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©iStockphoto.com/Mari Paula Craveiro Matéria de capa Ainda se recuperando da crise de 2008/2009, a economia global volta a enfrentar uma série de complicações, que inclui redução de notas de crédito de diversos países, inclusive dos Estados Unidos; possibilidade de calote por parte de algumas nações; bem como a diminuição no volume de investimentos O mundo ainda não se recupe- rou totalmente da crise vivida entre 2008 e 2009, mas já enfrenta uma nova turbulência. A atual crise econômica é um desdobramento da crise finan- ceira internacional, iniciada em 2008 com a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, seguida pela quebra de outras grandes instituições financeiras. Em outubro do mesmo ano, os governos da Áustria, da França, da Alemanha, dos Países Baixos e da Itália anunciaram pacotes que, juntos, somavam 1,17 trilhão em ajuda aos seus sistemas financei- ros. O Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro apresentou redu- ção de 1,5% no quarto trimestre de 2008 em relação ao trimestre anterior, a maior contração da his- tória da economia da zona. Desde que a crise de confiança se agravou e se generalizou, o governo norte-americano pas- sou a prestar socorro ativamente às empresas financeiras em difi- culdades. Um pacote, aprovado às pressas pelo Congresso dos Estados Unidos, enviou US$ 700 bilhões para socorrer os ban- queiros. Até outubro daquele ano, o governo já havia despen- dido cerca de US$ 2 trilhões na tentativa de salvar instituições em risco. Países da União Euro- peia também distribuíram cen- tenas de bilhões de euros para resgatar seus próprios bancos. Em abril de 2009, o G-20 anun- ciou a injeção de US$ 1 tri- lhão na economia mundial de maneira a combater a crise fi- nanceira global. O desdobramento mais recente da crise financeira e econômica internacional foi o da insolvên- cia das nações desenvolvidas. O grande acúmulo da dívida governamental fez estourar a capacidade de endividamento de muitas nações e causou uma enorme turbulência ao gerar o temor de que esses países não pudessem honrar com seus com- promissos e, assim, decretassem o calote da dívida. Em nações como o Japão – deten- tora do maior índice de endivida- mento –, a relação dívida versus PIB já ultrapassa os 200%. Nos EUA, entretanto, está a maior dí- vida bruta entre todas as nações, extrapolando US$ 15 trilhões. Neste ponto, aliado às recentes crises de insolvência na Grécia e em Portugal e ao temor de que a Espanha e a Itália também não consigam honrar seus compro- missos, o mercado financeiro sofreu um forte abalo. As agências de rating e a nova turbulência econômica 34 IBEF NEWS • Outubro 2011

As agências de rating e a nova turbulência econômica

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Outubro/2011 | por Paula Craveiro | Revista IBEF News nº 161

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Paula Craveiro

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Ainda se recuperando da crise de 2008/2009, a economia global volta a enfrentar uma série de complicações, que inclui redução de notas de crédito de diversos países, inclusive dos Estados Unidos; possibilidade de calote por parte de algumas nações; bem como a diminuição no volume de investimentos

O mundo ainda não se recupe-rou totalmente da crise vivida entre 2008 e 2009, mas já enfrenta uma nova turbulência. A atual crise econômica é um desdobramento da crise finan-ceira internacional, iniciada em 2008 com a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, seguida pela quebra de outras grandes instituições financeiras.Em outubro do mesmo ano, os governos da Áustria, da França, da Alemanha, dos Países Baixos e da Itália anunciaram pacotes que, juntos, somavam € 1,17 trilhão em ajuda aos seus sistemas financei-ros. O Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro apresentou redu-ção de 1,5% no quarto trimestre de 2008 em relação ao trimestre anterior, a maior contração da his-tória da economia da zona.Desde que a crise de confiança

se agravou e se generalizou, o governo norte-americano pas-sou a prestar socorro ativamente às empresas financeiras em difi-culdades. Um pacote, aprovado às pressas pelo Congresso dos Estados Unidos, enviou US$ 700 bilhões para socorrer os ban-queiros. Até outubro daquele ano, o governo já havia despen-dido cerca de US$ 2 trilhões na tentativa de salvar instituições em risco. Países da União Euro-peia também distribuíram cen-tenas de bilhões de euros para resgatar seus próprios bancos. Em abril de 2009, o G-20 anun-ciou a injeção de US$ 1 tri-lhão na economia mundial de maneira a combater a crise fi-nanceira global.O desdobramento mais recente da crise financeira e econômica internacional foi o da insolvên-

cia das nações desenvolvidas. O grande acúmulo da dívida governamental fez estourar a capacidade de endividamento de muitas nações e causou uma enorme turbulência ao gerar o temor de que esses países não pudessem honrar com seus com-promissos e, assim, decretassem o calote da dívida.Em nações como o Japão – deten-tora do maior índice de endivida-mento –, a relação dívida versus PIB já ultrapassa os 200%. Nos EUA, entretanto, está a maior dí-vida bruta entre todas as nações, extrapolando US$ 15 trilhões. Neste ponto, aliado às recentes crises de insolvência na Grécia e em Portugal e ao temor de que a Espanha e a Itália também não consigam honrar seus compro-missos, o mercado financeiro sofreu um forte abalo.

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"Um rating rebaixado reflete uma condição de crédito deteriorada. Maiores riscos para o credor, maiores riscos para o acionista, já que o credor tem prioridade sobre fluxos de caixa e ativos da empresa"

Silvio Honda(J. Malucelli Seguradora)

"Para realizarem uma classificação de risco de crédito, as agências de rating recorrem tanto a técnicas quantitativas, como análise de balanço, fluxo de caixa e projeções estatísticas, quanto à análise de elementos qualitativos, como ambiente externo, questões jurídicas e percepções sobre o emissor e seus processos"

Renato Zanetti Godoi(Baker Tilly Brasil)

RatingA fim de compreender a atual crise

de confiança pela qual muitos países vêm passando, é necessário entender o papel do rating. Muita gente – especial-mente na área financeira – já se deparou com esse termo, mas nem todos têm uma visão clara e precisa acerca de seu significado e importância.

De modo resumido, rating refere-se ao mecanismo de classificação da qualidade de crédito de uma empresa, país, título ou operação estruturada. Ele busca mensurar a probabilidade de default de obrigações financeiras – não pagamento –, incluindo-se atraso ou falta efetiva de pagamento. “O rating é um instrumento relevante para o mercado, uma vez que fornece aos poten-ciais credores uma opinião independente a respeito do risco de crédito do objeto analisado. Ele pode ser compreendido como uma sugestão – positiva ou nega-tiva – para o investidor”, explica Mauricio Bassi, diretor técnico da Liberum Ratings.

Rinaldo Pecchio, vice-presidente finan-ceiro e de Relações com Investidores da AES Brasil, completa: “Ao ver o rating, o investidor passa a ter melhor noção sobre o risco ao qual poderá se expor, além de ter como garantia a assinatura da agência responsável pela realização da avaliação.”

Do ponto de vista econômico, o rating é bastante vantajoso, pois, uma vez realizado, pode ser utilizado para vá-rios objetivos e por diversas instituições.

“Com a globalização, essa ferramenta se apresenta como uma linguagem univer-sal que aborda o grau de risco de qual-quer título da dívida, uma vez que une, em um único instrumento, a análise de dados financeiros [indicando o passado e as perspectivas futuras] e técnicos, como estrutura, processos e concorrência”, ex-plica Silvio Honda, diretor de seguros da J.Malucelli Seguradora.

As notas usadas baseiam-se na proba-bilidade de inadimplência da empresa e na proteção que os credores têm nesse caso. “Para realizarem uma classificação de risco de crédito, as agências de rating recorrem tanto a técnicas quantitativas,

como análise de balanço, fluxo de caixa e projeções estatísticas, quanto à análise de elementos qualitativos, como ambiente externo, questões jurídicas e percepções sobre o emissor e seus processos”, elucida Renato Zanetti Godoi, diretor da Baker Tilly Brasil.

Além de a classificação envolver avaliação de garantias e hedge contra os riscos levantados, ela também leva em consideração o fator tempo – maiores horizontes implicam maior imprevisibili-dade. Assim, uma mesma empresa pode apresentar títulos de dívida com diferen-tes notas, de acordo com as garantias oferecidas e prazos estabelecidos, dentre outras características.

As classificações de risco de AAA/Aaa até BBB/Baa são consideradas como investment grade (grau de investimento), enquanto notas inferiores são tidas como speculative grade (grau especulativo).

O papel das agênciasUma agência de rating avalia e classi-

fica países e empresas segundo uma nota de risco, que expressa o grau de risco des-tes de não pagarem suas dívidas no prazo fixado. Tal nota/classificação aponta para maior ou menor possibilidade de ocorrên-cia de um default.

O rating é sempre aplicado a títulos de dívida de algum emissor. Se uma empresa quer captar recursos no mercado e oferece

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Escala de ratings globais das agências

Fontes: Moody’s, Fitch Ratings e Standard & Poor’s.

MOODY’S FITCH S&P SIGNIFICADO

Aaa AAA AAA Mais alta qualidade

Aa AA AA Alta qualidade

A A A Qualidade média (alta)

Baa BBB BBB Qualidade média

Ba BB BB Predominantemente especulativo

B B B Especulativo, baixa classificação

Caa CCC CCC Inadimplemento próximo

C C C Mais baixa qualidade, sem interesse

– DDD DDD Inadimplente, em atraso, questionável

– DD DD Inadimplente, em atraso, questionável

– D D Inadimplente, em atraso, questionável

papéis que rendem juros a investidores, a agência prepara o rating desses títulos para que os potenciais compradores avaliem os riscos. As agências, portanto, classificam debêntures, medium-term notes, títulos de dívida conversível, mas não ações.

Pecchio explica que a agência de rating pode atuar em dois momentos, seja na avaliação da qualidade de crédito ou na emissão de dívida. “Para a realização desse trabalho, a agência deve acompanhar de perto o histórico da empresa, a modela-gem financeira, o grau de endividamento, os resultados recentes e as perspectivas.”

“Para qualificar o crédito, a agência verificará a capacidade que a entidade emissora de dívida tem de gerar cai-xas futuros suficientes para honrar seus compromissos. Para isso, ela avaliará tanto os aspectos externos [ambiente econômico, concorrência] quanto in-terno [gestão]”, completa Rubens Batista, sócio da KF Trade & Consulting e eleito O Executivo de Finanças do Ano pelo IBEF SP em 2007.

As empresas frequentemente con-tratam uma agência de rating para terem suas dívidas classificadas em termos de risco de crédito. Isso porque muitos inves-tidores resistem ou têm limitações legais em comprar títulos sem conhecer o rating. A classificação é revista periodicamente, uma vez que a qualidade de crédito de uma empresa ou país pode se alterar de um período para outro.

“Mesmo sob encomenda, as empresas de classificação de risco garantem que o rating é uma avaliação independente, por-que também há preocupação com a cre-dibilidade da própria agência e sua conse-quente manutenção no mercado”, destaca

Mário Amigo, professor de Finanças da Fundação Instituto de Pesquisas Contá-beis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

Credibilidade em xequeO rebaixamento da nota de risco sobe-

rano dos Estados Unidos de AAA para AA+ pela Standard & Poor’s, realizado em agosto passado, causou não apenas barulho nos mercados financeiros inter-nacionais, como também trouxe à baila a discussão sobre a necessidade da adoção de novas medidas para regular a atividade das agências de classificação de risco. Em meio à polêmica, surge a necessidade de se rever a questão da credibilidade dessas agências, que tem sido posta em xeque por economistas e especialistas do setor.

Diante da redução de nota dos EUA, a Comissão de Serviços Financeiros da Câmara de Deputados dos Estados Unidos e a Securities and Exchange Comission (SEC, órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários brasileira) deram início a investigações para esclarecer se houve vazamento do anúncio do corte da nota de risco soberana americana.

Segundo a SEC, foram detectadas várias irregularidades em uma dezena de agências. Em relatório anual, o primeiro da

SEC sobre as agências de rating, a auto-ridade norte-americana apontou casos de atropelo de procedimentos internos e falhas e/ou omissão na divulgação de relatórios que eram devidos em determi-nadas datas. O documento, divulgado no fim de setembro, apontou, ainda, entre outras conclusões, a existência de conflitos de interesse que não foram assumidos por analistas das entidades examinadas.

A crise de credibilidade que as três maiores agências de rating do mundo (Stan-dard & Poor’s, Moody’s e Fitch) enfrentam decorre não apenas das críticas em relação ao rebaixamento dos EUA, mas também pela demora das agências em emitir um alerta bem mais cedo quanto à deteriora-ção na capacidade de pagamento da dí-vida pública pela Grécia, por Portugal e pela Irlanda. Exemplo dessa demora pôde ser observada no caso da Enron, no qual somente alguns dias antes de sua falência é que as agências reduziram a nota de investimento da companhia.

“Para alguns investidores e analistas do mercado, por exemplo, a demora na liberação dessas informações, ou sua não divulgação, pode soar como falta de transparência”, comenta o professor Mário Amigo.

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"A polêmica recente sobre as agências decorre justamente de uma informação fornecida por elas próprias e que os investidores julgaram como irreal. Como um título com rating AAA ou similar poderia gerar perdas em um espaço de tempo tão reduzido? Como as agências não captaram esse risco de crédito ou a deterioração das condições creditícias do emissor?"

Flavio Málaga(Insper)

"Não se pode esquecer que, como emissor da moeda reserva do mundo, os EUA estão em uma posição privilegiada. Em adição a isso, sua capacidade de recuperação, já vista em outros momentos, e o tamanho de sua economia funcionam como sendo uma garantia ao menos como fatores atenuantes ou redutores de risco"

Rubens Batista(KF Trade & Consulting)

“A polêmica recente sobre as agências decorre justamente de uma informação fornecida por elas próprias e que os in-vestidores julgaram como irreal. Como um título com rating AAA ou similar poderia gerar perdas em um espaço de tempo tão reduzido? Como as agências não captaram esse risco de crédito ou a deterioração das condições creditícias do emissor?”, questiona Flavio Málaga, dou-tor em Finanças pelas FEA/USP, execu-tivo financeiro e professor de Finanças do Insper. “Daí a importância e a responsa-bilidade das agências: uma análise e uma classificação inadequada de um título de dívida podem direcionar os investidores a alocarem seus recursos de maneira equivocada ou a assumirem riscos que não estariam dispostos, gerando inefici-ência no mercado e desconfiança entre os participantes do mercado de capitais. Essa desconfiança reflete, sem dúvida, um aumento do custo de capital ou uma exigência de taxas maiores por parte dos investidores, onerando ainda mais as empresas emissoras”, esclarece.

RegulamentaçãoAté o fim de 2011, a Comissão de Valo-

res Mobiliários (CVM) deve colocar em audiência pública as regras para a regula-mentação das agências de rating no Brasil. As normas, todavia, somente serão editadas no próximo ano, uma vez que a expecta-tiva é de que a consulta tenha um prazo

maior em razão da amplitude das regras.“A CVM está elaborando uma minuta

de instrução que dispõe sobre o registro das agências classificadoras de risco, que deve ser submetida à audiência pública ainda neste segundo semestre. O foco da regulamentação é a exigência de regis-tro das agências, regras de divulgação de informações periódicas e eventuais, exi-gências de estrutura mínima de controles internos das agências, bem como o trata-mento de conflitos de interesse”, explica Flávia Mouta, superintendente de Desen-volvimento de Mercado da CVM.

Com essas novas normas, o objetivo da autarquia é tornar obrigatória e mais

transparente a divulgação das informa-ções pelas agências classificadoras de riscos para que os próprios investidores e usuários de ratings possam ter condi-ções de avaliar a estrutura que as agên-cias dispõem para realizar seu trabalho, as metodologias empregadas, bem como os mecanismos que elas têm para tratar questões de conflito de interesse e de controle de qualidade.

A regulamentação em estudo segue a linha já adotada internacionalmente, em especial as regras da Europa e dos EUA e os princípios editados pela Organização Internacional das Comissões de Valores (em inglês, International Organization of Securities Commissions – Iosco).

Além da discussão interna das regras, a CVM também vem conversando com outros órgãos reguladores, como a Supe-rintendência de Seguros Privados (Susep) e o Banco Central, no intuito de reduzir ao máximo a exigência obrigatória de ratings de emissão. No entanto, até o momento, não há prazo para futuras determinações.

Rating corporativoO rating de empresas geralmente

decorre de uma equação que pondera fatores quantitativos e qualitativos das corporações. O resultado dessa equação é o rating atribuído a um título de crédito como uma debênture corporativa, por exemplo. “Os fatores quantitativos usu-

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Dados publicamente disponíveis, como relatórios anuais.

Prospectos, circulares de oferta, memorandos de oferta ou escrituras de títulos em particular.

Dados de mercado, como tendência de preços de ações, volume de transações, dados sobre spreads dos preços de títulos de dívida.

Dados econômicos sobre grupos setoriais, associações ou organismos, como o Banco Mundial.

Dados de agências tais como bancos centrais, ministérios ou reguladores.

Livros ou artigos de fontes acadêmicas, periódicos financeiros, notícias.

Discussões com fontes especializadas no setor, governo ou do meio acadêmico.

Dados que possam vir de reuniões ou conversas com o emissor da dívida.

Fonte: Moody’s.

Que fontes de informação os analistas usam?almente buscam identificar a capacidade da empresa em honrar as obrigações com credores financeiros, como bancos ou debenturistas, e a qualidade e a força da operação, a qual sustenta os investidores da empresa. Os fatores qualitativos pro-curam identificar a força competitiva da empresa dentro do ambiente de negócios em que atua, a qualidade da gestão, entre outros fatores”, afirma Flavio Málaga.

Segundo explica Ivanyra Correia, CFO da Penske, o rating das empresas mede sua capacidade em pagar seus compromissos financeiros. Ou seja, a nota de risco é aplicada a títulos de dí-vida da empresa emissora e não a ações. “O rating é determinado por meio de uma análise abrangente da capacidade financeira da empresa, contemplando o ambiente macroeconômico em que ela está inserida, as condições mercadológi-cas e a qualidade de sua liderança, entre outras variáveis.”

Geralmente, os investidores contra-tam as agências para que seja realizado o processo de atribuição de rating, quando se trata de um título para captação de recursos. Quando se trata de um rating de governança corporativa, por exem-plo, a própria empresa pode contratá-lo. “A partir da contratação, são designados ao menos dois analistas para realizar due diligence na empresa, bem como analisar todas as informações financeiras. Realiza-das essas etapas, é elaborado um relatório de avaliação que, por sua vez, é subme-tido a um comitê de risco que o analisará e definirá qual a nota a partir dos critérios técnicos de classificação, conforme a me-todologia adotada”, elucida Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

É importante destacar que todas as empresas, independentemente de porte ou de serem ou não listadas em bolsa, podem solicitar a realização de rating. “Todas as empresas podem se beneficiar do rating, uma vez que sua realização con-fere mais transparência ao negócio. No entanto, no caso de empresas de pequeno porte, existe o entrave do custo, que geral-mente é bastante elevado, e também a elevada taxa de risco, que pode restringir o interesse de possíveis investidores. No entanto, para médias empresas que pre-tendam captar recursos e expandir sua atuação, se houver um bom plano de ne-gócios, o rating pode ser uma opção inte-ressante”, sugere Bassi, da Liberum.

Rating soberanoO risco soberano – ou risco país – é

o risco de crédito atribuído aos títulos de dívida emitidos pelo governo federal. Isto é, ele mede as condições básicas de solvência financeira e/ou política de uma nação, indicando o grau de confiança que o investidor tem ao alocar recursos em determinado país.

É utilizado pelos investidores como balizamento de oportunidades de inves-timentos em diversas regiões do mundo. Frequentemente, considera-se o risco

soberano como o piso de risco de uma economia, já que os títulos públicos, em geral, são os mais líquidos e embutem a menor taxa de risco de crédito. A nota global de um país, por exemplo, é a ava-liação sobre o risco desse país não pagar os títulos que emitiu no mercado inter-nacional. Nesse caso, diferentemente de empresas, as agências, em geral, fazem a avaliação mesmo sem a contratação do tomador dos recursos.

“Em geral, o risco soberano impacta diretamente as empresas inseridas no país. Consequentemente, devedores solven-tes em países insolventes pagam o preço da insolvência dessa economia. Natural-mente, existem diferentes riscos em dife-rentes setores da economia, e o investidor necessita analisar além do risco soberano na tomada de decisão. Por exemplo, mesmo antes de o Brasil ter alcançado o grau de investimento em 2008 pela S&P, algumas empresas brasileiras já haviam ingressado neste seleto grupo de bons pagadores”, lembra Ivanyra.

De acordo com Rubens Batista, o objetivo da análise segue sendo o mesmo que aquele aplicado às empresas, “tendo como objetivo a verificação da capaci-dade de governos soberanos de honrar juros e principal das dívidas emitidas.

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"A CVM está elaborando uma minuta de instrução que dispõe sobre o registro das agências classificadoras de risco, que deve ser submetida à audiência pública ainda neste segundo semestre. O foco da regulamentação é a exigência de registro das agências, regras de divulgação de informações periódicas e eventuais, exigências de estrutura mínima de controles internos das agências, bem como o tratamento de conflitos de interesse"

Flávia Mouta(CVM)

"O rating é determinado por meio de uma análise abrangente da capacidade financeira da empresa, contemplando o ambiente macroeconômico em que ela está inserida, as condições mercadológicas, a qualidade de sua liderança, entre outras variáveis"

Ivanyra Correia(Penske)

Os aspectos analisados são, em geral, dependendo da instituição certificadora, solidez das instituições e riscos políticos, situação da economia e sua perspectiva de crescimento, liquidez, política fiscal passada e tendências [gastos], e política monetária”, diz.

Os fatores objetivos mais usualmente avaliados são os indicadores macroeconô-micos de um país, principalmente os indi-cadores de solvência. A avaliação se torna ainda mais complexa quando se analisa o ambiente político. “O investidor quer regras claras, e ambientes políticos instáveis são extremamente desfavoráveis. Mesmo quando investindo em um título de em-presa, o investidor deve analisar o contexto político em que a empresa está inserida e verificar o impacto da intervenção do governo na economia e na competitividade da empresa. A mudança de regra, a cada governo, tem um custo alto para a empresa inserida nesse país. Em algumas situações, pode-se comprar o seguro de risco polí-tico, mas este tem limitações e custa caro”, adverte a CFO da Penske.

Como as empresas, os países são classificados em categorias. Um país com boa capacidade é classificado como “grau de investimento”. Caso a capacidade de pagamento de um país seja limitada, este é classificado como “grau especulativo”, incluindo, nessa categoria, os países que declararam moratória de suas dívidas – a exemplo do Brasil, em 1987.

Influência econômicaO poder das agências de rating é muito

grande. O fluxo de dinheiro, no mundo, é determinado, em grande parte, pelas notas concedidas por essas agências. Ao atribuir um determinado rating para uma debênture corporativa, basicamente a agência determina o custo de captação da empresa. Quanto melhor o rating, menor seria o risco de default da empresa e, por-tanto, menor o risco do credor ao adquirir títulos dessa empresa. Por assumir meno-res riscos, o credor, teoricamente, exigiria uma taxa de retorno menor (para a em-presa, essa seria a taxa de juros exigida pelo credor).

“Em um momento de crise como o que estamos vivendo, os investidores se tornam avessos a risco e mais seletivos na escolha. Quanto melhor a nota de risco, maior a probabilidade de um país ou em-presa atrair novos investimentos”, comenta Pecchio, da AES Brasil.

Segundo Flavio Málaga, outro impacto, que é consequência do fato anterior, é que, em empresas com títulos de dívida com perfil de rating superior (menor risco), por incorrer em menores taxas de juros, todos os demais fatores constantes gera-riam maiores lucros. “Como resultado disso, geralmente empresas com ratings superiores, por serem capazes de gerar lucros maiores, apresentariam maior valo-rização de suas ações, comparativamente a empresas similares, mas com ratings inferiores. Ou seja, o mercado de dívida influencia o mercado de ações”, garante.

Por outro lado, quando uma agência rebaixa o rating de um título de dívida cor-porativa, imediatamente as ações da em-presa emissora desses títulos sofrem. “Um rating rebaixado reflete uma condição de crédito deteriorada. Maiores riscos para o credor, maiores riscos para o acionista, já que o credor tem prioridade sobre flu-xos de caixa e ativos da empresa”, pontua Honda, da J.Malucelli.

De maneira resumida, adverte Lean-dro Martins, analista-chefe da Corretora Walpires, “o rating influencia na decisão

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dos investidores na procura por empresas e países de menor risco, além de interferir no custo de capital e no custo de capta-ção de recursos da empresa; nos lucros da empresa emissora; e no valor das ações da empresa emissora do título de dívida”.

Já para Agostini, da Austin Ratings, as agências de rating não influenciam direta-mente o mundo dos negócios. “As agên-cias apenas emitem uma opinião técnica sobre a capacidade de pagamento de um país ou uma empresa e, diante dessa informação, os investidores aumentam ou reduzem seus investimentos nesses locais, e essas ações dos investidores é que influenciam o mundo dos negócios em termos de ganhos e perdas”, explica.

Na prática, de acordo com Godoi, da Baker Tilly Brasil, a redução de uma nota significa que o país ou a empresa que sofreu o rebaixamento de nota teve sua capacidade de pagamento reduzida. “No entanto, não significa que o país ou a empresa não pagará suas dívidas. Isso ocorre apenas em casos gravíssimos. Nem mesmo a Grécia pode ser considerada como uma moratória.”

Bolsa de valoresÉ fato que a percepção de risco é o

que norteia qualquer investidor, inde-pendentemente do tipo de investimento. Quando ocorre uma turbulência em determinado mercado, ocorre uma fuga de capitais em geral. Isso foi observado, por exemplo, no dia seguinte ao rebai-xamento da nota dos Estados Unidos, quando as principais bolsas de valores do mundo abriram em queda.

“A crise no mercado internacional, decorrente desse rebaixamento e pelo temor de que o mesmo ocorresse com

os principais países da Europa, provocou também uma forte realização no mer-cado brasileiro, impactando o valor de mercado de grandes empresas do País”, afirma Ivanyra Correia. “Além disso, a fuga provocou uma desvalorização da moeda local, reduzindo a competitivi-dade de empresas importadoras, além de tornar mais caro o serviço da dívida de empresas endividadas em dólar.”

Os mercados estão conectados. O im-pacto da percepção de deterioração da capacidade de pagamento de um grande player, como os Estados Unidos, é imediato nas principais bolsas de valores mundiais.

Para Alex Agostini, da Austin, existe, ao menos, uma relação importante entre rating e bolsa de valores. “Essa relação diz respeito ao aumento do volume de recursos que as empresas poderão captar para aumentar os investimentos na expan-são produtiva. Para tanto, é preciso que um país seja classificado como investment grade para que haja aumento do número de participantes, pois, por exemplo, alguns fundos de pensão só podem investir em países com essa classificação.”

Já na opinião de José Valter Martins de Almeida, diretor superintendente da SR Ratings, o rating não tem relação direta com a bolsa. “O rating não tem muita inter-pretação dentro da bolsa, uma vez que ele é apenas mais um instrumento – impor-tante, sem dúvida – para a avaliação de uma empresa. No entanto, em uma bolsa de valores, o que conta efetivamente são as análises realizadas pelo departamento técnico, com base em projeção de riscos futuros, que podem ou não afetar o custo das ações”, ressalta.

Estados UnidosO estopim da segunda crise econômica,

atualmente sentida em todo o mundo, se deu a partir da desconfiança de que talvez os Estados Unidos não conseguissem hon-rar com seus compromissos. “Isso não sig-nifica, de modo algum, que os EUA irão quebrar, mas existe o risco de que o país possa deixar de cumprir com suas dívidas”, adverte o diretor da J. Malucelli.

A crise do limite de dívida dos EUA, que levou a um longo processo negocial

e de debate no Congresso Americano sobre se o país deveria aumentar o limite de dívida – o que foi posteriormente aprovado –, fez crescer a especulação internacional sobre a real capacidade de solvência americana.

Diante do quadro da crise, a S&P rebaixou a nota da dívida pública nor-te-americana de AAA para AA+, devido à crescente dívida e ao pesado déficit de orçamento. “O rebaixamento reflete nossa opinião de que o plano de con-solidação fiscal com que o Congresso e o governo concordaram recentemente fica aquém do que, em nossa visão, seria necessário para estabilizar a dinâ-mica de médio da dívida. Mais ampla-mente, o rebaixamento reflete nossa visão de que a eficácia, a estabilidade e a previsibilidade das instituições políti-cas e formuladoras de políticas dos EUA enfraqueceram, em um momento de desafios fiscais e econômicos, a um grau que prevíamos quando atribuímos uma perspectiva negativa para o rating, em 18 de abril de 2011”, afirmou a agência por meio de comunicado.

O texto dizia, ainda, que a perspec-tiva do rating de longo prazo é negativa. “Poderemos rebaixar o rating para AA nos próximos dois anos caso notemos redução de déficit menor do que aquela acordada, taxas de juro mais altas ou se novas pres-sões fiscais durante esse período resulta-rem em trajetória geral para a dívida mais alta do que assumimos atualmente.”

Além dela, as agências Dagong Glo-bal Credit Rating, da China, e SR Ratings, do Brasil, também rebaixaram o rating do crédito dos EUA. A agência chinesa rebai-xou a qualificação creditícia de A+ para A, com perspectiva negativa, enquanto a brasileira mantém, desde 2009, a nota AA para os Estados Unidos, de acordo com o diretor superintendente, José Valter Mar-tins de Almeida.

Contudo, ao contrário da S&P, a Moody’s manteve a nota AAA para os EUA, mas acrescentando uma perspectiva negativa para a nota, afirmando que o rebaixamento ainda pode ocorrer se a dis-ciplina fiscal enfraquecer ou o crescimento econômico se deteriorar significantemente.

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"As agências apenas emitem uma opinião técnica sobre a capacidade de pagamento de um país ou uma empresa e, diante dessa informação, os investidores aumentam ou reduzem seus investimentos nesses locais, e essas ações dos investidores é que influenciam o mundo dos negócios em termos de ganhos e perdas"

Alex Agostini(Austin Ratings)

"O rating influencia na decisão dos investidores na procura por empresas e países de menor risco, além de interferir no custo de capital e no custo de captação de recursos da empresa; nos lucros da empresa emissora; e no valor das ações da empresa emissora do título de dívida"

Leandro Martins(Corretora Walpires)

A mesma nota foi atribuída pela Fitch. A entidade, no entanto, alertou que a maior economia do mundo pre-cisa reduzir sua dívida ou enfrentará uma piora na nota. Em comunicado à imprensa, a Fitch informou que, embora o acordo signifique que o risco de uma moratória é extremamente baixo, “os EUA precisam encarar difíceis escolhas quanto aos impostos e gastos contra um cenário econômico fraco para que o déficit orçamentário e a dívida governa-mental sejam reduzidos para níveis mais seguros no médio prazo”.

Segundo Mauricio Bassi, a existência de duas notas distintas, ainda que bastante próximas, indica a necessidade de atenção por parte do investidor, uma vez que as metodologias adotadas pelas principais agências de rating apontaram diferenças de valores. “Essas disparidades, longe de confundir o investidor, visam a agregar valor à sua análise, contribuindo para que seja realizado um estudo mais completo e adequado, ajudando-o a tomar a decisão mais acertada sobre investir ou não em um determinado país.”

“Apesar do impacto real do rebaixa-mento ainda ser pequeno, pois a nota ainda é uma das melhores e apenas uma das três principais agências que efetuou o rebaixamento, esse fato gera aumento do custo de capital e prejudica a entrada de capital estrangeiro, com maior dificuldade de rolagem de sua dívida”, adverte Lean-

dro Martins, da Walpires.O rebaixamento da nota de risco do

país mais rico do mundo gera uma crise de confiança de proporções mundiais e afeta a economia global. Os investidores se tor-nam avessos a risco e, consequentemente, existe uma fuga de recursos das bolsas de valores de um modo geral.

Para Renato Godoi, da Baker Tilly, “houve certo exagero da S&P ao rebaixar a nota dos EUA. A meu ver, o corte denota preciosismo da agência, que não manteve coerência. Isso faz com que discussões acerca do papel das agências ganhe ainda mais força”, comenta.

Por um lado, muitos países, como

China, Japão e Brasil, e muitos agentes privados detêm títulos da dívida ame-ricana. “Um eventual default por parte dos EUA levaria a perdas relevantes na carteira de crédito de bancos centrais e de bancos privados dos mais diversos países. Essas perdas se refletiriam nas economias locais, já que haveria menos recursos ou reservas disponíveis para financiá-las. Em época de dificuldades econômicas na Europa e nos EUA, em que as economias necessitam de forte injeção de recursos, essas perdas acen-tuariam ainda mais as dificuldades”, adverte Málaga.

Por outro lado, os EUA perderiam ca-pacidade de captar recursos. “Para um país que é considerado a locomotiva do mundo e que depende fortemente de recursos externos para financiar seus recorrentes déficits, a dificuldade em levantar recursos imporia um freio na economia. Necessa-riamente, o mundo sofreria esse impacto”, afirma Martins.

Na opinião de Rubens Batista, a ava-liação da S&P funciona mais como um alerta da gravidade e extensão da crise. Neste momento, o impacto sobre a econo-mia americana é limitado, pois as opções existentes aos seus títulos são piores, uma vez que a Europa está enfrentando crise de solvência e os outros mercados são pequenos ou mais arriscados, como é o caso da América Latina e da Ásia. “Creio

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"O rating é um instrumento relevante para o mercado, uma vez que fornece aos potenciais credores uma opinião independente a respeito do risco de crédito do objeto analisado. Ele pode ser compreendido como uma sugestão – positiva ou negativa – para o investidor"

Mauricio Bassi(Liberum Ratings)

que essa redução de nota se tratou mais de uma sinalização de que algo deve ser feito do que de um risco iminente. Não se pode esquecer que, como emissor da moeda reserva do mundo, os EUA estão em uma posição privilegiada. Em adição a isso, sua capacidade de recuperação, já vista em outros momentos, e o tamanho de sua economia funcionam como sendo uma garantia ao menos como fatores ate-nuantes ou redutores de risco.”

Caos europeuO rebaixamento da nota de risco vem

evidenciando um questionamento sobre a capacidade de alguns países de honrar os compromissos assumidos. Esse rebaixa-mento demonstra alto nível de endivida-mento público, debilidade macroeconô-mica estrutural e potencial contágio das perspectivas globais.

“Em resumo, as agências de rating estão questionando os governantes desses países quanto aos riscos de implemen-tação de uma mudança estrutural e o tempo necessário para atingir os objetivos de consolidação fiscal para reverter a ten-dência adversa na dívida pública, devido às incertezas políticas e econômicas”, conta Ivanyra Correia.

Para Rubens Batista, a causa dos rebai-xamentos de notas dos países é comum e passa pela “incapacidade da formulação de uma política fiscal executável [e palatável à população], uma situação de incerteza na economia doméstica e os reflexos da crise externa e, especificamente nos países europeus, o fato de não terem muita flexi-bilidade no tocante à política monetária”.

Alex Agostini comenta que o ponto comum dessas economias é que todas

eram mercados muito liberais, isto é, com baixo teor de regulação e fiscaliza-ção e, portanto, as instituições financei-ras se expunham muito ao risco, fato que levou à necessidade de os governos socorrerem essas instituições. “Mas, com o baixo nível de crescimento, que reflete em menor receita tributária, e pela neces-sidade de manter as despesas correntes do governo, como educação e saúde, os governos também se viram em dificulda-des de equilibrar suas finanças, o que, por sua vez, reflete na redução da capacidade de pagamento de seus compromissos ao longo do tempo”, explica.

Pecchio afirma que os cortes de notas, tanto dos Estados Unidos quanto de diver-sos países europeus, são consequência da crise vivida por esses países, e não fatores motivadores de crise. “Para reverter essa situação de caos que se instalou princi-palmente na União Europeia, as nações precisariam buscar melhorar suas contas públicas, rever suas perspectivas de cres-cimento, reduzir o endividamento, pas-sando a ter mais qualidade de crédito e, assim, se tornar novamente atraentes aos olhos dos investidores estrangeiros.”

RebaixamentosNa primeira semana de outubro, a

Standard & Poor’s reiterou o rating BBB- para a dívida de longo prazo portuguesa, com perspectiva negativa. Por meio de

nota, a agência afirmou que “os ratings de Portugal refletem nossa visão de que o governo está seriamente comprometido com a reforma econômica, ancorada por um programa de empréstimo de € 78 bilhões pela União Europeia (UE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)”.

Na avaliação da S&P, o resgate finan-ceiro e o resultado das últimas eleições dão ao governo um mandato sólido para melhorar o ambiente institucional e admi-nistrativo de Portugal. No curto prazo, porém, a economia local sofrerá uma con-tração mais acentuada do que a esperada devido à fraca demanda externa e às con-dições de crédito mais apertadas.

A mesma avaliação foi feita pela Fitch, que manteve a nota da dívida soberana de Portugal em revisão para possível rebaixamento. “Conforme divulgado ante-riormente, a agência pretende encerrar a revisão negativa no quarto trimestre de 2011. A revisão levará em conta os termos oficiais de empréstimos, o desempenho de Portugal no programa da UE e do FMI, o orçamento para 2012, os avanços nas privatizações, os riscos ao sistema bancá-rio de Portugal e uma avaliação atualizada sobre as perspectivas fiscais e econômicas do país no médio prazo”, afirmou a Fitch em comunicado.

Outro país que teve sua nota rebai-xada pela Fitch Ratings foi a Espanha, com redução em dois níveis, para AA-, devido à intensificação da crise da zona do euro. A agência revisou para baixo, adicional-mente, as perspectivas para as notas de crédito do país. A classificação atribuída à Espanha indica que a agência poderá abai-xar novamente a nota de médio prazo. A Fitch ressalta também o risco de descum-primento orçamentário devido das comu-nidades autônomas.

A Itália também recebeu avaliação negativa. A Moody’s rebaixou a nota de longo prazo da dívida italiana de Aa2 para A2, com uma perspectiva negativa. O rating de curto prazo foi reafirmado em Prime-1. A nota da Itália estava em revisão desde 17 de junho passado.

O rebaixamento foi causado por três principais motivos. O primeiro é o au-mento material dos riscos de captação

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Div

ulg

ação

"Uma perspectiva favorável de crescimento no médio prazo é baseada em expectativas de aumento dos investimentos em infraestrutura e uma demanda doméstica sustentada por uma elevada mobilidade econômica, visto que a migração para os segmentos de classe média deve persistir"

Mauro Leos(Moody’s)

de longo prazo para os países da zona do euro com os altos níveis de endivida-mento público. Analistas ressaltam ainda o maior risco de revisão para baixo do crescimento econômico por conta da fra-queza macroeconômica estrutural e do enfraquecimento das perspectivas globais. E, por fim, os riscos de implementação e o tempo necessário para atingir os obje-tivos de consolidação fiscal do governo para reverter a tendência adversa na dí-vida pública, devido às incertezas políti-cas e econômicas.

Mesmo diante de uma série de corte de notas, a situação verdadeiramente crí-tica reside na Grécia, que teve sua nota de crédito reduzida em três graus pela Fitch.

A agência de risco rebaixou a nota da dívida soberana grega de B+ a CCC, ante a falta de um novo plano de ajuda, concreto e financiado integralmente pela União Europeia e o FMI (Fundo Mone-tário Internacional), ao que se acrescenta grande incerteza sobre o papel dos cre-dores privados no plano e perspectivas macroeconômicas do país. Assim, a Grécia está a três níveis da nota DDD, reservada para os países em default.

A agência já havia rebaixado em três escalões a nota da dívida em longo prazo da Grécia, a B+, em 20 de maio deste ano.

Outra nação na mira das agências é a Bélgica. A Moody’s informou recente-mente que, em breve, pode cortar o rating Aa1 da dívida soberana belga, citando as dificuldades do país de lidar com elevados níveis de dívida pública e preocupações com riscos de financiamento no longo prazo. O rating da Bélgica foi formalmente colocado em revisão para possível rebaixa-mento pela agência.

Hoje, o país é classificado como AA-, com perspectiva negativa, tanto pela S&P quanto pela Fitch. O atual rating está um grau abaixo do status Aaa, o maior da clas-sificação da agência.

Em meio ao caos que se instalou na Europa, a Alemanha teve seu rating reafir-mado em AAA pela Fitch. Em comunicado oficial, a agência destaca que a afirmação do rating “reflete a força da Alemanha no crédito de longa data e o desempenho robusto da economia em 2010, que apre-

sentou crescimento de 3,5%, após queda do PIB em 2009”.

Esse crescimento permitiu à Alemanha alcançar um mercado forte e sustentado, como indica a queda da taxa de desem-prego para 7%, nível mais baixo desde a reunificação alemã.

JapãoNem mesmo o Japão, considerado

uma economia forte, escapou do corte de notas.

A Moody’s declarou na primeira quin-zena de outubro que rebaixou o rating do Japão de Aa2 para Aa3, com perspectiva estável, citando como justificativa o grande déficit orçamentário do país e as dívidas acumuladas por Tóquio desde a recessão mundial em 2009. Com isso, a agência afirmou ter concluído a revisão do rating do país, iniciada em 31 de maio.

“Ao longo dos últimos cinco anos, as mudanças frequentes na administração impediram que o governo implementasse estratégias econômicas e fiscais de longo prazo e políticas eficazes e duráveis”, diz a agência, que completa: “O terremoto e o tsunâmi de 11 de março passado, e o subsequente desastre na usina nuclear Daiichi, em Fukushima, atrasaram a recu-peração da recessão mundial de 2009 e agravaram as condições deflacionárias.”

As perspectivas para o crescimento econômico são fracas e dificultam a ca-

pacidade de o Japão alcançar as metas de redução nos déficits e implementação de reformas tributárias e sociais.

BrasilEm meados de abril de 2011, a agência

Fitch Ratings afirmou que o governo da presidente Dilma Rousseff tem apresen-tado sinais de maior controle fiscal, o que, junto com as perspectivas de crescimento saudável da economia, deverá permitir a redução da dívida geral do País. Essa pers-pectiva favorável fez com que a agência elevasse o rating do país de BBB- para BBB, com perspectiva estável.

A Fitch informou que seu cenário base assume que o aperto das políticas macro-econômicas atualmente em curso no Brasil permitirá uma suave desaceleração no crescimento do PIB para cerca de 4% em 2011, após crescimento de 7,5% no período anterior. O anúncio de cortes de gastos em 2011 e o modesto aumento no salário-mínimo, bem como a firme redução nos empréstimos do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES), deram suporte para a melhora gradual na posição fiscal geral do País.

“A grande escala da economia e um grau relativamente elevado de diversifica-ção da base econômica e de exportação forneceram um forte suporte para a posi-ção de crédito do país. Uma perspectiva

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favorável de crescimento no médio prazo é baseada em expectativas de aumento dos investimentos em infraestrutura e uma demanda doméstica sustentada por uma elevada mobilidade econômica, visto que a migração para os segmentos de classe média deve persistir. Juntas, essas condições contribuem para uma tendência positiva do PIB per capita, o qual tem demonstrado aumento quase ininterrupto desde 2004. Um histórico de administração eficiente das políti-cas econômicas sob condições adversas, juntamente com sinais de continuidade e elevada previsibilidade das políticas, representa fatores institucionais que estão incorporados nos ratings atuais”, afirma Mauro Leos, vice-presidente da agência de classificação de risco Moody’s.

Pouco mais de um mês depois, foi a vez da Moody’s elevar a classifica-ção dos títulos atrelados à dívida do governo brasileiro de Baa3 para Baa2, justificando que recentes ajustes fiscais devem tornar o crescimento econômico do país mais sustentável e majorar as chances de que o Brasil honre seus com-promissos financeiros.

De acordo com a agência, pesaram em prol da decisão a intenção do governo de reverter políticas expansionistas, adotar medidas conservadoras que parecem mais sólidas com um caminho de crescimento sustentável e a expectativa da agência de que a dívida do governo apresente tendência de queda, na medida em que as diretrizes orçamentárias para o médio prazo sejam seguidas.

“A melhora do rating da economia brasileira decorreu de um entendimento, por parte das agências, de que a saúde fi-

nanceira da máquina pública está melhor. Ou seja, indicadores como o grau de endividamento líquido proporcional ao PIB, o comprometimento com a manu-tenção do superávit primário, o potencial de crescimento do País, a estabilidade institucional, entre outros fatores, apon-tariam para a redução do risco para os detentores de títulos soberanos emitidos pelo governo brasileiro”, destaca Renato Godoi. No entanto, ele acredita que o Brasil poderia estar com melhores notas. “A meu ver, com base em questões quan-titativas, o País poderia estar com notas melhores. No entanto, temos em nosso histórico recente a ocorrência de calote, e

isso, mesmo passadas mais de duas déca-das, ainda pesa no momento da avaliação das agências.”

Batista, da KF Trade & Consulting Group, acredita que a elevação da nota é um atestado de que o Brasil está evo-luindo, com redução de seu perfil de risco. “Quando a Moody’s publicou a elevação, fizeram menção aos problemas ainda existentes, tais como a qualidade e eficiência do gasto, mas, no geral, o qua-dro é positivo. De um lado, objetivamente reduz o custo de captação/emissão de dívida; enquanto de outro, libera espaço para investidores institucionais investirem no Brasil, o que, no curto prazo, pressiona ainda mais a taxa de câmbio [valorização do real], com perda de competitividade da indústria.”

Embora a avaliação seja favorável ao País, há quem não concorde com ela. “Para a SR Ratings, o Brasil ainda não apresenta as características essenciais de um país de investimento, merecendo, portanto, segundo nosso entendimento, nota BB+. Quem tem precatórios como o Brasil tem não pode ser considerado um investment grade. Há outros problemas a serem anali-sados”, adverte Almeida.

AAASegundo especialistas, a transpa-

rência e o rigor fiscal podem auxiliar o Brasil a subir de nível nos ratings sobe-ranos, mas uma eventual mudança para AAA ainda está a anos de distância. “O Brasil terá de criar uma nova trajetória para sair de níveis mais baixos de inves-timento para notas superiores”, afirma Mauro Leos, da Moody’s.

Para o Brasil obter uma nota A será preciso muito tempo. A companhia cos-tuma demorar de 12 a 18 meses para mexer na perspectiva, segundo Leos. “O mais cedo que pensamos é no segundo semestre do ano que vem e, dependendo de como as coisas ocorrerão, podemos nos dar mais tempo. A agência não está com pressa”, explica.

O executivo ressaltou que a gestão da política fiscal é uma condição neces-sária para que a Moody’s conceda um eventual upgrade ao Brasil no médio

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"Ao ver o rating, o investidor passa a ter melhor noção sobre o risco ao qual poderá se expor, além de ter como garantia a assinatura da agência responsável pela realização da avaliação"

Rinaldo Pecchio(AES Brasil)

"Mesmo sob encomenda, as empresas de classificação de risco garantem que o rating é uma avaliação independente, porque também há preocupação com a credibilidade da própria agência e sua consequente manutenção no mercado"

Mário Amigo(Fipecafi)

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prazo. “Mais importante do que é dito pelo governo, é preciso verificar o que é feito nessa área”, comenta.

Contudo, ele destaca que as declara-ções de autoridades do governo, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, segundo as quais o Poder Executivo tem como meta obter um superávit primário cheio de 2011 a 2014, são um sinal posi-tivo de que a administração federal está atenta a questões que não viabilizou no passado. “A crise pode trazer algo de bom para o Brasil. Por exemplo, o fortaleci-mento da gestão fiscal ao mesmo tempo em que o combate à inflação é mantido”, ressalta. “Se em função dessa postura do governo os juros tiverem condições de cair, vamos ver lá na frente”, diz.

EUA x BrasilDe acordo com relatório recém-publi-

cado pela Fitch, os países da América poderiam sofrer impactos negativos se os Estados Unidos entrassem novamente em recessão ou se a economia da China pas-sasse por uma desaceleração acentuada. O Brasil seria particularmente afetado pelo “pouso forçado” chinês, que pressionaria os preços das commodities e afetaria o equi-líbrio das contas externas.

Se a economia chinesa crescer 4% em 2012 e 5% em 2013, os países latino-americanos, cujas contas externas são amplamente vulneráveis aos preços das commodities serão prejudicados, “mas, na maioria dos casos, as reservas externas evi-tariam uma crise cambial ou no balanço de pagamentos”, diz Santiago Mosquera, diretor da Fitch.

O investimento estrangeiro direto nes-ses países também poderia diminuir e as finanças públicas sofreriam deterioração, pressionadas pelo declínio na arrecada-ção de impostos e de royalties. Esses efei-tos seriam particularmente negativos para nações muito dependentes da receita obtida com a exportação de commodities, como é o caso da Bolívia, do Equador, do México e da Venezuela; com pouco espaço para mano-bras fiscais, como Argentina, Brasil, Colôm-bia, Equador, México e Venezuela; ou com baixas reservas orçamentárias (todos os paí-ses latino-americanos, exceto Chile e Peru).

Na ocorrência de uma nova recessão nos EUA, as economias que têm fortes laços comerciais com o país podem sofrer uma retração ou desacelerar acentuada-mente. Segundo Mosquera, “a demanda pelas exportações desses países diminuiria, assim como o consumo e o nível de em-prego domésticos, visto que as indústrias dessas nações são mais voltadas para o mercado internacional”.

PerspectivasO cenário global, segundo comen-

tam economistas e especialistas, não apresenta boas perspectivas para os próximos meses, quiçá anos, conforme

comenta Mauricio Bassi, da Liberum. “A perspectiva é de que as notas rebaixadas sejam mantidas por um período acima de dois anos.” Além disso, ele prevê a redução de investimentos. “Para que muitos países consigam reequilibrar suas contas públicas e pagar suas dívidas, é possível que haja a redução de investi-mentos, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo”, diz.

“No curto prazo, certamente não haverá nenhuma melhora na economia, tanto nacional quanto mundial. A expec-tativa é que essa situação se mantenha por, pelo menos, mais uns dois anos, até que as medidas adotadas pelos países em crise comecem a efetivamente surtir efeito”, complementa Renato Godoi.

Com visão mais pessimista, José Val-ter Martins de Almeida, da SR Ratings, prevê um período de recessão. “Diante dos fatos que vêm ocorrendo, principal-mente na Europa, em países como Gré-cia, Portugal e Irlanda, e da necessidade da adoção de medidas sérias e urgentes no intuito de controlar e, aos poucos, reverter os estragos causados nas eco-nomias locais, creio que, num futuro não muito distante, o mundo entrará em recessão.”

Rinaldo Pecchio, da AES Brasil, tem a mesma percepção. “Diante do atual cená-rio, não vejo como melhorar a situação econômica no curto ou médio prazo. Aliás, parece-me que estamos prestes a nos deparar com uma considerável redu-ção de investimento generalizada.”

Para Mário Amigo, da Fipecafi, tam-bém não há perspectivas de melhora rápida. “Torço para que melhore, mas não vejo como isso pode acontecer num futuro próximo. O mundo está estag-nado, sem crescimento. Vai demorar um bom tempo para que a economia global volte a ser como era no início dos anos 2000”, sentencia. No entanto, a expec-tativa para os países do Bric são mais animadoras, na opinião do professor. “Brasil, China, Rússia e Índia, bem como os demais países em desenvolvimento, podem ser beneficiados pelo contexto. A situação global pode ser favorável à ele-vação de suas taxas de crescimento.”

"O rating não tem muita interpretação dentro da bolsa, uma vez que ele é apenas mais um instrumento – importante, sem dúvida – para a avaliação de uma empresa. No entanto, em uma bolsa de valores, o que conta efetivamente são as análises realizadas pelo departamento técnico, com base em projeção de riscos futuros, que podem ou não afetar o custo das ações"

José Valter Martins de Almeida(SR Ratings)

"A demanda pelas exportações desses países diminuiria, assim como o consumo e o nível de emprego domésticos, visto que as indústrias dessas nações são mais voltadas para o mercado internacional"

Santiago Mosquera(Fitch)

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