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Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo” Adilson Luís Franco Nassaro Quase 9% dos presos do Estado de São Paulo que receberam ‘indulto’ de Natal e Ano Novo em 2009 não retornaram aos presídios, segundo balanço da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). De acordo com o relatório, 23.331 detentos receberam a autorização de saída temporária entre as festas de fim de ano. O total de presos que não retornaram é de 1.985, ou seja, 8,51%, segundo a Secretaria 1 . A notícia divulgada no início de 2010 ilustrou a dimensão do impacto que pode significar à segurança pública a liberação de milhares de presos em pelo menos cinco ocasiões distintas durante o ano (em São Paulo, as saídas são regulamentadas pelo Juiz Corregedor, normalmente concedidas nas seguintes datas: Natal/Ano Novo; Páscoa; Dia das Mães; Dia dos Pais e Finados). E, mais recentemente, também vem sendo autorizadas saídas por ocasião do Dia das Crianças. 1 SPIGLIATTI, Solange. Matéria: Em SP, quase 2 mil presos com indulto continuam nas ruas. Jornal O Estado de São Paulo, 08 jan. 2010, caderno Cidades/Metrópole, p. C5

Artigo - Saída temporária de presos: as visitas de advertência e o "rescaldo"

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Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”

Adilson Luís Franco Nassaro

Quase 9% dos presos do Estado de São Paulo que receberam ‘indulto’ de Natal

e Ano Novo em 2009 não retornaram aos presídios, segundo balanço da Secretaria da

Administração Penitenciária (SAP). De acordo com o relatório, 23.331 detentos receberam a

autorização de saída temporária entre as festas de fim de ano. O total de presos que não

retornaram é de 1.985, ou seja, 8,51%, segundo a Secretaria1.

A notícia divulgada no início de 2010 ilustrou a dimensão do impacto que pode

significar à segurança pública a liberação de milhares de presos em pelo menos cinco

ocasiões distintas durante o ano (em São Paulo, as saídas são regulamentadas pelo Juiz

Corregedor, normalmente concedidas nas seguintes datas: Natal/Ano Novo; Páscoa; Dia das

Mães; Dia dos Pais e Finados). E, mais recentemente, também vem sendo autorizadas saídas

por ocasião do Dia das Crianças.

1 SPIGLIATTI, Solange. Matéria: Em SP, quase 2 mil presos com indulto continuam nas ruas. Jornal O Estado de São Paulo, 08 jan. 2010, caderno Cidades/Metrópole, p. C5

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___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”. Disponível em: < http://ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/saida-temporaria-as-visitas-de.html>.

Chamado indevidamente de “indulto” (e também conhecida por “saidinha”), a

“saída temporária” - termo técnico correto - pode durar até sete dias corridos e significa um

benefício concedido aos presos do regime semiaberto com bom comportamento, para visitar a

família (o indulto é outro benefício, uma espécie de “perdão” que pode ser dado pelo

Presidente da República). O próprio Diretor geral do Presídio encaminha ao juiz a relação dos

presos “que têm direito à saída temporária” e, se o nome do preso não estiver na relação, o

pedido pode ser feito pelo seu advogado, diretamente ao Juiz, que normalmente autoriza a

saída de todos (“Tem direito à saída temporária o preso que cumpre pena em regime

semiaberto, que até a data da saída tenha cumprido um sexto da pena total se for primário, ou

um quarto se for reincidente. Tem que ter boa conduta carcerária, pois o juiz, antes de

conceder a saída temporária, consulta os Diretores do Presídio” 2).

Nota-se, pela análise estatística de incidência criminal, que existe visível

aumento de crimes (especialmente de furtos e de roubos) nas ocasiões de saída temporária.

Não é difícil explicar a variação, que tem aspecto sazonal. Infelizmente, o histórico recente

demonstra que os “não retornados” sempre correspondem de 8 a 10% dos beneficiados. Com

um percentual expressivo como esse, tratando-se de milhares de beneficiados no Estado,

conclui-se que o preso que não retorna é exatamente o indivíduo que pretende se manter na

vida do crime, pois ele sabe que passa automaticamente à condição de foragido e, se

recapturado, retornará ao regime fechado. Muitas lideranças do crime aproveitam a

oportunidade para escapar da prisão e outros presos, liderados, aproveitam a chamada

“saidinha” para praticarem delitos especialmente patrimoniais para saldarem dívidas; alguns

deles voltam para o presídio como se nada tivesse acontecido e outros, simplesmente, não

voltam.

2 Fonte: página da Procuradoria Geral do Estado. Disponível em : <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bi

bliotecavirtual/presos/parte9.htm>. Acesso em: 08 jul. 2010.

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___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”. Disponível em: < http://ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/saida-temporaria-as-visitas-de.html>.

Existem inúmeros registros de crimes e fugas de presos em situação de saída

temporária e não cabe neste estudo opinar pelo acerto ou erro de tal benefício, posto que

previsto em lei. Convém, todavia, trazer alguns casos emblemáticos, como ilustração, para

demonstrar a importância de lidar com esses fatos (saídas autorizadas), em nível de

planejamento policial (focado em ações de prevenção), pois são repetitivos e com datas

certas, e sempre relevantes para a segurança pública:

O ex-cirurgião plástico Hosmany Ramos - atualmente preso na Islândia e

condenado no Brasil a mais de 40 anos de prisão por homicídio, roubo, tráfico

de drogas e contrabando – vai ser extraditado ao nosso país para voltar a

cumprir sua pena. É a segunda vez que ele foge da prisão aproveitando-se

das saídas temporárias. Na primeira, ocorrida no Dia das Mães de 1996, não

retornou ao Instituto Penal Agrícola de Bauru (SP) e tempos depois

reapareceu em Rondônia, onde foi entrevistado pelo jornal “O Estado de S.

Paulo” e pelo “Fantástico”, da Rede Globo, onde disse que sairia do país para

participar de um curso de guerrilha no IRA (Exercito Republicado Irlandês) e

depois voltar ao Brasil para, como guerrilheiro, agir contra as mazelas do

sistema penitenciário. Não foi e, tempos depois, acabou preso e com um tiro

na perna, quando participava de um seqüestro em Minas Gerais. Agora,

também deixou de voltar ao presídio de Valparaiso (SP), de onde saiu em

dezembro de 2008, para o Natal e o Ano Novo. Só reapareceu em agosto,

preso ao tentar entrar na Islândia com documentos falsos3.

Outro preso (que não é casado e cuja mãe já é falecida) teve a saída temporária

autorizada para visitar a família na saída do “Dia das Mães” de 2009 e foi preso depois de

praticar dois roubos, conforme noticiado:

Enquanto desfrutava de uma saída temporária da Penitenciária de Franco da

Rocha, um jovem de 22 anos que cumpre pena em regime semiaberto foi

preso acusado de dois roubos na região central de São Paulo, na noite de

domingo, 10. Embora estivesse em liberdade graças ao indulto de Dia das

Mães, Willian Brás de Oliveira revelou que não possui mãe para visitar. Brás

afirmou que ela morreu quando ele tinha 1 ano e 3 meses. Werther

Santana/AEJovem de 22 anos (...). Ele também disse que não é casado.

Questionado sobre a razão pela qual recebeu o indulto, o acusado respondeu

apenas que recebeu o benefício4.

3 GONÇALVES, Dirceu Cardoso. A “saidinha” e a fuga de presos. Artigo publicado no diário “Jornal da Cidade”,

Bauru, 08/01/2010, p. 2. 4 CANTO, Daniela do. Matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”. Disponível em:

<http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,detento-em-saida-temporaria-e-preso-acusado-de-dois-roubos,368 834,0.htm>. Acesso em: 08 jul. 2010.

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___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”. Disponível em: < http://ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/saida-temporaria-as-visitas-de.html>.

Mais um exemplo se refere a grave crime registrado na cidadade de Bauru/SP,

em que foi reconhecido como autor um beneficiado de saída temporária do Natal de 2009.

Esse, certamente, não aproveitou a saída para visitar sua família:

Um homem, de 36 anos, foi preso na noite de terça-feira, acusado de estuprar

uma adolescente de 16 anos, no centro de Bauru, no interior de São Paulo. A

vítima foi agarrada pelo homem que a ameaçou com uma arma e a levou até a

linha férrea, onde a estuprou, segundo informações da Secretaria de Segurança

Pública (SSP). Algumas pessoas que trabalham no local ouviram os gritos e

acionaram a Polícia Militar (...). O suspeito foi localizado na Avenida Doutor

Nuno de Assis e, ao perceber a aproximação da viatura, tentou fugir correndo,

mas foi detido e confessou o crime. O acusado – que estava sob benefício do

indulto de Natal e não havia retornado à unidade prisional, onde cumpria pena

por estupro e atentado violento ao pudor – foi conduzido ao DP de Bauru, onde

foi reconhecido pela vítima5.

Como medida preventiva, sugerem-se contatos preliminares com diretores de

presídios para obtenção de listas dos presos beneficiados com a antecedência possível,

juntamente com os respectivos endereços. Os policiais, então, realizarão visitas aos

endereços indicados para conferência dos dados e advertências quanto ao acompanhamento

da movimentação do beneficiado, em razão das limitações prescritas na concessão, tais como

não se ausentar do endereço após determinado horário. Todas as irregularidades serão

lançadas em boletim de ocorrência policial-militar (BOPM) para posterior encaminhamento

para conhecimento do Juiz Corregedor do respectivo estabelecimento prisional

(especialmente se não localizado o preso que teve a saída autorizada exatamente para visitar

a família no endereço indicado)6.

A maior virtude dessa estratégia é a mensagem que fica para o preso, depois da

visita, no sentido de que a polícia está acompanhando os seus passos. Essas visitas de

advertência devem envolver, com prioridade, a Força Tática e as equipes de

radiopatrulhamento disponíveis, para cobrir todos os endereços das respectivas áreas, a fim

5 SPIGLIATTI, Solange. Op. cit.

6 No município de Assis/SP, as visitas de advertência resultam uma média de 15 a 20 boletins de ocorrência

preenchidos por saída temporária, todos encaminhados para as respectivas autoridades judiciárias.

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___________________________________________________________________________ NASSARO, Adilson Luís Franco. Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”. Disponível em: < http://ciencias-policiais.blogspot.com.br/2013/11/saida-temporaria-as-visitas-de.html>.

de que se obtenha o efeito pretendido. Há possibilidade, em algumas cidades de porte médio,

de se aguardar ônibus fretado pelos próprios presos, para abordagem do veículo já na

estação rodoviária da cidade, realizando-se buscas pessoais, em casos de comportamentos

suspeitos, e transmissão de mensagens de advertência, de forma que fique claro que o

policiamento local está atento às condutas dos presos beneficiados e vai fiscalizar o

cumprimento das condições impostas para fruição do benefício7.

Após o período de concessão, quando todos os presos já deveriam ter

retornado, será o momento de desenvolver a estratégia do “rescaldo”. Com auxílio dos

Diretores de estabelecimentos prisionais (a partir dos contatos no presídio mais próximo) é

possível obter a relação dos presos “não retornados”, mediante lista ou análise do sistema

informatizado, e separar aqueles que têm endereço indicado na respectiva área do gestor de

policiamento.

Passa-se, então, a realização de visitas com objetivo de recaptura, ao mesmo

tempo que se divulgam, para todo o efetivo policial, os dados completos desses procurados

(cujas capturas devem ser priorizadas), com as respectivas fotos, para facilitar as suas

identificação e detenção.

Já o monitoramento dos presos com características especiais e com endereço

no município - que merecem um acompanhamento especial pelo seu histórico - é um

interessante trabalho que pode ser desenvolvido pelo setor de inteligência da unidade policial

e atualizado permanentemente, de forma a viabilizar uma antecipação às práticas criminosas

pelas iniciativas em nível de policiamento preventivo.

7 No município de Marília, a estratégia de abordagem do próprio ônibus dos presos foi adotada com sucesso em

anos recentes. Para cidades de porte menor, normalmente os presos chegam individualmente, em ônibus de linha, ou mesmo de carona.