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ENTRE A VONTADE DE SABER E O EXERCCIO DE ENSINAR: NARRATIVAS
DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA EM CINCIAS BIOLGICAS SOBRE
SEXUALIDADES
Eduardo Barreto da Silva (Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS)
Marco Antnio Leandro Barzano (Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS)
Resumo: Investigar a sexualidade, bem como a educao sexual, antes de tudo mergulhar
sobre nossas prprias percepes e disposies acerca da nossa prpria sexualidade. Assim,
buscamos empreender neste estudo nossos olhares sob o (des)conhecido currculo vivo da
Universidade Estadual de Feira de Santana construindo leituras, caminhos e ideaes sobre o
tema da formao de professores/as em Educao Sexual. Atravs do mtodo do grupo focal,
investigamos como os/as estudantes de licenciatura em Cincias Biolgicas produzem
diversas percepes acerca da formao de professores/as em educao sexual, em meio s
mais diversas subjetividades e pedagogias prprias ao curso. Assim, percebemos a
importncia de dar voz ao/ outro/a, enunciando os sentidos do ser docente em suas
mltiplas identidades.
Palavras-chave: Educao Sexual; Formao de Professores; Grupo Focal
Visitando a prpria casa
Visitar a prpria casa. Este foi o sentido que permeou as vrias etapas deste estudo
como uma constante reflexo sobre a formao de professores em uma universidade no
interior baiano. Por cenrios antes triviais e sujeitos ntimos de nossa experincia cotidiana,
este estudo oportunizou a imerso dos pesquisadores sobre a casa, que aqui se faz meno, na
condio de residentes-investigadores, apresentando como meta: procurar os possveis
caminhos estudantis sob o horizonte da educao sexual em um curso de licenciatura em
Cincias Biolgicas.
Sem qualquer prerrogativa de neutralidade possvel, destacamos que esta anlise vai
busca da percepo de outros, mas concomitantemente segue as nossas tambm, logo, a casa,
que aqui se faz referncia, habitada por ns. Durante esta visita, medida que
exercitvamos nosso olhar, tentamos ir ao encontro dos muitos cmodos dessa residncia,
escarafunchando cantos desconhecidos at por ns mesmos. Assim, declaramos que o
interesse em investigar a temtica da sexualidade produto destas experincias como
aprendizes e formadores em meio aos diversos espaos formais e no formais oportunizados
pela universidade.
1685
Como primeiras reflexes sobre o tema, este trabalho busca expressar de maneira
breve nossos estudos sobre a sexualidade em sua historicidade, problematizando-a como uma
produo social e discursiva, que atua cotidianamente sobre os sujeitos. Por conseguinte, esta
mesma concepo nos far impelir o olhar sobre aqueles tambm especficos educao
sexual, em meio complexa estrutura discursiva da sexualidade realizada nas mais diversas
instncias sociais.
Assim, movidos por essas leituras, relatamos finalmente visitao de nossa prpria
casa: o curso de Cincias Biolgicas da Universidade Estadual de Feira de Santana. Por esse
encontro, nos foi possibilitado encontrar atravs do mtodo do grupo focal, com estudantes do
curso, alguns dos cenrios e atores que envolvem as mais diversas interfaces entre a formao
e as pedagogias prprias a este local. Buscando apresentar os resultados deste interessante
encontro, utilizamos como categorias centrais anlise das falas dos estudantes os seguintes
temas: a polissemia e as discursividades acerca da sexualidade, a sexualidade na escola e
formao/atuao em Educao sexual.
Sexualidades e Pedagogias: A Sexualidade a partir de Foucault
Guardando-se apenas alguns instantes tarefa de procurar o que se diz atualmente
acerca do sexo, indubitavelmente conseguiremos perceber a intensa produo discursa sob os
nossos corpos, prazeres, fantasias e comportamentos marcados por ares de normatizao e
padronizao. Acerca destes, (re)produzidos cotidianamente por sujeitos, mdias e
instituies, empreenderemos o exerccio realizado por tericos, como Foucault, pondo-os em
suspenso para fins de suspeita e anlise acerca de suas origens, expanses, encadeamentos e
efeitos de poder. Apesar de alguns nos levarem a pensar o contrrio, de que a sexualidade
essencialmente pode ser determinada ou at mesmo prevista e, portanto, uma coisa
simplesmente natural, ela mesmo isto: uma elaborada construo humana, repleta de signos
e significados em torno do sexo ao longo da histria.
Mas a sexualidade no era at ento algo natural? Que implicao h em dizermos que
a sexualidade natural, parte da essncia do ser humano, algo imutvel e constante em nossos
corpos? A extino de uma srie de questionamentos feitos sobre a sexualidade a partir de
olhares histricos, sociais e polticos que venham a conceb-la como uma construo humana.
Logo, defendemos a percepo de sexualidade como abertura em si, que apesar de
contingente historicamente no est posta em ns, nem mesmo cristalizada em uma s forma
ou uma s funo. Segundo Louro (1999, p. 11), a concepo da sexualidade como algo
1686
natural advm da noo de relao entre corpo e sexualidade: assim, o corpo, suposta
matriz de nossos prazeres, torna-se princpio fundador de uma s sexualidade.
Para avanarmos mais compreenso do que vem a ser a sexualidade, passaremos a
analisar esta sob o olhar daqueles que por muito tempo erigiram o saber sobre o sexo atravs
de inmeras precaues meticulosas e observaes infindveis: o olhar dos cientistas e
tericos sobre o sexo - scientia sexualis.
De acordo com Foucault (1988), percebemos que o discurso sobre o sexo sofre
importantes transformaes, at a chegada de um massivo discurso cientfico sobre este, ao
qual ele denomina de scientia sexualis. Em sntese, percebemos em sua obra que a colocao
do sexo em sua forma discursiva torna-se atividade cada vez mais intensa e refinada a partir
do sculo XVII, primeiramente, vinculada aos religiosos cristos, em sua inabalvel busca de
combater o pecado da carne entre os fieis, atravs das rigorosas confisses e, por outras vezes,
por escritores libertinos que produziam suas obras em busca de fantasias erticas.
De acordo com Foucault (1988), a passagem do sculo XVIII para o sculo XIX
envolver o cenrio de quando percebemos que de fato, o sexo e a produo dos discursos em
torno dele, se tornam integrados aos mecanismos prprios da scientia sexualis e, mais
especificamente, da instituio mdica. Para exemplificar melhor esse perodo, percebemos
importantes registros na histria da sexualidade, como: a inaugurao do domnio das
perverses sexuais e a teoria da degenerescncia. neste perodo ento que a regulao
do sexo, a produo de saberes, verdades e diretrizes atravs de um discurso institucional ir
compor em nossa sociedade os principais meios autorizados de se falar sobre o sexo.
A scientia sexualis, atravs do mtodo cientfico, se torna ento o caminho pelo qual
chegamos ao conhecimento da sexualidade humana? Este talvez tenha sido o principal
argumento de profissionais sexlogos e doutores que advogavam em prol de uma cincia do
sexo, de que essa poderia apenas ser desenvolvida pela razo e pelo mtodo cientfico e que
nela encontraramos a verdade de ns mesmos.
No entanto, o que percebemos de toda a produo de discursos sobre o sexo,
realizados em sua maioria por mdicos e psiquiatras, constituindo-o como objeto de verdade,
foi uma imperiosa declarao da normatizao do sexo, catalogando-o em todos os seus
desvios, patologias e tratamentos (FOUCAULT, 1988).
A partir destes pontos, partiremos a seguir a uma sistematizao da anlise feita por
Foucault, destacando os principais traos ontolgicos da sexualidade apresentada at o
momento.
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Primeiro, a reflexo sobre o que chamamos hoje de sexualidade, do ponto de vista de
uma anlise histrica, poltica e social, feita sobre a trajetria da sociedade ocidental em
relao ao sexo a partir de Foucault, nos direciona a pens-la, no mais como essncia do ser
ou uma importante qualidade biolgica, mas sim como o resultado de uma antiga, e ainda
presente, produo discursiva em torno do sexo feito por instituies, enunciados, mdias e at
mesmo leis e organizaes arquitetnicas. Caso ainda haja alguma evocao sobre uma
hiptese de censura neste perodo, Foucault (1988, p. 29) nos diz: Censura sobre o sexo?
Pelo contrrio, constitui-se uma aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo, cada vez
mais discursos, susceptveis de funcionar e de serem efeito de sua prpria economia.
Segundo: A rede discursiva, a que chamamos de sexualidade, produziu saberes que
podemos categorizar em quatro blocos estratgicos. De acordo com Foucault (1988), eles so:
Histerizao do corpo da mulher corpo carregado de sexualidade medida que esta
incumbida de manter sua fecundidade, ser elemento essencial famlia e produzir/cuidar de
sua prole; Pedagogizao do sexo da criana iminncia de uma sempre presente atividade
sexual nas crianas que deve ser vista como perigosa; Socializao das condutas de
procriao controle e regulao fecundidade dos casais e Psiquiatrizao do prazer
perverso normatizao de um instinto sexual bio-psicolgico regular, bem como suas
anomalias.
Terceiro: Toda esta produo discursiva em torno do sexo atrelada ao funcionamento
do poder; no aquele que postulam certos autores em uma s unidade ou conjunto, que de
modo soberano exerceria sua dominao sobre certo grupo de indivduos, como na figura do
Estado ou de um grupo de instituies. O poder, segundo Foucault (1988, p. 102) deve ser
percebido como: a multiplicidade de correlaes de fora imanentes ao domnio onde se
exercem e constitutivas de sua organizao. Assim, percebemos de imediato que o poder
mltiplo, inconstante e mvel, como assim o as correlaes de fora que permeiam toda a
trama social. Todas, como pontos de uma rede, constituem, atravs de efeitos combinados,
encadeados, invocados ou, por outro lado, resistidos, opostos, refletidos no cenrio estratgico
de uma sociedade.
Assim, atravs destes posicionamentos tericos, debruamo-nos diante de toda a
produo discursiva em torno do sexo na anlise das relaes de poder que acaba por produzir
verdades, saberes e controles, de modo a investigar quais seus interesses, suas relaes e
funes na complexa rede de saber-poder. Investigar tanto os contextos locais em relao s
grandes estratgias, como tambm o contrrio, para compreendermos como estes se
condicionam reciprocamente.
1688
Na procura de datar os primeiros vestgios do processo de educao sexual em nossa
sociedade, compreendemos que primeiramente este no pode ser identificado unicamente
como aquele realizado em espaos escolares, atravs de discursos prprios educao. Diante
disto, acreditamos que quando pensamos sobre educao sexual, devemos ir tambm ao
encontro das prticas discursivas, rituais simblicos e os inmeros mecanismos de
socializao da cultura existentes em nossa sociedade, que versam sobre o corpo e seus
prazeres (ALFERES, 1996).
De maneira concomitante, muitas instituies tambm exerceram a funo de falar
sobre o sexo atravs de discursos especficos, assim como tambm administr-lo. Dentre
estas, destacamos a atuao das instituies escolares, que no menos do que outras, tiveram
papel importante sobre uma rede de saber-poder referente sexualidade, em especial sobre
aquela da criana e do adolescente.
De fato, a educao sexual praticada cotidianamente nos moldes atuais se caracteriza
por formar uma unidade discursiva hbrida, voltada de maneira intensiva ao corpo, prazer e
comportamento dos sujeitos. No entanto, no exclusivamente, em meio s instituies
escolares, autores afirmam que a educao sexual praticada nas escolas notavelmente
herdeira de um insidioso discurso mdico-biolgico sobre a sexualidade (COSTA e SOUZA,
2003). O resultado desta herana no apenas provocou a supresso dos inmeros
condicionantes sociais e culturais que envolvem a compreenso sob a construo de
sexualidade, como tambm o motivador de um vis hegemnico de explanao antomo-
fisiolgico dos aparelhos reprodutores humanos, aliado identificao dos principais mtodos
contraceptivos e preventivos das doenas sexualmente transmissveis (DST).
Como era de se esperar, a educao sexual adquirindo no s uma linguagem
especfica requereu tambm a presena de seus atores especficos: professores/as de cincias e
biologia autorizados a falar sobre educao sexual. Desde o encaixotamento da educao
sexual nos dizeres mdicos-biolgicos, reconhecemos a permanente campanha de
naturalizao do papel do professor/a de cincias/biologia para este encargo. Negando
inicialmente uma simples afinidade como resposta entre os dois elementos em questo,
buscamos direcionar nossa reflexo respeito do prprio dispositivo da sexualidade: aquele
que em seu prprio funcionamento constitutivo de relaes de poder para com o saber sobre
o sexo. Assim, a escola, no isenta desta rede de poder, produz de maneira semelhante seus
saberes e atores autorizados, como podemos perceber nas consideraes de Cruz (2008):
1689
Apesar dos documentos oficiais [...], deixarem claro que essas
discusses devem estar presentes na escola como um todo, de maneira
transversal, nas prticas cotidianas as crianas e adolescente ainda
vem as aulas de cincias (com todas as suas limitaes) como um
espao no qual as questes sobre sexo/sexualidade podem aflorar
(CRUZ, 2008, p. 1).
O que fazer diante este cenrio preocupante, onde simultaneamente percebemos
documentos oficiais estabelecendo a transversalidade da Educao Sexual e grande parte das
escolas, de forma naturalizada, elegendo eleitos no tratamento desta temtica? Certamente
crticas poderiam ser feitas em ambas as direes, procurando justificativas e indcios de
como viemos nos deparar com tal paradoxo, porm este estudo nos leva a percorrer um
terceiro caminho: A educao sexual na formao inicial de professores/as, em especial,
professore/as de cincias biolgicas.
A incitao ao discurso atravs do mtodo
A partir da busca por encontros e desencontros que perfazem a relao do tema
Sexualidade e Educao Sexual e devido grande proximidade e afinidade dos pesquisadores,
escolhemos como lcus de investigao da pesquisa o curso de Cincias Biolgicas da
Universidade Estadual de Feira de Santana, na sua modalidade da Licenciatura. Percorrendo
nosso caminho metodolgico, partimos de um vis qualitativo de pesquisa utilizando-se do
mtodo do grupo focal como meio de produo e anlise das falas dos estudantes.
Buscando remeter-se a uma aproximao do que viria a ser um grupo focal, utilizamos
aquele feito por Barbour (2009, p. 21), como: Qualquer discusso de grupo pode ser
chamada de um grupo focal, contanto que o pesquisador esteja ativamente atento e
encorajando s interaes do grupo. De fato, o mtodo do grupo focal nos bem quisto
devido sua potencialidade de provocar entre os participantes em interao, a elaborao de
conjecturas sobre seus prprios conceitos, a enumerao de critrios para validao de seus
posicionamentos e finalmente a formulao de crticas sobre as representaes que os cercam.
Assim, a fim de colocarmos esses/as participantes em maior interao, realizamos
questionamentos pontuais durante o grupo focal para percebermos o desenho do que pode ser
designado neste estudo como jogo de discursos: o emergir de posicionamentos, crticas,
ideais e valores construdos nos participantes, a partir das diferentes conceituaes sobre
Sexualidade e Educao Sexual.
1690
Deste modo, os dados aqui apresentados so oriundos da realizao de um grupo focal,
com estudantes de licenciatura j em processo de concluso de curso (que tivessem ou no
proximidade com o tema proposto). Inicialmente, o grupo focal foi idealmente estruturado
como: um grupo pequeno, de no mximo seis pessoas, que tivesse sua heterogeneidade
originada sobre a composio de gnero, grau de experincia em espaos educativos e o
interesse, ou no, com os temas da Sexualidade e Educao Sexual.
A partir desse plano, o grupo focal realizado neste estudo se efetivou na participao
de trs pessoas, exclusivamente do gnero feminino; quanto ao restante dos participantes, os
mesmos justificaram sua ausncia devido ao surgimento inesperado de compromissos
profissionais ou pessoais concomitantes data do grupo focal; duas participantes j contavam
com experincias em sala de aula (escolas da rede pblica de ensino), enquanto a outra, no; o
interesse com o tema da Sexualidade e Educao Sexual foi exposto quando algumas
participantes declararam j terem trabalhado com os temas em seus respectivos trabalhos de
concluso de curso (TCC).
A partir do consentimento prvio dos participantes, registramos todo o grupo focal
atravs da utilizao de equipamento udio-visual, auxiliado por anotaes feitas por um dos
pesquisadores no decorrer do encontro. Sobre o plano de percurso durante o grupo focal,
utilizamos de um breve roteiro elaborado por ns contendo: acordos comuns feitos aos
participantes para o desenvolvimento de um grupo focal (Todos tm o direito de dizer o que
pensam e Ningum pode dominar a discusso, por exemplo) e tpicos-guias de
discusso que mesclassem questes recorrentes literatura do tema investigado (Onde
acontece a Educao Sexual? e A educao sexual deveria ser obrigatria na escola?, por
exemplo), no obstante aberto introduo de novos elementos pelos prprios participantes.
Uma casa e muitas histrias pra contar...
Ao procurar aproximar-se no grupo focal sobre os possveis elementos que
constituam a representao de sexualidade para o grupo, percebeu-se que cada estudante
emitiu em sua fala, de maneira personalizada, a produo de diferentes sentidos e posturas em
relao ao termo. Segundo a anlise das falas, percebemos que as palavras emitidas
manifestavam uma ampla extenso de posies acerca da sexualidade: como algo produzido
atravs da dimenso individual e subjetiva do sujeito, podendo, por exemplo, ser evidenciada
atravs de uma relao afetivo-amorosa com outrem: afinidade, sexo, prazer, escolhas;
como prtica cotidiana, Prazer, ouvir msica, comer, namorar, ver filmes, imersa, segundo
a prpria participante, em uma fundamentao de sexualidade encontrada na literatura que
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remete a tudo que nos d prazer; a eleio de elementos simblicos que iro denotar
questionamentos essencialmente socioculturais acerca da sexualidade, como Prazer,
educao sexual... represso e liberdade.
Esses conjuntos de diferentes sentidos, de maneira geral, representam os constituintes
que compem a polissemia sobre o conceito de sexualidade. Diante disto, argumentamos
neste estudo quais os efeitos desta complexa condio formao e atuao destes/as
futuros/as professores/as de cincias e biologia.
Observando que, mesmo cursando a mesma disciplina (BIO 605 - Sexualidade e
Educao) sobre sexualidade e educao sexual, o grupo mostrou-se ainda bastante
heterogneo acerca do termo, vinculamos este resultado ao efeito das diferentes trajetrias
pessoais das estudantes, como catalisadores centrais na produo de sentidos dados
sexualidade. De acordo com Louro (1999, pg. 12): somos sujeitos de muitas identidades.
Desta forma, percebemos que a imbricada relao entre as trajetrias singulares e as mltiplas
identidades coabita e d sentido ao lugar de onde falamos, e por este aspecto acabe por
influenciar as mais diversas questes de sexualidade de docentes, desde sua formao at a
sua atuao.
Sobre os efeitos acerca da prtica pedaggica destes/as estudantes, ponderamos que
estas representaes podero ser grandes norteadoras do trabalho docente destes/as futuros/as
professores/as, produzindo desta forma uma pluralidade de abordagens (FURLANI, 2011)
sobre o tema.
Passando agora s questes sobre a produo e regulao da sexualidade em nossa
sociedade ocidental, obtivemos junto ao grupo focal uma dupla anlise sobre este tema na
qual a sexualidade, e conjuntamente o gnero, se tornaram elementos primordiais em nossas
reflexes. O conceito de gnero, segundo os estudos feministas, advindo do enfrentamento
determinao natural-biolgica do comportamento de homens e mulheres na sociedade.
Logo, atribumos a utilizao do termo na nfase sobre a produo social e cultural sobre os
corpos, que atravs de mltiplas aprendizagens individualizam modos de se viver o gnero
(FAGUNDES, 2005).
Composto exclusivamente por mulheres, a exceo do pesquisador, o grupo focal
evidenciou os mais diversos efeitos discursivos sobre a produo de um corpo feminino.
Segundo uma das participantes, a mulher [...] era muito reprimida, ainda n, mas era pior.
Ento, isso [a sexualidade] significava pra ela uma coisa que era um assunto que ela no
poderia tocar, entendeu? Porque isso faria que com ela fosse recriminada diante da
sociedade... at mesmo os homens ficariam sem jeito de discutir isso com mulher.
1692
Segundo a fala, percebemos que a colocao da represso sobre a mulher bastante
evidente, tanto de uma forma subjetiva, quando o prprio corpo se torna autodisciplinado
atravs da interdio, quanto nas relaes sociais, atravs de uma permanente vigilncia sobre
esse. Alm disso, mesmo categorizando o passado como um perodo de maior represso
sobre a mulher, percebeu-se em um momento a nfase sobre sua marcante continuidade ainda
no presente: A [depois de declarar que fez sexo no dia do orgasmo] todo mundo fez aquela
cara assim, como se fosse uma coisa de outro mundo uma mulher falar que tem orgasmo!.
Mesmo buscando neste estudo enfatizar os mecanismos produtivos sobre o gnero e a
sexualidade, ns pesquisadores no pretendemos incorrer no erro de declarar que a represso
inexiste e to pouco que sua discusso em cursos de educao sexual seja abandonada. Como
elucida o prprio Foucault (1988, p. 17): necessrio deixar bem claro: no pretendo
afirmar que o sexo no tenha sido proibido, bloqueado, mascarado ou desconhecido desde a
poca clssica; nem mesmo afirmo que a partir da ele o tenha sido menos do que antes. No
digo que a interdio do sexo uma iluso.
Conforme desenhvamos ideias e conjecturas sobre as questes de sexualidade,
passamos, pouco a pouco, a buscar aproximaes com contexto(s) que nos so mais ntimos,
neste caso, os ambientes educativos. Durante a discusso, onde instituies sociais eram
vinculadas produo discursiva sobre a sexualidade, uma das participantes menciona a
escola: na escola que a maioria das pessoas fazem [discursos sobre a sexualidade] em
momentos informais... no em sala de aula, aula de cincias, mas nas conversas assim... a
escola o espao que mais se discute sexualidade, e discute assim sem pudores.
Inicialmente, devemos enfatizar nossa descrena noo de funo
dessexualizadora da escola (SACADURA, 1996), defendida com base na anlise dos
princpios morais burgueses que supostamente influenciaram inmeras instituies, como a
escola.
Assim sendo, partimos a um posicionamento diferente que vai de encontro fala das
participantes ao perceber que a escola se institui como um espao privilegiado sobre a
construo da pedagogizao do sexo da criana. Construo esta que se faz por meio de
inmeros mecanismos discursivos, que de acordo com Foucault (1988) no podem ser
percebidos de forma isolada, como elementos independentes, mas sim imersos em uma
complexa teia de saberes sobre o sexo da criana.
Assim, entender estes aspectos em suas implicaes curriculares torna a discusso
sobre a formao de professores em educao sexual re-significada: professores tornam-se
mais do que simples transmissores do conhecimento estabelecido e assumem a posio de
1693
atores, que em meio s relaes de poder, so responsveis por perceber e produzir discursos
s margens daqueles institucionais, discursos sobre sexualidades, discursos sem pudores.
Re-afirmando esse novo horizonte de ao, uma das participantes destaca o papel
transformador da escola, quando diz: Eu acho que a escola tem um potencial muito grande
de talvez, tirar os preconceitos que ainda existem, e tabus, s que eu acho que ela ainda no
usa isso.
Atravs de todas essas reflexes, seguiremos nosso relato destacando ainda mais o
contexto da Universidade Estadual de Feira de Santana a fim de cumprirmos o objeto
proposto por esse estudo. Inicialmente, para as estudantes, as falas produzidas durante o grupo
focal caracterizaram a universidade como um lugar privilegiado, assim como aqueles que l
se encontram cotidianamente: Dentro da universidade, querendo ou no, h um grupo um
pouco favorecido, no s pelas condies que temos aqui, mas pelas discusses feitas aqui.
Evidentemente, destacamos a importncia das universidades em relao s atividades em
educao sexual, atravs de sua potencialidade de amplo debate sobre questes de difcil
acesso ou aceitao em instituies mais tradicionais. Ainda de acordo com Melo e Santana
(2005, pg. 156), em pesquisa sobre sexualidade com estudantes universitrios da prpria
UEFS, a universidade, segundo os estudantes, oferece: diferentes vises de mundo, de sexo,
de sexualidade, por ser um espao que concentra pessoas de culturas diversas.
Deparando-se com este amplo panorama de encontro de saberes, questionamos s
participantes quais os lugares em que estas percebiam espaos de formao em sexualidade e
educao sexual fazendo uso do fluxograma de disciplinas do curso de Cincias Biolgicas
entregue durante o grupo focal. Como j era esperada, a disciplina Sexualidade e Educao,
foi eleita a disciplina mais direcionada temtica da sexualidade e educao sexual pelas
participantes.
De acordo com a ementa da mesma, essa se dirige de maneira geral : sexualidade
humana em seus aspectos bio-psico-sociais e a educao sexual para crianas, adolescente e
adulto. Durante as falas, as participantes destacavam que a formao sobre as questes de
sexualidade poderia ser mais eficaz caso houvesse um trabalho contnuo sobre a temtica
durante o curso, atravs da distribuio de temas relacionados sexualidade em semestres
diferentes. Alm disso, percebemos que as participantes acabaram significando a disciplina de
Sexualidade e Educao como uma verdadeira titulao acadmica: algo que viesse a
legitimar sua atuao sobre o trabalho de educao sexual nas escolas: Tipo, agora voc vai
ser professor de educao sexual... voc est pronto agora (ironia)!.
1694
Em contraposio ao olhar lanado a disciplina de Sexualidade e Educao, o grupo
pareceu unnime ao destacar a importncia do contato com o tema da sexualidade e educao
sexual durante o perodo do trabalho monogrfico de concluso de curso (TCC) para sua
formao: Eu acho que a contribuio maior foi pra mim mesma... eu tive vrios
conhecimentos de coisas que eu no sabia mesmo, coisas que eu s fui aprender quando eu
fui pesquisar mesmo.
Buscando superar a dicotomia construda pelo grupo focal ao analisar as contribuies
da disciplina e da pesquisa, defendemos o ponto de vista de autores, como Mariuzzo (2003),
que constroem uma profcua interdependncia entre os dois elementos ao colocar que cursos
de formao de professores devem fomentar a pesquisa sobre educao sexual incluindo
disciplinas especficas sobre sexualidade, conjuntamente quelas voltadas a metodologia
cientfica.
Qual a tua ao? Leituras e ideaes sobre questes de Sexualidade
Primeiramente, reconhecemos que a polissemia sobre o conceito de sexualidade, foi
bastante positiva ao carter desse estudo. Logo, no queremos construir uma suposta
fragilidade sobre estas representaes, mas sim admiti-las aqui como domnios mutveis, que
quando postos prova so passveis de novas conformaes. Adentrando multiplicidade de
discursos acerca da sexualidade, a inteira constituio feminina do grupo entrelaou muitas
das falas s questes de gnero evidenciando diversas posturas crticas em relao a grande
produo discursiva aos quais instituies educacionais, familiares e religiosas esto
inseridas.
Chegando escola, as participantes esquadrinharam aspectos relativos educao
sexual e o papel dos professores em meio a esta atividade reconhecendo a importncia de
significar a educao sexual perante os diversos espaos possveis escola, que para alm das
salas de aula, compem grande parte da educao sexual dos estudantes. Finalmente,
lanamos nossas consideraes experincia de se perceber as questes de sexualidade em
meio formao, marcada por grandes oportunidades a aqueles que buscam aprender sobre si
e sobre o prximo. Deste modo, perceptvel que o curso de cincias biolgicas da UEFS j
aponta avanos em relao problematizao da sexualidade aos/s licenciados/as, atravs de
suas disciplinas e espaos destinados pesquisa desta temtica.
Referncias
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