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1 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número 12, novembro de 2013. www.faceq.edu.br/regs RELAÇÕES DE GÊNERO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: UMA REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA NACIONAL E INTERNACIONAL Maria Clara Lopes Saboya (USP/FACEQ-UNIESP) * Resumo A maioria dos autores, na atualidade, aborda os conceitos de sexo e gênero pela perspectiva de que eles se constituem como construções histórico-sociais a partir da percepção cultural das distinções sexuais, opondo-se às ideias essencialistas de sexo e gênero. Sendo assim, é necessário observar os processos socioculturais no interior dos quais se articulam esses dois conceitos; é preciso destacar também a multiplicidade de fatores intervenientes nessa relação, bem como a importância do discurso na construção dessas mesmas articulações, especialmente quando tratamos da inserção de mulheres no ensino superior, em áreas socialmente consideradas de gênero masculino. Partindo desses pressupostos, pretendemos, neste artigo, fazer uma breve revisão teórica relacionando Ciência e Tecnologia (C&T) e Relações de Gênero, considerando alguns estudos nacionais e internacionais sobre o tema, destacando ainda a escassez de produções acadêmicas que entrecruzam essas duas áreas. Palavras-chave: Relações de Gênero. Ciência e Tecnologia (C&T). Mulher. Ensino Superior. Desigualdade. Introdução O enfoque acadêmico sobre Relações de Gênero remonta aos estudos feministas da década de 1960, que procuraram denunciar a segregação política, econômica e social em relação à mulher. De um lado, o feminismo, por meio de suas lutas específicas, chamou a atenção para a desigualdade política, jurídica, social e econômica das mulheres; de outro, foi a fundo em suas reflexões sobre a desigualdade, possibilitando o * Doutora em Educação pela FEUSP (2009), mestre em Educação (2004), Pedagoga (2005) pela mesma instituição (FEUSP) e Cientista Social (1991) pela FFLCH-USP. É professora da Faculdade Eça de Queirós (Faceq-Uniesp).

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    Educao, Gesto e Sociedade: revista da Faculdade Ea de Queirs, ISSN 2179-9636, Ano 3, nmero 12, novembro de 2013. www.faceq.edu.br/regs

    RELAES DE GNERO, CINCIA E TECNOLOGIA:

    UMA REVISO DA BIBLIOGRAFIA NACIONAL E

    INTERNACIONAL

    Maria Clara Lopes Saboya (USP/FACEQ-UNIESP)*

    Resumo

    A maioria dos autores, na atualidade, aborda os conceitos de sexo e gnero pela

    perspectiva de que eles se constituem como construes histrico-sociais a partir da

    percepo cultural das distines sexuais, opondo-se s ideias essencialistas de sexo e

    gnero. Sendo assim, necessrio observar os processos socioculturais no interior dos

    quais se articulam esses dois conceitos; preciso destacar tambm a multiplicidade de

    fatores intervenientes nessa relao, bem como a importncia do discurso na construo

    dessas mesmas articulaes, especialmente quando tratamos da insero de mulheres no

    ensino superior, em reas socialmente consideradas de gnero masculino. Partindo

    desses pressupostos, pretendemos, neste artigo, fazer uma breve reviso terica

    relacionando Cincia e Tecnologia (C&T) e Relaes de Gnero, considerando alguns

    estudos nacionais e internacionais sobre o tema, destacando ainda a escassez de

    produes acadmicas que entrecruzam essas duas reas.

    Palavras-chave: Relaes de Gnero. Cincia e Tecnologia (C&T). Mulher. Ensino

    Superior. Desigualdade.

    Introduo

    O enfoque acadmico sobre Relaes de Gnero remonta aos estudos feministas

    da dcada de 1960, que procuraram denunciar a segregao poltica, econmica e social

    em relao mulher. De um lado, o feminismo, por meio de suas lutas especficas,

    chamou a ateno para a desigualdade poltica, jurdica, social e econmica das

    mulheres; de outro, foi a fundo em suas reflexes sobre a desigualdade, possibilitando o

    * Doutora em Educao pela FEUSP (2009), mestre em Educao (2004), Pedagoga (2005) pela mesma

    instituio (FEUSP) e Cientista Social (1991) pela FFLCH-USP. professora da Faculdade Ea de

    Queirs (Faceq-Uniesp).

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    aparecimento de trabalhos sobre relaes de gnero e mulher, pondo em xeque

    argumentos historicamente tomados como naturais.

    O principal deles, ancorado na ideia da diferenciao biolgica e sexual de

    homens e mulheres como justificadora das desigualdades sociais, foi, desde o incio,

    refutado pelos estudos feministas que procuraram demonstrar que as identidades do

    masculino e do feminino se constroem cotidianamente na esfera do social, no pelas

    caractersticas sexuais, mas sim pela forma como essas caractersticas so valorizadas e

    representadas em diferentes contextos histricos.

    Assim, podemos afirmar que o debate terico sobre sexo e gnero tem sido

    marcado pelo contraste entre duas posies: o essencialismo e o construtivismo social.

    Os que adotam o essencialismo (bastante criticado atualmente) defendem que h algo

    inerente a uma suposta natureza humana, inscrita nos corpos, na forma de um instinto

    ou energia sexual, que conduziria o comportamento de homens e mulheres. J os

    construtivistas sociais tentam reconstituir as categorias de sexo e gnero desvinculando-

    as de qualquer forma de essencialismo e apontando para a construo histrica e social

    desses conceitos.

    As diversas tendncias construtivistas variam de um culturalismo extremo que

    atribui ao corpo um papel secundrio, sustentando que as diferenas sexuais so, na

    verdade, construes culturais, e negando qualquer possibilidade de generalizao de

    conceitos, dado que as culturas so irredutveis umas s outras at uma disposio

    terica que toma o corpo como sede das relaes sociais de sexo, como um sexual

    somatizado, ou seja, da observao do corpo, das diferenas entre o corpo masculino e

    o feminino, que o prprio corpo, o sexo e as relaes sociais que constituem hierarquias

    entre os sexos as relaes de gnero foram pensadas e podem ser repensadas.

    De qualquer forma, para o construtivismo necessrio problematizar no apenas

    a universalidade de um suposto instinto sexual, como tambm a atribuio de causas

    nicas e naturais para as relaes sociais. necessrio observar os processos

    socioculturais no interior dos quais se articulam sexo e gnero; destacar tambm a

    multiplicidade de fatores, a importncia do discurso na construo dessas mesmas

    articulaes. Por essas observaes pode-se perceber que tanto o conceito de gnero,

    quanto o de sexualidade so bastante controversos. Entretanto, a maioria dos autores, na

    atualidade, aborda os conceitos de sexo e gnero pela perspectiva de que eles se

    constituem como construes histrico-sociais a partir da percepo cultural das

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    distines sexuais, opondo-se s ideias essencialistas de sexo e gnero (SABOYA,

    2008).

    Ao mostrar a historicidade destes conceitos, os estudiosos do assunto

    descortinam a variao entre as culturas na prescrio do que seja mais adequado a cada

    categoria de gnero (SCOTT, 1995), demonstrando que a cultura a chave para que se

    possa entender no apenas as diferenas e semelhanas entre os sexos, mas tambm

    como essas semelhanas e diferenas se transformam em relaes de dominao e

    poder, igualdade ou desigualdade e, tambm como, a partir da construo das relaes

    de poder dentro de cada sociedade, se estabelece o que ser aceitvel ou no, em termos

    comportamentais.

    Cincia e Tecnologia (C&T) e Relaes de Gnero

    Partindo da perspectiva de que as relaes de gnero e a prpria sexualidade so

    construes histrico-sociais, nosso objetivo neste artigo fazer uma reviso terica

    sobre a produo acadmica a respeito da insero de mulheres no campo da Cincia e

    Tecnologia (que denominaremos como C&T). Nesse sentido, quando nos voltamos para

    a anlise dos estudos existentes sobre gnero na rea de C&T encontramos basicamente

    trs tipos de abordagens, conforme propem as pesquisadoras espanholas Marta

    Gonzalez Garcia e Eullia Perez Sedeo (2006): a) As que se voltam para a presena ou

    ausncia das mulheres na carreira e as barreiras que lhes so impostas e, nessa

    perspectiva, apontam situaes de excluso das mulheres, nessa rea; b) As que

    discutem os contedos generificados da prpria definio de C&T; c) As que

    consideram esse como um campo epistemolgico de construo do conhecimento, sob o

    domnio masculino.

    Como esclarecem Gonzalez Garcia e Perez Sedeo (2006), essas trs abordagens

    no so estanques, ou seja, elas no se separam radicalmente; no entanto, o foco de

    nossa anlise est no mbito da primeira abordagem: o das mulheres como minoria na

    rea de C&T. Nesse sentido, nossa pesquisa no discute a segunda e a terceira

    abordagens. As autoras citadas adaptaram uma classificao feita por Sandra Harding

    em obra publicada em 1986 e retomada em estudos posteriores. Sandra Harding (1986,

    1987, 1998, 2001), professora da Universidade da Califrnia, Los Angeles, (EUA) faz

    uma classificao dos estudos sobre C&T pela perspectiva feminista, considerando que

    na Europa e nos Estados Unidos, essas anlises tm sido produzidas sob a influncia de

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    mais de trs dcadas do movimento das mulheres e dos estudos de cincias sociais e

    tecnologias ps-positivistas, durante o mesmo perodo.

    Segundo S. Harding (op. Cit.), as anlises feministas indicam como as cincias

    modernas tm estado integradas s relaes de gnero em suas pocas histricas. Assim

    a pesquisadora identifica alguns temas importantes classificados em cinco tpicos: a

    discriminao sexista e androcntrica nos processos e resultados da pesquisa cientfica,

    nas estruturas sociais das cincias, na cincia da educao, nas concepes da

    tecnologia e nas epistemologias e filosofias da cincia.

    Quanto aos conceitos de sexismo e androcentrismo, embora Sandra Harding (op.

    Cit.) no os defina explicitamente, fica claro, em suas obras que os dois conceitos se

    referem s barreiras que so impostas insero das mulheres na cincia (especialmente

    as exatas, tambm chamadas de cincias hard) e, em contrapartida, s facilidades

    encontradas pelos homens para essa mesma insero, o que confere cincia um carter

    androcntrico, ou seja, a estrutura social da cincia no apenas exclui as mulheres de

    seu universo, mas esse universo historicamente construdo no masculino.

    O resultado dessa configurao a sub-representao das mulheres nas C&T,

    gerada pelo pressuposto de que as mulheres seriam incapazes para competir em

    carreiras desses campos, faltando-lhes habilidades e talentos necessrios ao fazer

    cientfico. A lgica presente no campo da C&T sexista e androcntrica, pois enfatiza o

    lado masculino de um conjunto de dualismos generificados: objetividade versus

    subjetividade, racionalidade versus irracionalidade/emocionalidade, mente versus

    matria ou corpo.

    Presena e ausncia das mulheres na Cincia e Tecnologia: as barreiras

    Sobre a questo da discriminao sexista na rea de C&T, Harding (1986) se

    reporta ao Guia da Sade das Mulheres de Boston que foi publicado em 1970. Essa

    iniciativa pioneira do movimento pela sade das mulheres buscou superar a ignorncia

    que ordenava as interaes dos mdicos com as pacientes por meio de polticas do

    complexo mdico-industrial. Ao contrrio das advertncias convencionais sobre as

    influncias nocivas da poltica no desenvolvimento do conhecimento, foi feita uma

    coalizo de cientistas e ativistas polticos feministas, para lanar este novo foco de

    pesquisa.

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    Ao mesmo tempo, bilogas feministas comearam a criticar as injunes da

    sociobiologia sobre a naturalidade da subordinao das mulheres dominao

    masculina. Um grupo organizou os programas genes e gnero nos encontros anuais da

    American Association for the Advancemente of Science o que incentivou alguns dos

    primeiros trabalhos sobre gnero e cincia. Bilogas feministas e os movimentos da

    sade das mulheres tornaram-se foras expressivas e poderosas nos estudos cientficos

    feministas (FAUSTO-STERLING, 1994/1995; CLARKE, 2000).

    Enquanto isso, as crticas aos mtodos e resultados androcntricos e sexistas de

    pesquisa na histria e nas cincias sociais tambm comearam a aparece, fornecendo,

    assim, recursos para lutas polticas. Por exemplo, o sistema legal dos Estados Unidos

    lentamente foi forado a reconhecer a necessidade de assumir uma posio feminista a

    respeito do estupro, do abuso domstico, do assdio sexual, da igualdade do valor das

    mulheres no trabalho e de um padro feminino de racionalidade ("Rational Woman"

    Standard) nos casos de responsabilidade civil (HARDING, 1987).

    Na medida em que as cincias naturais passaram a reconhecer suas histrias

    sociais, esse trabalho passou, tambm, a influenciar histrias, sociologias, filosofias da

    cincia e tecnologias marcadas pelos gneros. Modelou, at mesmo, estudos das

    cincias que se presumiam imunes s influncias culturais, tais como a fsica e a

    astronomia (HARDING, 2001). Crticas elevaram-se, no final do sculo XX, contra a

    discriminao sofrida pelas mulheres na estrutura social da cincia, da matemtica, da

    medicina e da engenharia (ROSSITER, 1982, 1995, 2003; SCHIEBINGER, 1989, 1993,

    2001). Em 1970, essas lutas estavam longe de uma concluso. A formao dos ncleos

    de mulheres nas disciplinas das cincias sociais e naturais e das organizaes das

    mulheres nas universidades e na indstria levaram adiante essas campanhas

    (HARDING, 1987).

    Maria Margareth Lopes (1998 e 2002) destaca que, a partir dos anos 1980, o

    campo cientfico de estudos sobre mulheres se diversifica em estudos feministas,

    estudos sobre relaes de gnero e estudos sobre mulheres e trabalho. Embora a vasta

    literatura mencione tal diversidade enfatizando a herana feminista da maior parte

    desses interesses, pode-se apontar o surgimento de pesquisas que se pautam sobre a

    noo de invisibilidade das mulheres na cincia, sobre a excluso e expropriao de

    mulheres cientistas. Nessa perspectiva, a pesquisadora Margaret Rossiter (1982)

    apontou que, embora a prtica cientfica se apresente como universalista e assexuada, a

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    situao das mulheres na cincia aparece ainda com muitos preconceitos e

    discriminaes em relao a elas.

    Segundo pesquisas realizadas por essa mesma autora (ROSSITER, 1982, 1995,

    2003), os preconceitos se revelam na alocao de postos de trabalho: delegam-se s

    mulheres tarefas repetitivas e consideradas femininas, como por exemplo, as que

    demandariam qualificaes especficas expresso essa que seria um eufemismo para

    tarefas repetitivas e consequentemente mal pagas que exigiriam maior cuidado e

    ateno (como as relacionadas ao posto de auxiliar nos laboratrios) e que, por

    conseguinte, deixariam as mulheres fora dos crculos de deciso; em outras palavras,

    atividades que as impossibilitariam de subir na carreira acompanhando seus colegas

    homens. Alm disso, as mulheres fariam carreiras mais longas, demorando-se mais que

    os homens nos diferentes nveis, em razo de casamento e/ou filhos, o que lhes exigiria

    uma dupla jornada de trabalho.

    Segundo Rossiter (1982), o primeiro dado que chama a ateno dos analistas o

    desaparecimento das mulheres ao longo da carreira, isto , quanto mais se sobe na

    carreira cientfica, menor o nmero de mulheres em cada patamar. Atualmente,

    embora consideradas ilegais na Europa, nos Estados Unidos e em muitas outras partes

    do mundo, ainda permanecem as barreiras formais contra o acesso das mulheres ao

    trabalho e pesquisa cientfica em seus diferentes ramos, diplomao, publicao, aos

    contratos laboratoriais e aos conselhos das sociedades cientficas, sendo, segundo a

    autora (op. Cit.) desafiador identificar e eliminar as poderosas e constantes fontes de

    discriminao. O Relatrio sobre Mulheres e Cincia do Massachusetts Institute of

    Technology MIT (1999), por exemplo, repercutiu positivamente em muitas das elites

    cientficas e departamentos de engenharia, tendo revelado os caminhos pelos quais as

    normas generificadas da sociedade, incluindo as expectativas de obrigaes das

    mulheres na famlia, continuam a discriminar em diferentes modos as mulheres, tanto as

    jovens quanto as pesquisadoras seniores do MIT.

    Em relao Amrica Latina, graas ao crescimento da participao das

    mulheres na educao superior e na ps-graduao, hoje elas representam entre 35 e

    50% do total de pesquisadores dos pases latino-americanos. Tais propores

    encontram-se bem acima daquelas exibidas pelas mulheres nos pases da Unio

    Europeia onde, em mdia, mais de 2/3 dos pesquisadores em institutos pblicos de

    pesquisa e 3/4 daqueles nas instituies de Ensino Superior so homens; ou nos Estados

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    Unidos, onde em cada cinco pesquisadores se encontra apenas uma mulher (VELHO;

    PROCHAZKA, 2003).

    Mais recentemente, um estudo realizado por David Beede (et al., 2011) do

    Departamento de Comrcio dos Estados Unidos mostrou que as mulheres ocupam

    apenas 24% dos postos de trabalho em cincia, tecnologia, engenharia e matemtica

    (STEM, na sigla em ingls) naquele pas e, confirmando dados de pesquisas anteriores,

    apontou que elas ganham em mdia 12% menos do que os homens, nessas carreiras. O

    documento Women in STEM: A Gender Gap to Innovation (BEED et al., 2011), foi

    escrito com base em dados de 2009, e mostra a inequidade de gnero que vem se

    mantendo constante na ltima dcada, apesar do aumento da presena de mulheres no

    ensino superior em STEM. Essa pesquisa aponta ainda que, nas carreiras em geral, as

    mulheres respondem por 48% dos empregos, ndice que cai pela metade quando se

    refere s carreiras de STEM. O estudo destaca tambm que as mulheres com formao

    em cincia, tecnologia, engenharia e matemtica tm uma probabilidade menor de atuar

    em postos de trabalho de STEM do que seus colegas do sexo masculino, sendo que

    essas profissionais tendem a ocupar postos nas reas de educao ou de sade.

    Melo (2008) mostra que as mulheres pesquisadoras esto destacadamente

    presentes na produo do conhecimento no Brasil e, em certas reas (excetuando-se os

    patamares de tomada de poder e deciso), como nas cincias humanas e sociais, as

    mulheres constituem ampla maioria, sendo sua presena inequvoca e sua atuao

    expressiva, o que acontece tambm nas reas ligadas sade, onde cresceu muito o

    nmero de mulheres, com importantes nomes realizando pesquisas de relevncia

    mundial. Mas, entre os programas de ps-graduao, as docentes mulheres encontram

    mais barreiras que os homens para acumular capital cientfico e avanar em suas

    carreiras (LETA; MARTINS, 2008). Uma das possveis explicaes para isso estaria

    relacionada questo da hierarquia que implica poder de deciso e que importante

    para a seleo de tpicos de pesquisa e alocao de recursos. exatamente nesse

    aspecto que a posio das mulheres se deteriora sensivelmente, j que poder, controle e

    comando so caractersticas que, por representao1, remetem ao masculino (HAYASHI

    et al., 2007).

    1 O conceito de representao utilizado ao longo deste artigo est fundamentado nas ideias de Michel

    Foucault (1992, 1997). Assim, a representao no se constitui como um lugar de origem ou um

    referencial, mas sim como um efeito ou uma construo a partir da conjuno de inmeros fatores, dentro

    de uma lgica discursiva. Essa concepo enfatiza as capacidades inventivas dos sujeitos e as estratgias

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    Inmeros casos podem ser citados no Brasil, assim como nos demais pases da

    Amrica Latina, sobre a pequena participao das mulheres pesquisadoras em postos de

    direo e de poder de deciso, especialmente, na rea de C&T. Nesse sentido, Velho e

    Prochazka (2003), Hayashi (et al., 2007) e Melo (2008), mostram que mesmo que os

    dados no estejam mo, basta olhar quem ocupa as pr-reitorias e diretorias nas

    universidades, a composio dos conselhos superiores das mais variadas agncias de

    financiamento, os comits assessores, a filiao honorfica s academias, e rapidamente

    se revela a preponderncia do sexo masculino.

    Pesquisas realizadas pelo Professor Robert J. Silbey (2002) do School of Science

    do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em diversas universidades dentro e fora

    dos Estados Unidos revelaram a existncia de prticas discriminatrias em instituies

    de alta reputao e em pases considerados como modelos de democracia. Em

    universidades prestigiosas dos Estados Unidos e da Inglaterra, Silbey (2002) encontrou

    clara evidncia de diferenas institucionais em termos de salrio, espao, financiamento

    e resposta a ofertas externas, com as mulheres recebendo menos que os homens apesar

    de terem a mesma qualificao e desempenho profissional que eles.

    O que mais provocou impacto na pesquisa de Silbey (2002) foi o que ele

    encontrou no Conselho de Pesquisa Mdica da Sucia que foi considerado como a

    primeira prova cabal de discriminao contras as mulheres no sistema de julgamento de

    propostas de pesquisa. Os resultados indicaram que as mulheres tinham que ser duas

    vezes e meia mais produtivas que os homens com quem competiam, para que

    conseguissem receber financiamento. Na Europa, esse estudo considerado um marco

    de que no mais possvel considerar que a menor presena das mulheres nos postos

    mais altos da cincia deve-se s prprias mulheres que no produzem tanto quanto os

    homens, que decidem criar filhos ou acompanhar os maridos e por isso interrompem

    suas carreiras ou caminham mais lentamente. Reconhece-se, a partir do estudo do

    Professor Silbey (2002) que as disparidades entre homens e mulheres, na cincia,

    devem-se s prprias instituies cientficas e maneira como elas operam.

    Uma indicao de que algo nesta linha pode ocorrer no Brasil foi obtida em uma

    pesquisa sobre a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) realizada pela

    sociloga Moema de Castro Guedes (2008) que constatou que as pesquisadoras do

    criativas da prtica, criticando a submisso mecnica regra, j que as formas de representao no se

    reduzem s ideias que enunciam ou aos temas que contm. As representaes so sempre construes

    contextualizadas, produo e efeito das condies discursivas em que surgem e circulam.

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    Instituto de Fsica e Qumica so to produtivas2 quanto seus colegas homens (inclusive

    em peridicos indexados pelo ndice de Citao Cientfica - SCI), mas avanam muito

    mais lentamente na carreira do que eles, o que indica a clara existncia do teto de vidro3

    para as mulheres no campo da C&T.

    Isabel Tavares (2008) observa que, na vida acadmica, as mulheres sofrem um

    constrangimento a mais, porque a exigncia para cumprir os prazos das bolsas e manter

    os ndices de produtividade cientfica, no so atenuados, por parte das agncias

    financiadoras, para os meses em que a mulher est dedicada maternidade, como ocorre

    com qualquer trabalhadora na nossa sociedade. A maternidade uma das contingncias

    que marca a carreira das mulheres no sistema de C&T, em que no h nenhum

    atenuante, por parte do sistema, para a mulher grvida, a que amamenta ou a que tem

    filhos pequenos, seja no momento de sua formao, enquanto bolsista de mestrado ou

    doutorado, seja para ascender na carreira de pesquisadora.

    Harding e McGregor (1996) e Koblitz (1996) destacam que nos pases em

    desenvolvimento, a falta de recursos econmicos e de servios de assistncia social para

    as famlias sinaliza para o fato de que as obrigaes domsticas levaro as meninas a

    sair das escolas, muito antes de obterem qualquer educao cientfica ou, para algumas,

    sem que obtenham sequer alfabetizao bsica4. Por outro lado, as referidas autoras

    2 Estamos nos referindo produo do conhecimento cientfico - acadmico que segue padres

    especficos de avaliao cujos indicadores interferem no desempenho das instituies, e, em algumas

    universidades, critrio para manuteno de docentes, definindo polticas de remunerao, carreira e

    promoes (Colquio 2010-2020: um perodo promissor para o Brasil. Debate "Universidade e

    desenvolvimento". Universidade de So Paulo (USP), FAPESP, 2008). 3 A expresso teto de vidro foi utilizada por Christine Williams (1995) em pesquisa realizada por ela nos Estados Unidos e se refere metaforicamente a uma barreira invisvel que impede o crescimento

    profissional ou acadmico das mulheres e sua ascenso no mercado de trabalho. Quanto aos homens, essa

    autora cunhou a expresso escada rolante de vidro que impulsiona a ascenso deles na carreira. No caso das mulheres, mesmo sendo eficientes, qualificadas e to produtivas quanto os homens, dificilmente conseguem ascender na carreira, principalmente no que diz respeito queles postos-chave na hierarquia superior das empresas e instituies, considerados como ainda no ultrapassveis e inatingveis pelas

    mulheres (...) pelo simples fato de que so mulheres (...) H tambm o problema do cho colante. Este termo descreve as foras que mantm as mulheres presas na base da pirmide econmica (ROCHA, 2006, p. 116). 4 preciso destacar que essa no , em geral, a realidade para a Amrica Latina, pois h algumas dcadas

    as meninas no apenas tm uma permanncia maior do que os meninos na escola, mas tambm tm um

    desempenho melhor do que o deles. As meninas tm taxas de evaso e reprovao menores no ensino

    mdio e se saem melhor do que os meninos em quase todos os testes que avaliam aprendizado no ensino

    fundamental. Mas um setor resiste a essa supremacia: o aprendizado de matemtica. Andrade, Franco e

    Carvalho (2003, 2006) identificaram uma distncia favorvel aos meninos no Brasil em matemtica, que a maior do mundo quando comparada com 41 pases em exame internacional (Paper divulgado no 15

    Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu MG, 2006). Em estudo realizado por Ortigo et al. (2006) h informaes equivalentes que tambm so comprovadas por pesquisas posteriores

    (FRANCO, SZTAJN E ORTIGO, 2007).

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    tambm destacam que muitos pases tm uma proporo muito maior de mulheres nas

    faculdades de C&T e nas agncias de polticas cientficas nacionais do que os Estados

    Unidos ou as naes europias ocidentais. Para se entender as causas dessa variao,

    preciso prestar ateno a fatores diversos, inclusive queles referentes s polticas

    nacionais em C&T, bem como s oportunidades diferentes que so disponibilizadas

    para os projetos de cincias das naes na economia poltica globalizada (HARDING;

    MCGREGOR, 1996; HARDING, 2001).

    Gonzalez Garcia e Perez Sedeo (2006), Nancy Brickhouse (1998), Adele

    Clarke (2000), Sue Rosser (1986) e Alison Kelly (1981, 1987) apontam que o fim da

    sub-representatividade das mulheres nas cincias e na engenharia, estaria em uma

    educao comprometida com a transformao do pressuposto de que meninas e

    mulheres seriam deficientes para competir em carreiras desses campos, faltando-lhes

    habilidade e talentos necessrios.

    Contedos generificados da definio de cincia e tecnologia

    A respeito dos contedos generificados da prpria definio de C&T, Harding e

    McGregor (1996), Harding (2001) e Gonzalez Garcia e Perez Sedeo (2006) destacam

    que no incio do movimento das mulheres nos anos 70, havia projetos que visavam

    obter e ampliar o acesso no campo das prticas e aptides tecnolgicas do qual elas

    tinham sido excludas. Por exemplo, cursos sobre a manuteno de carros e tcnicas de

    consertos domsticos eram oferecidos nos novos centros educacionais de mulheres

    instituies educacionais de carter feminista, mantidas por organizaes no

    governamentais e voltadas para a equidade de gnero e a afirmao dos direitos de

    cidadania das mulheres (HARDING, 2003, p. 7). Assim, elas eram encorajadas a

    adentrar os territrios masculinos da construo civil e das tecnologias de informao

    emergentes, tanto quanto nas escolas de agricultura e engenharia. Mas foi necessria a

    chegada da anlise social construtivista nos estudos tecnolgicos para abrir o caminho

    para entendimentos mais profundos acerca de como as tecnologias so generificadas.

    Primeiramente, o objeto de estudo deslocou-se das mquinas e tecnologias para

    a natureza dos processos de mudana tecnolgica, processos que, frequentemente,

    constituem lugares onde se entrelaam a classe, a raa, o poder, a cultura e, tambm, as

    lutas de gnero; dessa maneira, participam da emergncia de novas formaes sociais.

    Em segundo lugar, compreendia-se que tal mudana tinha trs componentes: mudanas

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    no hardware - o sentido convencional da tecnologia -, nas habilidades requeridas para

    o desenho, o uso e o conserto do hardware, e na organizao do trabalho de quem

    possui essas habilidades, estabelecendo, assim, o seguinte questionamento: quem pode e

    quem no pode desenhar, usar e reparar carros, mquinas de lavar e computadores? Em

    terceiro lugar, preciso estar atento para o fato de como a classe, a raa, a cultura e as

    relaes de gnero instigam as mudanas tecnolgicas e podem gerar explicaes mais

    complexas a respeito dessas mudanas. preciso considerar tambm que os mtodos

    cientficos so tecnologias de produo de saber. Nesse sentido, os aspectos sociais da

    mudana tecnolgica permeiam o mago cognitivo e tcnico das cincias

    (COCKBURN, 1985; NOBLE, 1995; WAJCMAN, 1991 e 1998).

    A cincia como campo epistemolgico que se constri no masculino

    Sobre o androcentrismo epistemolgico, Harding e McGregor (1996), Harding

    (2001) e Gonzalez Garcia e Perez Sedeo (2006) destacam que, equivocadamente, as

    epistemologias do conhecimento cientfico tm sido consideradas culturalmente neutras,

    livres de valores e separveis de seus usos sociais (benficos ou prejudiciais), assim

    como os avanos da fsica e da qumica que elas tentam explicar. Os prprios padres

    da cincia demonstram seu carter sexista e androcntrico. As pesquisadoras (op. Cit.)

    procuram mostrar que comportamentos individuais e intencionais no so a causa destas

    crenas e prticas. Ao contrrio, so as premissas, prticas e culturas institucionais, os

    mais amplos pressupostos sociais e padres civilizatrios ou filosficos que criam e

    mantm a legitimidade das colocaes cientficas sexistas e androcntricas (HARDING,

    2001).

    De uma tica contextualista para a anlise das prticas cientficas, a biloga

    Donna Jeanne Haraway (1991) esclarece que todo conhecimento um conhecimento

    situado, o que quer dizer que est condicionado pelo sujeito e sua situao particular

    espao-temporal, histrica, social e cultural e que os padres de explicao so

    sempre contextuais.

    A sociloga Maria Teresa Citeli (2000, 2001) enfatiza os estudos que focalizam

    os contextos sociais em que se estrutura o conhecimento cientfico, procurando

    identificar os vieses e as metforas de gnero presentes no contedo do conhecimento

    produzido por diversas disciplinas, especialmente a Biologia. Desse modo, so

    colocados em xeque certos pressupostos bsicos da epistemologia tradicional, em nome

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    da defesa de que no possvel uma teoria geral do conhecimento que ignore o contexto

    social do sujeito cognoscente.

    Desse carter situado do enfoque contextualista deriva a conexo entre

    conhecimento e poder. A sociloga Dorothy Smith (1987) destaca que as disciplinas

    cientficas so parte dos mecanismos reguladores nas sociedades modernas e ocidentais

    e, sendo assim, estratificam os fenmenos complexos da vida cotidiana em categorias e

    mapas causais, de modo que os administradores possam gerenciar as instituies legais,

    econmicas, assistenciais, educacionais, mdicas e outras agncias que excluem as

    mulheres desse mapeamento e gerenciamento dos projetos disciplinares que os servem.

    As anlises sobre gnero e cincia passam, portanto, a considerar no apenas os

    aspectos institucionais da participao das mulheres nas prticas cientficas (indicadores

    de produtividade), mas fundamentalmente aspectos contextuais e de cultura cientfica de

    diferentes reas disciplinares. Assim, as vidas das mulheres e de outros grupos

    excludos podem fornecer um valioso ponto de partida ou posio de sujeito de onde a

    pesquisa pode ser desenvolvida para revelar as prticas conceituais de poder, como

    observa Dorothy Smith (1990, apud HARDING, 2003, p. 20) e enfatizar o compromisso

    poltico desse tipo de pesquisa com a mudana social.

    Presena das mulheres em C&T no Brasil: o que dizem as estatsticas

    preciso destacar a escassez de trabalhos acadmicos existentes no Brasil que

    entrecruzem as reas de relaes de gnero e C&T, que focalizem principalmente as

    questes referentes s dificuldades de acesso encontradas pelas mulheres nessa rea e

    que permitam visualizar que as mulheres que conseguem ter acesso aos cursos de C&T

    dificilmente se mantm nos cursos, por uma srie de motivos, que ainda esto por ser

    investigados por meio de pesquisas que permitam a essas mulheres falar sobre seu

    cotidiano acadmico, dando-lhes voz em um espao no apenas tomado por uma

    presena macia de homens, como tambm marcado por valores de gnero masculino.

    Nesse sentido, o estudo realizado por Saboya e Carvalho (2012) mostrou as

    dificuldades, os preconceitos e a discriminao de gnero enfrentada por alunas de

    Engenharia Eltrica e Cincia da Computao, nas escolhas da carreira, em seus cursos

    de graduao e no exerccio da profisso. Outra publicao que veio desvelar esse

    campo pouco abordado pelas pesquisas no Brasil (relaes de gnero e C&T)

    resultante do Simpsio Gnero e Indicadores da Educao Superior Brasileira

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    divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    (INEP, 2008), que veio suprir a falta de informaes mais sistematizadas nesse campo

    de conhecimento. As informaes estatsticas contidas nessa publicao, com dados

    desagregados por sexo, raa e idade permitem identificar pontos que auxiliam na

    compreenso da trajetria das mulheres tanto na sua formao educacional quanto na

    sua atuao profissional, a partir das relaes de gnero que se estabelecem na

    sociedade, segundo os padres culturais vigentes e que se reproduzem e se

    complexificam no mbito dos sistemas de educao e de C&T no Pas.

    Os indicadores

    Gnero e Indicadores da Educao Superior Brasileira

    O Livro Gnero e Indicadores da Educao Superior Brasileira (INEP, 2008)

    foi estruturado em torno dos seguintes eixos: 1) trajetria das mulheres na educao

    superior brasileira; 2) gnero, reas disciplinares, perspectivas regionais da educao

    superior brasileira; 3) as mulheres na graduao e na docncia da educao superior,

    nos cursos tecnolgicos e engenharias; e, 4) a construo de indicadores de gnero e

    raa na educao superior brasileira. Os quatro grandes eixos do livro englobam

    diversos estudos que foram desenvolvidos por vrios pesquisadores e pesquisadoras de

    diferentes instituies brasileiras, como veremos a seguir, em uma sinttica abordagem,

    para alguns deles.

    Dilvo Ristoff (2008), Professor da Universidade Federal de Santa Catarina

    (UFSC) escreve sobre a participao das mulheres na educao superior brasileira a

    partir de trs bases de dados produzidas pelo INEP at 2006: o Censo da Educao

    Superior, o Cadastro Nacional de Docentes e o Questionrio Socioeconmico do Enade

    Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, que integra o Sistema Nacional de

    Avaliao da Educao Superior.

    A partir desse conjunto de dados Ristoff (op. Cit.) constatou uma srie de fatores

    que possibilitaram mapear as tendncias a respeito da presena das mulheres nas

    diferentes reas do conhecimento em vrias regies do Pas, tanto entre estudantes

    quanto entre docentes. A interpretao dos dados possibilitou tambm mapear as

    percepes, atitudes e preocupaes dos estudantes, homens e mulheres, com relao

    aos seus cursos e ao seu futuro profissional. O pesquisador chama a ateno para o fato

    de que os homens so maioria nos cursos de Agronomia, Cincias Econmicas,

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    Computao, Educao Fsica, em todos os grupos das Engenharias exceto no grupo

    que cobre cursos como bioqumica, alimentos, biotecnologia, qumica e txtil ,

    Filosofia, Fsica, Msica e Zootecnia. Em nove dessas 15 reas, o percentual de

    matrculas masculinas superior a 70%, indicando a um s tempo uma forte preferncia

    do sexo masculino por essas reas e uma surpreendente ausncia do sexo feminino.

    Ristoff (op. Cit.) ressalta que as causas dessa marcante ausncia e as suas implicaes

    sobre as relaes de gnero precisam ser ainda cuidadosamente estudadas.

    Sobre a presena da mulher no corpo docente da educao superior, o autor

    revela que as mulheres participam com 44,5% das funes docentes registradas no ano

    de 2006. Ristoff (2008) destaca ainda que cresce ano a ano a representatividade

    percentual das mulheres no corpo docente. Trata-se de um crescimento expressivo (de

    38,7% em 1996 para 45,5% em 2006). Em nmeros, isto significa dizer que, em 1996,

    havia 57.466 funes docentes ocupadas por pessoas do sexo feminino. Em 2006, esse

    nmero chegou a 141.125, representando um crescimento percentual de 146% no

    perodo. No mesmo perodo, o crescimento percentual das funes docentes

    pertencentes ao sexo masculino foi de 94% (Ristoff, 2008, p. 26). O autor conclui que,

    embora ainda seja minoria na docncia da educao superior, a participao das

    mulheres cresce a cada ano num ritmo cerca de 5% maior que a dos homens, o que

    permite inferir que, mantida essa tendncia de crescimento, elas sero maioria tambm

    na docncia dentro de, no mximo, cinco anos.

    Hildete Pereira de Melo (2008), professora da Faculdade de Economia da

    Universidade Federal Fluminense (UFF), entrecruza dados sobre Gnero e reas

    disciplinares, para iniciar o debate em torno das perspectivas regionais da educao

    superior brasileira, com um texto em que examina como so relativamente escassos os

    estudos que tomam a questo de gnero como matriz metodolgica para suas anlises da

    educao superior. Introduzindo tal discusso em uma perspectiva histrica, Melo

    (2008) parte das informaes disponveis no perodo de 1990 a 2006, do Censo da

    Educao Superior do INEP, complementadas pelas pesquisas amostrais e censitrias do

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), para apresentar os indicadores

    analisados para o Brasil, em sua distribuio regional, estabelecendo ainda relaes

    destes com o Produto Interno Bruto (PIB), um dos principais indicadores de

    desenvolvimento.

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    Para Melo (2008), a insero das mulheres nas profisses cientficas tem-se dado

    em ritmo mais lento do que em outras reas e h uma tendncia das cincias exatas

    matemtica, fsica, engenharias de atrarem poucas mulheres. A autora ressalta a

    necessidade urgente de que todas as estatsticas produzidas sobre o sistema escolar e

    cientfico sejam apresentadas num recorte de gnero para desvelar o papel feminino na

    criao do conhecimento cientfico. O esforo para identificar onde esto as mulheres

    no sistema de C&T do pas contribui sensivelmente para aumentar a visibilidade

    feminina nesse setor.

    Jacqueline Leta e Flvio Martins (LETA; MARTINS, 2008), ambos

    pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escrevem sobre os docentes

    pesquisadores naquela universidade (UFRJ). Apoiados nos conceitos de campo e capital

    cientfico de Pierre Bourdieu (1983, 1989, 1996) comentam a evoluo do nmero de

    docentes permanentes na ps-graduao no Brasil de 1987 a 2003. Focando a respeito

    da contribuio das mulheres para o campo cientfico no Brasil, Leta e Martins (op.

    Cit.) apresentam os dados de distribuio por sexo e rea do conhecimento, do total de

    docentes da UFRJ em 2007 e dos 1.946 docentes-orientadores nos 71 programas de ps-

    graduao para o perodo de 2000 a 2002, para, em seguida, analisando o tema mulheres

    e capital institucional, aprofund-lo com o que denominam capital especfico, isto , a

    mdia das publicaes por docente-orientador da UFRJ em 2002, separada por sexo,

    para as reas de Engenharias, Exatas, Humanas, Letras & Artes e Biolgicas. Para estes

    autores, a cegueira persistente ante o sexismo na academia pode levar a srias

    consequncias para as prximas geraes. Considerando a complexidade de fatores

    envolvidos nas relaes de gnero na academia, apontam a necessidade imperiosa do

    aprofundamento das pesquisas por mais elementos que possam explicar as preferncias

    naturalizadas de mulheres por certas reas, assim como por cargos de menor prestgio

    na academia (LETA; MARTINS, 2008, p. 100).

    Maria Rosa Lombardi (2008), sociloga e pesquisadora na Fundao Carlos

    Chagas de So Paulo, compara dados do INEP sobre matrculas e concluintes para

    cursos de engenharia e analisa os temas trabalho e educao, no perodo que se estende

    de 1960 a 2002, no texto As mulheres, a expanso e a especializao do sistema de

    ensino de engenharia no Brasil em anos recentes: algumas consideraes. Lombardi

    (2008) constata que h algumas dcadas a presena das mulheres no mercado de

    trabalho brasileiro e nos cursos de nvel mdio e superior vem se ampliando, chegando,

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    no caso do ensino, a superar a presena dos homens. Na esfera das profisses, porm,

    algumas reas permanecem mais refratrias s mulheres, como o caso da engenharia

    na maioria dos pases ocidentais, a includo o Brasil.

    Lombardi (op. Cit.) verifica as razes de vrias ordens que buscam justificar

    uma aparente inadequao (ou desinteresse) entre mulheres e Engenharia, destacando as

    origens militares dessa rea do conhecimento, o exerccio de funes de comando, as

    duras condies de trabalho e os esteretipos5 que associam razo e ao masculino os

    conhecimentos e habilidades em Matemtica e Fsica assim como o interesse por

    mquinas e tecnologia, em contraposio emoo e ao cuidado, terrenos do feminino,

    que nos remetem diretamente esfera das representaes sociais e de gnero. A

    pesquisadora discute ainda a vertente que identifica como razes da excluso, conflitos

    vividos pelas mulheres em torno da sua identidade6 de gnero em culturas profissionais

    masculinas, apontando igualmente a discriminao de gnero nos ambientes de trabalho

    e nas escolas que teriam tambm seu peso no relativo afastamento das mulheres desse

    campo profissional.

    Lombardi (op. Cit.) mostra que em 2002 o cenrio de alunas concluintes dos

    cursos de Engenharia ir se alterar profundamente em relao aos anos anteriores.

    Segundo a pesquisadora, pela primeira vez, nos ltimos 42 anos, as propores de

    formadas em Civil e Qumica (40%) sero menores do que as formadas em outras

    especialidades (60%). Despontam como outras opes que interessam s mulheres:

    Alimentos (10% das concluses), Eltrica (8,5%), Florestal (4%), Produo (3%),

    5 A idia de esteretipo corresponde apresentao de imagens caricatas, que consistem em atributos

    dirigidos a determinadas pessoas e grupos que funcionam como uma espcie de carimbo ou rtulo, que

    retrata um pr-julgamento. As pessoas rotuladas so sempre tratadas e vistas de acordo com a nfase dada

    marca que recebem no contexto social (MENEZES, 2002). Essa marca, entendida como uma forma de distino enviesada, tendenciosa, comprometida, deteriorada e, portanto, negativa, no corresponde realidade do sujeito e pode se transformar em estigma em identidade deteriorada, em detrimento das qualidades que os sujeitos possuem, como nos lembra o socilogo canadense Erving Goffman (1988). 6A identidade uma construo social, um conjunto de representaes a partir de categorias produzidas

    historicamente por jogos de poder e saber que constituem experincias, entendidas como manifestaes

    variadas, organizadas discursivamente em determinados contextos ou configuraes sociais, que se

    (re)articulam o tempo todo e que geram, ao invs de definies fechadas, projetos de vida abertos e em

    constante transformao. Por isso mais adequado falarmos em identidades. As identidades so mltiplas

    e essa pluralidade sempre fonte de tenso, lugar de lutas e de conflitos (PENTEADO, 1996). Foucault

    (2004) parece reafirmar o carter limitado do termo identidade quando lembra que devemos nos afirmar no somente enquanto identidades, mas sobretudo enquanto fora criativa (2004, p. 13) e continua: Se a identidade apenas um jogo, apenas um procedimento para favorecer relaes sociais ento ela til (...) Se nos posicionarmos em relao questo da identidade, temos que partir do fato de que somos seres

    nicos. Mas as relaes que estabelecemos conosco mesmos no so relaes de identidade, elas devem

    ser antes, relaes de diferenciao, de criao, de inovao (FOUCAULT, 2004, p 15). Pela tica foucaultiana falar em processos de subjetivao seria mais adequado do que falar em identidades.

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    Mecnica (3%), Mecatrnica (1,5%), Materiais, Produo Mecnica, Produo

    Industrial, Produo Eltrica, Sanitria (1,4% cada uma), Computao (1,3%),

    Ambiental (1%), Pesca e Agrcola (0,9% cada).

    No entanto, para Lombardi (2008), afirmar que as mulheres tm ousado outras

    especialidades em Engenharia alm da qumica, da civil e, mais recentemente, da

    Engenharia de produo, no implica que esteja acontecendo uma verdadeira incluso

    das mulheres nessa rea, pois continuam existindo lugares bastante delimitados para sua

    atuao, seja em termos de reas de trabalho, seja no que diz respeito s atividades de

    trabalho propriamente ditas, ou ainda sua posio nas hierarquias das empresas e

    instituies. A autora escreve que a ordem de gnero transversal engenharia classifica

    e hierarquiza reas de conhecimento e reas de trabalho, atividades, atribuies e nvel

    ocupacional como sendo masculinos ou femininos e os valoriza de forma diferente. Em

    termos da diviso sexual do trabalho, pode-se dizer que as regras gerais vlidas para

    todas as especialidades so as seguintes: a) os domnios da produo e da fbrica

    continuam predominantemente masculinos; b) nos laboratrios, no voltados

    produo, predominam as mulheres e naqueles onde h atividades de produo, os

    homens; c) as atividades de assistncia tcnica s empresas, as consultorias, as

    atividades de cunho relacional envolvendo clientes, fornecedores, empregados,

    parecem mais permeveis presena das engenheiras; d) nos cargos de alta gerncia e

    direo, a tendncia ter um nmero menor de engenheiras; e) quando assumem postos

    de chefia, elas parecem se concentrar em determinadas reas, como, por exemplo,

    pesquisa e desenvolvimento de produtos, marketing; f) na direo das reas de produo

    e na gerncia das fbricas h restries presena das engenheiras, mesmo em ramos

    industriais onde a mo de obra feminina tradicional como, por exemplo, o de produtos

    de higiene e beleza.

    Lombardi (op. Cit.) afirma que o padro de insero das engenheiras no mercado

    de trabalho se assemelha ao padro de todas as trabalhadoras, sendo marcado por

    segregao horizontal (reas de trabalho) e vertical (ascenso hierrquica), concluindo

    que a maior presena de mulheres como estudantes de engenharia e engenheiras

    formadas trouxe modificaes para a imagem que o prprio grupo faz de si e que isso

    vem contribuindo para quebrar arraigados padres de gnero presentes no campo

    profissional, onde a configurao das relaes de sexo est em movimento e parece

    favorvel s mulheres: Alguns esteretipos que contriburam para mant-las fora da

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    engenharia vm sendo questionados socialmente e, em consequncia, perderam parte de

    seu poder de intimidao (LOMBARDI, 2008, p. 107).

    O texto possvel transformar a minoria em equidade? de Marlia Gomes de

    Carvalho (2008), professora da Universidade Tecnolgica Federal do Paran (UTFPR)

    d continuidade discusso sobre as mulheres na graduao e na docncia da educao

    superior, nos cursos tecnolgicos e engenharias, examinando a questo da significativa

    minoria de mulheres nos campos da rea tecnolgica, especialmente nas engenharias. A

    pesquisadora analisa os dados de cada regio geogrfica do Brasil, no perodo de 2000 a

    2005, quanto ao nmero de estudantes matriculados nas diferentes reas do

    conhecimento, por curso e sexo. Estabelece tambm uma comparao com dados

    relativos Alemanha, demonstrando a similaridade do posicionamento das mulheres na

    rea tecnolgica entre esses dois pases.

    Relacionando os indicadores sobre sexo dos estudantes e as reas do

    conhecimento, Carvalho (2008) mostra que os cursos de Pedagogia, Letras, Psicologia e

    Enfermagem caracterizam-se pelo cuidado e representam a extenso das atividades

    tradicionais das mulheres no espao domstico. J os cursos da rea tecnolgica como

    Engenharia e Cincia da Computao apresentam uma minoria significativa de

    mulheres. Os homens ocupam majoritariamente as vagas dos cursos de Engenharia e

    Cincia da Computao, ou seja, os cursos de ensino de C&T. Nas engenharias houve

    um crescimento pequeno, mas progressivo na participao das mulheres entre os anos

    de 2000 a 2004 e um crescimento um pouco maior no ano de 2005. O curso de Cincia

    da Computao pelo contrrio, apresenta uma diminuio progressiva no nmero de

    mulheres nos anos 2000 a 2004. Observa-se que os cursos com minoria feminina so

    tambm os que exigem habilidades em clculos numricos. As analises de Marlia

    Gomes de Carvalho (2008) ratificam os estudos que tm mostrado que a situao das

    mulheres na educao superior brasileira na rea de C&T, e especificamente nas

    engenharias, est caracterizada pela significativa minoria, variando em torno de ndices

    de 12% a 20%, ou 30%, em funo da especialidade da Engenharia.

    Ressaltando as diferentes formas de socializao de meninos e meninas na

    famlia e na escola, bem como as diferentes maneiras como as disciplinas lhes so

    ensinadas, o que ir interferir nas escolhas acadmicas e profissionais que fizerem

    quando adultos, Carvalho (2008) conclui que para mudar o quadro em que as mulheres

    so minoria significativa na educao superior brasileira nos cursos da rea tecnolgica,

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    preciso superar modelos de gnero dicotmicos que reproduzem padres tradicionais e

    conservadores e que direcionam os homens para as carreiras tcnicas e as mulheres para

    as letras, cincias humanas ou as profisses do cuidado. A autora destaca que no

    haveria maiores problemas nesta diviso das reas de atuao profissional por gnero,

    se no fosse a hierarquizao que ocorre entre estas diferentes reas: Profisses, tais

    como as engenharias so mais valorizadas e os salrios so maiores, enquanto as

    profisses femininas no recebem o mesmo valor, seja do ponto de vista simblico ou

    no sentido do ganho material (CARVALHO, 2008, p. 136). Portanto, o que os

    indicadores revelam que a equidade de gnero est longe de ser alcanada.

    Contribuindo para as discusses em torno da construo de indicadores de

    gnero e raa na Educao superior brasileira, Joselina Silva (2008), professora da

    Universidade Federal do Cear, traz o texto Mulheres negras na educao superior:

    performances de gnero e raa, que relaciona a desigualdade racial s desigualdades de

    gnero no Brasil. Discutindo vrios autores e documentos internacionais assinados pelo

    Brasil e contextualizando a educao e o trabalho, em especial em relao s dimenses

    de gnero e raa, a autora buscou analisar as dificuldades inerentes construo dos

    indicadores e a imperiosidade de recortes diversificados que possibilitem a visibilidade

    das informaes relativas aos demarcadores raciais e que contribuam para a erradicao

    do racismo e de todas as formas de discriminao, nos diversos mbitos da sociedade,

    incluindo tambm a educao superior.

    A investigao de Silva (2008) tem como foco saber se as mulheres negras que

    iniciam um curso universitrio conseguem complementar a trade ingresso, permanncia

    e sucesso, notadamente no afunilamento que se faz marcante medida que avanam os

    anos de estudo. Ela conclui que a participao das mulheres negras brasileiras no

    Ensino Superior marcada pela marginalizao, pelo preconceito, pela discriminao e

    que a ascenso social da mulher negra mais dificultada no mercado de trabalho,

    quando comparada s mulheres brancas com a mesma formao educacional. O

    investimento em educao tem resultados diferenciados para as mulheres quando a

    racialidade um fator de influncia.

    O fenmeno da superqualificao ser mais presente para as negras, j que estas

    tendem a ser alocadas no mercado de trabalho em lugares profissionais abaixo de sua

    formao acadmica. As mulheres negras encontram-se mais presentes, embora com

    baixo percentual, nos cursos tidos como femininos, de menor prestgio social e com

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    menores oportunidades no mercado de trabalho, destacando-se ainda o ambiente

    inspito para os negros que ingressam nas universidades na condio de docentes. Entre

    os professores negros (mulheres e homens) com doutorado, as mulheres negras so

    minoria com uma pequena diferena percentual em relao aos homens negros. Por fim,

    Joselina Silva (2008) ressalta a precariedade e a ausncia de indicadores que informem

    sobre dados agregados por sexo e raa/etnia, especialmente os que documentem a

    situao de meninas e mulheres negras no tocante educao.

    Enfrentado a polmica discusso sobre o sistema de cotas nas universidades e na

    perspectiva da reduo das desigualdades de gnero e raa na Universidade de Braslia

    (UnB), o texto de Wivian Weller (2008), professora da Faculdade de Educao da

    Universidade de Braslia, analisa a insero feminina nas diferentes reas do

    conhecimento de 2004 a 2007, naquela universidade. A anlise de Weller (2008)

    confirma a mesma tendncia de sub-representatividade das mulheres j observada em

    praticamente todas as universidades federais nos cursos de Agronomia, Fsica,

    Matemtica, Estatstica, Computao, Geologia e Engenharia. A pesquisadora apresenta

    os dados sobre os vestibulares com cotas realizados desde o segundo semestre de 2004,

    na UnB, como uma experincia bem sucedida, sustentando que a implementao do

    sistema de cotas vista como um momento mpar, histrico, transformador e

    necessrio (WELLER, 2008, p. 160) no mbito da universidade e da sociedade como

    um todo.

    Com base nos relatos das estudantes cotistas dos cursos de Psicologia, Servio

    Social e Medicina, sobretudo de suas experincias enquanto estudantes negras na UnB,

    Wivian Weller (op. Cit.), constata que, se por um lado, os dados qualitativos e ainda

    iniciais de sua pesquisa, apontam no ter sido possvel constatar uma discriminao das

    estudantes negras por haverem ingressado na universidade pelo sistema de cotas, por

    outro lado, as jovens entrevistadas pela pesquisadora relataram existir uma poltica de

    silenciamento em relao ao assunto no mbito da universidade. Wivian Weller (2008)

    destaca que as estudantes negras so, muitas vezes, hostilizadas pelos colegas (homens

    e mulheres) com apelidos recebidos em funo do cabelo, por exemplo, e que essas

    jovens estudantes negras, embora se declarem incomodadas com o que elas mesmas

    denominam como brincadeiras, desenvolveram uma forma de relacionamento com

    seus colegas, caracterizada pelo no enfrentamento e tematizao das hostilizaes

    vividas enquanto negras.

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    Saboya e Carvalho (2012) tambm identificaram essas mesmas estratgias em

    pesquisa realizada com alunas das reas de C&T. Como resposta s diferentes formas

    de hostilizao colocadas em prtica pelos colegas em relao a elas, essas alunas

    criaram tticas variadas para se manter e progredir nos cursos, sempre evitando

    enfrentamentos e confrontos diretos, silenciando diante de alguns constrangimentos que

    eram impostos a elas, reinventando a prpria feminilidade, e, sobretudo, resistindo. As

    alunas, sujeitos dessa pesquisa, elaboraram uma prxis cotidiana para recriar formas de

    conviver com o controle a que eram submetidas. Elas buscaram tambm modos

    alternativos de relacionamento em sala de aula, construindo novos espaos de relao

    nesse contexto, onde cotidianamente ocorre um embate cruel, mas com pouca

    visibilidade social, e onde diferentes formas de expresso de poder so experimentadas.

    Consideraes finais

    Para no concluir, esperamos que este artigo seja um estmulo a outras

    pesquisadoras e pesquisadores que enveredarem pelos campos do conhecimento

    tangenciando as Relaes de Gnero, e que, em suas investigaes busquem dar voz

    quelas e queles que adotam a resignao e o silenciamento como forma de resistncia.

    Assim, diante da reviso dos trabalhos acadmicos nacionais e internacionais e tambm

    dos dados estatsticos abordados, que associam Relaes de Gnero e C&T, podemos

    afirmar que as mulheres ainda so minoria, nesse campo construdo histrica e

    culturalmente sob o domnio de valores e representaes masculinas.

    Fica claro que, tanto no Brasil, como em outros pases, as dificuldades (de

    acesso e permanncia) enfrentadas pelas mulheres nessa rea so enormes; mas, apesar

    disso, elas continuam sua insero nas carreiras e cursos considerados socialmente de

    gnero masculino, enfrentando obstculos e desenvolvendo estratgias para se manter

    neles. Persistir, continuar e no desistir o desafio para essas mulheres na arena de luta

    e resistncia ao modelo masculino hegemnico, presente no contexto e na rea em que

    esto inseridas, na busca por melhores condies de vida e de trabalho.

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