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 “ENTRE A VONTADE DE SABER E O EXERCÍCIO DE ENSINAR”: NARRATIVAS DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS SOBRE SEXUALIDADES Eduardo Barreto da Silva (Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS) Marco Antônio Leandro Barzano (Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS) Resumo: Investigar a sexualidade, bem como a educação sexual, é antes de tudo mergulhar sobre nossas próprias percepções e disposições acerca da nossa própria sexualidade. Assim,  buscamos empreender neste estudo nossos olhares sob o (des)conhe cido “currículo vivo” da Universidade Estadual de Feira de Santana construindo leituras, caminhos e ideações sobre o tema da formação de professores/as em Educação Sexual. Através do método do grupo focal, investigamos como os/as estudantes de licenciatura em Ciências Biológicas produzem diversas percepções acerca da formação de professores/as em educação sexual, em meio às mais diversas subjetividades e pedagogias próprias ao curso. Assim, percebemos a importância de dar voz ao/à outro/a, enunciando os sentidos do “ser docente” em suas múltiplas identidades. Palavras-chave: Educação Sexual; Formação de Professores; Grupo Focal Visitando a própria casa Visitar a própria casa. Este foi o sentido que permeou as várias etapas deste estudo como uma constante reflexão sobre a formação de professores em uma universidade no interior baiano. Por cenários antes trivia is e sujeitos íntimos de nossa e xperiência cotidiana , este estudo oportunizou a imersão dos pesquisadores sobre a casa, que aqui se faz menção, na condição de residentes-investigadores, apresentando como meta: procurar os possíveis caminhos estudantis sob o horizonte da educação sexual em um curso de licenciatura em Ciências Biológicas. Sem qualquer prerrogativa de neutralidade possível, destacamos que esta análise vai à  busca da percepção de outros, mas concomitantemen te segue as nossas também, logo, a casa, que aqui se faz referência, é habitada por nós. Durante esta visita, à medida que exercitávamos nosso olhar, tentamos ir ao encontro dos muitos cômodos dessa residência, escarafunchando cantos desconhecidos até por nós mesmos. Assim, declaramos que o interesse em investigar a temática da sexualidade é produto destas experiências como aprendizes e formadores em meio aos diversos espaços formais e não formais oportunizados  pela universida de. 1685 Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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  • ENTRE A VONTADE DE SABER E O EXERCCIO DE ENSINAR: NARRATIVAS

    DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA EM CINCIAS BIOLGICAS SOBRE

    SEXUALIDADES

    Eduardo Barreto da Silva (Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS)

    Marco Antnio Leandro Barzano (Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS)

    Resumo: Investigar a sexualidade, bem como a educao sexual, antes de tudo mergulhar

    sobre nossas prprias percepes e disposies acerca da nossa prpria sexualidade. Assim,

    buscamos empreender neste estudo nossos olhares sob o (des)conhecido currculo vivo da

    Universidade Estadual de Feira de Santana construindo leituras, caminhos e ideaes sobre o

    tema da formao de professores/as em Educao Sexual. Atravs do mtodo do grupo focal,

    investigamos como os/as estudantes de licenciatura em Cincias Biolgicas produzem

    diversas percepes acerca da formao de professores/as em educao sexual, em meio s

    mais diversas subjetividades e pedagogias prprias ao curso. Assim, percebemos a

    importncia de dar voz ao/ outro/a, enunciando os sentidos do ser docente em suas

    mltiplas identidades.

    Palavras-chave: Educao Sexual; Formao de Professores; Grupo Focal

    Visitando a prpria casa

    Visitar a prpria casa. Este foi o sentido que permeou as vrias etapas deste estudo

    como uma constante reflexo sobre a formao de professores em uma universidade no

    interior baiano. Por cenrios antes triviais e sujeitos ntimos de nossa experincia cotidiana,

    este estudo oportunizou a imerso dos pesquisadores sobre a casa, que aqui se faz meno, na

    condio de residentes-investigadores, apresentando como meta: procurar os possveis

    caminhos estudantis sob o horizonte da educao sexual em um curso de licenciatura em

    Cincias Biolgicas.

    Sem qualquer prerrogativa de neutralidade possvel, destacamos que esta anlise vai

    busca da percepo de outros, mas concomitantemente segue as nossas tambm, logo, a casa,

    que aqui se faz referncia, habitada por ns. Durante esta visita, medida que

    exercitvamos nosso olhar, tentamos ir ao encontro dos muitos cmodos dessa residncia,

    escarafunchando cantos desconhecidos at por ns mesmos. Assim, declaramos que o

    interesse em investigar a temtica da sexualidade produto destas experincias como

    aprendizes e formadores em meio aos diversos espaos formais e no formais oportunizados

    pela universidade.

    1685

  • Como primeiras reflexes sobre o tema, este trabalho busca expressar de maneira

    breve nossos estudos sobre a sexualidade em sua historicidade, problematizando-a como uma

    produo social e discursiva, que atua cotidianamente sobre os sujeitos. Por conseguinte, esta

    mesma concepo nos far impelir o olhar sobre aqueles tambm especficos educao

    sexual, em meio complexa estrutura discursiva da sexualidade realizada nas mais diversas

    instncias sociais.

    Assim, movidos por essas leituras, relatamos finalmente visitao de nossa prpria

    casa: o curso de Cincias Biolgicas da Universidade Estadual de Feira de Santana. Por esse

    encontro, nos foi possibilitado encontrar atravs do mtodo do grupo focal, com estudantes do

    curso, alguns dos cenrios e atores que envolvem as mais diversas interfaces entre a formao

    e as pedagogias prprias a este local. Buscando apresentar os resultados deste interessante

    encontro, utilizamos como categorias centrais anlise das falas dos estudantes os seguintes

    temas: a polissemia e as discursividades acerca da sexualidade, a sexualidade na escola e

    formao/atuao em Educao sexual.

    Sexualidades e Pedagogias: A Sexualidade a partir de Foucault

    Guardando-se apenas alguns instantes tarefa de procurar o que se diz atualmente

    acerca do sexo, indubitavelmente conseguiremos perceber a intensa produo discursa sob os

    nossos corpos, prazeres, fantasias e comportamentos marcados por ares de normatizao e

    padronizao. Acerca destes, (re)produzidos cotidianamente por sujeitos, mdias e

    instituies, empreenderemos o exerccio realizado por tericos, como Foucault, pondo-os em

    suspenso para fins de suspeita e anlise acerca de suas origens, expanses, encadeamentos e

    efeitos de poder. Apesar de alguns nos levarem a pensar o contrrio, de que a sexualidade

    essencialmente pode ser determinada ou at mesmo prevista e, portanto, uma coisa

    simplesmente natural, ela mesmo isto: uma elaborada construo humana, repleta de signos

    e significados em torno do sexo ao longo da histria.

    Mas a sexualidade no era at ento algo natural? Que implicao h em dizermos que

    a sexualidade natural, parte da essncia do ser humano, algo imutvel e constante em nossos

    corpos? A extino de uma srie de questionamentos feitos sobre a sexualidade a partir de

    olhares histricos, sociais e polticos que venham a conceb-la como uma construo humana.

    Logo, defendemos a percepo de sexualidade como abertura em si, que apesar de

    contingente historicamente no est posta em ns, nem mesmo cristalizada em uma s forma

    ou uma s funo. Segundo Louro (1999, p. 11), a concepo da sexualidade como algo

    1686

  • natural advm da noo de relao entre corpo e sexualidade: assim, o corpo, suposta

    matriz de nossos prazeres, torna-se princpio fundador de uma s sexualidade.

    Para avanarmos mais compreenso do que vem a ser a sexualidade, passaremos a

    analisar esta sob o olhar daqueles que por muito tempo erigiram o saber sobre o sexo atravs

    de inmeras precaues meticulosas e observaes infindveis: o olhar dos cientistas e

    tericos sobre o sexo - scientia sexualis.

    De acordo com Foucault (1988), percebemos que o discurso sobre o sexo sofre

    importantes transformaes, at a chegada de um massivo discurso cientfico sobre este, ao

    qual ele denomina de scientia sexualis. Em sntese, percebemos em sua obra que a colocao

    do sexo em sua forma discursiva torna-se atividade cada vez mais intensa e refinada a partir

    do sculo XVII, primeiramente, vinculada aos religiosos cristos, em sua inabalvel busca de

    combater o pecado da carne entre os fieis, atravs das rigorosas confisses e, por outras vezes,

    por escritores libertinos que produziam suas obras em busca de fantasias erticas.

    De acordo com Foucault (1988), a passagem do sculo XVIII para o sculo XIX

    envolver o cenrio de quando percebemos que de fato, o sexo e a produo dos discursos em

    torno dele, se tornam integrados aos mecanismos prprios da scientia sexualis e, mais

    especificamente, da instituio mdica. Para exemplificar melhor esse perodo, percebemos

    importantes registros na histria da sexualidade, como: a inaugurao do domnio das

    perverses sexuais e a teoria da degenerescncia. neste perodo ento que a regulao

    do sexo, a produo de saberes, verdades e diretrizes atravs de um discurso institucional ir

    compor em nossa sociedade os principais meios autorizados de se falar sobre o sexo.

    A scientia sexualis, atravs do mtodo cientfico, se torna ento o caminho pelo qual

    chegamos ao conhecimento da sexualidade humana? Este talvez tenha sido o principal

    argumento de profissionais sexlogos e doutores que advogavam em prol de uma cincia do

    sexo, de que essa poderia apenas ser desenvolvida pela razo e pelo mtodo cientfico e que

    nela encontraramos a verdade de ns mesmos.

    No entanto, o que percebemos de toda a produo de discursos sobre o sexo,

    realizados em sua maioria por mdicos e psiquiatras, constituindo-o como objeto de verdade,

    foi uma imperiosa declarao da normatizao do sexo, catalogando-o em todos os seus

    desvios, patologias e tratamentos (FOUCAULT, 1988).

    A partir destes pontos, partiremos a seguir a uma sistematizao da anlise feita por

    Foucault, destacando os principais traos ontolgicos da sexualidade apresentada at o

    momento.

    1687

  • Primeiro, a reflexo sobre o que chamamos hoje de sexualidade, do ponto de vista de

    uma anlise histrica, poltica e social, feita sobre a trajetria da sociedade ocidental em

    relao ao sexo a partir de Foucault, nos direciona a pens-la, no mais como essncia do ser

    ou uma importante qualidade biolgica, mas sim como o resultado de uma antiga, e ainda

    presente, produo discursiva em torno do sexo feito por instituies, enunciados, mdias e at

    mesmo leis e organizaes arquitetnicas. Caso ainda haja alguma evocao sobre uma

    hiptese de censura neste perodo, Foucault (1988, p. 29) nos diz: Censura sobre o sexo?

    Pelo contrrio, constitui-se uma aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo, cada vez

    mais discursos, susceptveis de funcionar e de serem efeito de sua prpria economia.

    Segundo: A rede discursiva, a que chamamos de sexualidade, produziu saberes que

    podemos categorizar em quatro blocos estratgicos. De acordo com Foucault (1988), eles so:

    Histerizao do corpo da mulher corpo carregado de sexualidade medida que esta

    incumbida de manter sua fecundidade, ser elemento essencial famlia e produzir/cuidar de

    sua prole; Pedagogizao do sexo da criana iminncia de uma sempre presente atividade

    sexual nas crianas que deve ser vista como perigosa; Socializao das condutas de

    procriao controle e regulao fecundidade dos casais e Psiquiatrizao do prazer

    perverso normatizao de um instinto sexual bio-psicolgico regular, bem como suas

    anomalias.

    Terceiro: Toda esta produo discursiva em torno do sexo atrelada ao funcionamento

    do poder; no aquele que postulam certos autores em uma s unidade ou conjunto, que de

    modo soberano exerceria sua dominao sobre certo grupo de indivduos, como na figura do

    Estado ou de um grupo de instituies. O poder, segundo Foucault (1988, p. 102) deve ser

    percebido como: a multiplicidade de correlaes de fora imanentes ao domnio onde se

    exercem e constitutivas de sua organizao. Assim, percebemos de imediato que o poder

    mltiplo, inconstante e mvel, como assim o as correlaes de fora que permeiam toda a

    trama social. Todas, como pontos de uma rede, constituem, atravs de efeitos combinados,

    encadeados, invocados ou, por outro lado, resistidos, opostos, refletidos no cenrio estratgico

    de uma sociedade.

    Assim, atravs destes posicionamentos tericos, debruamo-nos diante de toda a

    produo discursiva em torno do sexo na anlise das relaes de poder que acaba por produzir

    verdades, saberes e controles, de modo a investigar quais seus interesses, suas relaes e

    funes na complexa rede de saber-poder. Investigar tanto os contextos locais em relao s

    grandes estratgias, como tambm o contrrio, para compreendermos como estes se

    condicionam reciprocamente.

    1688

  • Na procura de datar os primeiros vestgios do processo de educao sexual em nossa

    sociedade, compreendemos que primeiramente este no pode ser identificado unicamente

    como aquele realizado em espaos escolares, atravs de discursos prprios educao. Diante

    disto, acreditamos que quando pensamos sobre educao sexual, devemos ir tambm ao

    encontro das prticas discursivas, rituais simblicos e os inmeros mecanismos de

    socializao da cultura existentes em nossa sociedade, que versam sobre o corpo e seus

    prazeres (ALFERES, 1996).

    De maneira concomitante, muitas instituies tambm exerceram a funo de falar

    sobre o sexo atravs de discursos especficos, assim como tambm administr-lo. Dentre

    estas, destacamos a atuao das instituies escolares, que no menos do que outras, tiveram

    papel importante sobre uma rede de saber-poder referente sexualidade, em especial sobre

    aquela da criana e do adolescente.

    De fato, a educao sexual praticada cotidianamente nos moldes atuais se caracteriza

    por formar uma unidade discursiva hbrida, voltada de maneira intensiva ao corpo, prazer e

    comportamento dos sujeitos. No entanto, no exclusivamente, em meio s instituies

    escolares, autores afirmam que a educao sexual praticada nas escolas notavelmente

    herdeira de um insidioso discurso mdico-biolgico sobre a sexualidade (COSTA e SOUZA,

    2003). O resultado desta herana no apenas provocou a supresso dos inmeros

    condicionantes sociais e culturais que envolvem a compreenso sob a construo de

    sexualidade, como tambm o motivador de um vis hegemnico de explanao antomo-

    fisiolgico dos aparelhos reprodutores humanos, aliado identificao dos principais mtodos

    contraceptivos e preventivos das doenas sexualmente transmissveis (DST).

    Como era de se esperar, a educao sexual adquirindo no s uma linguagem

    especfica requereu tambm a presena de seus atores especficos: professores/as de cincias e

    biologia autorizados a falar sobre educao sexual. Desde o encaixotamento da educao

    sexual nos dizeres mdicos-biolgicos, reconhecemos a permanente campanha de

    naturalizao do papel do professor/a de cincias/biologia para este encargo. Negando

    inicialmente uma simples afinidade como resposta entre os dois elementos em questo,

    buscamos direcionar nossa reflexo respeito do prprio dispositivo da sexualidade: aquele

    que em seu prprio funcionamento constitutivo de relaes de poder para com o saber sobre

    o sexo. Assim, a escola, no isenta desta rede de poder, produz de maneira semelhante seus

    saberes e atores autorizados, como podemos perceber nas consideraes de Cruz (2008):

    1689

  • Apesar dos documentos oficiais [...], deixarem claro que essas

    discusses devem estar presentes na escola como um todo, de maneira

    transversal, nas prticas cotidianas as crianas e adolescente ainda

    vem as aulas de cincias (com todas as suas limitaes) como um

    espao no qual as questes sobre sexo/sexualidade podem aflorar

    (CRUZ, 2008, p. 1).

    O que fazer diante este cenrio preocupante, onde simultaneamente percebemos

    documentos oficiais estabelecendo a transversalidade da Educao Sexual e grande parte das

    escolas, de forma naturalizada, elegendo eleitos no tratamento desta temtica? Certamente

    crticas poderiam ser feitas em ambas as direes, procurando justificativas e indcios de

    como viemos nos deparar com tal paradoxo, porm este estudo nos leva a percorrer um

    terceiro caminho: A educao sexual na formao inicial de professores/as, em especial,

    professore/as de cincias biolgicas.

    A incitao ao discurso atravs do mtodo

    A partir da busca por encontros e desencontros que perfazem a relao do tema

    Sexualidade e Educao Sexual e devido grande proximidade e afinidade dos pesquisadores,

    escolhemos como lcus de investigao da pesquisa o curso de Cincias Biolgicas da

    Universidade Estadual de Feira de Santana, na sua modalidade da Licenciatura. Percorrendo

    nosso caminho metodolgico, partimos de um vis qualitativo de pesquisa utilizando-se do

    mtodo do grupo focal como meio de produo e anlise das falas dos estudantes.

    Buscando remeter-se a uma aproximao do que viria a ser um grupo focal, utilizamos

    aquele feito por Barbour (2009, p. 21), como: Qualquer discusso de grupo pode ser

    chamada de um grupo focal, contanto que o pesquisador esteja ativamente atento e

    encorajando s interaes do grupo. De fato, o mtodo do grupo focal nos bem quisto

    devido sua potencialidade de provocar entre os participantes em interao, a elaborao de

    conjecturas sobre seus prprios conceitos, a enumerao de critrios para validao de seus

    posicionamentos e finalmente a formulao de crticas sobre as representaes que os cercam.

    Assim, a fim de colocarmos esses/as participantes em maior interao, realizamos

    questionamentos pontuais durante o grupo focal para percebermos o desenho do que pode ser

    designado neste estudo como jogo de discursos: o emergir de posicionamentos, crticas,

    ideais e valores construdos nos participantes, a partir das diferentes conceituaes sobre

    Sexualidade e Educao Sexual.

    1690

  • Deste modo, os dados aqui apresentados so oriundos da realizao de um grupo focal,

    com estudantes de licenciatura j em processo de concluso de curso (que tivessem ou no

    proximidade com o tema proposto). Inicialmente, o grupo focal foi idealmente estruturado

    como: um grupo pequeno, de no mximo seis pessoas, que tivesse sua heterogeneidade

    originada sobre a composio de gnero, grau de experincia em espaos educativos e o

    interesse, ou no, com os temas da Sexualidade e Educao Sexual.

    A partir desse plano, o grupo focal realizado neste estudo se efetivou na participao

    de trs pessoas, exclusivamente do gnero feminino; quanto ao restante dos participantes, os

    mesmos justificaram sua ausncia devido ao surgimento inesperado de compromissos

    profissionais ou pessoais concomitantes data do grupo focal; duas participantes j contavam

    com experincias em sala de aula (escolas da rede pblica de ensino), enquanto a outra, no; o

    interesse com o tema da Sexualidade e Educao Sexual foi exposto quando algumas

    participantes declararam j terem trabalhado com os temas em seus respectivos trabalhos de

    concluso de curso (TCC).

    A partir do consentimento prvio dos participantes, registramos todo o grupo focal

    atravs da utilizao de equipamento udio-visual, auxiliado por anotaes feitas por um dos

    pesquisadores no decorrer do encontro. Sobre o plano de percurso durante o grupo focal,

    utilizamos de um breve roteiro elaborado por ns contendo: acordos comuns feitos aos

    participantes para o desenvolvimento de um grupo focal (Todos tm o direito de dizer o que

    pensam e Ningum pode dominar a discusso, por exemplo) e tpicos-guias de

    discusso que mesclassem questes recorrentes literatura do tema investigado (Onde

    acontece a Educao Sexual? e A educao sexual deveria ser obrigatria na escola?, por

    exemplo), no obstante aberto introduo de novos elementos pelos prprios participantes.

    Uma casa e muitas histrias pra contar...

    Ao procurar aproximar-se no grupo focal sobre os possveis elementos que

    constituam a representao de sexualidade para o grupo, percebeu-se que cada estudante

    emitiu em sua fala, de maneira personalizada, a produo de diferentes sentidos e posturas em

    relao ao termo. Segundo a anlise das falas, percebemos que as palavras emitidas

    manifestavam uma ampla extenso de posies acerca da sexualidade: como algo produzido

    atravs da dimenso individual e subjetiva do sujeito, podendo, por exemplo, ser evidenciada

    atravs de uma relao afetivo-amorosa com outrem: afinidade, sexo, prazer, escolhas;

    como prtica cotidiana, Prazer, ouvir msica, comer, namorar, ver filmes, imersa, segundo

    a prpria participante, em uma fundamentao de sexualidade encontrada na literatura que

    1691

  • remete a tudo que nos d prazer; a eleio de elementos simblicos que iro denotar

    questionamentos essencialmente socioculturais acerca da sexualidade, como Prazer,

    educao sexual... represso e liberdade.

    Esses conjuntos de diferentes sentidos, de maneira geral, representam os constituintes

    que compem a polissemia sobre o conceito de sexualidade. Diante disto, argumentamos

    neste estudo quais os efeitos desta complexa condio formao e atuao destes/as

    futuros/as professores/as de cincias e biologia.

    Observando que, mesmo cursando a mesma disciplina (BIO 605 - Sexualidade e

    Educao) sobre sexualidade e educao sexual, o grupo mostrou-se ainda bastante

    heterogneo acerca do termo, vinculamos este resultado ao efeito das diferentes trajetrias

    pessoais das estudantes, como catalisadores centrais na produo de sentidos dados

    sexualidade. De acordo com Louro (1999, pg. 12): somos sujeitos de muitas identidades.

    Desta forma, percebemos que a imbricada relao entre as trajetrias singulares e as mltiplas

    identidades coabita e d sentido ao lugar de onde falamos, e por este aspecto acabe por

    influenciar as mais diversas questes de sexualidade de docentes, desde sua formao at a

    sua atuao.

    Sobre os efeitos acerca da prtica pedaggica destes/as estudantes, ponderamos que

    estas representaes podero ser grandes norteadoras do trabalho docente destes/as futuros/as

    professores/as, produzindo desta forma uma pluralidade de abordagens (FURLANI, 2011)

    sobre o tema.

    Passando agora s questes sobre a produo e regulao da sexualidade em nossa

    sociedade ocidental, obtivemos junto ao grupo focal uma dupla anlise sobre este tema na

    qual a sexualidade, e conjuntamente o gnero, se tornaram elementos primordiais em nossas

    reflexes. O conceito de gnero, segundo os estudos feministas, advindo do enfrentamento

    determinao natural-biolgica do comportamento de homens e mulheres na sociedade.

    Logo, atribumos a utilizao do termo na nfase sobre a produo social e cultural sobre os

    corpos, que atravs de mltiplas aprendizagens individualizam modos de se viver o gnero

    (FAGUNDES, 2005).

    Composto exclusivamente por mulheres, a exceo do pesquisador, o grupo focal

    evidenciou os mais diversos efeitos discursivos sobre a produo de um corpo feminino.

    Segundo uma das participantes, a mulher [...] era muito reprimida, ainda n, mas era pior.

    Ento, isso [a sexualidade] significava pra ela uma coisa que era um assunto que ela no

    poderia tocar, entendeu? Porque isso faria que com ela fosse recriminada diante da

    sociedade... at mesmo os homens ficariam sem jeito de discutir isso com mulher.

    1692

  • Segundo a fala, percebemos que a colocao da represso sobre a mulher bastante

    evidente, tanto de uma forma subjetiva, quando o prprio corpo se torna autodisciplinado

    atravs da interdio, quanto nas relaes sociais, atravs de uma permanente vigilncia sobre

    esse. Alm disso, mesmo categorizando o passado como um perodo de maior represso

    sobre a mulher, percebeu-se em um momento a nfase sobre sua marcante continuidade ainda

    no presente: A [depois de declarar que fez sexo no dia do orgasmo] todo mundo fez aquela

    cara assim, como se fosse uma coisa de outro mundo uma mulher falar que tem orgasmo!.

    Mesmo buscando neste estudo enfatizar os mecanismos produtivos sobre o gnero e a

    sexualidade, ns pesquisadores no pretendemos incorrer no erro de declarar que a represso

    inexiste e to pouco que sua discusso em cursos de educao sexual seja abandonada. Como

    elucida o prprio Foucault (1988, p. 17): necessrio deixar bem claro: no pretendo

    afirmar que o sexo no tenha sido proibido, bloqueado, mascarado ou desconhecido desde a

    poca clssica; nem mesmo afirmo que a partir da ele o tenha sido menos do que antes. No

    digo que a interdio do sexo uma iluso.

    Conforme desenhvamos ideias e conjecturas sobre as questes de sexualidade,

    passamos, pouco a pouco, a buscar aproximaes com contexto(s) que nos so mais ntimos,

    neste caso, os ambientes educativos. Durante a discusso, onde instituies sociais eram

    vinculadas produo discursiva sobre a sexualidade, uma das participantes menciona a

    escola: na escola que a maioria das pessoas fazem [discursos sobre a sexualidade] em

    momentos informais... no em sala de aula, aula de cincias, mas nas conversas assim... a

    escola o espao que mais se discute sexualidade, e discute assim sem pudores.

    Inicialmente, devemos enfatizar nossa descrena noo de funo

    dessexualizadora da escola (SACADURA, 1996), defendida com base na anlise dos

    princpios morais burgueses que supostamente influenciaram inmeras instituies, como a

    escola.

    Assim sendo, partimos a um posicionamento diferente que vai de encontro fala das

    participantes ao perceber que a escola se institui como um espao privilegiado sobre a

    construo da pedagogizao do sexo da criana. Construo esta que se faz por meio de

    inmeros mecanismos discursivos, que de acordo com Foucault (1988) no podem ser

    percebidos de forma isolada, como elementos independentes, mas sim imersos em uma

    complexa teia de saberes sobre o sexo da criana.

    Assim, entender estes aspectos em suas implicaes curriculares torna a discusso

    sobre a formao de professores em educao sexual re-significada: professores tornam-se

    mais do que simples transmissores do conhecimento estabelecido e assumem a posio de

    1693

  • atores, que em meio s relaes de poder, so responsveis por perceber e produzir discursos

    s margens daqueles institucionais, discursos sobre sexualidades, discursos sem pudores.

    Re-afirmando esse novo horizonte de ao, uma das participantes destaca o papel

    transformador da escola, quando diz: Eu acho que a escola tem um potencial muito grande

    de talvez, tirar os preconceitos que ainda existem, e tabus, s que eu acho que ela ainda no

    usa isso.

    Atravs de todas essas reflexes, seguiremos nosso relato destacando ainda mais o

    contexto da Universidade Estadual de Feira de Santana a fim de cumprirmos o objeto

    proposto por esse estudo. Inicialmente, para as estudantes, as falas produzidas durante o grupo

    focal caracterizaram a universidade como um lugar privilegiado, assim como aqueles que l

    se encontram cotidianamente: Dentro da universidade, querendo ou no, h um grupo um

    pouco favorecido, no s pelas condies que temos aqui, mas pelas discusses feitas aqui.

    Evidentemente, destacamos a importncia das universidades em relao s atividades em

    educao sexual, atravs de sua potencialidade de amplo debate sobre questes de difcil

    acesso ou aceitao em instituies mais tradicionais. Ainda de acordo com Melo e Santana

    (2005, pg. 156), em pesquisa sobre sexualidade com estudantes universitrios da prpria

    UEFS, a universidade, segundo os estudantes, oferece: diferentes vises de mundo, de sexo,

    de sexualidade, por ser um espao que concentra pessoas de culturas diversas.

    Deparando-se com este amplo panorama de encontro de saberes, questionamos s

    participantes quais os lugares em que estas percebiam espaos de formao em sexualidade e

    educao sexual fazendo uso do fluxograma de disciplinas do curso de Cincias Biolgicas

    entregue durante o grupo focal. Como j era esperada, a disciplina Sexualidade e Educao,

    foi eleita a disciplina mais direcionada temtica da sexualidade e educao sexual pelas

    participantes.

    De acordo com a ementa da mesma, essa se dirige de maneira geral : sexualidade

    humana em seus aspectos bio-psico-sociais e a educao sexual para crianas, adolescente e

    adulto. Durante as falas, as participantes destacavam que a formao sobre as questes de

    sexualidade poderia ser mais eficaz caso houvesse um trabalho contnuo sobre a temtica

    durante o curso, atravs da distribuio de temas relacionados sexualidade em semestres

    diferentes. Alm disso, percebemos que as participantes acabaram significando a disciplina de

    Sexualidade e Educao como uma verdadeira titulao acadmica: algo que viesse a

    legitimar sua atuao sobre o trabalho de educao sexual nas escolas: Tipo, agora voc vai

    ser professor de educao sexual... voc est pronto agora (ironia)!.

    1694

  • Em contraposio ao olhar lanado a disciplina de Sexualidade e Educao, o grupo

    pareceu unnime ao destacar a importncia do contato com o tema da sexualidade e educao

    sexual durante o perodo do trabalho monogrfico de concluso de curso (TCC) para sua

    formao: Eu acho que a contribuio maior foi pra mim mesma... eu tive vrios

    conhecimentos de coisas que eu no sabia mesmo, coisas que eu s fui aprender quando eu

    fui pesquisar mesmo.

    Buscando superar a dicotomia construda pelo grupo focal ao analisar as contribuies

    da disciplina e da pesquisa, defendemos o ponto de vista de autores, como Mariuzzo (2003),

    que constroem uma profcua interdependncia entre os dois elementos ao colocar que cursos

    de formao de professores devem fomentar a pesquisa sobre educao sexual incluindo

    disciplinas especficas sobre sexualidade, conjuntamente quelas voltadas a metodologia

    cientfica.

    Qual a tua ao? Leituras e ideaes sobre questes de Sexualidade

    Primeiramente, reconhecemos que a polissemia sobre o conceito de sexualidade, foi

    bastante positiva ao carter desse estudo. Logo, no queremos construir uma suposta

    fragilidade sobre estas representaes, mas sim admiti-las aqui como domnios mutveis, que

    quando postos prova so passveis de novas conformaes. Adentrando multiplicidade de

    discursos acerca da sexualidade, a inteira constituio feminina do grupo entrelaou muitas

    das falas s questes de gnero evidenciando diversas posturas crticas em relao a grande

    produo discursiva aos quais instituies educacionais, familiares e religiosas esto

    inseridas.

    Chegando escola, as participantes esquadrinharam aspectos relativos educao

    sexual e o papel dos professores em meio a esta atividade reconhecendo a importncia de

    significar a educao sexual perante os diversos espaos possveis escola, que para alm das

    salas de aula, compem grande parte da educao sexual dos estudantes. Finalmente,

    lanamos nossas consideraes experincia de se perceber as questes de sexualidade em

    meio formao, marcada por grandes oportunidades a aqueles que buscam aprender sobre si

    e sobre o prximo. Deste modo, perceptvel que o curso de cincias biolgicas da UEFS j

    aponta avanos em relao problematizao da sexualidade aos/s licenciados/as, atravs de

    suas disciplinas e espaos destinados pesquisa desta temtica.

    Referncias

    1695

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