Artigo -Solidão Provisória e Versos Sujos Para-tempos Sombrios

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    ISSN: 1983-8379

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    Darandina RevisteletrnicaPrograma de Ps-Graduao em Letras/ UFJF volume 4 nmero 2

    Solido provisria e versos sujos para tempos sombrios:

    Luiz de Miranda e Ferreira Gullar

    ngela Vieira Campos1

    RESUMO:

    Este ensaio focaliza a poesia de Luiz de Miranda e Ferreira Gullar com o objetivo de pensar o corpo que a se

    evidencia em sua complexidade e resistncia durante o regime poltico militar brasileiro na dcada de 70.

    PALAVRAS-CHAVE:

    Poesia; corpo; resitncia; ditadura

    ABSTRACT:

    This essay focuses on Luiz de Mirandas and Ferreira Gullars poetry aiming to thinking about the body, your

    complexity and resistence during the dictatorial political system in Brazil in the 1970s.

    KEY-WORDS:

    Poetry; body; resistence; dictatorial political system

    No artigo intituladoPequeno relato da minha frgil memria2, o poeta gacho Luiz de

    Miranda relata que, imediatamente publicao do AI5, foi decretada a sua priso em funo

    de sua participao, como militante, na luta contra a ditadura militar. Sua pea de teatroPovo,

    Palavra, Amor, Liberdade foi censurada e tirada de cartaz. O poeta foge com dois amigos,

    embrenhando-se nas matas do rio Ibicu, dormindo ao relento por dezoito dias. Depois exila-

    se no Uruguai. Em 1971, Luiz de Miranda retorna ao Brasil, preso e torturado por diversas

    vezes. Em 1972, em virtude de sua ligao com a esquerda latino-americana, viaja pelo

    1 Professora e pesquisadora do Departamento de Linguagem e Tecnologia do CEFET-MG. Doutoranda doPrograma de Ps Graduao em Estudos Literrios da FALE/UFJF.2http://orbita.starmedia.com/poetamiranda/entrevista.html

    http://orbita.starmedia.com/poetamiranda/entrevista.htmlhttp://orbita.starmedia.com/poetamiranda/entrevista.htmlhttp://orbita.starmedia.com/poetamiranda/entrevista.htmlhttp://orbita.starmedia.com/poetamiranda/entrevista.html
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    Uruguai, Argentina e Chile. Finalmente, em 1975, o poeta fixa residncia em Buenos Aires e

    conhece o poeta maranhense Ferreira Gullar.

    Inicia-se, desse modo, uma longa amizade que se estende da condio de exilados s

    concepes de poesia que certamente se convergem em funo da opo pela abordagem

    social, por uma cuidadosa seleo vocabular e pela tecitura de imagens que conferem aos

    poemas um intenso lirismo. Esses aspectos das poticas-irms as distanciam do poema

    discursivo engajado, podendo-se atribuir tambm a Luiz de Miranda o que de melhor herdou

    Ferreira Gullar do movimento concretista: um cuidado com a espacialidade do texto e com a

    sonoridade dos versos facilmente observados nos poemas desses dois autores.

    O livro Solido Provisria, de Luiz de Miranda e o Poema Sujo, de Ferreira Gullar,foram escritos nesses tempos sombrios de ditadura militar e, mais do que formularem uma

    nova cano do exlio, os livros apontam para um fazer potico o qual poderamos denominar

    de poesia em estado de alerta; tomando, portanto, de emprstimo uma expresso de Luiz de

    Miranda. Esse estado de alerta concerne a uma forma de atuar politicamente com o prprio

    corpo. Desse modo, ao tecer uma anlise das duas referidas obras, vamos consider-las como

    inscries do corpo no poema, ou seja, buscamos evidenciar as mltiplas experincias

    vividas por esse corpo alerta e suas potencialidades poticas.Assim como Luiz de Miranda, o poeta maranhense tambm relata as suas memrias

    no artigo intituladoA histria do poema.(GULLAR, 2001, vii-x) OPoema Sujo foi escrito em

    1975 e significou, no perodo, o que Gullar denomina de testemunho final, pois temia ser

    morto em Buenos Aires e escreveria seus versos antes de o seu corpo, em estado de alerta, ser

    calado. Temos, portanto, nas palavras de Ferreira Gullar:

    Transferi-me em 1974 para Buenos Aires, cidade mais acolhedora e prxima doBrasil, mas, desgraadamente, logo a situao poltica se agravou, desencadeando-sea represso s esquerdas e aos exilados. minha volta, os amigos comearam a ser

    presos ou fugir. Com o passaporte vencido, no poderia sair do pas, a no ser para oParaguai e Bolvia, dominados por ditaduras ferozes como a nossa. Enquanto isso,novos cadveres eram encontrados prximos ao aeroporto de Ezeiza, alguns delesdestroados a dinamite. Sabia-se que agentes da ditadura brasileira tinham

    permisso para entrar e sair no pas e capturar exilados polticos. Sentia-me dentrode um cerco que se fechava. (GULLAR, 2001, vii)

    1. Corpo rebelde

    O livro Solido Provisria compe com outros trs livros de poemas o que Luiz de

    Miranda denomina de Quarteto dos anos de chumbo. So eles: Andana, primeiro livro

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    publicado na dcada de 60; Memorial, de 1973 e Estado de alerta, publicado em 1981,

    trazendo poemas escritos entre 1976 e 1979.

    O sujeito potico mostra-se, nos poemas da obra em anlise, como um corpo

    insubordinado, rebelde, isto , que recusa o silncio e, consequentemente, a morte dos afetos

    e o abandono dos companheiros. Esse corpo rebelde pretende aceder ao movimento

    revolucionrio. Observamos, assim, nos versos seguintes, a inscrio do corpo do poeta:

    Meu corpo, de cabelosossos e fomese morto, um metroe sessenta e nove no chomas, em p, a mesma

    medida de rebeldia e solido(MIRANDA, 1992, p.320)

    No ensaio intituladoRevolta, Revoluo, Rebelio,o poeta-crtico Octavio Paz (PAZ,

    1996) estabelece a distino entre os trs termos e valoriza, principalmente, a figura do

    rebelde. O revolucionrio configura-se como um homem de idias, o que procura a mudana

    violenta das instituies, ataca as tiranias, pe em xeque a totalidade da ordem. J o rebelde

    traz a marca do heri maldito, do poeta solitrio. A palavra rebelio origina-se de bellum,

    evoca a guerra civil e as minorias. Nasce sob o signo do romantismo, pois so rebeldes os que

    transgridem as leis sociais, os que desafiam os tiranos e no a ordem propriamente dita.

    No poema Declaramento, um dos primeiros do livro Solido Provisria, o sujeito

    potico apresenta-se como o rebelde solitrio que se dirige ptria amada; o poema paixo,

    uma cano incendiada. Alm disso, o corpo vivo de grvida rebeldia aponta paraa sua

    ptria ausente, por isso ao seu redor tudo runa, as palavras esto sufocadas e a mo do poeta

    est armada para o soco contra o silncio estabelecido:

    Onde te ausentas, ptria amadaneste espao de ar

    escasso e poludonada se deita hol de uma casa saqueada

    paiol de cinza no corao[...]Meu reino por timinha mo nica e unidano se divide soco que fere secoo silncio estabelecido.(MIRANDA, 1992, p.321)

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    Como o prprio poeta assinala: Solido provisria no trata da solido como um

    sentimento intimista, mas como uma limitao social, um isolamento, decorrente de um

    momento histrico, de um sistema poltico.(MIRANDA, 1992, p.312) Por conseguinte, o

    corpo potico cuja voz escutamos dedica os seus versos aos revolucionrios que lutam contra

    a tirania e padecem da solido(MIRANDA,1992, p.317).

    O livro foi escrito no perodo de 1973 a 1976 e, embora datado, lana-se ao futuro, a

    todos ns que vivenciamos hoje as tiranias de uma lgica econmica brutal, referendada por

    um dispositivo poltico corrupto, quando no, omisso em relao aos mecanismos do

    Capitalismo Mundial Integrado cujos meandros sutis adentram-nos subjetivamente, quando

    impelidos por um modo individualista e consumista de nos posicionarmos em nossas relaessociais e polticas.

    Retornando ao momento poltico em que o livro escrito, consideramos nessa

    leitura a solido enquanto asfixiamento das liberdades individuais, para retomar as palavras

    do poeta em seu prlogo. (MIRANDA, 1992, p.311) A solido, na obra de Miranda, apresenta

    o significado concreto de um canto pela liberdade. O poeta traz em sua voz clara, declarada, o

    desejo de comunicar-se com milhares de brasileiros em silncio e alm disso, de buscar um

    movimento coletivo para a transformao de uma realidade de misria, de doenas, deanafalbetismo, de ostracismo cutural e de submisso poltica.

    O poeta Ferreira Gullar escreve em dezembro de 1976, na cidade de Buenos Aires, o

    prefcio para o livro Solido Provisria. Entre as observaes do poeta, cabe sublinhar o

    elogio que dirige a Luiz de Miranda e sua escrita de compromisso existencial, compromisso

    efetivo com o prprio tempo. Nesse sentido, a poesia significa um movimento para a vida,

    uma luta corporal na qual no cabe o conformismocom o isolamento. Uma potica lrica na

    qual a solido acaba por se mostrar mesmo como um tempo provisrio. Nesse sentido,

    referendamos as palavras do escritor maranhense que afirma, ao ler Luiz de Miranda no h

    isolamento, nem submisso, nem falsa euforia na poesia. (GULLAR apud MIRANDA, 1992,

    p.315)

    No poema Ressaibo, (MIRANDA, 1992, p. 333-335) o poeta riograndense

    demonstra um sentimento de mgoa, de ressentimento, ao perceber-se desamparado. Dentro

    da densa solido, a fragilidade do corpo revela-se como um doloroso mover de ossos.

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    Miranda protagoniza um Quixote que caminha contra o vento alheio do mal poltico e da

    durao amarga do perodo ditatorial. Delineia uma cena de separao na qual reconhece o

    abandono fatal em: Vamos um pouco subtrados / de nossa verdadeira linguagem/ nesta

    margem da vida/sob o peso das perguntas na gaveta/ o salrio na ante-sala da fome.

    Reduzida a linguagem, resta ao poeta cantar contra o medo, convocar os corpos dos

    companheiros. Assim sendo, h uma visvel aluso poesia social de Drummond que tantas

    vezes evidenciou o medo, apontando que j no h mos dadas no mundo, mas flores

    amarelas e medrosas. Contrapondo-se a essa perspectiva em que solido significa o corpo s,

    o poeta gacho lana uma voz cujo canto acontece nas frestas, nas falhas das engrenagens do

    poder poltico militar, uma luz menor debaixo da sombra, para usar os versos de Miranda.

    Assim o canto coletivo, que agencia os mltiplos corpos dos demais solitrios, aparece como

    um novo poder solidrio capaz de transcender a solido e o medo.

    Vamos separados companheiromas no o tanto

    para que se dobre a parada deste cantocomo se dobra o inteiro amorde quem ama a esperanae vive a aparncia de sangue que h na espera[...]Valia haver no coro de uma canoum solidrio podercresce dessa solido

    para que o viver abandoneo seu domiclio de silncioe caminhemos juntosa recompor o tempocom armas e livros de pouso

    (MIRANDA, 1992, p. 334-335)

    Como assinalamos anteriormente, a poesia de Luiz de Miranda deixa-nos entrever um

    corpo rebelde que se movimenta em direo configurao de um corpo revolucionrio

    medida que sai de si e convoca um canto geral, ao transformar-se num poeta viajante quedescortina as paisagens polticas e literrias da Amrica-Latina. Esse corpo revolucionrio

    evidencia-se tambm a partir da sua conexo com o ato de pensar, o qual apresentado como

    um peso que acompanha o poeta, ainda que se modifique a geografia. No Brasil, sob o AI5 ou

    sob a ditadura de qualquer pas latino-americano, pensar significa trazer luz as sombras

    arquivadas da memria. Temos ento no poema Conjugao Direta:

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    O peso de quem pensa pedra mais durano boca fechada

    que consentea manh tampada de cinza[...]

    No h sobreaviso que melindreo que vai cabeaa se aloja e palpitaa linha limpa da resistnciacomo a faca que desatacomo quem ataca o medonos tneis do seu segredo(MIRANDA, 1992, p.350)

    Em Solido Provisria, alm de escrever o poema Indagao latina sobre o

    assassinato do lder chileno Salvador Allende, o poeta ainda faz referncias a outros amigos,

    como Miguel Angel Bustos e Chico Urondo, o primeiro assassinado e o segundo desaparecido

    desde 1976, ano seguinte escrita do poema Buenos Aires, Buenos Aires. Observamos

    tambm o poema dedicado ao dramaturgo Paulo Pontes, intitulado Dezembro em voz baixa.

    Diante da angstia da morte, o poeta adverte os outros amigos: sossega Gullar, sossega Boal,

    hoje soluo!(MIRANDA, 1996, p.340)

    Resta-lhe um horizonte de palavras inflamadas, mas no apenas as palavras,

    tambm o seu corpo revolucionrio, a sua respirao confundem-se com o peso das armas e

    com a velocidade do fogo. Em alguns poemas, o sujeito potico utiliza as imagens da mo

    projetada para o soco, das armas e dos livros como instrumentos do corpo e do pensamento.

    Esses elementos mostram-se capazes de projet-lo para um tempo futuro, distante dos

    ressaibos do seu tempo provisrio a partir do qual se pronuncia. No poema intitulado As

    armas, evidenciamos, portanto, a relao entre a arma de fogo e o poder do corpo

    revolucionrio/irado do sujeito potico, o qual, como aponta Miranda, no est morto, apenas

    quieto, em estado de alerta:As armas no guarda-roupaso perdidas na ferrugemsem gatilho ou miraou algo que evidencie sua iraso onde a vida sem telhaou coberturaas armas mofamno os que atiram.

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    As armas movidas respiraoso mais que um cavalos vezes mais que uma idia

    a velocidade de seu fogomove-se a estampidos (...)(MIRANDA, 1992, p.343)

    Consideramos ainda o pensamento do poeta-crtico Octavio Paz (PAZ, 1996) ao

    afirmar que o revolucionrio compreende o tempo como primazia do futuro, crena no

    progresso, na destituio das hierarquias e das tradies. Nesse sentido, o revolucionrio

    concebe a histria como marcha, como um tempo retilneo do amanh por conhecer. O corpo

    rebelde, por outro lado, como a figura do maldito e do inconformado, retoma o tempo circular

    do mito:

    Por sua vez a palavra guerreira, rebelio, absorve os antigos significados de revolta ede revoluo. Como a primeira, protesto espontneo frente ao poder; como asegunda, encarna o tempo cclico que pe acima o que estava abaixo em um girarsem fim. (PAZ, 1996, p. 265)

    A relao entre poesia e histria mostra-se bastante evidente nos ensaios de Octavio

    Paz. Os pressupostos tericos pazianos vo, nesse sentido, ao encontro da perspectiva da

    potica de Miranda em Solido Provisria.No ensaio intitulado A consagrao do instante (PAZ, 1996, p.51-74) , Octavio Paz

    afirma que a poesia tanto est subordinada histria quanto a engendra. Todo dizer do poeta

    mostra-se como um dizer social, uma vez que seu discurso se insere no tempo histrico,

    responde sempre s demandas de um lugar, de um povo. Mesmo se o poeta nega ou ignora a

    histria, o tempo sucessivo e inexorvel far de sua solido o seu testemunho e, por vezes, os

    poetas iro referendar as instituies sociais de seu tempo.

    A palavra potica, por outro lado, no se circunscreve histria, paradoxalmente,

    transcende-a, porque, por ela, o poeta converge suas experincias sociais e individuais para

    uma temporalidade que est situada antes da histria, num momento arquetpico, mtico, no

    fundo de cada homem. A poesia sempre diz-se a si mesma e, ao dizer-se, sempre aponta para

    uma outra coisa, para a revelao do instante que nos traz o gosto de uma liberao, que nos

    conduz a outras terras, a outros cus, a outras verdades.

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    Pensar em Solido Provisria significa experimentar esse paradoxo de uma obra

    historicamente datada a revelar instantes em que a poesia pulsa em seus versos plenos de

    histria, porque consagram instantes, acontecimentos e relampejos de cada um de ns. Pela

    singularidade dessa linguagem, o poema faz-se movimento solidrio, fraterno, manifesta

    nossa condio, revela-nos o que somos. A potncia da palavra de Miranda mostra-se

    plenamente em seus breves poemas quando o sujeito potico reverencia a linguagem e

    sobrepe-se aos tempos passado-futuro, para fazer brilhar o acontecimento presente, a

    agoridade da poesia. Podemos evidenciar tais aspectos no poema Inquirio:

    Indago ao mar azul

    azul digodas roupas frente ao cunuma paisagem que mais

    amaragemde um verbo sendo amar(MIRANDA, 1992, p.326 )

    Ou ainda em Potica isolada:

    No existe solido na poesiaas palavras apenas quietasou inquietas transitamcomo sombras sonmbulasdo que detrs da morte e da vida

    escritocom a lucidez precisa do infinito(MIRANDA, 1992, p. 338)

    A potica de Solido Provisria irmana-se ao Poema Sujo, de Ferreira Gullar na

    medida em que ambos os textos atualizam o sentido dos corpos que neles se apresentam. Se

    em Miranda, o corpo potico desdobra-se entre a rebeldia e a revoluo, projetando-se por

    uma linguagem de extrema fora e lirismo; o corpo, nos versos sujos de Gullar, mostra-secomo uma inscrio da memria do poeta, de sua infncia e juventude e, simultaneamente, a

    viso angustiada de seu momento presente. Trata-se de um corpo metonmico, porque tudo no

    poema encaixa-se, guarda-se, como justifica o verso: uma coisa est em outra.(GULLAR,

    2001, p.66)

    Assim, nas memrias de um certo Jos Ribamar entrevemos um corpo sujo, o seu

    prprio corpo solitrio e exilado, um corpo escancarado em seus rgos, ossos, peles; exposto

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    em seus movimentos viscerais. Podemos mesmo dizer de um corpo cuja vida nada vale, no

    obstante pulsa clandestina, combatente. Por essa vida, percebemos o olhar do exlio, do corpo

    na cidade estrangeira que mira o prprio pas, a cultura brasileira em seus matizes

    atravessados pelo romantismo, pelas vanguardas e pelo modernismo. Juntamente s

    tendncias estticas nas artes, observamos no poema a viso histrico-poltica brasileira que

    est inserida na histria mundial, do mesmo modo como o sujeito potico, nordestino,

    encontra-se na Argentina, mas revela os costumes sociais brasileiros: uma coisa est em

    outra.(GULLAR, 2001, p.66)

    Como poeta, entretanto, Gullar viaja no tempo, sobrepe-se a ele, numa viso

    simultnea do passado e do presente. O autor procede a uma montagem na qual suasmemrias so interrompidas pela conscincia crtica de seu corpo acuado, desterrado,

    prisioneiro. Um corpo que, a despeito da viso clara sobre seu encarceramento poltico entre

    duas ditaduras, a brasileira e a argentina, mostra-se insurreto no espao onde aprendera a

    escutar a outra voz da poesia. Trata-se da outra margem da linguagem que consagra o

    instante, para lembrar Octavio Paz, (PAZ, 1996, p.51-74) onde a resistncia poltica e a

    liberdade esto asseguradas. Onde o corpo do poeta encarnou-se no verbo para enfrentar,

    com o auxlio dos amigos, o regime militar.Vincius de Moraes levou uma cpia do poema ao Brasil, aps ser lido para um grupo

    de poetas exilados. No Rio, Vinicius reuniu um grupo de amigos para ouvir o poema gravado

    por Gullar. As cpias do poema multiplicaram-se e foram ouvidas por muitas pessoas. O

    Poema Sujo antecipou o fim do seu exlio, como nos relata Ferreira Gullar no prlogo de seu

    livro:

    De fato, poucos meses depois, o Poema Sujo estava nas livrarias, suscitando ainiciativa de escritores, jornalistas e amigos para obter do regime militar a garantiade que eu pudesse voltar ao Brasil sem sofrer represlias. [...]A resposta foi no.Mas eu j estava canado do exlio, com dois filhos doentes e uma saudadeinsuportvel. Voltei, fui levado ao DOI-CODI, submetido a um interrogatrio de 72horas ininterruptas, acareaes e ameaas ( ameaavam de seqestrar um de meusfilhos internado numa clnica psiquitrica)[...] De qualquer modo, devo ao PoemaSujo o fim antecipado do meu exlio. (GULLAR, 2001, x)

    2. Corpo-facho, corpo-ftuo, corpo-fato

    Podemos dividir o poema-livro de Ferreira Gullar em qautro partes as quais

    intitularemos respectivamente: 1 Corpo prisioneiro (comea em turvo turvo at meu

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    corao de menino); 2 Montagens da memria (comea em claro claro at sopra-a nas

    rvores de So Lus) ; 3 Temporalidades: vises do pai e vises da cidade ( comea em

    No seria correto dizerat numa cidade to pequena). Por fim, temos a a 4 parte e

    tambm concluso do poema (comea em O homem est na cidade at quitandas, praas e

    ruas). Como nos relata Gullar, a concluso de seu poema foi escrita depois que seu primeiro

    flego terminara. Dadas as delimitaes do nosso artigo, abordaremos somente a primeira

    parte doPoema Sujo.

    A primeira parte que intitulamos Corpo Prisioneiro inicia-se com os primeiros

    versos do poema: turvo, turvo e termina com a expresso meu corao de menino. Aps

    esse ltimo verso, o texto apresenta uma pausa para depois retomar o jorro inicial de outraperspectiva.

    Os primeiros versos do poema-livro evidenciam a precipitao da palavra potica a

    partir do turvo, do sujo, do que ainda no pode ser visto. O corpo prisioneiro do sujeito-

    potico tem na mo a possibilidade de um sopro, de uma criao contra o muro escuro da

    prpria angstia ou mesmo da ausncia de formas da linguagem.

    turvo turvoa turva

    mo do soprocontra o muroescuromenos menosmenos que escuromenos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo.

    (GULLAR, 2001, p.3)

    O poema est dirigido a uma segunda pessoa, a uma mulher a qual pode ser

    identificada, nos primeiros versos, pelo rgo genital feminino, apresentado em linguagem

    chula. Ao contrrio dos grandes poemas picos, a musa noPoema Sujoest destituda de sua

    ura, de sua relevncia inspiradora, pois o sujeito potico nem sequer recorda o seu nome.

    Alm disso, o poeta vai cantar uma vida ordinria, cotidiana, em suas memrias de So Lus

    do Maranho. Os relatos mostram-se bastante distantes dos feitos hericos, matria da

    grandiloquncia potica. No Poema Sujo, as imagens vm ao leitor como fragmentos e sua

    intensidade revela um sujeito potico que se desenha entre a angstia do presente e a nostalgia

    do seu corpo no passado.

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    bela belamais que belamas como era o nome dela?

    No era Helena nemVeraNem Nara nem GabrielaNem Tereza nem MariaSeu nome, seu nome era...Perdeu-se na carne fria(GULLAR, 2001, p.04)

    Imediatamente evocao de sua musa annima, o sujeito potico adentra as

    memrias da cidade de So Lus, desvelando-nos um mundo em runas, uma vivncia que,

    vista agora do presente, aparece como resduo em objetos enferrujados que se perderam por

    entre as frestas do tempo. Trata-se de uma potica da degenerao, do apodrecimento, de

    cenas em apagamento, mas que insistem no poema e chegam ao leitor em flashes,

    visualmente, e em odores, sinestesicamente:

    Um prato de loua ordinria no dura tantoe as facas se perdem e os garfosse perdem pela vida caem pelas falhas do assoalho e vo conviver com ratose baratas ou enferrujam no quintal esquecidos entre os ps de erva-cidreira (...)Garfos enferrujados facas cegas cadeiras furadas mesas gastas balces de quitandas

    pedras da Rua da Alegria beirais de casas cobertos de limo muros demusgos(GULLAR, 2001, p.5)

    A partir desses dados cotidianos, dessas runas, podemos observar que o corpo do

    sujeito potico vai se encarnando, vai se concretizando proporo que a vida explode no

    texto com seus inmeros substantivos concretos instalados no seu enunciado. Observamos,

    assim os versos: No sei de que tecido feita a minha carne e essa vertigem/ que me arrasta

    por avenidas e vaginas entre cheiros de gs e mijo(...)(GULLAR, 2001, p. 5)

    O poeta tambm menciona a sua filiao potica: nem parnasiana, nem simbolista,

    mas a moderna cuja linguagem aproxima-se da fala, da voz das pessoas e de seus barulhos,uma potica que se pronuncia do escuro do corpo, isto , da carnadura, da presena concreta

    de um corpo o qual Gullar descreve como um corpo facho sem chama. (GULLAR,

    2001,p.5) Essa expresso se justifica, porque o poeta ainda busca a prpria encarnao,

    embora facho, luminoso, encontra-se apagado, sem foras, o corpo demora a acontecer:

    Mas que o corpo?Meu corpo feito de carne e de osso.Esse osso que no vejo, maxilares, costelas,

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    flexvel armao que me sustenta no espaoque no me deixa desabar como um saco vazio

    que guarda as visceras todas funcionando

    (GULLAR, 2001, p.8)

    O corpo do poeta torna-se mais denso, mais concreto a cada verso. Esse fato pode ser

    observado no s por meio das imagens. O corpo ou os corpos noPoema Sujo tm cheiros, os mais

    diversos. Odores que se misturam queles exalados nas grandes cidades. O corpo ou os corpos deixam

    tambm seus lquidos, suas secrees no poema:

    cheiros de umbigo e de vaginagraves cheiros indecifrveiscomo smbolosdo corpo

    do teu corpo do meu corpo(...)Meu sangue feito de gases que aspirodos cus da cidade estrangeiracom a ajuda dos pltanose que podepor um descuido- esvair-se por meu

    pulsoaberto

    (GULLAR, 2001, p.9)

    Do corpo-facho ao corpo-ftuo h uma mudana significativa de compreenso dessa

    concretude. O ftuo pode ser identificado, num primeiro momento, a um corpo efmero,

    transitrio, portanto frgil e mortal. Pode ser entendido ainda como aquele corpo nscio, que

    ignora a origem de um sofrimento ou de uma situao poltica, por exemplo; o que tolo e

    cuja transio se far para o corpo-fato. Este ltimo significa o corpo do poeta crtico, o corpo

    concreto, referencial em suas medidas de tamanho e volume. Significa tambm o corpo cuja

    situao de clandestino transforma-se num fato poltico, numa nova representao, isto , um

    corpo combatente, histrico. Mas por que prisioneiro, j que no se trata de um texto de

    memrias do crcere?

    Podemos justificar essa condio de prisioneiro em funo da prpria circunstncia de

    exlio forado: o poeta encontra-se em terra estrangeira, sente-se ameaado de morte por, pelo

    menos dois governos: o brasileiro e o argentino; sente-se encurralado, sem emprego ou

    passaporte. Trata-se de um sujeito cuja vida mostra-se muito mais do que clandestina. Trata-

    se de uma vida ordinria, nua, banalizada, sem perspectivas, imersa na angstia.

    O corpo-fato do sujeito potico vai sendo criado medida que ele observa a sua

    prpria constituio fsica, quando consegue deslocar a palavra chula do seu sentido

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    tradicionalmente entendido como sujeira, e abre seu prprio corpo para a vibrao das

    intensidades do erotismo, rediviva em seus versos:

    lngua no cu na boceta cavalo-de-crista chatonos pentelhoscorpo meu corpo-faloinsondvel incompreendidomeu co domstico, meu donocheio de flor e de sonomeu corpo-galxia aberto a tudo cheiode tudo como um monturode trapos sujos latas velhas colches usados sinfoniassambas e frevos azuisde Fra Angelico verdesde Czannematria-sonho de Volpi(GULLAR, 2001, p.11)

    O sujeito potico guarda em si outros corpos, assim como h mltiplos poemas dentro

    do poema. Encontramos aqui um corpo individual, familiar que se guarda no corpo nordestino

    que, por sua vez, guarda-se no mundo. Desde as dimenses mais singulares s universais, o

    corpo-fato relaciona-se tambm ao ato de pensar, entretanto, antes do pensamento, o corpo

    nascido na Rua dos Prazeres mostra-se como volio, portanto, tem no corao o seu rgo

    fundamental, capaz de circunscrever mais uma vez, metonimicamente, o prprio poeta:

    esse corao ocultopulsando no meio da noite, da neve, da chuvadebaixo da capa, do palet, da camisadebaixo da pele, da carne,combatente, clandestino aliado da classe operriameu corao de menino(GULLAR, 2001, p. 12)

    A angstia da solido provisria do poeta evidencia-se em seu poema e na sujeira que

    ele traz como emblema. Trata-se no s da pobreza local, precipitada pela descrio das casas,

    ruas e esgotos, mas principalmente da reflexo dessa cena ordinria da pequena cidadebasileira em contraste com as aes polticas e com as sombras da segunda-guerra mundial.

    Desse modo, podemos verificar esse contraponto e, atravessando-o, esse olhar crtico do poeta

    cujo corpo mostra-se, no presente, diferenciado da lembrana dos corpos de seus familiares,

    inseridos no mundo restrito de suas necessidades individuais. A angstia do sujeito-potico

    advm da opo por esse outro olhar mais denso, de uma existncia coletiva, na qual as

    pessoas esto interconectadas por uma experincia ao mesmo tempo social e fsica em relao

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    ao poder poltico institudo pelo golpe militar, distantes, portanto, de sua legitimidade poltica.

    Nas palavras de Gullar:

    Sob as sombras da guerra:a gestapo, a wehrmacht a raf a feb a blitzkrieg catalinas torpedeamos a quinta-colunaos fascistas os nazistas os comunistas o reprter esso a discusso na quitanda oquerosene o sabo de andiroba o mercado negro o blackout as montanhas de metaisvelhos o italiano assassinado na Praa Joo Lisboa o cheiro de plvora os canhesalemes troando nas noites de tempestade por cima da nossa casa. Stalingradoresiste.Por meu pai que contrabandeava cigarros, por meu primo que passava rifa, pelo tioque roubava estanho Estrada de Ferro, por seu Neco que fazia charutos ordinrios,

    pelo sargento Gonzaga que tomava tiquira com mel de abelha e trepava com a janelaaberta. (GULLAR, 2001, p. 7)

    A escrita que se descortina ao leitor no Poema Sujomostra-se indubitavelmente como

    uma luta corporal entre o sujeito potico e a cidade experienciada no presente e tambm

    revitalizada pela memria do corpo. Do mesmo modo, os poemas de Luiz de Miranda em

    Solido provisria refletem a singularidade de um poeta que se aventura pelas paisagens

    urbanas, como podemos destacar no poema Buenos Aires, Buenos Aires:

    Em Buenos Aires entardecemosEm Porto Alegre entardecemosAqui e l permanece o provisrioA surpresa a costurarnossos espaos em branco

    Por detrs desse tempo aparenteoutro tempo se inaugura: o presenteO presente sempre pressenteat os gritos apagados

    pois neles vibra um acordo no desfeitoum silncio afogado

    Pelos cantos da casaum olhar clnico investiga

    os desaparecimentos e os suicidase os que com vida se anunciam

    pelo nome

    Ao longo de Nuestra Amricaa tbua da lei

    no obedece ao corao cordo

    engolfado de uma adolescente tristeza

    O presente vem arreadode arredores mveis

    que liberam o frio da almaO andamento das folhas

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    sob o ventoO medo triste de morrer

    antes do tempo

    Ao longo de Nuestra Amricauma estatstica de coragemcaminha e se proclamade quem de s no desanimae nos ensina o lado opostodo desgosto

    Em Buenos AiresMiguel Angel Bustos, Chico Urondo

    E Juan Gelmanestabelecem um regime potico

    e resistem ao mal nascidos sombras do corao

    Com palavras secretasos poetas

    inauguram seus poemasdentro da agonia dos que no esperam amanhecer

    e escrevemquelas ruas de adeuses to graves

    e amigos mortose renncia iluminada debaixo da esperanaou rumor de armas, livros e corao

    se ouve a quilmetros

    Em Buenos Aires entardecemosa morte prematura

    prepara duras insniase a alma triste de Ferreira Gullar exiladoelege outra luta corporalonde estamos lado a lado

    Em Porto Alegrepor detrs desse tempo aparente

    se aquecem a coragemos bens noturnos da alegria

    e o silncio denso se moviacarregando mortos pela vida adentro

    (Buenos Aires, 1975)

    (MIRANDA, 1992. p. 355)

    Como no Poema Sujo, o poema de Miranda tambm apresenta uma linguagem

    prosaica, discursiva a traduzir um jorro de pensamento e tambm o dobrar-se do canto potico

    fora da morte prenunciada nos quatro cantos da Amrica Latina: em Buenos Aires, em

    Porto Alegre, em So Lus. Ambos os poemas demonstram uma concepo do espao urbano

    como esse lugar da aventura, conceito que se depreende a partir do ensaio de Adrin Cangi

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    intitulado En la sombra de la ciudad( CANGI, 2000). A aventura traduz-se por uma

    experincia que pressupe uma estranheza, uma condio marginal, uma percepo de

    situaes de alteridade. Ambos os poemas demonstram no momento poltico ditatorial uma

    sensao de insegurana, a perda da estabilidade corporal, subjetiva. Percebemos a

    intensidade da tenso da vida que marca a aventura. Esta se evidencia no poema pela co-

    relao entre o tempo provisrio e inslito e um tempo por vir, designado pelo poeta como o

    verdadeiro presente:

    Em Buenos Aires entardecemosEm Porto Alegre entardecemosAqui e l permanece o provisrioA surpresa a costurarnossos espaos em branco

    Por detrs desse tempo aparenteoutro tempo se inaugura: o presenteO presente sempre pressenteat os gritos apagados

    pois neles vibra um acordo no desfeitoum silncio afogado

    (MIRANDA, 1992. p. 355)

    Adrin Cangi refere-se ainda ao movimento de deriva dos corpos nas cidades

    articulado ao tempo da aventura. Trata-se de um tempo desejante, tempo do experimentar

    pleno do corpo, como podemos verificar nos versos de Miranda e de Gullar:

    Em Buenos Aires entardecemosa morte prematura

    prepara duras insniase a alma triste de Ferreira Gullar exiladoelege outra luta corporalonde estamos lado a lado

    (MIRANDA, 1992. p. 355)

    meu corpo cheio de sangueque o irriga como a um continenteou um jardim circulando por meus braos

    por meus dedosenquanto discuto caminholembro relembro

    meu sangue feito de gases que aspirodos cus da cidade estrangeira

    (GULLAR, 2001. p. 9)

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    GULLAR, Ferreira. Prefcio. Apud: Solido Provisria. In: Poesia Reunida (1967-1992).Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1992.

    GULLAR, Ferreira.Poema Sujo. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2001.

    GULLAR, Ferreira. A histria do poema. In: Poema Sujo. Rio de Janeiro: Jos Olympio,2001.

    MIRANDA, Luiz de. Solido Provisria. In: Poesia Reunida (1967-1992). Porto Alegre:Instituto Estadual do Livro, Riode Janeiro: Civilizao Brasileira, 1992.

    MIRANDA, Luiz de. Pequeno relato da minha frgil memria. Disponvel emhttp://orbita.starmedia.com/poetamiranda/entrevista.html . Acessado em 05 de julho de

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    PAZ, Octavio. A consagrao do Instante. In: Signos em Rotao. Trad.: Sebastio UchoaLeite. So Paulo: Perspectiva, 1996. p.51

    VILLAA, Alcides. Em torno doPoema Sujo. In:Poema Sujo. Rio de Janeiro: Jos Olympio,2001.

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