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67 15 12012 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do instituto de arquitetura e urbanismo iau-usp Maria Cecilia Lucchese Arquiteta e Urbanista, doutora em Teoria e História do Urbanismo pelo IAU-USP, Rua José Maria Lisboa, 826 ap. 52, CEP 01423-001, São Paulo, SP, (11) 984.441.648, [email protected] artigos e ensaios s primórdios: constituição do território administrativo de Londres 1 O crescimento de Londres no século XIX trouxe consigo um considerável aumento nos problemas urbanos. A extensa área urbanizada não tinha uma administração central e era formada por setenta e oito paróquias ao redor da antiga Londres, isto é, a City. Parte dessas paróquias estava sob jurisdição de cidades localizadas longe deste aglomerado urbano, como Middlesex, Kent e Surrey. Desta forma, tanto a City, quanto as paróquias, estavam submetidas a diferentes leis e serviços urbanos e de infra-estrutura que tinham sido outorgados a um grande número de pequenos órgãos comunitários, cada um deles cobrando taxas de serviços diferenciadas. Havia também alguns órgãos supra-municipais, que tinham atribuições setoriais e que atendiam à toda região, como era o caso do Comissariado Metropolitano de Esgoto (Metropolitan Commissioners of Sewers). Em 1855 os órgãos locais foram abolidos pelo Parlamento Britânico, paróquias agrupadas em agências distritais se constituíram como administrações locais e também foi criado um órgão central, a Agência Metropolitana de Obras (Metropolitan Board of Works), com a participação de membros eleitos pela agência de gestão da City (City Corporation), pelas agências distritais e pelas sedes paroquiais (vestries). A área sob a jurisdição da Metropolitan Board of Works – MBW foi denominada “Metrópole”. A MBW realizou várias obras, como a reparação e expansão da infra-estrutura de água e esgoto e construção de reservatórios de água. Também abriu várias ruas, ergueu pontes sobre o rio Tâmisa, criou parques públicos e adquiriu terrenos vagos na área metropolitana. Foram também dados à agência alguns poderes de controle edilício e urbano e de forma ainda incipiente, o poder para derrubar cortiços (slum clearance). Mesmo assim Londres ainda não tinha se transformado em um Condado, um estatuto jurídico de administração territorial na Inglaterra como os estados no Brasil. Não tinha um representante da O Resumo Este artigo apresenta o desenvolvimento do planejamento urbano implantado na Inglaterra, e em particular, no Condado de Londres, no segundo pós-guerra, período em que o town planning chegou a seu auge na Inglaterra. Analisa o Plano do Condado de Londres, desenvolvido pelo London County Council e por Patrick Abercrombie, que serviu de modelo teórico ao desenvolvimento de planos diretores urbanos na Inglaterra e no exterior, e também no Brasil. Palavras-chave: planejamento britânico, planejamento urbano no pós-guerra, Patrick Abercrombie. O planejamento urbano de Londres (1943 – 1947) 1 O histórico apresentado nesse item apoia-se em JA- CKSON, 1965.

artigos e ensaios O planejamento urbano de Londres (1943 ... · O planejamento urbano de Londres (1943 – 1947) 69 15 1[2012 artigos e ensaios levando a que se iniciasse um período

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6715 12012 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do instituto de arquitetura e urbanismo iau-usp

Maria Cecilia Lucchese Arquiteta e Urbanista, doutora em Teoria e História do Urbanismo pelo IAU-USP, Rua José Maria Lisboa, 826 ap. 52, CEP 01423-001, São Paulo, SP, (11) 984.441.648, [email protected]

artigos e ensaios

s primórdios: constituição do território administrativo de Londres1

O crescimento de Londres no século XIX trouxe

consigo um considerável aumento nos problemas

urbanos. A extensa área urbanizada não tinha uma

administração central e era formada por setenta e

oito paróquias ao redor da antiga Londres, isto é, a

City. Parte dessas paróquias estava sob jurisdição de

cidades localizadas longe deste aglomerado urbano,

como Middlesex, Kent e Surrey. Desta forma, tanto

a City, quanto as paróquias, estavam submetidas a

diferentes leis e serviços urbanos e de infra-estrutura

que tinham sido outorgados a um grande número

de pequenos órgãos comunitários, cada um deles

cobrando taxas de serviços diferenciadas. Havia

também alguns órgãos supra-municipais, que tinham

atribuições setoriais e que atendiam à toda região,

como era o caso do Comissariado Metropolitano de

Esgoto (Metropolitan Commissioners of Sewers).

Em 1855 os órgãos locais foram abolidos pelo

Parlamento Britânico, paróquias agrupadas

em agências distritais se constituíram como

administrações locais e também foi criado um

órgão central, a Agência Metropolitana de Obras

(Metropolitan Board of Works), com a participação

de membros eleitos pela agência de gestão da City

(City Corporation), pelas agências distritais e pelas

sedes paroquiais (vestries).

A área sob a jurisdição da Metropolitan Board of Works – MBW foi denominada “Metrópole”. A

MBW realizou várias obras, como a reparação e

expansão da infra-estrutura de água e esgoto e

construção de reservatórios de água. Também abriu

várias ruas, ergueu pontes sobre o rio Tâmisa, criou

parques públicos e adquiriu terrenos vagos na área

metropolitana.

Foram também dados à agência alguns poderes de

controle edilício e urbano e de forma ainda incipiente,

o poder para derrubar cortiços (slum clearance).

Mesmo assim Londres ainda não tinha se

transformado em um Condado, um estatuto jurídico

de administração territorial na Inglaterra como os

estados no Brasil. Não tinha um representante da

O

Resumo

Este artigo apresenta o desenvolvimento do planejamento urbano implantado

na Inglaterra, e em particular, no Condado de Londres, no segundo pós-guerra,

período em que o town planning chegou a seu auge na Inglaterra. Analisa o

Plano do Condado de Londres, desenvolvido pelo London County Council e

por Patrick Abercrombie, que serviu de modelo teórico ao desenvolvimento

de planos diretores urbanos na Inglaterra e no exterior, e também no Brasil.

Palavras-chave: planejamento britânico, planejamento urbano no pós-guerra, Patrick Abercrombie.

O planejamento urbano de Londres (1943 – 1947)

1 O histórico apresentado nesse item apoia-se em JA-CKSON, 1965.

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O planejamento urbano de Londres (1943 – 1947)

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Coroa (Lord Lieutenant), delegado ou corte de

justiça. Para fins jurídicos a City era um condado e

as outras áreas estavam subordinadas a condados

formados por outras cidades de maior porte.

Para que Londres tivesse seu conselho administrativo

foi criado o Condado de Londres, cujo território

abrangeu aproximadamente aquele que já estava

sob jurisdição da Agência Metropolitana de Obras.

Em 1889, portanto, foi criado o London County e

o London County Council, ou seja, o Condado de

Londres e o Conselho do Condado de Londres, e

o que era considerado “metrópole” passou a ser

esse condado.2

O Condado de Londres desde sua criação teve

particularidades em relação aos outros condados

da Inglaterra. Sua atuação administrativa se dava

sobre uma grande área edificada, sem área rural. Não

houve fidelidades ou privilégios a serem concedidos

a senhores rurais como em outros condados e

os membros de seu conselho tinham profissões

eminentemente urbanas, como comerciantes,

homens de negócios e profissionais autônomos.

O Conselho surgiu como um grupo democraticamente

eleito e passou a ter sob sua administração uma

série de serviços, parte deles herdados da Agência

Metropolitana de Obras e parte das atribuições das

antigas administrações locais, e no seu início não

tinha funções de planejamento urbano.

Aproximadamente dois terços de seus membros eram

conhecidos como “progressistas”, mas somente a

partir da segunda eleição o Conselho adquire um

caráter partidário.

Ao mesmo tempo em que foi criado o London

County Council - LCC, foram também organizados

vinte e oito Conselhos Metropolitanos Distritais

(Metropolitan Borough Council).

Estes eram controlados por partidos políticos, e

como as eleições de membros dos vários conselhos,

inclusive o do Condado, ocorriam ao mesmo tempo,

a maioria das lideranças locais eleitas era do mesmo

partido que a maioria dos membros do Conselho

do Condado e, portanto, de seu líder.

Os progressistas dominaram o Conselho até 1907,

quando então os Moderados (Conservadores)

passaram a ser maioria. Em 1910 foi criado o Partido

Trabalhista Londrino (London Labour Party) e a partir

de 1925 ele se transformou no segundo maior

partido em número de membros no LCC, tornando-

se a oposição oficial. Em 1934 o Partido Trabalhista

finalmente assumiu a liderança do Conselho, que

conservou até sua extinção em 1965.

Se, ao ser criado, o Conselho não recebera grande

apoio da população, aos poucos a população

de Londres passou a confiar no LCC como um

instrumento de serviço público.

Logo após a sua criação o LCC passa então a

gerir uma série de serviços, como abertura de

novas interligações viárias, reforma e construção

de pontes sob o Tamisa, túneis, serviços de água,

esgoto e drenagem. Também assumiu a operação

do transporte público, a denominação das ruas,

a criação de áreas verdes e parques, a criação de

um cinturão verde na periferia do Condado, a

preservação de praças e largos, a criação e gestão

de corpo de bombeiros, criação de um Código de

Obras e exercício do controle edilício, provisão de

habitações sociais, etc.

Era a administração da cidade, com funções

semelhantes àquelas de nossas prefeituras – com

a ressalva que não era o prefeito e sim um conselho

que o dirigia – e tinha meios para planejar a cidade

e implantar as ações planejadas. Mas também

atuava como nossas Câmaras de Vereadores, tendo

atividades legislativas. Para o desenvolvimento da

gestão do Condado, aos poucos o Conselho foi

instituindo um corpo técnico para assessorar as

decisões políticas e estabelecer programas, projetos

e obras.

Foi somente no período entre as duas grandes guerras

que o Conselho começou a desenvolver ações de

planejamento urbano. Essas ações começaram

timidamente nas áreas vazias do Condado, mesmo

porque o “Town Planning Act” de 1925 não permitia

o planejamento de áreas já edificadas. Somente em

1932, com a aprovação do “Town and Country

Planning Act”, o planejamento e o controle urbano

pôde ser exercido sobre todas as áreas.

Em 1945 tendo os Trabalhistas maioria no Parlamento

Britânico, e também no LCC, suas políticas definiram

a atuação deste órgão e a atuação pública em geral,

2 A Grande Londres (Greater London) que corresponde às nossas regiões metro-politanas, área para a qual foi desenvolvido o Plano da Grande Londres (Greater Lon-don Plan) em 1945, era uma área maior, que reunia vários condados.

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O planejamento urbano de Londres (1943 – 1947)

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levando a que se iniciasse um período de gestão

que ficou conhecido como Estado do Bem-Estar

Social.

Ainda que o LCC tivesse uma diretoria eleita, o

controle efetivo do Conselho cabia ao Líder do

Conselho, que comparativamente ocupava um

cargo que correspondia ao do primeiro-ministro.

Entre 1940 e 1947 esse cargo foi ocupado por

Lord Charles Latham, e depois desta data, por Sir

Isaac Hayward, líder sindical e filiado ao Partido

Trabalhista.

Terminada a guerra, a reconstrução do Condado

de Londres tornou-se a grande prioridade do LCC.

A construção de habitações e de novas escolas foi

considerada essencial, e o Plano do Condado de

Londres, elaborado em 1943 por J. H. Forshaw

(arquiteto do LCC) e Patrick Abercrombie deram

as diretrizes urbanísticas para que a reconstrução

fosse feita.

A reconstrução com agenda política

Os instrumentos para o planejamento e reconstrução

de Londres começaram a ser desenvolvidos ainda

durante a Guerra.

As primeiras iniciativas haviam sido realizadas no

período que se seguiu a primeira guerra com a

preocupação de controlar o uso e a ocupação

do solo e disciplinar a construção de habitações

sociais. As propostas eram concebidas como projetos

urbanos localizados, onde seriam construídos

empreendimentos habitacionais públicos e

privados.

Essas intervenções foram acompanhadas pela

aprovação de legislação urbanística como o

“Town Planning Act” de 1925. Esta foi seguida

pelo “Town and Country Planning Act” de 1932,

que permitiu a intervenção pública em áreas já

ocupadas e construídas e estendeu a possibilidade

de controle territorial a qualquer tipo de área,

urbana ou rural.

Essa lei permitiu que se começasse a agir sobre

a crescente suburbanização de Londres ao

longo das linhas de transporte ferroviário, e com

esse objetivo também foi aprovada em 1935 a

“Restriction of Ribbon Development Act” (restrição

ao desenvolvimento de faixas de urbanização), que

procurou impedir o espraiamento da área urbanizada

ao longo das estradas.

Em 1934 o LCC havia preparado vários planos

(planning schemes) para áreas desocupadas do

Condado, que passaram a se tornar os instrumentos

de controle do uso do solo. Empreendedores privados

que construíssem em desacordo com estes planos,

ou aqueles que desenvolvessem projetos para áreas

sem propostas espaciais e sem consentimento do

Conselho, poderiam ver seus empreendimentos

demolidos. Essa era a forma de planejamento e

controle urbano que havia em Londres antes da

segunda guerra.

Cullingworth e Nadin (1997) enfatizam a ineficiência

dessa forma de controle, pela forma burocrática

como era conduzida.

De fato, sob a Lei de 1932, os planos levavam, para serem preparados e passarem por todos os estágios, aproximadamente três anos. A aprovação final tinha que ser feita pelo Parlamento, o que daria aos planos força de lei, e como resultado disso alterações e emendas não eram possíveis, a não ser que se repetisse inteiramente o processo. (p. 16)

Se antes da segunda guerra o planejamento urbano

abrangente era um instrumento defendido somente

por associações profissionais, reformistas e pelo

Partido Trabalhista, durante a guerra ele tornou-se

consenso político, assim como o entendimento de

que eram necessárias profundas reformas sociais

e econômicas.

Além disso, a publicação, em 1942, do relatório de

William Beveridge3 sobre os evidentes defeitos do

sistema de saúde antes da guerra, da inexistência

de benefícios a desempregados, pensões, etc.,

recomendando uma ampla atuação do Estado na

previdência social, contou com ampla divulgação

pública e passou a representar o caminho “para

uma nova Grã-Bretanha”.

Durante a guerra, com incentivo da mídia, o tema

da reconstrução passou a ser a grande discussão da

população. (BULLOCK, 2002) As rádios começaram

a apresentar programas onde essas questões eram

discutidas e dois programas transmitidos pela BBC

tinham muito público no início dos anos 1940.

3 Beveridge, economista e reformista social, ficou mais conhecido por ter organizado esse relatório, que serviu de base para a instituição do Estado do Bem Estar Social na Inglaterra, pelos trabalhistas em 1945.

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Um deles era o “Brains Trust”, onde Beveridge, entre

outros, respondia a questões dos ouvintes. O outro

era o programa dominical “Postscripts” apresentado

por J. B. Priestley onde a tônica era reafirmar que

a Inglaterra estava lutando não somente pela sua

soberania, mas para conseguir um melhor futuro

para sua população.

Bullock (2002) coloca que esta construção ideal do que

deveria ser uma nova Bretanha, estava firmemente

apoiada em tradições locais e a identidade nacional

era fomentada sobre certos padrões culturais.

Para Priestley a reconstrução teria que assegurar e preservar as qualidades do Inglês – e dos Galeses e dos Escoceses – que os fazia tão diferentes dos Nazistas. O humor, a coragem, modéstia, a decência e imaginação, a determinação quando convocado, esboçado com afetuoso detalhe por Dickens, eram as qualidades que ele admirava. (p. 7)

Em 1941 iniciou-se também a discussão pela

reconstrução física das cidades, ainda que o primeiro-

ministro – Winston Churchill – desconsiderasse a

questão, por achá-la precipitada antes que houvesse

o fim da guerra. Mesmo assim, foi em 1943 que a

reconstrução tornou-se uma agenda política.

Em 1940 foi publicado o Relatório Barlow, resultado

dos trabalhos coordenados por Sir Montague Barlow

e que estudou a distribuição da população industrial

no Reino Unido (Commission on the Distribution of

the Industrial Population). O relatório recomendou

a criação de um órgão central para tratar do

planejamento urbano e rural, a alteração da legislação

de propriedade da terra (indenizações e apropriação

da valorização decorrente da atuação pública), a

dispersão do parque industrial por todo o território

e o esvaziamento industrial e populacional das

cidades congestionadas. Esse relatório foi de extrema

importância e condicionou o desenvolvimento das

políticas públicas britânicas de planejamento nos

vinte e cinco anos seguintes.

Apoiado nos resultados dessa Comissão, a criação

de um ministério de planejamento passou a ser uma

das reivindicações das instituições dos profissionais

envolvidos com a questão, como a Town and

Country Planning Association – TCPA, instituição

composta por profissionais britânicos de várias

áreas, em sua maioria agrimensores e arquitetos,

que teve importante papel na divulgação das ideias

da cidade jardim na Inglaterra e no exterior, e que

é atuante até hoje.4

O governo respondeu com a criação de um Ministério

de Obras e Construções (Ministry of Works and

Buildings) e indicou para ministro John Reith, que

havia sido Diretor Geral da BBC. Reith, ex-combatente

na marinha britânica e com vínculos com o grupo

londrino do Partido Conservador (Conservative

Party), em sua atuação como Ministro teve grande

influência de seu assessor Frederic Osborn, vinculado

à TCPA.

John Reith criou uma comissão com um grupo de

especialistas para discutir a questão da reconstrução

física. Ainda que a formação desse grupo tenha

sido ridicularizada pela revista The Architectural

Review, por ser extremamente heterogêneo, dele

fizeram parte profissionais que assumiram cargos

no governo entre 1942 e 45.

Segundo Bullock (2002) enquanto alguns grupos

faziam campanhas para determinados assuntos,

como a necessidade de se seguir somente as diretrizes

já consagradas das cidades jardim, outros tentavam

coordenar e focalizar a abordagem de todos eles.

Exemplo dessa última posição eram o Royal Institute

of British Architects – RIBA e o Town Planning

Institute – TPI, e da primeira a Town and Country

Planning Association- TCPA.

As diferenças entre as posições defendidas por esses

grupos eram grandes, principalmente porque a

TPCA, como dito, defendia a adoção de parâmetros

urbanísticos do movimento cidade-jardim, enquanto

o RIBA reunia arquitetos vinculados a diversas

correntes, desde os mais tradicionais até os mais

jovens e “radicais”, como Maxwell Fry e Leslie Martin,

vinculados às propostas modernistas dos CIAM.

Mas a bem coordenada campanha da TCPA pelo

desenvolvimento de planos abrangentes antes

do início das atividades de reconstrução, ganhou

a adesão do RIBA e do TPI, bem como de outras

organizações envolvidas com o assunto.

Todos esses movimentos levaram a criação em

1943 de um Ministério de Planejamento Urbano

e Rural em substituição ao Ministério de Obras e

Construções, ainda que a demissão de John Reith

4 A TCPA foi fundada como Garden City Association, em 1899 por Ebenezer Howard, e foi responsável pela im-plantação da primeira cidade jardim inglesa, a Letchworth. Teve um grande influência na Inglaterra, com a atuação de Frederic James Osborn, cole-ga de Howard e seu sucessor na direção da instituição, in-fluência que pode ser sentida nas normas contidas nas Leis de Planejamento Urbano e Rural, na elaboração do Plano do Condado de Londres e no Plano da Grande Londres, e na atuação de vários profis-sionais, no interior e fora do governo britânico.

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tenha diminuído muito a influência de Osborn e

consequentemente da TCPA.

Este era o clima social na guerra e nos primeiros anos pós-guerra. Havia um entusiasmo e uma determinação para alcançar a reconstrução social numa escala até então considerada utópica. A catalisadora era, claro, a própria guerra. (CULLINGWORTH e NADIN, 1997, p.21)

Não se aceitava mais que a política de planejamento

urbano e rural do pós-guerra fosse realizada através

de meros planos físicos (planning schemes) e ações

regulatórias. Ela deveria incorporar e buscar melhorias

para os aspectos sociais.

Outras duas comissões criadas no início dos anos

1940 tiveram grande impacto no desenvolvimento

posterior da legislação de planejamento.

Uma delas foi criada em 1941 para analisar a

questão de pagamento de indenizações e cobrança

de valorizações decorrentes da alteração de uso

da terra. Denominado Comitê de Especialistas

em Indenização e Valorização da Terra (Expert

Committee on Compensation and Betterment), suas

recomendações foram incorporadas à legislação,

em especial a de que se passasse para o Estado os

direitos sobre a implantação de empreendimentos

em toda terra não urbanizada, com pagamento

de uma indenização aos proprietários. Para as

áreas urbanizadas, a recomendação foi de que se

desapropriassem as áreas bombardeadas, bem como

os terrenos necessários à construção de habitações

para a população que nelas habitara.

A outra comissão, criada para estudar o uso da área

rural, teve menos expressão, mas suas recomendações

no sentido da preservação dos locais mais agradáveis

do campo e da criação de parques nacionais foram

também adotadas.

Como resultado o “Town and Country Planning Act”

de 1943 determinou que o controle sob o uso da

terra fosse estendido a todo o país e não somente

às áreas que tinham planos (schemes) definidos ou

legislação própria.

A lei seguinte, o “Town and Country Planning Act”

de 1944, definiu como deveriam ser tratadas as áreas

bombardeadas, criando as “áreas de reconstrução”.

Determinou que todas as autoridades locais poderiam

desenvolver e implantar planos de reconstrução e

permitiu que a compra de terrenos para esses objetivos

se desse de forma expedita, sem consultas a instâncias

superiores. Essa legislação também apresentou uma

relação de edifícios que deveriam ser preservados,

colocando a questão do patrimônio edificado como

uma das questões centrais da reconstrução.

A influência exercida por Reith na afirmação da

necessidade do planejamento abrangente, e de sua

oportunidade, foi além de seu cargo como Ministro

de Obras e Construções. Pôde ser vista no incentivo a

que determinadas cidades começassem a planejar sua

reconstrução, mesmo sem uma legislação específica,

como Coventry, Southhampton, Plymouth e Hull, e

por ter convencido o LCC, em 1941, a contratar Leslie

Patrick Abercrombie para assessorá-lo e para que,

juntamente com o arquiteto chefe do Conselho - John

H. Forshaw e outros arquitetos do LCC, elaborasse

um Plano para o Condado de Londres.

O Plano do Condado de Londres - 1943

O Plano do Condado de Londres (London County

Plan) foi elaborado em 1943, durante a guerra, com

o objetivo de propor medidas para após o término

da Guerra e foi desenvolvido por uma grande

equipe, coordenada pelo então Arquiteto-Chefe

do Conselho (J. H. Forshaw) com a assessoria de

Patrick Abercrombie.

Este plano teve um importante papel ao dar pela

primeira vez aos líderes políticos uma visão do que

os urbanistas consideravam uma política abrangente

para Londres, e teve enorme influência sobre

planejadores de vários países.

A abrangência do plano e várias de suas formulações

são creditadas pela literatura à influência exercida

por Abercrombie. Perceber essa influência exige

que nos aprofundemos um pouco mais na biografia

desse arquiteto.

Leslie Patrick Abercrombie

Patrick Abercrombie nasceu em 1879 na Irlanda.

Sua carreira se desenvolveu conjuntamente com

a institucionalização do planejamento urbano na

Inglaterra.

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Em 1909, W. H. Lever, apoiador do movimento

cidade-jardim e financiador de Port Sunlight, cidade

que construiu para os empregados de sua indústria,

exemplo para o movimento cidade-jardim, apoiou

financeiramente a criação de um Departamento

de Projeto Urbano (Civic Design) na Universidade

de Liverpool.

Abercrombie, que era professor (lecturer) no

Departamento daquela Universidade e por sua

posição como assistente do arquiteto daquela cidade,

Charles H. Reilly – que o indicou a Lever, conseguiu

sua transferência para o novo departamento,

assumindo o papel de pesquisador da Lever Research

Fellow. Lá, em 1910, tornou-se editor da primeira

revista de planejamento urbano da Inglaterra,

a Town Planning Review, que passou a ser um

importante elemento na discussão e divulgação do

planejamento urbano.

Em 1915 se tornou professor de Projeto Urbano na

Universidade, posição que ocupou até 1935, quando

passou a ser professor de Planejamento Urbano

(Town Planning) na University London College.

Abercrombie foi membro da Town and Country

Planning Association, do Royal Institute of British

Architects (do qual foi vice-presidente entre 1937 e

39) e do Town Planning Institute, e esteve presente

nas principais discussões sobre planejamento que

aconteceram na primeira metade do século XX.

Quando em Liverpool, pesquisou grande parte da

literatura existente sobre planejamento urbano e

passou a publicar uma série de artigos na Town

Planning Review, discutindo esses trabalhos.

Dehaene (2004) considera que os artigos mostram

claramente o pensamento de Abercrombie nesses

primeiros anos, e já apontavam elementos que

estiveram presentes em seus planos posteriores.

Um desses elementos é a apropriação da metodologia

de pesquisa proposta por Patrick Geddes em seu

livro “Cidades em Evolução”. Essa metodologia

foi reelaborada por Abercrombie, com duas

características específicas: de um lado ele conduziu

a pesquisa geddiana para uma abordagem técnica.

Se em Geddes a pesquisa poderia ser feita por

pessoas não especializadas, como professoras

primárias com a ajuda de seus alunos, a abordagem

de Abercrombie delimita a necessidade de um

conhecimento especializado, de topografia, de

história, de geografia, de sociologia, etc.

Por outro lado Abercrombie construiu a idéia do

estudo da evolução da cidade como uma abordagem

necessária para o plano, a partir da qual o planejador

além de estabelecer o que a cidade foi e o que ela

é, teria o insight – que é produto do conhecimento

específico que ele detém, sobre como a cidade ficaria

se fosse ou não planejada.

Ao estudar cidades de crescimento espontâneo e

compará-las com cidades planejadas, ele definiu

que ali se opunham dois tipos de cultura, a cultura

cultivada ou artificial – onde se tem planejamento

e cidades planejadas, e a cultura natural – que é o

crescimento natural da humanidade, o crescimento

espontâneo das cidades.

De acordo com Abercrombie, esta oposição não só causa a divisão entre dois modelos de desenvolvimento urbano (denominados, crescimento natural e desenvolvimento planejado), mas se dá igualmente entre cidade e campo, definindo duas diferentes estéticas – uma estética urbana na qual os objetos têm predominância sobre a paisagem natural, e uma estética rural, na qual os objetos estão inseridos, aparentemente sem contraste, na paisagem natural (DEHAENE, 2004, p. 17)

Ao contrário de Geddes, Abercrombie considerava

que transformar a cidade era uma tarefa com

várias fases autônomas: pesquisa, análise, plano

e implementação. E estabeleceu ser necessária a

produção de plantas (de pesquisa e do plano), que

mostrassem como a cidade era e como ela deveria

ficar no futuro, nos seus vários aspectos.

Essas definições, que aos poucos foram sendo

melhor elaboradas por Abercrombie em seus

artigos para a Town Planning Review, acabaram

por determinar uma metodologia para o plano,

que posteriormente foi complementada a partir do

acúmulo de experiências ao longo dos anos.

É interessante ainda citar os comentários de Dehanae

(2004) sobre o partido de desenho urbano que

Abercrombie utilizava no seu curso de Projeto

Urbano. A partir de leituras de Camillo Sitte e

Raymond Unwin, do conhecimento dos planos de

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Washington e Chicago, além de sua própria análise

de várias cidades européias, como Paris, sua particular

concepção misturava os ensinamentos de três linhas

de projeto urbano, a sitteana ou pinturesca, a do

movimento Cidade Bela e a advinda da Beaux-Arts

francesa.

Concepção, análise e propostas do Plano

O sumário do Plano do Condado de Londres, além

de textos introdutórios (apresentação, nota dos

autores, etc.), relaciona um preâmbulo, quatorze

capítulos tratando dos aspectos físicos do Condado,

quatro anexos que explicitam os dados levantados

por bairros, e uma lista de plantas e pesquisas

elaboradas, mas que não foram publicadas por

serem consideradas como tendo caráter sigiloso

ou de segurança nacional.

O Preâmbulo aborda de forma sintética todas as

questões trabalhadas no Plano e permite uma boa

visão da proposta.

A preocupação central do Plano era de respeitar

a estrutura e localização das atividades existentes

em Londres (ainda que “sanando” seus defeitos

“drasticamente se necessário”) e manter o forte

caráter da cidade, representado na existência de

uma série de bairros (community) cuja população

tinha uma forte identidade entre si.

Esses bairros, antigos vilarejos que foram anexados

pelo espraiamento do tecido urbano da cidade e

que possuíam centros comerciais, em sua maioria,

claramente demarcados, já não tinham limites físicos

claros. O objetivo do plano era reforçar os limites

desses bairros, tornando mais claras suas diferentes

identidades. Procurava-se preservá-los de fluxos

Figura 1: Os limites do Con-dado de Londres. Fonte: For-shaw e Abercrombie, 1944, figura entre pgs. 8 e 9.

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Figura 2: Adequação do sistema viário aos bairros. Fonte: Forshaw e Abercrom-bie, 1944, p. 54

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constante de tráfego e reconstruí-los onde isso

fosse necessário, caso houvesse áreas destruídas

pela guerra ou deterioradas.

Com essa a preocupação central foi proposto

um planejamento abrangente, que determinou a

localização de novas moradias, a alteração do tecido

urbano quando necessário, e criou um sistema de

espaços livres (áreas verdes, de recreação, praças

e parques) em todo o Condado.

Os principais defeitos que o Plano detectou na

cidade foram:

• O congestionamento de tráfego – tanto nas ruas

como no sistema de transporte público: metrô,

trens e ônibus.

• Áreas residenciais deterioradas e obsolescência do

East End – nas quais o maior defeito foi considerado

a falta de centros locais comunitários.

• Espaço livre inadequado e mal distribuído – onde

o maior defeito era a inexistência de áreas de

lazer local protegidas e adequadas a todas faixas

etárias.

• Mistura de usos indiscriminada – principalmente

mistura de residências e indústrias nos bairros

industriais e permanência das indústrias sem

necessidade às margens do Tamisa.

• Empreendimentos habitacionais sem qualidade

arquitetônica – principalmente os conjuntos

habitacionais de subúrbios, onde se construíam

fileiras de casas geminadas todas iguais.

• Sistema ferroviário – que nunca foi planejado

integralmente e cuja infra-estrutura não era

compatível com a melhoria do transporte de

Londres.

A partir desses pontos principais foram feitas as

propostas (remedy proposed), que, em sua maioria,

são setoriais, mas apresentavam um grande grau de

articulação entre si, pela forma interessante como

foi encarada a tarefa.

A visão dos planejadores sobre os papéis que a cidade

de Londres desempenhava, e como a cidade deveria

ser projetada para atender de forma adequada

a cada um deles, articulou as políticas setoriais

territorialmente no plano.

Em relação ao planejamento, Londres pode ser considerada sobre três aspectos principais; como

uma Comunidade onde as pessoas vivem, trabalham e se divertem; como uma Metrópole – a sede do Governo e um grande centro cultural e comercial; e como Máquina, com ênfase especial no maquinário de transporte. (FORSHAW e ABERCROMBIE, 1944, p. 7)

Dessa forma, cada proposta setorial foi combinada

dentro de um desses aspectos/papéis – Comunidade,

Metrópole, Maquinário, determinando uma clara

concepção de cidade e de qualidade de vida a ser

buscada.

Londres como comunidade

A análise preliminar mostrou que o zoneamento

pré-existente e o agrupamento das comunidades,

dividiam Londres em quatro grandes áreas: a área

central, a área do porto juntamente com as áreas

das grandes indústrias, as áreas residenciais centrais

e os subúrbios.

Em relação às áreas residenciais, o Plano reconhecia

três principais agrupamentos: o West Central Group,

o East Central Group, e o Suburban Group. Para

cada um desses grupos as diretrizes em relação ao

uso habitacional eram diferentes.

No West Central Group recomendava-se um

zoneamento para usos residenciais, e com

predominância de apartamentos, pois essa área

deveria servir como uma área de “recepção” de

moradores de outras áreas. No East End Group

estavam localizadas a maioria das áreas que devia

ser reconstruída, pois era a área mais bombardeada

na guerra e que continha o maior número de

cortiços (slums)5. Devia ser uma área onde se

“exportaria” população para outros locais da

cidade, mas com a manutenção de uma parcela

dela no local.

No Suburban Group era necessário um maior

controle público sobre futuros empreendimentos,

garantindo-se uma boa quantidade de espaços livres

e o predomínio de implantação de empreendimentos

residenciais.

Para que fosse possível aumentar a quantidade de

espaços livres considerada necessária, 16m2/pessoa,

precisava-se remover entre 500.000 a 600.000

pessoas das áreas mais centrais.

5 O Plano considerou como áreas de “slums” aquelas que contêm antigos e pequenos “cottages” na área periférica de Londres, casas operárias construídas no século XIX antes das legislações de con-trole edilício e antigas cochei-ras ou estábulos que foram adaptados como moradias na área central de Londres.

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Essa remoção se daria internamente ao Condado, e

o Plano apresentava a simulação de densidade final

prevista em cada bairro, bem como em cada caso a

quantidade de pessoas que deveriam ser removidas.

Como exemplo, em Bermondsey seriam removidas

36.061 pessoas, 37% do total, enquanto que em

Shoreditch seriam 46.020 pessoas, 58% do total,

e para os dois casos eles utilizaram uma densidade

líquida de 340 hab./ha.

Considerava-se ideal que a remoção da população

se desse paralelamente à das indústrias, ainda que

essa remoção, no Plano, fosse para áreas mais

periféricas do Condado e não para outras cidades

ou condados.

A partir do estudo de densidades existentes foi feita

uma proposta que posteriormente se aprimorou no

Plano da Grande Londres, que era propor densidades

diferentes do centro para a periferia.

No plano do Condado se considerou ideal uma

densidade líquida de 494 hab./ha na área central,

340 hab./ha na sub-área central e 247 hab./ha na

área mais externa.

As densidades adotadas não se referem a tipos

de edifícios, como casas ou apartamentos, e sim

a ocupação do terreno. Qualquer solução poderia

ser dada, desde que a densidade de uso do solo

resultante fosse a recomendada.

Cada bairro teria que ser dividido em unidades de

vizinhança, com população entre 6.000 e 10.000

habitantes (ou entre 20 a 40 ha de área), vinculadas

a uma escola elementar que as atenderia.

O Plano recomendava que cada unidade de vizinhança

de Elthan, bairro da periferia de Londres utilizado

como exemplo no Plano, tivesse diferentes tipos de

moradias, garantindo-se atendimento adequado

aos diferentes tamanhos de família e evitando-se a

monotonia construtiva. Essa proposta projetual foi

denominada de “arranjo misto” (mixed layout).

Dessa forma se pretendia garantir que famílias

grandes e médias fossem abrigadas em casas,

enquanto famílias pequenas ocupariam os

apartamentos. Os prédios de apartamento deveriam,

em sua maioria, ter até quatro andares, sem uso

de elevador. Prédios mais altos seriam projetados

para atender prioritariamente pessoas solteiras ou

casais sem filhos.

Os espaços livres de uma unidade de vizinhança seriam

destinados a praças semi-privadas, jardins comunitários,

play-grounds infantis, áreas esportivas e edifícios

comunitários, e também poderiam ser alugados para

hortas, pomares ou cultivo de flores.

Parques e espaços livres de maior porte não

seriam localizados na unidade de vizinhança, nem

comporiam o percentual de espaço livre por pessoa

recomendado. Localizados fora das unidades de

vizinhança deveriam proporcionar mais 12 m2/pessoa

formando um cinturão verde em seu entorno.

Os espaços livres também deveriam ser projetados

de forma a contornar todo o bairro, formando um

anel entre cada um deles.

O sistema de parques, além de proporcionar o

mínimo de espaço necessário no interior de cada

bairro, também era uma proposta que conectava

os espaços de toda a cidade, criando ligações

entre os principais parques, e deles com o cinturão

verde e com a área rural. Onde esses espaços livres

radiais fossem largos o suficiente, recomendava-

se a implantação de avenidas-parque (parkway),

reservadas para uso recreacional.

Outra grande preocupação do Plano era com as

áreas de reconstrução. Para elas foi recomendado

o desenvolvimento de planos abrangentes, que

deveriam ser precedidos de uma pesquisa sobre as

condições de moradia, do uso do solo, a quantidade

de moradias destruídas, as densidades de tráfego,

sendo os resultados mapeados.

Os princípios de planejamento que deveriam

ser utilizados na elaboração das propostas de

reestruturação das áreas eram:

• criação de unidades de vizinhança;

• criação de um sistema hierarquizado de vias

aproveitando-se ao máximo as principais ruas

existentes, e sempre que possível ruas mais

estreitas ou redundantes deveriam ser eliminadas,

ganhando-se esses espaços para outros usos;

• segregação do uso industrial em determinados

trechos da área, demolindo-se indústrias localizadas

no interior de áreas residenciais;

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• construção de novas habitações com diversas

tipologias: casas assobradadas, apartamentos em

prédios de 2, 3, 4 ou 10 andares, privilegiando-se

a construção de moradias individuais, e residências

agrupadas no entorno de pequenas praças ou em

ruas arborizadas;

• o comércio deveria se localizar em centros

compactos, com acesso por ruas de serviço e com

áreas para estacionamento, e em cada unidade

de vizinhança haveria uma área com comércio

local e em cada bairro um centro comercial

diversificado;

• escolas elementares seriam implantadas em cada

unidade de vizinhança;

• igrejas, assim como edifícios históricos, pubs

deveriam ser mantidos preferencialmente

onde estavam localizados, e suas construções

preservadas;

• centros comunitários seriam construídos no centro

de cada unidade, e no centro comercial do bairro

também estariam os edifícios públicos, como serviços

municipais, central de polícia, bombeiro, etc.

O trabalho exemplificava essas idéias com a

apresentação de planos de massa para a reconstrução

de várias áreas, mostrando as etapas em que os

trabalhos se dariam.

Londres como metrópole

Como metrópole, Londres era vista pelos autores

em seu caráter monumental e imperial.

A área central era o núcleo das atividades da cidade-

metrópole e era o objeto de análise, basicamente

sob dois ângulos. Um deles era o uso do solo dessa

área. O uso do solo, então, era predominantemente

não residencial e a proposta acentuou ainda mais

esse caráter sugerindo que edifícios residenciais

ali existentes fossem demolidos ou usados para

Figura 3: Plano de Espa-ços Livres. Fonte: Forshaw e Abercrombie, 1944, mapa entre pgs 46 e 47.

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outros fins. O centro como local de moradia era

então utilizado principalmente pela população mais

pobre e por estudantes, na proximidade do “setor

universitário”.

A Figura 4 mostra a predominância de usos

encontrada.

A proposta identificou determinadas concentrações

de uso e propôs que se acentuasse essa concentração,

criando um “zoneamento por atividades” dentro

do “zoneamento-não residencial”.

Esses “sub-zoneamentos” foram: o centro de

governo britânico e das colônias (Government and

Commonwealth Centre), no entorno do Whitehall

e a área com concentração de comércio, serviços,

restaurantes e atividades de lazer (West End), que

Figura 4: Análise Social e Funcional. Fonte: Forshaw e Abercrombie, 1944, figura entre pgs. 20 e 21.

por sua vez também foi dividida em sub-áreas,

por exemplo, a de cinemas e teatros, o centro

universitário e a City. Era uma proposta que segregava

imensamente as atividades.

Outra preocupação central era o tráfego, de veículos

e pedestres, visto como caótico e congestionado.

O centro deveria se tornar uma “área de acesso

restrito” (precinct), com a construção de um sistema

circular de vias que o contornasse.

A proposta viária teve o objetivo de permitir o

atravessamento da área central na sua porção

periférica, e dessa forma não fornecia acesso

pontual a edifícios, nem tinha muitas interligações

viárias. Ao anel viário só seriam conectadas as

principais vias radiais que ligam o centro com a

periferia.

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Também foram propostas ruas de atravessamento

orientadas no sentido dos pontos cardeais, e que,

em determinados trechos, deveriam ser construídas

em túneis e, em outros elevadas, fazendo a ligação

entre esse sistema circular e o segundo anel viário

de tráfego rápido proposto na área periférica.

Também era expressa a preocupação com a paisagem

urbana, prevendo-se a criação de pontos focais,

onde o projeto do sistema viário e os projetos de

renovação criassem perspectivas visuais.

O controle urbanístico sobre os novos

empreendimentos nas áreas de reconstrução seria

feito com a utilização de layout tridimensional.

Controle do esforço privado, sem uma prévia concepção de como um grupo de construções podem ser compostas, teve resultados lamentáveis no passado recente. É possível que a contratação de um grupo de arquitetos, de áreas diferentes, para produzir projetos de edifícios para alguns locais como o South Bank, para os pontos focais principais, e fachadas voltadas para os parques e praças, trabalhando em conjunto com o arquiteto

Figura 5: Proposta viária – Londres. Fonte: Forshaw e Abercrombie, 1944, figura entre pgs. 62 e 63.

do Conselho, e permitindo um maior ou menor grau de liberdade para o empreendedor privado, poderá levar a melhores resultados. O controle de gabarito, hoje intimamente ligado ao planejamento urbano e à economia, necessita ser administrado menos por fórmulas legais e mais de acordo com as necessidades arquitetônicas e topográficas. (FORSHAW e ABERCROMBIE, 1944, p.13)

Londres como mecanismo

A utilização do termo mecanismo está, neste caso,

vinculado a noção de eficiência e rapidez, pois nesta

parte do plano, Londres é enfocada principalmente

como uma “máquina de transporte”.

O plano viário teve o objetivo de lidar com as seguintes

questões: o aumento da circulação de veículos, a

segregação entre o tráfego de atravessamento e o local,

a redução do número de acidentes e a manutenção

dos bairros livres do tráfego de atravessamento, além

da provisão de rotas alternativas.

Houve também a preocupação em ligar os dezesseis

distritos metropolitanos a rodovias. As vias radiais

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fariam a conexão entre os parques, e seriam

projetadas como avenidas-parque.

Recomendações também foram feitas em relação ao

transporte ferroviário (metrô e trem). Foi proposta

também a implantação de um anel ferroviário para

transporte de carga, unindo as áreas de estocagem,

os mercados e as docas.

No plano ainda foram feitas considerações em

relação às obras viárias necessárias, à implantação

de infra-estrutura e equipamentos públicos de porte,

como hospitais.

Algumas considerações

O Plano do Condado de Londres é um fantástico

exemplo de metodologia de planejamento territorial,

que sabemos ter sido estudado por urbanistas de

vários países, a partir do final dos anos 1940.

Chama-nos a atenção a indicação ou utilização de

determinados conceitos que ainda nessa época não

eram terminologia corrente, mas que foram depois

amplamente utilizados por planejadores britânicos.

Como exemplo, foram propostas unidades de

vizinhança, que como conceito já havia sido utilizado

em projetos e planos urbanos6. Isso mostra a

importância da inter-relação científica e cultural

dos urbanistas britânicos e americanos.

A idéia de segregar usos, presente no Plano, apareceu

de forma tímida no ideário cidade-jardim, mas

foi amplamente difundida antes da guerra por Le

Corbusier e pelos CIAMs. Questões como hierarquia

viária, com vias destinadas a tráfego rápido, tráfego

lento e a uso restrito, de certa forma já faziam

parte das proposições de urbanistas, desde o início

do século.

Mas existem algumas propostas que entendemos

terem surgido com este plano.

As mais importantes se refletem na preocupação

com a manutenção da vida comunitária nos bairros

e no respeito ao uso do solo existente. Elas unem

de forma igualitária idealismo e pragmatismo, e

sem dúvida esse deve ter sido uma característica

que levou à ampla difusão internacional desse

plano como exemplo de planejamento territorial

bem sucedido.

Outras inovações estão relacionadas ao uso de arranjos

habitacionais mistos, isto é, a utilização de várias

tipologias de edifícios no mesmo empreendimento;

a proposição de controles urbanísticos para o uso e

ocupação do solo e para os gabaritos dos edifícios,

que não são definidos por normas legais, mas sim por

maquetes com layout da área, prática que passou a

ser denominada de zoneamento “tridimensional”.

Também é muito importante registrar que o plano

trouxe prioridades claras de intervenção, definindo

etapas sucessivas de obras e intervenções para os

cinqüenta anos seguintes.

O plano do Condado de Londres passou a ter uma

autoridade inquestionável, uma autoridade que

era técnica mas também política, uma vez que se

priorizava a reconstrução das áreas industriais e de

moradias de população de menor renda, as mais

destruídas pela Guerra.

Essa autoridade, sendo institucionalizada através de

leis urbanísticas e de intervenções de fato, ajudou

a dotar o planejamento de uma aura de ciência,

método inquestionável para trazer soluções aos

problemas urbanos, que se difundiu amplamente

por outros países.

Vários brasileiros estudaram planejamento urbano na

Inglaterra nos anos 50, como Hélio Modesto, Harry

Cole e Jayme Zettel. De volta ao Brasil se tornaram

professores de planejamento urbano (Modesto),

trabalharam no detalhamento do projeto urbanístico

de Brasília (Cole e Zettel), foram responsáveis por

ações governamentais de difusão do plano integrado

(Cole) e, nessas ações, trouxeram a forte influência

desse aprendizado.

Dessa forma, não surpreende que nos anos 60

e 70, no Brasil, a defesa de planos abrangentes

(compreensivos) fosse a tônica, e que toda uma

geração de arquitetos tivesse dedicado grande parte

de sua atuação à elaboração de planos, ao contrário

da predominância da atividade de projeto do edifício

e de projeto urbano que caracterizou a maior parte da

atuação dos arquitetos nas décadas precedentes.

Referências bibliográficas

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6 As unidades de vizinhança apareceram no Plano para Nova York e seus Arredores, elaborado pela Russell Sage Foundation, e o diretor para a elaboração do plano foi um dos criadores do Town Planning Institute, Thomas Adams.

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