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art.sy #2 | Janeiro2013

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O Baloiço Vermelho

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Na Alameda, há um parque de diversões infantil onde, por vezes, me sento nos bancos de

madeira com vista para o parque, à sombra das árvores onde os pombos arrulham e batem asas,

e ali fico a observar as crianças brincando nos baloiços e nos escorregas. Em outras ocasiões,

gosto de me sentar de costas para o parque, com a face voltada para o poente onde o calor do

sol dos finais de tarde sempre me entorpece os sentidos, de forma que possa ouvir o som do riso

pueril enquanto leio ou escrevo. Mas, na maioria das vezes, prefiro sentar-me longe do parque,

nos bancos mais escondidos que estejam disponíveis, onde possa não ser incomodado pelos

infantes correndo e barafustando de um lado para o outro.

O que experimento, de todas as vezes – de todas, sem excepção –, quando sinto a

proximidade do parque e dos seus baloiços movimentando-se para trás e para a frente, numa

repetição frenética que facilmente se poderia julgar indissociável da própria passagem do tempo,

é a impossibilidade de não me recordar do baloiço vermelho da minha infância.

O meu pai construiu-o, tinha eu não sei que idade pois sempre me lembro de o ver, ali

mesmo, baloiçando no quintal da nossa velha casa: tantas vezes empurrado pelas mãos paternas,

e outras tantas pelos dias em que soprava o vento ou mesmo pelos dias em que não soprava

vento algum – sempre, sempre baloiçando para cá e para lá.

Minto – não sei se foi o meu pai que o construiu ou não. Provavelmente nem terá sido, pois

o meu pai foi, durante toda a sua vida, empregado de escritório na secção de contabilidade de

uma firma de venda de automóveis, e nunca se manifestou notoriamente bom com trabalhos

manuais – foi no reino dos números e nas mesas de snooker, dono de um invulgar talento

aritmético com um taco e as bolas, que se notabilizou. Também nunca lhe perguntei quem teria

sido o construtor do baloiço, verdade seja dita. Não por falta de curiosidade mas porque sempre

preferi contar a mim mesmo a história de que tinha sido ele a projectá-lo e construi-lo, a pedido

meu, talvez como prenda de um qualquer aniversário ou natal. Gostava de acreditar que ele

construíra aquele baloiço vermelho, segunda uma fórmula matemática antiga e mágica,

exactamente alinhado com uma qualquer constelação de estrelas da qual eu desconhecia o nome,

para que um dia, quando tivesse forças suficientes para me projectar a mim mesmo, eu me

lançasse, como se eu fosse o Super-Homem, na direcção daquele pedacinho de céu.

Quantas vezes não me sentei eu naquele pequeno banco de madeira pintada de vermelho,

suspenso por duas grossas correntes às quais eu me agarrava, baloiçando para a frente e para trás

e para trás e para a frente, fixando o olhar para além de um céu azul ou de um céu cinzento, de

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uma nuvem branca ou de uma nuvem negra, para além dos pássaros e das borboletas e dos aviões

que rasgavam o céu. Quantas vezes não cresci eu um pouco mais para fora de mim próprio:

quando uma funcionária da escola me repreendia, quando um livro de banda desenhada dos meus

super-heróis favoritos se rasgava, quando um braço ou uma perna de um boneco se partia,

quando o meu pai se embriagava, quando um animal de estimação morria – e eu tive tantos! –,

quando perdia a jogar à bola na rua com os amigos – e eu tive tão poucos… De todas essas

vezes, tentava eu impulsionar o baloiço com força, cada vez mais força, como se a fasquia a que

eu, furiosamente, me propunha fazer o baloiço subir fosse precisamente a altura a que eu elevava

a estatura do meu próprio corpo. Era nas estrelas que eu não via mas que sabia existir que eu

fixava o meu olhar, era para lá do mundo que eu conhecia que eu queria voar.

Em determinado Outubro, tinha eu os meus oito anos, penso, acordei a meio da noite por

vozes familiares que provinham da cozinha. Levantei-me da cama, recordo-me que o chão era

frio, abri a porta do quarto e espreitei para o corredor escuro. Nessa altura, já eu pensava ter

perdido o medo aos monstros que se escondem nas salas fechadas das casas, dentro dos armários

e das gavetas, debaixo das camas; hoje, eu sei que nós jamais perdemos o medo aos monstros

que se escondem nas esquinas sombrias da nossa imaginação. O som das vozes ouvia-se então

mais alto e as palavras quase perceptíveis. Da cozinha, praticamente ao fundo do corredor,

chamava-me uma luz branca a qual eu segui – mas sem a coragem necessária para entrar. Fiquei

escondido na penumbra do corredor, de pés descalços e vestindo um pijama azul, a ouvir o meu

pai falar com um dos seus irmãos. A princípio não compreendia o que eles diziam ainda que

entendesse claramente as palavras pronunciadas. Mas algum tempo depois (horas?, minutos?,

segundos?, não o sei dizer), alguém carregou num interruptor e a luz eléctrica iluminou não só o

corredor onde eu estava bem como tudo aquilo que tinha ouvido antes e que se resumia tão só a

isto:

– Ele matou a miúda.

Ele era um outro irmão de meu pai. E a miúda era a sua própria filha. Ele estrangulara-a,

com um arame, nessa mesma noite – a própria filha, uma menina de três anos. Depois, deixando-

a sem vida em cima da cama, o pequeno corpo tapado por uma colcha de renda branca, foi para a

feira. Quando a polícia o apanhou, caminhando de volta para casa, trazia nas mãos um boneco de

peluche. Antes que alguém me descobrisse, corri para a sala. A televisão estava ligada – o meu pai

deveria estar a ver o filme que era exibido quando o meu tio lhe fora dar a inquietante notícia.

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Não sei que filme seria mas recordo-me de olhar para o ecrã e ver uma mulher jovem que

chorava, chorava muito. Depois disso, nem sei como, consegui, de alguma forma, destrancar a

porta da rua e sair para o quintal. O céu estava completamente límpido, o ar era frio e senti o

abraço do outono por baixo do pijama. Corri, descalço, para o baloiço sentindo a terra fria, as

ervas húmidas e as pedras duras sob a pele fina dos pés. E esticando todo o meu corpo,

contorcendo-me como sempre tinha que o fazer, consegui sentar-me no baloiço para fugir àquele

mundo – o meu mundo.

Comecei a dar balanço, não muito forte a princípio mas cada vez com mais força; de cada

vez que direccionava as pernas para a frente sentia que tinha conseguido ir um pouco mais além,

um pouco mais alto. O olhar estava fixo no céu, numa qualquer estrela que brilhava mais do que

qualquer outra, e os objectos ao meu redor começavam a girar e a perder as fronteiras da sua

nitidez, enquanto eu imaginava que, presa ao meu pijama azul, uma capa vermelha esvoaçava pelo

ar atrás de mim. O mundo que me rodeava andava à volta como se fosse um carrossel e vi as

intensas e coloridas luzes ferindo-me os olhos não como se eu estivesse na feira mas como se a

feira estivesse ali no quintal da minha casa. Cheguei até a sentir-me no meio de uma multidão de

rostos deformados, e que riam à gargalhada sem que no entanto sorrissem, enquanto me

observavam baloiçando para trás e para a frente, ao som frenético das músicas estridentes da

feira.

Cada vez mais rápido, via como a própria estrela parecia crescer perante os meus olhos

como se se aproximasse mais de mim, ou como se eu me aproximasse mais dela, e jurava poder

sentir o calor da sua luz intensa na minha testa e nas minhas bochechas. Entretanto, recordo-me

que ouvi o meu pai chamando pelo meu nome várias vezes. Olhei para trás e vi-o, ao lado do meu

tio, parados à porta de casa, a olhar para mim. Eu nada respondi e, voltando a fixar o olhar na

mesma estrela (ou seria já outra, porventura?), dei ainda mais balanço e comecei a chorar,

exactamente tal como a senhora do filme na televisão.

Eu bem sei que não dei o balanço suficiente para que o meu frágil corpo de oito anos fosse

projectado na direcção das estrelas como pretendia; mas sei também que o menino que, naquela

noite, se sentou no baloiço vermelho não mais voltou a pisar esta terra. Agora, dele só me restam

as memórias dos seus olhos negros, ingénuos e molhados, assim como a esperança de que, seja lá

para que estrela tenha sido catapultado, ele seja muito feliz e que cuide bem da sua pequena

prima.

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