Comis-são Interamericana de Direitos Humanos elogiam o ECA porabraçar um "conceito especial" dos direitos da criança, por "in-troduzir inovações na política de promoção e defesa de seusdireitos em todas as dimensões: física (saúde e alimentação),intelectual (o direito à educação, ao ensino profissionalizante eà proteção no local de trabalho), emocional, moral, espiritual esocial (o direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, à harmo-nia familiar e a relações comunitárias. (64)

Apesar dessas cláusulas formais, o principal problema noBrasil é a enorme distância separando os direitos das criançascomo estão na lei de seu exercício efetivo ou garantia na prá-tica. Embora a Constituição e o ECA garantam às crianças mui-tos direitos "fundamentais", esses direitos freqüentementenão são respeitados. Segundo Page, "em nenhum lugar o abis-mo separando retórica de realidade surge mais nitidamente doque no contraste entre as garantias dadas às crianças pelaConstituição de 1988 e os assassinados à sangue-frio de meni-nos e meninas que vivem nas ruas das cidades. Se existe algoque simbolize mais claramente a perversidade da onda con-temporânea de violência no Brasil, é a forma como ela vitimizaas crianças. (65)

m dos autores do ECA sugere que essa lei não é cumpridaapropriadamente porque as pessoas no Brasil não estão "cons-cientes do fato de que (...) os pais devem proteger os filhos, asautoridades locais devem ajudar os pais e, finalmente, de que olugar para a criança é a escola. (66) Na verdade, porém, as cláu-sulas constitucionais e do ECA sobre os direitos das crianças es-tão bem longes de serem uma "boa" lei. Por exemplo, enquantoque adolescentes têm permissão para votar aos 16 anos, não sãoresponsáveis criminalmente até os 18. Menores de 18 anos nãopodem ser responsabilizados criminalmente e são sujeitos acláusulas de uma legislação especial. (67) Como resultado, todoassassino de 17 anos, até um famoso assassino em série, podeapenas ser internado por um período não superior a três anosnum "estabelecimento educacional". (68) Esse status de impuni-dade, porém, levou muitas milhares de crianças a trabalhar (earriscar suas vidas) em organizações criminosas. No Brasil, es-creve J.O. de Meira Penna, "os menores geralmente forma a espinhadorsal das quadrilhas criminosas, sentido-se seguros contra a repressãopolicial por conta da impunidade legal(...) A situação absurda trouxedescrédito para o Brasil, resultado do engano legal e intelectual de clas-sificar adolescentes assassinos como "crianças abandonadas". Comonão podem ser legalmente incriminados ou mantidos fora de problemaspor formas legais, o caminho fácil para policiais ignorantes e violentosé simplesmente matá-los, sempre que possível. (69)

Desde que o ECA se tornou lei federal em 1990, o número dehomicídios contra crianças e adolescentes cresceu dramatica-mente, aumentando 77% entre 1994 e 2004.(70) Em 2003, 72% detodas as mortes de adolescentes entre 15 e 19 anos ocorrerampor causas violentas relacionadas a homicídio, suicídio e aci-dentes de trânsito. Assassinato é atualmente a principal causade mortes de crianças de 10 a 14 anos, entretanto menos de 2%de seus assassinos cumprem pena. (71)

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É notável que tanto a Constituição quanto o ECA estipulemque adolescentes entre 14 e 17 anos não possam trabalhar emambientes perigosos, insalubres, noturnos ou moralmenteprejudiciais. Na prática, porém, até crianças pequenas têm tra-balhado em atividades como tráfico de drogas e prostituição.Um relatório de 2002 da Organização Internacional do Traba-lho (OIT) mostra que cerca de 3 mil garotas de esparsamentepovoado Estado de Rondônia foram submetidas a condiçõesde trabalho forçado e prostituição. (72)

Crianças que trabalham são vulneráveis a todos os tipos deacidente nos locais de trabalho. Há informações de crianças tra-balhando em carvoarias, canaviais e fábricas de sapatos. Algu-mas tiveram doenças e acidentes que incluem "amputações,doenças gastrointestinais, , cegueira e queimaduras provoca-das pela aplicação de pesticidas com proteção inadequada. (73)

A lei também afirma que as crianças só podem viajar compermissão dos pais. Mas é do conhecimento de todos que fre-qüentemente as crianças viajam para se prostituir. Garotas daszonas rurais são recrutadas nas grandes cidades como prosti-tutas por clubes de strip-tease e agências de modelos, e até comanúncios de "precisa-se". Em locais no litoral, o turismo sexualenvolve prostituição infantil organizadas por participantes daindústria, incluindo agentes de viagem, funcionários de hotéise taxistas. A ONU calcula que atualmente pelo menos 500 milcrianças são vítimas da exploração sexual no Brasil. (74) Em al-gumas regiões do País, particularmente no Norte e Nordeste,"a maioria dos crimes sexuais contra crianças e adolescentesnão é investigada e em alguns casos representantes do Judiciá-rio estão envolvidos". (75)

Numa tentativa de conter o significativo problema da pros-tituição infantil, o Congresso Nacional estabeleceu uma Co-missão Parlamentar Especial para investigar o problema. En-tre muitas outras coisas, a comissão descobriu o envolvimentode policiais, juízes e políticos com a prostituição infantil. (76) Eem agosto de 2003, a polícia prendeu seis vereadores de PortoFerreira, em São Paulo, e seis empresários que participavam desexo grupal com menores entre 10 e 16 anos havia dois anos. Asmenores eram pagas com drogas e/ou US$ 11 a US$ 18 por ca-da encontro. ( 77 ) Segundo um relatório de uma organizaçãonão-governamental:

Pelo menos 12 garotas estavam envolvidas, todas muito pobres.Carros oficiais da cidade e mototáxis apanhavam as jovens garotas(10 a 16 anos) a duas quadras da escola deles. Luiz Gonzaga Borceda,um dos homens condenados era o diretor da escola das meninas. As"festas" eram geralmente às segundas-feiras e começavam por voltadas 10 horas da manhã e terminavam no começo da tarde. Elas re-cebiam um pagamento de aproximadamente US$ 12 e eram forçadasa manter relações sexuais com vários homens. De acordo com o tes-temunho das garotas, muitas participavam para ter algo para comer.Elas também eram forçadas a tirar fotos despidas. Isso foi declaradopor um dos participantes à Câmara Municipal... As garotas recebiamálcool e crack durante as festas. (78)

Apesar de terem sido condenados judicialmente por cor-rupção de menores, tráfico de drogas e formação de quadri-lhas, todos, menos um, estão livres (em 2007) após passaremmenos de três anos na prisão. A única pessoa que ainda estána prisão é um vereador que concorreu novamente, mesmo

estando detido, e foi eleito com o terceiro maior número devotos. Os vereadores fizeram um acordo para que ele possaassumir seu mandato enquanto cumpre a sua pena, emboraisso não tenha ocorrido ainda por causa do medo da reper-cussão internacional.

Outra investigação detalhada realizada pelo Congresso emjulho de 2004 descobriu políticos, juízes e empresários parti-cipando da exploração sexual de menores, incluindo o horrívelabuso sexual de bebês. Descobriu-se que o vice-governador doAmazonas estava procurando serviços de uma rede de pros-tituição que recrutava garotas de 16 anos. (79) Mesmo assim, apresidente da comissão do Congresso, Patricia Saboya, "acusao governo de não fazer praticamente nada para investigar oupunir esses envolvidos." (80)

Estatísticas mostram 7 milhões de crianças vivendo nas ruasdas cidades brasileiras. (81) Contrariando o que geralmente seacredita, os testemunhos dessas crianças revelam muitas ou-tras pressões além da falta de dinheiro. Elas estão nas ruas prin-cipalmente por causa da negligência dos pais e comentam epi-sódios de abuso sexual e muitos outras formas de extrema vio-lência. É claro que elas não estariam ali se não houvesse a au-sência de uma ação governamental, bem como de ações dasociedade civil.

Crianças que trabalham são vulneráveisa todos os tipos de acidente nos locais

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Crianças de rua são completamente privadas da maioria desuas necessidades materiais e de carinho. Elas não têm casa,escola, comida adequada nem cuidados médicos. Freqüente-mente se tornam vítimas de esquadrões da morte ou de outrasformas de violência oriundas de sua situação precária. Desdeque elas passaram a roubar para sobreviver, algumas pessoaspagam a esquadrões da morte para "limpar as ruas" dessa "in-coveniência". Infelizmente, muitas pessoas acredita que amorte extralegal é uma medida válida para combater o crime ea violência. Page afirma:

O que amplia a indignação pública ainda maior contra os mole-ques de rua é a impressão de impunidade que protege crianças quematam, assaltam e roubam. O sistema legal não as classifica comocriminosas, mas usa o termo mais eufenístico infratoras e não assubmete a punições. Pelo estatuto de 1990 (o ECA), um infratorcom menos de 12 anos é geralmente solto sob a guarda de sua famíliaou de uma família substituta. Um infrator com mais de 12 é enviadoa instituições estaduais especialmente projetadas para adolescen-tes. Essas unidades são tão antiquadas e superlotadas, que há umapressão constante para libertar os transgressores o mais rápido pos-sível e os jovens escapam dela regularmente. (2)

Crimes contra as crianças de rua são caracterizados pela ex-trema brutalidade. Eles incluem tortura e amputações. Geral-mente, os corpos dessas crianças deixados nas ruas "para ser-vir de exemplo para as outras". (83) As crianças que conseguemsobreviver terão de se preocupar no dia seguinte com a pró-xima refeição e com encontrar um local seguro para dormir ànoite. Essas crianças estão, portanto, sujeitas a um processo de"seleção natural" no qual "o fraco morre de doenças e violênciae apenas os fortes sobrevivem à idade adulta". (84).

Os casos de violência contra crianças são tantos que uma fra-se atribuída pela imprensa à Anistia Internacional nos anos 90afirma: "O Brasil já sabe como resolver o problema de suascrianças – matá-las." (85). Isso não está muito distante da reali-dade. De fato, quando o governo do Rio de Janeiro instalouuma "hot line" procurando informações sobre a morte de oitomeninos de rua no centro do Rio, o serviço teve de ser logo in-terrompido, porque milhares de chamadas congestionaram alinha apoiando as execuções. (6)

2.4. Direitos das Mulheres

As mulheres são agraciadas pela Constituição brasileiracom um impressionante número de "direitos fundamentais".Ela reconhece completamente o mesmo valor de ambos se-xos, advogando a igualdade de direitos e obrigações dianteda lei.(87) A Constituição também reconhece que no casamen-to homens e mulheres têm os mesmos direitos e obrigações.(88) No Artigo 5.º, inciso XLI, ela declara a obrigação do gover-no em promover o bem-estar de todos, sem discriminação se-xual. Em relação à lei trabalhista, é bem apropriado deduzirque as mulheres tem de fato mais direitos do que os homens,já que o Artigo 7.º especifica certos direitos apenas para asmulheres, incluindo aposentadoria mais cedo e proteção nomercado de trabalho.

Enquanto a Constituição afirma que todos têm direitosiguais, leis ordinárias fornecem penas de prisão e multas para

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qualquer situação de comportamento sexista, incluindo o usode termos pejorativos contra mulheres. A lei também garantedelegacias de polícia especiais para a mulheres. Segundo a Co-missão Interamericana de Direitos Humanos, a proteção legaldos direitos das mulheres no Brasil, particularmente em rela-ção a "delegacias de polícia específicas para um sexo", é "semprecedentes" e, por conseguinte, "um modelo importante" aser imitado pelos países. (89)

Porém, apesar da lei escrita, é do conhecimento de todosque a violência contra mulheres é uma ocorrência comum. Deacordo com a ONU, as mulheres no Brasil são "freqüentemen-te expostas" à exploração sexual. Um documento da UNHa-bitat de 2004 revela que o Brasil tem um dos maiores níveis deincidentes contra mulheres, descritos como estupro, tentati-va de estupro e ataques indecentes. Esses crimes violentos ge-ralmente são subrelatados e seus executores provavelmentenão são punidos. (90)

Um estudo de 2001 como 61,5 milhões de mulheres realiza-do pelo Fundação Perseu Abramo descobriu que, anualmente,2,1 milhões de brasileiras são vítimas de violência física. Issosignifica que a cada 15 segundos uma mulher é agredida noBrasil. (91) Ele também revela que 6,8 milhões de brasileiras so-freram agressões de seus companheiros, parentes e outros co-nhecidos. (92) Segundo o ministro da Saúde, Saraiva Felipe, sóem 2004, 189 mil mulheres com mais de 10 anos procuraram oshospitais com fraturas, luxações e traumas em várias partes docorpo, até no crânio. (93)

Apesar disso, a grande maioria das queixas criminais em re-lação a violência contra mulheres são interrompidas sem umaconclusão final. De acordo com a Organização Mundial contraa Tortura (WOAT), apenas 2% de todas as queixas de violênciacontra mulheres terminam em condenação. Para os poucos ca-sos que resultam em condenação, a WOAT critica que as penaspara assassinato em primeiro grau e estupro são "muito leves".(94) Segundo Norma Kyriakos, ex-procuradora-geral do Esta-do de São Paulo:

Em vez de dar ao agressor uma pena de serviço comunitário (ou deprisão), os juízes propõem que ele pague com cestas básicas para ins-tituições de caridade. E os homens continuam praticando os crimes por-que sabem que tudo o que terão a fazer é pagar... As mulheres hoje aindatêm medo de ir à delegacia porque têm medo de seus agressores... Elassabem que após terminarem com a delegada ou com o juiz, estarão porconta própria novamente. (95)

Um caso que serve para ilustrar a situação atual ocorreu em1983. Ele tem a ver com uma mulher que ficou paraplégica apóssofrer várias tentativas de assassinato feitas por seu marido.Depois de esperar mais de 15 anos por uma decisão judicial, elaentrou com um processo contra o país na Comissão Interame-ricana de Direitos Humanos. O resultado foi que, em 2001,membros dessa comissão consideraram o Brasil culpado denegligência, omissão e tolerância em relação à violência do-méstica contra as mulheres. (96)

Sobre os direitos trabalhistas das mulheres, a Constituiçãoproíbe explicitamente qualquer diferença salarial entre os se-xos. Na verdade, a lei básica fornece "discriminação positiva"em favor das mulheres, garantindo-lhes direitos constitucio-nais especiais, como licença-maternidade paga de quatro me-Ra

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Sobre os direitos trabalhistas das mulheres,a Constituição proíbe explicitamente qualquer

diferença salarial entre os sexos.

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ses e proteção contra a demissão por gravidez. (97). Na prática,porém, a OEA relata que grávidas são demitidas, apesar daConstituição dizer o contrário. O relatório sugerem que pa-trões têm pedido ilegalmente "atestados de esterilização" co-mo pré-condição para emprego. (98) Finalmente, a OEA afirmaque o próprio governo reconhece que a média salarial das mu-lheres está 54% abaixo do que é normalmente pago a seus co-legas com os mesmos níveis de educação e qualificação. (99)

Essa constante violação dos direitos das mulheres ressalta aprevalência da cultura "machista", na qual se espera que os ho-mem "provem" sua "masculinidade" tratando as mulheres co-mo objetos sexuais. O grande problema é portanto o fato so-ciológico de que, no Brasil, "muitos acreditam que têm o direi-to de dominar fisicamente suas parceiras e muitas mulheresaceitam um papel submisso". (100) Essa cultura machista expli-

ca a proliferação de violência sexual, uniões instáveis, adulté-rio e ilicitudes como fatores que contribuem para o desrespeitoao direitos das mulheres.

2.5. Direitos dos Trabalhadores

Em relação aos direitos dos trabalhadores, o Brasil possuiuma Constituição exigindo, entre outras coisas, que o saláriomínimo possa garantir todas as necessidades básicas dos traba-lhadores e suas famílias: habitação, comida, educação, saúde,lazer, roupas, higiene, transporte e segurança social. (1 01 ) P ar adar conta disso, o salário mínimo tem de ser periodicamenteajustado, a fim de manter o poder de compra do trabalhador.

O atual salário mínimo fixado por lei está em volta dosUS$ 200 mensais. Certamente, é um salário que não cobre to-das as necessidades exigidas pela Constituição. De fato, umestudo de 2000 do Dieese concluiu que o salário mínimo era

um quinto do necessário para manter uma família de quatropessoas na cidade de São Paulo. (102) Além disso, uma análiserealizada em 2002 pela Pesquisa Nacional de Domicílios doIBGE revelou que 40% dos trabalhadores não recebiam se-quer essa quantia mínima. A média salarial deles era mais de50% menor do que a lei exigia. (103) Isso significava que 55 mi-lhões de trabalhadores estavam sobrevivendo com metadedo salário mínimo. (104)

Pela Constituição brasileira, qualquer forma de trabalhoforçado é proibida. O Código Penal pune os culpados com pe-lo menos oito anos de prisão. Porém têm sido relatados casosde trabalho escravo no Norte e no Centro-Oeste. Nessasáreas, o trabalho forçado envolve a exploração de crianças ematividades como agricultura e pecuária. (105)

Além disso, imigrantes ilegais dos vizinhos Bolívia, Peru e

Paraguai trabalham nas grandes cidades sob condições que aOrganização Internacional do Trabalho (OIT) descreve como"similares à escravidão. (106) Segundo o Departamento de Es-tado americano, a abolição do trabalho escravo no Brasil temsido impedida pelo fracasso em impor penas eficazes, pelaimpunidade dos responsáveis, pela lentidão dos procedi-mentos jurídicos e pela falta de coordenação entre os váriosórgãos do governo. (107)

Só na região amazônica, a OIT calcula que 25 mil pessoasestão trabalhando como escravos em uma gama de ativida-des: desde desmatamento da selva para fazendeiros, até ex-ploração de minas para a produção de carvão. A OIT informaque esses trabalhadores têm sido tratados "piores do que ani-mais", vivendo em barracas de plástico sem saneamento e co-mendo em latas, que antes foram usadas para guardar pes-ticidas. (108) A jornada diária deles é do amanhecer ao crepús-culo e homens armados são contratados para garantir a or-

Milton Mansilha/Luz

Imigrantes ilegais dos vizinhos Bolívia, Peru e Paraguai trabalham nas grandes cidades sob condições similares à escravidão.

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dem e evi tar que fu jam. Vergonhosamente , a lgunscongressistas foram descobertos se beneficiando de trabalhoescravo em suas próprias fazendas. (109)

Na questão do emprego, o Artigo 170 da Constituição de-clara que a ordem econômica do País deve ter como seu obje-tivo mais "fundamental" a "busca pelo emprego total". Emagosto de 2003, porém, cerca de 13 milhões de trabalhadoresestavam desempregados, e milhões de outros simplesmentenão conseguiam nem pagar por uma refeição decente por dia.( 11 0 ) No Brasil atual, as taxas de juros são as maiores do mundo,a tributação é esmagadora e quantidade de burocracia encon-trada em todos os níveis de governo é enorme. ( 111 )

Em um documento distribuído pelo Banco Mundial cha-mado "2005 Doing Business" (Fazendo Negócios 2005), o Bra-sil é citado como um dos piores países no mundo para os em-

presários abrir um negócio, contratar empregados ou fecharcontratos, por causa da excessiva tributação e regulação go-vernamental. ( 11 2 )

No Índice de Liberdade Econômica de 2006, um importan-te documento publicado em conjunto pela Fundação Herita-ge Foundation e pelo Wall Street Journal, a estrutura regula-tória do Brasil é considerada desgastante e não totalmentet r a n s p a re n t e . ( 11 3 )

2.6. Direitos dos Povos Indígenas

A Constituição do Brasil é muito generosa nos termos emque trata dos direitos das comunidades indígenas. Eles in-cluem a proteção da cultura dos índios e o direito de qualquercomunidade indígena de determinar livremente a forma pelaqual sua terra será usada. Segundo a Comissão Interamericanade Direitos Humanos:

O capítulo dos direitos indígenas é dedicado a uma das maisavançadas posições normativas na legislação comparativa. Seus in-cisos se referem diretamente aos direitos dos índios, ultrapassando adoutrina da "assimilação natural" e garantindo reconhecimentopermanente da direitos originais inatos dos povos indígenas, basea-dos no status inicial deles como ocupantes históricos e permanentesde suas terras. ( 11 4 )

Terras indígenas são definidas pela Constituição Brasileiracomo aquelas tradicionalmente ocupadas pelos índios e as poreles habitadas em caráter permanente, bem como "as utiliza-das para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à pre-servação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estare as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundoseus usos, costumes e tradições". ( 11 5 )

Essa descrição de "terras tradicionalmente ocupadas pelos

índios" é tão ampla que um eminente advogado constitucio-nal, Manoel G. Ferreira Filho, brincou dizendo que seria maisfácil para os legisladores declarar quais terras os não-índiospoderiam ocupar. ( 11 6 )

Os 280 mil brasileiros que são índios têm por lei o direito deocupar 946 mil quilômetros quadrados do território nacio-nal. Isso significa que 0,5% da população total do Brasil tem odireito de ocupar 12% de todo seu território. A quantidade deterra classificada como pertencente às comunidades indíge-nas é bem maior do que seis território de qualquer país eu-ropeu, com exceção da Federação Russa. A França, por exem-plo, tem 59 milhões de pessoas, mas menos do que 544 milmetros quadrados. ( 11 7 )

As terras indígenas também são consideradas possessãopermanente dos índios. Eles têm controle sobre todas as rique-zas do solo, rios e lagos. ( 11 8 ) Além disso, a mais alta corte doBrasil, o Supremo Tribunal Federal, já decidiu pela inconstitu-

Antônio Cruz/ABr

Os 280 mil brasileiros que são índios têm por lei o direito de ocupar 946 mil quilômetros quadrados do território nacional.

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cionalidade de qualquer lei ou contrato público resultando naredução ou na alienação dessas terras indígenas. ( 11 9 )

Só os membros eleitos do Congresso Nacional podem au-torizar a exploração de recursos hidroelétricos e riquezasminerais nas terras indígenas. Em tais casos, uma parte doslucros será transferida para a comunidade indígena, quenão pode ser removida da terra que ocupa, exceto por apro-vação dos congressistas ou em casos extraordinários de ca-tástrofe ou epidemia. Mesmo assim, os índios terão preser-vados o direito de retornar à terra assim que o risco termine,porque as terras indígenas são inalienáveis e não são sujei-tas a restrições.

Tudo isso soaria muito impressionante se não fosse o fato deque as autoridades públicas não têm sido capazes de manter aintegridade dessas terras indígenas, que são constantementeinvadidas por pessoas que não são índios com o objetivo de mi-neração, extração de madeira e agricultura.(120) Essas invasões"destroem o meio ambiente e a vida selvagem, espalham doen-ças e provocam conflitos violentos", comenta o Departamentode Estado Americano. (121)

Para proteger os direitos e a cultura da população indí-gena, o Brasil criou uma agência federal especial conhecidacomo Fundação Nacional do Índio (Funai). O papel dela in-clui a proteção ao direito de qualquer índio de obter educa-ção pública, cuidados médicos e assistência jurídica gratui-tos. Entretanto, a verdade é que os índios sofrem com epi-demias, trabalho forçado, mortes violentas e marginaliza-ção. Segundo Lisa Valenta, uma especialista em direitosindígenas brasileiros:

Administrar problemas legais, pressões políticas no Executivoe no Judiciário e atitudes comunitárias contribuíram para um am-biente hostil para os índios. A fim de garantir seus direitos civis,políticos e de propriedade, eles têm de negociar... com uma enormediscriminação cultural e com o que nos últimos 500 anos pode serjulgado apenas como um desastre epidemiológico. Doenças, poucaou nenhuma realização das terras já demarcadas, a falta de pro-jetos de desenvolvimento viáveis ou sustentáveis para encorajarfazendeiros a pararem de derrubar ainda mais a floresta tropical,ao lado de um periódico apoio militar, tudo isso tem provocado in-vasões, epidemias e massacres, especialmente nas fronteiras nortedo Brasil. Essas atividades resultaram em pouco ou nenhum receiode repressão legal para os invasores e, proporcionalmente, a des-moralização dos índios, que ficam sem nenhum remédio jurídicodoméstico confiável. (122)

Apesar das cláusulas legais, metade da população indígenabrasileira atualmente vive sob condições de extrema pobreza,dependendo totalmente de um programa federal de cestas bá-sicas para sobrevier.(123) Eles também enfrentam cuidados mé-dicos bastante ruins. O departamento médico da Funai calculaque aproximadamente 60% dos membros das comunidadesindígenas sofrem de doenças crônicas, como tuberculose, ma-lária e hepatite.(124) Segundo uma publicação recente sobre tri-bos indígenas localizadas no Brasil Central:

Um fato comum que as une é a marginalização delas dentro da so-ciedade brasileiras, refletida em condições econômicas e de saúderuins e nas dificuldades que enfrentam para obter acesso a cuidadosmédicos, educação e outros serviços sociais... O que pode ser decla-

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rado genericamente... é que na grande maioria das comunidades in-dígenas do Brasil as taxas de mortalidade são indubitavelmente maio-res do que as taxas nacionais, enquanto que a expectativa de vida nonascimento é preocupantemente baixa. (125)

2.7. Liberdade de Expressão

A Constituição brasileira garante proteção formal à liberda-de de expressão para atividades de imprensa, científicas, ar-tísticas e intelectuais. Ela declara, no Artigo 220, que qualquermanifestação de pensamento, expressão e informação não serásujeita a nenhuma forma de restrição governamental por mo-tivos políticos, ideológicos ou artísticos.

Porém, apesar do que a lei afirma, o governo federal tentouem 2004, aprovar uma lei controversa sobre "o Audiovisual".Se fosse aprovada, a lei poderia criar uma "Agência Nacionaldo Cinema e do Audiovisual" (Ancinav), com poderes paraexercer controle total em estações de rádio e de TV, serviços decomunicação com conteúdo audiovisual (incluindo telefonia einternet), bem como a produção, distribuição e exibição de fil-mes (incluindo obras cinematográficas e reportagens). O pre-sidente da República seria totalmente livre para nomear osmembros do conselho dessa poderosa agência estatal para ummandato de quatro anos. (126)

A Ancinav teria poderes para investigar e reestruturar oplanejamento estratégico de empresas audiovisuais e cine-matográficas. A lei tratava do planejamento, regulação, ad-ministração e monitoramento de companhias audiovisuais ecinematográficas na produção, programação, distribuição,exibição e divulgação. ( 12 7) A lei também declara que essaagência governamental poderia preservar o "sigilo" de cadaregistro técnico, operacional e até financeiro requisitado a es-sas empresas. Isso indiretamente significa que esse tipo deagência poderia forçar as companhias a fornecer informaçõesestratégicas e financeiras ao governo.

A agência seria financiada por recursos obtidos com im-postos sobre a publicidade, aluguel e/ou venda de fitas e ví-deos e DVDs e um aumento de 10% no preço do ingresso docinema. Esse aumente poderia minar o direito constitucionalà cultura, porque os ingressos já são muito caros para a maio-ria dos brasileiros e transformaria o cinema num forma de en-tretenimento ainda mais elitista. Além disso, tornaria proibi-tivo para os cinemas exibir filmes com pouco público, comoos produzidos por companhias de filmes mais especializa-dos. (128) Nesse sentido, a lei violava o Artigo 215 da Consti-tuição, que declara que o Estado deve apoiar, e não restringir,a difusão de expressões culturais. (129)

Ainda que a forte reação da mídia contra a lei tenha frus-trado o esforço governamental para aprovar a lei no Parla-mento, outras tentativas para obter um controle indevido so-bre a liberdade de expressão têm sido concluídas com suces-so. Desde janeiro de 2003, companhias estatais anunciaramque só podem patrocinar projetos culturais e sociais que cor-respondam aos valores ideológicos dos que estão no poder.Por exemplo, a petroleira estatal informou que "as visões so-ciais" do governo devem ser levadas em conta ao financiarprojetos culturais e sociais. Outras empresas estatais decla-Le

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raram que condições parecidas lhes foram apresentadas pa-ra o patrocínio de atividades culturais e sociais. (130)

Outro sério obstáculo desafiando o direito constitucional daliberdade de expressão é a distribuição pela Secretaria de Di-reitos Humanos do Brasil de 5 mil folhetos intitulados "Poli-ticamente Correto e Direitos Humanos". Distribuídos em maiode 2005 a escolas públicas, a publicação continha 96 termos, ex-pressões e piadas consideradas ofensivas e que, segundo o fo-lheto, deviam ser evitados. Ele inclui palavras como "palhaço",que adverte o texto, pode ofender os comediantes profissio-nais, e "bêbado", que, avisa, é desrespeitoso com os alcoólatras.(131) O folheto também alerta que é ofensivo ou difamatório ro-tular como comunista alguém que de fato seja, mas não querser considerado como tal. A seguir estão alguns exemplos doque está no folheto:

Comunista: contra eles, muitos insultos e calúnias foram inven-tadas para justificar campanhas e perseguições, que resultaram emassassinatos em massa durante o regime nazista na Alemanha.

A situação está preta: forte conotação racista contra a povo afro-brasileiro. Ela associa o cor preta com uma situação ruim.

Funcionário público: após campanhas sistemáticas contra o ser-viço público, os trabalhadores das empresas e agências públicas pre-ferem ser chamados de servidores públicos para enfatizar que eles ser-vem mais ao público do que ao Estado.

Lésbica: usado para discriminar a mulher homossexual. O termoapropriado é entendida. (132)

Esse folheto poderia ser considerado bobo demais para serlevado a sério se não fosse o fato de o Legislativo ter apresen-tado na Lei Federal número 9.459, uma legislação sobre "cri-mes de ódio", que pune com três anos de prisão qualquer co-mentário que possa ser considerado ofensivo à nacionalidade,gênero, religião ou eticidade das pessoas. Assim, muitos con-sideram que o folheto é realmente uma forma de censura pelaqual inúmeras regras são impostas nas palavras que os cida-dãos podem usar. A idéia parece se basear na premissa de quenossos direitos básicos de escrever e falar são meras conces-sões do Estado e não direitos básicos integralmente garantidospela Constituição. (133)

2.8. Liberdade de Imprensa

A Constituição do Brasil explicitamente proíbe todas as for-mas de censura ou qualquer obstáculo imposto à liberdade dei m p re n s a . (134) A liberdade de imprensa, um importante direitopara qualquer sociedade democrática, foi severamente viola-da no Brasil no passado, como durante a ditadura populista deGetúlio Vargas (1937- 45), e depois durante as duas décadas deregime militar iniciado em 1964.

Enquanto o direito a uma imprensa livre começou a ser mui-to respeitado desde os últimos dias do governo militar em1985, parece que a liberdade de imprensa está sofrendo ata-ques renovados, particularmente do governo federal. Desdeque assumiu como presidente do país, Lula da Silva freqüen-temente se queixa que os jornalistas dão muitas informaçõesnegativas sobre seu governo. Ele constantemente reitera que amídia tem de "aprender" como desenvolver uma "relação leal"com o governo. (135)

Reagindo contra esse tipo de intimação, jornalistas entre-garam, em março de 2004, seu Manifesto Pela Liberdade deInformação. O documento declara que o atual governo temcriado "sérios obstáculos" à liberdade de imprensa. (136) Elatambém revela que os jornalistas não têm mais direito de re-gistrar encontros oficiais, aos quais até então a imprensa po-dia assistir, mesmo durante os piores dias da ditadura mili-tar brasileira. (137)

Outra indicação da queda da liberdade de imprensa podeser vista na tentativa feita pelo governo federal em expulsarum correspondente do The New York Times (NYT). Em 6 demaio de 2004, o Ministério da Justiça anunciou que o visto dojornalista Larry Rohter tinha sido cancelado, porque ele ti-nha ousado escrever um artigo divulgando preocupaçõespúblicas sobre os hábitos de beber do presidente. Poucosdias depois da decisão, o presidente Lula bufou de raiva:"Não é para um presidente responder a uma idiotice dessas. Ela nãomerece nenhuma resposta. Ela merece ação. Acho que ele deve ficarbem mais preocupado do que eu." (138)

Ele depois declarou:Esse jornalista não vai mais ficar neste país. Isso vai servir como

exemplo para os outros. Se eu não tomar essa medida, qualquer jor-nalista, se qualquer país, poderá fazer o mesmo sem nenhum medo depunição. (139)

Ao apresentar as razões para a expulsão do jornalista, o mi-nistro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que eramotivada pelo fato de que nenhum estrangeiro podia ofen-der "a honra do chefe de Estado".(140) Concordando com ele, oprofessor de sociologia Paulo Delgado, um congressista doPT, declarou que qualquer estrangeiro que critique o presi-dente da República deve se tornar automaticamente uma"persona non grata" no País. Em sua opinião, "o presidente daRepública pertence a todos os brasileiros e não pode ser ob-jeto de uma consideração inapropriada por uma estrangeiroque trabalha no País". (141)

A lei que foi oportunisticamente aplicada para expulsar ojornalista (Rohter) foi decretada em 1980, isto é, durante a di-tadura militar. Seu artigo 7.º declara que "o visto será entre-gue a qualquer estrangeiro considerado prejudicial à ordempública ou ao interesse nacional". Como essa lei não especi-fica quais situações constituem violação da ordem pública edo interesse nacional, qualquer governo com tendência au-toritária pode manipular o significado dessas frases abstra-tas. De acordo com Mário Gonçalves Jr., um procurador pú-blico, "uma lei como essa só podia ter surgido de épocas nasquais a liberdade de expressão estava sufocada de uma formaescandalosa no Brasil sob a mão pesada de altos oficiais líde-res do golpe militar". (142)

Mas a realidade é que o governo não só aplicou a legislaçãoarbitrária, mas também foi muito além de seus próprios limi-tes, já que a lei em questão claramente proíbe a expulsão de es-trangeiros que tenham mulher e/ou filhos brasileiros. Rohternão só vivia há muitos anos na cidade de São Paulo, ele é ca-sado com uma brasileira e tem dois filhos brasileiros. Mas o go-verno ignorou completamente esse fato e distorceu o estatutopara autorizar a suspensão do visto de Rohther pelo Ministérioda Justiça sem audiência judicial. (143)

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Como conseqüência de críticas pesadas e generalizadas,tanto da mídia nacional quanto internacional, o presidente Lu-la, que teimosamente mostrava suas armas, viu uma forma deacabar o imbróglio com uma farsa.(144) Incapaz de se afastar desua própria atitude radical sem sair derrotado, ele decidiu in-terpretar como "retratação" uma carta na qual o jornalista con-firma o que tinha escrito na reportagem. Assim, toda a situaçãoficou resolvida não como resultado do respeito à legalidade,porém da aparente magnanimidade do presidente. Apesar daenorme generosidade do presidente, a liberdade de imprensapoderia ser substancialmente diminuída se uma lei patrocina-da pelo governo, apresentada em agosto de 2004 pelo partidogovernista, for aprovada pelo Congresso federal. (145)

O objetivo dessa lei altamente controversa é a criação de umaentidade chamada Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), compoderes para "orientar, disciplinar e mo-nitorar" todos os jornalistas trabalhandono Brasil. Os jornalistas seriam obriga-dos a se registrar nessa entidade paratrabalhar no País. O projeto do CFJ foiclaramente relacionado por muitos jor-nalistas a uma série de decretos baixa-dos nos anos 1930 pelo ditador Vargaspara controlar a imprensa. Entre essesatos estavam um decreto de 1932 quedeterminava a emissão de carteiras deidentificação e um decreto de 1934, queregulamentava a renovação de licençaspara jornais, revistas e gráficas. (146)

Para Alberto Dines, renomadoprofessor de jornalismo da concei-tuada Universidade de Campinas, oprojeto da CFJ poderia certamenteinstituir uma forma muito parecidade "jornalismo patronal", minandocompletamente "a indispensável se-paração entre governo e imprensa".(147) Assim, ele afirma que esse proje-to, apresentado pelo governo fede-ral, constitui "a ação mais desajeitadae espantosa na área da imprensa que qualquer governo pro-duziu desde a volta da democracia em 1985". (148)

Um elemento essencial do sistema democrático adotadopela Constituição brasileira baseada no Estado de direito é agarantia de uma liberdade quase ilimitada para a liberdadede imprensa. Então qualquer tentativa de controle sob o pre-texto de disciplinar jornalistas é absolutamente inconstitu-cional. E, ainda que o secretário federal de Imprensa, RicardoKotscho, tenha declarado que a intenção do governo era exa-tamente "garantir para a sociedade a completude da liberda-de de imprensa, não a liberdade de alguns profissionais e em-presas de publicar o que querem a serviço de seus própriosi n t e re s s e s " . (149) Mas o secretário de Imprensa com certeza estáerrado quando ele supõe, como parece fazer, que a lei no Bra-sil permite aos jornalistas publicarem o que quiserem, por-que este País já tem leis contra a difamação reprimindo exces-sos cometidos por "jornalistas ruins", "recalcitrantes", "viga-

Larry Rohter, correspondente do The New York Times, que quase teve o visto cancelado.

Tasso Marcelo/AE

ristas", "questionáveis". Essas leis permitem que qualquerpessoa processe judicialmente qualquer jornalista por abusode sua liberdade profissional. (150)

Apesar de o governo ter lembrado que o projeto do CFJ tersido de fato esboçado por um sindicato de jornalistas chamadoFederação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), é digno de notaque a Fenaj não representa os interesses reais dos jornalistas, jáque mais de 70% de todos os jornalistas do Brasil não perten-cem a nenhuma associação sindical. Além disso, é bastante sig-nificante que nenhuma grande empresa de notícias apoiou ap ro p o s t a . (151) Em vez disso, elas imediatamente a considera-ram como "o mais sério ataque à liberdade de expressão desdeo fim do regime militar" e firmemente ficaram contra. (152)

Também parece muito relevante observar que a Fenaj éuma federação controlada pela CUT (Central Única dos Tra-

balhadores), um grupo de sindicatos sob o controle diretor dogovernista Partido dos Trabalhadores (PT). Nenhum dos setediretores da Fenaj é um jornalista autêntico, porém mais umassessor especial de empresas estatais e/ou de políticos doPT; cinco dos sete diretores são filiados ao partido governistae a maioria de seus membros é da equipe de comunicação dogoverno. Assim, o famoso jornalista Fernando Gabeira, umantigo parlamentar do PT, afirmou que o CFJ "soava como al-go que existe em Cuba ou em outros países socialistas, onde amídia é organizada pelos partidos. (153)

Finalmente, também temos de considerar aqui que o go-verno brasileiro, em 23 de julho de 2003, apoiou a solicitaçãode Cuba e da Líbia de suspender o status consultivo do Re-pórteres Sem Fronteiras (RSF) na Comissão de Direitos Hu-manos da ONU. (154)

O Brasil apoiou a suspensão, porque a RSF criticou clara-mente a controvertida eleição da Líbia para a presidência

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daquela agência internacional. ( 15 5) Em conjunto com aLíbia e muitos outros países com um extenso registro deviolações dos direitos humanos, como China, Cuba, Qa-tar e Arábia Saudita, o Brasil votou pela suspensão deuma das poucas organizações representando a liberda-de que imprensa que detinha status consultivo dentrodesse importante braço do Conselho Econômico e Socialda ONU (Ecosoc). (156)

Comprovadamente, ele pode ter feito isso porque aRSF "ousou" criticar o amigos próximos do presidenteLula, coronel Gadhafi e Fidel Castro, por terem severa-mente suprimidos todas as formas de liberdade de im-prensa em seus respectivos países. (157)

Além disso, o governo Lula se absteve de condenar o as-sassinato de jornalistas e dissidentes políticos cubanos noComitê de Direitos Humanos da ONU, ainda que o Artigo4.º da Constituição brasileira explicitamente declare que aparticipação do país na comunidade internacional deve serguiada pelo "princípio fundamental" do "respeito pela pre-valência dos direitos humanos". (158)

Falando sobre o comportamento do governo brasileiro,o embaixador em Cuba, Tilden Santiago, aprovou a execu-ção de dissidentes cubanos, chamando-os de traidores aserviço do imperialismo dos Estados Unidos. (19)

Enquanto que a Constituição brasileira explicitamenteproíbe a pena de morte para oposicionistas do governo, oembaixador Santiago, que também afirma que o sistema po-lítico do Brasil "deve ser baseado no regime de Cuba", fez es-ta declaração ameaçadora: "Do mesmo modo, se eles tenta-rem desestabilizar Lula, nós teremos de tomar as mesmasmedidas aqui". (160)

3. CONCLUSÃO

Ao descrever a situação relacionada dos direitos cons-titucionais no Brasil, não é difícil observar o nítido con-traste entre os direitos no papel e como eles funcionam naprática. O grande paradoxo é que, apesar da Constituiçãobaseada no Estado de Direito, os direitos legais no Brasilnão são necessariamente respeitados. É claro que a lei po-de considerar um direito humano como "fundamental",mas isso não garante que esse direito estará garantido. Defato, ele pode simplesmente ser violado ou ignorado pe-las autoridades e até por um cidadão comum.

Parece que no Brasil alguns diretos descritos na lei são"honrados" mais em sua violação do que na aplicação efe-tiva deles. Entretanto, o principal problema com a im-plantação desses direitos está relacionada não só com oconteúdo das leis positivas, ainda que algumas delas sãode fato irrealistas demais para alcançar qualquer resul-tado satisfatório, mas ele também reside na sensação ge-neralizada de falta de lei que penetra a sociedade brasi-leira como um todo.

De fato, a realidade dos direitos constitucionais no Brasilfornece fortes provas de que direitos baseados em consti-tuições são, por eles mesmos, insuficientes para protegeros direitos básicos do cidadão.

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TA S(1) Citado em Rosenn, Keith, Judicial Review in Brazil:

Developments under the 1988 Constitution (RevisãoJurídica no Brasil: Desenvolvimentos sob a Constituiçãode 1988), 2007, 7 Southwestern Journal of Law and Tradein the Americas 291, pág. 318(2) Rosenn, Brazil’s New Constitution: An Exercise inTransient Constitutionalism for a Transitional Society(A Nova Constituição do Brasil, Um Exercício noConstitucionalismo Transitório para uma SociedadeTransitória), 38 American Journal of Comparative Law773, pág. 778.(3) Rosenn, Judicial Review in Brazil: Developments underthe 1988 Constitution (Revisão Jurídica no Brasil:Desenvolvimentos sob a Constituição de 1988, 7Southwestern Jounal of Law and Trade in the Americas291, pág. 315)(4) Ver Vasak, Karel, International Dimensions of HumanRights, Westport: Unesco, 1982.(5) Constituição Brasileira, Artigo 1.º(6) Constituição brasileira, Artigos 1 a 14, I a III, e Artigo61, Parágrafo 2: "A iniciativa popular pode ser exercidapela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de leisubscrito por, no mínimo, um por cento do eleitoradonacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, comnão menos de três décimos por cento dos eleitores de cadaum deles."(7) Comissão de Direitos Humanos da ONU, UN HumanRights Commission, Report of the Special Rapporteur onExtrajudicial, Summary or Arbitrary Executions in Brazil(Asma Jahangir), 28 de janeiro de 2004, p.6, em:http://193.194.138.190/huridocda/huridoca.nsf/e06a5300f90fa0238025668700518ca4/2c5ea570c1663aacc1256e5200338ca9/$FILE/G0410598.doc).(8) Constituição Brasileira, Artigo 6.º(9) Constituição Brasileira, Artigos 7.º e 9.º(10) Constituição Brasileira, Artigo 225)(11) Constituição Brasileira, Artigo 225(12) Constituição Brasileira, Artigo 215(13) Constituição Brasileira, Artigo 5.º XLVII(14) Smith, William C. and Messari, Nizar, Democracy andReform in Cardoso’s Brazil: Caught Between Clientelismand Global Markets? (1998) 33 The North-South Agenda,University of Miami, pág. 1 a 8.(15) Page, Joseph A., The Brazilians. Reading/MA:Addison-Wesley, 1995, pág. 243(16) Gasparotto, Rafael, In Brazil, 82 Murders a Day, for 20Years, Brazzil Magazine, Los Angeles, abril de 2004, emh t t p : / / w w w. b r a z z i l . c o m / c o n t e n t / v i e w / 1 7 4 2 / 5 2 /(17) Teixeira, Ib, Dissonância, O Globo, Rio de Janeiro, 4 deabril de 2002(18) Ver Marcus, Alan. Brazilians, Those Barbarians!Brazzil Magazine, Los Angeles, 12 de abril de 2004, em:h t t p : / / w w w. b r a z z i l l o g . c o m / 2 0 0 4 / h t m l / a r t i c l e s /a p r 0 4 / p 11 5 a p r 0 4 . h t m(19) Zobel, Gibby. Lawless Rio: Chief Police Admits defeatas Criminal Rampage. The Guardian, Londres, 19 de maiode 2003(20) Teixeira. op. cit.(21) Chetwynd, Gareth. Deadly Setback for a Model Favela,The Guardian, Londres, 17 de abril de 2004, emh t t p : / / w w w. g u a r d i a n . c o . u k / b r a z i l / s t o r y /0 , 1 2 4 6 2 , 11 9 3 7 6 3 , 0 0 . h t m l(22) Cristaldo, Janer. In Brazil, Criminals are our Heroesand Saints. Brazzil Magazine, Los Angeles, 11 de maio de2004, em: http://www.brazzil.com/content/view/1774/59/(23) Sunday Herald Sun, Massacre in Rio: RoguePolice Kill 30, Melbourne, 3 de abpril 2005, na pág. 44.Da mesma forma, José Vicente da Silva, um

ex-secretário federal de Segurança, afirma que"as coisas estão ficando cada dia piores" e considera"precário" o controle das autoridades em muitasregiões da cidade.(24) Zobel. op. cit.(25) Ituassu, Arthur. Organized Crime Shows the WorldWho’s the Boss in Brazil, Brazzil Magazine, Los Angeles,17 de maio de 2006, em:h t t p : / / w w w. b r a z z i l . c o m / c o n t e n t / v i e w / 9 6 0 2 / 7 8 /(26) Ver Carvalho, Olavo de. A Nova Era e a RevoluçãoCultural, Rio de Janeiro: Instituto de Artes Liberais/StellaCaymmi Editora, 1994(27) Ver Kelsen, Hans. The Communist Theory of Law,Londres: Stevens & Sons, 1955, págs. 45 e 102(28) Op. cit., pág. 244(29) Unger, Brooke. Not-so-swift Justice: How toReform Brazil’s Justice, The Economist, 25 de março de2004, pág. 30.(30) Ver Pinter, Silvia. O Alto Preço da Violência Brasileira,Entrevista com Ib Teixeira, A Notícia, Joinville, 3 defevereiro de 2002, em:h t t p : / / w w w. a n . c o m . b r / 2 0 0 2 / f e v / 0 3 / 1 g e r. h t m(31) Dahrendorf, Ralf, Law and Order, London: Stevens& Sons, 1985, pág. 30(32) Pinter, op. cit.(33) Organização dos Estados Americanos (OEA), Reporton the Situation of Human Rights in Brazil. Inter-American Commission on Human Rights (1997), em:http://www.cidh.oas.org/countryrep/ brazil-eng/index%20-%20brazil.htm(34) Como prova de que o crime é também um problemamoral, Peter Hitchens demonstra em seu interessanteThe Abolition of Liberty que os maiores níveis decriminalidade em sua nativa Inglaterra ocorreramnuma época de rara prosperidade, hospitais públicose bem-estar social. Em 1931, época de crise econômica,ele mostra que o número de crimes era de apenas159 mil, enquanto que a população ficava em39,948 milhões. Enquanto a "rica" Inglaterra viasua população crescer para apenas 53,137 milhões e oíndice de criminalidade ir para os espantosos5,2 milhões. – Hitchens, Peter, The Abolition of Liberty:The Decline of Order and Justice in England, Londres:Atlantic Books, 2003, pág. 14(35) Prunes, Cândido Mendes. Frouxos de Riso,Rio de Janeiro: APPADI, agosto de 2004, em:http://www.midiasemmascara.org/ artigo.php?sid=2452(36) op. cit(37) Hite, Katherine e Morlino, Leonardo. Problematizingthe Links Between Authoritarian Legacies and ‘Good’Democracy. Em K. Hite e P. Cesarini (eds), ‘AuthoritarianLegacies and Democracy in Latin America and SouthernEurope’, Notre Dame: University of Notre Dame Press,2004, pág. 59(38) Goetz, Paul A. Is Brazil Complying with theU.N. Convention on the Rights of the Child? (1996) 10Temple International and Comparative Law Journal 147,pág. 148)(39) Departamento de Estado Americano.1999 CountryReports on Human Rights Practices – Brazil, Bureau ofDemocracy, Human Rights, and Labour, fevereiro de 2000,em: http://lanic.utexas.edu/lance/courses/jacobi/l a s 3 1 0 / re s o u rc e s / h u m a n % 2 0 r i g h t s - % 2 0 b r a z i l . h t m )(40) Kanitz, Stephen. Polícia e Segurança, Revista Veja,ed.1714, Ano 34, número 33, 22 de agosto de 2001, pág. 15(41) Departamento de Estado americano, 2004 CountryReports on Human Rights Practices – Brazil, Bureau ofDemocracy, Human Rights, and Labour, 21 de fevereiro de

2004, em: http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2003/27888.htm(42) Chevigny, Paul. Defining the Role of the Policein Latin America. Em J.E. Méndez, G. O’Donnelle P.S. Pinheiro, ‘The (un)Rule of Law and theUnderprivileged in Latin America’, University of NotreDame, 1999, pág. 53(43) Human Rights Watch. Police Brutality in Brazil, abrilde 1997, em: http://www.hrw.org/reports/1997/brazil/(44) id(45) Herald Sun, Justice in Brazil, Melbourne, 18 denovembro de 2003(46) Herald Sun, Massacre in Rio, op. cit(47) Constituição Brasileira, Artigo 5.º, III(48) Constituição Brasileira, Artigo 5.º, XLIII(49) Human Rights Watch. Behind Bars in Brazil.1.º de dezembro de 1999, em:h t t p : / / w w w. h r w. o rg / re p o r t s 9 8 / b r a z i l /(50) id(51) op. cit(52) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit(53) Karatnycky, Adrian et al. Freedom in the World: TheAnnual Survey of Political Rights & Civil Liberties, NovaYork: Freedom House, 2003, pág. 108(54) Behind Bars, op. cit.(55) Constituição Brasileira, Artigo 5.º, XLVIII(56) Behind Bars, op. cit.(57) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.(58) Human Rights Watch, Behind Bars in Brazil,op. cit.(59) Id.(60) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.(61) Unger, op. cit.(62) Ver Prillaman, William C., The Judiciary andDemocratic Decay in Latin America: DecliningConfidence in the Rule of Law, Westport/Londres:Praeger, 2000, pág. 96(63) Vasconcelos Luciana. Kids in Brazil: Great Law is notEnough, Brazzil, Los Angeles, Julho de 2004, em:h t t p : / / w w w. b r a z z i l . c o m / c o n t e n t / v i e w / 1 9 9 3 / 5 1 /(64) op. cit.(65) op. cit.(66) op. cit., na pág. 258(67) Constituição Brasileira, Art. 228(68) Pinter, op. cit.(69) Penna, J.O. de Meira, From and Age of War to an Ageof Crime: The Case of Brazil, Boletim do Institute forStrategic Studies da Universidade de Petrória, África doSul, 1997, em: http://www.meirapenna.org/e n / p u b l i c a t i o n s / f ro m _ t h e _ a g e _ o f _ w a r _ t o _ a n _ager_of_crime.htm(70) UN-Habitat; State of the World’s Cities: Trends inLatin America & the Carribean – 2004. em:h t t p : / / w w w. u n h a b i t a t . o rg / m e d i a c e n t re / d o c u m e n t s /sowc/RegionalLAC.pdf(71) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.(72) Id.(73) Id.(74) The Guardian, Child Abuse Report Names BrazilElite. Londres, 10 de julho 2004, em: http://www.guardian.co.uk/brazil/story/0,12462,1258071,00.html(75) ONU, United Nations Expert Concerned About Lackof Access to Justice in Brazil, United Nations PressRelease, 1.º de novembro de 2004, em:h t t p : / / u n h c h r. c h / h u r i c a n e . n s f / 0 / B 6 5 1 8 C 5 E A 4 2 0 0 5ABC1256F00386FBF?opendocumenthe(76) OEA , op. cit.(77) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.

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(78) Blaney, Joanne, Condemned City Council Membersand Businessmen Freed in Porto Ferreira. Brazil JusticeNet, 20 de junho de 2006, em:h t t p : / / w w w. b r a z i l j u s t i c e . o rg / re c e n t _ n e w s l e t t e r s . h t m(79) The Guardian, op. cit.(80) Id.(81) Goetz, op. cit.(82) op. cit., pág. 262(83) Rizzini, Irene, Children in the City of Violence:The Case of Brazil. Em: K. Rupesighe e M. Rubio (eds.),‘The Culture of Violence’, Tokyo: United NationsUniversity Press, 1994, pág. 269(84) Page, op. cit., pág. 266(85) Rizzini, op. cit., pág. 269(86) Ver Prillaman, op. cit., pág. 96(87) Constituição brasileira, Art. 5.º)(88) Constituição brasileira, Art 226(89) OEA, op. cit(90) op. cit(91) Lôbo, Irene, A Woman is Beaten Every 15 Seconds inBrazil, Agência Radiobrás, Brasília, 25 de novembro de2005, em: http://internacional.radiobras.gov.br/ingles/materia_i_2004.php?materia= 248261&q=1&idiomaIG(92) Jorge, Cecília, Inauguration of Telephone Exchange forComplaints of Violence Against Women, AgênciaRadiobrás, Brasília, 25 de novembro de 2005, em:h t t p : / / i n t e r n a c i o n a l . r a d i o b r a s . g o v. b r / i n g l e s /materia_i_2004.php?materia=248252 &q=1&idioma=IG(93) Ibid(94) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.(95) Downie, Andrew, A Police Station of their Own.The Christian Science Monitor, 20 de julho de 2005, em:h t t p : / / w w w. c s m o n i t o r. c o m / 2 0 0 5 / 0 7 2 0 /p15s02-woam.html(96) Lôbo, op. cit.(97) Constituição Brasileira, Art. 7.º(98) Op. cit(99) Id.(100) Downie, op. cit.(101) Constituição brasileira, Art.7.º, IV(102) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.(103) Ver Neves, Francesco, Five Million Kids StillWorking in Brazil. Brazzil Magazine, Los Angeles,outubro de 2003, em:h t t p : / / w w w. b r a z z i l . c o m / c o n t e n t / v i e w / 1 0 7 7 / 2 7 /(104) Chagas, op. cit.(105) Brown, Paul, Shame of Slavery Blights Brazil’sInterior, The Guardian, Londres, 19 de julho de 2004, em:h t t p : / / w w w. g u a r d i a n . c o . u k / i n t e r n a t i o n a l /story/0,3604,1264080,00.html(106) Id.(107) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.(108) Ver Kingstone, Steve, Brazil Slavery Damned byReport. BBC News. 19 de julho de 2004, em:http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/3908271.stm(109) Brown, op. cit.( 11 0 ) Chagas, op. cit.( 111 ) Ver Hayes, Richard, Red Tape is Choking Brazil.Brazzil Magazine, Los Angeles, 21de fevereiro de 2005,em: http://brazzil.com/content/view/8949/76/(112) Ver Oppenheimer, Andres, Too Much Red TapeLeaves Brazil’s Economy Lagging, HACER – HispanicAmerican Center for Economic Research, setembro de2005, em: http://www.hacer.org/current/Brazil053.php(113) Miles, Marc A. et al, 2006 Index of EconomicFreedom, The Heritage Foundation & The Wall StreetJournal, 2006, pág. 120.( 11 4 ) OEA, op. cit.

( 11 5 ) Constituição Brasileira, Art. 231(116) Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, Curso de DireitoConstitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 367( 11 7 ) Isaacs, Allan (ed.); Dictionary of World History.Oxford: Oxford University Press, 2000, pág. 221(118) Constituição Brasileira, Artigo 231, Parágrafo 2(119) Barroso, Luis Roberto Barroso, The Saga of IndigenousPeople in Brazil: Constitution, Law and Policies (1995),7 St. Thomas Law Review 645, pág. 660(120) Departamento de Estado Americano, 2004, op. cit.(121) Id.(122) Valenta, Lisa, Disconnect: The 1988 BrazilianConstitution, Customary International Law,and Indigenous Land Rights in Northern Brazil (2003),38 Texas International Law 643, pág. 658(123) Departamento de Estado americano (2004), op. cit.(124) Valenta, op. cit., pág. 658(125) oimbra Jr., Carlos E. et al, The Xavánte inTransition: Health, Ecology, and Bioanthropology inCentral Brazil, Ann Arbor: The University of MichiganPress, 2002, pág. 2(126) Ver Martins, Ives Gandra da Silva, O RetrocessoDemocrático. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro 26 de agostode 2004, pág. A13.(127) Veja, Um Desastre de Lei, São Paulo, 13 de outubrode 2004, pág. 34(128) Id.(129) Para mais informações sobre a Lei da Ancinav Bill verMesquita, Fernão Lara de; O Golpe da Ancinav. Boletimda APADDI, São Paulo, 19 de setembro 2004. Ver tambémKramer, Dora, A Persistência do Arbítrio, Jornal do Brasil,Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2004, pág. A2(130) American TFP, Lula Watch, Vol.1, N.10, 6 de junhode 2003, pág. 13(131) Downie, Andrew, In un-P.C. Brazil, a List of 96Offensive Terms Causes Offence, USA Today,16 de maio de 2005, em: http://www.usatoday.com/news/world/2005-05-16-un-pc-brazil_x.htm(132) Secretaria Especial de Direitos Humanos,Politicamente Correto & Direitos Humanos, Brasília,maio de 2005(133) Ribeiro, João Ubaldo, Brazilians, Raise Up and Swearwith Me! Brazzil Magazine, Los Angeles, 5 de maio de2005, em: http://brazzil.com/content/view/9052/76/(134) Constituição brasileira, Art. 5º IV e IX(135) Leitão, Miriam, Sem Explicação. O Globo,Rio de Janeiro, 19 de julho de 2005, pág. 2(136) Kramer, Dora; Onda de Obscurantismo. Jornal doBrasil, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2004, pág. A2(137) Kramer, Dora; Bocas Fechadas em Ordem Unida.O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 de janeiro de 2003,pág. A2.(138) Human Rights Watch, Brazil: Journalist's ExpulsionUndermines Free Expression, Press Release, 12 de maio de2004, em: http://hrw.org/english/docs/2004/05/12/brazil8575.htm(139) Neves, Francesco, Brazil: Times Affair Fractures LulaAdministration. Brazzil Magazine, Los Angeles, maio de2004, em: http://www.brazzil.com/ content/view/1792/59/(140) Chetwynd, Brazil Expels New York Times Reporterfor Offensive Story, op. cit.(141) Nascimento, Elma-Lia, Brazil's Lula from Victim toVillain. Brazzil Magazine, Los Angeles, maio de 2004, em:http://www.brazzil.com/content/ view/1787/59/(142) Gonçalves Jr., Mário, Lula's Authoritarian Faux Pas:A Legal Perspective, Info Brazil, 15 de maio de 2004, em:http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/169(143) Reporters Without Borders, Reporters Without

Borders Protests against the Expulsion of New York TimesCorrespondent, 13 de maio em 2004, em:h t t p : / / w w w. r s f . o rg / a r t i c l e . p h p 3 ? i d _ a r t i c l e = 1 0 3 7 7(144) Id.(145) Ironicamente, qualquer decisão sobre essa proposta delei foi adiada ad infinitum graças aos muitos escândalos decorrupção que abalaram o governo do presidente Lula daSilva, incluindo um esquema de compra de votos para aaprovação no Congresso dessa e de outras leis controversas.Para mais informações, ver Zimmermann, Augusto,Corruption: That's the Way Things are Done in Brazil,HACER (The Hispanic-American Center for EconomicResearch), Arlington/VA, setembro de 2005, em:h t t p : / / w w w. h a c e r. o rg / c u r re n t / B r a z i l 0 8 3 . p h p(146) Ver Haussen, Doris Fagundes, Radio and Populismin Brazil – The 1930s and 1940s.Television & New Media, Vol.6, N.3, Agosto de 2005,págs. 256-57.(147) Dines, Alberto, Press Too Cozy to Power in Brazil.Brazzil Magazine, maio de 2004, em: http://www.brazzil.com/2004/htmil/articles/may04/p.138may04.htpm(148) Rohter, Larry; Plan to Tame Journalists just stir themup in Brazil. The New York Times, Nova York, 6 desetembro de 2004, pág. A6(149) Id.(150) Martins, op. cit.(151) Ver Gaspar, Malu, O Fantasma do Autoritarismo,Revista Veja, São Paulo, 18 de agosto de 2004, pág. 49(152) Id.(153) Hall, Kevin G., Proposal to License Journalists inBrazil Sparks Outcry, The Kansas City Star, Kansas City,15 de setembro de 2004, em: http://the-daily-planet.ca/content.php?id=134(154) Reporters Without Borders, Reporters WithoutBorders Suspended for One Year from UN Commission onHuman Rights, United Nations, 24 de julho de 2003, em:h t t p : / / w w w. r s f . o rg / a r t i c l e . p h p 3 ? i d _ a r t i c l e = 7 6 1 9(155) Ver Buhrer, Jean-Claude; Wheeling and Dealing –UN Commission on Human Rights Loses All Credibility.Reporters Without Borders, julho de 2003(156) Para comparar, a decisão recebeu a oposição de paísescomo Austrália, França, Alemanha, Irlanda, Suécia, ReinoUnido e Estados Unidos(157) Em 2003, o presidente Lula visitou Cuba para prestarseu apoio incondicional ao ditador Fidel Castro, um lídercomunista cujas afinidades ideológicas com muitosmembros do partido governista é um fato bem conhecido noBrasil. Lula também visitou a Líbia em dezembro de 2003.Ao revelar as razões da visita, ele descreveu o coronelGadhafi como um amigo próximo, cujos "bons conselhos"ele apreciou bastante. Ver Rosenfield, Denis L.,Princípios e Produtos, O Estado de S. Paulo, São Paulo,15 de dezembro de 2003, pág. A9(158) Ver: O Estado de S. Paulo; NYT Critica Posição doBrasil, São Paulo, 19 de abril de 2003, emhttp://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp230420036.htm Ver também: Seabra, Catia eCruvinel, Tereza; Lula: Não vou dar Palpite na Política deCuba. O Globo, Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2003, em:h t t p : / / c l i p p i n g . p l a n e j a m e n t o . g o v. b r / N o t i c i a s . a s p ?NOTCod=82080(159) Nunes, Augusto; Samba ou Salsa? Jornal do Brasil,Rio de Janeiro, 23 de abril de 2005, em:http://jbonline.terra.com.br/jb/papel.colunas/a u g u s t o / 2 0 0 5 / 0 4 / 2 3 / j o rc o l a u g 2 0 0 5 0 4 2 3 0 0 2 . h t m l(160) Da Silva, Roberto Romano; PT Über Alles eHomem Cueca, Correio Popular, Campinas, 12 de julhode 2005, pág. 4

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