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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA
As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa
Volume 1
Rui Jorge Narciso Boaventura
Doutoramento em Preacute-Histoacuteria
2009
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA
As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa
Volume 1
Rui Jorge Narciso Boaventura
Doutoramento em Preacute-Histoacuteria
Tese orientada pelo Professor Doutor Victor dos Santos Gonccedilalves
2009
Resumo
As antas satildeo uma das facetas visiacuteveis do fenoacutemeno do Megalitismo da regiatildeo
de Lisboa verificando-se este tambeacutem em grutas naturais e artificiais e tholoi
Assim este trabalho procurou integrar e compreender aquele tipo de sepulcro
especiacutefico no acircmbito do fenoacutemeno funeraacuterio regional
Quando avaliadas localmente mas tambeacutem com outras regiotildees vizinhas as
antas de Lisboa surgem em nuacutemero bastante reduzido Contudo mais do que um
fraco impacto do Megalitismo desta regiatildeo pelo contraacuterio a sua construccedilatildeo parece
reforccedilar a importacircncia do fenoacutemeno para aquelas comunidades
Os dados compilados permitiram situar cronologicamente as primeiras
utilizaccedilotildees das antas de Lisboa essencialmente entre os meados e a segunda metade
do 4ordm mileacutenio ane em momento aparentemente mais recente do que as primeiras
evidecircncias do fenoacutemeno do Megalitismo registadas em grutas naturais da regiatildeo
Posteriormente na primeira metade do 3ordm mileacutenio ane estes sepulcros continuam a
ser usados sem interregnos evidentes mas com alteraccedilotildees no espoacutelio de
acompanhamento Numa primeira fase provavelmente ateacute finais do 4 ordm mileacutenio os
materiais depositados apresentavam um caraacutecter utilitaacuterio e tecnoacutemico no periacuteodo
sequente evidenciou-se o conjunto de artefactos ideoteacutecnicos
Alargando a abordagem cronoloacutegica a outras regiotildees peninsulares os
resultados escrutinados parecem indicar periacuteodo similar para as primeiras utilizaccedilotildees
daqueles edifiacutecios funeraacuterios com a sua generalizaccedilatildeo durante a segunda metade do
4ordm mileacutenio ane
Face agrave possibilidade de anaacutelise dos restos osteoloacutegicos depositados nos
sepulcros estremenhos e em concreto das antas da regiatildeo de Lisboa foi possiacutevel
verificar a ausecircncia de qualquer aparente exclusatildeo de indiviacuteduos por sexo ou idade
Inclusive a anaacutelise de paleodietas de alguns indiviacuteduos adultos evidenciou haacutebitos
alimentares semelhantes entre sexos Assim eacute provaacutevel que estas comunidades
valorizassem as suas linhagens tendo as antas servido para o depoacutesito final dos seus
elementos
i
ii
Abstract
Antas are one of the visible facets of the Megalithism phenomenon in the
region of Lisbon as well as natural caves rock-cut tombs and vaulted chamber tombs
(tholoi) This work seeks to integrate and understand this type of specific sepulchre
within the context of the funerary phenomenon in this area
When evaluated locally but also with other neighbouring regions the antas of
Lisbon are represented by a drastically reduced number However more than just
suggesting a poor representation of the impact of Megalithism in this region on the
contrary its construction appears to reinforce the importance of this phenomenon for
those communities
The data compiled here allows for a chronological reading of the first periods
of usage for the antas of Lisbon dating to the middle and second half of the 4th
millennium BCE a moment apparently more recent than the evidence of the
Megalithic phenomenon as registered in the natural caves in the region Later on
during the first half of the 3rd millennium BCE these tombs continued in usage
without evident interruption but with alterations in burial assemblages In the initial
stage probably until the end of the 4th millennium the materials deposited are
characterized as utilitarian and technomic in nature while in the subsequent period
there is evidence of ideotechnic assemblages
Widening the chronological reading to other areas of the peninsula scrutinized
results appear to indicate a similar periods of first utilization in these types of
funerary structures becoming widespread during the 2nd half of the 4th millennium
BCE
Given the possibility of analyzing the osteological remains deposited in tombs
from the Estremadura specifically in the antas from the region of Lisbon it was
possible to verify that no individuals were excluded due to sex or age Moreover the
paleodietary analysis of some adult individuals demonstrated similar nutrition
standards between both sexes Therefore it is probable that these communities
valued its lineages with the antas and other types of tombs serving as the final resting
grounds for all of its members
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 1 de 415
As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa
Iacutendice
Agradecimentos 0 O quando o como e o porquecirc 1 Megalitismo delimitaccedilatildeo de um conceito abrangente e de longa duraccedilatildeo
11 Uma discriminaccedilatildeo positiva as antas da regiatildeo de Lisboa 2 Enquadramento geograacutefico
21 Fisiografia da Baixa Estremadura 22 Rio Tejo um palco fundamental da histoacuteria da regiatildeo
3 A investigaccedilatildeo preacute-histoacuterica na regiatildeo de Lisboa 4 Sepulcros para repouso dos mortos e dos vivos
41 As antas da regiatildeo de Lisboa 411 O cluster de Belas
4111 Pedra dos Mouros 4112 A ldquoanta de Belasrdquo 4113 Monte Abraatildeo 4114 Estria 4115 Um espaccedilo necropolizado na primeira metade 3ordm mileacutenio
412 Os monumentos megaliacuteticos das imediaccedilotildees do cluster de Belas 4121 Carrascal 4122 Pego Longo megaliacutetico mas natildeo sepulcral
413 O cluster de Trigache 4131 Trigache 1 4132 Trigache 2 4133 Trigache 3 4134 Trigache 4 4135 Os ldquooacuterfatildeosrdquo de Trigache 4136 O espaccedilo necropolizado de Trigache
414 As antas entre os clusters de Belas e Trigache 4141 Conchadas 4142 Pedras Grandes e siacutetio das Batalhas
41421 Pedras Grandes 41422 Siacutetio das Batalhas
415 As antas ldquoisoladasrdquo de Loures 4151 Alto da Toupeira 1 e 2 4152 Casaiacutenhos 4153 Carcavelos
416 Os sepulcros de Verdelha do Ruivo 4161 Casal do Penedo 4162 Monte Serves
417 Arruda 418 Pedras da Granja 419 Dados avulsos de possiacuteveis antas
42 A implantaccedilatildeo e construccedilatildeo das antas de Lisboa 421 Tipologia das antas 422 A orientaccedilatildeo prescrita
43 As outras soluccedilotildees sepulcrais 44 Poucas antas muitos sepulcros
5 O(s) espoacutelio(s) funeraacuterio(s) 51 Pedra lascada 52 Pedra polida 53 Pedra afeiccediloada
p 4
7
12 15 18 20 23 26 35 37 37 38 45 48 61 67 68 68 73 78 81 83 88 93 96 97 99 99
107 109 125 126 126 131 139 158 158 164 166 174 183 187 195 198 207 214 220 221 245 256
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 2 de 415
54 Ceracircmicas 55 Utensiacutelios em osso 56 As faunas das antas 57 Elementos de adorno 58 Artefactos e objectos votivos
6 Sepultantes e sepultados uma avaliaccedilatildeo possiacutevel 61 As dificuldades das amostras antropoloacutegicas disponiacuteveis 62 Inumaccedilotildees primaacuterias eou secundaacuterias 63 Os efectivos inumados 64 O sexo a idade e a estatura dos sepultados 65 Patologias e lesotildees traumaacuteticas 66 Um introacuteito dieteacutetico o potencial das anaacutelises isotoacutepicas
7 Os lugares dos vivos uma correlaccedilatildeo difiacutecil 8 Os tempos do Megalitismo da Baixa Estremadura
81 A cronologia absoluta das antas de Lisboa 82 Diacronia e sincronia dos outros espaccedilos sepulcrais 83 As sincronias com os vivos uma avaliaccedilatildeo assimeacutetrica 84 O carvatildeo e o osso desfasamento cronoloacutegico inter-regional ou uma questatildeo de
mateacuteria e contexto 9 O epiacutelogo de uma tradiccedilatildeo maacutegico-religiosa o fenoacutemeno campaniforme 10 As antas da regiatildeo de Lisboa e o Megalitismo peninsular Referecircncias bibliograacuteficas Referecircncias cartograacuteficas Recursos arquiviacutesticos consultados Lista de figuras e quadros
258 263 264 266 269 282 282 285 293 299 304 314 324 328 334 338 350 352
364 366
372 412 412 412
Iacutendice de anexos (volume 2) Anexo 1 Cartografia Anexo 2 Figuras Anexo 3 Dataccedilotildees pelo radiocarbono de contextos funeraacuterios do Megalitismo peninsular Anexo 4 Figuras gerais Anexo 5 Quadros gerais Anexo 6 Relatoacuterios de Antropologia fiacutesica Anexo 7 Relatoacuterio de faunas Anexo 8 Apontamentos de J L Vasconcelos acerca da anta da Arruda
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 3 de 415
Agradecimentos
O meu profundo e sincero agradecimento a diversas entidades individuais e
colectivas eacute incontornaacutevel pois o seu apoio a diferentes niacuteveis tornou possiacutevel a
concretizaccedilatildeo desta tese
Ao professor Victor S Gonccedilalves pelo desafio e a confianccedila manifestada desde
o iniacutecio deste trabalho bem como a cedecircncia de verbas para a realizaccedilatildeo de algumas
dataccedilotildees pelo radiocarbono
Aos professores Joatildeo C Senna-Martinez Joatildeo L Cardoso e Christopher
Tillquist pelas boas referecircncias acerca do meu projecto permitindo a obtenccedilatildeo da
bolsa de doutoramento da Fundaccedilatildeo para a Ciecircncia e Tecnologia
(SFRHBD178822004) Aquele apoio foi fundamental para o desenvolvimento de
algumas linhas de pesquisa bem como novas oportunidades de conhecimento
Aos presidentes da Cacircmara Municipal de Odivelas Manuel Varges e Susana
Amador bem como ao vereador Carlos Lourenccedilo pela concessatildeo da licenccedila
necessaacuteria ao desenvolvimento da investigaccedilatildeo Este agradecimento expande-se aos
directores do departamento Sociocultural e chefes de Divisatildeo bem como colegas da
labuta patrimonial e cultural do municiacutepio Aliaacutes a escavaccedilatildeo e o restauro da anta de
Pedras Grandes deveu-se agrave autorizaccedilatildeo e vontade do executivo municipal
Ao juacuteri do Plano Nacional de Trabalhos Arqueoloacutegicos do lamentavelmente
extinto Instituto Portuguecircs de Arqueologia pela aprovaccedilatildeo de um projecto que
contribuiu em parte para a realizaccedilatildeo de um programa de dataccedilotildees pelo radiocarbono
de vaacuterias antas de Lisboa
Entre os colegas e funcionaacuterios do ex-IPA e CIPA encontrei sempre o maior
apoio possiacutevel especialmente de Cidaacutelia Duarte Marta Moreno J P Ruas David
Gonccedilalves Marina Arauacutejo Paulo Oliveira Fernando Real Filipa Neto Simon
Davis Dina Pinheiro Fernando Fernanda e demais amigos do conhecimento
arqueoloacutegico
A Julie Peteet directora do Department of Anthropology da University of
Louisville (KY USA) que ao longo dos anos apoiou o trabalhos arqueoloacutegicos
desenvolvidos com estudantes daquela universidade e providenciou o meu acesso ao
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 4 de 415
fabuloso mundo das bibliotecas digitais hoje recurso incontornaacutevel e desejaacutevel para
todos
Outra bolsa fundamental veio do Archaeology of Portugal Award por
intermeacutedio do Archaeological Institute of America que conduziu ao projecto maior
de anaacutelises de paleodietas e mais algumas dataccedilotildees Os ensinamentos de Mary
Powell Katina Lillios e John Hale acerca de como fazer boas candidaturas natildeo foram
esquecidos e foram inestimaacuteveis na obtenccedilatildeo daquele preacutemio
A Antoacutenio Monge Soares pelo seu profissionalismo e os ensinamentos acerca
do radiocarbono dataccedilotildees e calibraccedilotildees na perspectiva do utilizador e ao Zeacute
Martins pelas noccedilotildees baacutesicas de OxCal
Ao Dr Miguel Ramalho e a Joseacute Anacleto pela recepccedilatildeo sempre positiva das
pesquisas desenvolvidas no Museu Geoloacutegico lugar por vezes inoacutespito de Inverno e
abrasador de Veratildeo
Ao director Luiacutes Raposo e conservadora Ana Isabel Santos do Museu
Nacional de Arqueologia mas tambeacutem a tantos dos seus funcionaacuterios que de vaacuterias
formas ajudaram no desenvolvimento dos meus trabalhos nomeadamente Carmo
Vale Mathias Tissot Liacutevia Coito Adiacutelia Antunes Luiacutesa Guerreiro e Carla Martinho
A Florbela Estecircvatildeo e ao executivo da Cacircmara Municipal de Loures pelo
acolhimento ao estudo da anta de Carcavelos ainda hoje desenvolvido em parceria
A Teresa Simotildees e Catarina Coelho do Museu Municipal de S M Odrinhas
bem como ao seu director pelo acesso agrave colecccedilatildeo de Pedras da Granja e todas as
facilidades prestadas
A Carlos Pereira Fernanda Sousa e Henrique Matias pela excelecircncia dos
desenhos de materiais arqueoloacutegicos
A Maria Hillier pela colaboraccedilatildeo de vaacuterios anos que permitiu a concretizaccedilatildeo
preliminar dos estudos dos restos osteoloacutegicos da maioria das antas de Lisboa bem
como o desenvolvimento em colaboraccedilatildeo com Mike Richards (Max Planck
Institute) de um projecto de anaacutelises isotoacutepicas para verificar paleodietas
Aos estudantes dos programas de Portanta que ao longo dos anos permitiram a
prossecuccedilatildeo dos trabalhos de escavaccedilatildeo das antas de Pedras Grandes e Carcavelos
em Lisboa mas tambeacutem de outras em Monforte do Alentejo bem como do novo
conhecimento antropoloacutegico dos fundos museoloacutegicos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 5 de 415
A Cacircndido Marciano da Silva pelas visitas orientadas aos sepulcros de Lisboa
A Ana Maria Silva e M Teresa Ferreira pelos conselhos e liccedilotildees
antropoloacutegicos dados a um arqueoacutelogo mero utilizador da antropologia mas sempre
disposto a novos desafios interdisciplinares
Ao Rui Mataloto pelas longuiacutessimas horas de discussatildeo extensas visitas de
terreno e partilha de ideias nem sempre concordantes mas sempre sob a mesma
paixatildeo pelo Alentejo e pelo conhecimento arqueoloacutegico e histoacuterico das sociedades
que fizeram o que somos hoje Um perdatildeo agrave Maria Joatildeo pelo tempo tomado
Aos meus pais Antoacutenio e Faacutetima por tudo o que puderam e fizeram para
ajudar tanto a mim como aos seus netos
Agrave minha abelha Maia obreira infatigaacutevel na busca de soluccedilotildees para que fosse
possiacutevel alcanccedilar os objectivos estabelecidos contrastando a minha fatalidade
portuguesa com a Can do attitude que em tempos remotos levaram outros
portugueses a lugares novos e fabulosos Por outro lado pelas infindaacuteveis horas na
produccedilatildeo da base cartograacutefica da regiatildeo
Aos meus filhos mais do que agradecer a sua paciecircncia com um pai ausente
ainda que presente fisicamente votos de felizes jornadas para as quais este trabalho
possa contribuir com uma pequena janela de conhecimento e identidade deste
territoacuterio agrave beira mar plantado
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 6 de 415
0 O quando o como e o porquecirc
ldquoSe as pessoas satildeo o que satildeo e sobretudo aquilo
que as circunstacircncias as deixam ser as realizaccedilotildees cientiacuteficas satildeo-no em muito maior graurdquo
(Raposo 1999 p 11)
Quando apoacutes a conclusatildeo da licenciatura em 1993 ponderava acerca da minha
vida profissional e cientiacutefica jaacute o bichinho do Megalitismo que me atingira durante
a minha formaccedilatildeo e nas campanhas de escavaccedilotildees no Alto Alentejo se tinha
entranhado Assim apesar das minhas raiacutezes alfacinhas ainda que com algumas
costelas alto alentejanas aconteceu naturalmente a definiccedilatildeo de uma aacuterea de estudo
na regiatildeo de Monforte e a tentativa de abordagem sistemaacutetica natildeo soacute dos sepulcros
megaliacuteticos usualmente conhecidos por antas ou doacutelmenes mas tambeacutem das
ocupaccedilotildees dos seus construtores e utilizadores atribuiacuteveis aos 4ordm e 3ordm mileacutenios ane
(ou aC para outros autores) Daiacute resultou a minha tese de mestrado acerca do
povoado do Pombal e necroacutepoles putativamente correlacionadas (Boaventura 2001)
Tendo esse trabalho suscitado mais interrogaccedilotildees do que respostas considerei
imperativo a continuaccedilatildeo desse projecto regional pelo que delineei um programa de
trabalhos com o intuito de aprofundar a compreensatildeo do fenoacutemeno do Megalitismo
daquela regiatildeo atraveacutes de vaacuterias intervenccedilotildees no cluster de Rabuje (Boaventura
1999-00 2000 e 2006) mas tambeacutem num acircmbito mais alargado inclusive
procurando perceber melhor as relaccedilotildees com as regiotildees vizinhas nomeadamente a
Estremadura portuguesa e a Extremadura espanhola
Quis o Fado se acreditasse nele que na sequecircncia de diversos episoacutedios da
minha vida profissional retornasse a Lisboa em 2002 deparando-me com algumas
dificuldades para alcanccedilar no curto e meacutedio prazo a intenccedilatildeo delineada atraacutes
Contudo esse projecto mantinha uma questatildeo de fundo de acircmbito peninsular um
melhor conhecimento histoacuterico e social das sociedades construtoras dos sepulcros
megaliacuteticos e das suas praacuteticas funeraacuterias
Quando o professor Victor dos Santos Gonccedilalves lanccedilou o desafio para
reavaliar as construccedilotildees ortostaacuteticas funeraacuterias da regiatildeo de Lisboa confesso que
sentindo-me entatildeo um ldquoarqueoacutelogo de sequeirordquo natildeo me considerei apto a tal
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 7 de 415
empreendimento No meu curto percurso de formaccedilatildeo e investigaccedilatildeo tinha aprendido
o quatildeo importante eacute conhecermos razoavelmente bem a regiatildeo que estudamos
correndo seacuterios riscos de leituras enviesadas se tal natildeo fosse alcanccedilado No caso
proposto tal desiderato implicava conhecer e entender uma fisiografia distinta
agravado pelo alucinante ritmo de mudanccedila da paisagem resultante do crescimento
tentacular de Lisboa (Gonccedilalves 1995 p 27) Todavia e em oposiccedilatildeo agrave regiatildeo
alentejana que estudava a Estremadura tinha sido alvo de inuacutemeros estudos e
publicaccedilotildees por vezes desequilibrados quanto ao seu acircmbito e profundidade mas
que possibilitavam uma sistematizaccedilatildeo bastante enriquecida ainda que mais
complexa
No acircmbito do desafio lanccedilado procedi ao reinventaacuterio e anaacutelise dos espoacutelios
recolhidos natildeo soacute de objectos utensiacutelios e artefactos mas tambeacutem diligenciei os
estudos dos restos osteoloacutegicos humanos e fauniacutesticos graccedilas agrave colaboraccedilatildeo com
outros investigadores referidos ao longo deste trabalho Por outro lado procurando
novos dados realizei as intervenccedilotildees possiacuteveis em duas antas uma delas tambeacutem em
colaboraccedilatildeo
O estudo dos restos humanos permitiu a concretizaccedilatildeo de um programa-ensaio
de dataccedilotildees pelo radiocarbono de utilizaccedilotildees daqueles sepulcros apenas limitado
pela disponibilidade financeira bem como um projecto em colaboraccedilatildeo de anaacutelise
das paleodietas e possiacuteveis indiacutecios de mobilidade dos indiviacuteduos sepultados
Como se poderaacute verificar ao longo deste trabalho a maior parte dos espoacutelios
estudados era jaacute conhecida desde o seacuteculo XIX resultado das primeiras exploraccedilotildees
em sepulcros da regiatildeo de Lisboa (Ribeiro 1880) Outros conjuntos foram exumados
deacutecadas mais tarde (Vaultier e Zbyszewski 1951 Leisner Zbyszewski e Ferreira
1969) Em ambos os casos porque a maioria desse espoacutelio foi recolhido por
funcionaacuterios dos Serviccedilos Geoloacutegicos de Portugal actualmente Laboratoacuterio Nacional
de Energia e Geologia (LNEG ex-INETI) eacute no Museu Geoloacutegico que este se
encontra depositado
V S Gonccedilalves (1995 p 275) referiu-se ao Museu Geoloacutegico como ldquouma
verdadeira laquoMinaraquordquo ainda que fosse ldquoum excelente lugar para aplicar a laquoteoria do
caosraquordquo De facto para boa parte das colecccedilotildees ali estudadas foi necessaacuterio uma
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 8 de 415
revalidaccedilatildeo da proveniecircncia das peccedilas e objectos arqueoloacutegicos felizmente com um
elevado grau de sucesso
Se as colecccedilotildees recolhidas no seacuteculo XIX apresentavam normalmente num
grupo significativo de peccedilas inclusive osteoloacutegicas uma etiqueta com a respectiva
proveniecircncia aquelas recuperadas nas deacutecadas de 50 a 70 raramente eram
etiquetadas ou marcadas individualmente sendo apenas acompanhadas por diversas
etiquetas de cartatildeo indicando a sua proveniecircncia E isso seria suficiente se o
sistema aberto de armazenagem em vitrinas e tabuleiros natildeo tivesse
permitidooriginado a mistura de colecccedilotildees dada a facilidade com que se podia
aceder e mexer nas peccedilas Ainda mais grave foi a soluccedilatildeo encontrada nos anos 90
durante a reorganizaccedilatildeo de colecccedilotildees (Brandatildeo 1999) em que se optou por juntar as
colecccedilotildees por topoacutenimo de proveniecircncia no que se refere agraves antas por exemplo
todos os materiais dos quatro sepulcros de Trigache foram associados sob um soacute
coacutedigo (MG179) surgindo as etiquetas antigas com informaccedilatildeo pertinente
agrupadas jaacute sem os objectos correspondentes (por vezes porque jaacute se tinham
extraviado anteriormente e se considerou impossiacutevel recuperar a proveniecircncia
original) situaccedilatildeo semelhante ocorreu com a anta de Casal do Penedo a cavidade de
Verdelha dos Ruivos e o silo localizado na pedreira daquele local que foram tambeacutem
dispostos sob o mesmo coacutedigo (MG177) e a primeira das designaccedilotildees
Felizmente a publicaccedilatildeo relativamente exaustiva dos espoacutelios primeiro por C
Ribeiro (1880) e depois por V Leisner (1965) e em colaboraccedilatildeo com O V Ferreira
(1959 e 1961 Leisner Zbyszweski e Ferreira 1969) permitiu re-identificar a
maioria dos artefactos e objectos Aliaacutes no caso dos trabalhos do casal Leisner tal
verificaccedilatildeo foi ainda reforccedilada pelos desenhos e fotos de materiais constantes no seu
arquivo (alguns natildeo publicados) maioritariamente efectuados durante os anos 40 e
que permitiram por vezes uma melhor identificaccedilatildeo Outra alternativa sobretudo no
caso dos espoacutelios osteoloacutegicos baseou-se na distinccedilatildeo da coloraccedilatildeo dos sedimentos
associados com resultados satisfatoacuterios Estas estrateacutegias poderatildeo ser verificadas no
inventaacuterio de materiais assim como nos capiacutetulos seguintes
Apenas no caso de trecircs antas as suas colecccedilotildees encontravam-se noutros locais
Assim parte do espoacutelio da anta de Pedras da Granja estaacute depositada no Museu
Municipal de Satildeo Miguel de Odrinhas (Sintra) graccedilas a acccedilatildeo diligente do
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 9 de 415
arqueoacutelogo J L Cardoso desconhecendo-se o paradeiro do restante ainda que
possamos ter uma ideia deste atraveacutes do inventaacuterio publicado (Zbyszweski et al
1977) ndash durante o Veratildeo de 2008 foi possiacutevel verificar a existecircncia de trecircs
ldquoinumaccedilotildeesrdquo (pacotes de ossos humanos) desta anta em depoacutesito no Museu
Geoloacutegico sob uma denominaccedilatildeo equivocada A anta da Arruda tem o seu espoacutelio
guardado no Museu Nacional de Arqueologia bem como o conjunto da anta de Belas
(de que apenas se pode especular uma proveniecircncia especiacutefica) tendo ambos os
conjuntos sofrido alguns percalccedilos Finalmente no Museu Municipal da Quinta do
Conventinho (Loures) encontra-se depositado o espoacutelio da anta de Carcavelos
recolhido ao longo de vaacuterias campanhas por G Marques a que se juntou aquele
exumado nos uacuteltimos anos por mim e colaboradores Dessas primeiras campanhas
verificou-se alguma perda de informaccedilatildeo mas o saldo tambeacutem foi positivo
Com excepccedilatildeo das intervenccedilotildees mais recentes nomeadamente Pedras Grandes
e Carcavelos ou ainda que com outro registo Pedras da Granja e Casaiacutenhos nas
restantes antas a localizaccedilatildeo dos espoacutelios eacute bastante incerta apesar de algumas
noacutetulas dos seus escavadores terem permitido uma abordagem microespacial mesmo
que limitada
Portanto o trabalho agora em apreciaccedilatildeo procurou reavaliar e enquadrar
cronoloacutegica social e culturalmente as antas de Lisboa no Megalitismo regional e
supra-regional procurando verificar as suas caracteriacutesticas especiacuteficas bem como
aquelas comuns a outros grupos
Finalizando este introacuteito resta apenas clarificar a terminologia usada para as
Eras e respectivas cronologias Assim inveacutes da habitual designaccedilatildeo de Era ldquoantes de
Cristordquo (aC) e ldquodepois de Cristordquo (dC) optou-se pela denominaccedilatildeo de
respectivamente ldquoantes da nossa Erardquo (ane) e ldquoEra comumrdquoou ldquoEra correnterdquo
(ec) Esta escolha visa uma perspectiva secular adequada agraves minhas crenccedilas
pessoais de cidadatildeo laico e republicano situaccedilatildeo que outros autores ainda que por
motivos natildeo expliacutecitos parecem subscrever (Oosterbeek 1994 Castro Martinez
Lull e Ricoacute 1996 Moraacuten e Parreira 2004 Gonccedilalves 2005b e 2008a 2008b
Gonccedilalves e Sousa 2006) Mas no outro lado do espectro de crenccedilas grassa hoje
entre as vaacuterias organizaccedilotildees religiosas (cristatildes e de outros credos) um espiacuterito
ecumeacutenico que tambeacutem procura uma terminologia menos preconceituosa
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 10 de 415
(Cunningham e Starr 1998 Riggs 2003) Em consonacircncia com esta opccedilatildeo ainda
que seguindo o espiacuterito de rigor da proposta de nomenclatura apresentada no acircmbito
do Workshop sobre dataccedilatildeo pelo radiocarbono e aprovada no 1ordm Congresso de
Arqueologia Peninsular (Cabral 1995) que por sua vez transmitia as recomendaccedilotildees
discutidas na 12ordf Conferecircncia Internacional sobre Radiocarbono em Trondheim
1985 (Stuiver e Kra 1986) em vez de Before Christ (BC) e Anno Domini (AD) as
datas calibradas seratildeo apresentadas pela versatildeo actualmente disponibilizada do
programa de calibraccedilatildeo OxCal 405 (Bronk Ramsey 2001 e 2008) respectivamente
Before Common Era (BCE) e Common Era ou Current Era (CE) Tambeacutem conviraacute
realccedilar que ao longo deste trabalho exceptuando os casos devidamente assinalados
todas as datas e seus intervalos de tempo estaratildeo calibradas ldquocal BCECErdquo com uma
probabilidade de 2 sigmas (954) resultante do programa de calibraccedilatildeo jaacute
mencionado OxCal 405 (Bronk Ramsey 2001 e 2008) que utiliza as curvas de
calibraccedilatildeo IntCal04 (Reimer et al 2004) e Marine04 (Hughen et al 2004) Em
anexo constam as tabelas com as datas BP conhecidas dos sepulcros por regiatildeo
devidamente calibradas a 1 e 2 sigmas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 11 de 415
1 Megalitismo delimitaccedilatildeo de um conceito abrangente e de longa
duraccedilatildeo
A expressatildeo Megalitismo tem vindo a ser utilizada com muacuteltiplos significados
pelo que importa aqui clarificar a sua abrangecircncia no acircmbito do presente trabalho
Literalmente e em sentido estrito corresponde a um tipo de construccedilatildeo em que
se utilizam componentes peacutetreos de grande dimensatildeo megaliacuteticos (Joussaume 1985
Sherratt 1995 Gonccedilalves 1999a p 137) podendo corresponder a elementos
aparentemente natildeo funeraacuterios os menires isolados ou agrupados ou a edifiacutecios
funeraacuterios normalmente designados em Portugal e na restante Peniacutensula Ibeacuterica por
anta ou doacutelmen objecto deste estudo A investigaccedilatildeo recente tem vindo a demonstrar
que aqueles dois elementos seratildeo diacronicamente distintos ainda que o primeiro
possa ter sido reutilizado por geraccedilotildees sequentes ou integrado nas proacuteprias
construccedilotildees do segundo (Calado 2004 p 201-202)
O Megalitismo eacute tambeacutem entendido ldquocomo um complexo conjunto de
prescriccedilotildees maacutegico-religiosas relacionadas com a morte e natildeo apenas
redutoramente como um tipo de arquitectura funeraacuteriardquo que ocorre no Ocidente
peninsular durante os 4ordm e 3ordm mileacutenios ane (Gonccedilalves 1995 p 27) mas tambeacutem
verificaacutevel na ldquoEuropa das antigas sociedades camponesasrdquo (Gonccedilalves 1999a p
137 Sherratt 1995) Contudo esta quase expressatildeo-idiomaacutetica eacute sobretudo utilizada
e compreensiacutevel no acircmbito cientiacutefico franco-ibeacuterico ainda que actualmente com
especificidades regionais reconhecidas
No mundo acadeacutemico anglo-saxatildeo tal expressatildeo eacute pouco utilizada definindo-se
aquelas praacuteticas como ldquomortuary practicesrdquo associadas a ldquochamberedrdquo ou ldquocollective
tombsrdquo megaliacuteticas e de outros tipos (Renfrew 1990 Scarre 1996 Masset 1997
Bradley 1998) A Sherratt (1995) foi um dos poucos autores britacircnicos a discutir a
ideia de um ldquoNeolithic megalithism in Europerdquo Antes disso C Renfrew (1967)
recordava a expressatildeo alematilde algo pejorativa ldquoMegalithismusrdquo para criticar visotildees
abrangentes mas limitadas apenas a algumas das caracteriacutesticas mais megaliacuteticas do
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 12 de 415
fenoacutemeno esquecendo a importacircncia das leituras dos contextos locais Contudo
reconhecia que a expressatildeo espanhola ldquoMegalithismordquo (idecircntica agrave expressatildeo
portuguesa Megalitismo) natildeo tinha o mesmo cariz negativo
A obra colectiva dirigida por J Guilaine (1999) ldquoMegalithismesrdquo na senda de
R Joussaume (1985) recorda-nos a faceta megaliacutetica com especificidades regionais
e cronoloacutegicas na Europa (sobretudo Franccedila e Peniacutensula Ibeacuterica) e na Etioacutepia numa
diacronia bem mais recente Aliaacutes como foi referido atraacutes A Sherratt uma
excepccedilatildeo britacircnica tambeacutem abordou o fenoacutemeno como laquohighly visible symbolism of
the living community through the medium of monumental constructions for the
deadrdquo realccedilando que ldquoTruly ldquomegalithicrdquo monuments formed part of a spectrum of
such constructions which otherwise used earth timber and smaller stonesraquo
(Sherratt 1995 p 247) No mesmo sentido tambeacutem A Gallay (2006) parece discutir
ldquoLes Socieacuteteacutes Meacutegalithiquesrdquo procurando pela via antropoloacutegica enquadrar este
fenoacutemeno como um reflexo soacutecio-cultural
Em Portugal alguns autores tecircm procurado uma expressatildeo mais adequada para
este complexo fenoacutemeno Assim V Gonccedilalves (2003e p 263-265) admite o uso de
laquoMegalitismoraquo como laquosinoacutenimo pobreraquo e complemento de outra expressatildeo ldquoas
praacuteticas funeraacuterias do 4ordm e do 3ordm mileacuteniordquo a que acrescentou posteriormente ldquoantigas
sociedades camponesasrdquo (Gonccedilalves 2005b) ou talvez mais adequado ldquosociedades
agro-pastorisrdquo
Portanto para o acircmbito deste trabalho o conceito de Megalitismo eacute entendido
no sentido amplo e supra-estrutural relacionado com as praacuteticas funeraacuterias daquelas
comunidades agro-pastoris genericamente limitadas aos 4ordm e 3ordm mileacutenios ane
Assim na regiatildeo da Estremadura esses ritos funeraacuterios satildeo visiacuteveis em diferentes
espaccedilos nomeadamente em cavidades naturais e artificiais antas e tholoi Aliaacutes V
S Gonccedilalves (1978a e 1978b) havia jaacute discutido o conceito de ldquoMegalitismo de
grutasrdquo como forma de enquadrar as deposiccedilotildees funeraacuterias ali realizadas em tudo
idecircnticas agravequelas encontradas em antas Esta diversidade de soluccedilotildees estruturais
tambeacutem parece ocorrer noutras regiotildees da peniacutensula e fora dela (Leisner e Leisner
1943 e 1959 Leisner 1965 Briard 1995 Bradley 1998 Masset 1997 Scarre
1996 Mohen e Scarre 2003 Cerrillo e Gonzalez 2007 Dowd 2008) com
significado sincroacutenico e diacroacutenico podendo relevar-se para aleacutem do substrato
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 13 de 415
cultural um certo grau de determinismo geograacutefico nas oportunidades e escolhas que
as populaccedilotildees de cada aacuterea puderam concretizar nos seus contentores sepulcrais
No que concerne o maior ou menor investimento num sepulcro a utilizaccedilatildeo de
uma cavidade natural (nem sempre proacutexima ou facilmente acessiacutevel) ou a abertura de
uma fossa individual implicaria um esforccedilo menor no curto prazo ainda que
multiplicado pelos oacutebitos ocorridos ao longo do tempo (Masset 1997) Pelo
contraacuterio a construccedilatildeo de um grande jazigo obrigaria a um investimento comunitaacuterio
maior mas aquele espaccedilo poderia servir vaacuterias geraccedilotildees de inumados (Masset
1997)
Uma das caracteriacutesticas comuns do Megalitismo no espaccedilo geograacutefico europeu
ocidental independentemente das suas variaccedilotildees regionais parece ser a praacutetica
funeraacuteria colectiva Nesse sentido relembro a jaacute referida expressatildeo ldquocollective
tombsrdquo para laacute do Canal da Mancha reflectindo essa realidade Mas ldquolessentiel en
effet nest pas que le coutume de linhumation collective ait eacuteteacute transmise ou quelle
ait eacuteteacute inventeacutee cest le fait quelle a eacuteteacute reccedilue (Masset 1997 p 15) e dessa forma
apresentam-se como um bloco cultural genericamente homogeacuteneo
Para alguns autores contudo a praacutetica funeraacuteria colectiva encontra-se atestada
jaacute no 5ordm mileacutenio ane nomeadamente na fachada atlacircntica francesa (Masset 1997
Chambon 2003) ou no Sudeste espanhol em Cerro Virtud (Montero e Ruiacutez 1996
Montero et al 1999) em momentos anteriores agraves construccedilotildees megaliacuteticas pelo que
ambos os fenoacutemenos colectivizaccedilatildeo na morte e megalitismo natildeo deveratildeo ser
confundidos como um soacute Por outro lado situaccedilotildees haacute em que grandes sepulcros
monumentalizados teratildeo sido utilizados aparentemente para deposiccedilatildeo de um
indiviacuteduo ou de um pequeno grupo deles e por outro lado conjuntos numerosos de
indiviacuteduos foram sepultados em jazigos discretos escavados no substrato ou
utilizando grutas naturais (Masset 1997 Chambon 2003) No caso das antas de
Lisboa e regiotildees vizinhas o cruzamento de factores cronoloacutegicos e geograacuteficos eacute
deveras importante para um melhor entendimento dessas realidades mas seraacute
efectuado noutro capiacutetulo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 14 de 415
11 Uma discriminaccedilatildeo positiva as antas da regiatildeo de Lisboa
ldquoLes monuments meacutegalithiques classiques ne sont
en effet qursquoune partie drsquoun tout tregraves particulier les espaces de la mort des anciennes socieacuteteacutes paysannes Il faut choisir ce qursquoon doit viser seulement les monuments drsquoun type particulier ou lrsquoensemble articuleacute des rites des mythes et des pratiques magico-religieuses qui les ont fait naicirctre Mon choix a toujours eacuteteacute la deuxiegraveme possibiliteacute mais jrsquoaccepte la dualiteacute des critegraveres si on arrive agrave la justifierrdquo (Gonccedilalves 2006 p 498-499)
Como jaacute foi referido atraacutes na regiatildeo de Lisboa eacute possiacutevel verificar uma
diversidade de soluccedilotildees estruturais para a uacuteltima residecircncia dos defuntos Desses
vaacuterios jazigos existem numerosas notiacutecias inclusive realizadas de forma mais ou
menos sistemaacutetica (Ribeiro 1880 Ferreira 1959 Leisner 1965) Nas uacuteltimas
deacutecadas os conjuntos recolhidos sobretudo em grutas naturais e artificiais (Cardoso
1990 e 1995a e 1995b Cardoso et al 1992 e 2003 Gonccedilalves 2003e 2005a e
2005b) e em tholoi (Gonccedilalves J L 1979a e 1979b Cardoso et al 1996
Gonccedilalves 2003e) tecircm vindo a ser revistas e estudadas dentro de paracircmetros e
questionaacuterios actuais Contudo as antas de Lisboa quedavam-se por tratar apesar de
algumas terem sido escavadas haacute mais de cem anos ndash nomeadamente Monte Abraatildeo
Estria Pedra dos Mouros e Carrascal (Ribeiro 1880) ndash e serem constantemente
referidas sobretudo pelos paralelos apontados para alguns artefactos nelas
recolhidos Tornava-se entatildeo importante rever e avaliar estas antas discriminando-
as pelas suas caracteriacutesticas especiacuteficas a sua feiccedilatildeo ortostaacutetica e megaliacutetica
Primeiramente considerou-se importante estabelecer os criteacuterios estritos para
anta ou doacutelmen
A utilizaccedilatildeo do termo anta seraacute preferencial mas significaraacute exactamente o
mesmo que doacutelmen quando usado Na sua origem latina a palavra anta surge
associada agraves ldquopilastras ou colunas na frontaria de um edifiacutecio [normalmente
templos] encravadas em parte na parede e colocadas aos lados das portasrdquo e
posteriormente referindo-se a ldquoespeacutecie de marco de terra que se erguia diante de
castelos ou povoaccedilotildeesrdquo (Houaiss Villar e Franco 2005 p 657) O perfil que muitos
destes sepulcros megaliacuteticos apresentavam (e apresentam) ainda cobertos marcando
a paisagem ou depois de despidos do seu manto tumular assemelhando-se o seu
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 15 de 415
esqueleto peacutetreo a um portal poderaacute explicar a difusatildeo e adopccedilatildeo daquele termo
Outros termos de cariz popular que denotam o reconhecimento destas estruturas na
paisagem satildeo referenciados por Vasconcelos (1897) inclusive com um certo tom
regional como por exemplo ldquoarcardquo e ldquoaltarrdquo mais a norte anta no centro-sul ou
ldquomamoardquo por todo o paiacutes
Segundo o mesmo dicionaacuterio referido atraacutes (Houaiss Villar e Franco 2005 p
3081) doacutelmen (dolmin ou dolmen) resultou de ldquouma transcriccedilatildeo inexacta feita pelo
arqueoacutelogo francecircs Latour drsquoAuvergne do coacuternico tolmenrdquo admitindo-se que seraacute
menos provaacutevel ldquoa hipoacutetese de uma formaccedilatildeo directa com base no bretatildeo tol taol
lsquomesarsquo + mean men lsquopedrarsquo rdquo Contudo o termo divulgou-se e eacute comum a admissatildeo
da origem bretatilde com aquele significado Por sua vez essa designaccedilatildeo teraacute sido
adoptada em Portugal pelo meio acadeacutemico pelo menos desde o seacuteculo XVIII
(Vasconcelos 1897) provavelmente no intuito de normalizaccedilatildeo e adequaccedilatildeo ao
implantado e mais desenvolvido discurso cientiacutefico europeu setentrional
Actualmente com o avanccedilo da investigaccedilatildeo e a consciecircncia da complexidade do
fenoacutemeno funeraacuterio nas vaacuterias regiotildees a designaccedilatildeo ldquodolmenrdquo eacute usada de formas
diacutespares tendo caiacutedo em desuso nas ilhas britacircnicas normalmente limitada a ldquoPortal
Dolmenrdquo (Whitehouse 1983 Barclay 1997) ou ganhou novos significados ndash por
exemplo em Franccedila abrangendo as estruturas funeraacuterias verdadeiramente
megaliacuteticas aquelas parcial ou totalmente de pedra seca com cuacutepula ou inclusive
aquelas construiacutedas com madeira (Masset 1997 Joussaume 2004)
Se os elementos ortostaacuteticos e megaliacuteticos satildeo parte essencial da definiccedilatildeo de
anta estes tambeacutem se poderiam aplicar a alguns tholoi da Estremadura bastando
recordar os elementos peacutetreos dos sepulcros do Monge (Ribeiro 1880) ou da Tituaria
(Cardoso et al 1996) as dimensotildees de alguns dos blocos utilizados na construccedilatildeo
das suas cuacutepulas satildeo semelhantes ou mesmo superiores agravequelas de antas
nomeadamente de Monte Serves (North Boaventura e Cardoso 2005) Mas a teacutecnica
construtiva difere sobretudo no tipo de planta e cobertura final pelo que natildeo seratildeo
incluiacutedos no grupo agora em discussatildeo
Aplica-se entatildeo o termo anta de uma forma geneacuterica ao monumento funeraacuterio
constituiacutedo por grandes pedras (esteios ou ortoacutestatos) definindo uma cacircmara que
pode apresentar-se aproximadamente poligonal mais ou menos alongada coberta
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 16 de 415
por uma grande laje monoliacutetica (chapeacuteu) ainda que naquelas mais alongadas se
tenha talvez recorrido a mais de uma laje Podia ainda prolongar-se por um
corredor tambeacutem ortostaacutetico com extensotildees variaacuteveis e coberto por lajes menores
(linteacuteis) Noutros casos a cacircmara surge sem qualquer corredor ou mesmo fechada
apresentando dimensotildees ortostaacuteticas mais reduzidas sendo apontadas como os
exemplares pioneiros desta nova forma arquitectoacutenica de enterramento e
frequentemente designadas ldquosepulturas protomegaliacuteticasrdquo (Silva e Soares 2000) Os
esqueletos peacutetreos das antas seriam em princiacutepio recobertos por terra e pedras
formando o tumulus ou mamoa emergindo na paisagem mais ou menos destacado
como uma espeacutecie de colina semi-esfeacuterica
Ao utilizar os criteacuterios mencionados o universo de sepulcros do tipo anta
corresponde genericamente aos ldquomegalithgraumlberrdquo de V Leisner (1965) ou aos
ldquomonumentos megaliacuteticosrdquo enunciados por O V Ferreira (1959) para a regiatildeo de
Lisboa ainda que em obra colectiva posterior da qual participa este uacuteltimo se
admita que os sepulcros megaliacuteticos com cacircmaras alongadas natildeo poderiam ser
ldquoconsideacutereacutees comme veacuteritables ldquodolmensrdquo dans le sens commun du termerdquo pois
apresentariam caracteriacutesticas dos monumentos do Sudeste espanhol (Zbyszweski et
al 1977) Contudo julgo que aquelas especificidades tipoloacutegicas nem sempre
confirmadas no presente estudo e que seratildeo tratadas noutro capiacutetulo natildeo satildeo
suficientes para relegar esses sepulcros como ldquonatildeo-antasrdquo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 17 de 415
2 Enquadramento geograacutefico
As caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas estabelecidas por H Lautensach do
Portugal Litoral Meacutedio e do Portugal Meridional (Alentejo) contrapotildeem-se ao Alto
Portugal (Ribeiro Lautensach e Daveau 1991) Assim a Cordilheira Central
delimita duas aacutereas o Norte e o Sul de Portugal nesta uacuteltima integrando-se o
Portugal Litoral Meacutedio e o Alentejo ldquoa mais vasta e monoacutetona unidade natural do
nosso territoacuteriordquo (Ribeiro 1998 p 151)
Ao Portugal Litoral Meacutedio segundo Barros Gomes secundado por Lautensach
(Ribeiro Lautensach e Daveau 1991) correspondem duas regiotildees distintas a Beira
Litoral correspondendo ao Baixo Mondego a norte e sul do rio homoacutenimo e
estendendo-se ateacute agrave Nazareacute a segunda o Centro Litoral Esta uacuteltima refere-se
essencialmente agrave Estremadura mas na qual eacute possiacutevel verificar duas realidades
fiacutesicas contrastantes uma correspondendo ao Maciccedilo Calcaacuterio Estremenho com
altimetrias entre os 400-600 metros orientando-se de NNE para SSW terminando na
Serra de Montejunto a outra realidade mais baixa estendendo-se pela orla costeira
para sul ateacute agrave Arraacutebida (o outro maciccedilo calcaacuterio) eacute essencialmente uma superfiacutecie de
erosatildeo com raros cabeccedilos e alinhamentos de relevos recortada pela acccedilatildeo
hidrograacutefica fluvial e mariacutetima apresentando por vezes vales encaixados (Ribeiro
Lautensach e Daveau 1991)
Contudo estes contrastes natildeo satildeo suficientes para uma clivagem profunda com
o Portugal Meridional Assim O Ribeiro (1998 p 152) relembra-nos que a orla
mariacutetima entre o Tejo ateacute quase ao Douro era designada ainda no seacuteculo XVI por
Estremadura ldquoera o sentimento de tudo o que aproxima as regiotildees separadas pelo
baixo vale do Mondegordquo (Ribeiro 1998 p 152) Aliaacutes seria aiacute que ldquoo carvalho
alvarinho cede o lugar ao carvalho portuguecircs forma de transiccedilatildeo para as espeacutecies
de folha perenerdquo (Ribeiro 1998 p 152) Mas para O Ribeiro a Estremadura tem de
facto algo original ldquonos maciccedilos calcaacuterios onde se encontram belos exemplos de
todas as formas caacutersicasrdquo os Maciccedilos Estremenho e da Arraacutebida (Ribeiro 1998 p
153)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 18 de 415
Fig 1 Fisiografia da Estremadura e delimitaccedilatildeo da aacuterea em estudo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 19 de 415
21 Fisiografia da Baixa Estremadura
A regiatildeo de Lisboa definida no acircmbito deste trabalho (Fig 1 1a e 23)
corresponde grosso modo agrave designada Baixa Estremadura contexto geograacutefico jaacute
utilizado por outros investigadores (por ex Sousa 1998 Cardoso 2004) Abrange as
peniacutensulas de Lisboa e Setuacutebal limitando-se a norte pelas faldas da Serra de
Montejunto e a sul pela foz do rio Sado e a Serra da Arraacutebida A nascente o imenso
estuaacuterio do Tejo e a sua bacia terciaacuteria marca-lhe a fronteira tal como a costa
atlacircntica o faz a poente No caso presente o limite setentrional quedou-se pelas bacias
das ribeiras do Lizandro Trancatildeo e da Pipa estas duas uacuteltimas associadas ao acircmago
do manto basaacuteltico do Complexo vulcacircnico de Lisboa que parece corresponder aos
limites daquela denominada por J L Gonccedilalves (1979c) como Baixa peniacutensula de
Lisboa
No acircmbito da Geologia de Cascais M Ramalho (2005) estipulou quatro
conjuntos de formaccedilotildees geoloacutegicas cuja caracterizaccedilatildeo poderaacute facilmente estender-
se agrave restante peniacutensula de Lisboa bem como agrave de Setuacutebal onde deveremos
acrescentar o maciccedilo da Arraacutebida (Fig 22)
a O conjunto dos calcaacuterios margas e arenitos do Juraacutessico Superior-Cretaacutecico
onde os niacuteveis com uma composiccedilatildeo carbonatada predominante especialmente do
Cretaacutecico inferior estiveram na origem de fenoacutemenos de carsificaccedilatildeo de diversos
tipos ndash lapiaacutes dolinas e cavernas muitas delas com presenccedila arqueoloacutegica As
bancadas do Cretaacutecico superior com calcaacuterios de rudistas e foraminiacuteferos serviram
ateacute hoje para extracccedilatildeo de rochas para a construccedilatildeo civil Alguns daqueles leitos
geoloacutegicos apresentam intercalaccedilotildees de siacutelex que foram abundantemente
aproveitadas na preacute-histoacuteria (Ramalho 2005 Ramalho et al 1993)
b O Maciccedilo eruptivo de Sintra sendo o relevo mais importante da regiatildeo
apresenta um nuacutecleo sieniacutetico com aneacuteis graniacuteticos e grabro-dioriacuteticos surgindo
associados a numerosos filotildees e a uma cintura de calcaacuterios metamorfizados Esta
intrusatildeo teraacute ocorrido entre 75 e 95 milhotildees de anos jaacute no final do Cretaacutecico sendo
exposto pela erosatildeo haacute cerca de 40 milhotildees de anos no Terciaacuterio inferior (Ramalho
2005 Ramalho et al 1993)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 20 de 415
c O Complexo vulcacircnico de Lisboa resultou de actividade vulcacircnica haacute cerca
de 70 milhotildees de anos no Cretaacutecico final Corresponde essencialmente a rochas
laacutevicas resultantes de escoadas basaacutelticas e depoacutesitos vulcano-sedimentares ndash tufos
brechas e piroclastos A decomposiccedilatildeo daquelas rochas deu origem a solos
considerados hoje dos mais feacuterteis do paiacutes (Zbyszewski 1964 Oliveira et al 2000
Ramalho 2005)
Durante os episoacutedios de instalaccedilatildeo do Maciccedilo de Sintra e a actividade
vulcacircnica natildeo se registou actividade sedimentar significativa ateacute agrave formaccedilatildeo das
rochas terciaacuterias Alguns desses depoacutesitos geoloacutegicos resultaram da erosatildeo de relevos
preacute-existentes tendo resultado em conglomerados e calcaacuterios argilosos e areniacuteticos
(Martins 2004 Ferreira 2005b) e foram aproveitados na preacute-histoacuteria para a
escavaccedilatildeo de cavidades sepulcrais (Ramalho 2005) Estas manchas geoloacutegicas
situam-se maioritariamente na orla fluvial e costeira da peniacutensula de Lisboa a norte-
nordeste da serra de Sintra e nas aacutereas nascente e norte do maciccedilo da Arraacutebida da
peniacutensula de Setuacutebal
d Finalmente os depoacutesitos quaternaacuterios correspondendo essencialmente a
fenoacutemenos marinhos e fluviais formaram vaacuterias cascalheiras de calhaus e areias por
vezes com os primeiros indiacutecios de actividade humana (Ramalho 2005 Zbyszweski
1964) Boa parte dos depoacutesitos mais recentes ocuparam o espaccedilo outrora preenchido
por aacuteguas estuarinas a que me referirei abaixo
De uma forma genialmente sucinta O Ribeiro (1998 p 154) ilustra as
consequecircncias da diversidade geomorfoloacutegica da regiatildeo referida ldquo(hellip) Nos
arredores de Lisboa por exemplo os barros basaacutelticos datildeo campos limpos e abertos
destinados agrave cultura do cereal os calcaacuterios secundaacuterios charnecas abandonadas ao
mato e pasto os calcaacuterios terciaacuterios cobrem-se de olivedo as baixas argilosas de
hortas regadas o pinhal reveste as colinas de arenito improdutivo No horizonte da
cidade duas montanhas que se vecircem uma agrave outra encerram a escala destas
combinaccedilotildees Sintra envolta em neacutevoas e afofada de arvoredos frondosos rica de
aacuteguas e de sombras musgosas eacute uma recorrecircncia do Norte a Arraacutebida nos campos
de calcaacuterio no soberbo matagal mediterracircneo na serenidade das aacuteguas onde a
serra se despenha quase a pique um fragmento de riviera isolado agrave beira do
Atlacircnticordquo (Ribeiro 1998 p 154)
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De facto ldquoa morfologia da regiatildeo de Lisboa depende fundamentalmente de
uma grande variedade litoloacutegica (os diferentes tipos de rochas em contacto oferecem
diferentes tipos de resistecircncia agrave erosatildeo) e da tectoacutenica local (dobras e falhas) que
modelam colinas interfluacutevios de uma rica rede hidrograacutefica Os mantos basaacutelticos
alternantes com leitos de tufos e brechas vulcacircnicas cobrem grande parte da regiatildeo
da capital dando origem normalmente a solos muito feacuterteisrdquo (Silva 1983) E essa
situaccedilatildeo parece jaacute registar-se durante os 4 e 3ordm mileacutenios ane resultando em ldquosolos
feacuterteis boa insolaccedilatildeo relevos suaves abundacircncia de aacutegua e uma rede hidrograacutefica
regular amenidade climaacutetica e ainda a proximidade dos estuaacuterios do Tejo e do
Sado domiacutenios abundantes de recursos facilmente exploraacuteveis ao longo do anordquo
(Cardoso 2004 p 21)
Por outro lado a extracccedilatildeo de rochas (calcaacuterios maacutermore basalto etc) por
exemplo para o aqueduto das Aacuteguas Livres ou a reconstruccedilatildeo de Lisboa poacutes-
terramoto 1755 originou e ainda origina crateras imensas na paisagem o que afecta
a leitura do relevo em determinadas aacutereas da regiatildeo Inclusive erradicando sepulcros
como os de Trigache ou mais tarde os de Casal do Penedo
Quanto aos solos da regiatildeo de Lisboa se eacute possiacutevel presumir a sua riqueza
referida atraacutes a sujeiccedilatildeo multissecular a uma pressatildeo antroacutepica massiva suscita seacuterias
cautelas para anaacutelises de pormenor Aliaacutes a pequena escala da cartografia disponiacutevel
(1 1 000 000) torna ainda mais vatildeo tal desiderato
Os dados paleo-ecoloacutegicos actualmente disponiacuteveis para a Baixa Estremadura
durante os 4ordm e 3ordm mileacutenios ane satildeo limitados mas eacute possiacutevel extrapolar as suas
caracteriacutesticas gerais a partir de algumas curvas poliacutenicas realizadas na peniacutensula de
Setuacutebal e no Alentejo litoral (Queiroz 1999 Queiroz e Mateus 2004)
Assim aquele periacuteodo enquadra-se de forma geneacuterica no Holoceacutenico meacutedio
fase B e C num clima subhuacutemido transitando para um mais seco de caraacutecter
mesomediterracircnico com formaccedilotildees lenhosas de pinhal bravo (Pinus pinaster)
dominante nos interfluacutevios mas gradualmente substituiacutedo por urzal alto (urze das
vassouras ndash Erica scoparia) nas zonas de solos podzoacutelicos As matas marescentes
(Quercus faginea - carvalho cerquinho ou portuguecircs) nas meia-encostas dos vales
vatildeo sendo substituiacutedas por carrascal escleroacutefilo (Quercus coccifera- carrasqueiro) O
zambujal (Olea europaea sylvestris) surge nas encostas secas e mais expostas com
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 22 de 415
sub-bosque de Erica arboacuterea (urze branca) sobretudo nos litossolos da Arraacutebida e
as baixas fluviais satildeo dominadas por amiais (Alnus glutinosa e Frangula) e
salgueiros (Salix sp) (Queiroz 1999 p 228)
Outros estudos arqueobotacircnicos (carpoloacutegicos e antracoloacutegicos) produzidos
pontualmente para ocupaccedilotildees preacute-histoacutericas da Estremadura ainda que de
cronologias diacutespares (Queiroz e Leeuwaarden 2001 e 2004 Hopf 1981) datildeo
seguranccedila agrave extrapolaccedilatildeo proposta atraacutes Assim no povoado de Satildeo Pedro de
Caneferrim no contexto montanhoso de Sintra parece registar-se durante o Neoliacutetico
antigo uma mata marescente de Quercus faginea de caraacutecter mediterracircnico mas com
zonaccedilatildeo de espeacutecies associadas a aacutereas mais aacuteridas ou mais huacutemidas nomeadamente
mata deciacutedua ribeirinha (Fraxinus angustifolia Populus Salix e Ulmus) charnecas e
matos rasteiros podendo estas uacuteltimas corresponder a impacto humano relacionado
com pastagens (Queiroz e Leeuwaarden 2001) Mais para norte no povoado de Satildeo
Mamede (Bombarral) em contextos dos 4ordm e 3ordm mileacutenios ane foram recolhidos
elementos vegetais que parecem apontar para matagais escleroacutefilos de caraacutecter
mediterracircnico semelhantes aos actuais onde se encontram o medronheiro (Arbutus
unedo) o carrasco e a urze branca parecendo a presenccedila de giesta (Cytius striatus)
sugerir a existecircncia de charnecas em aacutereas com maior impacto humano (Queiroz e
Leeuwaarden 2004) Semelhante quadro tambeacutem surge em redor do povoado do
Zambujal Torres Vedras (Hopf 1981) referindo-se a presenccedila de pinheiro (Pinus
sp) floresta de carvalhos (Quercus ilex - azinheira ndash e Quercus suber ndash sobreiro) nas
encostas e junto das margens fluviais o freixo (Fraxinus excelsior) o choupo
(Populus sp) e o amieiro (Alnus sp)
De facto P Queiroz (1999) realccedila para o periacuteodo dos 4ordm-3ordm mileacutenios no litoral
norte alentejano um impacto humano acentuado que teraacute resultado na reduccedilatildeo do
coberto florestal dos interfluacutevios e abertura dos ribeirinhos ainda que mantendo-se
os bosques de encosta bem como registando-se a expansatildeo de matagais
22 Rio Tejo um palco fundamental para a histoacuteria da regiatildeo
O Tejo eacute um dos maiores rios da Peniacutensula Ibeacuterica quer em extensatildeo quer em
caudal Nasce na Cordilheira Ibeacuterica orientando o seu curso de este para oeste
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apenas virando para sudoeste perto de Constacircncia onde absorve o rio Zecirczere
(Ribeiro Lautensach e Daveau 1988) Daiacute em diante alarga-se pela bacia sedimentar
terciaacuteria para apenas estreitar na sua foz apertada pelas peniacutensulas de Lisboa e
Setuacutebal as duas metades da Baixa Estremadura (Fig 1 e 1a)
A foz do Tejo rompe a continuidade da costa atlacircntica de forma peculiar
resultando num dos raros portos de abrigo para a navegaccedilatildeo bem como graccedilas ao
seu prolongado estuaacuterio numa via de penetraccedilatildeo navegaacutevel da maior importacircncia
para os territoacuterios interiores (Daveau 1980 1994 e 1995) A outra descontinuidade
imediatamente a sul do estuaacuterio do Sado apesar de larga fica limitada a este pois o
caudal desse rio natildeo atinge a pujanccedila ou a extensatildeo do primeiro
Portanto para aleacutem de ser ldquoo palco da histoacuteria de Lisboardquo (Daveau 1994) o
Tejo surge-nos tambeacutem como o palco da histoacuteria das populaccedilotildees da Baixa
Estremadura e dos territoacuterios vizinhos por ele banhados do Centro-Sul de Portugal
O emaranhado de relevos acidentados existentes a norte de Lisboa (Complexo
vulcacircnico de Lisboa e faldas da Serra de Montejunto) dificulta a circulaccedilatildeo sul-
norte pelo que o Tejo e os seus tributaacuterios foram ateacute o aparecimento da ligaccedilatildeo
ferroviaacuteria o meio por onde circulavam para territoacuterios interiores maioritariamente
pessoas e bens (Daveau 1994) Recorde-se o caso particular do rio Trancatildeo que ateacute
o seacuteculo XIX era a via preferencial para transporte de bens de e para as feacuterteis
terras da regiatildeo de Loures (Daveau 1994 Fragoso 2001 Oliveira et al 2000) Ou
a importacircncia que a montante do rio Santareacutem e sobretudo Tomar assumiram para
a passagem dos Maciccedilos centrais (Daveau 1994) mas tambeacutem na faacutecil ligaccedilatildeo ao
Alto e Meacutedio Alentejo E se esta importacircncia histoacuterico-geograacutefica estaacute
abundantemente documentada tambeacutem uma situaccedilatildeo ainda mais optimizada teraacute
existido durante os 4ordm e 3ordm mileacutenios ane
Segundo S Daveau (1980 e 1994) na sequecircncia da transgressatildeo flandriana o
vale do Tejo profundamente escavado durante o periacuteodo glaciar do Wuumlrm viu-se
preenchido pelas aacuteguas de um mar cujo niacutevel subiu rapidamente (Fig 1 e 24) Assim
nos 4ordm e 3ordm mileacutenios ane o estuaacuterio do Tejo apresentar-se-ia com aacuteguas salobras
sentindo provavelmente o efeito das mareacutes ateacute agrave aacuterea de Constacircncia cerca de 100
quiloacutemetros para montante da foz do rio Apesar de impactos e dimensotildees variaacuteveis
essa transgressatildeo aquaacutetica tambeacutem se fez sentir noutras bacias estuarinas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 24 de 415
nomeadamente no Sado e Mondego (Daveau 1980 Senna-Martinez 1990) bem
como naquelas que desaguavam directamente na orla costeira estremenha (Fig 1 e
24) Foi aliaacutes com esta verificaccedilatildeo que se compreendeu melhor o enquadramento de
vaacuterios povoados deste periacuteodo nomeadamente Vila Nova de Satildeo Pedro e Zambujal
(Daveau 1980 Daveau e Gonccedilalves 1983-84 Hoffman 1990 Hoffman e Schulz
1994)
Eacute portanto no acircmbito da fisiografia e hidrografia expostas atraacutes que as
populaccedilotildees preacute-histoacutericas dos 4ordm e 3ordm mileacutenios ane deveratildeo ser enquadradas
verificando a forma como aproveitavam no seu quotidiano os recursos disponiacuteveis
bem como isso poderaacute ter influenciado as suas praacuteticas funeraacuterias
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 25 de 415
3 A investigaccedilatildeo preacute-histoacuterica na regiatildeo de Lisboa
ldquoNum tempo [seacuteculo XIX] em que se discutia como organizar oficialmente os estudos da arqueologia em Portugal e como dar-lhe expressatildeo museoloacutegica (hellip) quem melhor se sucede (hellip) parecem ser homens que ao talento e saber acrescem fortuna pessoal e capacidade de aglutinar elites economicamente desafogadas e mentalmente empenhadas no progresso moral da naccedilatildeordquo (Ferreira 1994 p 76)
ldquo(hellip) uma realidade que (essa sim) se pode
considerar uma constante na actividade arqueoloacutegica portuguesa o choque de personalidadesrdquo (Fabiatildeo 1999 p 109)
ldquoOs arqueoacutelogos em Portugal sempre tiveram
dificuldades em trabalhar desafogadamente e em fazer-se ouvir mesmo aqueles que supostamente mais proacuteximo se encontravam do poder poliacuteticordquo (Cardoso 2002 p 40-41)
A reflexatildeo e o debate acerca da histoacuteria da investigaccedilatildeo arqueoloacutegica e
especificamente da Preacute-histoacuteria em Portugal receberam nas uacuteltimas deacutecadas um
grande incremento Vaacuterios autores tecircm com sucesso analisado o desempenho de
indiviacuteduos e instituiccedilotildees nesse labor (Gonccedilalves 1980a e 1980b Santos 1980
Fabiatildeo 1989 e 1999 Diniz e Gonccedilalves 1993-94 Lillios 1996 e 2008 Cardoso
2002 2008a 2008b e 2008c Martins 2003 2005 e 2007 Carneiro 2005 Rocha
2005 Coito Cardoso e Martins 2008 Boaventura 2008 Boaventura e Langley no
prelo) Eacute pois no acircmbito do presente trabalho importante delinear e enquadrar os
processos poliacuteticos e socio-econoacutemicos que desde o seacuteculo XIX moldaram e
condicionaram as perguntas e as respostas que diversos investigadores efectuaram
acerca do periacuteodo hoje associado ao Megalitismo e como se proporaacute centrado nos 4ordm
e 3ordm mileacutenios ane Enquadrado por esse esboccedilo tambeacutem se analisaraacute com maior
detalhe nos capiacutetulos especiacuteficos dos respectivos sepulcros os investigadores e os
trabalhos desenvolvidos por eles
Apesar de se poder encontrar em seacuteculos anteriores o interesse pelos vestiacutegios
preacute-histoacutericos nomeadamente as construccedilotildees megaliacuteticas parece unacircnime para
vaacuterios autores que a segunda metade do seacuteculo XIX e sobretudo o terceiro quartel
daquele marcaram o nascimento de uma arqueologia preacute-histoacuterica em Portugal
(Fabiatildeo 1989 e 1999 Diniz e Gonccedilalves 1993-94 Cardoso 2002 Martins 2003 e
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 26 de 415
2007 Rocha 2005) culminando essa intensa actividade na realizaccedilatildeo em Portugal
com o patrociacutenio reacutegio do laquoIX Congresso Internacional de Antropologia e
Arqueologia Preacute-Histoacutericasraquo (Santos 1980 Gonccedilalves 1980b Diniz e Gonccedilalves
1993-94) Este encontro consagrou o prestiacutegio cientiacutefico de alguns investigadores
portugueses dentro e fora do paiacutes para o qual Eacutemile Cartailhac (1880 e 1886) teraacute
sido um dos seus maiores arautos sobretudo porque as suas publicaccedilotildees em francecircs
distribuiacutedas a partir de Franccedila permitiram uma maior exposiccedilatildeo da arqueologia preacute-
histoacuterica portuguesa perante a comunidade cientiacutefica europeia e norte-americana
Num contexto europeu de crescimento industrial em que a procura de
potenciais recursos naturais se tornava urgente depois de um pouco produtivo grupo
de trabalho chefiado por Charles Bonnet eacute criada a laquoComissatildeo Geoloacutegica do Reinoraquo
- 1857-1868 - encabeccedilada por Carlos Ribeiro e Francisco Pereira da Costa (Santos
1980 Cardoso 2002 Leitatildeo 2004 Carneiro 2005) Num afatilde sem precedente o
primeiro militar de formaccedilatildeo e com maior capacidade para o trabalho de campo
promoveu o registo da geologia (mas tambeacutem de outros recursos naturais) do
territoacuterio portuguecircs graccedilas ao seu esforccedilo e do grupo de colectores que instruiu
Simultaneamente deu atenccedilatildeo a diversos vestiacutegios humanos atribuiacuteveis a diversos
periacuteodos da Preacute-histoacuteria em alguns casos escavando-os noutros inventariando-os
para posteriores trabalhos Esta faceta arqueoloacutegica do trabalho da Comissatildeo foi
reproduzida pelo seu assistente e sucessor Joaquim Nery Delgado tambeacutem militar
de carreira ainda que lhe dedicasse menor atenccedilatildeo apoacutes a morte do seu mentor
Destoava destes dois investigadores F P Costa pouco propenso ao trabalho de
campanha preferindo a actividade de gabinete para a anaacutelise de foacutesseis e produccedilatildeo
dos seus escritos (Leitatildeo 2004 Carneiro 2005) Estes caracteres pessoais distintos
acabaram por originar posiccedilotildees profissionais antagoacutenicas levando agrave extinccedilatildeo breve
mas dolosa da Comissatildeo Geoloacutegica em 1868 tendo parte da colecccedilatildeo dos
espeacutecimes recolhidos (geoloacutegicos e arqueoloacutegicos) sido transferida para a Escola
Politeacutecnica onde leccionava F P Costa apoacutes a sua intervenccedilatildeo junto do poder
instalado (Leitatildeo 2004) No ano seguinte na sequecircncia de mudanccedila governamental
a extinta Comissatildeo eacute recriada (ainda que soacute em 1870 iniciasse funccedilotildees) agora
somente sob a direcccedilatildeo de Carlos Ribeiro com a assistecircncia de J N Delgado mas
denominada laquoSecccedilatildeo dos Trabalhos Geoloacutegicosraquo (Leitatildeo 2004 Carneiro 2005)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 27 de 415
Talvez para colmatar as perdas registadas em 1868 mas tambeacutem porque se
tornara oportuno no acircmbito da preparaccedilatildeo do planeado Congresso Internacional de
1880 registou-se uma intensa actividade de escavaccedilatildeo que perdurou ateacute ao referido
encontro e agrave doenccedila e morte de Carlos Ribeiro em 1882 Posterior e gradualmente a
actividade arqueoloacutegica decresce embrenhando-se o novo director J N Delgado
em questotildees mais geoloacutegicas (Carneiro 2005) De facto aleacutem dos terraccedilos terciaacuterios
(Ribeiro 1871 e 1873) da gruta da Cesareda (Delgado 1867) e de parte dos
concheiros de Muge (Costa 18651) genericamente enquadraacuteveis no Paleoliacutetico e
Mesoliacutetico a maioria das escavaccedilotildees foi efectuada no acircmbito desta nova
ldquoComissatildeordquo Assim registaram-se novas intervenccedilotildees nos concheiros de Muge bem
como em siacutetios de habitat e de necroacutepole anteriormente inventariados sobretudo em
antas e grutas naturais e artificiais (Ribeiro 1878 1880 e 1884 Delgado 1880
1884 1891a e 1891b) Por exemplo na regiatildeo Lisboa foram identificadas as antas
de Monte Abraatildeo Estria Pedra dos Mouros Carrascal Pedras Grandes Alto da
Toupeira 1 Batalhas Casal do Penedo e Carcavelos que com excepccedilatildeo das uacuteltimas
trecircs foram entatildeo escavadas pelo menos entre 1875 e 1878 Aleacutem destas realizaram-
se intervenccedilotildees no tholos do Monge nas grutas artificiais do Casal do Pardo
(Leisner Zbyszweski e Ferreira 1961 Soares 2003) e Folha das Barradas
(sobretudo a recolha de informaccedilatildeo e artefactos) bem como nas grutas naturais da
Cova da RaposaCova Grande e Cova do Biguino do Moinho da Moura (associada
ao povoado de Leceia) da Ponte da Laje de Porto Covo e de Poccedilo Velho No seu
conjunto quase todos os siacutetios tiveram notiacutecia publicada ou pelo menos os seus
materiais foram depositados no Museu Geoloacutegico no essencial devidamente
etiquetados com a sua proveniecircncia (por vezes cobrindo excessivamente as peccedilas)
Este cuidado museoloacutegico foi deveras importante pois por natildeo ter sido continuado
em deacutecadas posteriores satildeo estas peccedilas e as suas proveniecircncias mais fiaacuteveis do que
outras que deram entrada no poacutes Grande Guerra
No que concerne a qualidade da actividade arqueoloacutegica os trabalhos de C
Ribeiro e depois de J N Delgado apresentavam-se cientificamente rigorosos e
nalguns aspectos precursores tendo em conta a eacutepoca e a precocidade destes A
aplicaccedilatildeo do meacutetodo estratigraacutefico na escavaccedilatildeo de algumas das grutas-necroacutepole eacute 1 Escavados por C Ribeiro e abusivamente apresentados e publicados por F P Costa (1865 Leitatildeo 2004)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 28 de 415
evidente na gruta da Furninha (Delgado 1884) bem como se verifica uma
sistematizaccedilatildeo e comparaccedilatildeo tipoloacutegica dos materiais arqueoloacutegicos recolhidos (por
exemplo Ribeiro 1878 e 1880) Inclusive C Ribeiro (1880) procurou perscrutar nos
restos antropoloacutegicos de alguns sepulcros em particular de Monte Abraatildeo e Folha
das Barradas informaccedilatildeo hoje comummente expectaacutevel como o nuacutemero miacutenimo de
indiviacuteduos a idade e o sexo ndash algo entretanto relegado para um plano secundaacuterio em
favor de avaliaccedilotildees raacutecicas dos indviacuteduos exumados em Portugal seguindo a
tendecircncia europeia perdurando ateacute a deacutecada de 80 do seacuteculo XX (Cunha 2000)
Ainda associados aos trabalhos dos serviccedilos geoloacutegicos haacute que registar algumas
abordagens multidisciplinares sobre materiais depositados no Museu nomeadamente
por Francisco Oliveira e Paula (1884 1886 e 1889) acerca das ossadas humanas
mesoliacuteticas e neoliacuteticas exumadas e por Alfredo Bensauacutede (1884 e 1889) sobre a
natureza mineraloacutegica de artefactos liacuteticos ou a constituiccedilatildeo dos artefactos em cobre
Alguns autores oitocentistas menos interessados na investigaccedilatildeo de campo
produziram ainda algum trabalho sobre a Preacute-Histoacuteria nomeadamente Augusto
Simotildees (1878) Outros prosseguiram no campo outras abordagens mais
independentes como Sebastiatildeo Estaacutecio da Veiga (Veiga 1879 e 1886-91
Gonccedilalves 1980a Cardoso e Gradim 2004) ou integrados na laquoReal Associaccedilatildeo dos
Architectos Civis e Archeoacutelogos Portuguesesraquo como Joaquim Possidoacutenio da Silva
(Martins 2003 e 2005) Aliaacutes este uacuteltimo procedeu a vaacuterias escavaccedilotildees em sepulcros
megaliacuteticos nomeadamente nas regiotildees de Eacutevora e Elvas ou no pretenso doacutelmen de
Adrenunes Sintra na deacutecada de 1850 onde natildeo verificou qualquer evidecircncia
sepulcral (cit in Martins 2003 p 237) Contudo manifestava em vaacuterios escritos um
maior interesse pelo registo e salvaguarda daqueles monumentos e menos pelo seu
teor cientiacutefico (Martins 2003 p 240-241)
Apesar de variados trabalhos realizados em antas de vaacuterios pontos do paiacutes
nomeadamente por C Ribeiro J P Silva S E Veiga eacute curioso verificar que apenas
uma comunicaccedilatildeo portuguesa acerca deste assunto foi proferida por Joseacute Caldas
(1884) no Congresso de 1880 tratando de antas da regiatildeo do Minho (Santos 1980)
Ainda que a qualidade dos trabalhos produzidos seja variada durante o periacuteodo
tratado acima eacute possiacutevel verificar que os investigadores portugueses de oitocentos
procuravam perceber as origens da Terra e da Humanidade num contexto
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 29 de 415
eminentemente positivista e universalista agrave imagem dos seus congeacuteneres do mundo
ocidental e que os investigadores dos serviccedilos geoloacutegicos foram um claro exemplo
Contudo outros indiviacuteduos inclinavam-se decididamente para anaacutelises mais locais e
regionais mais preocupados com aspectos paleoetnoloacutegicos como era o caso de
Martins Sarmento um dos participantes do Congresso de 1880 (Fabiatildeo 1999)
Infelizmente aquele breve desabrochar da disciplina arqueoloacutegica em Portugal
natildeo frutificou No caso dos serviccedilos geoloacutegicos assistiu-se a um decreacutescimo de
interesse e de publicaccedilotildees acerca da preacute-histoacuteria nomeadamente com siacutetios
escavados que se quedaram por publicar ateacute meados do seacuteculo XX para o qual natildeo
seraacute estranho a ausecircncia de disciacutepulos interessados naquelas temaacuteticas ou com as
condiccedilotildees estruturais para as desenvolver O trabalho de Estaacutecio da Veiga acabou
absorvido pelo Museu Etnoloacutegico (hoje MNA) sem concretizaccedilatildeo do seu programa
arqueoloacutegico
Ainda assim nos anos poacutes-Congresso registou-se a influecircncia daqueles
investigadores sobre individualidades que se tornariam fulcrais nas deacutecadas
seguintes A Santos Rocha criava a Sociedade Arqueoloacutegica da Figueira surgia a
Sociedade Carlos Ribeiro no Porto e Joseacute Leite de Vasconcelos inclinava-se para a
busca da geacutenese portuguesa Esta nova geraccedilatildeo acarinhava entatildeo um novo paradigma
de investigaccedilatildeo definido como Paleoetnoloacutegico (Fabiatildeo 1999) De facto a Preacute-
histoacuteria parece interessar a estes investigadores apenas como meio para buscar as
origens da nacionalidade atraveacutes da triacuteade povoliacutenguanaccedilatildeo para a qual os estudos
antropoloacutegicos numa perspectiva raacutecica (Carrisso 1909 Athayde 1931 e 1933
Bubner 1979 e 1986 Silva 2002 Cunha 2000 e 2008) e arqueoloacutegicos acresciam
com os seus dados essenciais Os vestiacutegios materiais comprovariam a sucessatildeo das
idades civilizacionais colocando os primeiros ocupantes do territoacuterio portuguecircs em
igualdade com outros povos da Europa e da restante Peniacutensula Ibeacuterica
A actividade de J L Vasconcelos no que respeita a regiatildeo de Lisboa eacute
reduzida pois este procurava compreender o todo nacional viajando e colectando por
todo o territoacuterio portuguecircs Mesmo assim a escavaccedilatildeo da anta da Arruda em 1898
revela que este investigador aplicava uma metodologia razoaacutevel e de alguma forma
standard para a eacutepoca Ao analisar os apontamentos desta escavaccedilatildeo e daquela
efectuada na anta da Comenda da Igreja 1 (Montemor-o-Novo) no mesmo ano
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 30 de 415
(Coito Cardoso e Martins 2008 p 145) eacute interessante verificar as semelhanccedilas no
registo de escavaccedilatildeo bem como as anotaccedilotildees acerca do que seria expectaacutevel
encontrar e que natildeo o foi Mas os resultados resumiam-se e eram utilizados para
reforccedilar o objectivo primordial obter ldquoelementos para determinar relaccedilotildees sociaes
ou ethnicas entre a tribu que ali estanciou e outras da Estremadura mas de pontos
afastados drsquoaquelle localrdquo (O Seacuteculo 6111898)
Entre os vaacuterios protagonistas interessados pela nacionalidade eacute sem duacutevida J
L Vasconcelos quem por meacuterito proacuteprio pela sua longevidade e pelo
enquadramento institucional que o Museu Etnoloacutegico lhe dava quem marca as
primeiras deacutecadas do seacuteculo XX apresentando-se com um projecto ndash o museu da
naccedilatildeo (Fabiatildeo 1999 Coito Cardoso e Martins 2008)
Manuel Heleno um dos disciacutepulos de J L Vasconcelos inicialmente
procurou no Megalitismo as eventuais origens da nacionalidade (Heleno 1956
Fabiatildeo 1999 Cardoso 2002 Rocha 2005) Para tal centrou a sua investigaccedilatildeo nos
sepulcros do Alto e Meacutedio Alentejo (Heleno 1956 Rocha 2005) Contudo ldquopara
tirar a contraprova das [suas] conclusotildees e ver o problema na sua totalidaderdquo
(Heleno 1956 p 229) aquele estendeu as suas pesquisas a vaacuterias grutas artificiais da
Estremadura nomeadamente em Casal do Tojal de Vila Chatilde e Bauacutetas Amadora
(Heleno 1933 e 1942b) na Ermegeira Torres Vedras (Heleno 1942a) Ribeira de
Crastos Caldas da Rainha (Jordatildeo e Mendes ) Tambeacutem desenvolveu trabalhos em
algumas grutas naturais ldquoagrave procura duma estratigrafiardquo (Heleno 1956 p 230)
incidindo ainda alguns esforccedilos em siacutetios de habitat sobretudo na aacuterea de Rio Maior
O contributo de M Heleno para a investigaccedilatildeo do Megalitismo poderaacute resumir-
se em dois tempos um resumido por Fernando de Almeida (197_) ao afirmar que
ldquobastariam estes trabalhos para ser classificada de notaacutevel a acccedilatildeo do Prof Heleno
(hellip) se os materiais recolhidos (hellip) tivessem sido estudados e publicadosrdquo outro
tempo presente que vecirc os espoacutelios recolhidos e os apontamentos proacutedigos de M
Heleno finalmente a serem estudados e publicados de forma compreensiacutevel
(Cardoso 2002 Rocha 2005)
Entretanto aleacutem fronteiras Hugo Obermaier (1919 1920 1924 1925 e 1932)
na sequecircncia dos seus proacuteprios estudos acerca do Megalitismo numa perspectiva
pan-ibeacuterica contribuiu de forma directa para o interesse do casal Leisner (Georg e
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 31 de 415
Vera) por aquele fenoacutemeno (Almeida 1972 Dehn 1990 Boaventura e Langley no
prelo) Assim suscitou-se dessa forma o imenso trabalho de inventariaccedilatildeo
sistemaacutetica do fenoacutemeno megaliacutetico peninsular materializado nos volumes dos
Megalithgraumlber o primeiro verdadeiro cataacutelogo de estruturas e espoacutelios associadas
ao Megalitismo sobretudo antas (Leisner e Leisner 1943 1951 e 1959 Leisner
1965 Leisner e Kalb 1998) hoje obra incontornaacutevel e fundamental para a
compreensatildeo da cultura material de extensas regiotildees peninsulares nomeadamente da
Estremadura
O prestiacutegio internacional granjeado pelo trabalho do casal alematildeo facilitou
tambeacutem a divulgaccedilatildeo dos resultados peninsulares e das suas interpretaccedilotildees junto de
alguns dos preacute-historiadores mais creditados da Europa nomeadamente V Gordon
Childe Glyn Daniel e Stuart Pigott (Boaventura e Langley no prelo) algo que
autores portugueses nem sempre conseguiam Exemplo disso seraacute a defesa de uma
origem ocidental e peninsular do fenoacutemeno megaliacutetico de alguma forma defendido
por J L Vasconcelos A S Rocha e Estaacutecio da Veiga (Cardoso 2002) explicaccedilatildeo
tambeacutem adiantada P Bosh Gimpera (1966) ainda que focada no noroeste peninsular
Contudo estas hipoacuteteses apenas obtecircm maior eco com a publicaccedilatildeo dos trabalhos de
Reguengos de Monsaraz desenvolvidos pelo casal Leisner (1951 e 1959) como
parece transparecer no artigo de S Piggot (1953 cit in Cardoso 2002) ou em cartas
de V Gordon Childe para o casal Leisner (Boaventura e Langey no prelo)
Simultaneamente a actividade arqueoloacutegica dos Serviccedilos Geoloacutegicos de
Portugal sofre um novo incremento apoacutes o ingresso de G Zbyszweski nos finais
dos anos 30 (Cardoso 1999-00a) Por sua iniciativa e da equipa que conseguiu
reunir nomeadamente em estreita e frutuosa colaboraccedilatildeo com O V Ferreira bem
como com um vasto leque de colaboradores (Cardoso 1999-00a 2008c e 2008d) as
actividades de prospecccedilatildeo geoloacutegica levaram agrave identificaccedilatildeo e escavaccedilatildeo de vaacuterias
centenas de siacutetios muitos deles de outra forma desaparecidos sem qualquer notiacutecia
Eacute nesse contexto quando se intensifica a mecanizaccedilatildeo da agricultura e a pressatildeo e
expansatildeo urbanas que muitos siacutetios da regiatildeo de Lisboa satildeo salvaguardados pela
escavaccedilatildeo e registo ndash mesmo que deficitaacuterio segundo padrotildees do que se podia fazer
na eacutepoca e mais ainda dos actuais
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 32 de 415
A colaboraccedilatildeo entre O V Ferreira e o casal Leisner mas sobretudo com Vera
Leisner apoacutes o falecimento de Georg Leisner em 1958 (Boaventura e Langley no
prelo) contribuiacuteram para o conhecimento de alguns dos sepulcros mais emblemaacuteticos
da Estremadura nomeadamente Casaiacutenhos e Praia das Maccedilatildes (Leisner e Ferreira
1959 1961 e 1963 Leisner Zbyszweski e Ferreira 1961 e 1969 Cardoso 2002 e
2008d)
Se bem que o impacto das dataccedilotildees pelo radiocarbono abalava o meio
arqueoloacutegico europeu desde a deacutecada de 50 e sobretudo 60 em Portugal apesar de
cedo se terem realizado algumas mediccedilotildees as implicaccedilotildees reais desses resultados
apenas se tornaram evidentes durante essa uacuteltima deacutecada O V Ferreira um dos
primeiros investigadores em Portugal a promover a realizaccedilatildeo de dataccedilotildees absolutas
(Soares 2008) e que cedo se apercebeu da antiguidade dos sepulcros megaliacuteticos
aleacutem do enquadramento histoacuterico-culturalista manteve paradoxalmente uma
perspectiva histoacuterico-culturalista e indigenistadifusionista para o fenoacutemeno do
megalitismo ateacute a deacutecada de 70 buscando modelos e paralelos no sul peninsular
bem como no Egipto e outras regiotildees mediterracircnicas (veja-se por exemplo a obra de
siacutentese acerca da Preacute-Histoacuteria de Portugal - Ferreira e Leitatildeo sd)
Durante a deacutecada de 70 satildeo ainda escavados por O V Ferreira e
colaboradores (Zbyszweski et al 1977 Leitatildeo et al 1984 e 1987 Cardoso et al
1996 North Boaventura e Cardoso 2005 Cardoso 2008c) um conjunto de
sepulcros megaliacuteticos alguns directamente implicados no presente trabalho como
Pedras da Granja e Verdelha dos Ruivos
As mudanccedilas poliacuteticas de 1974 tornaram possiacutevel uma variedade abordagens
que se comeccedilavam a esboccedilar anteriormente (Gonccedilalves 1971 Arnaud e Gamito
1972 Silva e Soares 1981) Assim a deacutecada de 80 regista para aleacutem da manutenccedilatildeo
de abordagens histoacuterico-culturalistas uma adesatildeo e divulgaccedilatildeo de novas correntes de
pensamento aplicadas ao estudo do Megalitismo normalmente refutando ideias
difusionistas adoptando concepccedilotildees histoacuterico-materialistas indigenistas e
processualistas (Silva e Soares 1974-77 Silva et al 1986 Gonccedilalves 1978b
Arnaud 1978 Parreira 1990 Jorge 1990a e 1990b)
Simultaneamente eacute tambeacutem neste periacuteodo que a importacircncia da antropologia
fiacutesica para as interpretaccedilotildees arqueoloacutegicas retoma as abordagens perdidas no seacuteculo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 33 de 415
XIX e menorizadas durante o seacuteculo XX (Cunha 2000 Lubell 1988 Lubell e
Jackes 1985 Jackes e Lubell 1992) E uma vez mais surgem O V Ferreira e seus
colaboradores nomeadamente Manuel Leitatildeo como percursores dessas novidades
procurando cruzar os conhecimentos antropoloacutegicos e arqueoloacutegicos ao incentivar o
estudo da colecccedilatildeo osteoloacutegica humana de Lugar do Canto (Leitatildeo et al 1987) pelo
jovem mestrando Scott Rolston entre 1979 e 1980 entatildeo aluno de Angel Lawerence
(Ubleaker 1990) e um dos pioneiros junto com Douglas Ubelaker (1974) das
novas metodologias de anaacutelise antropoloacutegica do Smithsonian Institute
Finalmente nas uacuteltimas deacutecadas correntes variadas de pensamento poacutes-
processualistas originaram abordagens inovadoras valorizando por vezes aspectos
menos considerados da investigaccedilatildeo preacute-histoacuterica nomeadamente o estudos de
Geacutenero
Por outro lado tambeacutem nestes uacuteltimos anos a informaccedilatildeo disponiacutevel aumentou
exponencialmente por vezes facilitando a revisatildeo integraccedilatildeo e compreensatildeo de
dados antigos estes por vezes jaacute sem informaccedilatildeo completa dos seus contextos
originais
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 34 de 415
4 Sepulcros para repouso dos mortos e dos vivos
Fig 2 Sepulcros da Estremadura e indicaccedilatildeo de siacutetios habitacionais sobretudo da regiatildeo de
Lisboa
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Legenda da figura 2 Sepulcros da Estremadura e indicaccedilatildeo de siacutetios habitacionais sobretudo da regiatildeo de Lisboa
1- Grutas de Pedreira do Sobral e Vale
do Freixo 2 2- Grutas do Morgado dos Morcegos
da Nossa Senhora das Lapas dos Ossos do Cadaval e Penha da Moura
3- Grutas da Buraca das Andorinhas e do Caldeiratildeo
4- Zurrague 1 5- Buraco Roto 2 6- Cova das Lapas 7- Pragais 8- Lapa do Mouraccedilatildeo 9- Buraca da Moura da Rexaldia 10- Gruta do Cadoiccedilo 11- Grutas do Cabeccedilo da Ministra Alta
Pena Velha Mosqueiros Alta Ervideira Calatras Alta Calatras Meacutedia e Casa da Geacutenia
12- Ventas do Diabo 13- Lapa da Modeira 14- Algar do Picoto 15- Nascente do Almonda e Lapa da
Bugalheira 16- Ribeira Branca 17- Lapas 18- Gruta do Rio Seco 19- Gruta do Vale do Touro 20- Algar do Joatildeo Ramos 21- Gruta do Carvalhal de Turquel 22- Casa da Moira do Cabeccedilo de
Turquel 23- Fontes Belas 24- Gruta dos Ursos 25- Gruta das Alcobertas 26- Anta das Alcobertas 27- Raposa 28- Lugar do Canto 29- Carrascos 30- Algar dos Casais da Mureta 31- Lapa da Galinha 32- Gruta dos Casais do Arrife 33- Algar do Barratildeo 34- Marmota 35- Lapa do Saldanha 36- Ribeira de Crastos 37- Outeiro da Assenta 38- Furadouro (Amoreira de Oacutebidos) 39- Malgasta 40- Casa da Moura 41- Cesareda 42- Lapa Furada 43- Outeiro de Satildeo Mamede 44- Serra da Roupa
45- Columbeira 46- Gruta das Pulgas e Lapa do Suatildeo 47- Anta da Columbeira 48- Grutas da Senhora da Luz 1 e 2 49- Abrigo Grande das Bocas 50- Buraca da Moura 51- Furninha 52- Paimogo 1 e 2 53- Feteira 54- Vila Nova de Satildeo Pedro 55- Rochaforte 2 56- Furadouro de Rochaforte 57- Charco (Foacuternea) 58- Praganccedila 59- Salveacute Rainha 60- Algar do Bom Santo 61- Furadouro 62- Fontaiacutenhas 63- Lapa da Rainha 1 e 2 64- Ermegeira 65- Quinta das Lapas 1 e 2 66- Siacutetio dos Malhatildees 67- Ota 68- Quinta do Vale das Lajes 69- Paiol 70- Bolores 71- Abrigo da Carrasca 72- Portucheira 1 e 2 73- Foacuternea 74- Penedo 75- Charrino 76- Cova da Moura 77- Zambujal 78- Serra da Vila e Barro 79- Serra das Mutelas 80- Cabeccedilo da Arruda 1 e 3 81- Cabeccedilo da Arruda 2 82- Pedra do Ouro 83- Refugidos 84- Castelo 85- Arruda 86- Pedra Furada 87- Juromelo 88- Tituaria 89- Lameiro das Antas 90- Moinho das Antas 91- Fojo dos Morcegos 92- Antas (Sintra) 93- Samarra e Pedranta 94- Faiatildeo 95- Penedo do Lexim 96- Negrais (Fonte Figueira
Barruncheiro e Pedraceiras) 97- Carcavelos 98- Crasto de Ponte Lousa e Grutas do
Tufo e das Salamandras 99- Gruta das Salemas e povoado do
Alto da Toupeira 100- Alto da Toupeira 1 e 2 101- Casaiacutenhos 102- Lapa da Figueira 103- Monte Serves
104- Casal do Penedo e Verdelha dos Ruivos
105- Moita Ladra 106- Praia das Maccedilatildes 107- Vaacuterzea 108- Pedras da Granja 109- Lameiras 110- Folha das Barradas 111- Cortegaccedila 112- Vale de Lobos 113- Cova da Raposa 114- Olelas 115- Correio-Moacuter 116- Serra da Amoreira e Antas
(Loures) 117- Trigache 1 a 4 118- Pedras Grandes e Batalhas 119- Conchadas 120- Pedreira do Campo 121- Tojal de Vila Chatilde 1 a 4 e
Espargueira 122- Povoado e sepulcro de Bauacutetas 123- Pedra dos Mouros Estria e Monte
Abraatildeo 124- Carrascal 125- Agualva 126- Satildeo Martinho 1 e 2 127- Castanhais 128- Bela Vista 129- Monge 130- Porto Covo 131- Penha Verde 132- Leceia e Moinho da Moura 133- Monte do Castelo 134- Grutas e povoado de Carnaxide 135- Alto do Dafundo 136- Ponte da Laje 137- Antas (Oeiras) 138- Alapraia 1 a 4 139- Satildeo Pedro do Estoril 1 e 2 140- Parede 141- Murtal 142- Estoril 143- Grutas de Poccedilo Velho 144- Satildeo Paulo 1 e 2 145- Casal do Pardo 1 a 4 146- Chibanes 147- Rotura e Lapa da Rotura 148- Pena 149- Capuchos 150- Sampaio 151- Castelo de Sesimbra 152- Forte do Cavalo A e B 153- Lapa do Fumo e Pinheirinhos 1 e
2 154- Lapas do Bugio e da Furada 155- Lapa da Janela 1 Lapa 4 de Maio
e Lapa da Janela 3 156- Azoacuteia 157- Montes Claros 158- Ponta da Passadeira
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41 As antas da regiatildeo de Lisboa
O nuacutemero hoje conhecido de antas na regiatildeo de Lisboa eacute limitado De facto o
seu cocircmputo ronda as duas dezenas Como jaacute foi referido atraacutes tal situaccedilatildeo poderaacute
compreender-se num territoacuterio sujeito agrave pressatildeo antroacutepica que desde a preacute-histoacuteria se
documenta mas sobretudo durante os uacuteltimos seacuteculos em que a atracccedilatildeo da capital
do reino hoje repuacuteblica conduziu a uma raacutepida ocupaccedilatildeo e alteraccedilatildeo da paisagem
No entanto julgo que esta fraca representatividade tambeacutem poderaacute ser explicada pelo
contexto sociocultural que adiante tratarei
Apesar de se poder lamentar que muitos destes siacutetios tenham sido escavados
prematuramente quando as teacutecnicas de escavaccedilatildeo ainda natildeo estavam tatildeo
desenvolvidas haacute que simultaneamente felicitar as suas intervenccedilotildees pois em
muitos casos estes sepulcros teriam desaparecido sem qualquer notiacutecia Por outro
lado a sua identificaccedilatildeo granjeou-lhes algum destaque o suficiente para alguns
serem classificados como monumentos de importacircncia cultural e daiacute protegidos o
que aconteceu de facto apesar de vicissitudes vaacuterias e peculiares sofridas
411 O cluster de Belas
O cluster de Belas eacute formado pelas antas de Pedra dos Mouros Monte Abraatildeo
e Estria cada uma classificada como Monumento Nacional pelo Decreto de
1661910 publicado no Diaacuterio do Governo nordm 136 de 23 de Junho de 1910 Eacute um
dos poucos agrupamentos deste tipo de sepulcro conhecido na regiatildeo de Lisboa (Fig
25) tendo sobrevivido ateacute agora ao tempo e aos homens mas sobretudo agrave deficiente
gestatildeo territorial e patrimonial das uacuteltimas deacutecadas o que outro autor melhor retratou
(Serratildeo 1998)
No momento em escrevo estas linhas novas investidas assombram
definitivamente este conjunto e eacute com tristeza que verifico uma certa actualidade
num texto com quase vinte anos produzido na sequecircncia de uma acccedilatildeo de
salvaguarda dos trecircs sepulcros
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ldquoEm 1973 um projecto de urbanizaccedilatildeo para o local felizmente natildeo
concretizado propunha mesmo que as antas servissem de centro a largos relvados
destinados ao embelezamento das construccedilotildees envolventes
Se a descontextualizaccedilatildeordquo paisagiacutestica dos monumentos natildeo se consumou
integralmente realizaram-se contudo alteraccedilotildees nefastas na sua envolvente Foram
construiacutedos edifiacutecios nas imediaccedilotildees de Pedra dos Mouros desfigurando-lhe o
enquadramento e provocando a acumulaccedilatildeo de detritos na sua aacuterea Uma pedreira
hoje inactiva parou a poucos metros da Anta de Monte Abraatildeo A Estria a uacutenica
que pela sua implantaccedilatildeo topograacutefica numa dobra do terreno (hellip) eacute regularmente
aradardquo (Marques Lourenccedilo e Ferreira 1991)
As antas de Belas foram identificadas durante os primeiros levantamentos
geoloacutegicos dos arredores de Lisboa no seacuteculo XIX conduzidos por C Ribeiro e
posteriormente exploradas e publicadas por aquele (Ribeiro 1880)
Localizam-se numa plataforma de calcaacuterios cretaacutecicos cuja altitude ronda os
200-210 metros apresentando-se aquelas bancadas ligeiramente inclinadas para
sudeste cobertas do lado sul pelo manto basaacuteltico e recortadas no extremo norte por
filotildees traquiacuteticos (Ribeiro 1880 5-6 Ramalho et al 1993 SGP 1991) Aliaacutes
segundo C Ribeiro aquelas intrusotildees contribuiacuteram para a alteraccedilatildeo localizada dos
calcaacuterios o que foi aproveitado para a implantaccedilatildeo das antas de Pedra dos Mouros e
Estria (Ribeiro 1880)
Em redor deste conjunto surgiram lendas que poucos se lembraratildeo
actualmente perdurando apenas no texto impresso A implantaccedilatildeo da capela do
Senhor da Serra ali proacutexima poderaacute ainda reflectir uma intenccedilatildeo de cristianizaccedilatildeo
(Casa Vargas e Oliveira 1998) da plataforma necropolizada
4111 Pedra dos Mouros
A anta de Pedra dos Mouros (CNS-11301) teraacute sido detectada por C Ribeiro
em 1856 provavelmente durante os trabalhos de reconhecimento geoloacutegico e
hidroloacutegico nos arredores de Lisboa (Leitatildeo 2004 Carneiro 2005) mas este soacute teraacute
tido oportunidade de proceder agrave sua exploraccedilatildeo em 1876 para a qual obteve a
autorizaccedilatildeo e o apoio do proprietaacuterio o Marquecircs de Belas (Ribeiro 1880)
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Entretanto no acircmbito das suas descriccedilotildees dedicadas a Lisboa e seus arrabaldes
publicadas no Archivo Pittoresco I V Barbosa (1862 e 1863) descrevia a Quinta do
referido Marquecircs referindo a estrutura posteriormente conhecida como Pedra dos
Mouros ldquoNo cimo dos montes que orlam a parte plana da quinta pelo lado oeste
avultam dois enormes penedos tatildeo singulares pelo feitio como pela disposiccedilatildeo Satildeo
duas grossas lages ponteagudas collocadas a prumo uma ao peacute da outra de modo
que fazem um acircngulo unido na base ateacute um terccedilo da altura Drsquoahi para cima
separam-se os rochedos por causa da sua foacuterma pyramidal Tem a base apenas
assente no terreno tanto aacute superficie que parecem alli dispostas por matildeos humanas
Natildeo se vecirc mais penedo algum nrsquoaquellas visinhanccedilas Seraacute isto uma curiosidade
natural ou alguma construccedilatildeo anterior aacute monarchia que ficasse incompleta ou de
que restem unicamente aquelles vestigios A tradiccedilatildeo popular pretende jaacute se sabe
que seja obra dos mouros e diz que lhes servia de atalaiardquo (Barbosa 1863 p 185)
Associada a esta descriccedilatildeo mas na paacutegina 192 da publicaccedilatildeo surge uma gravura
titulada ldquoPenedos na quinta de Bellasrdquo realccedilando a sua grande dimensatildeo face ao
indiviacuteduo posando junto dela (Fig 31 2) Contudo este autor nunca considerou esta
estrutura como anta deixando esse tiacutetulo para Adrenunes a uacutenica que conhecia na
Estremadura (Barbosa 1868) posiccedilatildeo seguida aparentemente por F Pereira da
Costa (1868)
A anta de Pedra dos Mouros situa-se ainda hoje dentro da quinta jaacute referida
hoje conhecida por Senhor da Serra numa cota de 200m um pouco acima e a cerca
de 400 metros a poente da capela do Senhor Jesus da Serra existindo contacto visual
com a anta de Monte Abraatildeo a cerca de 800 m para sul mas natildeo com a anta da
Estria apenas a 400 m para su-sudoeste (Fig 25) Na vasta plataforma cretaacutecica
assenta em particular nas bancadas do Albiano-Cenomaniano Meacutedio e Inferior com
calcaacuterios e margas do ldquoBelasianordquo (Ramalho et al 1993 SGP 1991)
Agrave data da intervenccedilatildeo arqueoloacutegica o local era ainda visitado no acircmbito da
romaria das populaccedilotildees locais tradiccedilatildeo descrita por I V Barbosa que considerava
aquela ldquouma das festividades dos arrabaldes de Lisboa que maior concurso atrahem
da capital e suas visinhanccedilasrdquo (Barbosa 1862 p 291) Esta popularidade surge
referida por V Correia (1917) e eacute recordada por outros autores (Casa Vargas e
Oliveira 1998) A romaria relacionada com o Senhor Jesus da Serra realizava-se no
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uacuteltimo Domingo de Agosto com ldquofeira e festa de arrayalrdquo (Barbosa 1862 p 291)
tendo terminado em 1942 quando o proprietaacuterio proibiu o acesso puacuteblico agrave capela
(Casa Vargas e Oliveira 1998 Ferreira 1963)
Acerca da anta V Correia (1917 p 185) afirmava ldquoConhece-a bem o
povinho lisboeta que vae laacute anualmente deixar-se escorregar pela sua pedra
inclinadardquo O V Ferreira (1963) especificava ainda aquela tradiccedilatildeo ldquoas moccedilas
casadas de fresco subiam ateacute ao topo da pedra tiravam as cuecas quando as
tinham sentavam-se e escorregavam ateacute agrave base na crenccedila que apoacutes este acto
podiam conceber A superfiacutecie da pedra estaacute toda gasta e polida de geraccedilotildees
sucessivas de posterioresrdquo Se dessa praacutetica natildeo haacute imagem ficou pelo menos um
registo fotograacutefico no espoacutelio da actual Quinta do Senhor da Serra de romeiros do
sexo masculino galgando e posando sobre a laje talvez em 1910 (Casa Vargas e
Oliveira 1998)
Pelo referido acima o sepulcro eacute tambeacutem conhecido por anta do Senhor da
Serra (Olho Vivo 1998 p 15) podendo a designaccedilatildeo anta da Idanha (IPPC 1986)
relacionar-se com a povoaccedilatildeo homoacutenima situada a cerca de 500 metros a oeste do
sepulcro
Entretanto V Correia (1917) dava conta da existecircncia de gravuras na face
externa do esteio maior 137 m acima do solo Estas representariam uma possiacutevel
cruz e uma figura antropomorfa que aquele autor acreditava serem preacute-histoacutericas a
primeira representando uma figura feminina e a segunda uma masculina (Fig 321)
Um dos motivos para essa antiguidade residiria na paacutetina dos sulcos da gravaccedilatildeo
questionando-se o autor se aquelas teriam sido efectuadas antes do esteio ter sido
coberto pela mamoa ou se esta nunca teria existido Durante a minha visita em 2004
verifiquei que aquelas imagens se encontram muito sumidas e sobrepostas com
outros grafitos e pinturas mais recentes Contudo creio que tais produccedilotildees poderatildeo
ter resultado da associaccedilatildeo da anta ao local de romaria Gravaccedilotildees semelhantes
parecem ter sido avistadas tambeacutem num afloramento junto a uma nascente da
Falagueira Amadora (Oliveira 1980)
C Ribeiro (1880) descrevia Pedra dos Mouros como ldquoum monumento
incompletordquo apenas com trecircs ortoacutestatos remanescentes in situ (Fig 31-32) O esteio
A encontrava-se inclinado para norte apresentando 5 metros de comprimento acima
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do solo por 37 m de largura e 027 m de espessura meacutedia Este apoiava-se
parcialmente no esteio B agrave data ainda inteiro com 45 m de comprimento por 2 m
de largura e 025 m de espessura meacutedia Por sua vez o bloco B estaria encostado ao
esteio C com cerca de 4 metros de largura mas aflorando apenas a 1 metro acima do
solo pois encontrava-se partido natildeo se avistando qualquer fragmento em redor
Durante a escavaccedilatildeo encontrou ainda quatro lajes menores que considerou poderem
corresponder a fragmentos de outras maiores ou eventualmente ldquoda mesa ou chapeacuteo
que coroava o monumento se eacute que o teverdquo (Ribeiro 1880 p 6) Na sua planta
representa dois desses blocos do lado nascente
Os trecircs esteios mas provavelmente os restantes blocos tambeacutem eram de
ldquocalcareo argilloso cinzento mui durordquo em tudo semelhantes ao substrato imediato
(Ribeiro 1880 p 6) caracterizaccedilatildeo ainda hoje possiacutevel de verificar
No espoacutelio do casal Leisner natildeo foi possiacutevel localizar uma planta de pormenor
que tivesse registado as pequenas lajes mas na planta publicada (Leisner 1965 taf
53 1) pelo menos duas delas estatildeo indicadas em tudo semelhantes agraves apontadas por
C Ribeiro No conjunto de imagens desta anta eacute possiacutevel verificar que essas lajetas
do lado nascente se encontravam quase na vertical provavelmente funcionando
como cunhas do interstiacutecio Outro aspecto interessante eacute que estas fotos teratildeo sido
obtidas durante a visita agrave anta de Monte Abraatildeo em 13 de Abril de 1933 (data do
desenho entatildeo realizado) quando o esteio B de Pedra dos Mouros ainda se mantinha
inteiro (Fig 32 ALeisner Leis31 Leisner 1965 taf 143 3) O referido esteio teraacute
quebrado entre aquela data e 5 de Dezembro de 1943 quando outro apontamento do
casal alematildeo registou aquela nova situaccedilatildeo (ALeisner Leis64)
Em 2004 foi possiacutevel verificar que os elementos descritos ainda ali se
encontravam nomeadamente a laje B quebrada em trecircs (a base ainda in situ um
segmento maior e uma lacircmina menor que jaacute se notava a destacar nos fotos antigas
antes da sua queda) e as duas lajetas do lado nascente agora na horizontal (tombadas
pela cedecircncia do esteio A)
Era ainda observaacutevel a acccedilatildeo de salvaguarda desenvolvida pelo IPPC em 1986
pela mancha de brita ali depositada (Marques e Ferreira 1987 Marques Lourenccedilo e
Ferreira 1991) No entanto por causa da vegetaccedilatildeo rasteira natildeo foi possiacutevel
verificar a carapaccedila peacutetrea apontada em redor do esteio maior (Marques e Ferreira
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 41 de 415
1987) Mas a inclinaccedilatildeo do esteio A eacute bastante evidente e preocupante pois este natildeo
resistiraacute muitos mais anos agrave gravidade e ao aumento da trepidaccedilatildeo causada pelo
traacutefego rodoviaacuterio na envolvente daquela aacuterea E isso para aleacutem da destruiccedilatildeo seraacute
gravoso para futuros trabalhos que intentem esclarecer neste sepulcro algumas
questotildees pendentes
C Ribeiro pensava que a cabeceira do sepulcro seria do lado sul constituiacuteda
pelos esteios A e B (Ribeiro 1880 p 6) Se tal interpretaccedilatildeo se pode atribuir aos
poucos dados entatildeo disponiacuteveis e sistematizados resultam mais surpreendentes as
leituras realizadas posteriormente
Assim V Leisner (1965 p 70 e taf 53 1) considera o esteio A (na sua planta
o esteio C) a laje de cobertura apresentando a planta do monumento desorientada
De facto a orientaccedilatildeo do esteio C (em Leisner esteio A) alinha-se entre norte-sul
pelo que a seta do norte e a orientaccedilatildeo a noroeste teratildeo resultado de algum lapso
Entretanto O V Ferreira (1959 p 216) apontava a possibilidade do corredor
se localizar a nordeste ainda que realccedilando a necessidade de uma nova escavaccedilatildeo
para o esclarecer De facto este chegou a ter com V Leisner (1961) uma acccedilatildeo de
escavaccedilatildeo planeada para aquela zona contudo aparentemente natildeo concretizada por
doenccedila da arqueoacuteloga durante o periacuteodo implicado
Face agravequelas propostas ainda que me encontre numa posiccedilatildeo privilegiada pela
acumulaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo de dados acerca deste tipo de sepulcro megaliacutetico julgo
que o esteio C corresponderaacute agrave cabeceira do sepulcro Esta hipoacutetese baseia-se no
imbricamento do esteio B e A em sequecircncia recorrente noutros sepulcros mas
tambeacutem pela largueza do esteio C Assim eacute provaacutevel que esta anta apresentasse uma
grande cacircmara poligonal com cerca de 4 metros de largura por 4 metros de
comprimento aberta a nascente (Fig 31) sem que seja possiacutevel garantir a presenccedila
de um corredor por ora A provaacutevel orientaccedilatildeo do seu acesso a nascente torna mais
inteligiacutevel a estrutura restando todavia a necessidade de verificar esta proposta com
a escavaccedilatildeo dos quadrantes nordeste-sudeste daquele sepulcro aacutereas que a
intervenccedilatildeo original natildeo abrangeu a crer na notiacutecia de C Ribeiro (1880 p 4-6)
Algo que eacute digno de nota mas sem possibilidade maior desenvolvimento de
momento relaciona-se com o facto do esteio de cabeceira (C) e o segundo esteio
lateral (A) apresentarem as superfiacutecies interiores com icnofoacutesseis provavelmente de
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thalassinoacuteides Apenas o esteio B natildeo apresenta essa caracteriacutestica Esta aparente
organizaccedilatildeo surge de forma mais evidente nas outras duas antas deste cluster como
se verificaraacute noutros capiacutetulos
Segundo o geoacutelogo oitocentista a exploraccedilatildeo da anta realizou-se no espaccedilo
compreendido entre os trecircs esteios detectados com um formato trapezoidal ateacute uma
profundidade 080 m Nessa aacuterea foi possiacutevel observar que a base dos esteios
assentava no filatildeo-camada de ldquoporphyro trachyticordquo que havia reduzido a dureza
dos estratos calcaacuterios (Ribeiro 1880 p 6)
Poreacutem notava-se que o conteuacutedo do sepulcro fora jaacute revolvido sendo os
achados ldquopouco fructuososrdquo Essa impressatildeo confirmou-se com a presenccedila no fundo
da escavaccedilatildeo de uma moeda portuguesa de cinco reis de cobre datada de 1741
(paradeiro desconhecido) mas sobretudo pelas informaccedilotildees de habitantes locais
que referiram a exploraccedilatildeo daquele doacutelmen cerca de doze anos antes (1864)
recolhendo-se ali bastantes objectos Infelizmente C Ribeiro natildeo conseguiu obter
dos seus informadores maior detalhe descritivo da acccedilatildeo Assim concluiacutea que
aqueles visitantes buscavam tesouros tendo atingido todos os cantos da aacuterea
escavada Curiosamente aleacutem desse episoacutedio ocorrer por volta da data da publicaccedilatildeo
de I V Barbosa (1862 e 1863) podendo aquela notiacutecia ter suscitado alguma
cavaccedilatildeo no proacuteprio escrito referia-se que ldquohaacute bastantes annos achou-se casualmente
nrsquoesta quinta fazendo-se escavaccedilotildees uma curiosa antigualha (hellip) Era a sepultura
de Viriato capitatildeo da Lusitania segundo inscripccedilatildeo gravada em uma urna que ali
se encontrourdquo (Barbosa 1862 p 291)
Todavia contrariamente agrave opiniatildeo de C Ribeiro (1880) e de autores
posteriores (Ferreira 1959) os elementos recolhidos apesar de escassos satildeo
significativos e permitem uma compreensatildeo global do sepulcro
Os liacuteticos lascados em siacutelex (Fig 33) apresentam uma grande lacircmina
plenamente retocada (MG1722) diversas lamelas e lascas Destas uacuteltimas algumas
foram retocadas para raspadores (MG1726 e 8) e furadores (MG1724 e 21) Haacute
ainda em quartzo branco uma peccedila do uacuteltimo tipo (MG17210)
O uacutenico utensiacutelio de pedra polida resume-se a um machado com secccedilatildeo
poligonal (MG1721) mas obtido sobre rocha calcaacuteria mateacuteria pouco adequada para
um uso efectivo (Fig 33) Assim enquadrar-se-ia melhor no grupo de artefactos
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votivos em calcaacuterio que nesta anta contava ainda com um fragmento de uma luacutenula
com perfuraccedilotildees e incisotildees (MG17213) e um vaso globular com um sulco abaixo do
bordo hoje de difiacutecil observaccedilatildeo (MG17217)
No grupo de pedra afeiccediloada podem ser incluiacutedas trecircs peccedilas descritas por C
Ribeiro 1880 p 8 e est II 11 12 e 13) mas natildeo localizadas no Museu Geoloacutegico ndash
de facto tambeacutem o casal Leisner natildeo as regista (ALeisner Leis64) Segundo o seu
achador eram ldquoduas espheras de calcareo uma com seis outra com quatro e meio
centiacutemetros de diacircmetro tendo a maior drsquoellas uma pequena cavidade (hellip) aberta
intencionalmente (hellip) mas natildeo penetrou aleacutem de alguns millimetrosrdquo e ldquoum martello
formado de rocha feldspathica de cocircr trigueira avermelhada (hellip) deixando ver na
sua superfiacutecie claros vestiacutegios de trabalho de trituraccedilatildeo em que foi principalmente
empregadordquo (Ribeiro 1880 p 8) Portanto duas esferas talvez pedras para funda
segundo o autor e um percutor
Entre os fragmentos ceracircmicos encontrados todos ldquosem vestiacutegios de ornatosrdquo o
geoacutelogo apenas destacava o vaso globular quase inteiro (MG17218) tambeacutem o
uacutenico actualmente na colecccedilatildeo de Pedra dos Mouros (Fig 33)
O material osteoloacutegico segundo o escavador resumiu-se a ldquoalguns fragmentos
de tibias de costellas peccedilas de craneos etc todos muito deterioradosrdquo (Ribeiro
1880 p 8) destacando alguns fragmentos de mandiacutebula sobretudo de adultos
baseando-se para tal no desgaste dos dentes nomeadamente dos caninos e molares
que apresentavam a ldquocorocirca gasta horisontalmenterdquo (Ribeiro 1880 p 8) Esta fraca
preservaccedilatildeo ter-se-aacute devido agraves mexidas anteriores mas o proacuteprio substrato rochoso
filoniano com uma componente mais aacutecida tambeacutem poderaacute ter agravado a sua
conservaccedilatildeo o que foi possiacutevel verificar durante o seu estudo Aleacutem dos restos
humanos tambeacutem foram recolhidos alguns elementos fauniacutesticos provavelmente de
ldquoruminantesrdquo (Ribeiro 1880 p 8)
Aleacutem dos materiais referidos V Leisner apresentava ainda um seixo ovalado e
achatado provavelmente de rocha basaacuteltica com um lascamento acidental
(MG17219 Leisner 1965 taf 53 2) A marcaccedilatildeo jaacute em 1944 referia-se a ldquoPedra
dos Mouros nordm 25rdquo (ALeisner Leis64) mas esta peccedila natildeo corresponde a nenhuma
das referidas por C Ribeiro (1880) ainda que se possa admitir a sua pertenccedila ao
sepulcro Outro objecto apresentado interpretado como cabo de instrumento com
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uma coloraccedilatildeo inusitada bastante esbranquiccedilada (MG17211 Leisner 1965 taf 53
3) corresponde a uma diaacutefise de feacutemur humano ainda que os restantes elementos
oacutesseos natildeo apresentem aquela qualidade de preservaccedilatildeo
Actualmente consta ainda da colecccedilatildeo deste siacutetio um pendente em pedra verde
(MG17216) natildeo referido por C Ribeiro (1880) ou V Leisner (1965) pelo que eacute
considerado sob reserva
Nos anos 60 Luiacutes Almeida um entusiasta local pelas coisas do patrimoacutenio da
entatildeo freguesia da Amadora recolheu na aacuterea da cacircmara alguns fragmentos de
ceracircmica dentes e um pente em osso (Oliveira 1980) Tendo a oportunidade de
observar apenas a referida peccedila de osso ainda no Gabinete de Arqueologia da
Cacircmara Municipal da Amadora esta natildeo me pareceu atribuiacutevel a eacutepocas preacute-
histoacutericas podendo ter resultado da visita de algum romeiro romeira que visitou o
siacutetio e a perdeu
Perante o exposto e mesmo com um conjunto limitado por espoliaccedilotildees
anteriores julgo que eacute possiacutevel vislumbrar uma utilizaccedilatildeo inicial desta anta nos
uacuteltimos seacuteculos do 4ordm mileacutenio ane provavelmente intensificada na primeira metade
deste uacuteltimo o que parece denotado pela presenccedila de vaacuterios elementos votivos em
calcaacuterio A dataccedilatildeo absoluta Beta-228582 obtida sobre uma mandiacutebula humana de
adulto jovem entre 2910-2630 cal BCE parece confirmar esta impressatildeo (Anexo 3
Quadro 22)
Eacute de realccedilar a aparente ausecircncia de geomeacutetricos e de utensiacutelios em pedra polida
e no espectro cronoloacutegico oposto tambeacutem de ceracircmicas campaniformes
A actividade de romaria atraacutes mencionada talvez se relacione com a segunda
data obtida (Beta-228581) sobre uma falange de Bos (MG17240) recolhida com
outras faunas por C Ribeiro (1880) situada entre cal CE 1480-1960 (com 854 de
probabilidade restringe-se a cal CE 1480-1680)
4112 A ldquoanta de Belasrdquo
No Museu Nacional de Arqueologia existe um conjunto de materiais com a
designaccedilatildeo de ldquoAnta de Belasrdquo que na opiniatildeo de V Leisner (1965 p 77) poderia
corresponder a espoacutelio exumado na anta de Pedra dos Mouros (Fig 33) eacute constituiacutedo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 45 de 415
por duas lacircminas em siacutelex MNA5095) uma delas ainda inteira e bem retocada
(MNA5094) uma grande ponta com retoque bifacial tambeacutem em siacutelex (MNA5096)
trecircs artefactos votivos concretamente dois cilindros de calcaacuterio (MNA5089 e
5100B) e um iacutedolo-placa em xisto (MNA5092) um aparente machado em basalto
(MNA5088) cuja mateacuteria-prima natildeo teria utilidade efectiva duas contas discoacuteides
em pedra verde (MNA5097-5098) um vaso ciliacutendrico decorado em osso
(MNA5093) e um fragmento de outro liso em ceracircmica (MNA9846785) e ainda
outros troccedilos amorfos da mesma mateacuteria Poreacutem a taccedila apresentada como ldquoAnta de
Belasrdquo (MNA5106 Leisner 1965 p 11) pertence segundo a ficha de inventaacuterio e
as dimensotildees ali referidas a espoacutelio recolhido em Santareacutem (Vale de Figueira
Alpompeacute) Tambeacutem a taccedila MNA9846781 e o fragmento de iacutedolo ciliacutendrico
MNA5100C pertencem agrave anta da Arruda (Capiacutetulo 417)
Finalmente A Simotildees (1878) refere e apresenta alguns artefactos da ldquoAnta de
Bellasrdquo correspondendo a algumas das peccedilas listadas acima nomeadamente uma
das contas de colar a de ldquocalcareordquo (MNA5097 Simotildees 1878 p 55-56 fig 36) o
iacutedolo-placa (MNA5092 Simotildees 1878 p 52) e o vaso ciliacutendrico decorado em osso
(MNA5093 Simotildees 1878 p 51 e fig 30) No entanto menciona outras peccedilas de
que se desconhece o seu paradeiro hoje nomeadamente duas contas de colar em
xisto (Simotildees 1878 p 55-56 e fig 37) e pelo menos uma ponta de seta com base
cocircncava (Simotildees 1878 p 41 e fig 13)
A hipoacutetese dos artefactos da ldquoAnta de Belasrdquo provirem da anta de Pedra dos
Mouros eacute plausiacutevel se forem ponderadas algumas informaccedilotildees
V Leisner (1965 p 77) refere papeacuteis de J L Vasconcelos atribuindo aqueles
materiais a ldquoexploraccedilatildeo e roacutetulos de Pereira da Costardquo De facto nas fichas de
inventaacuterio do MNA poacutes-J L Vasconcelos (nordms 5008 a 5100C e alguns coacutedigos de
1984) bem como naquelas produzidas anteriormente por este arqueoacutelogo (receacutem-
descobertas nos fundos do Museu com os nuacutemeros de inventaacuterio natildeo sequenciais
entre 3865 e 3904) constam materiais atribuiacutedos agrave ldquoAnta de Belasrdquo (note-se no
singular) com roacutetulos de Pereira da Costa provenientes da Escola Politeacutecnica
(Lisboa) e que A Simotildees (1878) tambeacutem atribui ao Museu daquela instituiccedilatildeo Ora
sabe-se que parte dos materiais recolhidos pela primeira Comissatildeo Geoloacutegica
inclusive colecccedilotildees preacute-histoacutericas entre as quais poderiam encontrar-se algumas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 46 de 415
peccedilas desta anta foi sequestrada em 1868 por aquele paleontoacutelogo no Museu da
Escola Politeacutecnica na sequecircncia de disputa acesa com C Ribeiro e Nery Delgado
(Leitatildeo 2004 Carneiro 2005) Por outro lado depois daquela data teraacute ainda
adquirido outras peccedilas conforme atribuiccedilatildeo legal (Leitatildeo 2004)
Algo que importa recordar eacute que as marcaccedilotildees antigas nas peccedilas e as proacuteprias
fichas natildeo correspondem a uma numeraccedilatildeo sequencial talvez correspondendo a
aquisiccedilatildeo de peccedilas em momentos diferentes o que poderia tambeacutem explicar porque
A Simotildees (1878) natildeo menciona outras peccedilas de Belas especificamente os artefactos
em calcaacuterio
Aleacutem dos objectos jaacute mencionados J L Vasconcelos (1895 p 21) daacute conta de
outros dois na ldquoCollecccedilatildeo Ethnographica do Sr M Azuagardquo ldquo(hellip) provenientes dos
megalithos de Bellasrdquo (neste caso no plural) um fragmento de lacircmina e um pedaccedilo
de beacutetilo afuselado com incisotildees representados na publicaccedilatildeo em moldura da eacutepoca
Considerando que a anta de Pedra dos Mouros tambeacutem conhecida por Senhor
da Serra se situava dentro da quinta do Marquecircs de Belas junto agrave aldeia homoacutenima
eacute plausiacutevel que aquela tambeacutem fosse reconhecida como ldquoAnta de Belasrdquo sobretudo
por visitantes exteriores agrave povoaccedilatildeo O tiacutetulo atribuiacutedo a esta anta ldquoPenedos na
quinta de Bellasrdquo (Barbosa 1863 p 192) tambeacutem poderaacute reforccedilar essa impressatildeo
Por outro lado as exploraccedilotildees anteriores naquela anta referidas por C Ribeiro
teratildeo sido acccedilotildees de curiosos e caccediladores de tesouros cujas peccedilas acabavam
vendidas a interessados o que poderia ter acontecido com aquelas da colecccedilatildeo de F
Pereira da Costa investigador interessado nos objectos mas avesso ao trabalho de
campo (Leitatildeo 2004) Aliaacutes pelo menos ateacute agrave preparaccedilatildeo da sua obra acerca das
antas de Portugal (Costa 1868) este parecia desconhecer em concreto os sepulcros
da Estremadura listando apenas o siacutetio de Adrenunes como possiacutevel anta na serra de
Sintra a partir da informaccedilatildeo de I V Barbosa lamentando natildeo ter encontrado a
bibliografia referida por este bem como a sua posiccedilatildeo natildeo lhe permitira ainda visitar
aquele e outros monumentos de que tinha notiacutecia mas que daria conta quando o
fizesse (Costa 1868 p 94-95) Isto depois da intervenccedilatildeo infrutiacutefera de J P Silva
naquele siacutetio (cit in Martins 2003 p 237) Claro estaacute muito uacutetil seria se fosse
encontrada documentaccedilatildeo esclarecendo cabalmente a intervenccedilatildeo do paleontoacutelogo na
recepccedilatildeo dos materiais da ldquoAnta de Belasrdquo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 47 de 415
Finalmente poderia colocar-se a hipoacutetese de as peccedilas resultarem das vaacuterias
antas de Belas nomeadamente Estria e Monte Abraatildeo esta uacuteltima tambeacutem situada
dentro da referida quinta do Marquecircs de Belas No entanto o reduzido grau de
revolvimento do espoacutelio recolhido na uacuteltima causa a impressatildeo de que tal natildeo teraacute
ali ocorrido com intensidade Por outro lado a anta da Estria apesar de segundo C
Ribeiro 1880 p 64) apresentar-se espoliada situava-se fora da quinta na
ldquopropriedade do Sr Abreu da Casa da Estriardquo (segundo etiqueta colada em osso
humano ndash MG71940) sendo reconhecida por tal topoacutenimo
E no entanto independentemente da comprovaccedilatildeo de uma origem especiacutefica
abordada atraacutes a atribuiccedilatildeo crono-cultural de tais objectos (beacutetilos em calcaacuterio
iacutedolo-placa vaso ciliacutendrico em osso etc) seria perfeitamente plausiacutevel com os jaacute
mencionados acima encontrados na anta de Pedra dos Mouros mas tambeacutem com
aqueles das restantes antas de Belas como se veraacute seguidamente
4113 Monte Abraatildeo
A anta de Monte Abraatildeo (CNS-655) da Pedra do Monte Abraatildeo (Ribeiro
1880) ou do Alto de Monte Abraatildeo (Simotildees 1878 etiqueta da peccedila MG178242)
teraacute sido provavelmente detectada por C Ribeiro (1880) tal como a antecedente em
meados do seacuteculo XIX mas a sua escavaccedilatildeo soacute teraacute ocorrido anos depois pelo
menos em diversos momentos a crer nas etiquetas coladas em alguns materiais em
Fevereiro de 1875 (121875 ndash MG178242 821875 - MG1782 e 56) Maio e
Junho de 1877 (2051877 ndash MG178240 e 243 3161877 ndash 178215) e Setembro de
1878 (791878 - MG178186 e 187) este uacuteltimo ano talvez dedicado agrave crivagem de
terras da escavaccedilatildeo pois os dentes soltos satildeo as peccedilas que apresentam esta data com
a menccedilatildeo a ldquoterra joeiradardquo (MG178186 187 194 etc)
A designaccedilatildeo da anta parece denunciar uma tentativa de explicaccedilatildeo daquela
estrutura ou do conjunto de trecircs estruturas pelas populaccedilotildees locais sobretudo por se
localizar no cimo da plataforma e simultaneamente no sopeacute da chamineacute basaacuteltica
hoje denominada com o mesmo topoacutenimo (Fig 34)
Situado na cota 213 m o doacutelmen de Monte Abraatildeo apresenta a implantaccedilatildeo
mais elevada no conjunto dos trecircs sepulcros Dali avista e eacute avistado pela anta de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 48 de 415
Pedra dos Mouros a cerca de 800 m para norte mas com a anta de Estria apesar
desta distar apenas 300m para nor-noroeste natildeo tem dela qualquer contacto visual
Segundo C Ribeiro (1880 p 9) Monte Abraatildeo era o mais bem conservado de
todos ldquoos megalithos (hellip) nas visinhanccedilas de Bellasrdquo com uma orientaccedilatildeo oeste-
este apresentando um estilo diferente de Pedra dos Mouros que apontava de acordo
com o geoacutelogo para norte (Fig 34) O sepulcro foi implantado na bancada de
calcaacuterios duros do Cenomaniano superior (Ribeiro 1880 p 5-6 Ramalho et al
1993 SGP 1991) encontrando-se parcialmente coberta por uma capa de argila
ldquovermelho-sanguiacuteneardquo nalguns pontos atingindo a espessura de 060 m resultante da
degradaccedilatildeo do manto basaacuteltico situado a poucos metros para sul Para a sua
implantaccedilatildeo o recinto foi escavado bem como os alveacuteolos dos ortoacutestatos admitindo
o autor o uso do fogo para a quebra e desagregaccedilatildeo de algumas partes do substrato
No entanto as lajes utilizadas na construccedilatildeo do edifiacutecio foram sacadas a algumas
centenas de metros para norte na bancada subjacente que permitiu a obtenccedilatildeo de
blocos regulares ainda que bastante rugosos
O sepulcro apresentava uma cacircmara constituiacuteda pelo menos por 6 ortoacutestatos
(A-F) cujo maior deles era o esteio de cabeceira sobre o qual assentava ainda
parcialmente a laje de cobertura (Fig 34 e 36) O esteio principal surgia ainda
reforccedilado pela face interna por uma laje em cutelo e um anel peacutetreo pelo exterior
que se estenderia aos restantes ortoacutestatos C Ribeiro apontava ainda trecircs esteios (H I
e J) alinhados no lado sul do corredor aparentemente ainda in situ (Ribeiro 1880 p
9-11 Leisner 1965 taf 54) descrevendo no lado norte aleacutem de uma pequena laje
em cutelo K (G em Ribeiro 1880) um alinhamento de pedras orientado a este por
vezes na vertical por uma extensatildeo de 3 a 4 metros provavelmente calccedilos dos
esteios entretanto desaparecidos A restante extensatildeo do corredor foi presumida pelos
achados e por uma concentraccedilatildeo de seixos fluviais em quartzito basalto e calcaacuterio
sob a qual ainda se encontraram restos oacutesseos No entanto estes seixos tambeacutem
parecem ter surgido por toda a aacuterea da anta sobretudo na camada superficial talvez
um vestiacutegio do manto tumular Aliaacutes tal realidade jaacute natildeo deveria evidenciar-se pois
natildeo foi digna de nota por C Ribeiro
A planta realizada pelo casal Leisner durante a sua visita em 13 de Abril de
1933 refinada em 1944 e publicada posteriormente (Fig 36 ALeisner Leis64
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 49 de 415
Leisner 1965 taf 54) registava apenas os elementos da cacircmara e possivelmente o
bloco H do corredor ainda que na planta de 1933 surgissem desenhadas trecircs pedras
alinhadas no lado norte do corredor pressupondo-se que os restantes teriam
desaparecido ou encontravam-se cobertos No conjunto de fotos obtidas pelos
arqueoacutelogos (provavelmente de 1933) mostra-se a aacuterea em redor da anta com seara
plantada ateacute junto dos esteios da cacircmara passando a oeste proacuteximo do esteio de
cabeceira um caminho orientado norte-sul (Fig 35 ALeisner CF16996-16998)
Contudo ao observar todas as imagens disponiacuteveis mas sobretudo duas (ALeisner
CF4512 e CF16996) verifica-se que o esteio I ainda subsistia natildeo se
compreendendo porque tal natildeo foi registado No caso do esteio D este encontrava-
se tal como ainda hoje quase na horizontal talvez pressionado para fora pelo
resvalar do chapeacuteu em dado momento apoacutes a escavaccedilatildeo de C Ribeiro
Actualmente verifica-se a sobrevivecircncia dos mesmos elementos peacutetreos mais
deteriorados e partidos jaacute natildeo se avistando o bloco H (o esteio B estaacute quebrado e
caiacutedo para dentro da cacircmara e o chapeacuteu (G) apresenta uma fractura longitudinal que
em breve claudicaraacute) No entanto ainda eacute possiacutevel observar a depressatildeo do corredor
e a cacircmara parcialmente preenchidas com gravilha ali colocada durante os trabalhos
de salvaguarda realizados em 1986 (Marques e Ferreira 1987 Marques Lourenccedilo e
Ferreira 1991) Aliaacutes o pilar ali entatildeo construiacutedo sob a laje de cobertura tem
atrasado a sua previsiacutevel quebra total
Cruzando a informaccedilatildeo disponibilizada por C Ribeiro com a do casal Leisner
eacute possiacutevel ter uma ideia das dimensotildees gerais do edifiacutecio a cacircmara teria cerca de
280 por 4 metros (36 m para C Ribeiro) o corredor prolongar-se-ia por 8 metros
com uma largura meacutedia de 2 m segundo Ribeiro (1880) ainda que os elementos
peacutetreos tivessem sido detectados apenas nos primeiros 4 metros o chapeacuteu
apresentava cerca de 44 m por 32 m O esteio de cabeceira teria cerca de 3 metros
de altura a partir do solo antes da escavaccedilatildeo (4 metros no total) por 210 m de
largura surgindo os restantes por se encontrarem partidos com alturas mais
reduzidas mas com larguras aproximadas B e F ndash 1 m C ndash 130 m E ndash 14 m D ndash
15 m A excepccedilatildeo eacute o esteio D que aparenta estar inteiro mas tombado com um
comprimento rondando os 350 m muito aproximado do esteio de cabeceira (Fig
34)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 50 de 415
Como jaacute ocorrera com a leitura de Pedra dos Mouros C Ribeiro natildeo teraacute
compreendido totalmente a estrutura de Monte Abraatildeo Assim interpretava a laje G
natildeo como a tampa da anta mas como apenas um dos esteios propositadamente
inclinado e sustido pelo esteio D considerando que aquele sepulcro natildeo fora
desenhado para receber uma laje de cobertura distinguindo-se por isso dos outros
sepulcros da regiatildeo (Ribeiro 1880 p 12) Dado o percurso cientiacutefico de excelecircncia
deste geoacutelogo tais considerandos dever-se-iam sobretudo agrave precocidade das suas
investigaccedilotildees naquele tipo de realidade sepulcral
Face ao exposto eacute possiacutevel verificar que esta anta apresentava uma cacircmara
poligonal de que restavamrestam apenas 6 esteios mas teria provavelmente um
seacutetimo do lado norte (Fig 34) Para nascente da cacircmara prolongava-se um corredor
ortostaacutetico pelo menos com 4 metros de comprimento seguido por uma parte
vestibular que se iniciava num aacutetrio com a concentraccedilatildeo de seixos Contudo a
largura de 2 metros daquela passagem deve ser encarada com reserva pois foi
calculada pela mancha de achados e natildeo entre esteios eou eventuais alveacuteolos destes
ndash parece mais provaacutevel a distacircncia entre o esteio H-I e a pequena laje K balizando
um corredor com cerca de 120 m de largura (o que soacute uma re-escavaccedilatildeo poderia
talvez esclarecer) A evidecircncia de um provaacutevel tumulus natildeo foi comprovada pois
natildeo se realizou qualquer sondagem com esse fim sendo apenas possiacutevel assegurar a
existecircncia de um anel peacutetreo no exterior e encostado aos esteios
No acircmbito da cacircmara apesar de incompleta foi possiacutevel verificar que o esteio
de cabeceira (A) com superfiacutecies rugosas e alveolares foi ladeado por duas lajes (B e
F) em que as suas faces com icnofoacutesseis provavelmente de thalassinoides foram
viradas para dentro Por sua vez nos esteios seguintes (C e E) as faces com estes
foacutesseis ficaram viradas para fora (Fig 35) Do provaacutevel par de esteios seguintes
apenas eacute possiacutevel verificar que as faces do esteio D do lado sul natildeo apresentam este
tipo de foacutessil ainda que a observaccedilatildeo da superfiacutecie exterior seja condicionada
porque a laje se encontra caiacuteda sobre o solo ndash de qualquer forma esta laje assemelha-
se aos esteios de cabeceira e de cobertura Finalmente desconhece-se o paradeiro do
provaacutevel esteio do lado norte Apesar desta lacuna julgo que o efeito destes foacutesseis
entrelaccedilados poderaacute ter provocado alguma reacccedilatildeo esteacutetica ou mesmo maacutegico-
religiosa tendo os construtores da anta optado por uma disposiccedilatildeo simeacutetrica das
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 51 de 415
faces dos ortoacutestatos Soluccedilatildeo semelhante parece ter ocorrido tambeacutem na anta da
Estria que analisarei adiante
Apesar de reconhecer que o sepulcro pudesse ter sido devassado e remexido
anteriormente C Ribeiro tambeacutem anotava que ldquoos exploradores deixaram ali os
objectos de arte que encontraram por natildeo lhes comprehenderem o valor ou por natildeo
terem encontrado entre elles coisa alguma que lhes dispertasse a cubiccedilardquo (Ribeiro
1880 p 13) de alguma forma contradizendo os motivos para o reduzido espoacutelio da
anta de Pedra dos Mouros
A escavaccedilatildeo foi iniciada pela aacuterea da cacircmara avanccedilando depois pela galeria
ldquoE agrave medida que a terra ia sendo arregaccedilada tomava-se nota da posiccedilatildeo em que
iam sendo encontrados os objectos mais importantes e depois era catada com
cuidado Em seguida estas mesmas terras depois de bem seccas foram joeiradas
conseguindo-se assim um grande augmento na colheita dos objectos havidos nrsquoeste
dolmenrdquo (Ribeiro 1880 p 13) Contudo tal tarefa de crivagem de terras soacute teraacute sido
realizada ou pelo menos concluiacuteda quase trecircs anos apoacutes o iniacutecio da intervenccedilatildeo
como se mencionou supra
Infelizmente do cuidado no registo da proveniecircncia dos achados apenas eacute
possiacutevel obter algumas informaccedilotildees na publicaccedilatildeo pois desconhece-se o paradeiro
do caderno de campo o qual poderia conter mais detalhes Mas da listagem do
espoacutelio recolhido que foi reavaliado no Museu Geoloacutegico eacute possiacutevel notar a sua
abundacircncia
Uma primeira verificaccedilatildeo de C Ribeiro (1880 p 12) foi a localizaccedilatildeo da
maioria das ossadas do lado sul o que parece somente coincidir com o lado do
sepulcro melhor preservado A excepccedilatildeo ocorreu apenas junto ao esteio K elemento
que reforccedila a hipoacutetese de um maior estreitamento do corredor (Fig 34 e 36)
Os achados localizaacuteveis de forma aproximada estatildeo concentrados nas mesmas
aacutereas que as ossadas humanas Analisando a sua dispersatildeo e tipo natildeo se nota
nenhuma disposiccedilatildeo inusitada o que tambeacutem soacute seria pertinente com a localizaccedilatildeo
integral dos objectos Eacute no entanto possiacutevel verificar que o iacutedolo-placa (MG17820)
foi recolhido proacuteximo do esteio D na entrada da cacircmara Uma concentraccedilatildeo de
vaacuterios artefactos junto agrave pedra K foi realccedilada por C Ribeiro apontando ali para
aleacutem de ossadas humanas dois iacutedolos afuselados (um deles o MG17810) um punhal
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 52 de 415
(MG1786) lacircminas (MG17863 e 64) o iacutedolo almeriense (MG17824) e vaacuterias
pontas de seta
O espoacutelio recolhido por C Ribeiro destaca-se dos conjuntos recolhidos noutras
antas da regiatildeo de Lisboa pela abundacircncia de alguns elementos sobretudo liacuteticos
(fig 36-43)
Entre os produtos alongados haacute cerca de 14 peccedilas que poderatildeo ser incluiacutedas no
grupo das lamelas oito das quais com retoques Com excepccedilatildeo de trecircs lamelas em
quartzo hialino (MG178156 160 e 161) natildeo retocadas as restantes satildeo de siacutelex
Ainda que sem uma relaccedilatildeo directa evidenciada por remontagem registam-se trecircs
pequenos nuacutecleos de lamelas (MG17884 86 e 87) no mesmo tipo de quartzo
Outras 35 peccedilas enquadram-se no grupo de lacircminas retocadas algumas delas de
tamanho consideraacutevel e extensivamente trabalhadas Algo que importa ressalvar eacute a
quase inexistecircncia de lacircminas de pequena dimensatildeo neste conjunto
A classe dos geomeacutetricos limita-se a um provaacutevel pequeno trapeacutezio em siacutelex
curiosamente desenhado pelo casal Leisner mas posteriormente natildeo incluiacutedo e
apenas referido (Fig 4013 MG1784856 ALeisner Leis64 Leisner 1965 p 75)
Apesar de subrepresentado nas ilustraccedilotildees de V Leisner (1965) ainda que as
refira regista-se um conjunto de lascas retocadas algumas agrupadas no acircmbito dos
raspadores Estes satildeo de siacutelex excepto um obtido de um prisma de quartzo
(MG17846189) Para aleacutem de um dos nuacutecleos de lamelas trabalhado
posteriormente para obtenccedilatildeo de uma extremidade apontada (MG17886) a presenccedila
de furadores e peccedilas afins natildeo foi detectada
As pontas de seta todas em siacutelex satildeo o artefacto mais representado
totalizando cerca de 77 peccedilas nuacutemero semelhante ao apresentado por S Forenbaher
(1999) e aproximado agraves ldquonatildeo menos de 80 pontas de setta de diferentes typosrdquo
enunciadas por C Ribeiro (1880 p 32) Genericamente 66 peccedilas apresentam bases
convexas e apenas 11 a base recta ou cocircncava resultados aproximados aos referidos
por V Leisner (1965) e S Forenbaher (1999) Aleacutem dos artefactos claramente
classificados como pontas de projeacutectil existem ainda algumas peccedilas que se poderatildeo
enquadrar como esboccedilos (nomeadamente MG178155 88 MA57 MA165 MA168
e MA174)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 53 de 415
O retoque bifacial aplicado na produccedilatildeo das pontas de seta foi tambeacutem a
teacutecnica utilizada nas grandes pontas bifaciais designadamente os provaacuteveis punhal
(MG1786) e a alabarda (MG1785) ambos em siacutelex recolhidos na anta A uacuteltima
peccedila apresentava ainda um polimento posterior aos levantamentos
O tipo ldquolacircmina ovoacuteiderdquo tambeacutem obtido pelo retoque bifacial natildeo foi registado
nesta anta apesar de algumas lacircminas apresentarem pontualmente um trabalho
similar
No Museu Geoloacutegico aleacutem dos objectos exumados por C Ribeiro encontra-se
ainda um conjunto de lascas retocadas (MG178184) cuja etiqueta indica ldquojunto ao
dolmen do Monte Abraatildeo (Belas) Col M Alves Costardquo A abreviatura Col poderaacute
relacionar-se com ldquocolecccedilatildeordquo ou com maior probabilidade referindo-se ao colector
que recolheu os materiais Infelizmente natildeo foi possiacutevel obter mais informaccedilotildees
acerca deste conjunto nem do nome associado excepto que existe outro grupo de
peccedilas proveniente da anta da Estria com a mesma denominaccedilatildeo Apesar de natildeo ter
localizado o nome em questatildeo no inventaacuterio que foi possiacutevel localizar dos
funcionaacuterios das pioneiras comissotildees geoloacutegicas surge referido o nome dos
colectores Joatildeo Alves e Joaquim Alves (Carneiro 2005 p 149 163 e 183)
Sabendo-se que por vezes estes funcionaacuterios eram admitidos graccedilas agrave ldquocunhardquo e aos
laccedilos familiares de pessoas jaacute ao serviccedilo (Carneiro 2005 p 183) eacute possiacutevel que M
Alves Costa fosse um desses colectores que recolheu materiais nas antas
mencionadas
O grupo de instrumentos de pedra polida eacute deveras limitado quando
comparado com conjuntos de outras antas mas sobretudo face agrave abundacircncia de pedra
lascada situaccedilatildeo anotada por C Ribeiro (1880 p 19) Outro aspecto que tambeacutem
parece acentuar essa limitaccedilatildeo eacute o nuacutemero de instrumentos que possivelmente teratildeo
sido funcionais Assim regista-se apenas um machado de secccedilatildeo circular em
anfibolito (MG1781 Leisner 1965 taf 54 4) um machado ou enxoacute em xisto
argiloso (MG1783 Leisner 1965 taf 54 6) um pequeno machado de duplo gume
() em fibrolite (MG1784 Leisner 1965 taf 54 18) e uma peccedila com algumas das
caracteriacutesticas de machado mas com o gume boleado (MG1782 Leisner 1965 taf
54 5) talvez por ter servido como alisador de curtumes
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 54 de 415
V Leisner classifica ainda dois blocos basaacutelticos proveninetes do aacutetrio como
possiacuteveis ldquoinstrumentos polidosrdquo (MG17894 e 93 Leisner 1965 taf 54 11 e 3)
sobretudo o segundo pela vaga silhueta e um certo polimento no que seria o gume A
primeira peccedila contrariamente agrave ilustraccedilatildeo natildeo apresenta sinais de afeiccediloamento ou
polimento (Fig 42 1 e 7)
Menos controversa eacute a identificaccedilatildeo da peccedila em calcaacuterio conquiacutefero
representando uma aparente lacircmina de machado ou enxoacute (MG1787 Leisner 1965
taf 55 21) De facto jaacute C Ribeiro reconhecia essa tipologia no artefacto mas
tambeacutem que a mateacuteria-prima era inadequada para uma funccedilatildeo real pelo que admitia
que aquele ldquotivesse sido preparado para servir de insiacutegnia ou de distinctivordquo
(Ribeiro 1880 p 41)
Haacute ainda uma outra peccedila polida em calcaacuterio (MG1788 Leisner 1965 taf 54
1) desenhada por C Ribeiro (1880 fig 44) mas que provavelmente por lapso natildeo
a descreveu ainda que surja no acircmbito das ldquoclavas ou massas de guerrardquo (Ribeiro
1880 p 38-41) Pela sua morfologia com uma secccedilatildeo poligonal bem marcada e a
sugestatildeo de um gume esta peccedila parece tambeacutem evocar uma grande lacircmina de
machado ou enxoacute
Dentro do grupo de artefactos polidos mas de claro cariz ideoteacutecnico surgem
pelo menos 8 peccedilas de calcaacuterio e uma em calcite (MG17817) normalmente descritas
como iacutedolos Os seus formatos permitem classificaacute-las em dois grupos geneacutericos os
iacutedolos ciliacutendricos (MG178151718 e 19) sem qualquer tipo de gravaccedilatildeo e os
afuselados com secccedilatildeo plano-convexa (MG178101116 50 e 72) alguns destes
uacuteltimos apresentando sulcos circundantes nas aacutereas extremas (MG17811 16 e 72)
Apesar da mateacuteria-prima geneacuterica ser o calcaacuterio entre os artefactos afuselados um
deles eacute tatildeo silicioso que poderia ser classificado como siacutelex (MG17850) enquanto o
outro parece corresponder a um calcaacuterio cristalino (MG17810)
Poderia tambeacutem remeter-se pela tipologia aproximada ao grupo dos iacutedolos a
peccedila MG1789 em basalto entatildeo incluiacuteda por C Ribeiro (1880) juntamente com as
peccedilas anteriores no grupo das ldquoclavas e massasrdquo e cuja classificaccedilatildeo foi mantida por
V Leisner (1965 p 74 e taf 54 2) Contudo o seu formato em ldquogotardquo ainda com
evidecircncia da picotagem em quase toda a superfiacutecie apresenta uma das superfiacutecies
com polimento parecendo ter resultado da acccedilatildeo de moagem Outras duas peccedilas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 55 de 415
apresentadas por V Leisner (1965 taf 54 14 e 16 MG17839 e 48) ainda que
fragmentadas e de menores dimensotildees tambeacutem mostram sinais de abrasatildeo e
aparentam ter tido um formato oblongo Perante estas caracteriacutesticas julgo que estas
trecircs peccedilas poderiam enquadrar-se num conjunto de pequenos alisadores ou paletas
portaacuteteis lembrando outra peccedila recolhida na anta de Casal do Penedo (Leisner 1965
taf 14 2) Ali tambeacutem se encontrou de facto uma peccedila mais claramente
classificaacutevel como paleta (Leisner 1965 taf 14 4) Aliaacutes em Monte Abraatildeo foi
ainda recolhida uma outra placa em arenito (MG17876) que poderaacute ter cumprido
essa mesma funccedilatildeo Outros dois elementos de moacute ambos em granito um dormente
(MG178183) e outro movente (MG17879) encontram-se no espoacutelio desta anta
Finalmente no conjunto de artefactos em calcaacuterio recolheu-se ainda uma
pequena taccedila com fundo espesso (MG17826 Leisner 1965 taf 58 14) talvez para
utilizaccedilatildeo como almofariz
No acircmbito dos artefactos classificaacuteveis como iacutedolos regista-se ainda uma placa
completa do tipo claacutessico (MG17820 Leisner 1965 taf 56 101) em xisto bem
como o fragmento de outra reutilizado como eventual pingente (MG17821 Leisner
1965 taf 56 100) parecendo imitar um utensiacutelio de corte Em osso encontrou-se
um pequeno ldquoiacutedolo-almerienserdquo (Fig 392 MG178241 Leisner 1965 taf 56 92)
As peccedilas referidas neste paraacutegrafo denunciam claramente contactos quiccedilaacute atraveacutes da
circulaccedilatildeo de indiviacuteduos locais com outras aacutereas regionais Outro objecto liacutetico com
um formato pentagonal (MG17874 Ribeiro 1880 p 51 Leisner 1965 taf 54 17)
teraacute suscitado uma possiacutevel relaccedilatildeo como amuleto com representaccedilatildeo
antropomoacuterfica
O mediacuteocre grau de conservaccedilatildeo do espoacutelio oacutesseo nomeadamente humano
poderaacute explicar o reduzido nuacutemero de artefactos em osso Assim para aleacutem do iacutedolo
jaacute referido apenas se registam alguns utensiacutelios e peccedilas de adorno Entre os
utensiacutelios haacute dois fragmentos de osso apontados (MG178240 Leisner 1965 taf 56
98) o maior deles de um possiacutevel furador (MG178MA207 Leisner 1965 taf 56
88) um cabo de artefacto (MG17840 Leisner 1965 taf 56 89) e uma caixa
ciliacutendrica com incisotildees (MG17846 Leisner 1965 taf 56 91) Como peccedilas de
adorno pessoal aponta-se um possiacutevel bracelete (MG17842 e 44 Leisner 1965 taf
56 90) um fragmento de cabeccedila de alfinete de cabelo possivelmente associado com
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 56 de 415
uma parte posticcedila gravada com linhas horizontais (MG178237-238 Leisner 1965
taf 56 93) outra cabeccedila maciccedila em marfim () em forma de botatildeo com faixa
decorada em losangos (MG17847 Leisner 1965 taf 56 94) e duas grandes contas
uma ovoacuteide e outra cilindroacuteide (MG17841 e 43 Leisner 1965 taf 56 96 e 97)
Aleacutem destas peccedilas regista-se ainda um botatildeo coacutenico com perfuraccedilatildeo em ldquoVrdquo
(MG17845 Leisner 1965 taf 56 95) aleacutem de outros possiacuteveis fragmentos
referidos por C Ribeiro (1880 p 46)
No acircmbito dos elementos de adorno pessoal registam-se pelo menos 175 contas
de colar de vaacuterias tipologias e mateacuterias-primas Aqui incluem-se 4 pequenos
pendentes que poderiam ter feito parte de um qualquer colar Tambeacutem conviraacute
realccedilar que os trecircs ldquocolaresrdquo hoje depositados no Museu Geoloacutegico satildeo resultado de
criteacuterios subjectivos ou pelo menos desconhecidos actualmente Assim ainda que se
possa admitir o agrupamento de algumas das peccedilas a forma como esta se fazia ou
dispunha eacute meramente especulativa
De qualquer forma entre as vaacuterias tipologias presentes as 129 contas
discoidais em xisto (excepto duas em calcaacuterio) assumem-se como as mais
frequentes Em conjuntos numericamente mais reduzidos surgem as contas
globulares ou esferoidais (23) tubulares (6) bitroncocoacutenicas (4) ovoacuteide ou em
forma de azeitona (5+) e troncocoacutenica (1) que com algumas excepccedilotildees
nomeadamente as grandes contas de osso e azeviche satildeo essencialmente efectuadas
sobre pedras verdes Como curiosidade uma conta ciliacutendrica em xisto apresenta
vaacuterios cortes paralelos - marcas-guia para uma eventual produccedilatildeo de contas
discoidais
Os recipientes ceracircmicos completos ou quase satildeo tambeacutem um conjunto
reduzido e heterogeacuteneo (Fig 38) Assim no conjunto apresentado por V Leisner
(1965 taf 56 106-110 e 113) contam-se apenas 5 taccedilas lisas duas delas de pequenas
dimensotildees (MG17830 32 Leisner 1965 taf 56 107 e 108) e uma com caneluras
(MG17834 Leisner 1965 taf 56 110) Haacute ainda dois vasos carenados (Leisner
1965 taf 56 112 e 114 MG17833) um deles com uma carena bem marcada
(MG17856) ainda que estes possam corresponder a formas de periacuteodo mais recente
Entre as cerca de 4 dezenas de fragmentos ceracircmicos para aleacutem do fragmento
de possiacutevel taccedila com decoraccedilatildeo campaniforme geomeacutetrica impressa (Simotildees 1878
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 57 de 415
p 56-57 e fig 38 Leisner 1965 taf 56 111) apenas se registou outro com duas
linhas incisas paralelas (MG178255) Aleacutem destes haacute a assinalar um conjunto de
fragmentos de bordos todos sem decoraccedilatildeo correspondendo a 6 possiacuteveis taccedilas 3 a
vasos e um a prato bem como um troccedilo de uma carena e outro com perfuraccedilotildees
Haacute ainda no Museu um conjunto de elementos peacutetreos recolhidos numa
possiacutevel aacuterea de aacutetrio ainda misturados com ossos humanos (Ribeiro 1880 p 61)
muitos com a referecircncia ldquona galeriardquo Resultado de agentes naturais nomeadamente
ribeirinhos estes objectos correspondiam a seixos de quartzito calcaacuterio e basalto
inexistentes in loco que soacute poderiam ali ter chegado segundo C Ribeiro (1880 p
61) por matildeo humana dos cursos fluvialis do fundo do vale A maioria deles
apresenta formatos betiloacuteides (Fig 42 1 5-7) pelo que eacute possiacutevel admitir algum tipo
de arranjo particular junto agrave entrada do acesso Inclusive V Leisner (1965 taf 54 3
e 11) considerou pelo menos dois deles como provaacuteveis instrumentos polidos o que
como se expocircs atraacutes teria apenas um fim simboacutelico dada a sua ineficiecircncia como
ferramenta se foi essa intenccedilatildeo
Entre as peccedilas provavelmente recolhidas no possiacutevel aacutetrio registam-se
tambeacutem seis fragmentos de possiacuteveis foacutesseis de rudistas um deles ainda com etiqueta
anotando ldquoentrada para a galeriardquo (MG178MA221) Trecircs objectos foram
representados por V Leisner (1965 taf 54 12 (natildeo localizado) 13 e 15 MG17837
e 38) mas C Ribeiro jaacute apresentara outro (MG178MA13) confundindo-o como
parte de um dos iacutedolos afuselados (1880 p 38 e fig 41) que o casal Leisner natildeo teraacute
localizado (ALeisner Leis64) talvez porque buscasse um fragmento de iacutedolo
O tipo de aglomeraccedilatildeo de objectos betiloacuteides referido poderia ser interpretado
como um simples arranjo de pavimento do aacutetrio do corredor Contudo a
possibilidade de corresponder a um altar de alguma forma semelhante a outros casos
reconhecidos na regiatildeo de Lisboa (em Correio-Moacuter) no Sudeste espanhol
(nomeadamente em alguns sepulcros de Los Millares Almeria) e na Galiza (Cardoso
et al 1995) natildeo deveraacute ser descartada por ora Isto porque se nos dois primeiros
casos os elementos envolvidos correspondem de facto a peccedilas claramente
trabalhadas na Galiza apesar da evidente concentraccedilatildeo alguns desses objectos natildeo
se apresentam tatildeo claramente produzidos situaccedilatildeo que tambeacutem parece ocorrer em
Monte Abraatildeo Aliaacutes a interpretaccedilatildeo adiantada por C Ribeiro (1880 p 61)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 58 de 415
aproximava-se deste sentido ldquoParece-nos pois podermos inferir drsquoeste facto que o
emprego dos referidos seixos estranhos aacute localidade natildeo era para cobrir os restos
mortaes dos indiviacuteduos ali inhumados (hellip) mas significaria acaso o cumprimento de
um preceito religioso ou seria a expressatildeo de uma homenagem de sentimento de
respeito e de saudade prestada pelos parentes e amigos dos finados ali depositados
lanccedilando cada qual na jazida uma pedra trazida de longe de forma arredondada
que symbolisasse uma ideia um pensamento o da eternidade por exemplo se eacute que
na eacutepoca dos dolmens jaacute havia uma tal ou qual noccedilatildeo a este respeitordquo
Finalmente apesar da dificuldade de preservaccedilatildeo de muitas das ossadas
humanas detectadas visto ldquoque natildeo era possivel tocar numa apophyse e em muitos
ossos esponjosos que natildeo se desfizessem logo em poacute ou em miuacutedos fragmentosrdquo
(Ribeiro 1880 p 60) o geoacutelogo anotou uma seacuterie de consideraccedilotildees para o conjunto
osteoloacutegico humano recuperado
Ainda que natildeo seja hoje possiacutevel perceber que ossos foram recuperados onde
C Ribeiro indicou as concentraccedilotildees osteoloacutegicas principais em planta inclusive
classificando-os de esqueletos (cinco ou seis) e peccedilas oacutesseas soltas Ao longo da sua
descriccedilatildeo nomeava os tipos de ossos identificados sobretudo os cracircnios bem como
as associaccedilotildees com objectos e artefactos Por exemplo julgo ter sido possiacutevel
identificar a ldquoporccedilatildeo de abobada craneana com parte do seu frontal e dois
parietaesrdquo (Ribeiro 1880 p 60) referida pelo geoacutelogo mas sem que tenha sido
possiacutevel perceber a sua origem dentro do sepulcro ndash aliaacutes eacute um caso curioso de
tentativa de restauro pois os vaacuterios fragmentos foram marcados com incisotildees de
forma a saber-se que parte colava com qual mas quando se procedeu ao seu estudo
recente jaacute se encontravam descolados e dispersos na colecccedilatildeo
Face ao estado revolto de muitas das ossadas humanas C Ribeiro colocou a
hipoacutetese de ldquoque os individuos a que diziam respeito tivessem sido sepultados
nrsquooutros logares drsquoonde depois de consumidas as partes molles tivessem os seus
restos sido removidos para o logar do doacutelmenrdquo (Ribeiro 1880 p 58) admitindo
portanto deposiccedilotildees secundaacuterias na sequecircncia de trasladaccedilatildeo Contudo argumentava
contra aquela hipoacutetese por causa do elevado investimento na construccedilatildeo do sepulcro
bem como pelas abundantes oferendas que se encontraram acompanhando os restos
mortais Assim apontou uma explicaccedilatildeo hoje considerada tafonoacutemica para a
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 59 de 415
dispersatildeo das ossadas ldquoOra eacute claro que em qualquer drsquoestas posiccedilotildees [cadaacutever de
coacutecoras ou sentado com a cabeccedila apoiada nos joelhos] e depois do
desappparecimento das partes molles do cadaver deviam as peccedilas osseas do
esqueleto separar-se e grande parte drsquoellas misturarem-se mais ou menos
confusamente se este modo de sepultar foi executado em Monteabratildeordquo (Ribeiro
1880 p 58) A partir dessa questatildeo adiantava ainda a possibilidade da preacute-existecircncia
de enterramentos antes da erecccedilatildeo da anta argumentando para isso com o
imbricamento das lajes B e E esta uacuteltima atravessando ldquoa terra vermelha contendo
ossos humanos dispersos e quebradosrdquo e com os restos oacutesseos recolhidos entre os
esteios (Ribeiro 1880 p 59) Ressalvando o pioneirismo destes trabalhos julgo que
a anaacutelise actual das evidecircncias natildeo admite esta uacuteltima possibilidade
Outro aspecto pioneiro no texto de C Ribeiro tambeacutem tentado na gruta
artificial de Folha das Barradas ainda que de forma menos sistemaacutetica foi a tentativa
de estimar o nuacutemero de indiviacuteduos com base em elementos do esqueleto humano
considerados menos nobres ndash no presente caso dentes mais precisamente os
caninos De facto este tipo de exerciacutecio apenas voltaraacute a ser realizado desta forma
nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX quando se impotildeem em Portugal novos
procedimentos para a avaliaccedilatildeo de restos antropoloacutegicos Assim a partir dos 252
laneares ou caninos de indiviacuteduos adultos o autor estima cerca de 6364 pessoas
como nuacutemero aproximado a cujo cocircmputo junta a existecircncia de
maxilaresmandiacutebulas de idosos jaacute com os molares gastos e os alveacuteolos dos caninos
ldquoobliteradosrdquo e de natildeo-adultos ainda em desenvolvimento ndash conclui entatildeo que ldquonatildeo
seraacute exagerado dizer que o numero dos indiviacuteduos a quem pertenciam aquelles
dentes natildeo era inferior a oitentardquo (Ribeiro 1880 p 59) Face agravequela conclusatildeo
rematava declarando ldquoeacute faacutecil comprehender que a inhumaccedilatildeo de um tatildeo crescido
numero de individuos natildeo poderia ter-se realizado senatildeo de um modo sucessivo
com intervallos de tempo mais ou menos longos o que importaria frequentes
remeximentos nas terras para dar logar a novas inhumaccedilotildees e nos quaes teriam
sido revolvidos quebrados e misturados a maioria das peccedilas osseas dos esqueletos
que ali jaziamrdquo (Ribeiro 1880 p 59)
Perante as evidecircncias conhecidas desta anta julgo que eacute possiacutevel vislumbrar
uma utilizaccedilatildeo inicial provaacutevel dos uacuteltimos seacuteculos do 4ordm mileacutenio ane
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 60 de 415
provavelmente intensificada na transiccedilatildeo para o mileacutenio seguinte e na sua primeira
metade o que parece denotado pela presenccedila de vaacuterios elementos votivos em
calcaacuterio iacutedolos-placa a taccedila canelada e os liacuteticos com retoque bifacial (alabarda
punhal e pontas de seta) As duas dataccedilotildees absolutas Beta-228580 e Beta-228579
obtidas sobre dois fragmentos de feacutemures de diferentes indiviacuteduos entre 2900-2630
cal BCE e 2840-2460 cal BCE (a segunda com 903 de probabilidade restringe-se
a 2680-2460 cal BCE) parecem confirmar esta impressatildeo A ceracircmica
campaniforme bem como alguns elementos de adorno nomeadamente os bototildees em
osso e vaacuterias contas parecem assinalar ainda uma utilizaccedilatildeo da segunda metade do 3ordm
mileacutenio ane Finalmente ceracircmicas carenadas poderatildeo denunciar reutilizaccedilotildees
posteriores talvez de iniacutecios do 2ordm mileacutenio ane
4114 Estria
A anta da Estria (CNS-3001) da Cova da Estria (Ribeiro 1871-75 Simotildees
1878) ou Istria (Ferreira 1959 p 215) eacute a terceira do cluster de Belas e teraacute sido
detectada por C Ribeiro juntamente com as anteriores Segundo um pequeno
apontamento no uacutenico caderno de campo deste geoacutelogo que tive oportunidade de
localizar no Arquivo Histoacuterico Geoloacutegico e Mineiro do Laboratoacuterio Nacional de
Energia e Geologia (LNEG Ex-Instituto Geoloacutegico e Mineiro) este sepulcro foi
intervencionado entre Janeiro e Fevereiro de 1875 (Ribeiro 1871-75) Em 26 de
Janeiro o geoacutelogo refere este ldquoDolmen no casal do Estrias 200 m a O do muro da
Quinta do Marquez de Bellas e situado nrsquouma depressatildeo do solo ou a descer [para]
uma baixa ou depressatildeo que esta a S da Idanhardquo referindo-se ainda ao local por
ldquoCova da Estriardquo (Ribeiro 1871-75) Aquela data eacute proacutexima de outra constante em
etiqueta colada em osso longo indicando ldquo82[18]75 Da propriedade do Sr Abreu
cova da Estriardquo (MG71940)
Em finais do seacuteculo XX esta anta foi alvo de alguns trabalhos de salvaguarda
Em 1986 empreendidos pelo entatildeo Instituto Portuguecircs do Patrimoacutenio Cultural
(IPPC) permitindo verificar uma profunda violaccedilatildeo na aacuterea da cacircmara junto ao
esteio de cabeceira mas tambeacutem a manutenccedilatildeo da situaccedilatildeo estrutural do monumento
desde os trabalhos de C Ribeiro (Fig 44 e 45 2 Marques e Ferreira 1987
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 61 de 415
Marques Lourenccedilo e Ferreira 1991) Posteriormente em 1995 no acircmbito da
construccedilatildeo da auto-estrada da Cintura Regional Externa de Lisboa e de uma estaccedilatildeo
de serviccedilo automoacutevel que na fase de projecto previa a destruiccedilatildeo da anta realizou-se
a re-escavaccedilatildeo e restauro do sepulcro agora pelo Instituto Portuguecircs do Patrimoacutenio
Arquitectoacutenico e Arqueoloacutegico (IPPAR) sob a direcccedilatildeo de Ana Carvalho Dias
Infelizmente ateacute hoje natildeo existe qualquer relatoacuterio e os contactos que desenvolvi
desde 2004 junto da arqueoacuteloga natildeo foram suficientes para esclarecer os dados
obtidos e os criteacuterios que resultaram no actual monumento in perpetuam rei
memoriam Portanto avalia-se este sepulcro apenas com as informaccedilotildees publicadas e
as observaccedilotildees possiacuteveis no terreno
C Ribeiro anotava a implantaccedilatildeo inusitada daquele sepulcro ldquocomo que
occulto nrsquouma prega ou dobra de terreno deixando apenas ver aacute flocircr do solo no acto
da descoberta os topes de algumas das suas pedrasrdquo (Ribeiro 1880 p 62) Aliaacutes a
proacutepria denominaccedilatildeo ldquoestriardquo reflecte essa ideia de prega ou sulco no terreno Tal
localizaccedilatildeo surgira segundo o geoacutelogo da intenccedilatildeo de aproveitar uma estreita faixa
de calcaacuterio alterado em resultado da acccedilatildeo do filatildeo ldquoporphiroiderdquo que se registava
tambeacutem junto a Pedra dos Mouros Assim a construccedilatildeo ajeitou e enterrou-se dentro
daquela faixa orientada es-nordesteoes-sudoeste com cerca de 2 a 5 metros de
largura Talvez por isso desta anta natildeo fosse possiacutevel observar os outros dois
sepulcros do cluster apesar das distacircncias de 400 m para Pedra dos Mouros a
nordeste ou de 300 m para Monte Abraatildeo a sudeste
De acordo com C Ribeiro a anta apresentava um recinto com cacircmara e
galeria semelhante a Monte Abraatildeo ainda que mais cravado e encostado ao
substrato rochoso Na cacircmara indicava ldquonove lages erguidas ao altordquo que apenas
deixavam uma gola para aceder ao corredor (Fig 44) Apesar de remeter essa leitura
para a planta aiacute apenas eacute possiacutevel verificar a existecircncia de sete esteios e dois
pequenos blocos (o que perfaria nove) mas referia mais adiante que completavam ldquoo
recinto ou cacircmara outras lages de menor porte cravadas no solordquo (Ribeiro 1880 p
63) Analisando o alccedilado em perspectiva (Ribeiro 1880 fig 65) notam-se os
referidos sete esteios juntamente com outros blocos do provaacutevel estreitamento da
cacircmara para o corredor Esta passagem era ldquodelimitada por dois renques de pequenas
lages de calcareo cravadas de cutello no terreno e parallelos entre sirdquo por cerca de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 62 de 415
dez metros mas natildeo apresentou essa parte da estrutura em planta curiosamente
ocorrendo o mesmo no esquiccedilo do seu apontamento (Ribeiro 1871-1875 1880 p
63-64) A natildeo representaccedilatildeo da aacuterea do corredor poderaacute dever-se ao aspecto caoacutetico
dos blocos mas tambeacutem porque os trabalhos naquele troccedilo poderatildeo ter sido
realizados por algum colector e natildeo devidamente registados condicionando entatildeo a
apresentaccedilatildeo possiacutevel de C Ribeiro Finalmente apesar do autor ter detectado alguns
grandes fragmentos de blocos natildeo encontrou nenhum que lhe parecesse de facto
parte da cobertura do sepulcro
Todos os blocos da anta eram segundo o geoacutelogo de calcaacuterio duro cinzento
extraiacutedos nas bancadas locais Eram denominados pelos caboqueiros como ldquobancos
reaesrdquo e permitiam obter lajes de grandes dimensotildees ldquocapazes de resistir a grandes
cargas e aacute acccedilatildeo destruidora do tempo como as empregadas em pontotildees e em
outras de caracter rustico que exigem seguranccedila duraccedilatildeo e economiardquo (Ribeiro
1880 p 63) Portanto do mesmo tipo das lajes utilizadas nas antas de Pedra dos
Mouros e Monte Abraatildeo
No acircmbito da cacircmara foi possiacutevel verificar o tiacutepico imbricamento da maioria
dos esteios a partir da cabeceira (A) Este esteio com superfiacutecies rugosas e
alveolares ainda que erodidas foi ladeado por duas lajes (B e E) em que as suas
faces com icnofoacutesseis provavelmente de thalassinoides foram dispostas para dentro
do recinto (Fig 45 3 e 5) Por sua vez os esteios seguintes (C-D e F) tambeacutem
tiveram a mesma disposiccedilatildeo emparelhada para o interior Isto porque os esteios C e
D aparentam ter sido outrora um soacute bloco entretanto quebrado tendo sido disposto
de forma peculiar para melhor aguentar as terras da vertente apoiando-se nos
extremos exteriores de B e H Finalmente os esteios G e H apresentavam-se
relativamente lisos sem os mencionados foacutesseis Agrave semelhanccedila da situaccedilatildeo em Monte
Abraatildeo tambeacutem aqui julgo que o efeito destes foacutesseis entrelaccedilados poderaacute ter
provocado alguma reacccedilatildeo esteacutetica ou mesmo maacutegico-religiosa optando os
construtores da anta por uma disposiccedilatildeo simeacutetrica das faces dos ortoacutestatos
Como eacute possiacutevel verificar tanto em C Ribeiro (1880 p 63) ou V Leisner
(1965 taf 57) o esteio H natildeo teraacute sido avistado ou pelo menos registado o que
poderaacute explicar-se pelo seu reduzido peacute porque partido face aos restantes blocos agrave
data da escavaccedilatildeo que natildeo teraacute atingido o substrato rochoso em toda a aacuterea do
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 63 de 415
recinto Por outro lado pelas imagens obtidas pelo casal Leisner na visita de 1944
(ALeisner Leis64) este sepulcro encontrava-se novamente bastante entulhado pelo
que eacute tambeacutem compreensiacutevel a leitura entatildeo obtida que se limitou ao levantamento
do alccedilado visiacutevel a nor-nordeste Assim a primeira imagem que foi possiacutevel
consultar do esteio H resultou dos trabalhos de limpeza e salvaguarda em 1986 (Fig
44 2 e 4)
A cacircmara da anta com o esteio de cabeceira (A) com cerca de 275 m de altura
(acima da solo) e 19 m de largura na base teria cerca de 4 metros de comprido por
cerca de 380 metros de largura maacutexima prolongando-se o corredor segundo C
Ribeiro (1880 p 62) por ldquouns 10 metrosrdquo extensatildeo hoje recriada sem que se saiba
de facto se foram detectados alveacuteolos ou outros vestiacutegios passiacuteveis de garantir tal
passagem e alcance (Fig 44 4 e 6)
Apesar da duacutevida latente quanto agrave caracterizaccedilatildeo da passagem eacute possiacutevel
verificar que este sepulcro apresentava uma cacircmara poligonal com sete esteios jaacute
adiantada por V Leisner (1965) pelo que a sua classificaccedilatildeo como ldquogaleria cobertardquo
adiantada por O V Ferreira (1959) natildeo parece aceitaacutevel
Algo notado pelo escavador da anta e atribuiacutedo agraves circunstacircncias da sua
implantaccedilatildeo foi a orientaccedilatildeo do monumento para poente De facto as leituras
realizadas nos uacuteltimos anos apontam um rumo aproximado de 213ordm ou 212ordm (Hoskin
2001 Cacircndido Marciano da Silva ip) Acrescentaria que em tal escolha para aleacutem
do condicionamento referido tambeacutem a inclinaccedilatildeo do terreno obrigava agravequela
orientaccedilatildeo caso contraacuterio o recinto sepulcral estaria sujeito agrave raacutepida entrada de
sedimentos e sequente colmatagem Simultaneamente ao optar por aquela
implantaccedilatildeo o edifiacutecio encontrava-se quase a meia altura enterrado na encosta natildeo
se conhecendo dados acerca de uma eventual mamoa percebendo-se pontualmente
na actual estrutura visiacutevel alguns blocos do que seria um anel peacutetreo de contraforte
exterior
Segundo C Ribeiro o sepulcro jaacute teria sido profanado ldquoIsto eacute jaacute tinham sido
remexidas as terras que estavam dentro drsquoelle e despojadas de quasi todos os
objectos drsquoarchaeologia e restos humanos que com ellas se achavamrdquo (1880 p 64)
Essa situaccedilatildeo explicaria entatildeo o reduzido espoacutelio recolhido
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 64 de 415
Actualmente o espoacutelio referente agrave anta da Estria (Fig 46-49) em depoacutesito no
Museu Geoloacutegico encontra-se marcado com os coacutedigos de estaccedilatildeo 171 e 719 este
uacuteltimo correspondendo agrave listagem existente No entanto muitas das peccedilas
apresentam o coacutedigo 171 marcado sobrepondo-se ao anterior
Uma questatildeo que merece reparo tem a ver com algumas peccedilas apontadas por
A Simotildees (1878) como da Estria mas que C Ribeiro (1880) atribui a Pedra dos
Mouros Satildeo os casos da lacircmina em siacutelex (MG1722 Simotildees 1878 fig 16-17
Ribeiro 1880 p 7 e est I 2) e o fragmento de luacutenula em calcaacuterio (MG17213
Simotildees 1878 fig 34 Ribeiro 1880 p 7 est I 9) Sendo este uacuteltimo o seu
escavador presume-se a sua correcccedilatildeo em detrimento do primeiro
Os elementos liacuteticos lascados resumem-se a duas lamelas natildeo retocadas em
quartzo hialino (MG17122 e 33) e pelo menos sete lacircminas em siacutelex todas retocadas
ndash quatro quase completas (MG1715-7 e 15) e trecircs fragmentos de outras (MG1718-
10) Curiosamente estas uacuteltimas fazem parte de um conjunto de peccedilas lascadas com
algumas lascas apontadas como ldquoEstria (Belas) Col M Alves Costardquo (MG1718-10
17 e 29 7191) em contexto semelhante a outro conjunto associado a Monte Abraatildeo
Das doze pontas de seta inventariadas por V Leisner (1965) nuacutemero repetido
por S Forenbaher (1999 p 135) apenas localizei onze delas Contudo tal falta natildeo
parece dificultar a sua anaacutelise geral Assim com a excepccedilatildeo de uma peccedila quebrada
na base (MG17131) as restantes apresentam bases cocircncavas Destas uma apresenta
os bordos serrilhados faltando-lhe um fragmento anteriormente existente
(MG17136 Leisner 1965 taf 57 13 Forenbaher 1999 p 135 e EST8) e duas
enquadram-se segundo S Forenbaher (1999 p 135 e EST9 e 11) no grupo das
pontas mitriformes (MG17130 e 34)
No acircmbito das grandes pontas com retoque bifacial haacute ainda um possiacutevel
punhal (com o coacutedigo errado de Pedra dos Mouros MG1723) e um fragmento distal
de possiacutevel ldquoalabardardquo (MG17111)
Os objectos em pedra polida apenas se enquadram no grupo de artefactos
votivos de calcaacuterio nomeadamente um iacutedolo betiloacuteide (MG17113) um fragmento
de luacutenula (MG17114) em que eacute visiacutevel hoje algumas incisotildees uma placa encurvada
(MG1712) uma enxoacute encabada (MG1713) e uma possiacutevel ldquoalabardardquo (MG1711)
esta uacuteltima aparentemente em rocha xisto-anfiboacutelica
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 65 de 415
Eacute curioso notar que os uacutenicos instrumentos polidos surgem entatildeo de forma
aparentemente simboacutelica Aliaacutes no caso da enxoacute encabada esta peccedila parece ser
composta por duas lacircminas num soacute objecto uma lacircmina de enxoacute atada e uma lacircmina
de machado no que seria simultaneamente o cabo do instrumento
Aleacutem das peccedilas polidas referidas regista-se ainda um baacuteculo em xisto
(MG1714) gravado em ambas as faces a que se juntaria um fragmento de placa de
xisto apresentado por A Simotildees (1878 fig 32) de que se ignora actualmente o
paradeiro Aliaacutes jaacute em 1944 o casal Leisner natildeo o teraacute localizado (ALeisner Leis64)
Os artefactos em osso estatildeo representados apenas por um cabo de instrumento
(MG17116) e um outro osso longo apontado (MG17118)
A ceracircmica recolhida apresenta trecircs pequenos vasos quase completos Uma
taccedila simples (MG17121) que teraacute perdido recentemente um fragmento com bordo
(natildeo localizado) um vaso com bordo espessado externamente com alguns aparentes
sulcos (MG17119) e um vaso carenado decorado com linhas brunidas diagonais e
paralelas assentando noutra horizontal sobre a carena provavelmente rodeando todo
o recipiente (Fig 49 4 MG17120) Esta decoraccedilatildeo natildeo teraacute sido detectada por V
Leisner (1965 taf 57 21) porque agrave data do seu estudo (17111944 ndash ALeisner
Leis64) a peccedila ainda se encontrava com camada terrosa ocultando-a
Os restos osteoloacutegicos humanos agrave semelhanccedila do espoacutelio restante foram
recolhidos no conteuacutedo revolto do sepulcro em elevado estado de fragmentaccedilatildeo e
sem qualquer indicaccedilatildeo de localizaccedilatildeo Segundo C Ribeiro (1880 p 67) eram
essencialmente ldquofragmentos de ossos longos do craneo e dos maxillaresrdquo
registando-se inteiros apenas um uacutemero de indiviacuteduo adulto e diversas falanges e
diria ainda muitos dentes soltos Durante o estudo laboratorial dos ossos humanos
foi possiacutevel localizar um uacutemero quebrado (MG-71939) ainda que colando
completando-se posteriormente utilizado para dataccedilatildeo No caso desta anta o
geoacutelogo natildeo propocircs uma estimativa do nuacutemero de indiviacuteduos
Perante a evidecircncia recolhida nesta anta julgo que eacute possiacutevel vislumbrar uma
utilizaccedilatildeo inicial com alguma probabilidade na transiccedilatildeo do 4ordm para o 3ordm mileacutenio ou
mesmo soacute na sua primeira metade durante a qual se intensificou o seu uso denotado
pela presenccedila dos artefactos em calcaacuterio o baacuteculo mas tambeacutem as pontas de seta
com base cocircncava As duas dataccedilotildees absolutas Beta-208950 e Beta-228578 (Anexo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 66 de 415
3 Quadro 22) obtidas respectivamente sobre um uacutemero e uma mandiacutebula ambos
ossos de indiviacuteduos humanos adultos possivelmente distintos entre 2900-2620 cal
BCE e 2880-2500 cal BCE (a segunda com 943 de probabilidade restringe-se a
2880-2570 cal BCE) parecem indiciar um momento de construccedilatildeo e utilizaccedilatildeo mais
tardio que as antas vizinhas o que tambeacutem poderia explicar a desorientaccedilatildeo do
sepulcro face aos cacircnones seguidos para a implantaccedilatildeo e construccedilatildeo das antas de
Lisboa e detectados noutras regiotildees limiacutetrofes (Hoskin 2001 Gonccedilalves 1999)
A aparente ausecircncia de ceracircmica campaniforme poderia significar o desuso
deste sepulcro talvez em meados do 3ordm mileacutenio ane apenas reutilizado jaacute em iniacutecios
do 2ordm mileacutenio ane Contudo agrave semelhanccedila dos comentaacuterios efectuados infra para a
anta de Casaiacutenhos subsiste a possibilidade de deposiccedilotildees dataacuteveis destes momentos
posteriores sem os correspondentes elementos nomeadamente campaniformes pelo
que este terminus deveraacute ser encarado com reserva ateacute novos dados Exemplos dessa
situaccedilatildeo satildeo as deposiccedilotildees possivelmente secundaacuterias com ldquovasos inteiros de loiccedilardquo
na cavidade de Leceia-Locus 2 com a dataccedilatildeo ICEN-737 de 2580-2150 cal BCE
(Ribeiro 1878 Cardoso Cunha e Dalberto 1991) mas sem espoacutelio caracterizador
ou da Samarra (Franccedila e Ferreira 1958 Leisner 1965 Silva Ferreira e Codinha
2006) cuja dataccedilatildeo Sac-1827 2470-2060 cal BCE parece mais recente que o
conjunto coeso ali recolhido Ou no sentido inverso a gruta-necroacutepole de Verdelha
dos Ruivos (Leitatildeo et al 1984 Cardoso e Soares 1990-92) que apresenta espoacutelio
campaniforme mas com dataccedilotildees semelhantes agraves anteriores (Capiacutetulo 8 e Anexo 3
Quadro 22)
4115 Um espaccedilo necropolizado na primeira metade do 3ordm
mileacutenio
Perante os dados disponiacuteveis eacute admissiacutevel falar de um espaccedilo necropolizado
ocupado pelo cluster de Belas Ali os diversos sepulcros teratildeo sido aparentemente
utilizados simultaneamente pelo menos num intervalo de 300 anos Contudo
algumas caracteriacutesticas particulares dos seus espoacutelios e as proacuteprias dataccedilotildees
absolutas obtidas para algumas utilizaccedilotildees permitem propor uma provaacutevel
anterioridade para as antas de Pedra dos Mouros e de Monte Abraatildeo face a Estria
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 67 de 415
Infelizmente seratildeo necessaacuterios ainda mais dados acerca de cada anta e um programa
sistemaacutetico de dataccedilotildees que delimite com maior probabilidade a construccedilatildeo e
utilizaccedilatildeootildees de cada sepulcro
412 Os monumentos megaliacuteticos das imediaccedilotildees do cluster de Belas
Nas imediaccedilotildees do cluster de Belas registam-se os dois monumentos
megaliacuteticos do Carrascal e Pego Longo que poderiam associar-se a este
O primeiro situa-se em vertente de vale entre os 150-160 metros de cota a
cerca de dois quiloacutemetros para oeste-noroeste da plataforma onde aquele cluster se
implantou sendo provavelmente no 4ordm-3ordm mileacutenios ane provavelmente visiacutevel de
Pedra dos Mouros e Monte Abraatildeo e vice-versa (fig 25)
Do segundo pretenso monumento funeraacuterio apesar de facilmente ver e ver-se
Monte Abraatildeo e Pedra dos Mouros por se situar a um quiloacutemetro de distacircncia em
linha recta em altitude semelhante agravequelas antas rondando os 200 metros ficaria
bem mais apartado por causa do vale profundo da ribeira do Jamor neste troccedilo
entatildeo conhecido por ribeira do Castanheiro (Ribeiro 1880 p 70) que separa as duas
plataformas
4121 Carrascal
O sepulcro do Carrascal (CNS-4295) tambeacutem conhecido por anta ou doacutelmen
de Agualva (Ribeiro 1880) estaacute classificado como Monumento Nacional (sob o
nome Agualva) por Decreto de 16 de Junho de 1910 (Diaacuterio do Governo nordm 163 de
23 de Junho de 1910) Para aleacutem do topoacutenimo local Carrascal eacute ainda conhecido por
ldquoFonte das Eirasrdquo constando num painel ali colocado recentemente partido e atirado
para dentro da cacircmara no acircmbito do vandalismo a que tem sido sujeito
A designaccedilatildeo Carrascal utilizada por O V Ferreira (1959) e V Leisner
(1965) surgia associada ao material em depoacutesito no Museu Geoloacutegico pelo menos
em 1944 (ALeisner Leis64) mas provavelmente desde a sua recolha Esta
denominaccedilatildeo permitiu tambeacutem agravequeles autores distinguir este siacutetio de Agualva do
tholos encontrado tambeacutem naquela localidade em 1951 (Ferreira 1953)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 68 de 415
O siacutetio foi identificado durante os levantamentos geoloacutegicos conduzidos por C
Ribeiro constando entre os sepulcros que o geoacutelogo daacute a conhecer na sua segunda
notiacutecia de estudos preacute-histoacutericos (Ribeiro 1880 p 67-69)
No uacutenico caderno de campo de C Ribeiro (1871-75) jaacute referido que consegui
localizar no arquivo do LNEG ainda que outros possam existir2 constam alguns
apontamentos acerca da escavaccedilatildeo desta anta bem como a sua planta com mediccedilotildees
ligeiramente diferentes das publicadas (Ribeiro 1880) Aleacutem de situar a intervenccedilatildeo
que teraacute ocorrido pelo menos em 28 de Fevereiro de 1875 a restante informaccedilatildeo
coincide com aquela disponibilizada na publicaccedilatildeo posterior
Segundo C Ribeiro (1880 p 68) os construtores daquela anta buscaram ldquoum
solo brando atacaacutevel aos utensiacutelios de pedra para ali abrir natildeo soacute a praccedila mas os
caboucos para o accomodamento e construcccedilatildeordquo deste monumento (Fig 50 3) De
facto apesar de se localizar em mancha de calcaacuterios e margas do Albiano-
Cenomaniano meacutedio e inferior (SGP 1991 Ramalho et al 1993) o sepulcro teraacute
sido implantado em pequena colina numa zona alterada proacutexima de filotildees de
ldquorocha feldsphatica eruptivardquo provavelmente correspondendo a filotildees traquiacuteticos
natildeo cartografados naquela aacuterea mas sim na de implantaccedilatildeo das jaacute referidas antas de
Pedra dos Mouros e Estria (Ribeiro 1880) Assim de acordo com o geoacutelogo para
aleacutem da localizaccedilatildeo aquela escolha subordinou tambeacutem a sua orientaccedilatildeo que
apontava para um eixo de talvez por lapso este-nordesteoeste-sudoeste (no seu
apontamento regista-se a orientaccedilatildeo oeste-noroeste pressupondo-se o este-sudeste)
Finalmente indicava que a extracccedilatildeo dos esteios teria sido efectuada nas bancadas
calcaacuterias imediatas
Quando o casal Leisner visitou a anta em 5 de Janeiro de 1944 (ALeisner
Leis64) a maioria dos seus esteios apresentava-se relativamente preservada e in situ
(Fig 51 1) Estes formavam uma cacircmara poligonal de 7 esteios continuada por
corredor baixo e curto do qual faltavam jaacute as duas lajes do lado norte entatildeo
desenhadas por C Ribeiro (1880) mas mantendo-se a do lado sul As fotos entatildeo
tiradas junto com a documentaccedilatildeo permitem observar os diversos afloramentos
disponiacuteveis em redor Outras imagens obtidas pelo casal numa segunda visita em
momento impreciso mas talvez da deacutecada de 50 mostram a erecccedilatildeo de um poste de 2 A inventariaccedilatildeo e catalogaccedilatildeo do imenso espoacutelio dos antigos Serviccedilos Geoloacutegicos de Portugal satildeo processos abertos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 69 de 415
electricidade () por detraacutes do esteio de cabeceira (ALeisner Leis64) actualmente
inexistente (Fig 51 2 e 3)
As mediccedilotildees do sepulcro respeitantes agraves larguras de esteios e dimensotildees dos
espaccedilos da cacircmara e corredor publicadas por C Ribeiro (1880 p 67) divergem
daquelas anotadas (Ribeiro 1871-75) mas tal poderaacute dever-se a uma segunda visita
em que o registo tenha sido efectuado com outros criteacuterios Um desses criteacuterios teraacute
considerado os esteios B e C e I e J como as mesmas pedras ainda que fracturadas
No caso das anotaccedilotildees do casal alematildeo para aleacutem de separar os blocos B e C
aquelas medidas abrangeram tambeacutem a altura espessura e inclinaccedilatildeo dos esteios
bem como procuraram ilustrar as altimetrias registadas daquele edifiacutecio As medidas
abaixo referidas baseiam-se nos apontamentos de 1944 (ALeisner Leis64) cruzadas
com as publicadas ndash apenas na largura do esteio de cabeceira parece surgir um
divergecircncia significativa talvez resultando de algum lapso
Quadro 1 Dimensotildees dos esteios da anta do Carrascal
Esteio C Ribeiro 1871-75
C Ribeiro 1880 Leisner 1965 L x A x E
A 25 28 235280 x 18 x 02 B (B+C) 18 19 18 x 18 x 026 C - 11 13 x 13 x 036 D 17 17 x 19 x 034 E 13 15 13 x 13 x 026 F 145 15 143 x 22 x 32 G 12 14 09 x 13 x 024 H 25 21 24 x 105 x - I (I+J) 23 08 - J - 14 -
Diacircmetro cacircmara 344 380 370 35 Comprimento corredor [25 23] [25 22] [24]
Largura corredor 1 142 152216 - Mediccedilotildees em metros
Perante os diversos registos verifica-se uma consonacircncia geneacuterica das
dimensotildees condizente com o cariz megaliacutetico da estrutura
No alccedilado produzido pelo casal Leisner (1965 taf 57 2) este assumiu a
existecircncia de uma colina tumular significativa sem contudo ter sido realizada
qualquer intervenccedilatildeo no sentido de a identificar (Fig 52 1) Aliaacutes a observaccedilatildeo
actual do terreno contradiz tal leitura dada a existecircncia de aparentes topos de
afloramento a cotas aproximadas aos dos esteios
O sepulcro apresenta-se bastante enterrado emergindo os topos dos seus
esteios pelo lado exterior apenas cerca de meio metro de altura acima do solo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 70 de 415
envolvente O seu interior escavado por C Ribeiro encontra-se hoje ldquovaziordquo (se natildeo
se considerar o lixo para ali atirado) contribuindo para a inclinaccedilatildeo cada vez mais
acentuada dos ortoacutestatos
Em 1994 foram iniciados trabalhos de avaliaccedilatildeo para uma sequente
valorizaccedilatildeo Nessa campanha realizou-se uma sondagem para verificar a existecircncia
de manto tumular distinguiacutevel da colina natural mas os trabalhos foram suspensos
sem conclusotildees definitivas aguardando-se para breve o seu reiniacutecio (informaccedilatildeo
pessoal de T Simotildees arqueoacuteloga da Cacircmara Municipal de Sintra)
Os resultados da intervenccedilatildeo de C Ribeiro segundo este foram parcos pois a
anta teria jaacute sido explorada anteriormente tendo os seus visitantes despojado ldquoa
cacircmara e galeria dos objectos drsquoarte que ali deveria haver de modo que soacute [achou]
alguns raros fragmentos de siacutelex e de vasos de barro dentes e fragmentos de
pequenos ossos humanosrdquo (Ribeiro 1880 p 69) Apoacutes aquela acccedilatildeo os anteriores
visitantes teriam reposto a terra quase ateacute quase ao topo do sepulcro Durante a sua
escavaccedilatildeo C Ribeiro registou ainda trecircs grandes blocos que poderiam na sua
opiniatildeo ser fragmentos da antiga laje de cobertura
A presunccedilatildeo de uma escavaccedilatildeo anterior ainda que plausiacutevel natildeo explica
totalmente o limitado espoacutelio (Fig 52) Sobretudo quando o recinto se encontrava
preenchido com terras quase cobrindo-o (eacute improvaacutevel que algueacutem no passado se
desse a tal trabalho de reposiccedilatildeo de terras) Assim tambeacutem se deve considerar que
aquele sepulcro teria apenas um espoacutelio arcaico e normalmente menos abundante e
variado contra outros mais recentes que C Ribeiro (1880) exumou por exemplo
nas antas de Belas
Quanto ao espoacutelio especiacutefico C Ribeiro natildeo deu qualquer pista natildeo se
conhecendo a sua proveniecircncia dentro do sepulcro existindo apenas um artefacto
um braccedilal de arqueiro que parece ter sido recolhido ldquona galeriardquo segundo a
marcaccedilatildeo da peccedila (MG29528) Contudo antes de avanccedilar para o significado deste
achado e dos restantes eacute importante explanar a condiccedilatildeo do espoacutelio ali recolhido
Contrariamente a outras colecccedilotildees mais ldquoimportantesrdquo do Museu Geoloacutegico as
peccedilas do Carrascal natildeo apresentavam etiquetas coladas com identificaccedilatildeo como era
frequente fazer-se no seacuteculo XIX inclusive em alguns restos osteoloacutegicos mais
interessantes Possivelmente porque aqueles restos eram apenas ldquopequenos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 71 de 415
fragmentosrdquo natildeo receberam a sempre uacutetil etiquetagem Apresentavam apenas uma
marcaccedilatildeo ldquoArdquo como vim a verificar na sequecircncia da avaliaccedilatildeo do espoacutelio
Dos materiais referidos por C Ribeiro hoje apenas se localizaram os liacuteticos e
os osteoloacutegicos Os cacos ceracircmicos natildeo foram detectados Mas tal situaccedilatildeo parece
que jaacute acontecia em 1 de Maio de 1944 quando o casal Leisner procedeu ao desenho
dos materiais (ALeisner Leis64) pois natildeo consta qualquer referecircncia a esse material
No entanto desde entatildeo os materiais liacuteticos acabaram misturados com outros
nomeadamente sob a designaccedilatildeo de ldquoDoacutelmen das Pedras Grandesrdquo (MG637)
Recorrendo agrave publicaccedilatildeo de V Leisner (1965) verifiquei que aquelas peccedilas com a
marcaccedilatildeo ldquoArdquo correspondiam a algumas das atribuiacutedas ao Carrascal Por outro lado
o braccedilal de arqueiro migrou para a colecccedilatildeo do tholos de Agualva inclusive
constando como tal na vitrina expositiva talvez pela matildeo de algueacutem influenciado
pela a ideia preconcebida de ceracircmica campaniforme + braccedilal de arqueiro Poreacutem
como natildeo havia nenhuma referecircncia de C Ribeiro agravequele artefacto a descoberta do
referido tholos se tinha dado em 1951 e a publicaccedilatildeo de V Leisner datava de 1965
tornava-se difiacutecil garantir com rigor a sua proveniecircncia ou que tivesse ocorrido
alguma reposiccedilatildeo erroacutenea Felizmente este dilema foi solucionado quando tive
acesso aos referidos apontamentos do casal alematildeo pois outras das peccedilas marcadas
com ldquoArdquo e o braccedilal surgiam desenhados em pranchas com a data de 1944 (ALeisner
Leis64)
O espoacutelio osteoloacutegico humano encontrava-se com registo proacuteprio atribuiacutedo ao
ldquoDoacutelmen do Carrascalrdquo (MG538) Apenas um fragmento de calote craniana
encontrava-se misturada com materiais do tholos de Agualva ainda que sob um
coacutedigo da ldquoEncosta do Pendatildeordquo (MG1853) Contudo o facto de ter a marcaccedilatildeo
ldquoAgualva-15rdquo e uma coloraccedilatildeo semelhante aos outros restos oacutesseos do Carrascal foi
possiacutevel separaacute-la das trecircs veacutertebras que apresentavam um sedimento avermelhado
semelhante ao do restante espoacutelio do tholos A indicaccedilatildeo de pertenccedila a Encosta do
Pendatildeo teraacute sido apenas mais um acidente de percurso
Portanto apoacutes esta criacutetica das fontes julgo possiacutevel avanccedilar com seguranccedila na
anaacutelise dos parcos materiais recolhidos na anta do Carrascal
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Estes resumem-se a algumas pequenas lacircminas pouco retocadas normalmente
de forma descontiacutenua dois geomeacutetricos trapeacutezios e um fragmento de lacircmina espessa
bem retocada
Seria ainda importante perceber que fragmentos ceracircmicos foram recolhidos
por C Ribeiro mas talvez o braccedilal de arqueiro possa denunciar a presenccedila de alguma
ceracircmica campaniforme que infelizmente se perdeu
Assim perante as caracteriacutesticas dos materiais agrave semelhanccedila de outras antas
estudadas diria que a anta do Carrascal foi utilizada entre meados e os dois uacuteltimos
quarteacuteis do 4ordm mileacutenio ane As duas dataccedilotildees absolutas (Anexo 3 Quadro 2) obtidas
sobre dois feacutemures um esquerdo (MG5380406) e outro direito (MG538047-8)
ainda que pelas suas caracteriacutesticas de indiviacuteduos diferentes permitiram assegurar
essa antiguidade inclusive localizando-a essencialmente no terceiro quartel do 4ordm
mileacutenio ane Os intervalos obtidos foram respectivamente os seguintes (Beta-
225167) 3620-3350 cal BCE (com 942 de probabilidade restringe-se a 3530-3350
cal BCE) e a outra (Beta-228577) 3650-3350 cal BCE
Finalmente em momento posterior da 2ordf metade do 3ordm mileacutenio ou jaacute no 2ordm
mileacutenio eacute realizado pelo menos um depoacutesito eventualmente funeraacuterio no corredor
Portanto a anta do Carrascal parece ter sido implantada em momento anterior agrave
erecccedilatildeo da necroacutepole de Belas pelo que qualquer relaccedilatildeo espacial de causa e efeito
apenas pode ser procurada a partir deste sepulcro e natildeo o contraacuterio
4122 Pego Longo megaliacutetico mas natildeo sepulcral
O edifiacutecio megaliacutetico de Pego Longo (CNS-3518) encontra-se classificado
como Imoacutevel de Interesse Puacuteblico pelo Decreto nordm 2990 publicado no Diaacuterio da
Repuacuteblica 163 de 17 de Julho de 1990 Aleacutem desta designaccedilatildeo eacute tambeacutem conhecido
como Galeria coberta de Carenque (Ferreira 1959 Leisner 1965) ou da Serra das
Camelas (Ferreira e Leitatildeo sd p 189) ou Cameacutelias (IPPAR 1986 p 35) Segundo
E C Serratildeo a denominaccedilatildeo D Maria foi atribuiacuteda por O V Ferreira (Ferreira
1959) depois de este ter identificado aquele nome entre algumas inscriccedilotildees gravadas
num dos blocos da estrutura (Serratildeo Mesquita e Mesquita 1984) Nos seus
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 73 de 415
apontamentos o casal Leisner regista ainda as designaccedilotildees Ribeiro do Castanheiro e
Alto das Camelas (ALeisner Leis47) para esta estrutura
O siacutetio foi identificado e estudado por C Ribeiro no seacuteculo XIX tendo sido
alvo de notiacutecia nos Estudos Preacute-histoacutericos (Fig 53 1 e 2) sem designaccedilatildeo
especiacutefica apenas situado face a Monte Abraatildeo num relevo que separava as ribeiras
do Castanheiro e Carenque (Ribeiro 1880) Posteriormente O V Ferreira (1959)
refere ter feito nova pesquisa no ano anterior (1958) em colaboraccedilatildeo com V
Leisner o que esta aponta ter acontecido em 1960 (Leisner 1965 p 82) sobretudo
para melhor perceberem a sua estrutura Em 1983 a pedido da Cacircmara Municipal de
Sintra E C Serratildeo procede a nova exploraccedilatildeo com resultados tambeacutem pouco
clarificadores (Serratildeo Mesquita e Mesquita 1984) Finalmente em 1991 um
cidadatildeo preocupado com a seguranccedila de crianccedilas que ali baloiccedilavam numa das lajes
de cobertura desloca os linteacuteis destruindo com uma buldozer os muretes de pedra
seca que os suportavam (Sebastiatildeo 1991) encontrando-se estes tombados desde
entatildeo cada vez mais rodeados por entulhos
O cariz megaliacutetico desta estrutura resulta da utilizaccedilatildeo de quatro lajes de
cobertura de dimensotildees consideraacuteveis mas assentes numa estrutura mural em pedra
seca e nivelada quase integral do lado oeste e sul e parcial do lado este visto que aiacute
os seus construtores aproveitaram o proacuteprio afloramento alinhado e alteado Assim a
diaacuteclase alargada ali existente foi aproveitada como o espaccedilo interior rodeada com
a referida estrutura abrindo a norte Este edifiacutecio apresentava entatildeo segundo C
Ribeiro (1880 p 70) 4 m de comprimento por cerca de 175 m de largura e 19 m de
altura meacutedia V Leisner (1965 p 82) apresenta a planta e alccedilado do edifiacutecio
reflectindo mais fielmente a sua estrutura com novas mediccedilotildees 510 m de
comprimento por 240 m de largura maacutexima e 150 m miacutenima natildeo ultrapassando o
15 m de altura (Fig 53 3 e 4)
Em 1983 durante os trabalhos de E C Serratildeo uma das lajes de cobertura
desaparecera jaacute encontrando-se outra inclinada para dentro da cacircmara (Serratildeo
Mesquita e Mesquita 1984)
Os paralelos directos para este tipo de construccedilatildeo na regiatildeo de Lisboa
enquadraacuteveis em eacutepoca preacute-histoacuterica satildeo desconhecidos No entanto C Ribeiro
considerava que este edifiacutecio teria caracteriacutesticas ldquoalgum tanto anaacutelogasrdquo a outras
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 74 de 415
descritas por si concretamente a ldquopequena casa de mui grosseira construcccedilatildeo
servindo-lhe de tecto duas grandes lagesrdquo junto ao Moinho da Moura em Leceia
(Ribeiro 1880 p 70 Ribeiro 1878 p 9-11) e a outra a cerca de 500 metros a
noroeste do Casal de Colaride com dois monoacutelitos de calcaacuterio na sua cobertura
ainda que neste caso se salientasse ldquouma tal ou qual regularidade nos paramentos
das paredes que denunciam um certo adiantamento na arte de traccedilar e de construir
semelhantes edificaccedilotildeesrdquo (Ribeiro 1880 p 71-72) Na aacuterea onde se localizava esta
uacuteltima estrutura registaram-se posteriormente vaacuterios vestiacutegios de eacutepocas diversas
parcialmente afectados pela extracccedilatildeo de pedra (Coelho 2002) Em ambas as
construccedilotildees quadrangulares as exploraccedilotildees de C Ribeiro nada identificaram
Quase um seacuteculo depois O V Ferreira (1975) aborda o assunto a pretexto de
um apontamento de Francisco C Ribeiro (ver capiacutetulo 413) Este identificara nos
anos 20 outra construccedilatildeo quadrangular com cobertura ortostaacutetica junto agraves pedreiras
de Trigache conhecida por laquoCasinhotaraquo sem ter recolhido nela qualquer material
Com esta estrutura satildeo ainda consideradas outras duas uma possiacutevel a este de
Monte Serves (semi-destruiacuteda) e outra na Figueira da Foz com uma descriccedilatildeo menos
clara onde surgiram materiais preacute-histoacutericos Na opiniatildeo deste arqueoacutelogo as
estruturas apresentavam teacutecnicas construtivas semelhantes agraves dos tholoi e agraves
ldquomegaliacuteticasrdquo Apesar de admitir usos mais recentes (atestados pela presenccedila de
telhas) numa perspectiva difusionista actualmente desacreditada considerava que
estas poderiam corresponder a santuaacuterios ldquomegaronrdquo de povos provenientes do
mediterracircneo oriental (Ferreira 1975 p 54-55)
Entretanto no caso especiacutefico de Pego Longo O V Ferreira (1959) via
semelhanccedilas nesta estrutura e na de Trigache 3 com aquelas de Otranto no sul da
Peniacutensula Itaacutelica (Ferreira 1959 p 217 e 223) De facto as semelhanccedilas formais
imediatas satildeo surpreendentes mas aleacutem de se contrapor a distacircncia fiacutesica que separa
as duas regiotildees tambeacutem naquelas estruturas natildeo se reconheceu espoacutelio
caracterizaacutevel mantendo-se enigmaacuteticas com especulativas relaccedilotildees com as
construccedilotildees maltesas (Whitehouse 1967)
Quando se avalia a implantaccedilatildeo conhecida das estruturas enumeradas estas
surgem sempre nas proximidades de exploraccedilotildees de pedra activas ou desactivadas o
que levanta a hipoacutetese de poderem ter servido como abrigo inclusive durante os tiros
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 75 de 415
detonados Isto porque esse tipo de estrutura megaliacutetica ainda hoje pode ser
observada por vezes nas pedreiras em laboraccedilatildeo tanto na regiatildeo de Lisboa como
noutras aacutereas do paiacutes nomeadamente Alto Alentejo
No que concerne o uso do elemento natural e o tipo de estrutura de Pego
Longo julgo que Bela Vista (CNS-19452 Mello et al 1961 Leisner 1965) poderia
ser talvez a realidade mais aproximada pois tambeacutem aquela aproveitou a
circunstacircncia de uma anomalia natural neste caso a cavidade sob o caos de blocos
graniacuteticos para ali instalar um pseudo-tholos adossado Contudo o traccedilo
arquitectoacutenico e o espoacutelio ali recolhido permitiram caracterizar a estrutura como
funeraacuteria num acircmbito cronoloacutegico provavelmente da 2ordf metade do 3ordm mileacutenio ane
o que natildeo eacute possiacutevel por desconhecimento de qualquer material no edifiacutecio em
anaacutelise
As diversas exploraccedilotildees efectuadas na estrutura dentro e fora natildeo
conseguiram ateacute hoje detectar elementos passiacuteveis de classificaccedilatildeo C Ribeiro
referia que naquela ldquoespeacutecie de monumento meio gruta artificial meio dolmen
nenhuns restos de animaes nem vestiacutegios de objectos drsquoarte encontraacutemos apenas no
solo adjacente topaacutemos com algumas lascas de siacutelexrdquo (1880 p 71) o que na regiatildeo eacute
frequente Tais resultados infrutiacuteferos tambeacutem se registaram nas estruturas de Leceia
e Colaride (Ribeiro 1878 p 9-11 Ribeiro 1880 p 70-72)
Na acccedilatildeo mencionada por O V Ferreira (1959) tambeacutem natildeo se referem
achados o que V Leisner (1965 p 82) realccedila anotando a inexistecircncia de material
recolhido
Por fim E C Serratildeo descreve o interior daquele edifiacutecio cheio de lixo na base
do qual recolheu alguns fragmentos ceracircmicos de difiacutecil classificaccedilatildeo e um
fragmento de ardoacutesia com 1cm2 - o que surpreende e levanta duacutevidas quanto agrave sua
proveniecircncia pois a forma meticulosa de escavar que C Ribeiro e seus
colaboradores praticavam teria detectado tais materiais com certeza se ali
estivessem originalmente
A fraqueza dos dados dispostos bem como a inusitada estrutura satildeo entatildeo
dificuldades evidentes para a sua classificaccedilatildeo Aliaacutes E C Serratildeo teraacute sentido isso
verificando-se essa preocupaccedilatildeo na sua argumentaccedilatildeo ldquoNa realidade este megaacutelito
de Belas foge aos tipos dos megaacutelitos claacutessicos incluindo mesmo os de classe das
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 76 de 415
ldquogalerias cobertasrdquo iquestE porque havemos de o introduzir rigidamente num grupo
como se investigaacutessemos em Zoologia por exemplo ciecircncia em cujo seio aparecem
aliaacutes com alguma frequecircncia exemplares de geacuteneros e famiacutelias novas Por muito
que os arqueoacutelogos pretendam sistematizar tecircm de estar preparados para casos de
excepccedilatildeo em todos os campos da construccedilatildeo de monumentos e fabrico de artefactos
antigos pois os autores foram homens e caracteriza os homens o poder da
criatividade onde estaacute o germe do progressordquo (Serratildeo Mesquita e Mesquita 1984 p
3) Ainda para justificar a ausecircncia de espoacutelio enumera vaacuterias hipoacuteteses estrutura
construiacuteda sem que tenha sido posteriormente utilizada trasladaccedilatildeo dos espoacutelios ali
depositados e finalmente ldquomuitas e sucessivas ldquoviolaccedilotildeesrdquo por populaccedilotildees de
vaacuterias eacutepocas seguintes e durante quase 6 mileacuteniosrdquo Contudo observa que rdquoas
violaccedilotildees de que quase todos os megaacutelitos foram alvo rariacutessimamente provocaram o
desaparecimento de simples resiacuteduos de artefactos de quaisquer mateacuterias primas e
ateacute de esquiacuterolas de ossos humanos ou natildeo principalmente dentes pois aos
violadores (que natildeo eram arqueoacutelogos) natildeo interessava esvaziar mas sim procurar
mateacuterias primas de que careciam ou objectos com utilidade desprezando inuacutemeras
peccedilas inteiras ou fragmentadasrdquo (Serratildeo Mesquita e Mesquita 1984 p 4) Fazendo
minhas as suas palavras apontaria este uacuteltimo motivo para tambeacutem descartar a
possibilidade do espoacutelio sob a designaccedilatildeo de ldquoAnta de Belasrdquo poder provir dali
Perante o exposto eacute entatildeo difiacutecil adscrever para este edifiacutecio uma funccedilatildeo
funeraacuteria para a qual a presenccedila de restos humanos seria condiccedilatildeo primaacuteria mais
ainda numa regiatildeo em que a sua preservaccedilatildeo eacute recorrente
Por outro lado para aleacutem do aspecto megaliacutetico da estrutura a atribuiccedilatildeo
funeraacuteria parece tambeacutem ter resultado da proximidade dos diversos sepulcros preacute-
histoacutericos de Belas e Carenque sobretudo do primeiro grupo construindo-se
historiograficamente uma realidade natildeo comprovaacutevel mas aceite de boa feacute por vaacuterios
autores inclusivamente no iniacutecio do meu proacuteprio trabalho (Boaventura no prelo b)
Sintomaacutetico dessa falta de comprovaccedilatildeo talvez seja o facto das trecircs antas de Belas e
a de Carrascal terem sido logo em 1910 classificadas como Monumentos Nacionais
mas o Pego Longo se quedasse arredado de tal distinccedilatildeo
Se a funccedilatildeo funeraacuteria resulta questionaacutevel a sua atribuiccedilatildeo cronoloacutegica eacute
entatildeo uma tarefa vatilde Contudo se de facto aquela construccedilatildeo cumprisse a funccedilatildeo de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 77 de 415
abrigo esta pertenceria a momentos mais recentes quiccedilaacute apoacutes a introduccedilatildeo da
poacutelvora na extracccedilatildeo de pedra
Assim a natildeo ser que sejam recolhidos novos elementos ou detectadas
estruturas semelhantes apoacutes a anaacutelise supra considerei que este edifiacutecio deveria ser
excluiacutedo do presente estudo
413 O cluster de Trigache
Os sepulcros de Trigache e Conchadas foram apresentados agrave comunidade
arqueoloacutegica por intermeacutedio de V Leisner e O V Ferreira (1959 e 1961) a partir
dos espoacutelios exumados e dos apontamentos produzidos por Francisco Carlos Ribeiro
(Ferreira 1961 Leisner e Ferreira 1961) O V Ferreira (1959) refere-se a trecircs deles
de forma sucinta no seu inventaacuterio de monumentos megaliacuteticos de Lisboa publicado
no mesmo volume do trabalho conjunto com V Leisner (Leisner e Ferreira 1959)
Contudo aquelas referecircncias teratildeo resultado provavelmente de uma primeira notiacutecia
ainda sem os dados sistematicamente estudados pois notam-se algumas
incongruecircncias que teratildeo sido rectificadas posteriormente mas sem o devido alerta
F C Ribeiro empregado bancaacuterio residente em Odivelas durante os anos 20
do seacuteculo XX procedeu a escavaccedilotildees de vaacuterios sepulcros nos arredores daquela
povoaccedilatildeo entre 1920 e 1925 durante a sua convalescenccedila de doenccedila prolongada
(Ferreira 1961) As suas actividades arqueoloacutegicas teratildeo chamado a atenccedilatildeo puacuteblica
pois foram noticiadas no Diaacuterio de Notiacutecias (1331925) e inclusive a de J L
Vasconcelos com quem se teraacute correspondido ndash no epistolaacuterio deste arqueoacutelogo
apenas localizei uma carta de F C Ribeiro desculpando-se pela demora em
responder aos assuntos de Arqueologia mas sem os desenvolver (AJLVasconcelos)
Tambeacutem enquanto soacutecio da Sociedade de Geografia teraacute proferido uma conferecircncia
acerca dos resultados de seus trabalhos (Ferreira 1961) Aquela actividade teraacute
abarcado outros tipos de vestiacutegios e cronologias nomeadamente a escavaccedilatildeo de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 78 de 415
algumas sepulturas aparentemente visigoacuteticas na aacuterea de A-da-Beja (Ferreira 1963)
ou recolhas de material paleoliacutetico do Casal do Monte (ALeisner Leis61)
Apesar de natildeo ter concretizado a publicaccedilatildeo daquelas pesquisas megaliacuteticas os
seus materiais e apontamentos permaneceram guardados pelo que apoacutes a sua morte
em 1951 o seu sobrinho A R Ferreira (1961) diligenciou o seu estudo atraveacutes de O
V Ferreira e V Leisner sendo provaacutevel que G Leisner tambeacutem tenha colaborado ndash
no entanto a idade avanccedilada e os problemas de sauacutede que conduziriam ao seu
falecimento em Setembro de 1958 teratildeo limitado essa colaboraccedilatildeo Portanto eacute
graccedilas a todos estes intervenientes que hoje se tem conhecimento destes sepulcros
pois a voragem da exploraccedilatildeo de pedra em Trigache e em A-da-Beja erradicaram
completamente qualquer vestiacutegio
Aleacutem das publicaccedilotildees daqueles autores utilizei ainda a documentaccedilatildeo referente
a estes sepulcros produzida pelo casal Leisner aparentemente no primeiro semestre
de 1958 (ALeisner Leis61 e Leis64) nomeadamente os desenhos de materiais (com
coacutedigos entretanto desaparecidos) e as transcriccedilotildees dactilografadas efectuadas dos
papeacuteis de F C Ribeiro ainda que notando-se a falta de algumas paacuteginas Estas
transcriccedilotildees natildeo indicam por vezes as mediccedilotildees das lajes deixando espaccedilos em
branco mas noutros papeacuteis surgem anotaccedilotildees delas pelo que se pode assumir que
algumas existiam originalmente Por outro lado o desenho das plantas daqueles
sepulcros ter-se-aacute baseado essencialmente nas descriccedilotildees manuscritas de F C
Ribeiro mas eacute possiacutevel que tais esquiccedilos existissem pois satildeo referidos para Trigache
4 e Conchadas A consulta directa da documentaccedilatildeo de F C Ribeiro natildeo foi possiacutevel
por natildeo ter conseguido localizaacute-la quer no Museu Geoloacutegico ou na biblioteca do
Laboratoacuterio Nacional de Energia e Geologia (ex-INETI) Assim foi a partir do
cruzamento e anaacutelise dos documentos sobreviventes que foi possiacutevel compreender
melhor as conclusotildees publicadas e propor novas leituras para alguns dos sepulcros
Em geral os apontamentos de F C Ribeiro satildeo pormenorizados tendo existido
a preocupaccedilatildeo de atribuir coacutedigos a parte das peccedilas relacionando-as com as posiccedilotildees
de recolha por vezes com as profundidades registadas a partir da superfiacutecie
Depreende-se dos textos que as terras da escavaccedilatildeo deveriam ter sido sempre
crivadas normalmente no final da acccedilatildeo mas tal soacute ficou expliacutecito no caso da
exploraccedilatildeo de Trigache 4 quando se afirma que ldquoterminada a exploraccedilatildeo e passadas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 79 de 415
pelo crivo as terras deste monumento passamos agrave examinaccedilatildeo dos seguintes
objectosrdquo (cit in ALeisner Leis61)
Entretanto uma das questotildees que teraacute passado desapercebida aos editores do
espoacutelio de F C Ribeiro refere-se agrave anta de Pedras Grandes Quando compilava a
bibliografia para as antas de Lisboa e reli este trabalho algo que me suscitou
interrogaccedilatildeo foi o facto das exploraccedilotildees se terem realizado em Trigache e em
Conchadas quedando-se intocada e natildeo referida a anta de Pedras Grandes (ou do
Fojo) situada a escasso quiloacutemetro de Trigache e com certeza conhecida pelo
bancaacuterio pois refere-se ao trabalho de Carlos Ribeiro (ALeisner Leis61) Uma das
hipoacuteteses que coloquei inicialmente para tal omissatildeo teria sido a dificuldade de
qualquer exploraccedilatildeo ali se concretizar com parcos meios pois a queda do seu esteio
de cabeceira selando o acesso a quase toda a cacircmara limitaria o sucesso da tarefa
tal como jaacute acontecera a C Ribeiro (1880 p 69) Mas isso natildeo teria impedido
alguma pesquisa pontual
Quando procedi a nova anaacutelise das publicaccedilotildees referentes aos monumentos de
Trigache verifiquei que uma das imagens fotograacuteficas atribuiacuteda agrave anta de Trigache 1
(Leisner e Ferreira 1961 est XII-2) correspondia de facto agrave anta de Pedras
Grandes vista de Este-Nordeste com a Serra de Sintra no horizonte algo impossiacutevel
de se observar na aacuterea do agrupamento de Trigache (Fig 69 1 e 2) Como F C
Ribeiro surge fotografado em todas as antas exploradas por ele eacute provaacutevel que
tambeacutem nesta tenha sido realizada alguma pesquisa mas se recolheu algum material
tal natildeo foi detectado por V Leisner e O V Ferreira (1961)
Com a excepccedilatildeo do caso referido atraacutes as informaccedilotildees de F C Ribeiro
permitiram a reconstituiccedilatildeo geneacuterica das suas intervenccedilotildees bem como dos materiais
recolhidos pelo menos para a maioria deles Isto porque algumas peccedilas jaacute tinham
perdido a sua proveniecircncia por monumento como aconteceu com parte do espoacutelio
ceracircmico dos sepulcros de Trigache entretanto designados ldquoNecroacutepole de Trigacherdquo
(Leisner e Ferreira 1961 p 312) e posteriormente com outro espoacutelio nomeadamente
de Conchadas
Apoacutes a entrada do espoacutelio de Trigache e Conchadas no Museu Geoloacutegico este
sofreu outros infortuacutenios culminando nos anos 90 com a unificaccedilatildeo dos sepulcros
de Trigache sob um mesmo coacutedigo (MG179) sem que as peccedilas tivessem sido
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 80 de 415
sistematicamente inventariadas com adscriccedilatildeo de monumento o que deveria ter sido
possiacutevel Contudo informaccedilatildeo pessoal de J Brandatildeo em 2005 entatildeo o responsaacutevel
interino pelo Museu (Brandatildeo 1999) referiu que muitos dos materiais agrave data da
inventariaccedilatildeo jaacute se encontravam misturados nos tabuleiros com etiquetas perdidas ou
fora de siacutetio
Felizmente boa parte do espoacutelio tinha jaacute sido publicado com listagem
desenhos e fotografias (Leisner e Ferreira 1959 Leisner e Ferreira 1961 Leisner
1965) a que se juntou a documentaccedilatildeo referida atraacutes tornando foi possiacutevel a
recuperaraccedilatildeo da maioria das proveniecircncias dos materiais quando ingressaram no
Museu Aqueles em que tal objectivo natildeo foi alcanccedilado engrossaram o grupo
designado ldquoNecroacutepole de Trigacherdquo
Neste capiacutetulo discutirei apenas os sepulcros de Trigache abordando-se o de
Conchadas noutro capiacutetulo
Segundo V Leisner e O V Ferreira (1961) os monumentos megaliacuteticos de
Trigache situavam-se na encosta oriental do planalto denominado ldquoCampo de
Trigacherdquo no fundo da qual corre a Ribeira de Odivelas (Fig 26) O substrato desta
aacuterea apresenta calcaacuterios cretaacutecicos do Cenomaniano superior (SGP 1981)
anteriormente classificado como Turoniano (Leisner e Ferreira 1961 Zbyszewski
1964) Teraacute sido esta a mateacuteria-prima utilizada na construccedilatildeo dos sepulcros 1 a 3 e
possivelmente do 4 Isto porque de acordo com a sua localizaccedilatildeo este uacuteltimo
situar-se-ia em calcaacuterios cretaacutecicos mas do Cenomaniano meacutedio com ldquocalcaacuterios e
margas (ldquoBelasianordquo)rdquo (Leisner e Ferreira 1961 fig 1 Zbyszweski 1964) Apesar
disso poderaacute admitir-se que os blocos utilizados foram extraiacutedos localmente se natildeo
mesmo nas imediaccedilotildees da erecccedilatildeo das construccedilotildees Outro aspecto que importa reter eacute
a abundante presenccedila de siacutelex nas bancadas rochosas desta zona (Zbyszweski 1964)
inclusive ainda hoje recordada pelo topoacutenimo ldquoPedernaisrdquo (IGE 1993)
4131 Trigache 1
A anta de Trigache 1 (CNS-4733) situava-se ldquonuma pequena encosta de
declive natildeo excedenterdquo (F C Ribeiro cit in ALeisner Leis61) o que a fotografia
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 81 de 415
apresentada parece ilustrar como um pequeno patamar (Leisner e Ferreira 1961 est
XII 1)
Apesar da referida imagem ser bastante clara acerca do caraacutecter megaliacutetico do
sepulcro (Leisner e Ferreira 1961 est XII 1) a descriccedilatildeo e a planta apresentadas
revelam-se menos esclarecedoras No entanto nos apontamentos de V Leisner o
esboccedilo de uma das plantas eacute mais legiacutevel e compatiacutevel com aquela imagem
(ALeisner Leis64) O motivo para tal contradiccedilatildeo deveraacute residir no facto dos
arqueoacutelogos terem optado na planta final por seguir literalmente a descriccedilatildeo de F C
Ribeiro Contudo neste caso diria que uma imagem vale por mil palavras
preferindo dar primazia agrave foto pois nem sempre aquele teraacute compreendido
totalmente as realidades que escavava e descrevia (Fig 54 1 e 2)
A anta mantinha quatro esteios da cacircmara aproximadamente in situ ainda que
inclinados sobretudo o esteio B e D As dimensotildees apontadas pelos autores referem
uma altura maacutexima para o esteio A de 220 m de altura por 062 m de espessura Os
restantes tinham alturas de B - 162 m por 034 m de espessura C - 103 m por 015
m e D ndash 2 m por 020 m Estas verticais corresponderatildeo aos valores medidos dos seus
topos inclinados ao chatildeo e natildeo na sua posiccedilatildeo original Jaacute a posiccedilatildeo do bloco E
parece ser menos paciacutefica pois F C Ribeiro coloca-o dentro da cacircmara em cutelo
Mas observando a foto aquela laje de facto em cutelo surge no limite daquele
espaccedilo podendo inclusive corresponder a outro esteio deslocado As suas dimensotildees
anotadas por V Leisner eram de 2 m comprimento tombado por 096 m de largura e
030 m de espessura Quanto ao corredor natildeo havia registo acerca deste ainda que
pudesse subsistir na sua mamoa aparentemente perceptiacutevel na foto (Leisner e
Ferreira 1961 est XII 1) e assinalada por F C Ribeiro (ALeisner Leis64)
contrariamente ao que eacute referido no texto publicado (Leisner e Ferreira 1961 p
302)
Apesar de se referir que a orientaccedilatildeo do sepulcro era incerta surge na planta
uma seta indicando o Norte provavelmente porque se utilizou algum apontamento
ou o relevo circundante como ponto de referecircncia De facto se considerarmos que
aquele monumento se localizava na encosta oriental do ldquoCampo de Trigacherdquo este
estaria num patamar em niacutevel inferior ao seu horizonte pelo que o esteio C apontaria
a Noroeste daiacute deduzindo-se genericamente o Norte
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 82 de 415
Face ao exposto ainda que com alguma reserva eacute plausiacutevel admitir que esta
anta apresentaria uma cacircmara poligonal de dimensotildees meacutedias provavelmente
orientada para nascente
A escavaccedilatildeo do sepulcro segundo F C Ribeiro (cit in ALeisner Leis64)
revelou uma cacircmara entulhada com terra e pedras registando-se sob estas uma
camada de 15-20 cm de espessura onde se recolheram ossos humanos e dentes O
piso seria de terra batida com muitas lascas de siacutelex Os objectos encontrados foram
pouco numerosos resumindo-se a uma lacircmina de siacutelex natildeo retocada de secccedilatildeo
triangular (em mm comp 428 larg 197 esp 46) dois fragmentos de outras duas
lacircminas e dois machados de secccedilatildeo circular De todo o espoacutelio mencionado apenas
foi possiacutevel localizar os instrumentos de pedra polida Mas eacute provaacutevel que tal
situaccedilatildeo jaacute ocorresse agrave data do estudo anterior ainda que nem sempre seja claro
aquilo que de facto resultou da listagem dos achados referida por F C Ribeiro ou
dos objectos que foram realmente identificados pelos editores do trabalho Refira-se
que um dos conjuntos de restos humanos actualmente sob a designaccedilatildeo de
Necroacutepole de Trigache poderia corresponder a este siacutetio
Pelo espoacutelio recolhido eacute difiacutecil apontar com seguranccedila um periacuteodo de
utilizaccedilatildeo mas a ausecircncia de menccedilatildeo a fragmentos ceracircmicos a presenccedila de
machados polidos de secccedilatildeo circular ou ovalada e eventualmente as lacircminas
poderatildeo apontar uma utilizaccedilatildeo geral na 2ordf metade do 4ordm mileacutenio ane
4132 Trigache 2
O sepulcro de Trigache 2 (CNS-3857) situar-se-ia a cerca de 160 metros a
leste-sudeste do nordm 1 ldquomuito proximo do caminho que vem do casal de Trigaches ndash
pedreiras se bifurca para descer em dois ramos ateacute o riordquo (F C Ribeiro cit in
ALeisner Leis61)
Segundo F C Ribeiro a mamoa ainda subsistia parcialmente (Fig 54 3-4)
Apesar de natildeo abarcar a totalidade do relevo do sepulcro a fotografia desta estrutura
evidencia ainda um corredor com as faces externas dos esteios envolvidas por terras
com um certo porte (Leisner e Ferreira 1961 est XIII 3)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 83 de 415
Pela mesma imagem percebe-se ainda a dimensatildeo megaliacutetica desta estrutura
(Fig 54 4) mas jaacute natildeo eacute clara a grande cacircmara circular com aproximadamente 550
metros de diacircmetro definida por V Leisner e O V Ferreira (1961) De facto F C
Ribeiro apenas descreve dois esteios da cacircmara b e a admitindo a possibilidade
deste uacuteltimo ser jaacute parte do corredor Entre b e a num fosso de violaccedilatildeo anterior
localizou outro bloco que considerou um fragmento de esteio Quanto agraves dimensotildees
do esteio b inclinado ligeiramente para o interior da cacircmara teraacute havido troca de
valores na publicaccedilatildeo pois 190 m era a largura maacutexima e 145 m a sua altura
(ALeisner Leis61) Assim face aos parcos dados para esta parte do sepulcro
limitaria a interpretaccedilatildeo agrave possibilidade de uma anta com cacircmara de caraacutecter
poligonal
No que concerne o corredor o tamanho da laje a com cerca de 120 m de
altura por 110 m de largura com uma altimetria aproximada do esteio b distingue-
se claramente dos restantes elementos do corredor que natildeo ultrapassariam o meio
metro mas sem que aparentassem estar quebrados O comprimento daquela parte
baixa com cerca de 210 m e uma largura 090 m no tramo inicial para se alargar a
meio ateacute 130 m coloca a possibilidade da existecircncia de um tramo vestibular
intratumular natildeo coberto dando acesso a um curto corredor com uma altura
aproximada agrave da cacircmara A largura agrave entrada da cacircmara 125 m deve ser
considerada com reserva pois natildeo se reconheceu o esteio ou o seu alveacuteolo no lado
sul De qualquer forma os autores estimaram a orientaccedilatildeo da passagem apontando a
sudeste
A maioria do espoacutelio recolhido nesta anta encontrava-se no troccedilo do vestiacutebulo e
corredor tendo o seu escavador considerado que estaria relativamente preservado
(Fig 57-59) No entanto os ossos recolhidos bastante fragmentados e revoltos bem
como os artefactos nomeadamente dois vasos juntos virados para baixo mas ldquofeitos
em pedaccedilosrdquo (F C Ribeiro cit in ALeisner Leis61) parecem demonstrar que aquele
contexto se encontrava remexido Na cacircmara apenas haacute notiacutecia de dois instrumentos
polidos e algumas pontas de seta na aacuterea de entrada
O inventaacuterio entatildeo apresentado revela um conjunto abundante de materiais do
qual foi possiacutevel re-identificar a maioria
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 84 de 415
Os restos osteoloacutegicos que foi possiacutevel adscrever a esta anta seratildeo discutidos
noutro local (capiacutetulo 6 e Anexo 6) mas registaram-se ossos e dentes
No conjunto da pedra lascada os produtos alongados apresentam um nuacutemero
de peccedilas superior (22 fragmentos) agravequele apontado na publicaccedilatildeo limitado a 15
peccedilas das quais satildeo destacadas trecircs (MG17934 38 e 118J Leisner 1965 taf 16
16 17 e 19) Um quarto fragmento de lacircmina (MG17949B) surge desenhado na
documentaccedilatildeo do arquivo Leisner (ALeisner Leis61) mas natildeo chegou a ser incluiacutedo
na prancha de materiais publicados
Um pequeno nuacutecleo exausto de lamelas (MG17942) eacute referido e apresentado
mas o seu desenho (Leisner 1965 taf 16 21) eacute de leitura difiacutecil pelo que se
apresenta nova ilustraccedilatildeo (Fig 58)
Aleacutem do raspador sobre lasca (MG179120B Leisner 1965 taf 16 43)
registam-se outros utensiacutelios expeditos nomeadamente alguns furadores sobre lasca
(MG17939 e 40)
Ainda no universo dos instrumentos lascados haacute que realccedilar um nuacutemero de sete
geomeacutetricos 6 dos quais trapezoidais (Fig 58 1-7) Trecircs haviam sido desenhados
para a publicaccedilatildeo (Leisner e Ferreira 1961 p 306 Leisner 1965 taf 16) Naquele
cocircmputo inclui-se o fragmento distal de geomeacutetrico (MG17950A) considerado
pelos autores triangular o que me parece arriscado de afirmar Curiosamente F C
Ribeiro referia 6 peccedilas entre as categorias de pontas de seta do 7ordm tipo ldquopontas
trapezoidais feitas geralmente de fragmentos de facasrdquo (ALeisner Leis61) todas
com um escrito a laacutepis ldquo7ordm tipordquo (MG17949A 50A 50B 50C 50D e 50 E)
As pontas de seta (Fig 58 12-23) apresentam-se essencialmente com bases
convexas (27) cujo formato triangular eacute o mais frequente outra tem base recta e
duas cocircncavas No entanto conviraacute alertar para o facto de estas totalizarem cerca de
45 segundo F C Ribeiro mas incluindo os geomeacutetricos (cit in ALeisner Leis61) e
posteriormente 39 sem os geomeacutetricos (Leisner e Ferreira 1961 p 306)
Haacute ainda duas peccedilas (MG17946A e 46C) incluiacutedas no grupo referido das
pontas de seta que necessitam de ser clarificadas Estas surgem atribuiacutedas a Trigache
2 e 3 na publicaccedilatildeo de V Leisner (1965 taf 16 25 e taf 17 29-30) e nos seus
apontamentos (ALeisner Leis 61) No trabalho colectivo com O V Ferreira (1961)
apenas eacute possiacutevel perceber parte desta questatildeo pois os materiais natildeo foram ilustrados
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 85 de 415
e as descriccedilotildees satildeo sumaacuterias Se aquela dupla atribuiccedilatildeo de origem pode ser
explicada como um lapso a dupla classificaccedilatildeo como ponta de seta e ldquomicroacutelito (hellip)
com o retoque abrangendo parte da superfiacutecierdquo (Leisner e Ferreira 1961 p 308) eacute
curiosa De facto na documentaccedilatildeo de V Leisner as duas peccedilas surgem desenhadas
nas minutas de Trigache 2 (uma delas datada de 22 de Maio de 1958) como pontas
de seta e noutra de Trigache 3 (natildeo datada) como ldquomicroacutelitos de transiccedilatildeordquo
(ALeisner Leis61)
Ambas as peccedilas apresentam um formato proacuteximo do trapezoidal mas porque
foram obtidas a partir de lascas sofreram um retoque invasor o suficiente para lhes
dar o acabamento final na minha opiniatildeo de pontas de projeacutectil
Quanto ao discernimento da proveniecircncia das peccedilas julgo que se registou
alguma confusatildeo entre sepulcros nos trabalhos publicados (Leisner e Ferreira 1961)
sobretudo visiacutevel na apresentaccedilatildeo graacutefica (Leisner 1965 taf 16 25 e taf 17 29-30)
devendo aquelas corresponder a Trigache 2 tal como foram inicialmente
inventariadas e desenhadas (ALeisner Leis61) Com certeza a consulta integral aos
apontamentos de F C Ribeiro talvez pudesse encerrar a questatildeo mas tal natildeo parece
possiacutevel
Finalmente um troccedilo de bordo em siacutelex com retoque bifacial parece incluir-se
no grupo das grandes pontas bifaciais
Face agrave pedra lascada os instrumentos de pedra polida encontraram-se em
menor quantidade resumindo-se a dois achados na cacircmara uma enxoacute quebrada em
xisto anfiboacutelico (MG17956) no entulho junto ao topo do esteio b e um machado em
anfibolito (MG17958) Outra enxoacute quase intacta tambeacutem de xisto anfiboacutelico
(MG17957) foi encontrada na entrada defronte do esteio a A publicaccedilatildeo apresenta
ainda um fragmento de uma pequena enxoacute em ldquofibrolite brancardquo (Leisner e Ferreira
1961 e Leisner 1965 taf 16 4)
A pedra afeiccediloada eacute apenas listada por um seixos de quartzito um com sinais
de uso e outro com levantamento de lascas
No acircmbito dos artefactos votivos em pedra regista-se a recolha de um
fragmento de iacutedolo-placa antropomorfo (Fig 59 1 MG17962) e outros dois
fragmentos Um deles (MG17963A) colando com o iacutedolo referido e outro
correspondendo a uma segunda peccedila (MG17963B) Aleacutem destes apresenta-se um
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 86 de 415
fragmento de uma luacutenula decorada e perfurada e um pequeno betilo troncocoacutenico
aparentemente afeiccediloado ambos em calcaacuterio
Os adornos em pedra resumiam-se a contas de colar ainda que de pedra verde
(segundo F C Ribeiro ldquoribeiriterdquo mas depois designadas na publicaccedilatildeo ldquocalaiacuteterdquo) e
xisto Contudo das 20 contas em pedra verde apenas relocalizei 12 Isto poderaacute
dever-se a extravio ou simplesmente a uma classificaccedilatildeo geneacuterica pois em vez das
19 contas de xisto contabilizei 25 o que perfaz um total de 37 peccedilas a que se
poderia juntar as duas contas em osso
As outras peccedilas de adorno satildeo fragmentos de hastes e cabeccedilas posticcedilas de
alfinetes de cabelo em osso totalizando um nuacutemero miacutenimo de 4 peccedilas Uma destas
ainda se encontrou com parte da cabeccedila e a haste inclusa Estas posticcedilas apresentam-
se decoradas com incisotildees horizontais Outro fragmento de haste que seria a parte
proximal de um alfinete com cabeccedila simples foi decorado tambeacutem com algumas
incisotildees mas obliacutequas
Aleacutem das peccedilas de osso referidas indicou-se um fragmento de ldquoalfinete
espatuliformerdquo (Leisner e Ferreira 1961 p 306) Contudo a anaacutelise da peccedila
(MG17968) permitiu verificar que seria possivelmente um pequeno pente ou garfo
de cabelo com caracteriacutesticas formais semelhantes a outro recolhido no sepulcro da
Samarra (Franccedila e Ferreira 1958 Leisner 1965 taf 36 50) Inclusive no desenho
apresentado teraacute escapado o pormenor de um pequeno orifiacutecio no interior da peccedila
bem como algumas incisotildees numa das suas faces (Fig 59 2 e 4)
V Leisner apresenta ainda outro fragmento oacutesseo afeiccediloado (1965 taf 16 13)
mas a peccedila natildeo permite uma interpretaccedilatildeo clara
Finalmente no que concerne a ceracircmica apesar de F C Ribeiro localizar a
proveniecircncia de dois vasos juntos no corredor natildeo foi possiacutevel correspondecirc-los com
as peccedilas sobreviventes de Trigache 2 ou aquelas genericamente atribuiacuteveis agrave
Necroacutepole Assim o conjunto ceracircmico limita-se a um grande pedaccedilo de uma taccedila
com decoraccedilatildeo canelada e fragmentos de pelo menos dois vasos campaniformes
um com decoraccedilatildeo pontilhada no estilo internacional preenchida com pasta branca
outro com decoraccedilatildeo incisa (Leisner 1965 taf 16 51) natildeo localizado na colecccedilatildeo
Aleacutem destes haacute ainda mais dois fragmentos com faixas impressas provavelmente de
cruzetas normalmente registadas no fundo de taccedilas ou vasos campaniformes Aleacutem
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 87 de 415
destes elementos haacute ainda vaacuterias dezenas de fragmentos ceracircmicos alguns com
decoraccedilotildees incisas campaniformes mas sem a possibilidade reconstruccedilatildeo de formas
Anote-se ainda a referecircncia de F C Ribeiro a ldquoescoacuterias de cobrerdquo mas jaacute natildeo
encontradas pelos editores do trabalho quedando-se pela duacutevida (Leisner e Ferreira
1961 p 324-325)
Perante os dados descritos atraacutes eacute possiacutevel propor alguns momentos de
utilizaccedilatildeo para a anta de Trigache 2
Assim os geomeacutetricos algumas pequenas lacircminas e eventualmente o nuacutecleo de
lamelas poderiam marcar um momento inicial de utilizaccedilatildeo entre os dois uacuteltimos
quarteacuteis do 4ordm mileacutenio ane O seu uso teraacute continuado durante a passagem do 4ordm
para o 3ordm mileacutenio de que satildeo testemunho as pontas de seta os instrumentos polidos
de secccedilatildeo poligonal os alfinetes de cabelo e os iacutedolos-placa Contudo o iacutedolo-placa
antropomorfo poderaacute ter convivido com a taccedila canelada e os elementos de calcaacuterio
durante a primeira metade do 3ordm mileacutenio ane
Foi tentada uma primeira dataccedilatildeo radiocarboacutenica sobre amostra de osso
occipital mas o colageacutenio revelou-se insuficiente Uma segunda tentativa (Beta-
239755 Anexo 3 Quadro 2) sobre outro fragmento de calote craniana proporcionou
um intervalo de 3090-2890 cal BCE (com 898 de probabilidade restringe-se a
3030-2890 cal BCE) Esta data reforccedila a proposta de uma utilizaccedilatildeo na passagem de
mileacutenio
Finalmente os recipientes campaniformes e as eventuais ldquoescoacuterias de cobrerdquo
parecem denunciar re-usos desde meados do 3ordm mileacutenio ane
4133 Trigache 3
O sepulcro de Trigache 3 (CNS-3789) localizava-se para nordeste da anta de
Trigache 2 a escassos 15 metros (Leisner e Ferreira 1959) Corresponde agrave ldquogaleria
coberta de Trigacherdquo inicialmente referida por O V Ferreira (1959 p 219) sem
espoacutelio identificado
Observando a fotografia disponiacutevel (Leisner e Ferreira 1961 XIII-3) eacute
possiacutevel admitir que este sepulcro se implantava no mesmo patamar de Trigache 2
se natildeo mesmo no limite do seu tumulus considerando a distacircncia entre os dois (Fig
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 88 de 415
55 1-2) Nessa imagem eacute niacutetida a paacutetina da parte exposta do esteio de cabeceira (a)
face agrave alvura da parte inferior e dos outros provaacuteveis ortoacutestatos encontrados
enterrados ainda que por vezes deslocados das suas posiccedilotildees originais Apesar de
natildeo haver menccedilatildeo agrave altura daquele ou qualquer outro esteio eacute possiacutevel admitir que
este sepulcro de cariz megaliacutetico seria relativamente baixo ndash apreciando a proporccedilatildeo
de F C Ribeiro posando defronte do esteio de cabeceira bem como o facto dos
poucos achados com a profundidade anotada nunca terem ultrapassado os 075-084
metros de profundidade abaixo da superfiacutecie (segundo F C Ribeiro cit in ALeisner
Leis61) eacute provaacutevel que rondasse 1 a 15 metros de altura dando a impressatildeo de
descer da entrada para o interior da cacircmara se considerar as cotas de achados na
entrada (variando entre 013 m e 057 m)
Como o esteio de cabeceira se encontrava inclinado para noroeste F C
Ribeiro presumiu que o espaccedilo sepulcral se localizasse daquele lado procedendo ali
a uma primeira sondagem tendo recolhido alguns ossos humanos e objectos
arqueoloacutegicos Contudo ao realizar outra sondagem apercebeu-se que o recinto se
estendia para o lado oposto tendo entatildeo alargado a escavaccedilatildeo naquela aacuterea
A reconstituiccedilatildeo realizada por V Leisner e O V Ferreira (1961 p 307-308)
baseada na documentaccedilatildeo de F C Ribeiro apresenta entatildeo uma cacircmara ldquopoligonal
alongadardquo com cerca de 275 metros de comprimento e 175 metros de largura em
toda a sua extensatildeo apenas estreitando na aacuterea do presumiacutevel corredor de forma
trapezoidal Com este troccedilo o espaccedilo sepulcral teria pelo menos 450 metros de
comprimento No entanto aquela particcedilatildeo do espaccedilo natildeo parece ser tatildeo clara pelo
que faraacute mais sentido falar de um sepulcro com uma planta de tendecircncia trapezoidal
em que a entrada da cacircmara natildeo se demarcava nitidamente de um corredor
O ortoacutestato de cabeceira (a) teria dois pilares a ladeaacute-lo (b e l) mantendo-se
ainda mais ou menos in situ os esteios c h k e j No espaccedilo entre os blocos c e h
surgiu um ldquomuro de pedra seca composto por duas ou trecircs fiadasrdquo sobre as quais foi
encontrado um conjunto variado de objectos A cota do topo daquelas pedras (f e g)
era relativamente superficial de acordo com algumas das profundidades registadas
para as lacircminas ali recolhidas nomeadamente a 024 m (MG 179121A e 124B) e
010 m (MG179124A 124B e 124C) o que poderaacute denunciar visitas e remeximento
anteriores e que as lajes tombadas i e m-n (segundo o escavador pertenciam ao
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 89 de 415
mesmo bloco) dentro do recinto tambeacutem poderatildeo ser uma consequecircncia Natildeo teraacute
sido avistado qualquer elemento passiacutevel da cobertura
Segundo F C Ribeiro o piso da cacircmara encontrava-se pavimentado com lajes
de calcaacuterio assente sobre camada calcada de terra e lascas de siacutelex Na aacuterea do
ldquocorredorrdquo esse lajeamento dava lugar somente ao piso terroso A presenccedila de lascas
de siacutelex misturadas no sedimento eacute recorrente neste e nos restantes sepulcros
sobretudo num substrato onde estes noacutedulos satildeo bastante frequentes No entanto
pode tambeacutem resultar de resiacuteduos de zonas de extracccedilatildeo e talhe anteriores daquela
mateacuteria-prima Apesar de natildeo ser claro presume-se que os materiais arqueoloacutegicos
foram recolhidos sobre o pavimento referido
Aleacutem do espoacutelio jaacute mencionado sobre as pedras f e g foram encontradas mais
algumas lacircminas o iacutedolo antropomorfo em greacutes (MG17992) um alfinete de cabelo
com cabeccedila posticcedila (MG17995-94) o pendente em calcite duas contas discoidais
em xisto e uma outra de pedra verde
No lado externo do esteio a foram recolhidos alguns ossos humanos e um
fragmento de placa em xisto mas ldquosem ornamentaccedilatildeordquo segundo o escavador
devendo corresponder a MG1791292 Aleacutem destes referem-se duas pontas de seta e
uma lacircmina Estes achados fora da cacircmara reforccedilam a impressatildeo referida
anteriormente de acentuada remobilizaccedilatildeo de materiais
Na cacircmara algum espoacutelio teraacute sobrevivido a mexidas antigas nomeadamente
uma lacircmina retocada mas partida (MG179124E) cujas partes foram colhidas a cotas
de 074 m e 084 m (a mais profunda registada) e uma lacircmina ovoacuteide junto com
fragmentos de cracircnio no espaccedilo entre o esteio c e m-n
Na aacuterea de entrada no curto ldquocorredorrdquo eacute possiacutevel distinguir dois conjuntos de
achados Um primeiro grupo de materiais relativamente dispersos sob e em redor da
laje i constituiacutedo por lacircminas (ex MG179124D) pontas de seta e um machado
(MG179191) O segundo conjunto corresponderaacute a um provaacutevel depoacutesito de
instrumentos de pedra polida (MG179113A 189 190 e 194) encontrado numa cota
inferior agrave base do esteio h rondando os 060 m e 075 m de profundidade Este tipo
de concentraccedilatildeo ainda que aparentemente pouco frequente nos sepulcros de Lisboa
(antas e outros tipos) eacute recorrente em sepulcros de outras regiotildees por exemplo no
Alentejo nomeadamente em escavaccedilotildees recentes nas antas de Santa Margarida 2
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 90 de 415
(Gonccedilalves 2001) ou de Rabuje 3 (Monforte) intervencionada por mim Nestas
conjuntos de utensiacutelios em pedra polida surgiram respectivamente no lado esquerdo
da entrada da cacircmara e num nicho escavado sob um dos esteios do corredor O
recente e clariacutessimo exemplo das grutas artificiais de Sobreira de Cima (Valera
Soares e Coelho 2008) parece reforccedilar esta tendecircncia tambeacutem verificada em antas
de Reguengos de Monsaraz e do Alentejo em geral (Leisner e Leisner 1951 e 1959
Gonaccedillves 2001)
A listagem do espoacutelio recolhido revela-se abundante sobretudo de materiais
em pedra lascada (Fig 60-62) Haacute no entanto que ressalvar que alguns destes
objectos poderatildeo corresponder natildeo a deposiccedilotildees funeraacuterias mas resultaram da
colheita entre as inuacutemeras lascas do piso do sepulcro (MG179146161) Esta
situaccedilatildeo em escavaccedilatildeo recente ocorreu na anta de Pedras Grandes num contexto
geoloacutegico semelhante e a cerca de 1 quiloacutemetro de Trigache 3
Apesar de mencionar-se a sua recolha natildeo foi possiacutevel identificar os restos
humanos deste sepulcro podendo corresponder a algum dos conjuntos sem
proveniecircncia da Necroacutepole de Trigache
Entre as lascas retocadas eacute possiacutevel destacar raspadores carenados e do tipo
leque bem como furadores sobre lasca e lasca laminar alguns deles apresentados
posteriormente por V Leisner (1965 taf 17)
Um pequeno nuacutecleo de siacutelex exausto (MG179123) encontrava-se entre as
lacircminas
Num total de 40 lacircminas e fragmentos destas apenas 5 natildeo apresentavam
retoque apresentando-se em geral largas e espessas Entre estas destaca-se um
conjunto de lacircminas compridas com retoque extensivo em um ou nos dois bordos
Registe-se ainda uma lacircmina ovoacuteide (MG17998)
As pontas de seta enumeradas foram todas identificadas mantendo-se a
proporccedilatildeo de 8 peccedilas com base convexa e 5 com base cocircncava
Os dois ldquomicroacutelitos de transiccedilatildeordquo listados natildeo foram considerados pois como
explanei acima pertenceratildeo a Trigache 2
O depoacutesito de instrumentos de pedra polida jaacute referido junto ao esteio h era
constituiacutedo por duas enxoacutes uma de xisto anfiboacutelico (MG179189) e outra de
anfibolito (MG179190) um machado em anfibolito (MG179113A) e um fragmento
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 91 de 415
de talatildeo de outra possiacutevel enxoacute em xisto anfiboacutelico (MG179194) Haacute ainda outro
machado em anfibolito (MG179191) sob o esteio i Entretanto outro fragmento
distal atribuiacutedo a Trigache 3 sem localizaccedilatildeo concreta (MG179113B) corresponde a
peccedila desenhada por V Leisner do espoacutelio de Conchadas (ALeisner Leis64) Em
geral as secccedilotildees destas peccedilas apresentam-se poligonais ou poligonais achatadas
Um fragmento de luacutenula em calcaacuterio (MG179114) e um iacutedolo-placa
antropomorfo em greacutes (MG17992) foram os uacutenicos artefactos votivos registados
Entre as contas de colar apenas foi possiacutevel localizar a veacutertebra de peixe (Fig
63 1) segundo os autores da Superclasse Teleostomi (Leisner e Ferreira 1961 p
322) com perfuraccedilatildeo (MG17993) o pingente ou conta em seixo de calcite
(MG17991) e o esboccedilo de conta em osso ainda natildeo totalmente perfurada
(MG17970B) As 11 contas de xisto discoidais e aquela em forma de azeitona em
pedra verde natildeo foram encontradas apesar do desenho de trecircs delas ser apresentado
(Leisner 1965 taf 18 1) F C Ribeiro refere ainda a possibilidade de ter
encontrado contas em azeviche mas estas desintegraram-se quando imersas em aacutegua
(ALeisner Leis61) Esta possibilidade eacute criacutevel pois conhecem-se outros achados
semelhantes noutros sepulcros nomeadamente em Monte Abraatildeo (Ribeiro 1880)
No acircmbito das peccedilas de osso para aleacutem das contas jaacute referidas foram
recolhidos fragmentos de alfinetes de cabelo com cabeccedila posticcedila podendo
corresponder a duas peccedilas Um das cabeccedilas era lisa (MG17996B) e a outra tinha
incisotildees horizontais encaixando ainda num pedaccedilo de haste (MG17994-95)
A presenccedila ceracircmica neste sepulcro resume-se a dois fragmentos ceracircmicos
provavelmente de um cincho ou queijeira (MG179115A e B) e alguns recipientes
campaniformes A sua reconstituiccedilatildeo permitiu verificar a existecircncia de dois vasos de
forma campanulada e uma taccedila com bordo espessado todos apresentando decoraccedilatildeo
impressa no estilo Palmela (Leisner e Ferreira 1961 Leisner 1965 p 18)
Segundo F C Ribeiro teraacute sido recolhida na cacircmara uma peccedila metaacutelica em
cobre a uma profundidade de 037 m Segundo este seria a ponta de um estilete ou
uma agulha apresentando-se as suas medidas 25 mm de comprido por 5 mm de
largura maacutexima e 4 mm de espessura Infelizmente jaacute natildeo foi encontrada pelos
editores do trabalho ainda que colocassem como hipoacutetese ser um fragmento de
punccedilatildeo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 92 de 415
Ateacute o momento natildeo foi possiacutevel obter qualquer dataccedilatildeo absoluta para este
sepulcro No entanto as caracteriacutesticas dos materiais exumados permitem apontar
alguns momentos de uso para este Assim julgo que este sepulcro teraacute sido
inicialmente utilizado na transiccedilatildeo do 4ordm para o 3ordm mileacutenio ane com maior
incidecircncia na primeira metade do uacuteltimo mas tambeacutem pontualmente na sua segunda
metade
Algo que importa realccedilar eacute a proximidade com Trigache 2 possivelmente
construiacuteda em momento anterior mas que depois teraacute sido utilizada em simultacircneo
com Trigache 3 o que pelo menos os fragmentos de luacutenulas distintas e algumas
pontas de seta parecem indiciar
4134 Trigache 4
O sepulcro de Trigache 4 (CNS-20099) localizava-se a cerca de 400 metros
para noroeste da anta de Trigache 1 numa chatilde conhecida localmente por
ldquoCasinholardquo De acordo com F C Ribeiro um dos proprietaacuterios Luiacutes Pedroso
lembrava-se ldquomuito bem desta anta quando ainda conservava chapeacuteu e outros
esteios que lhe davam a aparecircncia duma pequena casardquo (cit in ALeisner Leis 61)
A fotografia deste monumento que permite avistar atraacutes os relevos encaixantes
do vale da ribeira de Caneccedilas parece evidenciar as suas caracteriacutesticas megaliacuteticas
pelo menos dos dois esteios remanescentes na cacircmara e das lajes do corredor (Fig
55 3-4) Estes esteios apesar de apresentarem os seus topos fracturados datildeo uma
ideia da sua dimensatildeo antiga sobretudo quando consideramos a sua proporccedilatildeo face a
F C Ribeiro posando dentro da cacircmara atraacutes de um deles (Leisner e Ferreira 1961
est XIV 5) Aquele par de esteios (a e b) encontrava-se ainda in situ ligeiramente
inclinados para dentro do espaccedilo sepulcral distantes entre si cerca de 060 m
marcando e estrangulando a passagem do corredor para a cacircmara sem que tivesse
sido detectado restos da laje de cobertura Numa planta esquemaacutetica aparentemente
da autoria de F C Ribeiro (ALeisner Leis61) para aleacutem daqueles monoacutelitos surge
indicado um terceiro esteio na cacircmara do lado sul
A implantaccedilatildeo do recinto cacircmara e corredor implicou a escavaccedilatildeo parcial do
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 93 de 415
substrato rochoso do Cenomaniano meacutedio3 ainda que o uacuteltimo sector se quedasse
numa cota um pouco superior o que parece evidente na foto referida atraacutes A
superfiacutecie do substrato em redor da cacircmara escavada atingia cotas variaacuteveis de 015
m e 094 m acima do seu pavimento Assim a partir daqueles limites afeiccediloados F
C Ribeiro supocircs que a cacircmara teria uma planta ldquocircular ou sensivelmente
poligonalrdquo (cit in ALeisner Leis61) alcanccedilando um diacircmetro de cerca de 5 metros
(Leisner e Ferreira 1961 p 310)
Quase no centro da cacircmara foi detectada uma cavidade de formato triangular
ainda com vaacuterias pedras inclusas forrando as faces internas daquela realidade uma
laje cujo topo estava 010 m acima do pavimento outra cujo topo aflorava 045 m
sem que a base assentasse no fundo e ainda um pequeno muro de pedra seca de 4
fiadas Na boca daquela estrutura foi ainda recolhida uma pedra de calcaacuterio com
sinais uso interpretada como alisador pelo seu escavador mas tal superfiacutecie
entretanto observada natildeo corresponde a tal surgindo apenas alguns sinais de
percussatildeo num dos veacutertices Pelas caracteriacutesticas referidas esta estrutura
corresponderaacute a um buraco de poste com calccedilos Contudo a diferenccedila de altimetria
entre os topos e o pavimento da cacircmara levam-me a questionar a sua
contemporaneidade natildeo crendo que reflectisse a existecircncia de um eventual suporte
de uma cuacutepula proposto pelos editores (Leisner e Ferreira 1961 p 310) Tal
clarificaccedilatildeo definitiva eacute hoje impossiacutevel mas alguns argumentos seratildeo discutidos
infra refutando esta possibilidade
Salientava-se ainda uma particularidade geoloacutegica dentro cacircmara que
produzira um veio rochoso dividindo a cacircmara em duas partes desiguais para a qual
F C Ribeiro apontava como paralelos os casos de Palmela e de Folha das Barradas
neste uacuteltimo caso as lajes fincadas procurariam obter o mesmo efeito (cit in
ALeisner Leis61)
Segundo V Leisner e O V Ferreira (1961) o corredor tinha 250 m de
comprimento por cerca 120 m de largura ainda que F C Ribeiro apontasse 220 m
de comprido e uma largura no final do corredor junto aos esteios a e b de 1 metro o
que surge indicado na planta esquemaacutetica jaacute referida acima Tambeacutem natildeo se percebe
a origem dos blocos servindo de umbrais de entrada incluiacutedos na planta publicada
3 Contrariamente ao afirmado por V Leisner e O V Ferreira (1961 p 311)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 94 de 415
pois o escavador apenas esboccedila e refere ldquodois renques paralelos de lajes colocadas
ao alto em disposiccedilatildeo imbricada e assentes no pavimento de rochardquo (cit in ALeisner
Leis61) A orientaccedilatildeo do corredor apontaria a sudeste
O que parece paciacutefico eacute a condiccedilatildeo extremamente perturbada do espoacutelio na
aacuterea da cacircmara e em menor grau no corredor
Na cacircmara o seu conteuacutedo tinha sido quase totalmente remexido e provaacutevel e
parcialmente retirado detectando-se apenas junto do esteio b uma concentraccedilatildeo de
objectos aparentemente natildeo tocada com duas lacircminas (MG17913 e 89) junto a
fragmentos de cracircnio a uma profundidade de 024 m ndash dois cracircnios atribuiacutedos ao 1ordm
niacutevel (MG17924 e 25) poderatildeo corresponder a esta zona coincidindo com a
anotaccedilatildeo de F C Ribeiro (ALeisner Leis61) Ainda na cripta recolheram-se avulsos
fragmentos de lacircminas um apito de aspecto recente (MG17990 numa profundidade
de 057 m abaixo do solo) e um ldquopunhalrdquo (MG17903) ambos sobre osso
Segundo F C Ribeiro a preservaccedilatildeo do conteuacutedo da aacuterea do corredor era
semelhante agrave de outros doacutelmenes portanto mais recheada que a cacircmara
evidenciando uma maior concentraccedilatildeo de restos osteoloacutegicos No entanto como a
maioria do espoacutelio foi apanhada durante o processo de crivagem o escavador natildeo
especificou a sua proveniecircncia referindo que viria tanto da cacircmara como da galeria
Inclusive a falange de equiacutedeo (MG17902) aparentemente com restos de pigmento
vermelho (Leisner e Ferreira 1961 p 312) eacute anotada junto com ossos mas sem
adscriccedilatildeo a uma aacuterea concreta Actualmente aquela tonalidade desapareceu talvez
porque a peccedila pareccedila ter sido limpa num passado recente Contudo por causa dessa
limpeza eacute possiacutevel verificar que a falange natildeo teve qualquer trabalho de
afeiccediloamento ou polimento nas suas superfiacutecies como ocorreu noutros casos
nomeadamente em Leceia (Cardoso 1995a) ou na Lapa da Bugalheira (Paccedilo
Vaultier e Zbyszweski 1942 Paccedilo Zbyszweski e Ferreira 1971) o que natildeo invalida
o seu provaacutevel caraacutecter ideoteacutecnico
Entre o espoacutelio apresentado por V Leisner e O V Ferreira (1961 Leisner
1965) satildeo ainda referidos fragmentos de hastes de alfinetes de cabelo e de tubos
ambos em osso que ainda se encontram entre o espoacutelio Contudo o mesmo jaacute natildeo
ocorre com as contas de colar apresentadas por V Leisner (1965 taf 18-23) mas
natildeo referidas na primeira publicaccedilatildeo (Leisner e Ferreira 1961 p 311-312) Aqui teraacute
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 95 de 415
ocorrido algum lapso pois jaacute na prancha de desenhos das peccedilas de Trigache 4 as
contas que ali constam estatildeo destacadas e tituladas como Trigache 3 (ALeisner
Leis61)
Para aleacutem das peccedilas em osso polido o restante material resume-se a liacuteticos
lascados notando-se a ausecircncia completa de instrumentos de pedra polida
recipientes ceracircmicos ou artefactos claramente votivos normalmente presentes em
contextos atribuiacuteveis a partir de momentos de transiccedilatildeo do 4ordm para o 3ordm mileacutenio ane
Assim avaliando o espoacutelio recolhido (Fig 63 2 e 64) destacam-se os
geomeacutetricos e algumas lacircminas remetendo-se para um momento inicial de uso pelo
menos entre os dois uacuteltimos quarteacuteis do 4ordm mileacutenio ane Essa impressatildeo parece
confirmar-se pela dataccedilatildeo absoluta Beta-228583 (Anexo 3 Quadro 2) situada entre
3340-2930 cal BCE (com 895 de probabilidade restringe-se a 3340-3000 cal
BCE) realizada sobre um dos cracircnios humanos (MG1792401) provavelmente
recolhido na cacircmara junto ao esteio b Este intervalo de tempo poderia marcar a
substituiccedilatildeo gradual de um primeiro pacote de objectos votivos por artefactos de
osso polido e as lacircminas retocadas (MG17911 e MG17989) a uacuteltima das quais
encontrada inteira no local de proveniecircncia do cracircnio e posteriormente com a ponta
de seta de base cocircncava elemento provaacutevel do 3ordm mileacutenio ane da regiatildeo
Perante tal proposta cronoloacutegica reflectida pelo espoacutelio arcaico a
possibilidade de Trigache 4 ter sido uma estrutura com falsa cuacutepula tipo tholos
(Leisner e Ferreira 1961 p 310) eacute difiacutecil de aceitar o que natildeo nega a possibilidade
de este sepulcro poder ter tido uma cobertura pereciacutevel em determinado momento da
sua histoacuteria antiga eou recente Mas face agrave descriccedilatildeo do antigo proprietaacuterio e ao
cariz megaliacutetico dos elementos entatildeo sobreviventes creio que estariacuteamos perante
uma anta que natildeo teria 5 metros de diacircmetro no seu topo pois a habitual inclinaccedilatildeo
dos esteios reduziria a aacuterea necessitada de cobertura agrave semelhanccedila do que ocorria na
anta de Pedra Grandes soacute para dar um exemplo a cerca de um quiloacutemetro de
distacircncia e recentemente escavada
4135 Os ldquooacuterfatildeosrdquo de Trigache
Resta ainda fazer referecircncia aos materiais hoje apenas classificados por
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 96 de 415
Necroacutepole de Trigache Inicialmente resumiam-se a um conjunto ceracircmico
heterogeacuteneo constituiacutedo por um bordo denteado taccedilas hemisfeacutericas uma grande taccedila
com decoraccedilatildeo canelada e alguns recipientes com decoraccedilatildeo campaniforme dois
deles campanulados (Fig 56 2) As decoraccedilotildees deste uacuteltimo grupo apresentam-se
impressas no estilo internacional e Palmela mas tambeacutem se registam alguns
fragmentos incisos (Leisner e Ferreira 1959 e 1961 Leisner 1965) Apesar de
desconhecerem a proveniecircncia por sepulcro daqueles recipientes os editores do
trabalho garantiam a sua pertenccedila agrave dita Necroacutepole talvez graccedilas a documentaccedilatildeo a
que natildeo tive acesso Por outro lado no arquivo Leisner os apontamentos transcritos
de F C Ribeiro satildeo bastante parcos em referecircncias a ceracircmicas apenas apontadas
em Trigache 2 ndash apesar da listagem mais ou menos cuidada da maioria dos objectos
natildeo encontrei enumeraccedilotildees similares para as ceracircmicas que teratildeo existido tal como
acontece com as ceracircmicas de Conchadas (ALeisner Leis64) Assim pelo que eacute
possiacutevel compilar parece que apenas em Trigache 2 e 3 foram recolhidas ceracircmicas
sobretudo campaniformes semelhantes agraves oacuterfatildes pelo que eacute plausiacutevel a sua adscriccedilatildeo
a estes dois sepulcros
No que se refere a posteriores perdas as lascas de siacutelex e os restos humanos
satildeo dois conjuntos para os quais eacute hoje difiacutecil estabelecer a origem
Se a perda da proveniecircncia concreta de dezenas de lascas eacute lamentaacutevel a
referecircncia a sedimentos misturados com lascas de siacutelex em todos os monumentos
ainda que mais claramente para Trigache 2 e 3 parece realccedilar a riqueza da aacuterea em
siacutelex e a sua provaacutevel extracccedilatildeo
O prejuiacutezo maior resulta dos restos humanos ldquooacuterfatildeosrdquo Havendo uma referecircncia
mais cuidada em relaccedilatildeo a estes durante a escavaccedilatildeo o seu estudo e dataccedilatildeo absoluta
teriam permitido uma melhor integraccedilatildeo cronoloacutegica dos sepulcros Contudo porque
no momento em que escrevo estas linhas ainda natildeo se concluiu o estudo da
totalidade do material osteoloacutegico de Trigache (sobretudo o classificado como
Necroacutepole) que inclui a intenccedilatildeo de cruzamento e verificaccedilatildeo de colagens entre
conjuntos de ossos fica incerta aquela possibilidade
4136 O espaccedilo necropolizado de Trigache
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 97 de 415
Perante a descriccedilatildeo e anaacutelise de cada um dos sepulcros eacute possiacutevel verificar que
estes haviam sido estruturalmente danificados e mexidos com evidentes subtracccedilotildees
de espoacutelio Ainda assim eacute possiacutevel adscrever de forma geneacuterica possiacuteveis momentos
de utilizaccedilatildeo situados essencialmente entre os dois uacuteltimos quarteacuteis do 4ordm e meados
do 3ordm mileacutenio ane com alguns usos em dois deles (Trigache 2 e 3) na 2ordf metade
deste uacuteltimo
A tipologia de trecircs destes sepulcros Trigache 1 2 e 4 eacute passiacutevel de ser
integrada no grupo de cacircmaras poligonais pelo menos em dois casos com corredor
A excepccedilatildeo eacute o sepulcro de Trigache 3 com uma planta alongada quase trapezoidal
curiosamente aquele com uma cronologia de utilizaccedilatildeo aparentemente mais recente
Conjugando as propostas cronomeacutetricas agrave sua agregaccedilatildeo espacial (Fig 26) eacute
possiacutevel vislumbrar na vertente do Campo de Trigache um espaccedilo necropolizado
cujo significado maacutegico-religioso se teraacute mantido por vaacuterios seacuteculos inclusive para
aleacutem do seu intuito original No entanto essa aacuterea parece ter sido simultaneamente
ou pelo menos em momentos imediatamente anteriores local de extracccedilatildeo de siacutelex
(Andrade e Cardoso 2004) Portanto que relaccedilatildeo entre essas duas realidades Hoje
apenas se pode registaacute-la e presumi-la como uma provaacutevel mais-valia daquelas
populaccedilotildees
Mas se o espaccedilo para os defuntos eacute conhecido os locais de habitaccedilatildeo em redor
ainda natildeo foram esclarecidos Se a imensa pedreira poderaacute ter erradicado alguns
deles haacute pelo menos o registo de uma possiacutevel presenccedila atribuiacutevel a finais do 4ordm
mileacutenio no topo da Serra da Amoreira (Marques 1987 Andrade e Cardoso 2004)
situado a nordeste e sobranceiro ao vale destes mortos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 98 de 415
414 As antas entre os clusters de Belas e Trigache
Entre os clusters de Belas e Trigache localizavam-se as antas de Conchadas
Pedras Grandes e Batalhas As duas uacuteltimas encontravam-se aparentemente
agrupadas e natildeo longe de Trigache mas a anta de Conchadas parecia surgir mais
isolada
4141 Conchadas
O siacutetio de Conchadas (CNS-2095) foi escavado no acircmbito dos jaacute referidos
trabalhos empreendidos por Francisco C Ribeiro durante a deacutecada de 20
aparentemente na sequecircncia das exploraccedilotildees de Trigache Alguns dos iacutedolos-placa
ali recolhidos apresentam etiquetas indicando os meses de Agosto e Setembro de
1922 (ldquo68922rdquo- MG30214 rdquo108922rdquo- MG30203 17 ldquo168922rdquo- MG30202
04 12 13 16 18 ldquo69922rdquo- MG30232) reflectindo uma intervenccedilatildeo pontual
sujeita agrave disponibilidade e sauacutede do escavador
A transcriccedilatildeo dos apontamentos de F C Ribeiro constante no arquivo Leisner
apresenta-se quase como um manuscrito para publicaccedilatildeo onde se faz referecircncia a um
esboccedilo de planta e fotografias da escavaccedilatildeo que natildeo constam no arquivo Leisner
O sepulcro situava-se a cerca de 750 metros a oeste-noroeste da aldeia de A-
da-Beja numa vertente virada a sul (Fig 26) Seguindo essa informaccedilatildeo e aquela
resultante de testemunhos orais compilados por J Miranda e colaboradores (1999 p
8) verifica-se que aquele siacutetio se implantava numa aacuterea de calcaacuterios do Cretaacutecico
concretamente do Hauteriviano superiorBarremiano inferior com calcaacuterios recifais e
calcaacuterios com Chofattellas e Dasicladaacuteceas onde por vezes se detectam depoacutesitos de
argilas coloridas (SGP 1991 Ramalho et al 1993)
Observando a imagem publicada (Leisner e Ferreira 1961 est XIV 6) eacute
possiacutevel constatar uma paisagem extremamente alterada pela extracccedilatildeo de pedra
naquele local Inclusive junto agrave cacircmara do lado norte tinha sido aberto um fosso
com aquele fim (ALeisner Leis64)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 99 de 415
O espaccedilo da cacircmara tinha sido escavado no substrato cerca de 020 m a 025 m
sendo esse desniacutevel anotado face agrave superfiacutecie das bancadas em redor A partir deste
negativo entretanto preenchido F C Ribeiro apontava um espaccedilo de cariz poligonal
com cerca de 290 m de diacircmetro Ali apenas restava um esteio (A) in situ cravado
na rocha cerca de 015 m com cerca de 130 m de largura por 020 m de espessura e
mais 095 m em altura a partir do pavimento isto porque tinha sido quebrado
anteriormente Este encontrava-se relativamente inclinado (cerca de 45ordm para oeste)
pelo que a sua posiccedilatildeo original natildeo estaria tatildeo descentrada face ao corredor como
pretendo demonstrar (Fig 68 1-2)
O corredor encontrava-se melhor preservado o que eacute possiacutevel confirmar pela
imagem jaacute referida Este apresentava ainda in situ vaacuterios blocos mas natildeo tinha sido
escavado no substrato como a cacircmara surgindo a uma cota superior com todos os
esteios assentes sobre uma camada de argila avermelhada (provavelmente parte do
proacuteprio substrato) excepto o esteio C cravado directamente na rocha A orientaccedilatildeo
apresentada com certeza baseada em documentaccedilatildeo do escavador aponta a
passagem do sepulcro numa direcccedilatildeo sul-sudeste
Marcando a entrada da cacircmara encontravam-se dois blocos alongados de
secccedilatildeo rectangular servindo de umbrais (B e G) respectivamente com 040 m e 038
m de altura 022 m e 050 m de largura e 014 m e 010 m de espessura Entre estes
jazia alinhada e sobre o pavimento ainda que ligeiramente inclinada para a cacircmara
um bloco de secccedilatildeo triangular com cerca de 092-081 m de comprimento por 025 m
de largura na base (H) provavelmente servindo de soleira Esta estrutura de portal
parece evidente na imagem e teria a sua funccedilatildeo ainda mais acentuada pelo desniacutevel
que ocorria entre o corredor e o espaccedilo central que rondaria cerca de 030-035 m
Estruturando o restante acesso implantavam-se do lado nascente dois esteios (C
e D) em posiccedilatildeo vertical e a poente outros dois (F e E) ligeiramente inclinados para
fora O maior deles era o C com 050 m de altura acima do piso 130 m de largura e
020 m de espessura o esteio D mantinha a mesma altura e espessura mas apenas
053 m de largura A outra fiada com um hiato entre o umbral G e a laje F
apresentava esta uacuteltima com 050 m de altura por 085 m de comprido e a laje E com
030 m de altura por 077 m de comprimento mas ambas com uma espessura
semelhante de 007 m de espessura A distacircncia meacutedia entre as duas fiadas era de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 100 de 415
125 m estendendo-se a passagem por cerca de 2 m No entanto esta aacuterea de
passagem prolongava-se ainda de forma desigual mas na mesma direcccedilatildeo cerca de
140 m aleacutem do esteio D e 080 m aleacutem do esteio E de acordo com F C Ribeiro que
ali ainda recolheu materiais arqueoloacutegicos (ALeisner Leis 64)
Face agraves dimensotildees dos elementos do corredor e sobretudo agrave fragilidade dos
esteios do lado oeste F C Ribeiro duvidava que este alguma vez tivesse cobertura
Argumentava ainda com a evidecircncia de um depoacutesito funeraacuterio sobre uma laje
horizontal 020 m abaixo do topo do esteio C (e natildeo E como referido por V Leisner
e O V Ferreira 1961 p 314) o que natildeo teria sido possiacutevel se existisse um
cobertura Independentemente daquela realidade perante a descriccedilatildeo global eacute
provaacutevel que esta passagem tivesse mais um caraacutecter vestibular do que
correspondesse a um verdadeiro corredor o que poderia explicar o portal na entrada
da cacircmara
Assim face agraves caracteriacutesticas expostas eacute possiacutevel admitir que este sepulcro
fosse do tipo anta ainda que muito destruiacuteda A classificaccedilatildeo como tholos (Leisner e
Ferreira 1959 Ferreira 1966 Miranda et al 1999) colide com as caracteriacutesticas
megaliacuteticas do uacutenico ortoacutestato sobrevivente da cacircmara a ausecircncia de elementos
associaacuteveis a uma cuacutepula bem como com alguns dos artefactos presentes
nomeadamente os geomeacutetricos lembrando o caso de Trigache 4
A descriccedilatildeo e localizaccedilatildeo dos achados providenciadas nos apontamentos de F
C Ribeiro apresentavam-se mais pormenorizadas do que aquelas dos sepulcros de
Trigache Talvez por isso as plantas reconstituiacutedas nas publicaccedilotildees apontem mais
objectos (Leisner e Ferreira 1961 fig 2) nomeadamente com a identificaccedilatildeo
especiacutefica de alguns objectos (Leisner 1965 taf 26) Contudo nem sempre essa
relaccedilatildeo pocircde ser esclarecida pelo que indicaram apenas o tipo de peccedila Noutros
casos talvez por lapso alguns artefactos surgem equivocados como eacute o caso dos
fragmentos de um iacutedolo-placa (MG30225A-D Leisner 1965 taf 26 e 27 61)
indicados no corredor mas afinal recolhidos na cacircmara (ALeisner Leis64) ou de
lacircminas e machados com os mesmos equiacutevocos Poreacutem mesmo com estas situaccedilotildees
rectificadas eacute importante realccedilar que a discriminaccedilatildeo do escavador eacute susceptiacutevel de
precauccedilatildeo pois as suas noacutetulas nem sempre se apresentavam coerentes por exemplo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 101 de 415
boa parte das localizaccedilotildees satildeo dadas a partir de outros objectos mas como por vezes
esses natildeo surgem situados tudo o resto se torna irrelevante
Apesar das insuficiecircncias do registo espacial dos achados eacute pelo menos
possiacutevel verificar que a cacircmara jaacute tinha sido grandemente saqueada provindo a
maioria do espoacutelio da aacuterea vestibular (Fig 65-67) Neste uacuteltimo sector os achados
foram recolhidos normalmente em cotas rodando os 040 m abaixo da superfiacutecie
(segundo F C Ribeiro estaria ao niacutevel do topo do esteio C ndash ALeisner Leis64)
ainda que tambeacutem surgissem menos a 020 m Segundo o escavador aquele sector
encontrava-se relativamente preservado o que parece confirmar-se pelo grau de
integridade do material recolhido Pelo contraacuterio na cacircmara os poucos materiais
encontrados estavam mais quebrados (por exemplo os iacutedolos-placa) excepto aqueles
junto agrave entrada (algumas lacircminas) ou em cotas profundas em redor dos 060 m
como duas das placas (MG30215 e 19)
Na aacuterea vestibular eacute pertinente mencionar a grande taccedila com caneluras abaixo
do bordo encontrada segundo os autores junto e entre as lajes E e F (Leisner e
Ferreira Leisner 1965) ainda que nas transcriccedilotildees dos apontamentos de F C
Ribeiro apenas se encontra a referecircncia a ldquogaleriardquo (ALeisner Leis64) Para aleacutem de
um conjunto de trecircs lacircminas retocadas (MG30257 62C e 62D) junto ao esteio G e agrave
soleira da entrada da cacircmara as outras concentraccedilotildees satildeo difiacuteceis de estabelecer
podendo salientar-se o agrupamento de materiais defronte do esteio C ou os dois
iacutedolos-placa sobrepostos (MG30212 e outra placa jaacute natildeo encontrada pelos
arqueoacutelogos que F C Ribeiro designou ldquo26(8ordf)rdquo) proacuteximos da enxoacute inteira
MG30226 Mas o que parece significativo eacute a acumulaccedilatildeo de materiais nesta
passagem
Ainda no vestiacutebulo conviraacute descrever melhor o uacutenico depoacutesito osteoloacutegico
mencionado Como jaacute foi referido acima aquela realidade explicaria para o
escavador a ausecircncia de cobertura da passagem Esta consistia numa laje pentagonal
com 010 m de espessura alcanccedilando as dimensotildees miacutenima e maacutexima de 046 m e
088 m respectivamente A cerca de 020 m abaixo do topo do esteio C assentava
horizontal e paralelamente agravequele esteio e a 037 m de distacircncia do B Sobre esta
ldquorepousava um esqueleto colocado paralelamente ao eixo da galeria e com os peacutes
voltados para o portal reducido agrave coluna vertebral costelas claviacuteculas ossos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 102 de 415
iliacuteacos ossos longos alguns dos quais se prolongavam para fora da pedra
mostrando entre si e no seu conjunto a posiccedilatildeo normal de um cadaver
cuidadosamente inumado de costas A este despojo humano estava associada uma
facardquo (F C Ribeiro cit in ALeisner Leis64) Pelo relato julgo que aquela realidade
corresponderia a algum tipo de ossaacuterio ainda que hoje jaacute natildeo seja possiacutevel analisar
aquele conjunto pois no espoacutelio de Conchadas com excepccedilatildeo de dois dentes
humanos natildeo se conhece mais material osteoloacutegico humano ndash talvez misturado nos
conjuntos de Necroacutepole de Trigache Quem sabe
O material lascado foi recolhido na cacircmara e vestiacutebulo tendo listado 21 peccedilas
alongadas (na publicaccedilatildeo referiam pelo menos 20) quase totalmente em siacutelex
Caracteriza-se por um conjunto de fragmentos de pequenas lacircminas e duas lamelas
(uma em quartzo hialino) pouco ou nada retocados Outro conjunto de grandes
lacircminas apresenta 3 peccedilas natildeo retocadas e 6 retocadas algumas extensivamente
De produtos alongados teratildeo sido obtidos os 4 geomeacutetricos trapezoidais ali
encontrados (Fig 68 3) bem como as 11 pontas de seta maioritariamente com bases
convexas e apenas duas com base cocircncava
Para aleacutem de uma pequena lasca sem retoque haacute outras duas que foram
trabalhadas para pequenos raspadores
Finalmente haacute uma referecircncia a um punhal em siacutelex mas tal jaacute natildeo foi
encontrado (Leisner e Ferreira 1961 p 315)
Os instrumentos de pedra polida resumem-se a dois machados de anfibolito
com secccedilotildees poligonais (MG30234 e 179113B) e duas enxoacutes em xisto anfiboacutelico
(MG30226 e 36) com secccedilotildees arredondadas tal como eacute referido pelos autores Surge
ainda um machado em rocha basaacuteltica com secccedilatildeo ovalada bem polido com uma
marcaccedilatildeo ilegiacutevel (mas com coacutedigo MG30233) mas do mesmo cariz de outras
observadas em peccedilas tratadas por F C Ribeiro No entanto ainda que V Leisner
tenha desenhado a peccedila no conjunto de Conchadas anotou que aquela natildeo era
referida nos apontamentos para Trigache ou Conchadas interrogando-se acerca da
sua proveniecircncia (ALeisner Leis64) Mas o mesmo se poderia dizer do fragmento
de enxoacute (MG30236) que tambeacutem natildeo eacute listado nas transcriccedilotildees disponiacuteveis de F C
Ribeiro mas aceite como Conchadas Finalmente registo ainda a rectificaccedilatildeo jaacute
adiantada noutro capiacutetulo acerca do machado MG179113B pertencente a
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 103 de 415
Conchadas mas que tinha migrado para a colecccedilatildeo de Trigache (mantive o coacutedigo da
estaccedilatildeo Trigache para natildeo causar maior confusatildeo pois seraacute o Museu atribuir-lhe
nova referecircncia)
Dentro da categoria de pedra afeiccediloada poderaacute incluir-se o seixo quartziacutetico
oblongo com sinais de percussatildeo numa das extremidades (MG30245)
No acircmbito dos artefactos votivos esta anta apresenta um dos maiores
conjuntos de iacutedolos-placa da regiatildeo de Lisboa com pelo menos catorze peccedilas
nuacutemero aproximado agravequele da cacircmara ocidental do tholos da Praia das Maccedilatildes
(Leisner 1965) ainda que a pouco mais de um quiloacutemetro no conjunto de grutas
artificiais do Tojal de Vila Chatilde (Carenque) sobretudo em Carenque 1 e 2 tambeacutem se
registam alguns exemplares mas em nuacutemero mais reduzido (Gonccedilalves Andrade e
Pereira 2004)
As informaccedilotildees disponiacuteveis apontam para a recolha de 4 placas na cacircmara
Conforme a condiccedilatildeo da cacircmara jaacute referida acima compreende-se porque algumas
das peccedilas recolhidas se encontrassem quebradas
Uma das placas (MG30235) encontra-se extremamente fragmentada para o
que teraacute contribuiacutedo bastante o facto de ser em micaxisto luzente Natildeo apresenta
gravaccedilatildeo visiacutevel notando-se apenas o seu contorno rectangular com cantos
arredondados e parte de uma perfuraccedilatildeo num topo
Outra provaacutevel placa presume-se pelos seus 4 fragmentos (MG30225A-D) em
xisto ardosiano com caracteriacutesticas semelhantes dois deles colando e depreendendo-
se que os restantes poderiam pertencer agrave mesma peccedila um fragmento do topo
(MG30225B) ainda com gravaccedilatildeo numa das faces e uma perfuraccedilatildeo e que cola com
um fragmento meacutedio do corpo verificando-se gravaccedilatildeo em ambas as faces
(MG30225A) um fragmento da base com gravaccedilatildeo numa das faces (MG30225C)
e um pequeno fragmento sem faces polidas preservadas (MG30225D)
As outras duas placas recolhidas na cacircmara apresentam-se quase intactas
(MG30215 e 19) ainda que se desconhecendo quando foram recolhidas surgindo
ambas com a menccedilatildeo ldquoencontrada no mesmo diardquo
Na aacuterea vestibular foram encontrados outros dez iacutedolos-placa com algumas
fracturas e lascagens mas essencialmente preservados Destes apenas uma placa natildeo
foi encontrada por V Leisner e O V Ferreira (1961) ainda que tal facto natildeo seja
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 104 de 415
esclarecido na publicaccedilatildeo Mas na documentaccedilatildeo de V Leisner apesar de surgirem
os desenhos natildeo publicados de duas das placas listadas aquela tambeacutem natildeo surge
desenhada Assim segundo o inventaacuterio de F C Ribeiro sabe-se que essa placa teria
o coacutedigo ldquo26(8ordf)rdquo ndash seria de xisto cinzento micaacuteceo com uma altura de 15 cm
largura meacutedia de 76 cm e espessura maacutexima de 07 cm O seu contorno seria
subtrapezoidal com acircngulos arredondados A face gravada estaria dividida em 5
secccedilotildees (4 bandas e o topo) com ornamentaccedilatildeo triangular e teria 2 orifiacutecios
(ALeisner Leis64)
Das restantes peccedilas apenas a placa ldquoCTTrdquo (MG30213) merece para jaacute um
breve destaque pois apresenta aleacutem da sua gravaccedilatildeo principal um esboccedilo das linhas-
guia gravadas na outra face
Finalmente haacute ainda um outro iacutedolo-placa (MG30232) que teraacute sido recolhido
a 9 de Setembro mas que natildeo consta da listagem de F C Ribeiro No entanto V
Leisner apresenta-o ainda que natildeo se saiba a sua proveniecircncia concreta no sepulcro
Esta placa apresenta-se muito sumida com linhas-guia verticais e faixas
ziguezagueantes O mais evidente eacute o par de orifiacutecios no topo
Genericamente o conjunto de placas depositadas na anta das Conchadas
apresenta topos simeacutetricos e corpos com bandas relativamente coerentes e
preenchidas com triacircngulos
Aleacutem destes iacutedolos-placa denunciando influecircncias inter-regionais registaram-
se trecircs beacutetilos cilindroacuteides sem qualquer gravaccedilatildeo mais frequentes nesta regiatildeo em
dado periacuteodo Infelizmente estes foram encontrados em camadas superficiais ou
revolvidas O fragmento de pequeno iacutedolo ciliacutendrico MG30210 surgiu nos entulhos
da cacircmara bem como outro pedaccedilo maior de um outro Este uacuteltimo colou com
fragmento recolhido na passagem (MG30201) Por fim recolheu-se ainda uma peccedila
completa (MG30211) mas quase na superfiacutecie da aacuterea de acesso ao sepulcro
Uma pequena peccedila betiloacuteide sobre osso (MG30241) tambeacutem se enquadraraacute
no grupo dos iacutedolos ciliacutendricos mas porque se encontra fracturada num dos topos
natildeo se sabe se teria um estrangulamento tornando-a num iacutedolo-gola
Tambeacutem realizadas sobre osso foram recolhidos trecircs figurinhas de lagomorfos
(MG30253 e 54) uma delas completa na cacircmara (MG30222) Este artefacto
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 105 de 415
votivo tem sido identificado em outros sepulcros da regiatildeo de Lisboa e fora dela
(Leisner e Leisner 1959 Leisner 1965 Ferreira 1970)
Os elementos de adorno nesta anta satildeo variados Um alfinete de cabelo com
cabeccedila posticcedila sem evidente decoraccedilatildeo Outras duas cabeccedilas tambeacutem se apresentam
quase lisas notando-se apenas algumas incisotildees pouco consistentes registando-se
ainda alguns pedaccedilos de hastes Com um fragmento de haste (MG30228E) tentei
obter uma dataccedilatildeo radiocarboacutenica mas o colageacutenio revelou-se insuficiente para tal
desiderato
Entre os elementos de colar contam-se alguns pingentes sobre pedra
(MG30244) osso (MG30239) e presa de Sus sp (MG3024301) Para ser usada
como conta uma veacutertebra de peixe segundo os autores da Superclasse Teleostomi
(Leisner e Ferreira 1961 p 322) foi afeiccediloada e polida (MG30240) Mas no
essencial satildeo as pequenas contas discoidais (MG30256) que representam esta classe
de artefactos nomeadamente 46 de xisto duas sobre concha e trecircs em osso
Associados possivelmente ao vestuaacuterio de defuntos encontraram-se cerca de
sete bototildees em osso com perfuraccedilotildees em V (Fig 68 6-8) um de formato coacutenico
(MG30248) trecircs com apecircndices do tipo cabeccedila de tartaruga (MG3024647 e 49) e
trecircs com apecircndices troncocoacutenicos (MG30250-52)
Haacute ainda um elemento oacutesseo polido tipo espaacutetula (MG30229) que natildeo eacute
referido na listagem publicada (Leisner e Ferreira 1961 Leisner 1965) nem surge
desenhado na documentaccedilatildeo de V Leisner (ALeisner Leis64) pelo que coloco
reservas na sua pertenccedila originalmente a este conjunto
Quanto aos recipientes ceracircmicos apesar de existir parte da sua listagem natildeo
surge indicada a proveniecircncia concreta dos fragmentos excepto no caso da taccedila
canelada jaacute referida Aleacutem desta regista-se apenas uma taccedila lisa quase completa de
difiacutecil enquadramento cronoloacutegico
A restante ceracircmica representa vaacuterios exemplares campaniformes Dois vasos
campanulados com decoraccedilatildeo pontilhada no estilo internacional (MG30277A-B)
Algumas taccedilas com decoraccedilatildeo pontilhada mais elaborada recordando o estilo
Palmela No que concerne a decoraccedilatildeo incisa surgem alguns fragmentos em bandas
mas destacam-se sobretudo duas peccedilas uma taccedila com decoraccedilatildeo na face interna com
espinhados (MG30270) e fragmentos de uma taccedila com peacute decorado com reticulado
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 106 de 415
inciso (MG30282) cujo desenho eacute apresentado invertido (Leisner e Ferreira 1961
fig 5 Leisner 1965 taf 28 81) Esta peccedila corresponderaacute ao raro tipo de vaso tipo
fruteira (Fig 67) encontrado em Satildeo Pedro do Estoril 1 e Porto Covo (Gonccedilalves
2005b)
Um fragmento mesial de um elemento de tear do tipo crescente com secccedilatildeo
arredondada encontrava-se num conjunto de peccedilas amorfas de ceracircmica V Leisner
natildeo se lhe refere pelo que registo-o com reserva tendo em conta as vicissitudes das
colecccedilotildees do Museu Geoloacutegico bem como a raridade destas peccedilas na Estremadura
(Diniz 1994 Boaventura 2001)
Para um enquadramento cronoloacutegico teria sido uacutetil obter uma dataccedilatildeo absoluta
sobre algum dos elementos osteoloacutegicos ali detectados mas infelizmente natildeo foram
localizados Por isso tentou-se a dataccedilatildeo pelo radiocarbono de um fragmento de
haste de um alfinete de cabelo mas este natildeo apresentava colageacutenio suficiente Assim
face agraves caracteriacutesticas do sepulcro e dos materiais ali recolhidos nomeadamente
geomeacutetricos e pequenas lacircminas julgo que eacute admissiacutevel apontar uma cronologia de
utilizaccedilatildeo inicial pelo menos entre os dois uacuteltimos quarteacuteis do 4ordm mileacutenio ane Esse
uso teraacute sido intensificado na passagem para o 3ordm do mileacutenio ane e nos seus
primeiros dois quarteis a que corresponderaacute a maioria dos artefactos votivos (iacutedolos-
placa e beacutetilos de calcaacuterio) bem como as lacircminas retocadas pontas de seta e a taccedila
canelada Posteriormente a presenccedila da ceracircmica campaniforme bem como objectos
de adorno que costumam acompanhaacute-la documentam usos em meados e segunda
metade daquele mileacutenio
4142 Pedras Grandes e siacutetio das Batalhas
A primeira notiacutecia conhecida acerca das antas de Pedras Grandes (CNS-6484) e
Batalhas (CNS-649) deve-se a Carlos Ribeiro (1880 p 69) no acircmbito dos seus
levantamentos geoloacutegicos na deacutecada anterior descrevendo-as ldquoMais longe 6 a 7 km
ao NE de Bellas e proximo da pittoresca aldeia de Caneccedilas encontram-se os restos
de outros dois dolmens um drsquoelles situado a 1000 metros drsquoeste povo no siacutetio
denominado o Fojo meio demolido conserva ainda duas grandes lages medindo 4 Na base de dados arqueoloacutegicos do Endoveacutelico surge ainda o siacutetio de ldquoFojordquo com o CNS 3005 ainda que corresponda ao mesmo siacutetio
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 107 de 415
uma drsquoellas dois metros acima da flor do terreno vendo-se uma terceira que lhe
pertencia tombada para dentro da camara e quebrada talvez em consequencia da
excavaccedilatildeo que ali fizeram deixando esta pedra ao desamparo ou sem encontro O
outro dolmen a 500 mais para o SE no sitio das Batalhas estaacute representado por
uma uacutenica lage grande ainda inteira e por fragmentos de outras grandes lages
tombadas sobre o terreno e que parece terem pertencido ao mesmo megalithordquo
Ambas as antas foram classificadas como Monumento Nacional pelo Decreto
nordm 33587 publicado no Diaacuterio do Governo (1ordf Seacuterie) de 27 de Marccedilo de 1944
situadas no entatildeo concelho de Loures e descritas como ldquodois doacutelmenes existentes em
Caneccedilas um deles a sul 77ordm este do moinho do Baeta e a norte 49ordm este do marco
geodeacutesico do Bispo no calcaacutereo do Turoniano no siacutetio actualmente denominado
Siacutetio das Pedras Grandes e o outro a norte 34ordm este do marco geodeacutesico do Bispo e a
norte 76ordm este do moinho do Baeta no calcaacutereo do Cenomaniano o qual eacute conhecido
por laquodoacutelmen no siacutetio das Batalhasraquordquo Sem que tenha sido possiacutevel perceber porquecirc a
anta de Pedras Grandes surgiu novamente classificada como Monumento Nacional
exactamente com a mesma descriccedilatildeo cinco anos mais tarde pelo Decreto nordm 37450
publicado no Diaacuterio de Governo (1ordf Seacuterie) de 16 de Junho de 1949 Ainda que em
listagens distintas com siacutetios de todo o territoacuterio portuguecircs a sua inclusatildeo na segunda
deveraacute ter sido apenas um lapso pois nada acrescentou agrave classificaccedilatildeo primeiramente
publicada
A descriccedilatildeo relativamente abreviada de C Ribeiro (1880) acerca da anta do
siacutetio do ldquoFojordquo poderaacute explicar alguma confusatildeo que se gerou posteriormente em
redor deste sepulcro e daquele denominado Batalhas cuja referecircncia foi ainda mais
curta Por isso eacute importante sistematizar as informaccedilotildees disponiacuteveis procurando
dessa forma elucidar e clarificar algumas discrepacircncias nelas contidas e ainda hoje
repetidas
Tambeacutem como se poderaacute verificar estas duas antas encontravam-se
relativamente proacuteximas do cluster de Trigache quase integraacuteveis como o seu limite
ocidental (Fig 26) De facto este par de antas que distava entre si cerca de 500
metros situava-se aproximadamente a igual distacircncia de alguns dos sepulcros
daquele cluster
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 108 de 415
41421 Pedras Grandes
A localizaccedilatildeo de C Ribeiro (1880 p 69) do siacutetio do Fojo a cerca de mil
metros do centro de Caneccedilas bem como a sua descriccedilatildeo coincidem grosso modo
com a anta actualmente designada por Pedras Grandes Nesse sentido tambeacutem joga a
favor o proacuteprio significado de fojo (ldquocova para depoacutesito de aacuteguas junto a minardquo)
podendo observar-se na Carta Militar de Portugal folha 417 (SCE 1965) a indicaccedilatildeo
de um desaterro circular (numa aacuterea com vaacuterias frentes de pedreira) imediatamente a
norte-nordeste da actual anta Ainda hoje o topoacutenimo ldquopedreirardquo surge na rua situada
nessa direcccedilatildeo Toda a aacuterea a sudeste conhecida como Campos de Trigache foi ao
longo de seacuteculos sujeita a exploraccedilatildeo de pedreiras de que a cartografia antiga regista
algumas das crateras produzidas O topoacutenimo ldquoHorta do Fojo de Dentrordquo que
entretanto desapareceu da memoacuteria colectiva local surge indicado para um espaccedilo de
horta na Carta Topograacutefica de Portugal folha 34-B4-1 (IGC 1951) a 100-200
metros para sul-sudoeste da anta Por outro lado alguns dos materiais da ldquocatardquo
realizada pelo geoacutelogo apresentavam etiqueta com a mesma informaccedilatildeo 2221875
300m S70ordmE do Mordm do Baeta[ou Baeto] Caneccedilas (MG63801-05) o que coincide
com a anta em discussatildeo
J L Vasconcelos visitou o sepulcro em 1913 registando numa ficha acerca
dele ldquoDolmen 600m ao NE do sinal trigonomeacutetrico do Bispo (2 km NE de A da
Beja) 1913 2 pedras levantadas as outras tombadas seria bom photographalo
antes de desaparecer Os campos ao peacute tem muitas lascas de siacutelex Lumiar ndash
Odivelas ndash Casal Ramadardquo (AJLVasconcelos [Pedras Grandes]) Felizmente o
prognoacutestico natildeo se concretizou mas natildeo foi possiacutevel verificar se a imagem foi
obtida
Uma deacutecada mais tarde F C Ribeiro tambeacutem visitou Pedras Grandes no
acircmbito das suas pesquisas arqueoloacutegicas na regiatildeo entre Odivelas e A-da-Beja
nomeadamente nas antas de Trigache e Conchadas (ver os capiacutetulos respectivos)
Contudo esta visita e eventuais anotaccedilotildees natildeo foram detectadas durante o estudo e
publicaccedilatildeo dos seus apontamentos por V Leisner e O V Ferreira (1959 e 1961) De
facto a uacutenica pista para a visita e possiacutevel intervenccedilatildeo eacute uma fotografia em que este
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 109 de 415
explorador posa junto agrave anta de Pedras Grandes (Fig 69 1) ainda que tenha sido
atribuiacuteda pelos editores a Trigache 1 (Leisner e Ferreira 1961 est XII 2) Aleacutem de
se identificar claramente na imagem um dos esteios daquela anta (Fig 69 2) a vista
obtida de este-nordeste regista a Serra de Sintra no horizonte algo impossiacutevel de se
observar na aacuterea do agrupamento de Trigache Em todas as antas intervencionadas
por F C Ribeiro pelo que se pode depreender das fotos apresentadas (Leisner e
Ferreira 1961 est XII-XIV) este teria por haacutebito posar junto delas No entanto face
agrave dificuldade que a ruiacutena da anta colocava agrave sua exploraccedilatildeo situaccedilatildeo jaacute lamentada
por C Ribeiro (1880 p 69) eacute provaacutevel que qualquer exploraccedilatildeo de F C Ribeiro
tenha sido bastante limitada e reduzida
Apesar da anta ter sido classificada em 1944 com a designaccedilatildeo actual uma
deacutecada mais tarde O V Ferreira (1959 p 218) ainda se refere ao ldquoMonumento do
Fojordquo situado a 600 metros Norte 25 graus Este do marco geodeacutesico Bispo e
explorado por C Ribeiro Surpreendentemente associa a denominaccedilatildeo ldquoPedras
Grandesrdquo ao ldquoMonumento das Batalhasrdquo Aliaacutes este autor juntamente com V
Leisner (1961 fig 1) indicava num mapa de localizaccedilatildeo das antas de Trigache e de
Conchadas outros dois siacutembolos de anta ndash um deles a nordeste do geodeacutesico do
Bispo parece corresponder agrave actual localizaccedilatildeo da anta de Pedras Grandes (para O
V Ferreira ldquoMonumento do Fojordquo) mas o outro a noroeste do mesmo marco
geodeacutesico poderaacute ter resultado de alguma confusatildeo entre o topoacutenimo do Moinho do
Baeta (ali localizado) e os materiais depositados por C Ribeiro no Museu Geoloacutegico
referidos atraacutes com referecircncia ao mesmo termo Outra hipoacutetese carecendo de
comprovaccedilatildeo poderaacute relacionar-se com a possibilidade de O V Ferreira ter
localizado alguma minuta de um mapa antigo com indicaccedilatildeo de monumentos
megaliacuteticos Mas pelo referido neste capiacutetulo isso contradiria a informaccedilatildeo
publicada por C Ribeiro (1880)
Outra designaccedilatildeo da anta surge por intermeacutedio de V Leisner (1965) que situa o
ldquoDolmen 1 de Caneccedilasrdquo isto eacute Pedras Grandes a 1 km a este-sudeste de Caneccedilas no
siacutetio do Fojo 300 m sul 70ordm este do ldquoMonte da Baetardquo (sic) e 600 m norte 25ordm este
do marco geodeacutesico Bispo correspondendo perfeitamente com a localizaccedilatildeo
actualmente conhecida Eacute tambeacutem esta autora que apresenta pela primeira vez uma
planta da anta produzida por si e G Leisner em 1 de Dezembro de 1943 ndash aiacute
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 110 de 415
verifica-se a ausecircncia do esteio U8 ainda escondido sob pedras e vegetaccedilatildeo (situaccedilatildeo
verificaacutevel nas fotos obtidas ndash ALeisner Leis31) a indicaccedilatildeo da provaacutevel entrada
mas sem qualquer monoacutelito e o desenho dos materiais recolhidos por C Ribeiro
depositados no Museu Geoloacutegico (ALeisner Leis64 Leisner 1965 taf 53 3)
No referido museu localizei ainda um noacutedulo de siacutelex (MG63701) etiquetado
ldquoDolmen de Caneccedilasrdquo associado a uma fotografia datada de 26 de Marccedilo de 1941 e
legendada ldquoDoacutelmen das Pedras Grandes [espaccedilo] Caneccedilasrdquo (Fig 69 6)
correspondendo a uma das vistas da anta publicada por O V Ferreira (1959 fig 11-
12) com a legenda ldquoSepultura das Pedras Grandes ou das Batalhas Outro aspecto
da mesmardquo A data anotada na foto da anta anterior agraves obtidas pelo casal alematildeo
(Fig 69 3-4) poderaacute explicar o interesse suscitado e a sua posterior classificaccedilatildeo
como Monumento Nacional No entanto a confusatildeo de designaccedilotildees natildeo eacute totalmente
compreensiacutevel pois a noacutetula de C Ribeiro (1880) apesar de breve eacute francamente
clarificadora Aliaacutes a folha da Carta Geoloacutegica com base nos levantamentos antigos
dos Serviccedilos Geoloacutegicos assinala as duas antas perfeitamente de acordo com essas
indicaccedilotildees (SGP 1981)
De meados do seacuteculo XX ateacute os anos 80 a anta viu-se progressivamente sitiada
por bairros de geacutenese ilegal tendo inclusive sido incluiacuteda num loteamento que a
erradicaria de vez natildeo fosse acccedilatildeo que a Comissatildeo de Moradores do Casal Novo
promoveu para o impedir (informaccedilatildeo pessoal de Joseacute Candeias antigo presidente da
Comissatildeo) Pouco tempo depois em 1992 a anta sofreu a fractura de um dos esteios
por meio de uma retro-escavadora que tentava alinhar os dentes do seu balde (69 5)
Entretanto perante a pressatildeo urbana que este Monumento Nacional sofria
foram delineados projectos de valorizaccedilatildeo pela Cacircmara Municipal de Loures
(Oliveira 1994) mas tais desiacutegnios natildeo se concretizaram
Intervenccedilotildees arqueoloacutegicas no seacuteculo XXI
Em 2001 sob um novo enquadramento administrativo foi realizada uma
campanha de trabalhos arqueoloacutegicos pela empresa Era Arqueologia Lda
contratada para o efeito pela Cacircmara Municipal de Odivelas Aquela acccedilatildeo visava
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 111 de 415
sobretudo verificar o potencial patrimonial e o grau de preservaccedilatildeo do sepulcro mas
os trabalhos incidiram sobretudo na sua aacuterea exterior (Fig 71 Era - Arqueologia
2001) Os resultados da avaliaccedilatildeo efectuada facilitaram a concretizaccedilatildeo em 2004 de
uma campanha de escavaccedilatildeo mais abrangente inclusive no interior da anta
A intervenccedilatildeo arqueoloacutegica em 2004 na anta de Pedras Grandes decorreu
essencialmente entre os dias 5 de Julho e 6 de Agosto com uma primeira limpeza da
vegetaccedilatildeo no dia 1 de Julho e o aterro das aacutereas sondadas no dia 16 de Agosto (Fig
69 5) Perante os resultados de 2001 a escavaccedilatildeo em aacuterea de todo o monumento foi
entendida como uma acccedilatildeo localizada Isto eacute natildeo se considerou necessaacuterio escavar a
totalidade do contraforte e aacutereas imediatamente circundantes do sepulcro pois o
troccedilo jaacute intervencionado permitira uma leitura suficiente dessa estrutura ndash tambeacutem
porque se pretendeu deixar um testemunho para a posteridade Assim a escavaccedilatildeo
iniciou-se pelos troccedilos exteriores que estavam associados a contextos de queda ou
inclinaccedilatildeo acentuada dos esteios nomeadamente os ortoacutestatos U3 U4 e U5 e outros
fragmentos peacutetreos dentro da cacircmara (U6 U7 U8 U17 U18 e U215) Apoacutes essa
fase foi possiacutevel extrair os blocos referidos e proceder tambeacutem agrave escavaccedilatildeo do
interior da cacircmara ateacute entatildeo impedida (Fig 72 2-6)
Um melhor entendimento da entrada era importante para a leitura integral do
monumento pelo que a sua escavaccedilatildeo foi efectuada
A equipa de escavaccedilatildeo foi constituiacuteda por mim enquanto arqueoacutelogo
municipal e responsaacutevel cientiacutefico pela arqueoacuteloga Maia M Langley e o
bioarqueoacutelogo Aacutelvaro Figueiredo Sob esta coordenaccedilatildeo os 14 estudantes
universitaacuterios de antropologia e arqueologia participaram nas diversas actividades
implicadas na intervenccedilatildeo
Consoante os contextos a escavaccedilatildeo processou-se com uso de picareta
picadeira ou colherim As terras extraiacutedas foram crivadas a seco (rede de 3 mm)
consoante a pertinecircncia do contexto ndash no caso da cacircmara as terras foram sempre
crivadas
O espoacutelio exumado foi tratado e depositado agrave guarda da Cacircmara Municipal de
Odivelas sob gestatildeo da Divisatildeo de Cultura e Patrimoacutenio Cultural
5 A U21 eacute apontada em todas as plantas do relatoacuterio de 2001 como U10 mas isso eacute com certeza uma gralha
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 112 de 415
Procurando o maacuteximo de compatibilidade com a intervenccedilatildeo anterior optou-se
por manter e aplicar a descriccedilatildeo das unidades estratigraacuteficas estabelecidas
adicionando as novas ndash para as quais se optou por uma maior segmentaccedilatildeo das
unidades pelas aacutereas onde eram detectadas
Tambeacutem se procurou implantar uma quadriacutecula de 10x10 m em consonacircncia
com a anterior com quadrados de 1x1 m ainda que se tenha registado um desvio
adicional de cerca de 20 cm de sul para norte e de 5 cm de oeste para este No
sentido de efectuar um registo tridimensional dos achados mais pertinentes atribuiu-
se ao eixo Y (sul-norte) uma coordenada alfabeacutetica (excluindo as letras O e Q) e ao
eixo X (oeste-este) uma coordenada numeacuterica (excluindo o algarismo 0) As diversas
sondagens efectuadas na envolvente basearam-se na mesma quadriacutecula ndash ainda que
para sul se tenha dobrado a coordenada alfabeacutetica e para oeste a coordenada
numeacuterica passou a negativa A cota de referecircncia utilizada 27324 m a partir dos
dados fornecidos pelo topoacutegrafo municipal foi implantada no afloramento calcaacuterio a
cerca de 10 metros a norte da anta
Agrave data das intervenccedilotildees de 2001 e 2004 a anta correspondia de forma geral agrave
descriccedilatildeo apresentada por C Ribeiro (1880) dois dos esteios ainda completos mas
tombados para dentro da cacircmara e outros jazendo no seu interior (U3 U4 U5 e U8)
assim como outros blocos peacutetreos (U6 U7 U17 U18 e U21) parecendo natildeo ter sido
mexida desde entatildeo As imagens conhecidas desta anta das deacutecadas de 20 e 40
tambeacutem demonstram a condiccedilatildeo relativamente inalterada do sepulcro A excepccedilatildeo
devia-se ao esteio (U4) quebrado em 1992 sob o qual foi colocado um bloco peacutetreo
para evitar a sua queda Perante tal situaccedilatildeo a pequena cata de C Ribeiro (1880) teraacute
sido realizada nos interstiacutecios dos esteios tombados dentro da cacircmara ainda que
tivesse recolhido um conjunto significativo de materiais osteoloacutegicos e liacuteticos
Em 2001 a intervenccedilatildeo arqueoloacutegica incidiu sobre as aacutereas de entrada e do
quadrante sul no qual se realizou uma vala de sondagem para detecccedilatildeo de possiacuteveis
vestiacutegios de mamoa Na primeira aacuterea verificou-se a presenccedila de dois pequenos
esteios mas natildeo foi possiacutevel verificar se estes prenunciariam uma passagem mais
extensa Por outro lado natildeo se registaram vestiacutegios da mamoa mas somente um anel
peacutetreo de contraforte encostado aos esteios U8 e U9 (Era ndash Arqueologia 2001)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 113 de 415
A continuaccedilatildeo dos trabalhos em 2004 incidiu a escavaccedilatildeo na aacuterea de acesso agrave
cacircmara e nos quadrantes exteriores em redor dos blocos peacutetreos U3 U4 U5 U6 e
U7 que apresentaram o mesmo tipo de realidades jaacute detectadas na intervenccedilatildeo de
2001 sob a U1 surgiu a U10 que se sobrepunha agrave U13 correspondendo
essencialmente a depoacutesitos alterados e superficiais Estas unidades cobriam por sua
vez o contraforte enrocamento criado junto aos esteios (U57 U34 U27 e U41) A
excepccedilatildeo registou-se na aacuterea oeste onde a U10 se sobrepunha directamente sobre o
afloramento e terras argilosas acastanhadas (U39) e o contraforte era residual
As ausecircncias referidas na aacuterea poente parecem ter resultado de dois factores
- A U13 (terras castanho-amareladas) resultava do substrato de argilas
amarelas mas naquele sector dava lugar ao afloramento de calcaacuterio camada que se
lhe se sobrepunha preenchido por argilas acastanhadas Posteriormente verificou-se
que esta realidade tambeacutem se prolongava dentro da cacircmara e sob a aacuterea de
contraforte U14
- A quase inexistecircncia de contraforte no lado oeste deveraacute ter resultado da
extracccedilatildeo do esteio que ali existiu Esta abertura teraacute permitido o acesso ao interior
da cacircmara (antes da queda do esteio dos esteios no seu interior) bem como facilitou
o desmonte localizado do contraforte Os blocos U6 U7 e U21 (ainda que possiacuteveis
fragmentos de esteios) jaziam soltos sobre as U10 e U19 O ldquoalveacuteolordquo do esteio
desaparecido (U40) foi aberto no substrato calcaacuterio ou pelo menos na argila
acastanhada o que condicionou a sua profundidade e delimitaccedilatildeo situaccedilatildeo
semelhante detectada para a implantaccedilatildeo do esteio U8
Onde era mais visiacutevel o contraforte (U57 U34 U27 e U41) apresentava as
mesmas caracteriacutesticas da U14 (descrito por Era ndash Arqueologia 2001 fig 13) tendo
sido utilizadas pedras de calcaacuterio e basalto na sua construccedilatildeo entre as quais se
detectaram alguns elementos talhados em siacutelex
A inclinaccedilatildeo acentuada dos esteios U3 e U4 teraacute sido em parte a consequecircncia
da queda do esteio de cabeceira (U5) ao qual a U4 se encostava Esse episoacutedio teraacute
originado os contextos U25 e U26 que satildeo o resultado do preenchimento
primeiramente imediato e depois gradual dos vazios criados por elementos das
unidades U1 U10 U13 U27 e U34
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 114 de 415
Situaccedilatildeo semelhante de arrastamento parcial do contraforte parece ter
ocorrido com a queda do esteio U5 Este esteio ao tombar para o interior da cacircmara
teraacute arrastado o topo do seu contraforte (U57) mas tambeacutem ao expor a estrutura
contribuiu para a sua degradaccedilatildeo natural e gradual dando origem agrave U23 que cobriu
a face exterior da sua base
O tombo da U5 arrastou ainda os blocos U17 e U18 Estes teratildeo funcionado
como lajes de tapamento do interstiacutecio sul do esteio de cabeceira o que potildee de lado a
hipoacutetese aventada em 2001 de um qualquer tipo de divisatildeo dentro da cacircmara Aliaacutes
essa funccedilatildeo de tapamento repete-se nos interstiacutecios entre os esteios U5U4 U4U3
U3U2 e U9U8 nos quais foi possiacutevel verificar a existecircncia de blocos
tendencialmente maiores que os restantes mas de dimensotildees semelhantes aos blocos
U17 e U18
Apoacutes o esclarecimento suficiente da aacuterea exterior aos esteios da cacircmara
avanccedilou-se com a extracccedilatildeo daqueles monoacutelitos que impediam a escavaccedilatildeo dentro da
cacircmara nomeadamente os blocos U4 U5 U6 U7 U8 e U21 No caso do esteio U8
apenas foi retirado o fragmento caiacutedo no interior da cacircmara permanecendo in situ a
sua base ainda que ligeiramente inclinada Este esteio apresentava ainda na sua aacuterea
de fractura 3 entalhes realizados para o quebrar parecendo notar-se uma possiacutevel
ldquocovinhardquo um pouco abaixo daquela linha
A extracccedilatildeo de alguns dos monoacutelitos com uma grua moacutevel permitiu registar
algumas das suas dimensotildees (Quadro 2) permitindo apreciar o esforccedilo envolvido no
seu transporte
Quadro 2 Dimensotildees dos esteios da anta de Pedras Grandes
Esteio bloco Peso (em toneladas) Comprimento (m) Largura (m)
U3 68 4 180 160
U4 25 230+ 130 = 360 130 110
U5 + U5 47+22 = 69 250 + 140 = 390 190 2
U8 (frag) 12 - 2
U21 04 - -
Os blocos U6 e U7 foram retirados manualmente numa fase anterior da
escavaccedilatildeo pelo que natildeo foram pesados De qualquer forma pelas suas dimensotildees
teratildeo pesos semelhantes ou menores ao bloco U21
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Apreciando as caracteriacutesticas dos blocos utilizados na construccedilatildeo verifica-se
que estes afloram ainda a cerca de 20 metros a norte da anta pelo que a seu
transporte apesar de esforccedilado natildeo teraacute sido longo (Fig 72 1)
O grau de preservaccedilatildeo do interior da cacircmara revelou-se aqueacutem das
expectativas
Sob o esteio de cabeceira (U5) que cobria a maioria da cacircmara registou-se
bastante lixo recente ali acumulado 1 teacutenis Adidas plaacutesticos embalagem de iogurte
latas de conserva vidros de garrafas mas tambeacutem alguns elementos em siacutelex
Uma concentraccedilatildeo especial de terra solta e escura (U45) tambeacutem com lixo
recente inclusive um boneco do pato Donald tornou-se evidente na aacuterea
correspondendo ao pequeno espaccedilo entre a U8 e parcialmente sob as U5 U17 U18
e U21 Esta realidade parece apontar para uma intervenccedilatildeo numa das poucas aacutereas
acessiacuteveis talvez por C Ribeiro Contudo um morador do Casal Novo recordava-se
de por volta de 1977-78 dois indiviacuteduos terem passado um dia inteiro a cavar dentro
da anta por entre as pedras Ora sendo o lixo de caraacutecter muito recente e na aacuterea
junto agrave anta se registar uma festa anual do tipo feira eacute provaacutevel que este segundo
episoacutedio esteja mais proacuteximo da causa Reforccedilando esta explicaccedilatildeo para o lixo
recente sob pedras caiacutedas antes de 1880 pode presumir-se uma cavaccedilatildeo em galeria e
a acccedilatildeo de roedores e reacutepteis no local Estes animais ao produzirem os seus redutos
sob as pedras criaram espaccedilos vazios que foram posteriormente preenchidos por lixo
O estudo das faunas recolhidas (ver anexo) parece reforccedilar esta ideia
A remoccedilatildeo dos restos da U19 e das terras soltas dentro da cacircmara (originadas
pela extracccedilatildeo dos monoacutelitos) permitiu evidenciar algumas realidades de interesse
notando-se uma concentraccedilatildeo de vestiacutegios arqueoloacutegicos numa aacuterea central de
formato aproximadamente circular (U49 e U51) e segmentos de um anel peacutetreo pelo
lado interior dos esteios (U53 U54 U61) excepto na aacuterea relacionada com o esteio
U5 e junto aos esteios U2 e U9 (estes dois uacuteltimos esteios natildeo foram extraiacutedos nem
os seus alveacuteolos escavados)
Ainda que inicialmente se tenha considerado a U58 como uma realidade
arqueoloacutegica pois apresentava bolsas de terra acastanhada com materiais verificou-
se posteriormente que a sua consistecircncia argilosa de cor amarelada correspondia jaacute
ao substrato geoloacutegico ndash mas somente apoacutes a remoccedilatildeo da U49 e da raspagem
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 116 de 415
aprofundada das aacutereas limiacutetrofes se tornou evidente essa situaccedilatildeo na qual
revolvimentos antigos haviam misturado o sedimento geoloacutegico com terras e
materiais arqueoloacutegicos Assim a mancha de terras sob a U49 foi classificada como
uma nova unidade a U58A Estas duas unidades juntamente com as U19 U61 e
U59 continham a maioria do material arqueoloacutegico associaacutevel ao sepulcro
nomeadamente alguns elementos de siacutelex trabalhados e ossos humanos Por outro
lado a U58A preenchia a referida aacuterea central da cacircmara a uma cota inferior face
aos topos da U58 que eram simultaneamente os bordos internos dos alveacuteolos dos
esteios da cacircmara Essa depressatildeo poderaacute ter sido escavada e utilizada daquela forma
intencionalmente ainda que posteriormente tenha sofrido perturbaccedilotildees de tal forma
que no fundo desta se recolheram fragmentos de ceracircmica vidrada verde (p ex
PG(04)J7-28 e PG(04)I7-28) junto com artefactos em siacutelex (PG(04)I7-26 e
PG(04)J7-32) e restos humanos
No lado sul da cacircmara as unidades U61 e U59 ainda continham restos do
espoacutelio sepulcral mas muito fragmentaacuterio
A U61 apresentava-se remexida com materiais arqueoloacutegicos grandes lascas
da fractura do esteio U8 e ainda alguns blocos calcaacuterios e basaacutelticos do que teraacute sido
o enrocamento interno do alveacuteolo desse esteio Aliaacutes como jaacute foi referido acima este
esteio tinha sido quebrado intencionalmente jaacute muito proacuteximo da sua base Por outro
lado porque assentava na aacuterea de substrato calcaacuterio natildeo tinha um alveacuteolo muito
aprofundado ndash a cota do afloramento rondava os 27170-90 m acima do topo do
preenchimento da U58A mas muito abaixo do fundo da U59 Quase sob a base do
esteio U8 numa falha mesial recolheu-se um percutor esferoidal em seixo de
quartzito
A U59 assentava no substrato geoloacutegico argiloso (U58) a uma cota aproximada
de 27220-30 m o que coincidia com a cota do lado norte do mesmo substrato junto
ao bordo dos alveacuteolos e com a entrada da cacircmara Eacute provaacutevel que esta cota tenha sido
o niacutevel aproximado da cacircmara com uma depressatildeo central que teraacute atingido a
profundidade mais baixa de 27108 m (cota de recolha de uma ceracircmica vidrada
PG(04)I7-28)
Como jaacute foi referido atraacutes o esteio de cabeceira (U5) selou a maioria da aacuterea
da cacircmara quando caiu No entanto quebrou o seu topo porque embateu no esteio U9
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 117 de 415
e no substrato argiloso na entrada da cacircmara ambos em cotas superiores ao bordo
interno detectado do seu alveacuteolo Isto parece significar que quando U5 tombou a
cacircmara jaacute se apresentava parcialmente deprimida no lado oeste-sudoeste Apesar da
localizaccedilatildeo do alveacuteolo da U5 ainda no substrato argiloso o que permitiu uma maior
profundidade (c 27160 m) o seu bordo encontrava-se extremamente rebaixado ndash
cerca de 27180 m em vez de 27220-30 m como nos bordos dos outros alveacuteolos (Fig
73 1) Outra caracteriacutestica associada ao esteio U5 eacute a sua base assimeacutetrica - apesar
de apresentar cerca de 2 metros de largura meacutedia a sua base tinha um recorte com
cerca de 1 m por 050 m de altura Perante a situaccedilatildeo descrita a que se deve juntar a
ausecircncia de apoio do lado sul (o esteio desaparecido que se fincava na U40) e a
pressatildeo dos esteios do lado norte (U4 e U3) percebe-se o conjunto de eventos que
teratildeo contribuiacutedo para a sua queda
Resta ainda descrever em pormenor o anel de enrocamento associado aos
alveacuteolos dos esteios U4 e U3 respectivamente U42 e U56 Situando-se os alveacuteolos
no substrato argiloso estes apresentavam profundidades de cerca de 27170-80 m
bem como o rebordo interno preservado (cerca de 27220-30 m) Em ambos os
alveacuteolos na face interna registou-se a concentraccedilatildeo de blocos calcaacuterios e basaacutelticos
de dimensotildees similares (20-30 cm) No entanto apresentavam-se numa formaccedilatildeo
espalmada o que deve relacionar-se com a inclinaccedilatildeo acentuada dos esteios e a
maleabilidade natural da argila (inclusive originando no alveacuteolo U56 uma seacuterie de
ldquoespelhos de falhardquo)
A identificaccedilatildeo dos dois ortoacutestatos marcando a entrada para o sepulcro (U11 e
U12) emparelhados e orientados a sudeste colocava a hipoacutetese de um possiacutevel
corredor que poderia prolongar-se com ou sem estrutura peacutetrea agrave semelhanccedila de
outros sepulcros da regiatildeo nomeadamente Monte Abraatildeo (Ribeiro 1880) e
Casaiacutenhos (Leisner Zbyszweski e Ferreira 1969) Contudo isso natildeo se registou
pelo que parece mais adequado designar esta componente da arquitectura do sepulcro
como um portal os dois esteios funcionariam como postes ou marcadores da entrada
impedindo o colapso do contraforte (o que poderia bloquear o acesso agrave cacircmara) e ou
poderiam sustentar uma laje em cutelo que fecharia o espaccedilo superior entre os dois
primeiros esteios da cacircmara criando uma passagem com cerca de 40-50 cm de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 118 de 415
altura O uso de lajes em cutelo sobre a entrada da cacircmara de antas eacute conhecido no
Alto Alentejo e Beira Interior (Leisner e Leisner 1959 Parreira 1996)
A intervenccedilatildeo na aacuterea do portal jaacute parcialmente escavada em 2001 confirmou
a interrupccedilatildeo do contraforte tendo apenas evidenciado os calccedilos dos dois esteios e os
seus alveacuteolos Estes uacuteltimos mais do que fossas individualizadas foram abertos
simultaneamente com os alveacuteolos para os ortoacutestatos da cacircmara devendo os pequenos
esteios do portal ter sido cravados no final da sequecircncia Aliaacutes ao serem implantados
perpendicularmente junto aos dois primeiros esteios da cacircmara tambeacutem
funcionariam como parte integrante do contraforte
Os ortoacutestatos do portal apresentavam uma inclinaccedilatildeo quase simeacutetrica para sul
o que natildeo seria a sua posiccedilatildeo original Essa tendecircncia teraacute sido sustida pelos calccedilos
no lado sul de U11 e pelo contraforte U14 a sul da U12 parecendo resultar da
inclinaccedilatildeo da pendente orientada nordeste-sudoeste o que originou o deslizamento
de terras ao longo dos anos pressionando os esteios
No eixo da possiacutevel passagem apenas surgiu uma mancha de restos de talhe
(U31) maioritariamente de siacutelex com alguns artefactos assentando sobre o substrato
argilosocalcaacuterio As suas caracteriacutesticas conjugam-se com outras aacutereas escavadas
nomeadamente com a U63 da sondagem R12-S12 apontando para realidades
anteriores agrave construccedilatildeo da anta em que depressotildees do terreno originaram a
acumulaccedilatildeo dos restos liacuteticos Portanto mesmo a possibilidade de um aacutetrio
pavimentado natildeo se verificou
O relatoacuterio dos trabalhos de 2001 colocava a hipoacutetese passiacutevel de confirmaccedilatildeo
da U13 corresponder a vestiacutegios da mamoa (Era ndash Arqueologia 2001) No entanto a
intervenccedilatildeo de 2004 nas aacutereas oeste norte e sudeste do exterior da cacircmara permitiu
verificar que a referida U13 seraacute com maior probabilidade o resultado da extracccedilatildeo
do substrato argiloso amarelado durante a abertura dos alveacuteolos cujo sedimento foi
posteriormente reutilizado na consolidaccedilatildeo do contraforte Entretanto anos de erosatildeo
teratildeo arrastado esse depoacutesito pela superfiacutecie inclinada
A maior altimetria do contraforte no lado nordeste confirma a leitura de 2001
acerca da U14 ser uma parte pior conservada daquela estrutura Contudo esta
estrutura peacutetrea natildeo parece ter sido muito mais elevada se considerarmos o topo do
ortoacutestatos do portal e uma das suas provaacuteveis funccedilotildees Isto poderaacute apontar para a
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 119 de 415
existecircncia de uma estrutura tumular apenas parcial que eventualmente teraacute possuiacutedo
no momento de construccedilatildeo uma rampa para a colocaccedilatildeo da tampa (hoje
desaparecida) ou se o tumulus cobriu totalmente o sepulcro este natildeo resistiu aos
elementos naturais
Perante o exposto eacute possiacutevel descrever Pedras Grandes como um sepulcro com
uma provaacutevel cacircmara poligonal de 7 esteios com cerca de 350 metros de largura por
320 metros de comprimento alcanccedilando os 3 metros de altura sobre a qual
assentaria uma grande laje de cobertura (chapeacuteu) Acedia-se ao interior atraveacutes de um
portal com a largura e comprimento de 1 por 1 metro constituiacutedo por um par de
pequenos esteios com cerca de 050 metros (Fig 73 2) A implantaccedilatildeo dos esteios da
cacircmara e portal implicou que os alveacuteolos fossem abertos quase ininterruptamente em
fosso ainda que de acordo com a dimensatildeo e formato dos ortoacutestatos (o caso de U5 eacute
significativo) Dentro deles foram implantados os esteios primeiramente o esteio de
cabeceira ao qual se foram encostando lateralmente os ortoacutestatos seguintes Todos
eles imediatamente consolidados por um enrocamento interno e externo Os
interstiacutecios dos esteios foram entatildeo tapados com pedras de dimensatildeo superior agravequelas
dos enrocamentos algumas delas mais parecendo pequenos esteios (por exemplo as
U17 e U18) No lado norte da U5 a U57 preencheria um grande vazio o que teraacute
implicado um pequeno muro de pedra seca que se ligava ao calccedilo interno (U53) do
esteio U4 Por fim do lado exterior o enrocamento foi aumentado formando-se um
contraforte coberto com as terras locais para melhor suster as pressotildees dos ortoacutestatos
Portanto a possibilidade de um tumulus que cobrisse o esqueleto peacutetreo deste
sepulcro natildeo foi cabalmente confirmada
Tambeacutem parece ter havido a intenccedilatildeo de localizar o sepulcro no substrato
geoloacutegico argiloso mais faacutecil de trabalhar ndash no entanto apenas trecircs quartos da aacuterea
acertaram nessa intenccedilatildeo talvez porque agrave superfiacutecie tal natildeo era evidente De facto a
implantaccedilatildeo da anta parece coincidir com uma aacuterea de transiccedilatildeo de calcaacuterios
cretaacutecicos do Cenomaniano Meacutedio e Superior anteriormente incluindo a
classificaccedilatildeo do Turoniano (SGP 1981 Zbyszweski 1964 Leisner e Ferreira 1961)
Imediatamente a norte a cerca de 20 metros afloram ainda calcaacuterios brancos onde eacute
possiacutevel observar a possibilidade de extracccedilatildeo de blocos em tudo semelhantes agraves
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 120 de 415
lajes utilizadas na anta Esta situaccedilatildeo teraacute permitido encurtar o esforccedilo envolvido na
construccedilatildeo da anta
No interior da cacircmara os restos humanos encontravam-se sobretudo junto aos
esteios nomeadamente junto a U8 e U9 mas a depressatildeo central poderia tambeacutem ser
uma estruturaccedilatildeo particular que permitiria o aterro dos cadaacuteveres ndash no entanto tal
contexto poderaacute ter resultado somente de remeximento e cavaccedilatildeo recente (mas
anterior agrave queda de U5) que provocou a migraccedilatildeo de ceracircmica vidrada para o seu
interior
Na maioria dos depoacutesitos detectados bem como nas estruturas de enrocamento
dentro e fora dos espaccedilos do sepulcro foram recolhidos inuacutemeros elementos
talhados maioritariamente de siacutelex As maiores concentraccedilotildees registam-se nas U1
U10 e nas unidades equivalentes das diversas sondagens realizadas na envolvente da
anta Saliente-se que dentro dos recheios dos alveacuteolos escavados e no contraforte
estes elementos estavam presentes mas natildeo eram tatildeo abundantes como noutras
unidades estratigraacuteficas
A presenccedila dos elementos talhados fora jaacute detectada em 2001 mas com certeza
foi notada por C Ribeiro Inclusive J L Vasconcelos no seu apontamento de 1913
tambeacutem referia a existecircncia de muitas lascas de siacutelex em redor da anta Como se
poderaacute verificar adiante esta situaccedilatildeo relacionar-se-ia com um provaacutevel uso anterior
agrave construccedilatildeo da anta mas que poderaacute ter prosseguido durante a sua utilizaccedilatildeo
O desmoronamento da anta parece ter ocorrido algures no iniacutecio do seacutec XIX
(ver espoacutelio) provavelmente despoletado por remeximento do seu conteuacutedo e pela
retirada do esteio cravado na U40 A fractura de U8 cujo fragmento caiu para dentro
da cacircmara e os outros fragmentos presentes (U6 U7 e U21) parecem indicar a
extracccedilatildeo de pedra Mas antes que o fragmento de U8 pudesse ser retirado o esteio
U5 caiu acabando por selar a cacircmara e inclinando consigo os esteios U4 e U3
A envolvente da anta
Havendo a necessidade de compreender melhor o abundante nuacutemero de
elementos de siacutelex talhado que se detectava agrave superfiacutecie do solo na envolvente da
anta de Pedras Grandes foram realizadas sete sondagens nas aacutereas que aparentavam
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 121 de 415
ainda natildeo ter sido muito remexidas para sul as sondagens ZT12 ZI12 e YY12 para
oeste as sondagens Dlt8 e Mlt8 para norte a sondagem R12-S12 e para este a
sondagem D19
ZT12 o afloramento calcaacuterio surgiu a poucos centiacutemetros da superfiacutecie Nos
interstiacutecios do calcaacuterio sobretudo nas cotas mais proacuteximas da superfiacutecie surgiram
elementos em siacutelex alguns destes artefactos (U28)
ZI12 o afloramento calcaacuterio surgiu a poucos centiacutemetros da superfiacutecie Num
grande interstiacutecio registou-se uma bolsa de elementos de siacutelex talhados com
inuacutemeros artefactos (U30) sobretudo nas cotas mais proacuteximas da superfiacutecie Refira-
se que nesta sondagem se registaram dezenas de peccedilas talhadas passiacuteveis de se
considerarem artefactos
YY12 o afloramento calcaacuterio surgiu mais aprofundado com um aspecto
erodido dando a impressatildeo de ter estado exposto anteriormente Sobre o afloramento
verificou-se a existecircncia de depoacutesitos recentes resultado de aterro Ainda assim nos
interstiacutecios do calcaacuterio sobretudo nas cotas acima do topo do afloramento surgiram
elementos em siacutelex alguns destes artefactos
Dlt8 o afloramento calcaacuterio surgiu a muito poucos centiacutemetros da superfiacutecie
Nos interstiacutecios do calcaacuterio sobretudo nas cotas mais proacuteximas da superfiacutecie
surgiram elementos em siacutelex alguns destes talhados
Mlt8 o afloramento calcaacuterio surgiu a muito poucos centiacutemetros da superfiacutecie
No interstiacutecio do calcaacuterio sobretudo nas cotas mais proacuteximas da superfiacutecie surgiram
elementos em siacutelex alguns destes talhados
R12-S12 Inicialmente apenas S12 esta sondagem foi ampliada com R12 para
melhor compreender uma bolsa com elementos em siacutelex alguns talhados que surgia
sobre um substrato argiloso amarelado em tudo semelhante agravequele detectado em
parte da aacuterea onde a anta foi construiacuteda Nesta sondagem o afloramento calcaacuterio natildeo
foi registado
D19 o afloramento calcaacuterio surgiu a poucos centiacutemetros da superfiacutecie Nos
interstiacutecios do calcaacuterio sobretudo nas cotas mais proacuteximas da superfiacutecie surgiram
elementos em siacutelex alguns destes talhados
Nas sondagens realizadas natildeo se detectou qualquer tipo de estrutura associada
aos elementos de siacutelex Por outro lado a potecircncia estratigraacutefica destes elementos em
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 122 de 415
siacutelex eacute bastante superficial exceptuando algumas acumulaccedilotildees nos interstiacutecios ou
eventualmente pequenas bolsas de materiais (U30 e U63) em depressotildees do terreno
As caracteriacutesticas dos achados permitem apontar para uma ldquooficina de talherdquo do siacutelex
local e em menor quantidade do quartzo este uacuteltimo provavelmente proveniente dos
depoacutesitos de argilas terciaacuterias
Perante a ausecircncia de uma estratigrafia vertical a possibilidade de qualquer
organizaccedilatildeo horizontal eacute tambeacutem difiacutecil de recuperar aleacutem da aacuterea enquanto
ldquooficina de talherdquo poder ser um vasto palimpsesto a fraca potecircncia estratigraacutefica foi
sujeita agrave actividade agriacutecola ao longo dos anos o que remexeu continuamente
aquelas realidades mesmo que os materiais natildeo tenham sido arrastados por grandes
distacircncias provavelmente por poucos metros
O espoacutelio
A leitura resultante da intervenccedilatildeo de 2001 manteve-se actual com os trabalhos
de 2004 De facto o espoacutelio arqueoloacutegico recolhido foi na sua grande maioria
resultante da actividade de talhe do siacutelex Inclusive dentro do sepulcro foram
recolhidos dezenas de elementos em siacutelex tambeacutem passiacuteveis dessa atribuiccedilatildeo
A distinccedilatildeo entre o espoacutelio resultante da oficina de talhe e aquele que
acompanhou as deposiccedilotildees funeraacuterias revelou-se complexa No exterior da anta
associado agrave actividade da referida oficina foram recolhidos utensiacutelios ndash lamelas e
lacircminas com retoque furadores raspadeiras e restos de talhe em siacutelex o que tambeacutem
ocorreu dentro do sepulcro Noutros sepulcros da regiatildeo a presenccedila deste tipo de
artefactos e seus restos eacute comum mas natildeo em tatildeo elevada quantidade o que ocorre
na cacircmara de Pedras Grandes Uma das explicaccedilotildees para isto jaacute adiantada acima foi
a utilizaccedilatildeo preacutevia da aacuterea como oficina de talhe mas tambeacutem caso se aceite a
hipoacutetese da depressatildeo central na cacircmara poderia ter resultado do transporte de terras
do exterior da cacircmara para a cobertura dos enterramentos
Assim a identificaccedilatildeo do espoacutelio funeraacuterio baseou-se na associaccedilatildeo de peccedilas
trabalhadas e ossos humanos em unidades da cacircmara visivelmente remanescentes da
actividade mortuaacuteria (mesmo que perturbadas) nomeadamente U19 U49 U52
U58A U59 e U61 Com este criteacuterio adscreveram-se alguns objectos potencialmente
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 123 de 415
como parte do espoacutelio funeraacuterio fragmentos de pequenas lacircminas com e sem
retoque um geomeacutetrico trapeacutezio e uma lasca eventualmente trabalhada para atingir a
mesma tipologia alguns raspadores um furador e um percutor sobre seixo
quartziacutetico e uma moacute dormente quase completa em granito (Fig 70)
Junto com os materiais referidos recolheram-se alguns fragmentos de ceracircmica
de torno essencialmente com vidrado verde provaacutevel testemunho de periacuteodos bem
mais recentes
Aleacutem das peccedilas recolhidas nas intervenccedilotildees recentes haacute que considerar a cata
de espoacutelio realizada por C Ribeiro que corresponderaacute a algumas peccedilas onde eacute
possiacutevel observar etiquetas indicando o ano de 1875 Segundo a descriccedilatildeo do
geoacutelogo este recolheu ldquofragmentos de ossos longos e dentes humanos tanto de
individuos novos como de adultos um machado de calcareo argilloso um rim de
silex cinzento com um dos bordos afeiccediloados para servir de raspador e algumas
lascas de siacutelex as maiores drsquoellas do typo das facasrdquo (Ribeiro 1880 p 69) Este
breve relatoacuterio refere um nuacutemero de elementos reduzido quando se considera o
espoacutelio presente no Museu Geoloacutegico com as mencionadas etiquetas do 1875 O
referido ldquomachadordquo corresponde a um bloco calcaacuterio ligeiramente afeiccediloado no que
seria o gume (MG6383) lembrando de alguma forma um sacho e a lasca maior de
siacutelex seraacute a lacircmina retocada quase completa (MG6385) Aleacutem das peccedilas
mencionadas haacute que acrescentar um machado em anfibolito de secccedilatildeo poligonal
(MG6381) e um fragmento de provaacutevel enxoacute em xisto anfiboacutelico (MG6382)
Considerando o espoacutelio em presenccedila verifica-se uma evidente ausecircncia de
ceracircmica preacute-histoacuterica bem como artefactos de produccedilatildeo claramente ideoteacutecnica A
possibilidade de uma qualquer intervenccedilatildeo anterior agrave queda do esteio de cabeceira e
da visita de C Ribeiro poderia explicar o desaparecimento do material ceracircmico
Contudo tal hipoacutetese parece-me remota pois algum fragmento ceracircmico teria
escapado ao antiquaacuterio putativo que buscaria peccedilas mais completas ndash a presenccedila de
fragmentos de ceracircmica vidrada misturados com elementos liacuteticos preacute-histoacutericos
parece de facto denunciar algum tipo de remeximento No entanto recorde-se que
todos os depoacutesitos do interior do sepulcro foram sistematicamente crivados bem
como aqueles da maioria das aacutereas exteriores Assim seraacute de admitir uma situaccedilatildeo
semelhante agravequela provavelmente detectada nas antas do Carrascal e Trigache 4 ou
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 124 de 415
em contextos de cavidade natural normalmente com diversas deposiccedilotildees sem ou
quase sem ceracircmica presente como por exemplo em Salemas (Castro e Ferreira
1972) no Lugar do Canto (Leitatildeo et al 1987) e no Bom Santo (Duarte 1998)
Assim as presenccedilas e ausecircncias referidas parecem acentuar o caraacutecter
provavelmente arcaico desta anta algures entre os dois uacuteltimos quarteacuteis do 4ordm mileacutenio
ane o que eacute reforccedilado pelas duas dataccedilotildees de radiocarbono obtidas (Anexo 3
Quadro 2) Estas foram realizadas a partir de diaacutefises de feacutemur direitos de indiviacuteduos
humanos distintos uma proveniente da escavaccedilatildeo de 2004 a outra da cata de C
Ribeiro ainda com uma etiqueta identificativa de 1875 situando os intervalos de
tempo respectivamente entre 3520-3100 cal BCE e 3370-3090 cal BCE (Beta-
205946 e Beta-234136)
41422 Siacutetio das Batalhas
Como eacute possiacutevel verificar pelo apontamento de C Ribeiro (1880 p 69) a
informaccedilatildeo acerca deste provaacutevel sepulcro no ldquoSiacutetio das Batalhasrdquo eacute extremamente
limitada A sua classificaccedilatildeo agrave falta de outros dados eacute comummente aceite pelo
rigor e prestiacutegio que os trabalhos dirigidos por C Ribeiro inspiram A referecircncia a
uma grande laje ainda inteira com outros fragmentos de outras jaacute tombadas em seu
redor adequar-se-ia a muitas antas ainda hoje existentes e reconhecidas no actual
territoacuterio portuguecircs Infelizmente o seu estado de ruiacutena teraacute acelerado o seu
desaparecimento a que natildeo teraacute sido alheia uma provaacutevel exploraccedilatildeo de pedreira
isto se natildeo for esquecido que aquele sepulcro localizar-se-ia na vizinhanccedila da
mancha das pedreiras de Trigache
Eacute portanto plausiacutevel que esta estrutura jaacute tivesse sido erradicada agrave data da
visita de JL Vasconcelos que conhecendo as noacutetulas de C Ribeiro teria com
certeza registado algum apontamento acerca desse outro doacutelmen menos composto
Perante tatildeo parcos dados e possiacutevel erradicaccedilatildeo eacute com surpresa que se verifica
a sua classificaccedilatildeo como Monumento Nacional em 1944 devendo-se talvez agrave boa
vontade de emparelhamento dos dois sepulcros descritos por C Ribeiro No entanto
desconhecem-se quaisquer registos de F C Ribeiro ou de 1941 agrave semelhanccedila do
conhecido para a anta de Pedras Grandes E em finais de 1943 o casal Leisner
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 125 de 415
(ALeisner Leis 64) jaacute natildeo o conseguiu localizar admitindo-o destruiacutedo (Leisner
1965 p 26)
Assim uma seacuterie de equiacutevocos contribuiu para o avolumar da confusatildeo entre
as antas de Batalhas e Pedras Grandes O V Ferreira (1959) aglutina ambas as
designaccedilotildees no mesmo monumento parecendo descartar as localizaccedilotildees apontadas
por C Ribeiro Por outro lado a proacutepria classificaccedilatildeo oficial talvez por lapso aponta
o Siacutetio das Batalhas noutro local espaccedilo esse ainda hoje sob a respectiva servidatildeo
administrativa De facto para aleacutem do desconhecimento pormenorizado do sepulcro
tambeacutem a sua localizaccedilatildeo foi alvo de vaacuterias propostas Aleacutem da original de C
Ribeiro registam-se ainda aquela da classificaccedilatildeo oficial a de O V Ferreira (1959)
deste autor e V Leisner (1961) e de V Leisner (1965) Resumindo excepto perante
nova documentaccedilatildeo provando o contraacuterio assumirei a localizaccedilatildeo original como a
correcta (Fig 26)
Aleacutem da discussatildeo da sua localizaccedilatildeo e denominaccedilatildeo pouco mais se pode
adiantar para a anta de Batalhas ainda que como jaacute foi referido acima a sua
existecircncia eacute perfeitamente plausiacutevel perante os dados circunstanciais
415 As antas ldquoisoladasrdquo de Loures
Localizadas nos terrenos relativamente acidentados e recortados do Complexo
Vulcacircnico de Lisboa encontram-se as antas de Alto da Toupeira 1 e 2 Casaiacutenhos e
Carcavelos Analisadas no acircmbito do tipo de sepulcro e implantaccedilatildeo as duas uacuteltimas
surgem isoladas sem uma relaccedilatildeo de proximidade que as permita integrar em
conjuntos funeraacuterios (Fig 27)
4152 Alto da Toupeira 1 e 2
Primeiramente julgo necessaacuterio esclarecer alguma confusatildeo que se tem vindo
a registar quanto agrave presenccedila de sepulcros megaliacuteticos na plataforma imediatamente a
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 126 de 415
nordeste do relevo conhecido por Alto da Toupeira Sobretudo no que se refere as
suas designaccedilotildees ldquoAnta do Alto da Toupeirardquo ldquoAnta da Toupeirardquo ou ldquoDoacutelmen de
Salemasrdquo
A anta do Alto da Toupeira (CNS-30076) corresponde ao sepulcro ainda hoje
existente constituiacutedo por cinco esteios visiacuteveis formando uma grande cacircmara
aparentemente poligonal ainda que natildeo se conheccedila vestiacutegios de corredor (Fig 74 1)
Este siacutetio surge tambeacutem designado por ldquoAlto do Toupeirordquo (ALeisner Leis 61)
ldquoDoacutelmen de Salemasrdquo (IPPC 1986 p 47 CNS-2754) a que recentemente se juntou
ldquoToupeirardquo (Oliveira et al 2000 p 44)
A outra realidade possivelmente megaliacutetica foi identificada e descrita por O
V Ferreira (1963) ldquoQuando exploraacutevamos a gruta das Salemas em Ponte de Lousa
encontraacutemos nos terrenos da parte superior da cornija de calcaacuterios do Turoniano
que servem de cobertura agrave gruta alguns objectos que pertencem agrave cultura do vaso
campaniforme e que pensamos terem feito parte dum monumento destruiacutedo Ainda se
nota na pequena chatilde uma elevaccedilatildeo que poderia muito bem ter pertencido ao
laquotumulusraquo assim como fragmentos de grandes lajes de calcaacuterio semelhantes agraves que
constituem os esteios do monumento megaliacutetico do Alto da Toupeira que dista cerca
de 250 m para sulrdquo Em seguida lista alguns materiais (iacutedolo ciliacutendrico em calcaacuterio
machado de xisto anfiboacutelico escopro de cobre ponta de seta com aletas e espigatildeo
em cobre e pendente de calaiacutete) a que seratildeo posteriormente acrescentados agora no
designado siacutetio da ldquoToupeirardquo (Ferreira 1966 p 52-53) mais um largo bordo de
taccedila tipo Palmela com decoraccedilatildeo incisa e uma pequena placa calcaacuteria amorfa com
perfuraccedilatildeo e gravaccedilatildeo quadriculada Apesar das reservas que eacute aconselhaacutevel ter para
esta realidade eacute plausiacutevel a existecircncia de um segundo sepulcro megaliacutetico nesta aacuterea
Contudo na visita agrave aacuterea referida no topo da cornija da gruta das Salemas ainda que
tenha sido possiacutevel verificar a chatilde com um suave montiacuteculo onde se avistavam
objectos arqueoloacutegicos atribuiacuteveis a vaacuterios periacuteodos natildeo se encontraram as lajes
calcaacuterias mencionadas Tambeacutem a corresponder agrave realidade apontada esta dista
apenas 100 metros da anta do Alto da Toupeira e natildeo os 250 metros referidos Outra
questatildeo talvez um equiacutevoco tem a ver com o grande machado em xisto anfiboacutelico
(MG4596) pois apesar de atribuiacutedo por V Ferreira (1963 e 1966 p 52-53 Leisner 6 Na Base de Dados Endoveacutelico (IGESPAR) surge ainda o CNS-2754 atribuiacutedo a ldquoSalemas (Anta de )rdquo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 127 de 415
1965 taf 19 3) ao possiacutevel sepulcro este surge tambeacutem indicado por aquele autor e
L Castro (1967 est II 22) como proveniente do povoado das Salemas
Apoacutes as notiacutecias referidas acima V Leisner (1965 p 27 e taf 19 1 e 3)
apresenta a planta de Alto da Toupeira bem como o espoacutelio encontrado proacuteximo
daquele sepulcro ldquo3Streufunde bei Alto da Toupeirardquo recolhido por O V Ferreira
Apesar daquela distinccedilatildeo leitura menos atenta fundiu aquelas duas realidades sob
uma mesma designaccedilatildeo (Oliveira et al 2000) o que importa destrinccedilar
Assim torna-se de facto importante clarificar definitivamente aquelas duas
realidades pelo que passarei a designaacute-las respectivamente pela ordem de
descoberta Alto da Toupeira 1 (ainda existente) e Alto da Toupeira 2 Os povoados
do Alto da Toupeira (Oliveira et al 2000 nordm 25) referido na Carta Arqueoloacutegica de
Loures corresponderaacute ao povoados das Salemas (Oliveira et al 2000 nordm 27) pois eacute
ainda possiacutevel observar vestiacutegios de ocupaccedilotildees de diversa cronologia na plataforma
sobrevivente inclusive na jaacute referida aacuterea de Alto da Toupeira 2
A anta do Alto da Toupeira 1 (CNS-3007) teve a sua planta desenhada
primeiramente durante a visita do casal Leisner no dia 17 de Janeiro de 1944 (Fig
74 2) durante uma jornada que implicava o reconhecimento desta segundo
informaccedilotildees natildeo especificadas de Mesquita Figueiredo e Carlos Ribeiro (ALeisner
Leis61) As imagens fotograacuteficas entatildeo obtidas mostram que o sepulcro natildeo sofreu
grandes alteraccedilotildees ateacute hoje Mas tambeacutem eacute possiacutevel vislumbrar parcialmente a norte
daquele sepulcro o lapiaacutes anos mais tarde destruiacutedo pela lavra da pedreira e em cuja
aacuterea foram recolhidos vestiacutegios de eacutepocas diversas nomeadamente de enterramentos
dataacuteveis do Neoliacutetico antigo nas diaacuteclases daquele substrato (Castro e Ferreira
1959 Ferembach 1964-65 Ferreira e Castro 1967 Zbyszweski et al 1980-81
Cardoso 1993 p 88-89 Cardoso e Carreira 1996)
Posteriormente agrave visita do casal alematildeo no I Congresso Nacional de
Arqueologia em 1958 O V Ferreira (1959) inclui a anta no seu inventaacuterio dos
monumentos megaliacuteticos de Lisboa Refere entatildeo que este sepulcro teria sido jaacute
sondado por um meacutedico da regiatildeo que retirou algumas peccedilas bem como por Carlos
Ribeiro informaccedilatildeo obtida provavelmente a partir de algum apontamento dos
Serviccedilos Geoloacutegicos Apesar disto anunciava a sua intervenccedilatildeo naquele sepulcro
para breve o que se veio a verificar
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 128 de 415
Na sequecircncia do avanccedilo da lavra da pedreira mencionada atraacutes em 1959 foi
identificada a gruta das Salemas (CNS- 1707) com vestiacutegios de utilizaccedilatildeo do
Paleoliacutetico e do Neoliacutetico (Zbyszewski et al 1962 Roche et al 1962 Roche e
Ferreira 1970 Castro e Ferreira 1972) A exploraccedilatildeo inicial realizou-se em
Setembro e Novembro daquele ano (sobretudo os depoacutesitos neoliacuteticos de superfiacutecie)
mas foi no seguinte entre Outubro e Dezembro que a exploraccedilatildeo daquele espaccedilo foi
intensificada e concluiacuteda Como jaacute foi mencionado acima eacute durante os trabalhos na
gruta das Salemas que se identifica o siacutetio do Alto da Toupeira 2
Entretanto aproveitando as sinergias envolvidas na intervenccedilatildeo da gruta V
Leisner em colaboraccedilatildeo com O V Ferreira procede agrave escavaccedilatildeo da cacircmara da anta
de Alto da Toupeira 1 durante os dias 12 e 18 de Novembro de 1959 (Fig 74 3-4)
ainda que soacute os primeiros trecircs tenham sido dedicados verdadeiramente agrave escavaccedilatildeo
(ALeisner Leis61) Poreacutem os resultados ficaram aqueacutem das expectativas criadas
pela dimensatildeo de tal monumento registando-se apenas trecircs estratos esteacutereis uma
camada de terras escuras com pedaccedilos de basalto sobre outra acinzentada com restos
de calcaacuterio que assentava em substrato argiloso avermelhado (Leisner 1965 p 27
ALeisner Leis61)
A planta realizada em 1944 eacute rectificada e produz-se um alccedilado da cacircmara
(Leisner 1965 taf 19 1) Assim V Leisner classifica este sepulcro como uma
cacircmara poligonal aparentemente sem corredor observaacutevel com cerca de 5 m por 55
m de aacuterea e uma altura maacutexima registada de 2 metros no esteio B (Leisner 1965 p
27 ALeisner Leis61) Os cinco esteios (A-E) identificados satildeo todos de calcaacuterio
Cretaacutecico presente no substrato imediato do Cenomaniano superior (SGP 1981)
mas anteriormente atribuiacutedo ao Turoniano (Ferreira 1959 Zbyszweski 1964)
Curiosamente perante os fracos resultados no interior da cacircmara o interesse em
perscrutar a potencial aacuterea do corredor limitou-se a um pequeno alargamento da aacuterea
escavada naquela direcccedilatildeo procurando detectar o seguimento da estrutura Como tal
natildeo teraacute ocorrido no imediato assumiu-se a sua inexistecircncia Apesar disso eacute detectado
um bloco peacutetreo do lado sul delimitando o que seria a entrada Tambeacutem no caso da
envolvente exterior eacute apresentado um alccedilado evidenciando o desniacutevel da cacircmara
sem que se tivesse procedido a uma vala de sondagem
Os materiais recolhidos no Alto da Toupeira 2 (Fig 75 1) foram depositados
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 129 de 415
no Museu Geoloacutegico sob a designaccedilatildeo ldquoMonumento entre Alto da Toupeira e
Salemasrdquo (MG459) Contudo os dois artefactos metaacutelicos o cinzel e a ponta com
aletas e espigatildeo apesar de inventariados correctamente encontravam-se expostos
sob a designaccedilatildeo de ldquomonumento perto do tholos das Salemasrdquo
Portanto apesar da riqueza em vestiacutegios arqueoloacutegicos nesta plataforma a
leitura dos seus sepulcros megaliacuteticos queda-se por vaacuterias interrogaccedilotildees e inferecircncias
indirectas sobretudo a partir dos dados obtidos dentro da gruta das Salemas e na
possiacutevel anta de Alto da Toupeira 2 Para esta uacuteltima a ter sido de facto um sepulcro
megaliacutetico os objectos recolhidos nomeadamente o iacutedolo calcaacuterio e o machado de
xisto anfiboacutelico com gume intacto parecem apontar para uma utilizaccedilatildeo no 3ordm
mileacutenio ane enquanto a ceracircmica campaniforme e os objectos metaacutelicos indiciam
momentos posteriores provavelmente no uacuteltimo quartel daquele eou jaacute no 2ordm
mileacutenio ane
Mas a gruta das Salemas permite outras ilaccedilotildees Aiacute a presenccedila de um espoacutelio
de cariz antigo (Ferreira 1965 Ferreira e Castro 1972) parece apontar para aquele
espaccedilo ter sido utilizado como necroacutepole pelo menos entre o segundo e o terceiro
quartel do 4ordm mileacutenio ane no qual se enquadra a dataccedilatildeo Beta-233282 de 3660-
3380 cal BCE (com 938 de probabilidade restringe-se a 3660-3510 cal BCE)
obtida sobre uacutemero humano feminino (MG270538 Anexo 3 Quadro 2) Este
balizamento cronoloacutegico poderia entatildeo significar uma mudanccedila na estrateacutegia de
sepultamento dos indiviacuteduos da comunidade o que teria implicado a construccedilatildeo de
estruturas megaliacuteticas Assim se Alto da Toupeira 1 e 2 foram construiacutedas em
momentos finais ou posteriores agrave utilizaccedilatildeo da gruta admite-se a hipoacutetese de um
uso na segunda metade do 4ordm mileacutenio ou jaacute na sua transiccedilatildeo Mas como mera
hipoacutetese de trabalho pois necessita de fundamentos materiais ainda natildeo adquiridos
se for possiacutevel obtecirc-los No momento em que escrevo estas linhas paira a ameaccedila de
instalaccedilatildeo de um aerogerador para produccedilatildeo de electricidade na plataforma em
causa
Mas pelo menos eacute possiacutevel falar de um conjunto de antas integradas num
espaccedilo aparentemente necropolizado ao longo do tempo ndash natildeo soacute pelos sepulcros
referidos mas tambeacutem com inumaccedilotildees no lapiaacutes local datadas (ICEN-351) entre
5300-4610 cal BCE (Cardoso Carreira e Ferreira 1996 p 10) evidenciando
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 130 de 415
praacuteticas anteriores com caracteriacutesticas distintas
4152 Casaiacutenhos
A anta de Casaiacutenhos (CNS-650) foi identificada na sequecircncia de notiacutecia
providenciada por morador na aldeia homoacutenima que trabalhava na escavaccedilatildeo da
gruta das Salemas durante a campanha de 1960 (Leisner Zbyszweski e Ferreira
1969 Roche e Ferreira 1970) Actualmente estaacute classificada como Monumento
Nacional pelo Dec Nordm 12977
Situa-se numa plataforma sobranceira agrave Ribeira de Casaiacutenhos proacutexima a antiga
pedreira (Fig 27 e 87) cujo substrato apresenta calcaacuterios do Cretaacutecico
(Cenomaniano superior) Aliaacutes todos os esteios encontrados eram daquele material
provavelmente extraiacutedos localmente
A intervenccedilatildeo arqueoloacutegica realizou-se em 1961 (Leisner Zbyszweski e
Ferreira 1969 p 68) entre os dias 16 e 20 de Fevereiro (ALeisner Leis61) Nela
participaram V Leisner G Zbyszewski O V Ferreira e J C Franccedila
A aacuterea da cacircmara encontrava-se preenchida por terra ateacute cerca de 1 metro de
altura parcialmente removida do lado sul por gente local que na ausecircncia de esteio
ali tinha procedido a pesquisas depois de terem avistado restos oacutesseos Contudo
como nada encontraram de significativo abandonaram a acccedilatildeo
O corredor soacute foi descoberto com o avanccedilo da escavaccedilatildeo naquela direcccedilatildeo
verificando-se que o terreno naquele local descia para sudeste
Segundo os escavadores as irregularidades do substrato calcaacuterio natildeo foram
niveladas atingindo profundidades de 080 m e 020 m na cacircmara e corredor tendo
sido aproveitadas para deposiccedilatildeo das inumaccedilotildees Contudo natildeo eacute apresentada
qualquer evidecircncia de inumaccedilotildees dentro daquelas depressotildees excepto se for
considerado o ldquonichordquo ainda que com reserva onde no seu interior se registaram
alguns fragmentos de ossos humanos sem que hoje seja possiacutevel perceber quais Nas
restantes situaccedilotildees porque natildeo haacute qualquer registo espacial da dispersatildeo dos restos
humanos que parecem ocorrer em todas as aacutereas intervencionadas haacute que assumir a
probabilidade da concentraccedilatildeo natural de objectos naquelas clivagens
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 131 de 415
Eacute apontado para o sepulcro um comprimento de 970 metros ainda que se deva
reparti-lo por trecircs aacutereas distintas um possiacutevel vestiacutebulo um corredor curto e a
cacircmara (Fig 81)
O vestiacutebulo considerado parte do corredor teria cerca de 4 metros por 1 a 15
metro de largura e teraacute sido ligeiramente escavado no substrato rochoso ainda que
essa delimitaccedilatildeo tenha sido baseada sobretudo na malha de achados Aliaacutes nas
imagens obtidas entatildeo e em visitas ao local eacute difiacutecil perceber este espaccedilo sem uma
planta de distribuiccedilatildeo dos objectos e menos ainda observar a passagem afeiccediloada no
substrato
O corredor tambeacutem com um suposto afeiccediloamento superficial do substrato
mas ainda com um esteio (D) do lado norte e possiacutevel ombreira (E) tinha cerca de 2
m de comprimento por 115 m de largura Apresentava do seu lado sul uma
depressatildeo obliacutequa com cerca de 210 m de comprido por 1 m de largura e uma
profundidade de 080 m denominada ldquocacircmara lateralrdquo ou ldquonichordquo Este espaccedilo
encontrava-se preenchido por terra e pedras recolhendo-se apenas alguns restos
osteoloacutegicos humanos na sua base Se a esta realidade juntar a existecircncia de outra
depressatildeo com caracteriacutesticas semelhantes na aacuterea a poente da cacircmara em B2-C2
(Estecircvatildeo 2000 e 2001) entatildeo talvez o significado atribuiacutedo ao ldquonichordquo deva ser
reavaliado Assim tais realidades poderatildeo ser o resultado do preenchimento daquelas
depressotildees com depoacutesitos remobilizados por anteriores violaccedilotildees do sepulcro A
origem natural das depressotildees eacute uma possibilidade mas tambeacutem natildeo deveraacute ser
descartada a actividade mineira recente que na deacutecada de sessenta ainda se realizava
a escassas dezenas de metros a poente do monumento (Leisner Zbyszweski e
Ferreira 1969 Estecircvatildeo 2000-2001)
Finalmente a cacircmara mantinha ainda trecircs esteios (A B e C) delimitando um
espaccedilo poligonal irregular com cerca de 3 metros de comprimento por 5 metros de
largura notando-se a falta de mais 2 ou 3 monoacutelitos O esteio de cabeceira (A)
atingia ainda cerca de 25 m de altura Segundo os autores a sua planta pentagonal
que eacute rara no Alentejo seria comparaacutevel a outras antas da Estremadura dando como
exemplos Monte Abraatildeo Estria e Pedra dos Mouros (Leisner Zbyszewski e Ferreira
1969) o que natildeo parece adequado face agraves descriccedilotildees desses sepulcros
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 132 de 415
Nas observaccedilotildees acerca do corredor aponta-se a existecircncia entre as terras de
fragmentos de lajes que poderiam ter servido de cobertura bem como outras mais
pequenas mas as imagens disponiacuteveis apenas mostram um fragmento no extremo do
corredor
A escavaccedilatildeo do monumento desenvolveu-se primeiramente na cacircmara com
fracos resultados tendo sido recolhidos apenas um geomeacutetrico trapeacutezio duas pontas
de seta de base convexa triangular e restos osteoloacutegicos fragmentados Soacute com a
extensatildeo da intervenccedilatildeo para o que seria o corredor se registou uma profusatildeo de
materiais arqueoloacutegicos No entanto os autores admitiam que parte dos materiais
recolhidos no corredor sobretudo o troccedilo ocidental poderiam ter sido resultado de
remeximento e remobilizaccedilatildeo de objectos da cacircmara dando como exemplo o pente
votivo e o objecto de calcaacuterio toneliforme (Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 p
95)
Curiosamente a concentraccedilatildeo de objectos junto da placa de xisto completa e o
iacutedolo semiciliacutendrico afuselado aleacutem de se encontrar na extremidade do que seria o
verdadeiro corredor ortostaacutetico encontrava-se exactamente numa depressatildeo deste
que atingia os 80 cm de profundidade podendo aquela realidade empilhada resultar
de acccedilatildeo tafonoacutemica
O troccedilo vestibular seria entatildeo segundo as evidecircncias aquela aacuterea menos
afectada justificando-se essa possibilidade porque muitos dos recipientes ceracircmicos
se encontravam completos ou fracturados em posiccedilotildees consideradas originais
(Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 p 95) Aiacute registavam-se ainda restos
humanos e na extremidade nascente foi recolhido um conjunto de pontas de seta
Apesar da planta com alguns dos artefactos recolhidos haacute que registar a
ausecircncia da localizaccedilatildeo dos nuacutecleos de lamelas produtos alongados (lacircminas e
lamelas com a excepccedilatildeo de uma) trapeacutezios e pontas de seta (de que se assinala
apenas o conjunto oriental) possivelmente porque estes artefactos teratildeo sido
recolhidos durante a crivagem das terras ou natildeo foram considerados pertinentes
No que se refere a dispersatildeo de instrumentos polidos dos doze identificados no
Museu onze surgem referidos nas publicaccedilotildees provavelmente porque o outro um
pequeno fragmento de uma enxoacute em xisto anfiboacutelico () encontrava-se misturado
com ceracircmicas onde o localizei ainda coberto de sedimento Daqueles apenas oito
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 133 de 415
surgem na referida planta Desses oito dois satildeo machados de anfibolito (Leisner
1965 Taf 20 4-5) um ldquociseaurdquo tambeacutem em anfibolito (Leisner 1965 Taf 20 22)
e os restantes satildeo enxoacutes trecircs de xisto anfiboacutelico () e duas em anfibolito
Curiosamente verifiquei que o referido ldquociseaurdquo (MG-CSH99) e o fragmento de
enxoacute (MG-CSH98 Leisner 1965 taf 21 9) ambos em anfibolito pertenceram a
uma grande enxoacute entretanto quebrada mesialmente A fractura do fragmento
proximal foi suavizada e o seu topo da enxoacute inicial foi afiado para produccedilatildeo de um
novo instrumento que pelas suas caracteriacutesticas se assemelha a um machado
Infelizmente soacute eacute possiacutevel ter uma ideia geral onde se localizavam as duas metades
da peccedila entre as aacutereas vestibular e do corredor Mas parece evidente o gesto de
reaproveitamento de uma enxoacute depositada para ser transformada em outro utensiacutelio
(Fig 86 1) Curiosamente a outra grande enxoacute em anfibolito tambeacutem tinha o seu
topo quebrado com a fractura apresentando sinais de polimento
Os restos osteoloacutegicos encontram-se tambeacutem ausentes na planta o que
resultaraacute sobretudo do grau de fragmentaccedilatildeo daquele material visto que ateacute aos anos
80 para aleacutem das deficiecircncias de registo da escavaccedilatildeo apenas eram dignos de nota
os elementos oacutesseos ldquonobresrdquo (cracircnio e ossos longos inteiros ou quase) ou outras
peccedilas completas Apesar disso a maioria daqueles fragmentos foi recolhida e
depositada no Museu Geoloacutegico
Eacute de facto no Museu Geoloacutegico que se encontra depositado o espoacutelio
exumado em 1961 bem como o iacutedolo-pinha recolhido recentemente
No essencial foi possiacutevel re-identificar quase todo o espoacutelio exumado (Fig 76-
78) apenas ressalvando-se algumas situaccedilotildees
Aleacutem dos catorze produtos alongados apresentados nas publicaccedilotildees 13 lacircminas
e uma lamela (Fig 77 82 e 83) encontra-se ainda na colecccedilatildeo de Casaiacutenhos com a
mesma marcaccedilatildeo outro tanto de fragmentos de lacircminas e diversos restos de talhe
nomeadamente lascas lamelares (ou pequenos fragmentos de lamelas) mas sem uma
ideia da sua localizaccedilatildeo original Duas lamelas em siacutelex satildeo tambeacutem apresentadas em
foto (Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 est XIII 151 e 166) e uma delas
desenhada (Leisner 1965 taf 22 60 Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 est P
69) assemelhando-se esta a um pequeno crescente Infelizmente ambas natildeo foram
relocalizadas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 134 de 415
Os quatro nuacutecleos de lamelas apresentados na publicaccedilatildeo trecircs de quartzo
hialino e outro de quartzo ldquoleitosordquo (Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 est P 70-
72 e 80) satildeo apenas uma parte do conjunto De facto aleacutem destes verifiquei a
existecircncia de mais cinco com levantamentos lamelares e em alguns tambeacutem de
lascas sendo dois de siacutelex (MG-CSH71) um deles ainda com coacutertex (MG-CSH113)
Um dos nuacutecleos de quartzo hialino (MG-CSH59) tinha sido obtido a partir de um
cristal prismaacutetico
Agraves cinco grandes pontas bifaciais (Fig 77 84 e 83) bem realccediladas neste
trabalho pode juntar-se mais um fragmento de bordo de outra (MG-CSH174_330B)
ou improvaacutevel parte daquela quebrada
Entre os elementos natildeo referidos haacute que destacar um fragmento de moacute
movente em greacutes ainda que outras peccedilas de cariz semelhante tenham sido anotadas
nomeadamente placas de arenito argiloso talvez amoladeiras ou paletas (Leisner
1965 taf 21 10-11) e um bloco de poacuterfiro () relativamente polido por uso (Leisner
1965 taf 21 16)
No que se refere agraves ceracircmicas (fig 78-80) apesar de ter localizado a maioria
dos fragmentos decorados no que se refere agrave ceracircmica lisa essa re-identificaccedilatildeo
revelou-se mais complicada devido agrave sua degradaccedilatildeo e dificuldade de adscrevecirc-las
aos desenhos realizados pelo que optei por seguir as pranchas e listagens publicadas
Aliaacutes parte dos fragmentos encontrava-se em parte incerta agrave data do estudo
reaparecendo recentemente pelo que talvez seja possiacutevel efectuar uma tentativa de
revisatildeo proximamente
Os recipientes decorados correspondem a trecircs taccedilas com caneluras (Leisner
1965 taf 23 93 95 e 96) No entanto em vez das comuns linhas com punccedilatildeo
rombo originando suaves caneluras estas apresentam incisotildees bem distintas e
profundas No caso da taccedila com caneluras ziguezagueantes Leisner 1965 taf 23 95
MG-CSH243) o estilo decorativo aproxima-se de outros mais elaborados
normalmente associados com ceracircmicas de estilo campaniforme ndash a taccedila de Casal do
Pardo infelizmente sem proveniecircncia concreta apresenta padratildeo similar (Leisner
1965 taf 114 66) Aliaacutes o pequeno fragmento com decoraccedilatildeo reticulada (Leisner
1965 taf 23 94) que natildeo pude analisar pessoalmente poderia corresponder a
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 135 de 415
fragmento campaniforme No entanto tambeacutem poderaacute associar-se somente ao estilo
ldquofolha de acaacuteciardquo em parte contemporacircneo do primeiro
No que respeita as ceracircmicas lisas estas enquadram-se nos vasos hemisfeacutericos
taccedilas e pratos alguns com espessamento do bordo (Leisner 1965 taf 24-25)
Finalmente regista-se uma pequena lacircmina metaacutelica possivelmente de cobre
que natildeo eacute referida nas publicaccedilotildees acerca do sepulcro nem nos apontamentos de V
Leisner (Leisner 1965 Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 ALeisner Leis61)
Esta eacute referida na listagem do Museu produzida nos anos 90 encontrando-se num
pequeno tubo de ensaio (MG-CSH332) mas teraacute surgido misturada com os ossos
humanos Eacute portanto com reserva que aqui a menciono ainda que possa ter passado
desapercebida na colecccedilatildeo oacutessea
Na uacuteltima deacutecada (entre 1997 e 2000) trabalhos de valorizaccedilatildeo na anta
verificaram infelizmente a perda dos esteios A e C (Deus 1998 Estecircvatildeo 2000 e
2001) Aliaacutes o desaparecimento dos esteios jaacute tinha sido verificado desde os anos 80
(informaccedilatildeo pessoal de F Estecircvatildeo) No acircmbito daqueles trabalhos foi implantado um
quadriculado dividido de 2 em 2 metros procedendo agrave re-escavaccedilatildeo de aacutereas
intervencionadas anteriormente (no corredor e cacircmara) bem como na periferia na
possiacutevel aacuterea do tumulus Verificou-se que a crivagem antiga das terras entretanto
repostas teraacute sido relativamente cuidada pois foram recolhidos poucos materiais
sobretudo pequenos fragmentos oacutesseos contas de colar sobre concha e lascas siacutelex
alguns recolhidos nas fendas do substrato (Estecircvatildeo 2000 e 2001) Nas sondagens da
possiacutevel aacuterea tumular foram tambeacutem detectados materiais que poderatildeo ter sido
resultado das violaccedilotildees antigas ou das terras da escavaccedilatildeo passada (Estecircvatildeo 2000 e
2001 Estecircvatildeo e Deus 2000) Numa dessas aacutereas em C2 verificou-se a existecircncia de
uma depressatildeo relativamente profunda com caracteriacutesticas semelhantes ao ldquonichordquo
com vaacuterios fragmentos oacutesseos um deles um fragmento do trocanter de um feacutemur
esquerdo de adulto (classificaccedilatildeo de Nathalie Antunes-Ferreira Quadrado C2 Cam
05 Saco geral 20799) que se utilizou para a obtenccedilatildeo da dataccedilatildeo referida abaixo
Apoacutes a suspensatildeo daqueles trabalhos deu-se ainda a extraordinaacuteria descoberta
de um iacutedolo-pinha (Fig 85 Cardoso Gonzalez e Cardoso 2001-02) Segundo a
localizaccedilatildeo dada pelo seu achador encontrava-se no limite nascente do quadrado C5
uma das poucas aacutereas que as arqueoacutelogas natildeo tiveram oportunidade de abordar
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 136 de 415
(Deus 1998 Estecircvatildeo 2000 e 2001 Estecircvatildeo e Deus 2000) Este achado fortuito em
plena aacuterea de entrada da cacircmara que fora escavada ateacute agrave rocha em 1961 poderia
denunciar uma escavaccedilatildeo pouco cuidada cujas terras repostas continham ainda
materiais importantes Isto porque ao analisar as imagens da escavaccedilatildeo (Leisner
1965 taf 142 Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 est XI ALeisner Leis61) o
local aproximado onde se recolheu a peccedila parece ter sido de facto escavado ateacute o
substrato rochoso Contudo nessa anaacutelise eacute tambeacutem possiacutevel observar que o esteio
C inclinado tal como os autores tinham descrito nunca foi reerguido notando-se
uma mancha de terras escuras em redor deste pela face interna e externa
provavelmente deixada para sustentaccedilatildeo daquele (Fig 87 2 88 e 87a) Isto poderia
significar entatildeo que em momento incerto quando o esteio C foi arrancado teria
originado alguma remobilizaccedilatildeo de terras onde se encontraria incluso o dito
artefacto entretanto recoberto e soacute exposto apoacutes um periacuteodo de chuvas intenso
como a imagem apresentada parece indiciar (Cardoso Gonzalez e Cardoso 2001-02
fig 1) Mas este achado apenas reafirma a descriccedilatildeo dos primeiros escavadores de
uma cacircmara vazia com evidentes sinais de remobilizaccedilatildeo de materiais a que este
escapou entatildeo Por outro lado hoje eacute ainda possiacutevel observar no canto sudeste da
quadriacutecula C5 aquilo que parecem ser os calccedilos da face interna do esteio C e cuja
escavaccedilatildeo a arqueoacuteloga F Estecircvatildeo pretende realizar no futuro
Portanto numa anaacutelise microespacial dos achados eacute sobretudo de salientar o
conjunto ceracircmico in situ da aacuterea vestibular nomeadamente os grandes pratos e as
taccedilas com decoraccedilatildeo canelada entre os quais foi recolhido o lagomorfo e o iacutedolo-
plano antropomorfo ambos em osso e a aparente concentraccedilatildeo de pontas de seta
Infelizmente para esta uacuteltima natildeo eacute possiacutevel verificar que espeacutecimes foram
encontrados pois teria sido interessante localizar na anta as trecircs pontas de base
cocircncava Mas apesar disto levanta a possibilidade de uma deposiccedilatildeo de cariz ritual
junto ao sepulcro Tambeacutem a situaccedilatildeo dos recipientes ceracircmicos recorda outras
situaccedilotildees semelhantes nomeadamente documentadas em Vale de Rodrigo 2
(Larsson 2000) atribuiacuteveis a rituais funeraacuterios poacutes-inumaccedilatildeo Talvez esta situaccedilatildeo
natildeo detectada ateacute hoje noutros contextos sepulcrais possa explicar a presenccedila de
algumas formas consideradas estranhas pelos autores para os conjuntos da ldquoculture
dolmeniqueldquo da Estremadura (Leisner Zbyszewski e Ferreira 1969 p 93-94)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 137 de 415
Para os outros dois conjuntos possiacuteveis os iacutedolos-placa e iacutedolos ciliacutendricos
bem como as grandes pontas bifaciais jaacute foi salientada a possibilidade de
remobilizaccedilatildeo e alteraccedilotildees tafonoacutemicas pelo que deveratildeo ser abordados com
cuidados especiais Assim a coincidecircncia de dois iacutedolos de origens regionalmente
distintas e as pontas bifaciais presentes em ambas as regiotildees poderia reforccedilar a
impressatildeo de outros casos para uma coexistecircncia cronoloacutegica daqueles objectos
ideoteacutecnicos no acircmbito de rituais maacutegico-religiosos No entanto o conteuacutedo da
cacircmara ocidental do tholos da Praia das Maccedilatildes rico em placas de xisto e pontas de
seta contrapondo-se a um conteuacutedo de artefactos votivos em calcaacuterio na cacircmara
central e raros projeacutecteis siliciosos parece realccedilar a ideia de um desfasamento
cronoloacutegico ou ritual ou ambos entre aquelas realidades
Assim pelo espoacutelio recolhido nomeadamente geomeacutetricos fragmentos de
lamelas e lacircminas natildeo retocadas e pouco espessas os nuacutecleos de lamelas e alguns
instrumentos polidos parece ser possiacutevel admitir um iniacutecio de utilizaccedilatildeo da anta de
Casaiacutenhos algures entre os dois uacuteltimos quarteacuteis do 4ordm mileacutenio ane Esse uso parece
intensificar-se na passagem daquele mileacutenio devendo corresponder ao grosso do
espoacutelio atribuiacutevel essencialmente a esse periacuteodo de transiccedilatildeo e da primeira metade
do 3ordm mileacutenio ane coincidindo com a dataccedilatildeo Beta-225168 obtida sobre um
fragmento de feacutemur humano entre 2880-2610 cal BCE (Anexo 3 Quadro 2) Este
fragmento apesar de recolhido fora da cacircmara eacute com certeza testemunho de uma
das inumaccedilotildees deste sepulcro
Uma ausecircncia brevemente anotada pelos primeiros escavadores (Leisner
Zbyszewski e Ferreira 1969 p 93) refere-se agrave ceracircmica e outros elementos
normalmente associados ao fenoacutemeno campaniforme nomeadamente bototildees braccedilais
de arqueiro e elementos metaacutelicos Por outro lado entre as ceracircmicas lisas tambeacutem
natildeo se registam formas campanuladas No entanto haacute que recordar a existecircncia de
fragmentos ceracircmicos com decoraccedilotildees passiacuteveis de enquadrar-se como derivados
campaniformes Mas a confirmar-se esta ausecircncia teria como primeira assumpccedilatildeo
cronoloacutegico-cultural o abandono deste sepulcro desde meados do 3ordm mileacutenio ane
ainda que subsista a possibilidade de deposiccedilotildees dataacuteveis destes momentos
posteriores sem os correspondentes testemunhos materiais nomeadamente
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 138 de 415
campaniformes pelo que a hipoacutetese enunciada para a anta de Estria tambeacutem se
deveraacute considerar aqui
Finalmente a peccedila metaacutelica referida acima eacute tambeacutem algo que poderia
denunciar algum tipo de reutilizaccedilatildeo posterior mas eacute difiacutecil asseguraacute-lo pelos
motivos anotados acima
4153 Carcavelos
A anta de Carcavelos (CNS-3502) a escassas centenas de metros a sudeste da
aldeia homoacutenima freguesia de Lousa Loures (Fig 27) era jaacute assinalada pela
tradiccedilatildeo oral De facto o microtopoacutenimo ldquoAntasrdquo corresponde agrave parcela
imediatamente a norte da aacuterea de implantaccedilatildeo do sepulcro o que o arquitecto
Gustavo Marques em 1986 jaacute tinha registado (AGMarques) Por outro lado as
gentes locais designavam o siacutetio como ldquoCemiteacuterio dos Mourosrdquo (AGMarques) ou
ldquoCasa dos Mourosrdquo (Estecircvatildeo e Marques 1997)
Entretanto em 1944 o casal de arqueoacutelogos alematildees G Leisner e V Leisner
ao empreender o inventaacuterio sistemaacutetico dos sepulcros de Lisboa visitou esta anta
(Fig 88a 1) seguindo as informaccedilotildees de Mesquita Figueiredo e Carlos Ribeiro
(ALeisner Leis61) Acerca dela produziram documentaccedilatildeo graacutefica posteriormente
publicada (ALeisner Leis61 Leisner 1965 p 27 e taf 19) mas sem realizar
qualquer escavaccedilatildeo arqueoloacutegica A anaacutelise das fotos e da planta datada de 17 de
Janeiro de 1944 (ALeisner Leis61) permitiu verificar que o estado da estrutura natildeo
sofreu alteraccedilatildeo significativa ateacute os anos 80
No acircmbito do Congresso Nacional de Arqueologia em 1958 ao listar os
monumentos megaliacuteticos da regiatildeo de Lisboa O V Ferreira (1959 p 219) apontava
uma futura intervenccedilatildeo arqueoloacutegica na anta de Carcavelos que natildeo teraacute
concretizado
Jaacute em meados dos anos 80 mais precisamente em 1986 G Marques no
acircmbito do programa de ldquoocupaccedilatildeo de tempos livresrdquo (OTL) para jovens do concelho
de Loures iniciou um periacuteodo de pesquisas pontuais na sequecircncia de notiacutecias de
cavaccedilotildees clandestinas procedendo a trabalhos durante alguns dias desse Veratildeo (13
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 139 de 415
14 e 21 de Agosto e 17 de Setembro) para verificar o seu impacto na jazida (Fig 88a
2)
Todavia as visitas de curiosos agrave anta continuaram ocorrendo algumas mexidas
no conteuacutedo do sepulcro Em 1987 Luiacutes Henriques entrega materiais que tinha
recolhido na anta na sequecircncia de violaccedilotildees anteriores (AGMarques) Poreacutem
segundo Florbela Estecircvatildeo (informaccedilatildeo pessoal) algumas das incursotildees dos curiosos
poderatildeo ter resultado na extracccedilatildeo de objectos que natildeo eacute hoje possiacutevel conferir
Para aleacutem do interesse arqueoloacutegico a situaccedilatildeo de saque na anta levou G
Marques a intensificar os seus trabalhos pelo que depois de 1986 seguiu um
programa de escavaccedilotildees entre 1991 e 1994 natildeo tendo continuado no ano seguinte
por motivos de sauacutede Aliaacutes durante esses anos registaram-se novas mexidas Os
trabalhos de escavaccedilatildeo desenrolavam-se normalmente durante os meses de Veratildeo de
forma mais ou menos contiacutenua Isto porque natildeo ocorriam sempre em dias e semanas
consecutivas mas estavam condicionados pela disponibilidade logiacutestica e temporal
do responsaacutevel G Marques e dos seus serviccedilos no Municiacutepio de Loures Apesar
destas campanhas de escavaccedilatildeo terem contribuiacutedo para a salvaguarda de informaccedilatildeo
apenas a de 1994 foi oficializada junto da tutela do patrimoacutenio existindo um
relatoacuterio produzido por F Estecircvatildeo (1997)
Ainda que F Estecircvatildeo tivesse colaborado nos trabalhos arqueoloacutegicos entre
1991 e 1994 e a maioria do espoacutelio arqueoloacutegico estivesse depositada no Museu
Municipal todas as imagens apontamentos e registos de campo ficaram em poder de
G Marques enquanto responsaacutevel Entretanto quando este faleceu no ano de 1996
esses elementos bem como alguns dos materiais arqueoloacutegicos quedavam-se em sua
casa Por isso F Estecircvatildeo promoveu o contacto entre a famiacutelia do arqueoacutelogo e o
Museu Nacional de Arqueologia no intuito de salvaguardar a documentaccedilatildeo e o
espoacutelio Estes foram integrados no referido museu nomeadamente a documentaccedilatildeo
no designado ldquoArquivo Gustavo Marquesrdquo (AGMarques) Infelizmente essa
iniciativa natildeo conseguiu evitar o desaparecimento de alguma informaccedilatildeo e materiais
(por exemplo o caderno diaacuterio da campanha de 1994 uma pinha votiva em calcaacuterio
ou um botatildeo em osso)
Entretanto em Fevereiro de 1995 apoacutes visita de teacutecnicos do entatildeo Instituto
Portuguecircs do Patrimoacutenio Arquitectoacutenico e Arqueoloacutegico (IPPAR) por solicitaccedilatildeo da
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 140 de 415
Cacircmara Municipal de Loures a aacuterea da cacircmara foi coberta com tela de
sombreamento e gravilha como medida de salvaguarda
Posteriormente no acircmbito de um plano municipal de valorizaccedilatildeo das antas do
municiacutepio de Loures a arqueoacuteloga F Estecircvatildeo realizou em 1998 uma campanha de
escavaccedilatildeo no sepulcro de Carcavelos (Estecircvatildeo 1999) ainda que por motivos
institucionais natildeo a tenha prosseguido
Quando iniciei a pesquisa para a minha tese de doutoramento colocou-se a
necessidade e a possibilidade de efectuar algumas intervenccedilotildees em antas da regiatildeo de
Lisboa procurando dessa forma obter novos dados que permitissem um melhor
enquadramento daqueles adquiridos anteriormente Assim propus a F Estecircvatildeo e agrave
Cacircmara Municipal de Loures a continuaccedilatildeo em colaboraccedilatildeo do projecto de estudo
da anta de Carcavelos por ela iniciado Esse desiderato foi desenvolvido entre 2005
e 2007 com duas campanhas mensais de escavaccedilatildeo (2005 e 2006) e trabalhos de
laboratoacuterio (2005 a 2007) nomeadamente para o abundante espoacutelio antropoloacutegico
(ainda e apenas com resultados preliminares pois o estudo de uma pequena parte
ainda natildeo foi concluiacutedo)
Como jaacute foi mencionado atraacutes a documentaccedilatildeo que constitui o arquivo G
Marques tinha sofrido alguma desorganizaccedilatildeo antes de ter entrado no Museu
Nacional de Arqueologia pelo que inicialmente foi necessaacuterio proceder agrave sua
revisatildeo e inventariaccedilatildeo detalhada com especial atenccedilatildeo aos papeacuteis referentes agrave
arqueologia de Loures e mais concretamente da anta de Carcavelos Assim
localizou-se o essencial dos apontamentos de 1986 1991 1992 e 1993 mas os
referentes ao ano de 1994 a campanha de maior duraccedilatildeo natildeo foram encontrados ndash
sendo essa lacuna apenas parcialmente preenchida pelo relatoacuterio de F Estecircvatildeo
(1997) referente aos trabalhos daquele ano Tambeacutem a cobertura fotograacutefica dos
vaacuterios anos de trabalhos registava lacunas bem como natildeo se encontrou quase
nenhum filme negativo que permitisse a recuperaccedilatildeo das imagens
As intervenccedilotildees arqueoloacutegicas na anta de Carcavelos ocorreram pontualmente
em Agosto e Setembro de 1986 em 1991 entre 4 e 25 de Setembro em 1992 e 1993
entre Agosto e Setembro e em 1994 entre 14 de Julho e 20 de Agosto e de 4 a 10 de
Setembro (Estecircvatildeo 1997) Em 1998 enquadrado pelo novo projecto municipal
(Estecircvatildeo 1999 Estecircvatildeo e Deus 2000) os trabalhos realizaram-se de forma
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 141 de 415
intermitente entre Agosto e Novembro daquele ano Finalmente em Julho-Agosto de
2005 e Maio-Julho de 2006 realizou-se a escavaccedilatildeo da maioria dos contextos
remanescentes da anta com uma equipa mais alargada para aleacutem dos arqueoacutelogos
responsaacuteveis (F Estecircvatildeo e o autor destas linhas) contou-se com a colaboraccedilatildeo das
antropoacutelogas Nathalie Antunes-Ferreira e Maria Hillier posteriormente assistidas em
laboratoacuterio pelo antropoacutelogo David Boutilier
A estrateacutegia e a metodologia de escavaccedilatildeo aplicada em 1986 revelaram-se
pouco rigorosas incidindo em duas manchas as ldquozonasrdquo I (a cargo de G Marques) e
a II (subdividida pelas porccedilotildees da ldquoCristina Teresa e Joatildeordquo) A acccedilatildeo limitou-se agrave
decapagem das camadas superficiais revelando diversos materiais
Em 1991 G Marques instalou um eixo transversal (aproximadamente este-
oeste) na cacircmara a partir do qual estabeleceu novas zonas agora a I (semelhante a
1986) II e III (incidindo e dividindo a zona II de 1986) Contudo esta divisatildeo natildeo
foi suficientemente rigorosa pelo que em 1992 a intervenccedilatildeo centrou-se numa vala
com cerca de 80 cm de largura a sul e ao longo do referido eixo considerando-se o
primeiro metro a partir do ponto Zero a zona I e a II para o segundo metro (Fig
89) Pelo menos ateacute o aparecimento de uma pedra em cutelo aproximadamente a 1
metro na diagonal que se tornou ad hoc a separaccedilatildeo das referidas zonas Neste ano
a estrateacutegia centrou-se na obtenccedilatildeo de uma leitura estratigraacutefica para os depoacutesitos da
cacircmara estrateacutegia que se prolongou em 1993 agora mantendo as duas zonas I e II
inalteradas avanccedilando-se mais 1 metro (zona III) Finalmente em 1994 apesar da
falta dos apontamentos de campo foi possiacutevel verificar atraveacutes do relatoacuterio de F
Estecircvatildeo (1997) que se procedeu agrave escavaccedilatildeo da restante aacuterea da vala inicial A partir
do eixo setentrional desta segmentado por metro desde o ponto Zero procedeu-se agrave
abertura de valas designadas alfabeticamente vala A B C e D
Eacute de referir que por vezes com a instalaccedilatildeo do eixo este-oeste foram
efectuadas mediccedilotildees para a coordenaccedilatildeo dos achados sobretudo nos anos de 1992 a
1994 No entanto essas mediccedilotildees natildeo foram consistentes sobretudo para o Z
(altimetria) umas vezes medido a partir da superfiacutecie inicial outras de ldquopavimentosrdquo
detectados outras ainda a partir do topo de esteios De qualquer forma permitiram a
localizaccedilatildeo aproximada dos objectos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 142 de 415
A estrateacutegia e metodologia da intervenccedilatildeo de 1998 (Fig 93 3) procuraram
conciliar as acccedilotildees anteriores pelo que se seguiu a orientaccedilatildeo dos eixos
estabelecidos agora numa malha de quadriacuteculas com 1 metro de lado Assim
segundo o relatoacuterio da campanha de 1998 (Estecircvatildeo 1999) o eixo norte-sul
designado X correspondia agrave coluna alfabeacutetica e o eixo este-oeste designado Y agrave
numeacuterica Anote-se que neste uacuteltimo eixo os valores cresceriam a partir do ponto
Zero a este No entanto essa sequecircncia eacute contrariada na publicaccedilatildeo (Estecircvatildeo e Deus
2000) crescendo o eixo numeacuterico de oeste para este Ali constam tambeacutem trecircs
pontos fixos cotados um deles utilizado para registar a altimetria dos achados e
situado no veacutertice da quadriacutecula de F4 com 24824 metros
Perante os trabalhos anteriores quando se avanccedilou para a campanha de 2005
procuraacutemos dentro do possiacutevel manter o quadriculado anteriormente estabelecido
Finalmente conviraacute realccedilar as condicionantes actuais do tratamento da
informaccedilatildeo para a anta de Carcavelos Os resultados apresentados deveratildeo ser
entendidos apenas como preliminares pois a intervenccedilatildeo natildeo foi concluiacuteda em aacutereas
pontuais nomeadamente no corredor ndash isso implicaria a desarticulaccedilatildeo do jaacute bastante
fracturado e inclinado esteio U3 o que se realizaraacute apenas quando for possiacutevel a sua
colagem e reimplantaccedilatildeo Tambeacutem optou-se por natildeo descalccedilar interna e
externamente os esteios ainda erguidos ainda que fosse possiacutevel perscrutar restos
oacutesseos entre as pedras pois isso poderia levar agrave sua ruiacutena ndash no caso dos esteios U8
(cabeceira) e U9 a escavaccedilatildeo dos calccedilos e dos alveacuteolos seria de grande importacircncia
mas soacute possiacutevel quando se proceder agrave sua extracccedilatildeo com garantias de colagem e
reimplantaccedilatildeo Por fim o estudo dos materiais exumados prossegue no acircmbito da
colaboraccedilatildeo referida acima procurando conciliar-se os dados provenientes das
primeiras intervenccedilotildees com aqueles adquiridos nos uacuteltimos anos ndash o acesso agrave
documentaccedilatildeo do arquivo de G Marques apenas ocorreu em 2006 Assim procurar-
se-aacute nos capiacutetulos seguintes essencialmente discutir as leituras obtidas nas
campanhas de 2005-2007 cruzadas com alguns apontamentos anteriores e o
enquadramento possiacutevel dos materiais considerados mais pertinentes no acircmbito da
anaacutelise geral das antas e do Megalitismo regional
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 143 de 415
Situaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo da anta em 2005-2006
A anta de Carcavelos situa-se num patamar ligeiramente inclinado para Sul
sobranceiro ao vale da ribeira do Tufo Assenta num substrato de margas conquiacuteferas
surgindo na pendente sul a pouco mais de 20 metros dos afloramentos de calcaacuterios
do Cretaacutecico tambeacutem com foacutesseis conquiacuteferos do Cenomaniano meacutedio ndash
ldquoBelasiano-Albianordquo (SGP 1981 Zbyszweski 1964) No relevo sobranceiro situado
a norte-noroeste encontram-se manchas de basaltos e arenitos com raras
intercalaccedilotildees calcaacuterias e a poucas dezenas de metros para este da anta nota-se um
filatildeo basaacuteltico (SGP 1981 Zbyszweski 1964)
Em 2005 a anta mantinha a aacuterea da cacircmara coberta com gravilha e tela (ali
colocados em 1995) bem como a parte correspondente agraves quadriacuteculas escavadas em
1998 cobertas com a terra crivada da intervenccedilatildeo O desniacutevel entre as aacutereas jaacute
intervencionadas e os depoacutesitos remanescentes era bem visiacutevel tornando-se uma das
maiores dificuldades para a leitura dos diversos contextos presentes e ou jaacute
exumados Por outro lado os sinais de remeximento tambeacutem eram evidentes pelas
tocas e buracos escavados por roedores notando-se fragmentos de ossos humanos
um pouco por toda a aacuterea interior e exterior da anta nesta uacuteltima sobretudo nos
pontos de despejo das terras das intervenccedilotildees anteriores
O esqueleto ortostaacutetico do sepulcro conservava ainda os esteios a este norte e
oeste (U5 U6 U7 U8 e U9) bem como um grande esteio de corredor (U3)
apontando a sudeste ao qual se apoiava um pequena laje (U4) na transiccedilatildeo para o
corredor (Fig 88a 3-4) No lado sudoeste e sul do monumento avistavam-se caiacutedos
vaacuterios fragmentos de lajes que teratildeo sido partes dos esteios (por exemplo U13 cola
com U8) No entanto esta disposiccedilatildeo geral do sepulcro jaacute era conhecida desde o
registo do casal Leisner (ALeisner Leis61) pelo que as perturbaccedilotildees teratildeo ocorrido
antes de 1944
Confinando a sul com o sepulcro corria um muro de pedra seca de divisatildeo de
propriedade em grande parte coberto por vegetaccedilatildeo inclusive um zambujeiro o que
impedia uma leitura segura do edifiacutecio naquela aacuterea
Dada a natureza dos blocos utilizados na construccedilatildeo da anta um calcaacuterio
conquiacutefero e margoso obtido nas imediaccedilotildees do local de implantaccedilatildeo desta os
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 144 de 415
fenoacutemenos de erosatildeo eram bastantes evidentes notando-se fissuras longitudinais em
muitos deles explicando tambeacutem muitas das fracturas nomeadamente nos esteios de
cabeceira e do corredor
Estrateacutegia de intervenccedilatildeo
Procurando conciliar os trabalhos anteriores optou-se por implantar um
quadriculado alfanumeacuterico segmentado em quadriacuteculas (Q) de 1x1 m com os eixos
orientados norte-sul e oeste-este de acordo com o alinhamento cartograacutefico
estabelecido anteriormente por G Marques e F Estecircvatildeo Contudo alterou-se a
designaccedilatildeo do eixo alfabeacutetico (norte-sul) para Y e o numeacuterico (oeste-este) para X
mas ambos crescendo segundo o estabelecido na publicaccedilatildeo jaacute referida (Estecircvatildeo e
Deus 2000 Anexo 1) Um dos pontos cotados e cimentados da campanha de 1998
localizado num dos veacutertices de Q F4 (24824 m) foi utilizado durante os primeiros
dias para registo da altimetria mas como a progressatildeo da escavaccedilatildeo o erradicaria
inevitavelmente decidiu estabelecer-se um novo ponto cotado no afloramento
localizado a cerca de 50 metros da anta para este junto a um arroio Este ponto
media 24768 metros de altitude
Ainda no acircmbito do registo de escavaccedilatildeo procurou-se identificar e registar as
unidades estratigraacuteficas para uma melhor compreensatildeo do monumento No entanto
este uacuteltimo desiderato revelou-se complexo para parte dos contextos visto que como
posteriormente se poderaacute verificar a actividade humana clandestina mas tambeacutem
das intervenccedilotildees anteriores bem como a acccedilatildeo dos animais que por ali passaram
(registaram-se inuacutemeras tocas de coelhos e afins) contribuiacuteram para a
desorganizaccedilatildeo de alguns dos depoacutesitos
O inventaacuterio das realidades arqueoloacutegicas foi efectuado por Unidades
Estratigraacuteficas (U) adaptando a metodologia proposta por P Barker (1993) e E
Harris (1997) conjuntamente com a anotaccedilatildeo tridimensional para todos os achados
pertinentes sempre que possiacutevel Os elementos ortostaacuteticos foram tambeacutem
considerados individualmente como unidades pelo que natildeo se seguiu a numeraccedilatildeo
apresentada anteriormente por F Estecircvatildeo (1999)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 145 de 415
Tomando como mais importante a preservaccedilatildeo das ossadas humanas para
posterior estudo do que a sua exposiccedilatildeo durante vaacuterios dias e sequente deterioraccedilatildeo
para obtenccedilatildeo de uma foto ou desenho de conjunto bem como a possibilidade de
visitas inopinadas e sequente roubo ndash tal como tinha acontecido pouco tempo antes
na escavaccedilatildeo de um silo preacute-histoacuterico em Murtal (Loures) e veio a acontecer na anta
em 2006 ndash optaacutemos por um meacutetodo expedito de escavaccedilatildeo dos restos osteoloacutegicos
que foram sendo fotografados e coordenados antes de cada grupo de peccedilas ser
extraiacutedo preferencialmente no final do dia de trabalho Na fotografia registava-se
posteriormente o nuacutemero de inventaacuterio de cada peccedila para identificaccedilatildeo Entre as
ossadas recolheram-se outros objectos arqueoloacutegicos nomeadamente vaacuterios iacutedolos
calcaacuterios alguns liacuteticos lascados e artefactos de osso e fragmentos de recipientes
ceracircmicos todos eles devidamente coordenados
Devido agrave morosidade da escavaccedilatildeo dos restos oacutesseos a intervenccedilatildeo dentro da
cacircmara avanccedilou com um ritmo mais lento que noutras aacutereas
A intervenccedilatildeo centrou-se primeiramente nas aacutereas da cacircmara e corredor bem
como no esclarecimento da aacuterea exterior do sepulcro procurando perceber a
existecircncia ou natildeo de tumulus e contraforte Para tal procedeu-se inicialmente agrave
decapagem superficial prevendo-se a realizaccedilatildeo de duas valas que cortassem
transversalmente o tumulus uma para norte e outra para este mas apenas realizadas
parcialmente pois o estrato rochoso alterado surgiu em cotas bastante superficiais
A escavaccedilatildeo foi desenvolvida de acordo com as realidades detectadas e perante
as novas questotildees que se colocaram mas tambeacutem considerando as limitaccedilotildees do
calendaacuterio da intervenccedilatildeo
O registo graacutefico efectuou-se com imagens digitais e em diapositivo (este
uacuteltimo suporte soacute em 2005) bem como com desenhos de estruturas e planos agrave escala
120 devidamente cotados
Todas as terras extraiacutedas foram crivadas com uma rede de 3 mm
Descriccedilatildeo dos trabalhos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 146 de 415
Antes do iniacutecio da remoccedilatildeo do solo foram efectuados o corte e a raspagem
com serra e enxada dos arbustos e demais vegetaccedilatildeo nas aacutereas das quadriacuteculas
prioritaacuterias com vista agrave delineaccedilatildeo de eventuais realidades especiacuteficas
Apoacutes a limpeza da vegetaccedilatildeo foi possiacutevel verificar que o esteio de corredor
(U3) era maior do que ateacute agora tinha sido registado mas apenas aflorava no terreno
pois estava quebrado
O muro de pedra solta para divisatildeo de propriedade imediatamente a sul da
anta interrompia-se onde jazia uma grande laje De facto nas imagens obtidas pelo
casal Leisner (ALeisner Leis18 CF4828-CF4832 Leisner 1965) tal estrutura ainda
natildeo existia pelo que tal realidade surgiu nos uacuteltimos sessenta anos Aliaacutes a
desmontagem do troccedilo de murete veio a revelar a inexistecircncia de fundaccedilatildeo tendo as
pedras sido assentes parcialmente naquilo que foi interpretado como o remanescente
do contraforte do corredor no lado Sul
No lado exterior do corredor a este procedeu-se ao registo de um aglomerado
de pedras muito soltas talvez resultado de anteriores trabalhos agriacutecolas e
arqueoloacutegicos ou de desmoronamento do muro localizado a sul Esta situaccedilatildeo
tambeacutem ocorria no lado oeste e sudoeste Aliaacutes algumas imagens produzidas pelo
teacutecnico do IPPAR em 1994 permitiram esclarecer alguns dos contextos inicialmente
considerados remexidos ou mesmo de violaccedilatildeo Assim estes foram o resultado dos
depoacutesitos retirados nas escavaccedilotildees de G Marques e colocados junto agrave anta Neles foi
ainda possiacutevel recolher alguns materiais arqueoloacutegicos normalmente de diminuto
tamanho nomeadamente esquiacuterolas de ossos contas bototildees e fragmentos ceracircmicos
No interior da anta (Fig 90) procedeu-se agrave retirada da gravilha e tela colocadas
anteriormente distinguindo-se da aacuterea intervencionada em 1998 por ali ter sido
utilizada a terra crivada da escavaccedilatildeo de cor castanha Dentro da cacircmara depois da
limpeza surgiu de imediato uma camada argilosa amarela acastanhada (U20) onde se
avistavam ainda alguns ossos Junto aos esteios dessa aacuterea na face interna
verificaram-se as pedras de calccedilo causando a impressatildeo de que em alguns pontos jaacute
se teria atingido a base do recinto o que se veio a confirmar no quadrante nordeste-
este da cacircmara ainda que com negativos de algumas tocas de animais
Foi tambeacutem possiacutevel detectar a vala realizada por G Marques entre o esteio U4
e U9 onde ainda se avistava um prego com fio azul correspondendo sensivelmente
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 147 de 415
ao quadriculado reimplantando (E5-E8) Sobretudo do lado este (E7-E8) essa vala
tambeacutem parecia jaacute ter atingido a base do sepulcro Paralelamente foi tambeacutem
possiacutevel perceber os dois quadrados intervencionados em 1998 (F6-F7) com
diferentes altimetrias bem como as faixas de 20 cm dos Q E6 e E7
A aacuterea oeste-norte junto ao esteio de cabeceira apresentava ainda cotas
superiores agraves das aacutereas anteriormente escavadas notando-se na sua superfiacutecie restos
de ossadas humanas pelo que se presumiu a possibilidade de estratos ainda
preservados A escavaccedilatildeo foi iniciada em Q C6 e parte de C7 verificando-se a
existecircncia naquele local de um aglomerado de peccedilas osteoloacutegicas nomeadamente
ossos longos e cracircnios misturados e imbricados aleatoriamente Por vezes surgiram
algumas pedras umas talvez caiacutedas das estruturas de calccedilo dos esteios outras
possivelmente natildeo
O avanccedilo dos trabalhos em redor das quadriacuteculas D5-D6 permitiu a definiccedilatildeo
de algumas aglomeraccedilotildees osteoloacutegicas junto e ao longo da estrutura de calccedilo (U17)
do esteio de cabeceira (U8) inseridas entre os sedimentos dessa aacuterea que se
desenvolviam pela cacircmara ndash aiacute o depoacutesito de terras amareladas (U54) apresentava
bolsas de terras acastanhadas denotando sinais de remexido pontual Nesta unidade
ainda se encontraram concentraccedilotildees oacutesseas mas tambeacutem aleacutem de peccedilas preacute-
histoacutericas alguns fragmentos de telha e ceracircmica vidrada sobretudo no quadrante
sul Por sua vez este contexto cobria uma depressatildeo com um formato ovalado
irregular mais ou menos central no espaccedilo da cacircmara preenchida com terras
semelhantes agraves superiores ainda que mais acastanhadas (U57) Presumindo-se que a
realidade negativa pudesse corresponder a um eventual buraco de poste central
procurou identificar-se eventuais pedras de calccedilo prestando-se bastante atenccedilatildeo agrave sua
escavaccedilatildeo No entanto tal estruturaccedilatildeo natildeo foi verificada revelando-se apenas um
contexto com materiais arqueoloacutegicos (pequenos fragmentos ceracircmicos alguns deles
campaniformes com decoraccedilatildeo internacional ossos humanos partidos um iacutedolo
quebrado e algumas contas discoacuteides) essencialmente fracturados de dimensotildees
reduzidas e revoltos Pelas suas caracteriacutesticas esta depressatildeo poderaacute ter resultado da
escavaccedilatildeo de uma toca de animal tendo arrastado para o seu interior os elementos de
menor dimensatildeo presentes na anta situaccedilatildeo detectada noutros pontos da cacircmara em
cavidades similares de menor dimensatildeo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 148 de 415
Na aacuterea sul aquela onde os contextos apresentavam sinais de maior
revolvimento foi possiacutevel relocalizar sob a U54 uma depressatildeo alongada que
deveraacute corresponder ao alveacuteolo de implantaccedilatildeo quiccedilaacute da laje U12 tombada a sul
(pelo menos as suas dimensotildees parecem corresponder) Tambeacutem na transiccedilatildeo da
cacircmara para o corredor foi possiacutevel verificar uma pequena depressatildeo numa posiccedilatildeo
potencialmente simeacutetrica ao lado este que poderia corresponder a outro alveacuteolo de
um pequeno esteio ou de um pequeno pilar nomeadamente do bloco prismaacutetico de
basalto (U36) tombado mesmo junto a este
A zona do corredor revelou alguns materiais arqueoloacutegicos numa camada do
substrato conquiacutefero bastante alterado (U25 e U35) Contudo a continuaccedilatildeo da sua
escavaccedilatildeo ficou condicionada pela inclinaccedilatildeo acentuada do esteio U3 No entanto
foi possiacutevel verificar pela altimetria registada que a base desta passagem estaria
ligeiramente mais elevada do que a da cacircmara originalmente
A dita inclinaccedilatildeo da laje U3 contribuiu tambeacutem para a posiccedilatildeo quase horizontal
do pequeno esteio U4 Este teria sido colocado encostado ao primeiro talvez como
remate para alguma imperfeiccedilatildeo do esteio e arrastado com ele quando se inclinou
Aleacutem de inclinado o esteio de corredor apresentava-se bastante fracturado faltando
partes hoje natildeo localizadas nas duas extremidades A existirem a dimensatildeo de U3
seria bem maior daquela actualmente aparente
Sob o esteio U4 verificou-se um conjunto de taccedilas ceracircmicas empilhadas na
aacuterea de transiccedilatildeo para a cacircmara lembrando uma realidade similar em Casaiacutenhos
(Leisner Zbyszweski e Ferreira 1969) Curiosamente nesta aacuterea registou-se ainda
uma laje em cutelo que parecia prolongar o corredor ou pelo menos produzir um
nicho junto ao esteio U5 onde de facto se recolheram em vaacuterios niacuteveis um conjunto
assinalaacutevel de objectos e ossadas Ainda que a anaacutelise natildeo esteja concluiacuteda este
arranjo microespacial parece ter ocorrido em momento posterior ao original pois
segundo G Marques (AGMarques 1992) existiam fragmentos de vaso e algumas
ossadas humanas sob a base da referida laje Tambeacutem haacute que referir a presenccedila nos
niacuteveis superficiais de ceracircmica campaniforme o que poderia apontar para um tipo de
estruturaccedilatildeo semelhante agravequele verificado em Pedra Branca (Ferreira et al 1975)
Ainda nesta aacuterea de transiccedilatildeo para a cacircmara registaram-se nas escavaccedilotildees antigas em
niacuteveis associaacuteveis agrave camada amarelada da base um iacutedolo-pinha e outro ciliacutendrico
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 149 de 415
junto a fragmentos ceracircmicos com caneluras correspondendo a uma pequena taccedila e
um copo (Fig 89 1 e 3 96 1 AGMarques 1992)
A recolha de fragmentos de telha lusitana bem como de recipientes vidrados e
em faianccedila em cotas superficiais da cacircmara (as recolhas destes materiais em 1993 e
1994 tambeacutem provieram desses niacuteveis) mas tambeacutem na U54 parece apontar para o
uso deste espaccedilo como abrigo para pessoas e ou gado em eacutepoca mais recente
Inclusive essa utilizaccedilatildeo poderia estar associada ao actualmente arruinado Casal do
Rocha situado a cerca de 100 metros a sudeste onde se avistam fragmentos de telha
semelhantes
Apoacutes a decapagem exterior da aacuterea circundante da cacircmara nas aacutereas norte e
este tornaram-se evidentes junto aos esteios troccedilos do anel de contraforte (Fig 88a
5-6) parecendo ter sido colocado em alveacuteolo aberto no substrato margoso Natildeo se
confirmou evidecircncia de tumulus verificando-se apenas depoacutesitos alterados do
substrato margoso local Conviraacute referir que a lavra do terreno envolvente da anta
tinha sido realizada ateacute junto dos esteios pelo menos do lado oeste norte e este
devendo ter contribuiacutedo para aquela alteraccedilatildeo
Nos lados sudoeste e sul foi necessaacuterio remover as lajes tombadas permitindo
a continuaccedilatildeo dos trabalhos para melhor compreender a aacuterea que se afigurava mais
perturbada
A decapagem das aacutereas oeste e sudoeste permitiu verificar uma realidade mais
alterada pois apesar de se registarem pedras passiacuteveis de associaccedilatildeo ao anel de
contraforte outras surgiram soltas em bolsas de terras amareladas argilosas ou
castanhas e com materiais arqueoloacutegicos misturados ndash alguns correspondendo aos
montiacuteculos de terras resultantes das intervenccedilotildees anteriores a 1998 Contudo outras
bolsas teratildeo surgido ainda antes das intervenccedilotildees pois cobriam parcialmente as
fracturas do esteio U9 ainda in situ Aliaacutes verificou-se que este esteio colaraacute com os
fragmentos de laje designados U10 e U11 Por outro lado alguns dos aglomerados de
pedras ainda que soltas quedavam-se em posiccedilotildees proacuteximas do que seria o
contraforte original Inclusive na face exterior de U9 (Fig 92 1) foi possiacutevel
observar o alveacuteolo de implantaccedilatildeo (U60) ainda com algumas pedras a preenchecirc-lo
(U61)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 150 de 415
Como jaacute foi referido acima a anta foi implantada num substrato de margas
conquiacuteferas com uma inclinaccedilatildeo das camadas naturais para sul (Fig 92) No entanto
durante a escavaccedilatildeo esse substrato revelou duas camadas distintas que se
sobrepunham uma inferior margosa de coloraccedilatildeo amarelada e outra superior
tambeacutem margosa mas constituiacuteda por conchas fossilizadas de espeacutecies bivalves
antigas Esta uacuteltima camada eacute observaacutevel no terccedilo sul da aacuterea da cacircmara e na quase
totalidade do corredor De facto a escavaccedilatildeo exploratoacuteria destes depoacutesitos revelou-se
esteacuteril apenas encontrando-se espoacutelio em aacutereas muito alteradas e em contacto com
contextos arqueoloacutegicos
A observaccedilatildeo do substrato margoso e das cotas em que se regista permitiu
adiantar uma possiacutevel estrateacutegia de construccedilatildeo e erecccedilatildeo da estrutura sepulcral
Assim o espaccedilo interno teraacute sido desaterrado em anfiteatro produzindo-se um certo
desniacutevel entre as superfiacutecies originais do lado norte e sul Posteriormente abriram-se
os alveacuteolos para os esteios O referido desniacutevel poderaacute tambeacutem ter contribuiacutedo para
um desmonte mais facilitado da estrutura ortostaacutetica do lado sul aacuterea onde ocorre a
mancha de depoacutesito conquiacutefero
Perante os trabalhos realizados eacute possiacutevel admitir que esta anta apresentaria
provavelmente o tiacutepico padratildeo de 7 esteios de uma cacircmara poligonal de que apenas
restavam cinco e o alveacuteolo (U59) do sexto mas havia ainda um espaccedilo que
corresponderia ao seacutetimo A altura dos esteios rondaria aproximadamente aquela
registada nos ortoacutestatos U6 U7 e U8 com cerca de 190 m face agrave base da cacircmara
com cerca de 35 m de largura por 3 m de comprimento (Fig 93 1-2) Agrave sala
funeraacuteria acedia-se por um corredor com cerca de 25 m de comprimento de que
apenas nos chegaram os restos de 2 esteios do lado norte Entre os vaacuterios blocos
observados junto da anta nenhum pareceu corresponder a parte de uma eventual
tampa da cacircmara ou tambeacutem atribuiacutevel a um lintel do corredor
Espoacutelio
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 151 de 415
O espoacutelio recolhido (Fig 94-105) proveacutem essencialmente do interior da
cacircmara mas tambeacutem de alguns contextos remexidos daquela e depositados no seu
exterior essencialmente a oeste-sudoeste e sul
Dentro da cacircmara o espoacutelio das unidades U34 U17 U18 e U56 mais
encostadas aos esteios remanescentes (U6 U7 U8 e U9) apresentava-se melhor
preservado sendo aiacute que se identificaram tambeacutem as maiores concentraccedilotildees de
ossos nomeadamente o ossaacuterio da U34 De certa forma agrave camada amarela nas suas
diversas tonalidades (U34 U20 U23 U54 mas tambeacutem os contextos similares
descritos por G Marques) corresponde o grosso das deposiccedilotildees funeraacuterias sobre as
quais se realizaram mais tarde aquelas com ceracircmica campaniforme ndash de facto ainda
que se tenham recolhido fragmentos normalmente pequenos de ceracircmicas
campaniformes no acircmago daquela camada a maioria dos grandes fragmentos foi
recolhida nas camadas superficiais acastanhadas ou na transiccedilatildeo para o estrato
inferior Uma explicaccedilatildeo para a sua presenccedila mais aprofundada poderaacute relacionar-se
com a acccedilatildeo escavadora dos animais jaacute referida atraacutes causando a migraccedilatildeo de
pequenos elementos ndash por exemplo em U34 o ossaacuterio considerado relativamente
preservado em Q C6 natildeo se recolheu qualquer fragmento de ceracircmica
campaniforme Outro detalhe importante eacute a maioria desses pequenos fragmentos em
cotas mais baixas corresponderem agrave teacutecnica impressa essencialmente no estilo
internacional Mas esta impressatildeo necessita de uma afericcedilatildeo mais cuidada para a
qual as largas centenas de restos fauniacutesticos recolhidas ainda em fase de estudo
tambeacutem poderatildeo contribuir
O espoacutelio antropoloacutegico revelou-se abundante isto se considerarmos que
apenas se escavou mais ou menos integralmente a base do quadrante noroeste No
entanto uma primeira anaacutelise da informaccedilatildeo das intervenccedilotildees anteriores permitiu
verificar que outras concentraccedilotildees oacutesseas do mesmo cariz se registaram nos
quadrantes nordeste este e sudoeste da cacircmara nesta uacuteltima aacuterea correspondendo
sobretudo agraves quadriacuteculas E5 e E6 A projecccedilatildeo possiacutevel dessa distribuiccedilatildeo decorre
ainda mas eacute possiacutevel verificar um padratildeo semelhante para os artefactos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 152 de 415
Aleacutem dos restos fauniacutesticos tambeacutem se recolheu cerca de duas dezenas de
gracircnulos de carvotildees sobretudo inseridos nas unidades amareladas Infelizmente
nada se pode adiantar pois ainda se aguarda o seu estudo
O conjunto de artefactos recolhidos na anta revelou-se surpreendentemente
limitado quando comparado com os restos osteoloacutegicos humanos e fauniacutesticos mas
tambeacutem com certas categorias de espoacutelio identificadas noutros sepulcros
aparentemente contemporacircneos designadamente nas antas de Monte Abraatildeo e
Casaiacutenhos
O conjunto da pedra lascada para aleacutem de algumas lascas em siacutelex e poucas
em quartzo apresenta um grupo diverso de artefactos mas em nuacutemero reduzido de
unidades exceptuando talvez as lacircminas ovoacuteides (Fig 94-95)
Os 9 fragmentos de lacircminas todos de siacutelex mas alguns de pequena dimensatildeo
parecem corresponder sobretudo a peccedilas espessas e relativamente largas ndash o maior
exemplar deveria corresponder agrave lacircmina HC1131 com um retoque invasor bem
marcado No entanto algumas delas curiosamente as menos espessas apresentam um
retoque mais localizado e marginal Um uacutenico exemplar proximal natildeo apresentava
retoque (HC321)
Natildeo foram recuperadas lamelas mas junto de um dos geomeacutetricos foi
recolhido um nuacutecleo em quartzo leitoso (HC1123) para a extracccedilatildeo desses pequenos
produtos alongados
Registaram-se 2 geomeacutetricos trapezoidais sobre lacircmina (HC1121 e 1122)
curiosamente ambos na base da cacircmara ainda que em pontos distintos (Fig 94)
As pontas de seta todas em siacutelex limitam-se a 5 exemplares trecircs deles com
bases convexas duas triangulares (HC1126 e 1127) e uma ligeiramente pedunculada
(HC1128) Outra apresenta uma base cocircncava (HC138) Haacute ainda um fragmento
mesial em siacutelex (HC131) que corresponderaacute a uma ponta de seta mas eacute de difiacutecil
classificaccedilatildeo
O grupo de 5 lacircminas ovoacuteides eacute relativamente numeroso (Fig 95) quando
comparado com outros conjuntos funeraacuterios ortostaacuteticos Seguindo a proposta de S
Forenbaher (1999 p 84) ainda que simplificada duas peccedilas (HC320 e 802) satildeo do
tipo ovalado e outras duas (HC313 e 801) subrectangulares Uma quinta peccedila
(HC129) apresenta um formato ovalado mas com uma espeacutecie de alongamento para
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 153 de 415
eventualmente facilitar o seu encabamento Lembra de alguma forma a peccedila votiva
em calcaacuterio das grutas do Poccedilo Velho (Gonccedilalves 2005 fig 1234) Haacute ainda dois
fragmentos com retoque bifacial (HC3144 e HC311) que poderatildeo corresponder a
outras duas peccedilas ovoacuteides hoje perdidas No entanto estes mesmos fragmentos
poderiam corresponder a grandes pontas bifaciais do tipo lanccedila punhal ou alabarda
de outro modo ausentes nesta anta
Finalmente entre as lascas e restos de talhe identificam-se algumas peccedilas
retocadas nomeadamente dois possiacuteveis furadores um em siacutelex (HC1133) e outro
em quartzo (HC811) e um raspador em siacutelex (HC174)
Durante os trabalhos de 2005-2006 a observaccedilatildeo de largas centenas de pedras
pequenas e grandes natildeo conduziu agrave identificaccedilatildeo de qualquer elemento liacutetico
afeiccediloado nomeadamente percutores e elementos de moagem Assim apenas se
conhece um percutor esferoidal em calcaacuterio cristalino recolhido em 1993 e um seixo
com sinais de percussatildeo (HC0673) da campanha de 1998 e um fragmento de
movente em arenito tambeacutem recolhido em campanhas anteriores
O grupo dos utensiacutelios de pedra polida tambeacutem se apresenta limitado mas
neste caso tal situaccedilatildeo eacute recorrente noutros conjuntos sepulcrais da regiatildeo Foram
recolhidas apenas duas enxoacutes uma de anfibolito (HC310) e outra de xisto (HC799)
mas ambas com gumes intactos ndash a primeira apresenta uma secccedilatildeo poligonal
achatada e a segunda peccedila uma secccedilatildeo ovalada achatada O outro instrumento
originalmente um provaacutevel machado de anfibolito (HC445) encontrava-se quebrado
longitudinalmente e utilizado como percutor em ambos os topos (Fig 96)
Aleacutem dos utensiacutelios polidos referidos recolheu-se uma pequena vareta (Fig
104 10) talvez um pequeno punccedilatildeo ou furador realizado sobre uma rocha xistosa de
dureza assinalaacutevel onde eacute possiacutevel observar numa das faces o serrilhado da sua
extracccedilatildeo Finalmente recolheu-se um provaacutevel fragmento mesial de braccedilal de
arqueiro (HC449) ainda que sem os orifiacutecios que garantam com maior fiabilidade
esta interpretaccedilatildeo (104 6)
Foram recolhidos pelo menos 16 artefactos votivos em calcaacuterio (Fig 97-98)
Destes 12 enquadram-se no grupo dos iacutedolos cilindroacuteides ainda que um deles se
aproxime do formato afuselado (HC383) Aleacutem dessa particularidade apenas um
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 154 de 415
pequeno cilindro com um perfil romboacuteide apresentava uma gravaccedilatildeo com pares de
ldquoolhosrdquo e ldquotatuagensrdquo (HCF8-34)
Um dos dois iacutedolos com formato afuselado apresenta gravaccedilatildeo com as linhas
horizontais no topo e base (HC385) comuns neste tipo de peccedila mas tambeacutem um par
de possiacuteveis orifiacutecios oculares Dois outros orifiacutecios no topo do betilo colocam a
possibilidade de terem sido realizados para colocaccedilatildeo de um qualquer penacho de
material pereciacutevel isto se for aceite o posicionamento proposto por J Cardoso
(1995) para a deposiccedilatildeo deste tipo de peccedila O outro iacutedolo natildeo apresenta qualquer tipo
de gravaccedilatildeo
Aleacutem do artefactos idoliformes enumerados recolheu-se em 1992 um iacutedolo-
pinha (Fig 89 3 98 4 AGMarques) infelizmente hoje natildeo localizado com um
padratildeo de decoraccedilatildeo muito semelhante ao encontrado na anta de Casaiacutenhos
(Cardoso Gonzalez e Cardoso 2001-02) distinguindo-se apenas pela ausecircncia do
serpentiforme Curiosamente ambas as peccedilas foram recolhidas na aacuterea de entrada
das respectivas cacircmaras funeraacuterias
No acircmbito dos recipientes em calcaacuterio recolheram-se alguns fragmentos pelo
menos de um pequeno vaso com sulco no bordo (HC454) e talvez do mesmo
artefacto mas sem colagem evidente um pedaccedilo do fundo
Finalmente poderaacute incluir-se neste conjunto votivo um pequeno iacutedolo de gola
em osso e sem qualquer decoraccedilatildeo (Fig 104 11 HC314)
Deve anotar-se a aparente ausecircncia de iacutedolos-placas em xisto ou arenito nesta
anta quando eacute recorrente a sua presenccedila ainda que minoritaacuteria noutros sepulcros
coevos Apenas um diminuto fragmento de xisto negro (HC664) foi recolhido em
contexto perturbado No entanto este poderaacute corresponder somente agrave mateacuteria-prima
utilizada nas contas de colar em xisto estas bastante abundantes na anta
Os aparentes utensiacutelios em osso resumiram-se a um cabo (HC1236) e um
furador em osso (HCC5-10)
Entre os elementos de adorno regista-se um alfinete quase completo com
cabeccedila simples (HC806) e mais alguns fragmentos de hastes Recolheram-se ainda
vaacuterios bototildees do tipo tartaruga (HC803 e HC1237 muito semelhantes e HC805)
Outros dois tambeacutem de tipologia similar apresentam as aletas trapezoidais
decoradas com pequenas incisotildees (HC306 e HC430) Outro com um formato coacutenico
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 155 de 415
perdeu-se em 1991 Todos apresentam a tiacutepica perfuraccedilatildeo em ldquoVrdquo mas num caso
(HC805) a perfuraccedilatildeo teraacute sido tentada pelo menos duas vezes pois observam-se 3
perfuraccedilotildees (Fig 104 3) Com excepccedilatildeo dos bototildees encontrados fora da cacircmara ou
em contexto mais revolto os restantes foram recolhidos nas aacutereas com maior
concentraccedilatildeo de ceracircmica campaniforme
Finalmente as contas de colar inclusive algumas encontradas ainda alinhadas
destacam-se pelo seu nuacutemero abundante ndash cerca de duas centenas ndash ainda que um
putativo colar pudesse englobar boa parte delas numa soacute peccedila Estas obtidas a partir
de conchas e rocha xistosa negra apresentam uma morfologia discoidal Outro
conjunto de contas com formatos discoacuteide globular e tubular foi realizado sobre
pedra verde
Natildeo haacute registo de qualquer peccedila em metal recolhida nesta anta excepto um
elemento de sacho em ferro de cronologia recente
Os fragmentos ceracircmicos revelaram-se abundantes perfazendo vaacuterias dezenas
de recipientes podendo repartir-se por trecircs grupos com caracteriacutesticas especiacuteficas
(Fig 99-103)
Registam-se ceracircmicas com decoraccedilatildeo campaniforme impressa nomeadamente
do estilo internacional e do estilo ldquoPalmelardquo e incisa com vasos acampanados e
taccedilas com bordo espessado Apesar de ainda natildeo estar concluiacuteda a anaacutelise
microespacial estes elementos juntamente com os bototildees parecem surgir sobretudo
nos estratos superficiais tendo sido recolhidos apenas pequenos fragmentos na base
da cacircmara
Outro conjunto eacute o dos recipientes com incisotildeescaneluras junto ao bordo
sobretudo representado por taccedilas de vaacuterias dimensotildees mas tambeacutem por um talvez
dois pequenos copos
Um grupo de recipientes de diversas tipologias com uma definiccedilatildeo
cronoloacutegica preacute-histoacuterica menos concreta eacute composto por taccedilas e vasos de vaacuterias
dimensotildees mas essencialmente sem qualquer tipo de decoraccedilatildeo muito semelhantes
ao conjunto recolhido em Casaiacutenhos Aliaacutes a situaccedilatildeo de empilhamento de
recipientes detectada nesta anta foi tambeacutem detectada em Carcavelos sob o esteio
U4
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 156 de 415
Aleacutem dos materiais atribuiacuteveis agrave utilizaccedilatildeo genericamente ldquooriginalrdquo da anta
recolheram-se ainda fragmentos de ldquotelha lusitanardquo e de ceracircmicas vidradas e
faianccedila
Segundo G Marques (AGMarques) o espoacutelio recolhido por ele na anta
corresponderia a pelo menos trecircs momentos cronoloacutegicos um inicial o ldquoNeoliacutetico
IIrdquo um meacutedio o ldquoNeoliacutetico IIIrdquo e o ldquoCalcoliacuteticoCampaniformerdquo Os vasos
ceracircmicos simples sem decoraccedilatildeo mas tambeacutem alguns com caneluras um
geomeacutetrico um nuacutecleo de lamelas poderiam relacionar-se com o primeiro momento
seguido de um segundo ligado aos artefactos votivos em calcaacuterio Finalmente a
ceracircmica campaniforme marcaria as uacuteltimas deposiccedilotildees Apesar da perspectiva
datada e de alguma forma linear o arquitecto tinha consciecircncia do revolvimento dos
estratos nalgumas aacutereas escavadas mas porque seguia o paradigma da Lapa do Fumo
(Serratildeo e Marques 1971) procurava adaptar a realidade da anta agravequela leitura
Natildeo obstante apesar das limitaccedilotildees mencionadas atraacutes eacute possiacutevel definir entre
o espoacutelio recolhido alguns momentos de utilizaccedilatildeo e inclusivamente realccedilar a
tendecircncia para as ceracircmicas campaniformes nos estratos superficiais Os artefactos
de calcaacuterio a ceracircmica com caneluras e as lacircminas ovoacuteides encontram-se sobretudo
na camada amarelada Ainda na base dessa camada surgiram os elementos
aparentemente mais arcaicos nomeadamente os geomeacutetricos o nuacutecleo de lamelas
algumas lacircminas e uma das enxoacutes
A avaliaccedilatildeo do espoacutelio descrito permite entatildeo apontar para uma provaacutevel
utilizaccedilatildeo inicial desta anta nos uacuteltimos seacuteculos do 4ordm mileacutenio ane A intensificaccedilatildeo
do uso daquele espaccedilo teraacute ocorrido possivelmente entre 3000 e 2600 ane o que
parece reforccedilado natildeo soacute pelo espoacutelio mas tambeacutem pelas duas dataccedilotildees de
radiocarbono obtidas ateacute o momento sobre ossos humanos uma sobre um feacutemur de
adulto (Beta-208518) apontando o intervalo de 3020-2700 cal BCE e outra (Beta-
225170) sobre uma mandiacutebula de adulto entre 2880-2580 cal BCE
A presenccedila de ceracircmica de estilo campaniforme nos estratos superficiais da
anta parece denunciar o prolongamento da sua utilizaccedilatildeo durante os meados e a
segunda metade do 3ordm mileacutenio ane
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 157 de 415
416 Os sepulcros de Verdelha do Ruivo
O vale de Verdelha do Ruivo7 por onde corre a Ribeira da Carvalha regista no
seu acircmbito vaacuterios siacutetios com ocupaccedilotildees atribuiacuteveis aos 4ordm e 3ordm mileacutenios ane (Fig
28 North Boaventura e Cardoso 2005) nomeadamente as antas de Casal do Penedo
(CNS- 656 Vaultier amp Zbyszweski 1951) e Monte Serves (CNS- 4792 North
1973) Aleacutem daqueles testemunhos haacute que registar a presenccedila da gruta-necroacutepole de
Verdelha dos Ruivos (CNS ndash 12825 Leitatildeo et al 1984) localizada a poente e nas
proximidades da ocupaccedilatildeo habitacional que ali teraacute ocorrido e que o silo do Casal do
Penedo eacute um dos uacuteltimos vestiacutegios (Zbyszweski et al 1976) Para melhor
clarificaccedilatildeo daquelas duas realidades R Parreira (1985) designou-as
respectivamente de Pedreira do Casal do Penedo 2 e 1 Curiosamente de iniacutecio O
V Ferreira (1975 nota 4) descrevia a primeira como gruta artificial impressatildeo
mantida posteriormente mas matizada por R Parreira (1985) como gruta afeiccediloada
4161 Casal do Penedo
A anta do Casal do Penedo teraacute sido identificada ainda por C Ribeiro no
seacuteculo XIX pois segundo M Vaultier e G Zbyszewski (1951 p 17) jaacute surgia
indicada nas minutas dos levantamentos geoloacutegicos por ele produzidas Contudo
apesar de aqueles autores em 1941 terem visitado o sepulcro juntamente com R
Matos e A M Nogueira soacute em 1946 procederam agrave sua escavaccedilatildeo por receio da sua
destruiccedilatildeo depois de P C Deus ter verificado que habitantes locais tinham cavado
na anta em busca de tesouros (Vaultier e Zbyszweski 1951) Assim os trabalhos de
escavaccedilatildeo realizaram-se em Fevereiro durante 5 dias com pessoal dos Serviccedilos
Geoloacutegicos orientado pelos referidos autores
Entretanto o casal Leisner tambeacutem teraacute visitado o sepulcro no dia 31 de
Janeiro de 1944 seguindo o apontamento de C Ribeiro que o denominava ldquoDolmen
de Vialongardquo (ALeisner Leis48) tendo registado os elementos visiacuteveis (Fig 106)
7 Na Carta Militar de Portugal ( ) surge designado por Verdelha do Ruivo apesar de outros documentos referirem ldquoVerdelha dos Ruivosrdquo nomeadamente por O V Ferreira e colaboradores (1984)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 158 de 415
muito semelhantes agrave planta realizada posteriormente com mais elementos pelos seus
escavadores As duas fotos entatildeo obtidas mostram que jaacute naquele ano a anta se
encontrava ameaccedilada pois as lavras realizavam-se ao longo da base de todo o lado
sul da cacircmara Ainda nessas imagens eacute evidente o desniacutevel acentuado onde a anta foi
implantada o que os Leisner esboccedilaram em esquema Curiosamente essa
perspectiva inclinada foi tambeacutem registada mais tarde pelos escavadores pois de
facto eacute uma caracteriacutestica peculiar da implantaccedilatildeo deste sepulcro
Segundo M Vaultier e G Zbyszewski (1951) a anta situava-se a cerca de 300
m a noroeste do Casal homoacutenimo na encosta sul de um cabeccedilo no qual se
detectaram vestiacutegios de ocupaccedilatildeo humana correspondendo agrave aacuterea mais tarde
destruiacuteda pela abertura de uma pedreira clandestina que expocircs o silo referido acima
Esta localizaccedilatildeo coloca a anta na altitude aproximada da curva de niacutevel dos 170
metros
O substrato rochoso de calcaacuterios do Cretaacutecico com calcaacuterios do Cenomaniano
Superior no topo apresentava na aacuterea de implantaccedilatildeo do sepulcro uma inclinaccedilatildeo
bastante acentuada para Sul Segundo os escavadores foi naquelas bancadas que se
extraiacuteram as lajes necessaacuterias para a construccedilatildeo da estrutura Os esteios mais
setentrionais (3 e 4) tinham sido levantados sobre o afloramento inclinado tendo
recebido uma sapata de pedras chatas e terra calcada para estabilizaccedilatildeo Por outro
lado o esteio de cabeceira e o de entrada encontravam-se cravados em aacutereas de
fissuras de rocha alterada Todos os esteios detectados in situ apresentavam-se bem
calccedilados pelo lado interno tendo do lado exterior um anel de pedras que os envolvia
e provavelmente cobria As lajes 2 e 5 estavam deslocadas devendo corresponder
aos espaccedilos vazios detectados ainda com calccedilos respectivamente entre os esteios 1
- 3 e 4 - 6 Assim o sepulcro tinha ainda um esteio de cabeceira (1) ladeado por
outro menor (2) continuado por outras quatro lajes em cutelo (3 4 5 e 6)
funcionado o bloco 7 como elemento de encerramento da entrada (Fig 106 2 e 4)
Apesar de ser uma cacircmara com uma dimensatildeo aproximada em planta de 65
metros de comprimento por 35 metros de largura maacutexima a altura registada para os
esteios de cabeceira (esteio 1) e laterais do lado direito (esteios 3 e 6) que natildeo
aparentavam estar quebrados nos seus topos rondava e natildeo ultrapassava o metro e
meio Como a base dos alveacuteolos da fiada de esteios do lado esquerdo jaacute desaparecida
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 159 de 415
agrave data da intervenccedilatildeo seria com certeza mais baixa por causa da inclinaccedilatildeo acima
referida isso teria implicado lajes mais altas para manter uma cobertura mais ou
menos nivelada se tal desiacutegnio foi considerado importante Aliaacutes ao observar-se as
imagens da intervenccedilatildeo (Vaultier amp Zbyszewski 1951 est II-III) nota-se uma
acentuada assimetria entre o esteio de cabeceira e os laterais sendo visiacutevel que a aacuterea
central da cacircmara tinha sido escavada no subsolo (a referida ldquofosse centralrdquo escavada
entre as duas camadas peacutetreas mais duras) o que aumentava em cerca de meio metro
a altura do espaccedilo sepulcral Assim eacute possiacutevel admitir que este sepulcro teria uma
cacircmara com um tecto relativamente constante entre a cabeceira e a sua entrada ainda
que no seu interior se descesse da entrada para a cacircmara
Extrapolando o nuacutemero e a posiccedilatildeo dos esteios ainda detectados do lado norte
para o sul esta anta apresentaria uma planta trapezoidal constituiacuteda por cerca de 11
esteios sem a diferenciaccedilatildeo clara de um corredor de acesso (Fig 106 1) Nessa aacuterea
de transiccedilatildeo foi detectado um ldquoprismardquo basaacuteltico de secccedilatildeo triangular com cerca de
70 cm de altura cujo espaccedilo entre este e o esteio 6 tinha sido preenchido por um
ldquomureterdquo de pedras chatas para o qual as imagens natildeo satildeo totalmente esclarecedoras
Segundo os escavadores aquilo parecia demarcar da cacircmara principal um pequeno
vestiacutebulo onde se recolheu uma enxoacute (inicialmente designada machado) uma maccedila
(possiacutevel iacutedolo) e um buacutezio (encostado ao esteio 7)
Apoacutes a retirada do coberto vegetal a escavaccedilatildeo iniciou-se com duas sondagens
no vestiacutebulo e na aacuterea A ao longo do esteio 2 No primeiro local recolheu-se a
referida maccedila e uma enxoacute Junto ao esteio 2 algumas ossadas e fragmento ceracircmico
Seguidamente avanccedilou-se na aacuterea D (entre os elementos 5 8 9 e 6) para
depois se estender para uma vala entre 5 e 1 a uma profundidade de 20-30 cm No
ponto A foram recolhidos 4 cracircnios uns ao lado dos outros separados e cobertos por
pedras Sob eles encontrou-se uma taccedila um cilindro e uma concha de Pecten
maximus e no dia seguinte uma paleta em greacutes
No segundo dia a vala de sondagem entre os pontos A e B foi aprofundada
mais 30 cm tendo sido abertas outras duas valas paralelas ( 8 ) agrave primeira
Entretanto sondou-se o ponto C (entre as lajes 1 2 e 3) verificando-se que tinha
sido mexido recolhendo-se apenas ceracircmica decorada contas de colar e ldquocendresrdquo 8 A descriccedilatildeo natildeo eacute clara acerca da sua posiccedilatildeo mas pelas informaccedilotildees posteriores no texto faz algum sentido uma estrateacutegia daquele tipo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 160 de 415
(presumo que se refere a restos mortais isto eacute ossos e poacute de ossos e natildeo cinzas
como a traduccedilatildeo tambeacutem admite)
Nas valas realizadas recolheram-se fragmentos de siacutelex uma ponta de seta e
um trapeacutezio
No terceiro dia a escavaccedilatildeo avanccedilou na parte central H (A ou B) delimitada
pelas valas abertas na veacutespera recolhendo-se contas siacutelex dois fragmentos de
lacircminas e um pedaccedilo de moacute dormente em greacutes
No dia seguinte toda a cacircmara eacute aprofundada em extensatildeo recolhendo-se uma
lacircmina de siacutelex outra enxoacute (sob a laje 5) e 28 contas na maioria de xisto e uma de
ldquocalaiacuteterdquo
O uacuteltimo dia concluiu-se com a retirada de terras atingindo o substrato
calcaacuterio recolhendo-se ainda alguns fragmentos de siacutelex apoacutes remoccedilatildeo da laje 5
Realizou-se ainda uma vala de sondagem na aacuterea provaacutevel de implantaccedilatildeo dos
esteios do lado Sul mas nada foi detectado Por fim procurou-se estabilizar os
esteios da anta reforccedilando-os com anteparas de pedra
Segundo os escavadores todas as terras da escavaccedilatildeo foram crivadas agrave medida
que eram retiradas tendo-se recolhido ainda dessa actividade algum espoacutelio liacutetico
ceracircmico e osteoloacutegico
Assim aleacutem do espoacutelio mencionado atraacutes a listagem final refere a presenccedila
vaacuterias lascas em siacutelex e quartzo e um nuacutemero mais elevado de contas num total de
51 ndash 45 em xisto 3 em ldquocalaiacuteterdquo 2 troccedilos perfurados em calcaacuterio e uma conta
troncocoacutenica em ceracircmica (parecendo imitar aquelas de anfibolito) Para aleacutem da
taccedila encontrada em A indica-se a presenccedila de ceracircmica campaniforme que deveraacute
corresponder pelo menos a alguma da ldquoceramique orneacuteerdquo recolhida no ponto C
junto com contas
O material malacoloacutegico (Fig 107-108) resume-se agrave concha de Pecten
maximus ao buacutezio e a inuacutemeras conchas de Tapes decussatus ainda que para estas
uacuteltimas se admitisse poder resultar da remobilizaccedilatildeo atraveacutes da encosta de detritos
provenientes do povoado localizado no topo do relevo onde tambeacutem se avistavam
Aponta-se ainda um pequeno dente de espariacutedeo (pargo) e alguns elementos
de cabra ou ovelha natildeo foram relocalizados durante a revisatildeo do espoacutelio
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 161 de 415
Finalmente a partir dos restos osteoloacutegicos humanos recolhidos bastante
fragmentados os autores apontaram um nuacutemero miacutenimo de 9 indiviacuteduos alguns
deles correspondendo a crianccedilas Aquele valor baseou-se nos ossos dos peacutes e matildeos
(vaacuterias centenas) mas salientava-se ainda a existecircncia de 10 fragmentos de
extremidade distal de uacutemeros e 417 dentes humanos alguns deles de leite Por
vicissitudes museoloacutegicas ou outras desconhecidas este registo jaacute natildeo correspondia
ao verificado durante o estudo antropoloacutegico
No Museu Geoloacutegico foi possiacutevel identificar a maioria dos objectos e
artefactos listados (Fig 107) A excepccedilatildeo regista-se com o percutor de quartzito
ainda por localizar bem como para a colecccedilatildeo osteoloacutegica que se encontrava
integrada sob a mesma designaccedilatildeo ldquoCasal do Penedordquo com os restos da gruta-
necroacutepole de Verdelha dos Ruivos (Pedreira de Casal do Penedo 2) e do silo
(Pedreira de Casal do Penedo 1)
Felizmente porque os materiais se mantinham mais ou menos agrupados por
caixas ou sacos ainda por limpar a separaccedilatildeo dos dois conjuntos osteoloacutegicos foi
alcanccedilada com seguranccedila servindo os sedimentos ainda agarrados aos ossos e
algumas marcaccedilotildees nos ossos como elemento de confirmaccedilatildeo O espoacutelio do Casal do
Penedo apresentava um sedimento avermelhado na maioria das situaccedilotildees
concrecionado resultando em ossos com aquela tonalidade como por exemplo a
calote craniana 1776123 peccedila apresentada pelos autores como uma das mais
completas (Vaultier amp Zbyszweski 1951 est IX 28) ndash este sedimento resultando
da erosatildeo natural eacute ainda hoje visiacutevel na aacuterea onde se situaria a anta Os restos
oacutesseos da gruta-necroacutepole de Verdelha dos Ruivos surgiam com um sedimento
branco tipo cal apresentando-se com uma tonalidade amarelada paacutelida e nalguns
com marcaccedilotildees de ldquosepulturardquo (H-2 H-16 etc) Tal sedimento eacute ainda hoje
observaacutevel no remanescente do referido sepulcro Contudo apesar do sucesso desta
anaacutelise soacute foi possiacutevel localizar cerca de metade do nuacutemero de dentes entatildeo
recolhidos na anta
O espoacutelio recolhido e caracterizaacutevel da anta parece evidenciar uma utilizaccedilatildeo
funeraacuteria inicial algures entre os dois uacuteltimos quarteacuteis do 4ordm mileacutenio ane de que os
geomeacutetricos poderatildeo ser testemunho Mas parece ser na primeira metade do 3ordm
mileacutenio que o uso deste sepulcro teraacute sido intensificado o que parece reforccedilado por
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 162 de 415
algum espoacutelio (lacircmina ovoacuteide iacutedolo calcaacuterio e pontas de seta) e duas dataccedilotildees
idecircnticas (Anexo 3 Quadro 2) sobre 2 feacutemures direitos de indiviacuteduos distintos
situando pelo menos duas das deposiccedilotildees (Beta-229585 e Beta-234134) entre 3020-
2760 cal BCE (com 898 de probabilidade restringe-se a 3020-2860 cal BCE)
Finalmente a presenccedila de ceracircmica campaniforme impressa em bandas e no
estilo Palmela (cariz internacional e regional) num aparente contexto intrusivo (no
ponto C) parece determinar um momento final de uso da anta nos meados e segundo
quartel 3ordm mileacutenio ane Claro estaacute para este balizamento haacute que recordar as
deposiccedilotildees realizadas no cimo do cabeccedilo na gruta-necroacutepole a pouco mais de uma
centena de metros da anta datando-se entre o segundo quartelmeados e a segunda
metade do mileacutenio (Cardoso e Soares 1990-92 Anexo 3 Quadro 2) Naquela
necroacutepole os seus escavadores realccedilavam que ldquoJust as important as the actual finds
made at Verdelha dos Ruivos is the material which did not appear here no bone
borers microliths or flint arrowheads of any kind no large flint blades or daggers
no axes adzes (hoes) gouges or chisels no schist plaques pendants large
greenstone beads or discoidal schist beads and no decorated Neolithic pottery or
clay spoons (hellip)rdquo (Leitatildeo et al 1984 p 224)
R Harrison (1977 p 142) enumera no seu inventaacuterio de siacutetios com espoacutelio
campaniforme para aleacutem da anta de Casal do Penedo (SN 61) um segundo ldquosmall
megalithic graverdquo (SN 60) natildeo publicado e depositado no Museu Geoloacutegico em
Lisboa Este siacutetio eacute posteriormente referido por R Parreira (1985 p 111) no seu
inventaacuterio do patrimoacutenio de Vila Franca de Xira em observaccedilotildees referentes agrave anta
Contudo durante a anaacutelise do inventaacuterio do Museu Geoloacutegico natildeo se detectou
qualquer conjunto diferenciado o que poderia ter sido resultado da homogeneizaccedilatildeo
das colecccedilotildees por topoacutenimo jaacute mencionada Mas ao comparar-se as descriccedilotildees das
ceracircmicas campaniformes para os dois siacutetios de R Harrison (SN60 e SN61) eacute
possiacutevel verificar que estas no seu todo correspondem agravequelas recolhidas na anta de
Casal do Penedo e publicados por M Vaultier e G Zbyszweski (1951) e
seguidamente desenhadas por V Leisner (1965 taf 14) Assim julgo que poderaacute
ficar resolvida a duacutevida suscitada por R Harrison
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 163 de 415
4162 Monte Serves
Monte Serves eacute o outro sepulcro ortostaacutetico do tipo anta que se regista na aacuterea
de Verdelha do Ruivo Apesar de ser brevemente referido em vaacuterias trabalhos
(Ferreira 1975 Zbyszweski et al 1977 p 224 Parreira 1985) inclusive
anunciando-se a sua publicaccedilatildeo (Zbyszewski et al 1981 p 114) soacute recentemente
esta se concretizou com base no relatoacuterio produzido C North (1973 North
Boaventura e Cardoso 2006)
O sepulcro foi detectado durante os levantamentos geoloacutegicos da regiatildeo de
Vila Franca de Xira por O V Ferreira No seguimento dessa descoberta C T North
requereu a autorizaccedilatildeo para proceder agrave sua escavaccedilatildeo em Marccedilo de 1972 decorrendo
os trabalhos durante os dias 30 de Setembro e 1 de Outubro do mesmo ano com a
colaboraccedilatildeo de G Zbyszweski O V Ferreira M Leitatildeo H R Sousa J Norton e J
Paulino (North 1973)
O sepulcro situa-se num ponto de cumeada com a cota de 311 metros de
altitude a cerca de 1300 metros para norte da anta de Casal do Penedo Apesar de se
assemelhar a outros montiacuteculos em redor o facto de apresentar no cimo alguns topos
de lajes em cutelo orientadas perpendicularmente agraves camadas naturais facilitou a
sua detecccedilatildeo (Fig 110 2)
A escavaccedilatildeo da estrutura realizou-se por camadas artificiais em meacutedia de 15
cm ateacute uma profundidade de 50 centiacutemetros onde segundo o relatoacuterio (North 1973)
surgiu uma camada de pequenas lajes que cobriam todo o tuacutemulo e interpretadas
como restos de falsa cuacutepula Contudo esta hipoacutetese eacute difiacutecil de sustentar pois apoacutes a
consulta das imagens disponiacuteveis as referidas lajetas natildeo se apresentavam em
quantidade suficiente para fazer parte de tal construccedilatildeo Poderatildeo sim eventualmente
ser apenas pedras caiacutedas para dentro do espaccedilo interno depois de ter perdido a sua
cobertura ou como algum tipo de selagem dos depoacutesitos funeraacuterios que se estenderia
desde a entrada A cobertura jaacute desaparecida e em consonacircncia com estruturas
semelhantes teria sido ortostaacutetica
Soacute a cerca de 90 cm de profundidade se detectaram alguns vestiacutegios de
deposiccedilatildeo funeraacuteria nomeadamente alguns fragmentos de ossos em mau estado de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 164 de 415
conservaccedilatildeo proacuteximo do esteio 5 nomeadamente de raacutedio e uacutemero (Fig 110 3) Na
aacuterea da entrada registou-se ainda fragmentos de cracircnio e alguns dentes e 10 cm
abaixo mais outros segmentos de braccedilo Proacuteximo do esteio de cabeceira verificou-se
ainda um pedaccedilo de tiacutebia Estes vestiacutegios foram interpretados como um uacutenico
possiacutevel enterramento
Aleacutem dos restos osteoloacutegicos encontrou-se apenas ldquodois fragmentos
inclassificaacuteveis de siacutelex alguns restos de corantes e um fragmento de carvatildeordquo
(North 1973) Infelizmente natildeo foi possiacutevel relocalizar no Museu Geoloacutegico
nenhum dos elementos referidos no relatoacuterio registando-se no seu inventaacuterio com o
topoacutenimo ldquoMonte Servesrdquo apenas a referecircncia a peccedila liacutetica recolhida na encosta
atribuiacuteda ao Paleoliacutetico e tambeacutem essa agora extraviada
A planta do sepulcro (Fig 109) apresentava um formato trapezoidal alongado
constituiacuteda por 9 esteios imbricados e ligeiramente inclinados para sul e estreitando
para a entrada onde a evidecircncia de corredor estaacute ausente (Fig 110 4) Os esteios de
calcaacuterio do Cenomaniano disponiacutevel no substrato imediato rondam e natildeo
ultrapassam um metro de altura apesar de diminuiacuterem ligeiramente de tamanho na
direcccedilatildeo da entrada A cacircmara teria cerca de dois metros de comprimento por cerca
de um metro e vinte de largura maacutexima Os ortoacutestatos encontravam-se calccedilados pela
face interna com pequenas pedras devendo o seu exterior natildeo sondado ser
constituiacutedo por um anel peacutetreo que os consolidaria e circundaria Esta assumpccedilatildeo
baseia-se na secccedilatildeo da entrada onde era visiacutevel uma camada de pedras atraacutes do bloco
7 (Fig 110 4 que corresponderaacute agravequele anel e que ali tinha pressionado o seu
desvio e inclinaccedilatildeo Actualmente jaacute natildeo eacute possiacutevel observar este bloco in situ
Na parte traseira da cabeceira foi afixada com cimento uma laje de maacutermore
com a identificaccedilatildeo do sepulcro bem como implantado um curto periacutemetro com
correntes o que teraacute contribuiacutedo para a sua salvaguarda
A anta de Monte Serves eacute a vaacuterios niacuteveis um tipo de sepulcro ortostaacutetico
singular na regiatildeo de Lisboa primeiro pelas suas dimensotildees reduzidas quando
comparado com os restantes monumentos verdadeiramente megaliacuteticos Por outro
lado apresenta aquilo que parece ser um tumulus relativamente bem preservado
quando nos restantes essa estrutura quase natildeo eacute visiacutevel por ter desaparecido ou
nunca ter existido Finalmente o seu escasso e incaracteriacutestico espoacutelio e possiacutevel
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 165 de 415
inumaccedilatildeo que poderia ser atribuiacuteda hipoteticamente a um momento antigo do 4ordm
mileacutenio ane quiccedilaacute dos seus meados
Resulta ainda digno de nota que ambos os sepulcros Casal do Penedo e Monte
Serves apesar das distintas dimensotildees apresentem plantas similares (Fig 110 5
126) de formato trapezoidal sem aparente corredor ainda que pouco mais se possa
adiantar acerca por ora pois natildeo eacute possiacutevel apurar uma cronologia ldquofinardquo para o
segundo monumento
417 Arruda
A intervenccedilatildeo da anta da Arruda (CNS ndash 2237) eacute mais um caso de precocidade
das intervenccedilotildees arqueoloacutegicas na regiatildeo de Lisboa
Em 1897 P Belchior da Cruz daacute conta em O Arqueoacutelogo Portuguecircs de uma
notiacutecia do jornal O Seacuteculo do dia 25 de Fevereiro daquele ano que apelava agrave
intervenccedilatildeo das autoridades acerca do aparecimento de vaacuterios vestiacutegios
possivelmente romanos num siacutetio denominado ldquoAntasrdquo proacuteximo de Arruda do
Vinhos referindo-se ainda que ldquopelos matos tem apparecido varias especies de
dolmensrdquo (Cruz 1897) Esta informaccedilatildeo teraacute chamado a atenccedilatildeo de J L
Vasconcelos que em Abril procedeu a uma ldquoexcursatildeo aacute Arrudardquo para avaliaccedilatildeo das
ldquoantasrdquo (Vasconcelos 1915 p 318) suscitando o seu interesse em escavar a anta ali
identificada
A visita e o interesse de J L Vasconcelos confirmam-se tambeacutem pela
correspondecircncia do meacutedico de Arruda dos Vinhos Tito de Bourbon e Noronha
notaacutevel local que atentamente registava e comunicava ao seu amigo arqueoacutelogo as
antiguidades da regiatildeo Assim em carta de 13 de Abril de 1897 informa J L
Vasconcelos da recolha de ldquoum machado de pedra muito perfeito encontrado no
logar das antasrdquo manifestando a sua inteira disponibilidade para o receber sempre
que lhe aprouvesse (Noronha 1897a) Tal oportunidade parece ter surgido em 13 de
Junho daquele ano mas a acccedilatildeo teve que ser adiada pois nesse dia de Domingo
comemorava-se o Santo Antoacutenio e ldquonatildeo se podem arranjar os homens precisos o
nosso povinho pella-se por uma festinhardquo (Noronha 1897b)
Soacute no ano seguinte se concretizou a intervenccedilatildeo pretendida cerca de dezasseis
meses depois da primeira tentativa durante o fim-de-semana de 28 e 29 de Outubro
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 166 de 415
(Vasconcelos 1898) Alguns dias antes a 25 de Outubro T B Noronha informa J
L Vasconcelos dos preparativos ldquoHaacute caacute os crivos escusas de trazer caacute fallo a
alguns homens com as precisas alfaias A occasiatildeo agora eacute boa estaacute bom tempo e
pouco quenterdquo (Noronha 1898a) No entanto os trabalhos natildeo foram completados
naqueles dois dias apesar da notiacutecia de O Seacuteculo do dia 6 de Novembro falar dos
trabalhos como concluiacutedos Havia que repor as terras para salvaguarda do sepulcro
mas de tal natildeo se encontrou notiacutecia confirmando a acccedilatildeo mas tatildeo soacute a referecircncia agrave
sua intenccedilatildeo cerca de um mecircs mais tarde (27 de Novembro) por causa das chuvas
ldquoO Joseacute Romatildeo estaacute aacute espera de occasiatildeo para laacute ir e eu um drsquoestes dias passando
pelo Casal pedi aos homens que se removessem alguma terra para dentro da anta
como tencionam o fizessem com a maacutexima cautella e procurassem bem a ver se
encontravam qualquer objecto mesmo pequenordquo (Noronha 1898b)
Estranhamente o relatoacuterio referente agravequela intervenccedilatildeo nunca chegou a ser
publicado por J L Vasconcelos apesar da notiacutecia de O Seacuteculo (6Nov1898) o
anunciar e aquele arqueoacutelogo ter produzido um manuscrito preliminar para esse fim
Soacute anos mais tarde faz breve menccedilatildeo agrave intervenccedilatildeo da anta na Histoacuteria do Museu
Etnoloacutegico (1915 p 175 318 320) Os motivos para tal poderatildeo dever-se aos fracos
resultados da exploraccedilatildeo na opiniatildeo do seu escavador apesar de publicamente
destacar as ldquoduas esplecircndidas lanccedilas de siacutelex inteiras as quaes (hellip) soacute por si
compensam do rude trabalho que teverdquo (O Seacuteculo 1898) Contudo a falta de tempo
causada pelas diversas viagens que empreendeu durante os anos seguintes
nomeadamente pela Europa em 1899 e 1901 durante as quais concluiu o seu
doutoramento em Franccedila poderaacute tambeacutem ter sido um factor importante
Entretanto na deacutecada passada o referido manuscrito foi parcialmente
publicado por J L Gonccedilalves (1995) com partes significativas do texto bem como
os esboccedilos da planta e da secccedilatildeo da anta constantes no caderno de campo daquela
intervenccedilatildeo Contudo porque algumas passagens natildeo estatildeo completas apresenta-se
em Anexo 8 a transcriccedilatildeo integral da informaccedilatildeo do caderno de campo e do
manuscrito bem como os desenhos realizados
Jaacute anteriormente no acircmbito dos trabalhos do casal Leisner a anta da Arruda
teve parte do espoacutelio estudado e a sua planta apresentada (Fig 113 1 Leisner 1965
p 17-18 e taf 13) Contudo a planta difere no seu formato daquela registada
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 167 de 415
originalmente no caderno de campo de J L Vasconcelos (1898) Apesar de
apresentarem quase o mesmo nuacutemero de esteios (doze contra treze de J L
Vasconcelos) as plantas mostram uma cacircmara poligonal alongada (ainda que uma
delas com o canto Oeste mais anguloso aproximando-se da versatildeo alematilde) enquanto
aquela de V Leisner (1965 taf 13) surge com um formato trapezoidal assimeacutetrico a
partir da qual teraacute sido levantado um alccedilado da anta visto de oeste-sudoeste (Fig
111-112)
Curiosamente J L Vasconcelos (1898) refere no seu manuscrito que a planta
que iria apresentar se baseava em desenho de T Noronha o que natildeo foi possiacutevel
perceber totalmente pois as duas plantas do caderno de campo bem como outros
apontamentos soltos eram claramente produccedilatildeo do arqueoacutelogo (Fig 111) No
entanto quando os materiais da anta da Arruda me foram entregues para estudo
constava dentro de uma das caixas de papelatildeo restos de cartolina muito desagregada
e em pedaccedilos de dois desenhos tintados algo sumidos mais parecendo um pequeno
quebra-cabeccedilas notando-se ainda os furos de alfinetes nos cantos dando ideia de
terem estado afixados (numa vitrina) Os dois desenhos correspondem a uma planta
(com os esteios nomeados por letras escritas a laacutepis iguais agrave sequecircncia do esboccedilo de
J L Vasconcelos) e um alccedilado ambos na escala 1100 e titulados anta da Arruda
sem assinatura visiacutevel (fig 111 4-5) Estes deveratildeo corresponder agravequeles que V
Leisner (1965 p 17) menciona como fonte dos seus situando e datando-os nos
apontamentos produzidos por si e seu marido (ALeisner Leis97) em ldquoBeleacutem
181944rdquo Comparando os dois conjuntos graacuteficos eacute possiacutevel verificar algumas
diferenccedilas de pormenor bem como a falta de alguns elementos peacutetreos nos desenhos
alematildees ndash devendo-se isso ao referido sumiccedilo de alguns traccedilos mas tambeacutem porque
natildeo tiveram provavelmente acesso ao caderno de campo de J L Vasconcelos o que
teria facilitado uma melhor compreensatildeo das imagens Finalmente eacute provaacutevel que os
desenhos associados ao espoacutelio da anta correspondam aos referidos por J L
Vasconcelos baseados em esboccedilos de T Noronha
O facto do casal Leisner ter utilizado o desenho disponiacutevel no Museu e natildeo
realizar o registo in loco como fez para quase todas as antas de Lisboa entre 1943-
1944 deve-se com certeza a esta se encontrar jaacute destruiacuteda naquele periacuteodo o que eacute
referido (Leisner 1965 p 17) natildeo tendo subsistido ateacute os anos 70 como J L
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 168 de 415
Gonccedilalves (1995) indicava Tambeacutem porque se esta ainda existisse agravequela data com
certeza que Hipoacutelito Cabaccedilo conhecedor da regiatildeo e com quem o casal se
correspondia desde 1943 os levaria facilmente ao sepulcro natildeo se limitando a
transmitir-lhes uma localizaccedilatildeo sumaacuteria
Segundo as informaccedilotildees de J L Vasconcelos a anta da Arruda ficava dentro
do Casal das Antas de Baixo (Fig 111 e 29) Para Nordeste deste siacutetio existia ainda o
Casal das Antas de Cima a menos de um quiloacutemetro sem que o arqueoacutelogo ali
tivesse reconhecido mais algum sepulcro O substrato rochoso daquela aacuterea
corresponde agraves Margas da Abadia do periacuteodo Juraacutessico (SGP 1962 Zbyszweski e
Assunccedilatildeo 1965) Em trabalhos recentes alguns autores (Simotildees 1994 cit in Branco
2007) anotam a existecircncia de pelo menos duas antas (uma delas a de Arruda)
entretanto destruiacutedas Aquela indicaccedilatildeo no plural ainda que plausiacutevel precisaria de
comprovaccedilatildeo o que seraacute difiacutecil de obter
Em redor e dentro da anta o terreno servia de horta encontrando-se por isso
muito remexido e estrumado quedando-se os esteios do lado norte a menos de dois
metros dos edifiacutecios do casal Esta parecia assentar num ldquoaltinhordquo que J L
Vasconcelos via como possiacutevel vestiacutegio da mamoa entretanto muito danificada pelas
culturas (Vasconcelos 1898)
A anta era constituiacuteda por onze esteios in situ e dois possiacuteveis tombados natildeo
se verificando qualquer laje de cobertura Todos os ortoacutestatos eram segundo J L
Vasconcelos (1898) de ldquogreacutes micaacuteceo calcareifero ou de cimento calcaacutereo do
Juraacutessico Superiorrdquo tendo sido enumerados alfabeticamente (essencialmente no
sentido contraacuterio ao dos ponteiros do reloacutegio) e medidos sabendo-se que o mais alto
a pedra J media ainda 321 metros Apreciando as mediccedilotildees tomadas e a
reconstituiccedilatildeo do alccedilado realizado e posteriormente apresentado por V Leisner
(1965 taf 13) verifica-se alguma discrepacircncia na altura das pedras G C e D
(resultado da situaccedilatildeo atraacutes mencionada) mas sem que altere significativamente a
leitura geral
As dimensotildees do sepulcro permitem perceber porque o seu interior era
utilizado como horta Apresentava um comprimento de 771 metros entre o esteio de
cabeceira e o limite dos esteios da entrada (pontos c-d-e) e uma largura maacutexima de
45 metros (pontos f-g) estreitando gradualmente para a entrada primeiro com 231
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 169 de 415
metros (pontos a-b) e finalmente com uns estimados 127 metros (pontos h-i)
Considerando a altura meacutedia provaacutevel dos esteios da cacircmara nos 321 metros este
sepulcro teria um tamanho consideraacutevel da cabeceira ao esteio de entrada (pedra F)
que ainda se apresentava com 182 m de altura Contudo apesar de J L Vasconcelos
ter mandado escavar uma vala com cerca de 3x2 metros a este dos esteios de entrada
detectados atingindo o solatildeo apoacutes 20 cm natildeo foram detectados indiacutecios do corredor
admitindo este no entanto que aqueles caiacutedos (pedras K e M) e a pedra F seriam a
ldquogaleriardquo De facto como jaacute foi referido acima esta anta apresentava uma cacircmara
com um plano trapezoidal assimeacutetrico no qual o corredor surgia pouco ou nada
diferenciado o que eacute possiacutevel verificar noutros sepulcros da regiatildeo
Os apontamentos da intervenccedilatildeo na anta da Arruda de J L Vasconcelos
revelam agrave data o conhecimento que este tinha daquelas estruturas sepulcrais
escavadas em momentos anteriores ainda que nas Beiras e Alentejo com
especificidades locais (Vasconcelos 1897 e 1915) Primeiramente a planta
produzida de iniacutecio de formato poligonal com um esteio de cabeceira ladeado por
outros esteios parece denotar alguma ideia preconcebida para aquele tipo de
sepulcro que eacute depois alterada para se conformar com a realidade final da escavaccedilatildeo
Por outro lado regista natildeo soacute as caracteriacutesticas presentes mas tambeacutem as ausentes
ldquoo solo ou chatildeo da anta natildeo estava coberto de lajes de como noutras acontecerdquo bem
como ldquonatildeo apresentam covinhas artificiais nem qualquer insculptura ou pinturardquo
(Vasconcelos 1898) Sendo a primeira anta em que intervinha na Baixa
Estremadura eacute de registar aquela anotaccedilatildeo de ausecircncias como prenuacutencio de algumas
das caracteriacutesticas das antas de Lisboa
A exploraccedilatildeo teraacute contado para aleacutem de J L Vasconcelos com dois e cinco
homens no primeiro e segundo dias respectivamente Um desses homens seria Joseacute
Romatildeo acima referido como o indiviacuteduo que iria proceder agrave reposiccedilatildeo das terras
bem como T Noronha que produziu um desenho da planta do sepulcro
Ainda que tenha verificado a referecircncia a crivos durante a preparaccedilatildeo da
escavaccedilatildeo julgo que a crivagem das terras natildeo teraacute sido sistemaacutetica pois os cuidados
realccedilados mais tarde para a reposiccedilatildeo daquelas levantam a duacutevida de terem sido de
facto peneiradas A crivagem das terras era normalmente realizada indirectamente
depois de amontoadas por montiacuteculos ou natildeo procedia-se agrave sua peneiraccedilatildeo no final
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 170 de 415
da intervenccedilatildeo praacutetica pressentida nas escavaccedilotildees de C Ribeiro (1880) mas que se
registava na escavaccedilatildeo da anta das Cabeccedilas Alentejo nos anos 40 (Leisner e
Leisner 1944 ALeisner Leis45) ou ainda em Carcavelos nos anos 80 (Capiacutetulo
4153) No presente caso julgo que os fracos resultados bem como as chuvas nas
semanas seguintes que transformaram ldquoaquelle montezinho de terra archaeologica
em um charco de lama moderniacutessimardquo (Noronha 1898b) teratildeo impedido a
conclusatildeo da tarefa de crivagem Isso tambeacutem explicaria a ausecircncia de espoacutelio de
reduzidas dimensotildees nomeadamente pequenos liacuteticos e dentes humanos
A estratigrafia verificada por J L Vasconcelos resumia-se a trecircs camadas a
superficial com ldquorelvardquo a de ldquoentulhordquo com cerca de 051 metros (uma primeira
anotaccedilatildeo regista 042 metros mas resultaraacute do somatoacuterio com o topo de 09 m) onde
surgiu algum espoacutelio e o solatildeo ou solo natural cuja superfiacutecie correspondia ao piso
do sepulcro encontrando-se sobre ele a maior parte dos objectos funeraacuterios e nele
foram escavados os alveacuteolos de implantaccedilatildeo dos esteios
O registo dos achados foi realizado por J L Vasconcelos sobre a primeira
planta produzida ainda com um formato poligonal pelo que se apresenta aquela
planta e a posterior (presumivelmente mais fidedigna) para comparaccedilatildeo e
esclarecimento das proveniecircncias dos objectos
Tendo em conta a eacutepoca a localizaccedilatildeo dos achados foi relativamente rigorosa
apesar do seu escavador concluir que tudo estaria remexido Graccedilas agravequele cuidado
foi possiacutevel verificar que alguns dos materiais poderatildeo ter sido recolhidos mais ou
menos no tiacutepico contexto de sepulcro muitas vezes remexido natildeo soacute em periacuteodos
recentes mas jaacute em eacutepoca coeva das deposiccedilotildees funeraacuterias Tal seraacute o caso do torratildeo
com ossos recolhido junto agrave cabeceira (MNA 5569) ou de outros objectos recolhidos
sobre o piso do sepulcro Assim analisando a dispersatildeo dos objectos nota-se uma
concentraccedilatildeo na entrada e outras mais reduzidas junto agrave base de alguns esteios
Apesar de escasso o espoacutelio revela-se significativo permitindo deduzir uma
ocupaccedilatildeo relativamente coesa e natildeo demasiado extensa no tempo
O apontamento de campo lista os achados com a correspondente legenda de
localizaccedilatildeo pela ordem de recolha (Fig 112 1) No entanto depois de concluir que
tudo estava remexido o esboccedilo para publicaccedilatildeo apresenta apenas uma listagem
sistemaacutetica e organizada por tipos de materiais
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 171 de 415
Se no caso de alguns objectos eacute ainda possiacutevel identificar a sua localizaccedilatildeo
noutros tal desiderato eacute hoje impossiacutevel Eacute esse o caso da maioria dos restos oacutesseos
humanos e fauniacutesticos e dos fragmentos ceracircmicos Por outro lado desde que os
materiais deram entrada no Museu Etnoloacutegico (actualmente Museu Nacional de
Arqueologia) algumas das peccedilas ter-se-atildeo extraviado por exemplo natildeo foi ainda
possiacutevel localizar uma ldquogoivardquo (que pelas dimensotildees atribuiacutedas ndash 14 cm de
comprimento por 65 cm de diacircmetro ndash poderia ser uma enxoacute) trecircs ldquoinstrumentos em
dioriterdquo gastos (que segundo J L Vasconcelos a serem de facto semelhantes ao
machado sobrevivente seratildeo de anfibolito) diversas lascas de siacutelex e quartzito bem
como uma de ldquomachado polidordquo uma placa de ldquocalcareo argilosordquo que ldquoserviu de
moacute ou amoladeirardquo e um fragmento de iacutedolo-placa em xisto da qual o casal Leisner
apenas pode aproveitar o desenho em tamanho real produzido por J L Vasconcelos
ndash aliaacutes deveria existir um desenho da peccedila no tabuleiro pois tudo indica que os
Leisner natildeo consultaram o caderno de campo do escavador onde este tinha de facto
um esboccedilo da placa
Entretanto com o estudo desenvolvido no MNA foi possiacutevel verificar que duas
peccedilas atribuiacutedas agrave anta de Belas satildeo com certeza da anta da Arruda 1 um
fragmento de topo ou base de um iacutedolo ciliacutendrico (MNAndash 5100C) com dimensotildees e
patina idecircnticas aos fragmentos atribuiacutedos agrave Arruda e cuja ficha do nuacutemero de
inventaacuterio referia ter surgido ldquosem indicaccedilatildeo de procedecircnciardquo junto com peccedilas de
Belas Por outro lado J L Vasconcelos apontava 4 fragmentos de rodelas de
calcaacuterio existindo actualmente apenas trecircs 2 um fragmento de taccedila (MNA-
9846781) com marcas de fabrico de roda com a superfiacutecie interna negra lustrosa
correspondendo a peccedila descrita pelo arqueoacutelogo Para ambos os achados eacute ainda de
referir que nas receacutem reencontradas fichas antigas de inventaacuterio do actual MNA para
peccedilas provenientes da colecccedilatildeo organizada por Pereira da Costa na Escola
Politeacutecnica referentes agrave anta de Belas aqueles natildeo satildeo mencionados
Finalmente um fragmento de moacute dormente em conglomerado (MNA- 5566)
atribuiacutedo agrave anta da Arruda natildeo surge mencionado no inventaacuterio de J L
Vasconcelos Ainda por cima surge com uma etiqueta colada (inexistente para o
restante espoacutelio da Arruda) mas infelizmente com o escrito muito desgastado
apenas sendo possiacutevel ler qualquer coisa como ldquo[pedra de moacute] ([ilegiacutevel] Sul)rdquo o
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 172 de 415
que faz lembrar as menccedilotildees nas fichas antigas mencionadas atraacutes indicando na
mesma caligrafia ldquotalvez do Sulrdquo ou ldquoProvavelmente do Sulrdquo
Resumindo entre presentes e ausentes os materiais recolhidos na anta da
Arruda foram os seguintes (Fig 113-114)
Pedra lascada ndash duas grandes pontas bifaciais de siacutelex talvez lacircminas de lanccedila
ou punhal (Leisner 1965 taf 13 5 e 6) ainda que S Forenbaher (1999 p 153 Anta
da Arruda nordm 3) apontasse uma terceira peccedila remetendo a informaccedilatildeo para E Jalhay
(1947 p 42) o que natildeo se verifica sendo talvez resultado de algum lapso duas
lacircminas pouco ou nada retocadas em siacutelex um nuacutecleo de lamelas de quartzo hialino
originalmente um cristal prismaacutetico e algumas lascas de siacutelex e quartzito estas jaacute
natildeo localizadas
Pedra polida ndash Um machado poligonal trecircs possiacuteveis ldquomachados gastosrdquo uma
ldquogoivardquo e algumas lascas de instrumento polido
Pedra afeiccediloada ndash um fragmento de moacute dormente em greacutes negro um percutor
sobre noacutedulo de siacutelex e uma placa ldquoamoladeirardquo em ldquocalcaacuterio argilosordquo
Outros liacuteticos ndash uma conta esferoidal em pedra verde (designada por J L
Vasconcelos ldquoribeiriterdquo) 4 fragmentos de iacutedolo ciliacutendrico em calcaacuterio podendo
corresponder a um nuacutemero miacutenimo de uma ou duas peccedilas e um fragmento de iacutedolo-
placa em xisto que o arqueoacutelogo destaca pelo peculiar desenho mas com paradeiro
desconhecido
Ceracircmica ndash para aleacutem da taccedila de roda mencionada atraacutes regista-se apenas dois
fragmentos de vasos com decoraccedilatildeo impressa com roleta lembrando as decoraccedilotildees
campaniformes Os restantes fragmentos com coacutedigo atribuiacutedos agrave anta da Arruda natildeo
permitem reconstituiccedilatildeo mas as suas pastas assmelham-se agraves preacute-histoacutericas
Finalmente os restos osteoloacutegicos humanos e fauniacutesticos resumem-se a uma
pequena quantidade de fragmentos estudados respectivamente pela antropoacuteloga
Cidaacutelia Duarte e pela arqueozooacuteloga Marta Moreno cujos resultados seratildeo discutidos
noutros capiacutetulos
No manuscrito de J L Vasconcelos (1898) nota-se ainda que este pretendia
desenvolver alguns aspectos essenciais como o tipo de enterramento a proveniecircncia
de mateacuterias-primas de outras regiotildees e a comparaccedilatildeo com outras antas e os seus
espoacutelios Talvez por isso a notiacutecia de ldquoO Seacuteculordquo (6111898) faccedila referecircncia agrave
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 173 de 415
colheita de ldquoelementos para determinar relaccedilotildees sociaes ou ethnicas entre a tribu
que ali estanciou e outras da Estremadura mas de pontos afastados drsquoaquelle
localrdquo
Face aos resultados expostos eacute possiacutevel admitir que a anta teraacute sido de facto
mexida e alguns dos seus elementos eventualmente retirados Contudo entre o
espoacutelio que nos chegou haacute peccedilas passiacuteveis de uma atribuiccedilatildeo cronoloacutegica geneacuterica
Assim a presenccedila de pedra polida (com uma goiva) lacircminas pouco ou nada
retocadas e um nuacutecleo de lamelas poderia estar relacionada com um primeiro
momento algures nos uacuteltimos seacuteculos do 4ordm e iniacutecios do 3ordm mileacutenios ane e ao qual
corresponderia a dataccedilatildeo Beta-229584 de 3330-2910 cal BCE (Anexo 3 Quadro 2)
sobre um raacutedio direito humano retirado do torratildeo de terra depositado junto ao esteio
de cabeceira (com 811 de probabilidade restringe-se a 3120-2910 BCE) Neste
acircmbito tambeacutem seria plausiacutevel o iacutedolo-placa de xisto e as grandes pontas bifaciais
Todavia estas uacuteltimas e os iacutedolos calcaacuterios poderiam situar-se jaacute em plena primeira
metade do 3ordm mileacutenio ane Finalmente os fragmentos de ceracircmica decorada a
pontilhado remetem para a presenccedila campaniforme e os meados e seacuteculos seguintes
daquele mileacutenio
418 Pedras da Granja
A anta de Pedras da Granja (CNS-91) tambeacutem conhecida por Pedras Altas
(Zbyszweski et al 1977) Pedra Erguida Pedras Brancas ou de Meirames (Serratildeo
1982-83) e Vaacuterzea (Cunha e Silva 2000) teve a sua primeira notiacutecia em 1958 por
intermeacutedio de O V Ferreira (1959) no Congresso de Nacional de Arqueologia
listando-a entre os monumentos megaliacuteticos de Lisboa Entretanto E Serratildeo (1982-
83) apoacutes a notiacutecia da escavaccedilatildeo do sepulcro reclama a primazia da identificaccedilatildeo e
registo desta anta no final da Primavera de 1950 juntamente com E Prescott Vicente
e A Ricardo Belo de que produziram alguns apontamentos Contudo importa
clarificar que a designaccedilatildeo de Pedras Brancas teraacute resultado de alguma confusatildeo do
autor pois atribuiacutea-a ao artigo de G Zbyszweski e colaboradores (1977) o que natildeo
acontece talvez por confusatildeo com a anta de Pedra Branca (Melides) entatildeo publicada
pelos mesmos autores (Ferreira et al 1975)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 174 de 415
A intervenccedilatildeo arqueoloacutegica deste siacutetio foi ensaiada por E Serratildeo e
colaboradores em 1950 tendo apenas desenvolvido ldquoum singelo projecto de
escavaccedilatildeo do dolmenrdquo que se iniciou ldquopela abertura de duas pequenas trincheiras
perpendiculares agraves faces internas dos esteiosrdquo (Serratildeo 1982-83 p 23 e fig 7)
podendo a depressatildeo com paredes rectas assinalada na secccedilatildeo ldquoCCrdquo produzida pelos
escavadores posteriores (Zbyszweski et al 1977 fig 3) corresponder-lhe Mas
dessa primeira acccedilatildeo superficial apenas se recolheram ldquoalguns pequenos e
inexpressivos fragmentos de quartzo hialinordquo (Serratildeo 1982-83 p 23) Referia-se
ainda a possiacutevel relaccedilatildeo entre aglomerados de pedras num arco de ciacuterculo a cerca de
25 m dos ortoacutestatos do sepulcro como eventuais resquiacutecios de mamoa (Serratildeo 1982-
83 p 23 e fig 8) algo que os investigadores posteriores natildeo valorizaram natildeo se
percebendo se devido agrave inexistecircncia de tal realidade por natildeo a terem detectado ou
porque teria desaparecido entretanto Nas vaacuterias visitas realizadas ao local natildeo me foi
possiacutevel verificar tal estrutura que em parte poderaacute dever-se ao coberto vegetal
actual ou agrave degradaccedilatildeo da envolvente
A escavaccedilatildeo arqueoloacutegica sistemaacutetica da anta apenas se concretizou em 1973
com os elementos da equipa dos Serviccedilos Geoloacutegicos de Portugal e seus
colaboradores (Zbyszweski et al 1977) que desenvolveram os trabalhos durante
vaacuterios meses totalizando cerca de 25 dias de trabalho de campo natildeo consecutivos
No iniacutecio da deacutecada de 90 o monumento foi alvo de destruiccedilatildeo na sequecircncia
de um loteamento da aacuterea (informaccedilatildeo pessoal de Teresa Simotildees) sendo hoje visiacutevel
entre o mato que o cobre um monte de escombros encostado ao esteio do lado sul
(A) aparentemente ainda in situ mas quebrado A necessaacuteria e importante re-
escavaccedilatildeo do sepulcro para avaliaccedilatildeo concreta dos danos causados natildeo foi ainda
realizada
O sepulcro foi implantado numa aacuterea aberta e suave sem relevos abruptos em
calcaacuterios do Cretaacutecico ndash Cenomaniano meacutedio e inferior com calcaacuterios e margas
(Belasiano) (Zbyszweski et al 1977 SGP 1991 Ramalho et al 1993)
aproveitando as diaacuteclases incipientes resultantes do processo caacutersico como alveacuteolos
dos esteios De acordo com os autores os ortoacutestatos eram de calcaacuterio local e de greacutes
calcaacuterio Presume-se entatildeo que este uacuteltimo tipo de rocha teraacute sido obtido a maior
distacircncia pois segundo a Carta Geoloacutegica de Portugal na escala 1 50000 (SGP
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 175 de 415
1991) apenas a cerca de 1 km para este-nordeste da anta em Alpolentim existe uma
mancha de greacutes calcaacuterio podendo ser o este o seu local de proveniecircncia
Agrave data da sua identificaccedilatildeo o sepulcro tinha apenas visiacutevel um par de duas
grandes lajes (A e E) ligeiramente inclinadas integradas num muro de pedra seca
que corria e separava o caminho rural de uma propriedade (Fig 118 2-3) No seio da
intervenccedilatildeo veio a verificar-se a existecircncia de mais alguns elementos peacutetreos ainda
in situ demarcando o recinto da cacircmara soterrados sob o caminho Natildeo consta no
trabalho publicado qualquer menccedilatildeo a um possiacutevel tumulus (Zbyszweski et al
1977)
Os escavadores desenvolveram a intervenccedilatildeo com uma primeira vala de
sondagem (ldquotrancheacutee de reconnaissancerdquo) com cerca de 3 metros por 090 m de
largura implantada paralelamente ao esteio a sudeste (A) e a cerca de 025 m deste
(Fig 115) A partir dos bordos dessa sondagem estabeleceram um quadriculado
segundo a planta apresentada (Zbyszweski et al 1977 fig 1) segmentado agora de
meio em meio metro aproximadamente com um sistema de referecircncia alfanumeacuterico
SE-NW numeacuterico NE-SW alfabeacutetico Por sua vez cada quadriacutecula foi dividida em
quadrantes numerados de 1 a 4 a partir do canto inferior direito Segundo estas
informaccedilotildees presume-se que a vala de sondagem compreendeu inicialmente a aacuterea
correspondente agraves quadriacuteculas C3-C4 D3-D4 E3-E4 F3-F4 G3-G4 e H3-H4 (Fig
115)
A escavaccedilatildeo iniciou-se com a decapagem de terra arenosa superficial onde se
recolheu por exemplo um fragmento de iacutedolo-placa em G42 mas a cerca de 013
m aquela camada mudava de cor para castanho-amarelada e apresentava uma
textura mais argilosa Segundos os escavadores aquele estrato revelou-se esteacuteril ateacute agrave
profundidade de 033-035 m a partir da qual se encontrava o espoacutelio arqueoloacutegico
por sua vez assente no substrato rochoso sobretudo nas diaacuteclases do afloramento
calcaacuterio que atingia cerca de 110 m
De acordo com o relato diaacuterio dos trabalhos desenvolvidos a intervenccedilatildeo foi
realizada por quadriacuteculas descendo-se ateacute ao substrato rochoso nalguns pontos pela
diaacuteclase adentro alargando-se dessa forma agrave restante aacuterea do sepulcro A imagem
apresentada da aacuterea escavada ilustra a escavaccedilatildeo faseada de acordo com as referidas
quadriacuteculas (Zbyszweski et al 1977 fig 15)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 176 de 415
O sepulcro apresentava ainda in situ os dois esteios quase completos (A e E)
ambos com cerca de 26 metros de altura (Fig 116 e 116a) bem como outros trecircs
fracturados quase pela base (B C e D) No local onde se implantaria o esteio de
cabeceira natildeo se localizou qualquer elemento peacutetreo digno dessa classificaccedilatildeo mas
apenas vaacuterias lascas de calcaacuterio (Fig 115 e 117) Aleacutem disso teraacute sido possiacutevel
definir um provaacutevel alveacuteolo com base em algumas provaacuteveis pedras de calccedilo e uma
aparente aacuterea de assentamento do esteio no substrato rochoso (Zbyszweski et al
1977 p 211 e fig 1) Diria ainda que seguindo o mesmo criteacuterio eacute possiacutevel admitir
a presenccedila de outro esteio do lado oeste da cabeceira local com uma concentraccedilatildeo
alongada e inusitada de achados num espaccedilo sem muitas pedras assemelhando-se ao
preenchimento do espaccedilo resultante do arranque de uma laje
Apesar de se ter escavado parcialmente a aacuterea a sudeste dos esteios A e E a
interpretaccedilatildeo proposta de um corredor com muretes em pedra seca natildeo se afigura
convincente sobretudo porque tais ldquovestiacutegiosrdquo se encontravam quase na superfiacutecie
Mas tambeacutem porque coincidem com o muro de propriedade Por outro lado os
achados recolhidos sobretudo na diaacuteclase rareavam para aleacutem da aacuterea de entrada da
cacircmara o que a existir uma passagem ocorreriam mais aleacutem como se verificou
noutros sepulcros megaliacuteticos analisados neste trabalho Assim concluo que natildeo foi
possiacutevel identificar indiacutecios concretos do corredor porque este natildeo existia ou porque
foi erradicado no troccedilo imediato que foi escavado Talvez com a reavaliaccedilatildeo do
monumento essa questatildeo pudesse ser verificada
Tambeacutem talvez por influecircncia do referido muro de propriedade foram
registadas vaacuterias lajetas horizontais na camada superficial que foram interpretadas
como restos de uma falsa cuacutepula o que pelos dados disponiacuteveis julgo ser pouco
verosiacutemil
A planta trapezoidal proposta pelos autores parece basear-se numa leitura
limitada aos esteios sobreviventes e ao seu imbricamento Contudo face aos dados
disponiacuteveis e agrave leitura proposta acima julgo que eacute possiacutevel inferir um sepulcro com
uma cacircmara poligonal de sete esteios com cerca de 440 m de largura por 4 m de
comprimento sem corredor aparente desconhecendo-se o tipo de cobertura utilizada
ainda que se presuma uma grande laje (Fig 115)
O registo efectuado para os materiais recolhidos permite verificar
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 177 de 415
genericamente o seu posicionamento (Fig 117) mas com algumas limitaccedilotildees a
localizaccedilatildeo espacial dos achados foi apresentada em trecircs planos estabelecidos a
posteriori sabendo-se a altimetria apenas para algumas peccedilas sobretudo dos restos
humanos Por outro lado as altimetrias anotadas foram essencialmente efectuadas na
primeira quinzena de trabalhos notando-se um registo mais vago na segunda fase
Finalmente porque hoje soacute se conhece o paradeiro de parte dos materiais recolhidos
e nem sempre a descriccedilatildeo foi suficientemente pormenorizada eacute complexo elaborar
demasiado acerca de algumas dessas peccedilas Por isso apenas considerei pertinente
identificar espacialmente entre aquelas que o permitiam as peccedilas com maior
significado cronoloacutegico procurando perceber de alguma forma um possiacutevel
faseamento de utilizaccedilatildeo (Fig 117)
O espoacutelio desta anta teraacute sofrido ainda ao longo do tempo e antes da
intervenccedilatildeo arqueoloacutegica remobilizaccedilatildeo mais ou menos severa em parte devido ao
arranque dos esteios ausentes Por exemplo os fragmentos dos vasos campaniformes
MASMO-PGNC9923 (Zbyszweski et al 1977 invent nordm 92 193 e 444 e fig 9 4)
e MASMO-PGNC9927 (Zbyszweski et al 1977 invent nordm 56 58 122 e 224 e fig
9 3) encontravam-se dispersos pela cacircmara sobretudo na aacuterea mais perturbada a
oeste-noroeste (Fig 117) Aproximadamente na mesma aacuterea recolheram-se vaacuterios
fragmentos de recipientes ceracircmicos das Idades do Bronze e do Ferro
nomeadamente deste uacuteltimo periacuteodo um vaso negro com brunido bem marcado
tambeacutem este quebrado e disperso (MASMO-PGNC9920 (Zbyszweski et al 1977
invent nordm 93 218B 434 e 459 e fig 10 23) Nas diaacuteclases sobretudo aquelas menos
afectadas na parte este-sudeste da cacircmara surgiram alguns dos elementos mais
antigos e mais intactos particularmente taccedilas quase completas (PGNC9903 e
PGNC9904 Zbyszweski et al 1977 fig 9 7 e 10 31) ou os instrumentos em
pedra polida e um iacutedolo calcaacuterio Contudo porque natildeo eacute possiacutevel adscrever todos os
artefactos a uma posiccedilatildeo efectiva esta assumpccedilatildeo deveraacute ser contida Inclusive
porque o grau de influecircncia dos processos tafonoacutemicos na sua formaccedilatildeo eacute
desconhecido
A localizaccedilatildeo de ldquorestes humainsrdquo ldquoos humains concentraisrdquo e ldquoinhumationsrdquo
designadas de H1 a H48 significando provavelmente o H a espeacutecie Homo Sapiens
Sapiens teve algum destaque no relatoacuterio produzido Nas primeiras semanas havia
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 178 de 415
maior detalhe na sua descriccedilatildeo chegando a identificar-se o tipo de osso recolhido
Posteriormente as concentraccedilotildees de ossadas passaram a ser designadas por
ldquoinumaccedilotildeesrdquo Contudo as provaacuteveis 48 deposiccedilotildees (Fig 117) deveratildeo ser
consideradas apenas meras concentraccedilotildees de restos humanos por vezes espartilhadas
de forma artificial em parte por causa da metodologia de escavaccedilatildeo ndash no entanto
graccedilas a um pouco mais de detalhe na informaccedilatildeo eacute possiacutevel admitir que H10 e H11
juntos pudessem corresponder a uma inumaccedilatildeo com provaacutevel conexatildeo anatoacutemica
mas infelizmente o registo dessas ossadas foi insuficiente e hoje desconhece-se o seu
paradeiro concreto
O estudo antropoloacutegico produzido por E Cunha e A M Silva (2000) acerca de
um conjunto osteoloacutegico atribuiacutedo agrave anta da Vaacuterzea isto eacute Pedras da Granja
(algumas ainda marcadas com a denominaccedilatildeo de ldquoinumaccedilatildeordquo por exemplo H45 e
com um novo coacutedigo V1 V2 etc) reforccedila a ideia do nuacutemero excessivo de indiviacuteduos
presumidos mesmo que o espoacutelio estudado aparente estar truncado ndash resume-se
sobretudo a fragmentos de maxilares mandiacutebulas e dentes infelizmente com a
maioria das designaccedilotildees originais sumidas e substituiacutedas pela marcaccedilatildeo ldquoVrdquo natildeo
tendo sido possiacutevel por exemplo identificar as ossadas de H10 ou H11 com ossos
longos associados Assim com uma amostra significativa de peccedilas da face registou-
se a presenccedila de indiviacuteduos de vaacuterias idades mas o seu nuacutemero miacutenimo natildeo
ultrapassou as dezasseis unidades (Cunha e Silva 2000)
Jaacute depois deste capiacutetulo se encontrar mais ou menos definido localizei nos
fundos do Museu Geoloacutegico no Veratildeo de 2008 ainda que sob denominaccedilatildeo
equivocada (S Caetano MG-390) um conjunto de quatro ldquodeposiccedilotildeesrdquo da ldquoVaacuterzeardquo
H9 H19 H26 e H47 ainda com os ossos agrupados em sacos separados tal como
presumo exumados originalmente Seraacute pois uma oportunidade no futuro para
verificar a possibilidade de corresponderem a enterramentos especiacuteficos
Perante os dados da escavaccedilatildeo os autores (Zbyszweski et al 1977 p 224)
apontavam a existecircncia de trecircs niacuteveis arqueoloacutegicos ilustrando essa sequecircncia com a
distribuiccedilatildeo de achados (Zbyszweski et al 1977 fig 3 6 7 e 8)
1Um superior com campaniforme
2Um meacutedio que continha ainda campaniforme mas confundia-se
com o niacutevel inferior devido agrave utilizaccedilatildeo das bancadas e das diaacuteclases
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 179 de 415
3Um niacutevel de base mais antigo com o depoacutesito de corpos mais ou
menos in situ
Contudo assinalam a possibilidade de alguns enterramentos intrusivos
nomeadamente H24 (Zbyszweski et al 1977 p 206) mas tambeacutem duas bolsas
onde indicavam as ldquoinumaccedilotildeesrdquo H18 H25 e H31 (Zbyszweski et al 1977 fig 3)
curiosamente natildeo coincidindo genericamente com as aacutereas de proveniecircncia das
peccedilas ceracircmicas de periacuteodos mais recentes
Dessa forma eacute difiacutecil aceitar o faseamento proposto aliaacutes contraditado pelo
proacuteprio espoacutelio preacute-histoacuterico quando analisado em detalhe onde foi possiacutevel
Actualmente apenas se conhece o paradeiro de uma parte do rico espoacutelio
exumado e listado desta anta Assim para aleacutem da receacutem-descoberta mencionada
atraacutes esse conjunto conhecido encontra-se depositado no Museu Arqueoloacutegico
Municipal de Satildeo Miguel de Odrinhas (MASMO) parte integrada em 1986 entregue
directamente por um dos escavadores M Leitatildeo e outra do mesmo autor em 1999
por intermeacutedio de J L Cardoso (informaccedilatildeo pessoal de T Simotildees)
No acircmbito dos objectos lascados registam-se dez nuacutecleos prismaacuteticos de
lamelas 8 em quartzo hialino em dois deles notando-se ainda parte das faces do
cristal original (MASMO-PGNC9935 e 36) Os restantes dois nuacutecleos foram
obtidos de cristais de quartzo leitoso notando-se ainda algumas das superfiacutecies
originais (MASMO-PGNC9938 e 39)
Apesar de se encontrarem em parte incerta eacute possiacutevel saber pela listagem de
materiais que teratildeo sido recolhidas cerca de 61 lacircminas todas em siacutelex ou rochas
afiliadas A partir das dimensotildees e caracteriacutesticas gerais fornecidas no inventaacuterio
apresentado verifica-se que apenas 9 se enquadrariam no grupo de pequenas lacircminas
e lamelas cinco das quais retocadas Assim as restantes corresponderiam a lacircminas
espessas e retocadas algumas ainda com dimensatildeo consideraacutevel (Zbyszweski et al
1977 est III)
Os geomeacutetricos resumem-se a trecircs provaacuteveis peccedilas em siacutelex Um deles
claramente trapezoidal (MASMO-PGNC8632) outro um fragmento de um
possiacutevel crescente (MASMO-PGNC8631) que tambeacutem poderia ser uma ponta de
seta e finalmente uma lasca com um formato triangular assimeacutetrico (MASMO-
PGNC8633) assemelhando-se a um geomeacutetrico aparentemente retocado na ponta
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 180 de 415
(Fig 119 7-9)
As 28 pontas de seta satildeo em siacutelex (Fig 119 10-18 120) com a excepccedilatildeo de
uma em xisto silicioso acinzentado (MASMO-PGNC8630) A maioria das pontas
apresenta a base convexa sobretudo triangular e apenas 6 tecircm uma base cocircncava
incluindo a ponta em xisto Neste uacuteltimo agrupamento uma destas apresenta a sua
extremidade distal com as caracteriacutesticas de uma ponta de seta do tipo mitriforme
(Fig 120 11 MASMO-PGNC864)
Foi ainda recolhido uma grande ponta bifacial de siacutelex talvez um punhal ou
ponta de lanccedila (Zbyszweski et al 1977 est III 53) de que se desconhece o
paradeiro
Do conjunto de dezenas de raspadores lascas algumas retocadas e restos de
talhe apenas se encontram actualmente 4 lascas duas das quais de grande tamanho
Aleacutem dessa regista-se uma outra lasca com alguns retoques recolhida na sequecircncia
da destruiccedilatildeo da anta
Face ao registo de outros sepulcros os instrumentos de pedra polida nesta anta
satildeo relativamente abundantes (Fig 121 1-7) totalizando 4 machados em anfibolito
com secccedilotildees poligonais 2 enxoacutes em xisto anfiboacutelico com secccedilotildees arredondadas
achatadas e uma goiva em anfibolito com secccedilatildeo poligonal Aleacutem destas peccedilas
listam-se ainda mais dois fragmentos de enxoacutes (Zbyszweski et al 1977 invent nordm
187 e 371) actualmente perdidos
Os artefactos votivos recolhidos nesta anta limitaram-se a um iacutedolo plano-
convexo afuselado em calcaacuterio sem gravaccedilatildeo evidente (Fig 121 8 MASMO-
PGNC8659) e a um iacutedolo-placa completo (Fig 121a MASMO- PGNC8650) e
fragmentos de outros infelizmente extraviados Se o uacuteltimo tipo de artefacto surge
normalmente em nuacutemeros reduzidos a raridade do primeiro resulta surpreendente
sobretudo quando em sepulcros coevos estes elementos surgem em maior nuacutemero
Os elementos em osso (Fig 122 7-11) resumem-se a 2 furadores (MASMO-
PGNC8654 e 55) trecircs fragmentos de haste de alfinete de cabelo e alguns
fragmentos de ossos com sinais de polimento sem possibilidade de identificaccedilatildeo do
artefacto Aleacutem destes haacute um pedaccedilo de uma peccedila que poderaacute corresponder a um
possiacutevel pente votivo (MASMO-PGNC8658) e um botatildeo ldquoen os ou en ivoire (hellip)
en forme de carapace de tortuerdquo e perfuraccedilatildeo em ldquoVrdquo (Zbyszweski et al 1977
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 181 de 415
invent nordm 11 e est II 19) de que actualmente se desconhece o paradeiro
Aleacutem dos possiacuteveis elementos de adorno em osso recolheram-se ainda cerca
de 133 contas discoidais em xisto uma em concha e outra em osso (Zbyszweski et
al 1977) Contudo apenas as outras contas em pedra verde (fig 122 1-6) se
encontram depositadas no Museu correspondendo agravequelas listadas pelos
escavadores excepto uma discoidal Estas apresentam formatos ciliacutendricos alguns
ligeiramente ovalados Haacute ainda uma conta bitroncocoacutenica (MASMO- PGNC8649)
em rocha negra classificada pelos autores como provaacutevel azeviche
Natildeo haacute qualquer menccedilatildeo a elementos metaacutelicos recolhidos nesta anta
Os recipientes ceracircmicos recolhidos eram abundantes e apresentavam
aparentemente fragmentos facilmente reconstituiacutedos (Fig 123-124) para aleacutem dos
cerca de 158 fragmentos mencionados sem aparente leitura Infelizmente apenas um
pequena parte consta hoje do acervo conhecido pelo que se torna impossiacutevel
verificar a validade das classificaccedilotildees efectuadas pelos autores da escavaccedilatildeo
nomeadamente o conjunto de ceracircmicas atribuiacutedas agrave Idade do Bronze (Zbyszweski et
al 1977 fig 9 18-19 e fig 10 20-24 43-45 e 47) ainda que a legenda da figura 10
remeta os nuacutemeros 25 a 47 para o ldquodolmeacutenico-almerienrdquo Importaria ainda perceber a
que correspondem os pequenos recipientes natildeo listados mas apresentados
(Zbyszweski et al 1977 fig 9 15-17) que por se enquadrarem no fundo comum
ceracircmico de longa duraccedilatildeo poderiam corresponder ou natildeo a momento antigo da
utilizaccedilatildeo da anta No entanto pela sua tipologia natildeo destoariam de outros
recipientes referidos e integraacuteveis nos momentos de utilizaccedilatildeo original da anta Resta
ainda anotar a presenccedila de uma ceracircmica romana infelizmente natildeo ilustrada
(Zbyszweski et al 1977 invent nordm 368)
Como jaacute foi referido atraacutes algumas das peccedilas ceracircmicas encontravam-se quase
completas sobretudo aquelas recolhidas em niacuteveis inferiores das diaacuteclases Estas
correspondem sobretudo a pequenas taccedilas de bordo simples e alguns vasos esfeacutericos
perfeitamente enquadraacuteveis no periacuteodo de utilizaccedilatildeo original do sepulcro
No acircmbito das ceracircmicas campaniformes registam-se fragmentos de pelo
menos dois vasos com decoraccedilatildeo de estilo internacional outro vaso com decoraccedilatildeo
reticulada em banda realizada por impressatildeo e uma taccedila com faixa de triacircngulos
invertidos tambeacutem preenchidos por impressatildeo Aleacutem destas peccedilas verifica-se a
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 182 de 415
ausecircncia de estilos campaniformes incisos e mistos
Perante os dados disponiacuteveis nesta anta julgo que eacute possiacutevel vislumbrar uma
utilizaccedilatildeo inicial algures entre os dois uacuteltimos quarteacuteis do 4ordm mileacutenio ane
justificada pelos geomeacutetricos pequenas lacircminas e nuacutecleos de lamelas A presenccedila
significativa de instrumentos de pedra polida e recipientes ceracircmicos parece
denunciar uma clara intensificaccedilatildeo do uso deste sepulcro na passagem do mileacutenio
marcada provavelmente jaacute no 3ordm mileacutenio ane pela deposiccedilatildeo de iacutedolos-placa
Algumas das lacircminas espessas largas e retocadas e as pontas de seta sobretudo as
de base convexa poderiam relacionar-se ainda com esse periacuteodo mas tambeacutem satildeo
integraacuteveis jaacute no 3ordm mileacutenio Aliaacutes as pontas com base cocircncava poderatildeo corresponder
tambeacutem a esse momento sendo menos frequentes nos seacuteculos anteriores
A presenccedila de um iacutedolo em calcaacuterio ainda que solitaacuterio enquadraacutevel na
primeira metade do 3ordm mileacutenio ane ou sobretudo no seu segundo quartel poderia
ser interpretada como uma diminuiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo do sepulcro Contudo esse uso
comprova-se pela dataccedilatildeo radiocarboacutenica Beta-225171 de 2860-2470 cal BCE (com
862 de probabilidade o intervalo restringe-se a 2700-2470 cal BCE Anexo 3
Quadro 2) Esta data foi obtida sobre uma mandiacutebula de indiviacuteduo humano adulto
(MASMO-PG-V2 correspondendo a um dos elementos da ldquoinumaccedilatildeordquo H-45) no
designado ldquoniveau moyenrdquo
A presenccedila de ceracircmicas campaniformes de estilo internacional e impresso
parece assinalar um momento de meados terceiro quartel do 3ordm mileacutenio ane mas
que natildeo se teraacute estendido ateacute o final deste Isto se for considerado significativo numa
perspectiva crono-cultural a ausecircncia do estilo inciso
Posteriormente o sepulcro parece ter sido utilizado provavelmente para
deposiccedilotildees funeraacuterias durante as Idades do Bronze e do Ferro Finalmente a
presenccedila de ceracircmica romana poderaacute relacionar-se com alguma visita pontual ao
sepulcro
419 Dados avulsos de possiacuteveis antas
Aleacutem das antas listadas nos uacuteltimos capiacutetulos alguns elementos parecem
indiciar que a presenccedila destas na regiatildeo teraacute sido provavelmente mais numerosa e
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geograficamente mais abrangente
No Museu Geoloacutegico encontra-se um pequeno machado de anfibolito com
secccedilatildeo poligonal (Fig 125 1-3 MG6501) A etiqueta colada neste atribui a sua
proveniecircncia a ldquoDolmen na Qta do Marquecircs de Vianna S Pedro (Sintra) Off Sr
Bensauacutederdquo O seu doador poderaacute corresponder a Alfredo Bensauacutede um engenheiro
de minas dos Serviccedilos Geoloacutegicos entre 1869-1886 associado a estudos
mineraloacutegicos (Carneiro 2005 p 158 e 164 Bensauacutede 1884 e 1889) Mas
infelizmente natildeo foi possiacutevel identificar hoje os limites da dita quinta e o eventual
doacutelmen podendo apenas admitir-se que tal estrutura estivesse situada na aacuterea de Satildeo
Pedro em Sintra
No mesmo museu encontrei um conjunto de materiais associados a uma ficha
de siacutetio datada de 22 de Janeiro de 1927 (Fig 125 4 MG624)
ldquoColares Quinta da Piedade (proximo aacute Eugaria) Segundo informaccedilatildeo
de Armando Ferreira confirmada pelos cacos juntos existe no pinhal da Quinta da
Piedade proximo aacute ldquoPreza do Duquerdquo um outeiro em cujo cume encontrou umas
pedras grandes formando circulo cobertas por uma outra muito maior (chapeu) (um
doacutelmen em parte semelhante ao do Monge) Procedendo a tres sondagens recolheu
ele os cacos e os ossos juntos (a quinta da Piedade pertence aacute Casa Cadaval)
Informaccedilatildeo prestada em Odivelas (hellip)rdquo
De facto o conjunto depositado consiste em algumas faunas e fragmentos
ceracircmicos Alguns desses fragmentos ceracircmicos correspondem a cronologias
recentes mas cerca de uma dezena satildeo pedaccedilos de recipientes campaniformes com
teacutecnica incisa e impressa do estilo Palmela (MG684) A leitura da ficha leva a crer
que este registo teraacute sido efectuado por Francisco C Ribeiro (ver capiacutetulo 413)
podendo corresponder talvez ao siacutetio de Bela Vista estudado anos mais tarde
(Mello et al 1961) tanto pela localizaccedilatildeo como pela semelhanccedila dos materiais
recolhidos No entanto a publicaccedilatildeo natildeo faz qualquer referecircncia a esta ficha ou aos
seus materiais ainda que se encontrassem depositados no Museu Geoloacutegico
podendo isso dever-se agrave data posterior de entrada da colecccedilatildeo algures na deacutecada de
60 Mas se estes dois siacutetios satildeo um soacute este sepulcro natildeo corresponde a um
ldquodoacutelmenrdquo e sim a um pseudo-tholos
Outra informaccedilatildeo avulsa surge no acircmbito de apontamentos compilados por P
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Azevedo (1905) Este autor para aleacutem de referecircncias aos siacutetios preacute-histoacutericos de
Belas Leceia e Campolide bem como de siacutetios do Vale de Alcacircntara destaca um
documento do seacuteculo XVII acerca do termo de Lisboa onde satildeo apontadas duas
provaacuteveis antas ao longo da linha de fronteira com Torres Vedras
[Uma] () direito as pedras das Antas que estatildeo na terra lavradia de
Domingos Ribeiro lavrador defronte do lugar do Jormello honde estatildeo cinco pedras
grandes em Redondo que fazem hum morouccedilo de pedras honde na pedra maior se
fez huma naveta que he a divisa da cidade em uma ilharga delapera ficar por marco
() [e a outra] ateacute chegar ao casal do Malforno o qual casal fica no termo de Torres
Vedras e o caminho que vai ao longo das casas do dito casal fica dividindo o termo
desta cidade com o termo de Torres Vedras e deste caminho vai partindo direito as
outras pedras das antas que estatildeo mais acima do dito casal contra o levante honde
estatildeo sete pedras grandes de Redondo e hua deitada no chatildeo antre elas e outras
piquenas as quais ficam por marco e destas pedras das Antas que ficam por marco
vai partindo direito contra o levante ateacute chegar honde se chama o Barro onde no
comaro da terra do Casal da Atalaia esta um marco () (cit in Azevedo 1905 p
163-164)
No acircmbito da realizaccedilatildeo da Carta Arqueoloacutegica de Mafra A C Sousa
(informaccedilatildeo pessoal) natildeo conseguiu relocalizar aquelas possiacuteveis antas
A toponiacutemia regional tambeacutem acrescenta potencialmente o nuacutemero de
possiacuteveis antas ou sepulcros afins (Fig 2) Contudo porque eacute hoje extremamente
difiacutecil analisar in loco a informaccedilatildeo recolhida haacute que consideraacute-las sob reserva
mesmo que noutras situaccedilotildees melhor preservadas seja em Lisboa ou noutras
regiotildees como o Alentejo tais topoacutenimos corresponderem frequentemente agraves
expectativas ndash aliaacutes na descriccedilatildeo de algumas das antas de Lisboa isso foi possiacutevel
verificar Mas o contraacuterio tambeacutem eacute vaacutelido e para tal bastaraacute lembrar a possiacutevel anta
do Zambujal Loures indicada pelo colector oitocentista dos Serviccedilos Geoloacutegicos
Antoacutenio Mendes (cit in Santos 1968) Posteriormente M C Santos e O V Ferreira
teratildeo procurado relocalizar a referida anta mas na aacuterea indicada apenas avistaram
grandes blocos basaacutelticos apresentando disjunccedilotildees prismaacuteticas pelo que admitiram a
possibilidade daquele colector tecirc-las confundido por restos de um edifiacutecio megaliacutetico
(Santos 1968 p 170)
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Recentemente J L Cardoso e A M Soares (informaccedilatildeo pessoal) deram conta
de uma possiacutevel anta no Faiatildeo ainda que soacute com a sua escavaccedilatildeo tal poderaacute ser
confirmado
A cartografia da informaccedilatildeo toponiacutemica recolhida juntamente com aquela
confirmada de facto pela existecircncia dos sepulcros revela uma dispersatildeo de
possiacuteveis sepulcros megaliacuteticos um pouco mais abrangente (Fig 2) todavia sem
desfazer por completo a jaacute referida delimitaccedilatildeo geograacutefica das antas que se analisaraacute
adiante bem como o seu cocircmputo situado entre duas e trecircs dezenas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 186 de 415
42 A implantaccedilatildeo e a construccedilatildeo das antas de Lisboa
A distribuiccedilatildeo das antas de Lisboa reconhecidas parece realccedilar para aleacutem do jaacute
mencionado reduzido nuacutemero uma relativa concentraccedilatildeo geograacutefica por
coincidecircncia correspondendo agrave aacuterea sul-sudoeste do Complexo vulcacircnico de Lisboa
(Fig 1 2 e 22) Tambeacutem por mero exerciacutecio teoacuterico se ignorar os restantes tipos de
sepulcros notam-se trecircs clusters destas estruturas funeraacuterias em Belas Campos de
Trigache e Verdelha do Ruivo surgindo as restantes relativamente isoladas (Fig 25-
30) Que poderaacute isso reflectir Julgo que em parte o impacto antroacutepico jaacute referido da
regiatildeo No entanto mesmo admitindo o desaparecimento de vaacuterias antas se forem
considerados os indiacutecios toponiacutemicos referidos atraacutes este cocircmputo natildeo ultrapassaria
as cerca de trecircs dezenas de antas na regiatildeo da Baixa Estremadura assunto a que
voltarei mais adiante
Analisando a questatildeo da implantaccedilatildeo das antas do territoacuterio de Reguengos de
Monsaraz Alentejo V S Gonccedilalves (1992 p 149) enumerava trecircs criteacuterios que
poderiam ter condicionado a sua localizaccedilatildeo preferencial em funccedilatildeo de uma
visibilidade positiva em funccedilatildeo de uma visibilidade negativa ou sem qualquer
condicionante especiacutefica No entanto acrescentava ainda uma quarta possibilidade
em que ldquoos criteacuterios de implantaccedilatildeo dos monumentos [teriam variado] conforme o
Tempo e o Espaccedilo neste uacuteltimo caso dependendo de caracteriacutesticas especiacuteficas dos
territoacuterios utilizados pelos grupos que a [implementaram] rdquo (Gonccedilalves 1992 p
150) nomeadamente o coberto vegetal da eacutepoca e diria a oro-hidrografia
A implantaccedilatildeo maioritaacuteria das antas de Lisboa conhecidas parece ter ocorrido
em rechatildes mais ou menos extensas eou elevadas Um dos melhores exemplos seraacute
com certeza o conjunto de Belas concretamente as antas de Monte Abraatildeo e Pedra
dos Mouros destacando-se na rechatilde relativamente extensa ainda que limitada a sul
pelo relevo hoje denominado Monte Abraatildeo Mas as antas de Pedras da Granja
Conchadas Pedras Grandes Alto da Toupeira 1 e 2 e Monte Serves tambeacutem se
ergueram em posiccedilotildees similares com maior ou menor domiacutenio paisagiacutestico ndash
Casaiacutenhos foi implantada numa pequena chatilde destacada no meio do vale e sobranceira
agrave ribeira homoacutenima As restantes antas foram construiacutedas em encostas mais ou
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 187 de 415
menos acentuadas sobretudo na parte cimeira ou aproveitando patamares existentes
como em Carcavelos e Trigache 1 e 4 A anta de Casal do Penedo foi erguida numa
encosta com uma inclinaccedilatildeo elevada provavelmente para tirar proveito dos
afloramentos do local em contraste com as pendentes mais suaves das localizaccedilotildees
das antas de Trigache 2 e 3 Quase no fundo do vale proacutexima do ribeiro que por ali
corre regista-se a anta do Carrascal talvez aquela com as caracteriacutesticas de
implantaccedilatildeo mais inusitadas principalmente quando apresenta tambeacutem um elevado
aprofundamento da sua cacircmara no substrato local
Quadro 3 Implantaccedilatildeo das antas da regiatildeo de Lisboa
Anta Topografia
Monte Abraatildeo Rechatilde Pedras Grandes Rechatilde Pedra dos Mouros Rechatilde Monte Serves Rechatilde Alto da Toupeira 1 e 2 Rechatilde Arruda Rechatilde Conchadas Rechatilde Pedras da Granja Rechatilde Batalhas Rechatilde Casaiacutenhos Chatilde no vale Casal do Penedo Encosta iacutengreme Carcavelos Patamar em encosta Trigache 1 Patamar em encosta Trigache 4 Patamar em encosta Estria Encosta Trigache 2 Encosta Trigache 3 Encosta Carrascal Encosta
Portanto exceptuando o caso de Carrascal poderaacute verificar-se que os sepulcros
foram instalados essencialmente em aacutereas de interfluacutevios ou proacuteximos destes Tais
escolhas poderatildeo ter-se baseado num aproveitamento circunstancial nomeadamente
a reduccedilatildeo detectada do coberto florestal durante os 4ordm-3ordm mileacutenios ane que afectou
sobretudo aquelas aacutereas topograacuteficas provocando a existecircncia de clareiras (Queiroz
1999) Em parte esta situaccedilatildeo ter-se-aacute devido ao abate de aacutervores destas cotas mais
acessiacuteveis e permitindo um melhor manuseamento dos lenhos Por outro lado dada a
inclinaccedilatildeo acentuada para sul de muitas bancadas calcaacuterias da regiatildeo a tarefa de
extracccedilatildeo de lajes estaria facilitada nos topos ou no alto das encostas como parece
ocorrer nos locais das antas Por outro lado muitos dos vales da regiatildeo apresentavam
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 188 de 415
as suas encostas bastante iacutengremes ou mesmo escarpadas dificultando a construccedilatildeo
nessas aacutereas
A perspectiva pragmaacutetica que sugiro acima mais do um determinismo
geograacutefico deveraacute ser entendida como tomadas de decisatildeo daquelas populaccedilotildees face
ao meio onde viviam e circulavam Sendo aquelas aacutereas de interfluacutevios por onde
provavelmente circulariam com maior frequecircncia julgo que teria feito sentido para
aqueles grupos a instalaccedilatildeo dos sepulcros em alguns desses pontos acessiacuteveis
sobretudo facilitado pelas circunstacircncias referidas Contudo coloca-se a questatildeo
acerca do tipo de visibilidade que estes sepulcros teriam
A pequena anta de Monte Serves foi situada num ponto quase cumeada com
grande domiacutenio de paisagem avistando para sul uma larga extensatildeo do estuaacuterio do
Tejo e os vales em redor E no entanto esta natildeo se destaca sendo apenas
reconhecida a meia distacircncia por quem soubesse onde se situava proacutexima do relevo
homoacutenimo Como se desconhece uma cronologia fina para este sepulcro eacute tambeacutem
difiacutecil perceber o papel deste face aos povoados da Pedreira do Casal do Penedo 1 ou
de Moita Ladra (North Boaventura e Cardoso 2005)
Outros exemplos de relevos importantes proacuteximos das antas podem ser
apontados para o Alto da Toupeira Carcavelos Trigache ou Belas De facto apesar
destes sepulcros apresentarem alguma visibilidade local a partir dos vales e cumes
circundantes as suas localizaccedilotildees natildeo permitiam com algumas excepccedilotildees avistar ou
serem avistados para aleacutem destes horizontes limitados Por isso a sua situaccedilatildeo ainda
que em aacutereas deprimidas quando avaliadas no relevo atribulado da regiatildeo de Lisboa
mas junto de pontos naturais destacados poderia ter suprido este constrangimento
caso fosse essa um das intenccedilotildees ndash marcar o territoacuterio (Gonccedilalves e Sousa 2000) De
certo modo esta verificaccedilatildeo tem sido proposta noutras aacutereas regionais
nomeadamente no Noroeste peninsular onde sepulcros tendem a localizar-se
proacuteximo de grandes afloramentos (Criado Boado Faacutebregas Valcarce e Vaquero
Lastres 1994) No entanto tais referecircncias geograacuteficas seriam melhor identificadas
por aqueles que conhecessem de facto aqueles locais e a existecircncia de tais
necroacutepoles e natildeo tanto por forasteiros de passagem
Quando se cruzam as implantaccedilotildees e as cronologias conhecidas os resultados
satildeo limitados Os casos diacronicamente opostos Carrascal e Estria parecem seguir
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 189 de 415
implantaccedilotildees semelhantes Isto poderia significar um momento inicial onde a relativa
proeminecircncia local ainda natildeo seria importante algo que tambeacutem ocorreria no final da
tradiccedilatildeo construtiva megaliacutetica Mas tal leitura aconselha reserva
As soluccedilotildees construtivas das antas de Lisboa ainda que genericamente
semelhantes agraves de outras regiotildees como o Alentejo apresentavam algumas
caracteriacutesticas especiacuteficas algumas delas talvez realccedilando a importacircncia menor dada
a um destaque supralocal das estruturas
O espaccedilo interior da cacircmara destas antas surgia frequentemente numa cota
inferior agrave superfiacutecie original e exterior Este afundamento parcial do espaccedilo interno
tornava-se possiacutevel pois aparentemente eram escolhidas zonas alteradas do
substrato rochoso o que facilitava a tarefa de abertura dos alveacuteolos dos esteios e
eventual escavaccedilatildeo daquele espaccedilo Contudo nem sempre tal tarefa teraacute acertado
totalmente com a referida mancha como foi possiacutevel verificar nas antas de Pedras
Grandes e Pedras da Granja Noutros casos o aprofundamento realizado foi bastante
elevado como parece evidente na anta do Carrascal mas tambeacutem em Monte Abraatildeo
e Estria Aliaacutes neste uacuteltimo sepulcro acredito que a desorientaccedilatildeo do sepulcro se
deveu agrave prioridade dada a um substrato rochoso adequado agrave escavaccedilatildeo do recinto No
caso de Carcavelos notou-se que a cacircmara foi semi-escavada vencendo a ligeira
pendente norte-sul De tal forma que a sua degradaccedilatildeo e maior exposiccedilatildeo erosiva
verificada eacute do lado sul A anta de Casaiacutenhos seraacute talvez o exemplo oposto visto que
o substrato rochoso onde se instalou natildeo teraacute permitido um aprofundamento da
cacircmara ainda que nas depressotildees deste tenham surgido materiais arqueoloacutegicos Esta
dificuldade parece evidente hoje quando se observa a carcaccedila remanescente do
sepulcro com os esteios quase sem alveacuteolo de sustentaccedilatildeo
O motivo real para o aprofundamento das cacircmaras eacute difiacutecil de discernir mas
talvez se devesse agrave necessidade de consolidar a estrutura do sepulcro No entanto
pelo menos em alguns casos parece existir alguma aproximaccedilatildeo com a estrateacutegia de
escavaccedilatildeo das grutas artificiais ou posteriormente dos tholoi Por outro lado esta
soluccedilatildeo reduziria o investimento necessaacuterio no tumulus envolvente caso este tenha
sido produzido para a maioria das antas de Lisboa
Os trabalhos de escavaccedilatildeo antigos nas antas centraram-se sobretudo no interior
destas sabendo-se pouco acerca das aacutereas exteriores A referecircncia a mamoas ou agrave sua
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existecircncia eacute rara J L Vasconcelos (1898) apontava um ldquoaltinhordquo em redor da anta
da Arruda admitindo que pudesse corresponder aos restos do tumulus jaacute muito
destruiacutedo pela lavoura No entanto nenhum trabalho foi realizado para o verificar F
C Ribeiro (cit in ALeisner Leis61) tambeacutem se referia agrave existecircncia de mamoa na anta
de Trigache 2 sem que tenha testado essa leitura hoje impossiacutevel de ser realizada
No sepulcro de Pedras da Granja E C Serratildeo (1982-83) apontava uma possiacutevel
estrutura tumular delimitada mas tal realidade tem de ser encarada com reserva
Aleacutem destes casos apenas Monte Serves parece manter de facto uma mamoa
identificaacutevel (North Boaventura e Cardoso 2005) ainda que parte do relevo possa
corresponder ao substrato rochoso local Aqui tambeacutem natildeo foi realizada qualquer
vala de sondagem no exterior do sepulcro para a sua avaliaccedilatildeo mas que seria de todo
o interesse realizar no futuro
O inventaacuterio de V Leisner (1965) registava a impressatildeo que ainda hoje se
manteacutem para alguns dos sepulcros sobreviventes possiacuteveis vestiacutegios de tumulus ou
pouco evidentes mas que nunca foram avaliados Ateacute agraves recentes escavaccedilotildees das
antas de Pedras Grandes e Carcavelos apenas se tinha ensaiado a realizaccedilatildeo de
sondagens na anta do Carrascal visando avaliar a presenccedila de tumulus mas com
resultados incompletos e inconclusivos (informaccedilatildeo pessoal de T Simotildees) Pelo
menos nas duas antas intervencionadas natildeo foi possiacutevel identificar a mamoa se de
facto existiu Os esteios destes edifiacutecios foram calccedilados por dentro e por fora para
melhor sustentaccedilatildeo acrescentando-se ainda um anel peacutetreo externo de contraforte
que abraccedilava todos os esteios por sua vez coberto por terra No entanto a sua
extensatildeo natildeo ultrapassava os 2 metros a partir da face externa dos esteios levando a
crer que em altura aquele anel natildeo cobriria a totalidade do esqueleto peacutetreo do
sepulcro A ser assim entatildeo coloca-se a questatildeo de como se fechava a cacircmara com
uma grande laje ou com outro tipo de cobertura Apesar do conhecimento limitado
desta caracteriacutestica entre as antas de Lisboa creio que seria com uma grande laje a
exemplo do que subsiste em Monte Abraatildeo e contudo nesta anta os vestiacutegios de
mamoa satildeo residuais necessitados de avaliaccedilatildeo Portanto se admitir que as antas de
Lisboa natildeo tiveram mamoas integrais eacute provaacutevel que pelo menos tenham sido
criadas rampas para permitir a colocaccedilatildeo dos respectivos chapeacuteus Entretanto a
erosatildeo multi-milenar natural e humana dificultou a verificaccedilatildeo dos vestiacutegios dessas
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rampas Mas o mesmo argumento pode ser referido para as eventuais mamoas
Outro criteacuterio aparentemente importante para a implantaccedilatildeo das antas teraacute sido
a proximidade da mateacuteria-prima necessaacuteria para a sua construccedilatildeo Como natildeo foi
possiacutevel promover a colaboraccedilatildeo de um geoacutelogo para um projecto global que
desenvolvesse um estudo aprofundado e sistemaacutetico de proveniecircncia dos elementos
ortostaacuteticos optei por utilizar a informaccedilatildeo disponibilizada pelos escavadores das
antas na sua maioria geoacutelogos de profissatildeo cruzando-a com os meus conhecimentos
elementares de geologia Apenas no caso de Pedras Grandes contei com a
colaboraccedilatildeo da geoacuteloga Lara Saacute (Cacircmara Municipal de Odivelas) para uma breve
avaliaccedilatildeo daqueles elementos e dos afloramentos vizinhos
As rochas calcaacuterias consoante o faacutecies disponiacutevel na respectiva aacuterea foram a
mateacuteria-prima essencial utilizada na construccedilatildeo das antas de Lisboa sobretudo na
forma de grandes lajes mas tambeacutem como blocos menores ainda que entre estes
surjam com frequecircncia basaltos e rochas afins A qualidade das rochas calcaacuterias natildeo
teraacute sido condicionante maior nas soluccedilotildees arquitectoacutenicas mas sim na sua
preservaccedilatildeo ateacute os dias de hoje (excluindo aqui a acccedilatildeo humana) A
monumentalidade das antas de Pedra dos Mouros Monte Abraatildeo Pedras Grandes
Carcavelos etc eacute disso claro exemplo
Quando avaliada a proximidade de afloramentos com o potencial para
extracccedilatildeo de lajes em quase todos os casos isso teraacute ocorrido maioritariamente nas
imediaccedilotildees a poucas dezenas de metros ou mesmo no proacuteprio local de erecccedilatildeo Esta
uacuteltima situaccedilatildeo parece ter ocorrido nas antas de Casal do Penedo Monte Serves e
Estria As maiores distacircncias registadas para a proveniecircncia de algumas lajes
verificaram-se nas antas de Monte Abraatildeo a algumas centenas de metros e de
Pedras da Granja a cerca de 1 km Este limitado raio de acccedilatildeo deveraacute relacionar-se
com a proacutepria oro-hidrografia da regiatildeo relativamente acidentada apresentando
vales profundos e ainda relativamente arborizados que dificultariam a deslocaccedilatildeo de
pesados monoacutelitos por longos percursos sujeitos a declives acentuados As
proveniecircncias mais distantes referidas correspondem a antas de aacutereas sem obstaacuteculos
naturais significativos entre os locais de extracccedilatildeo e de erecccedilatildeo
Os estudos realizados no Alto Alentejo (Dehn Kalb e Vortisch 1991 Kalb
1996 Kalb e Houmlck 1996 Boaventura 1999-2000 e 2000) acerca da origem
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 192 de 415
geoloacutegica dos ortoacutestatos das antas apesar de registarem essencialmente origens
locais ou das suas imediaccedilotildees apresentaram casos de distacircncias superiores entre 8 e
12 km agravequelas registadas para Lisboa No entanto a oro-hidrografia da planura
alentejana com regiotildees abertas e sem obstaacuteculos naturais influentes teraacute facilitado o
transporte destes blocos
A proximidade da mateacuteria-prima para a construccedilatildeo dos sepulcros ortostaacuteticos
parece tambeacutem ocorrer noutras regiotildees europeias quase sempre com excepcionais
transportes de longa distacircncia ainda que por vezes atribuiacutedos ao transporte natural
por arrasto dos glaciares durante periacuteodos de influecircncia polar (Burl 1991 Thorpe e
Williams-Thorpe 1991 Patton 1992 Scarre 2004)
O esteio de cabeceira de Pedras Grandes suscita algum interesse ainda que natildeo
possa provavelmente ser considerado pela sua esteacutetica Ali houve a escolha com
certeza consciente de uma grande laje desequilibrada isto eacute a sua base apenas
apresentava metade da largura total do bloco Esta situaccedilatildeo foi reparada pelos seus
construtores ao abrirem um meio alveacuteolo adequado reforccedilado por um soco de
pedras Tal reforccedilo natildeo foi suficiente todavia pois a sua limitada implantaccedilatildeo teraacute
sido um dos motivos para a sua queda posterior No entanto como tambeacutem o esteio
lateral a norte apresentava uma base assimeacutetrica que comprometia a sua sustentaccedilatildeo
julgo que aquelas utilizaccedilotildees se sujeitaram ao aproveitamento dos blocos mais
adequados entre aqueles disponiacuteveis na vizinhanccedila De facto a observaccedilatildeo possiacutevel
das bancadas calcaacuterias que ainda persistem (do lado sul jaacute desapareceram mas
seriam semelhantes) com inclinaccedilatildeo para sul localizadas a cerca de 20 metros a
norte da anta permitiu verificar que os tipos de lajes utilizadas provieram daquelas
com grande probabilidade sobretudo do faacutecies superior enquanto outros esteios de
uma rocha de matriz mais argilosa teriam sido sacados no faacutecies imediatamente
inferior A disponibilidade de lajes nestes afloramentos eacute ainda tal que natildeo seria
difiacutecil construir hoje uma nova anta (Fig 72 1) Situaccedilotildees similares podem referir-se
para as restantes antas observadas sobretudo quando se observam as imagens mais
antigas Em todas elas existiam por vezes ainda hoje afloramentos passiacuteveis de
exploraccedilatildeo liacutetica Poderia falar-se entatildeo de uma utilizaccedilatildeo oportunista da mateacuteria-
prima Julgo que sim mas simultaneamente podendo ser apontados alguns indiacutecios
de selectividade
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 193 de 415
Como algumas antas jaacute desapareceram natildeo foi possiacutevel uma anaacutelise cuidada
dos seus esteios Contudo naquelas que pude observar verifiquei alguns aspectos
interessantes que colocam a possibilidade de uma valorizaccedilatildeo esteacutetica da qualidade
da rocha utilizada
Primeiramente os blocos utilizados natildeo apresentam qualquer tipo de trabalho
evidente Esta atitude face a rochas que seriam mais facilmente trabalhadas do que
os granitos da regiatildeo vizinha alentejana mas natildeo o foram recorda a proposta de C
Scarre (2004) de uma intencionalidade na escolha e sobretudo numa valorizaccedilatildeo de
pedras naturalmente em bruto
As antas de Belas apresentam vaacuterios dos seus esteios com faces repletas de
icnofoacutesseis provavelmente de thalassinoides com certeza obtidos nas bancadas
calcaacuterias locais ainda que natildeo tenha sido possiacutevel localizar exactamente qual o
faacutecies Apesar do padratildeo registado em cada uma das antas natildeo ser totalmente similar
e infelizmente estas natildeo se encontrarem completas julgo eacute mesmo assim
interessante realccedilar a forma como os esteios foram dispostos Pelo que eacute hoje
possiacutevel avaliar o esteio da cabeceira de Pedra dos Mouros apresentava esta
caracteriacutestica mas o lateral sul jaacute natildeo No entanto o esteio sequente a sul surge com
o mesmo padratildeo Estria eacute o caso aparentemente mais completo aqui o esteio de
cabeceira eacute acompanhado pelos dois seguintes pares de esteios todos eles com as
faces internas repletas de icnofoacutesseis Soacute o uacuteltimo par de esteios apresenta ortoacutestatos
lisos com uma componente mais argilosa Finalmente a cacircmara de Monte Abraatildeo
surge com uma disposiccedilatildeo peculiar o esteio de cabeceira eacute bastante rugoso
semelhante agrave laje de cobertura mas estaacute ladeado por dois ortoacutestatos com os paineacuteis
de foacutesseis virados para dentro seguindo-se-lhes outros dois mas agora com aquelas
faces para o exterior O par sequente restringe-se ao esteio sul sem foacutesseis Esta
alternacircncia poderia justificar-se se as faces externas dos esteios fossem tambeacutem
visiacuteveis o que sustentaria a hipoacutetese da existecircncia limitada de uma mamoa talvez
funcionando no essencial como um anel de contraforte
Aleacutem destes casos o esteio de cabeceira da anta de Carcavelos um calcaacuterio
conquiacutefero bastante rico em restos de conchas fossilizadas tambeacutem parece apresentar
esta qualidade esteacutetica mas como natildeo se verificou um padratildeo com os restantes
esteios a sua interpretaccedilatildeo eacute reservada
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 194 de 415
Caso similar da regiatildeo vizinha alentejana onde a intencionalidade esteacutetica
parece manifestar-se eacute aquele da anta de Rabuje 4 (Boaventura 1999-00 e 2000 em
estudo) onde a sua construccedilatildeo produziu uma cacircmara com um esteio de cabeceira em
xisto biotiacutetico ladeado por dois pares de ortoacutestatos de granito rosa prolongando-se o
seu corredor com mais lajes de xisto
A tradiccedilatildeo de produccedilatildeo de covinhas em sepulcros megaliacuteticos e afloramentos
proacuteximos destas necroacutepoles eacute relativamente frequente no Alentejo (Leisner e Leisner
1951 e 1959 Gonccedilalves 1993 Calado 1995 2004 e 2005 Rocha 2004) Apesar
dos motivos para a sua realizaccedilatildeo suscitar debate podendo de facto existirem vaacuterias
explicaccedilotildees (Gonccedilalves 1993) estas natildeo se registaram ateacute o momento nas antas da
Estremadura A excepccedilatildeo de um pequeno conjunto de 6 covinhas foi registada num
ortoacutestato de arenito do corredor do tholos da Tituaria (Cardoso et al 1996) No
entanto por ser inusitado e corresponder a um tipo de sepulcro cronologicamente
mais avanccedilado limito-me a registaacute-lo
Face ao exposto julgo que as antas de Lisboa foram construiacutedas em locais
circunspectos sobretudo condicionadas pela fisiografia e pela proximidade e faacutecil
acesso da mateacuteria-prima Se aquelas comunidades quisessem de facto tornar
proeminentes os seus sepulcros bastaria terem-nos erigido nos relevos destacados
que se registavam nas proximidades Contudo a monumentalidade destas estruturas
garantia por si um destaque local e talvez esse fosse suficiente para as comunidades
construtoras e aquelas suas vizinhas
421 Tipologia das antas de Lisboa
O nuacutemero reduzido e a qualidade da informaccedilatildeo acerca das antas da regiatildeo de
Lisboa limitam as ilaccedilotildees a retirar acerca da tipologia destas Entre aquelas que
permitiram uma leitura mais ou menos segura parecem notar-se essencialmente dois
grupos (Fig 126)
1 Antas com cacircmara poligonal de sete esteios com corredores baixos face agrave
altura daquela apresentando extensotildees curtas ou meacutedias natildeo se registando passagens
longas ou muito longas ndash a classificaccedilatildeo do tipo de corredor quanto agrave sua extensatildeo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 195 de 415
segue a proposta de V S Gonccedilalves (1989b e 1993)
2 Antas com cacircmara trapezoidal alongada ou sub-rectangular sem corredor
demarcado
As antas com cacircmaras poligonais satildeo as melhores representadas com 13
exemplares (ainda que 7 delas apresentem as suas plantas incompletas) Entre os 8
sepulcros onde foi identificado o corredor Monte Abraatildeo destaca-se pela extensatildeo
apontada de 4 metros natildeo ultrapassando os restantes acessos os 2 m250 m de
comprimento Em contraste a passagem de Pedras Grandes eacute tatildeo curta que a
designaccedilatildeo mais apropriada seria a de portal Naquelas antas em que se desconhece a
existecircncia de corredores tal poderaacute dever-se a falta de escavaccedilatildeo das provaacuteveis
aacutereas que parecem ter sido muito perifericamente abordadas
Quadro 4 Tipologia e dimensotildees das antas da regiatildeo de Lisboa
Tipo Siacutetio Cacircmara
(LxCxA) metros
Corredor (LxCxA) metros
Carrascal 350 x 350 x ~280 ~15x250x~1 Pedra dos Mouros ~4 x ~4 x ~5
Poligonal Monte Abraatildeo 280 x 360 x ~350 ~120x~4x Estria 380 x 4 x ~275 Pedras Grandes 350 x 320 x ~3 1x1x~050 Alto da Toupeira 1 5 x 55 x ~2 Trigache 2 550 x x ~1x210x050 Trigache 4 5 x x 1x220x Conchadas 290 x x 125x2x050 Carcavelos 350 x 3 x ~190 x250x Casaiacutenhos 350 x 5 x ~250 115x2x Pedras da Granja 440 x 4 x 26 Trigache 1 Batalhas Alto da Toupeira 2 Arruda 445127 x 771 x 321 na
Trapezoacuteide Casal do Penedo 35 x 65 x 150 na Monte Serves 120 x 2 x ~1 na Trigache 3 175 x 450 x 1 na
Se forem consideradas as extensotildees vestibulares natildeo ortostaacuteticas das antas de
Monte Abraatildeo e Casaiacutenhos estas apresentariam corredores longos atingindo cerca
de 6 metros algo que em menor extensatildeo tambeacutem parece ter ocorrido em
Conchadas
A cacircmara poligonal de Estria apresentava-se aparentemente um pouco mais
alongada mas infelizmente pelo que jaacute foi referido noutro local natildeo eacute possiacutevel
aceitar pacificamente a passagem recriada durante os trabalhos de valorizaccedilatildeo da
anta
No reduzido grupo de cacircmaras trapezoidais encontram-se alguns sepulcros
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 196 de 415
com entradas sem evidecircncia de corredor bem marcado (Monte Serves Casal do
Penedo Arruda e Trigache 3) Contudo se para o primeiro sepulcro eacute ainda hoje
possiacutevel confirmar a leitura nos restantes a classificaccedilatildeo baseia-se nos dados
disponiacuteveis dos seus escavadores
Se as cacircmaras poligonais encontram paralelos com regiotildees vizinhas proacuteximas
nomeadamente Alentejo Alta Estremadura e Beiras alguns autores viram nos
sepulcros com plantas trapezoidais (entre as quais algumas por mim consideradas
agora fora desse grupo) claras influecircncias da cultura almeriense do Sul-Sudeste
ibeacuterico (Ferreira 1959 Leisner e Ferreira 1959) No entanto tais caracteriacutesticas
arquitectoacutenicas satildeo tambeacutem passiacuteveis de encontrar-se no mundo funeraacuterio beiratildeo
(Leisner e Kalb 1998) Curiosamente os artefactos apontados como claras
influecircncias de Almeria por exemplo o ldquoiacutedolo chatordquo natildeo surgiram nas antas com o
tipo de planta trapezoidal mas sim em cacircmaras poligonais nomeadamente Monte
Abraatildeo e Casaiacutenhos
Quando se contrasta o tipo de antas de Lisboa com as propostas de evoluccedilatildeo
tipoloacutegica para estas no Centro-Sul de Portugal (Leisner e Leisner 1951 e 1959
Leisner 1965 e 1983 Moita 1956 e 1966 Kalb 1981 1988 e 1989 Soares e Silva
1983 e 2000 Oliveira 1997b Rocha 2005) parece verificar-se a ausecircncia na regiatildeo
de Lisboa dos tipos considerados mais antigos nomeadamente sepulturas
protomegaliacuteticas e sepulcros de cacircmaras simples de meacutedia dimensatildeo ndash os exemplares
correspondentes a esses primeiros sepulcros seriam eventualmente Trigache 1 e
Monte Serves ndash contudo a planta incompleta e o parco espoacutelio do primeiro que
tambeacutem estaacute quase ausente (algumas lascas de siacutelex) no segundo natildeo permitem o
esclarecimento dessas duacutevidas Um pouco mais para norte da regiatildeo de Lisboa
Cabeccedilo da Arruda 3 supostamente uma pequena sepultura onde se avistou um
esqueleto com um machado poderia corresponder agravequele tipo de sepulcro sobretudo
porque a revisatildeo da colecccedilatildeo osteoloacutegica (se natildeo tiver sido contaminada) aponta
pelo menos um nuacutemero de 3 indiviacuteduos (Silva 2002)
A disponibilidade de cavidades naturais da regiatildeo estremenha poderia explicar
a inexistecircncia dos primeiros tipos de sepulcros ortostaacuteticos Assim dada a tradiccedilatildeo
funeraacuteria aparentemente troglodita dos grupos humanos estremenhos (Oosterbeek
1997a e 1997b) a adopccedilatildeo dos novos contentores funeraacuterios ortostaacuteticos teria
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 197 de 415
ocorrido numa fase posterior No entanto como se poderaacute verificar adiante a
cronologia absoluta disponiacutevel para a Estremadura e Alentejo ainda que limitada
natildeo indica qualquer tipo de precedecircncia entre as antas das duas regiotildees apesar da
diferenccedila arquitectural ndash em Lisboa antas com cacircmara poligonal e corredor curto
(Carrascal e Pedras Grandes) apresentam dataccedilotildees semelhantes a antas alentejanas
com pequenas cacircmaras (Cabeceira 4 Sobreira 1 e Rabuje 5) num caso
correspondendo a uma sepultura protomegaliacutetica (Cabeccedilo da Areia)
O significado cronoloacutegico entre os dois formatos de antas conhecidas para
Lisboa eacute inconclusivo mesmo depois de se cruzar a informaccedilatildeo disponiacutevel Apesar
dos dados muito limitados eacute possiacutevel admitir a existecircncia de algum polimorfismo
entre sepulcros aparentemente contemporacircneos na medida em que os intervalos de
tempo permitem percebecirc-lo Por exemplo as antas de Casal do Penedo e Arruda
com cacircmaras trapezoidais e aquelas de Monte Abraatildeo e Carcavelos com cacircmaras
poligonais apresentam espoacutelios e dataccedilotildees muito similares o mesmo parece ocorrer
com as antas de Estria e Trigache 3 provavelmente sepulcros erigidos tardiamente
mas que apresentam plantas distintas
Portanto face agraves limitaccedilotildees da anaacutelise tipoloacutegica das antas seraacute com a anaacutelise
dos espoacutelios e suas cronologias relativas e absolutas que se poderaacute eventualmente
obter uma leitura crono-cultural menos difusa para as antas de Lisboa
422 A orientaccedilatildeo prescrita
Os trabalhos sistemaacuteticos desenvolvidos acerca da orientaccedilatildeo geograacutefica das
entradas dos sepulcros enquadrados no Megalitismo do Centro-Sul de Portugal
nomeadamente das antas vieram demonstrar uma tendecircncia geral e constante virada
para nascente sobretudo este-sudeste com algumas excepccedilotildees que apenas parecem
confirmar essa verificaccedilatildeo (Gonccedilalves 1993 e 2003e Hoskin e Calado 1998
Hoskin 2001 Oliveira Rocha e Silva 2007)
No caso da regiatildeo de Lisboa Michael Hoskin (2001) havia registado a
orientaccedilatildeo de algumas das antas e outros sepulcros bem como se conheciam as
mediccedilotildees actualizadas para as necroacutepoles de grutas artificiais de Alapraia
(Gonccedilalves 2003e) e Casal do Pardo (Soares 2003) Contudo quedavam-se por
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 198 de 415
conhecer de forma sistemaacutetica as orientaccedilotildees de vaacuterias antas Isso foi realizado para
os sepulcros sobreviventes e passiacuteveis de mediccedilatildeo dentro das circunstacircncias
possiacuteveis em colaboraccedilatildeo com Cacircndido Marciano da Silva durante o ano de 2004
optando-se por rever as orientaccedilotildees daqueles abordados por M Hoskin (2001) Os
valores apresentados devem ser encarados como preliminares pois pretende realizar-
se uma segunda ronda de mediccedilotildees
Os resultados obtidos para as antas confluem com aqueles apresentados
anteriormente mantendo-se a mesma tendecircncia de orientaccedilatildeo a nascente com as
provaacuteveis variaccedilotildees Algumas resultaram talvez do momento sazonal em que teraacute
sido definido o alinhamento do sepulcro a construir Outras diferenccedilas entre as
leituras registadas deveram-se com probabilidade ao grau de subjectividade
implicado no estabelecimento do alinhamento medido bem como em alguns casos
pela degradaccedilatildeo ou melhoria das condiccedilotildees de visibilidade do local no momento da
visita
Finalmente em algumas antas apenas se pode utilizar os valores registados por
outros investigadores desconhecendo-se se a declinaccedilatildeo magneacutetica foi corrigida
nomeadamente pelo casal Leisner (Leisner 1965) ou somente pela representaccedilatildeo
graacutefica disponiacutevel como aquelas de Trigache e Conchadas obtidas a partir dos
apontamentos de F C Ribeiro (Leisner e Ferreira 1959 e 1961) No caso de
Trigache 1 a leitura proposta natildeo foi utilizada por ser ainda menos fiaacutevel dado o
estado de destruiccedilatildeo do sepulcro No entanto apesar das limitaccedilotildees referidas
considerei como relativamente verosiacutemeis as leituras conhecidas destes sepulcros
desaparecidos sobretudo porque se aproximam dos valores obtidos recentemente
com objectivos especiacuteficos e maior rigor
Apesar de todas as condicionantes enumeradas o caso da anta da Estria
destaca-se pela diferenccedila Como refiro noutros pontos deste trabalho alguns motivos
teratildeo contribuiacutedo para este desalinhamento A implantaccedilatildeo num ponto faacutecil de
escavar e que facilitava a instalaccedilatildeo do sepulcro em detrimento da orientaccedilatildeo
prescrita teraacute sido com certeza um desses motivos mas o facto de tal ter sido
admitido consubstancia uma razatildeo superestrutural o decliacutenio da importacircncia de
prescriccedilatildeo da orientaccedilatildeo da anta a nascente ndash ainda que se mantivessem outros
preceitos Esta impressatildeo parece reforccedilada pela cronologia relativa e absoluta
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 199 de 415
conhecidas para a anta da Estria De facto desta natildeo se conhece espoacutelio
especialmente caracteriacutestico do 4ordm mileacutenio ane como por exemplo geomeacutetricos e
utensiacutelios de pedra polida surgindo apenas espoacutelio melhor integraacutevel no 3ordm mileacutenio
ane ou na transiccedilatildeo para este como um baacuteculo de xisto artefactos de calcaacuterio e
pontas de seta de base cocircncava As duas dataccedilotildees pelo radiocarbono situam-se com
uma probabilidade superior a 90 entre 2900 e 2570 ane (Anexo 3 Quadro 2)
mas requerem-se mais dataccedilotildees para um melhor balizamento cronoloacutegico absoluto
Quadro 5 Orientaccedilatildeo dos acessos das antas tholoi e grutas artificiais da regiatildeo de Lisboa
Siacutetio
Anta
Azimute (Hoskin 2001)
Azimute ( m ) (Mediccedilatildeo preliminar de
C M Silva 2004) Observaccedilatildeo
Monte Abraatildeo 98ordm 99ordm (101ordm) Carrascal 110ordm 94ordm (96ordm) Carcavelos 111ordm 120ordm (122ordm) Mediccedilatildeo apoacutes escavaccedilatildeo Estria 213ordm 212ordm (217ordm) Pedras Grandes - 128ordm (130ordm) Mediccedilatildeo apoacutes restauro Monte Serves - 112ordm (114ordm) Pedra dos Mouros - nm E-SE Casaiacutenhos - 112ordm (114ordm) Alto da Toupeira 1 - 126ordm (128ordm) Casal do Penedo - 90ordm Leisner 1965 Arruda - 112ordm Planta de Vasconcelos 1898 Trigache 2 - 115ordm Leisner 1965 Trigache 3 - 135ordm Leisner 1965 Trigache 4 - 135ordm Leisner 1965 Conchadas - 115ordm Leisner 1965 Pedras da Granja - 110ordm Planta de Zbyszweski et al 1977 Trigache 1 - 80ordm Leisner 1965 Batalhas - - Sem informaccedilatildeo
Tholos Tituaria 105ordm 105ordm (107ordm) Satildeo Martinho 1 118ordm 123ordm (125ordm) Monge 152ordm 210ordm (212ordm) Praia das Maccedilatildes - 48ordm (50ordm) 70ordm segundo V Leisner (1965)
Bela Vista 80ordm nm Pseudo-tholos Orientaccedilatildeo inicialmente publicada (Mello et al 1961) eacute divergente
Barro (Alta Estremadura) 160ordm nm
Paimogo 1 (Alta Estremadura) - 115ordm Planta de Spindler e Gallay
1972 Gruta artificial
Vila Chatilde 1 38ordm nm Vila Chatilde 2 153ordm nm Vila Chatilde 3 174ordm nm Alapraia 1 109ordm nm Alapraia 2 166ordm nm Alapraia 3 118ordm nm Alapraia 4 109ordm nm
Mediccedilotildees de V S Gonccedilalves (2003e) em grados convertidas para graus ndash correcccedilatildeo da declinaccedilatildeo desconhecida
Casal do Pardo 1 102ordm nm Casal do Pardo 2 29ordm nm Casal do Pardo 3 201ordm nm
Mediccedilotildees de J Soares (2003) Correcccedilatildeo da declinaccedilatildeo desconhecida
Folha das Barradas - 270ordm Planta de C Ribeiro (1880) m ndash azimute magneacutetico (obtido com buacutessola e corrigido agrave esquerda azimute verdadeiro usando uma declinaccedilatildeo de 2ordmW nm ndash natildeo medido
A anta da Estria poderia entatildeo marcar um momento em que os preceitos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 200 de 415
maacutegico-religiosos estabelecidos do Megalitismo se haviam modificado De facto
esta estrutura poderia representar um dos uacuteltimos edifiacutecios daquele tipo construiacutedos
na regiatildeo de Lisboa algures na transiccedilatildeo dos mileacutenios
Portanto a excepccedilatildeo descrita parece confirmar para as restantes antas a regra
do alinhamento para nascente este-sudeste situaccedilatildeo recorrentemente verificada nos
trabalhos jaacute referidos (Gonccedilalves 1993 e 2003e Hoskin e Calado 1998 Hoskin
2001 Oliveira Rocha e Silva 2007) Se a este preceito juntar-se o padratildeo mais ou
menos definido das antas com cacircmaras poligonais com sete esteios com e sem
corredor mais ou menos curto cujas cronologias absolutas conhecidas afiguram
situaacute-las essencialmente entre os meados e o final do 4ordm mileacutenio ane algo tambeacutem
verificado genericamente no resto do Centro-Sul de Portugal entatildeo isso poderaacute
realccedilar um periacuteodo de apogeu deste cacircnone relativamente mais curto que o
fenoacutemeno do Megalitismo abrangido por este trabalho Aliaacutes alguns dos sepulcros
teoricamente mais antigos possivelmente atribuiacuteveis agrave primeira metade e meados do
4ordm mileacutenio ane parecem apresentar as orientaccedilotildees mais discrepantes como se
verificou na regiatildeo de Montemor-o-Novo onde entre as sepulturas protomegaliacuteticas
cerca de 15 destas (10 sepulturas) alinhavam para poente (Oliveira Rocha e Silva
2007) Isto poderia indiciar uma fase de formaccedilatildeo do cacircnone entretanto generalizado
na segunda metade do 4ordm mileacutenio ane mas seria importante ampliar esta leitura
para outras regiotildees nomeadamente alentejanas de forma a confirmar tal hipoacutetese
Segundo M Hoskin (2001) a orientaccedilatildeo dos sepulcros do sudoeste peninsular
teria um motivo astronoacutemico podendo relacionar-se entre outros com os solstiacutecios
de Veratildeo e Inverno os equinoacutecios ou os ciclos lunares Contudo este autor
acreditava que o solstiacutecio de Inverno teria sido o principal denominador comum
dada a concentraccedilatildeo dos alinhamentos obtidos naquele intervalo este-sudeste Face a
esta hipoacutetese o autor ilustrava a questatildeo ldquoas the solstice approached the sunrsquos rising
point had for almost six months been moving south along the horizon and of late the
days had been getting alarmingly short and gloomy Unless the sun called a halt and
reversed the movement of sunrise darkness and cold would take over and human
life would cease Happily at the solstice and no doubt in response to ritual appeals
the sun did stop its alarming southwards progress and began its return with the
promise of a new yearrdquo (Hoskin 2001 p 17)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 201 de 415
Assim aleacutem do alinhamento preponderante do solstiacutecio de Inverno entre as
antas seria possiacutevel admitir que aquelas orientaccedilotildees distintas e minoritaacuterias mas
balizadas pelos dois solstiacutecios poderiam corresponder a momentos peculiares do
ano Entatildeo o eixo destes sepulcros teria sido estabelecido e eventualmente iniciada a
sua construccedilatildeo fora da eacutepoca preferencial
Utilizando as mesmas mediccedilotildees obtidas para os sepulcros da regiatildeo alentejana
Cacircndido Marciano da Silva (2004) propocircs uma nova interpretaccedilatildeo relacionando a
mesma concentraccedilatildeo de orientaccedilotildees com a ldquoLua de Primaverardquo Tal como o Sol
tambeacutem o planeta sateacutelite apresentava um ciclo semelhante ainda que em oposiccedilatildeo agrave
estrela Entre os vaacuterios ciclos lunares o momento em que a Lua e o Sol trocavam de
posiccedilatildeo ao nascer (cross-over) na Primavera perto do equinoacutecio de Veratildeo (ainda
que ocorra outro cruzamento no Outono) teria grande impacto sobre as populaccedilotildees
preacute-histoacutericas sobretudo porque anunciaria o fim da invernia sazonal (Silva 2004)
Esta leitura foi inicialmente proposta para os recintos megaliacuteticos alentejanos (Silva
2000 Silva e Calado 2005) mas entretanto aplicada ao fenoacutemeno funeraacuterio Assim
a construccedilatildeo das antas sob determinada orientaccedilatildeo correspondia agrave manutenccedilatildeo de
uma tradiccedilatildeo anterior (Silva e Calado 2003 e 2005 Oliveira Rocha e Silva 2007
Oliveira e Silva 2006)
Recentemente numa latitude mais setentrional foi avaliada a questatildeo da
orientaccedilatildeo em sepulcros megaliacuteticos da Dinamarca construiacutedos e utilizados durante
sensivelmente o mesmo periacuteodo comparando as possibilidades solar e lunar
levando os autores a inclinar-se para uma preponderacircncia do planeta sateacutelite
(Clausen Einicke e Kjaegaard 2008)
Alguns elementos da tradiccedilatildeo popular e da histoacuteria antiga foram valorizados
para reforccedilar a importacircncia da Lua entre as comunidades humanas do actual territoacuterio
portuguecircs nomeadamente o culto lunar da Serra de Sintra em eacutepoca romana e a
celebraccedilatildeo pascal associada ao ciclo da ldquoLua de Primaverardquo (Oliveira e Silva 2006)
Aquela orientaccedilatildeo eacute tambeacutem validada por exemplos proacuteximos do Megalitismo natildeo
mortuaacuterio e do funeraacuterio nomeadamente representaccedilotildees lunares em alguns menires
constituintes de recintos megaliacuteticos e na regiatildeo de Lisboa com a presenccedila entre o
espoacutelio sepulcral de artefactos de calcaacuterio na forma de crescentes ou com estes
gravados (informaccedilatildeo pessoal de M Calado Oliveira e Silva 2006) Contudo se
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 202 de 415
aceitar que aqueles crescentes foram gravados nos menires no periacuteodo de utilizaccedilatildeo
dos recintos megaliacuteticos ambos os exemplos localizam-se cronologicamente a
montante e jusante respectivamente do periacuteodo em que a maioria das antas foi
erecta inclusive ocorrendo em regiotildees geograficamente distintas Natildeo obstante esta
desvalorizaccedilatildeo de prova natildeo me parece que reprove a existecircncia de algum tipo de
importacircncia para o ciclo lunar assunto que importa continuar a aprofundar
Alguns aspectos da proposta de K Lillios (2004a 2006 e 2008) para os iacutedolos-
placa biomorfos encontrados entre o espoacutelio funeraacuterio das antas poderiam tambeacutem
coadunar-se com a faceta lunar e nocturna das antas Segundo a autora aquele tipo
de placa apresentaria caracteriacutesticas que recordariam a coruja das torres (Tyto Alba)
espeacutecie noctiacutevaga associada a crenccedilas de morte e regeneraccedilatildeofertilidade (Lillios
2004) e que seria avistada com maior facilidade durante as noites com a claridade
lunar no seu auge Contudo esta hipoacutetese poderia relacionar-se tambeacutem o Sol e o
ciclo diaacuterio de luz e trevas
Ainda no campo dos siacutembolos e dos artefactos a presenccedila de siacutembolos solares
em alguns menires bem como em vasos ceracircmicos e em iacutedolos-placa cilindroacuteides e
em falange poderiam advogar pela importacircncia da estrela solar Contudo o
argumento cronoloacutegico da anterioridade e posterioridade daquelas evidecircncias face ao
momento de apogeu da orientaccedilatildeo apontado para a hipoacutetese lunar parece tambeacutem
registar-se nestes casos colocando interrogaccedilotildees semelhantes
Aparte a interessante discussatildeo e possiacuteveis interpretaccedilotildees para a orientaccedilatildeo das
antas torna-se importante tambeacutem avaliar esta caracteriacutestica nos outros tipos de
sepulcros sujeitos ao mesmo leque de condicionalismos referidos acima para as suas
leituras
Os poucos tholoi da Estremadura (onde a regiatildeo de Lisboa se inclui) que
permitiram o registo da sua orientaccedilatildeo parecem apresentar um padratildeo menos
coerente Os tholoi do Barro e do Monge alinharam-se mais para sul
(respectivamente 152ordm e 160ordm) se bem que este uacuteltimo segundo a leitura de C M
Silva (210ordm) poderaacute apontar para sudoeste assemelhando-se a Estria No entanto em
ambos os tholoi natildeo satildeo visiacuteveis constrangimentos que impedissem a sua orientaccedilatildeo
para este-sudeste O tholos de Praia das Maccedilatildes com cerca de 48ordm de orientaccedilatildeo teraacute
sido condicionado pela colina onde foi instalado bem como o pseudo-tholos da
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 203 de 415
Belavista (80ordm)9 visto que foi adossado a um espaccedilo preacute-existente sob um caos de
blocos graniacuteticos ainda que recebendo um paramento em pedra seca semelhante
agravequele utilizado noutros sepulcros do tipo tholoi
A menor coerecircncia de orientaccedilatildeo dos tholoi estremenhos parece verificar-se
tambeacutem em Reguengos de Monsaraz Aiacute vaacuterios casos de tholoi inclusos nos tumuli
de antas apresentam os seus corredores convergindo nas respectivas galerias preacute-
existentes quer do lado norte ou sul sem um padratildeo claro (Leisner e Leisner 1951
Gonccedilalves 1993) indiciando uma preocupaccedilatildeo reduzida com o seu alinhamento de
acordo com os cacircnones precedentes Contudo nestes casos poder-se-ia argumentar
que em uacuteltima instacircncia o acesso aos tholoi utilizava a orientaccedilatildeo anteriormente
instaurada para nascente por vezes prolongada como parece registar-se na
reformulaccedilatildeo do corredor de Olival da Pega 2 (Gonccedilalves 1993 e 2003e) Ainda na
mesma regiatildeo o conjunto de sepulcros do povoado com fossos dos Perdigotildees de que
se conhece melhor os dois pseudo-tholoi ndash sepulcro 1 e 2 ndash agrupados numa bolsa
delimitada por fossos localizada no ponto sudeste do siacutetio ainda que possam existir
outros nas imediaccedilotildees mas fora desta aparentam orientaccedilotildees distintas No entanto
para aleacutem da localizaccedilatildeo no limite sudeste do povoado em ambos os casos as
orientaccedilotildees caiem dentro do quadrante nascente respectivamente 90ordm no sepulcro 1
e 130ordm no sepulcro 2 (Valera 2007) o que parece indicativo da manutenccedilatildeo de
cacircnones anteriores
Considerando a cronologia geneacuterica dos tholoi na primeira metade do 3ordm
mileacutenio ane e sobretudo daqueles de Lisboa que natildeo evidenciam
constrangimentos na sua implantaccedilatildeo julgo que poderia adiantar-se uma explicaccedilatildeo
similar agravequela da anta de Estria Ainda que o cacircnone fosse conhecido e de certa
forma respeitado jaacute natildeo teria a importacircncia evidenciada nos seacuteculos precedentes
As orientaccedilotildees das grutas artificiais apresentam ainda maiores disparidades que
os tholoi Para isso natildeo seraacute estranho o facto de estes sepulcros terem sido escavados
no substrato rochoso encontrando-se sujeitos agrave disponibilidade de espaccedilo e da
capacidade de escavaccedilatildeo com as teacutecnicas e instrumentos disponiacuteveis Contudo
9 A informaccedilatildeo e a planta apresentada inicialmente por Mello e colaboradores (1961) apontava o corredor para oeste V Leisner (1965) repete a mesma planta mas indica uma orientaccedilatildeo de ldquoE5ordmSrdquo proacutexima daquela registada por M Hoskin (2001) Ainda que natildeo tenha sido possiacutevel registaacute-la com exactidatildeo a nossa visita ao local permitiu verificar que o corredor apontava para a metade oriental
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 204 de 415
mesmo entre estes sepulcros eacute possiacutevel verificar uma tendecircncia geral para nascente
ainda que com espectro alargado em Casal do Pardo entre 29ordm e 201ordm e no Casal do
Tojal de Vila Chatilde entre 38ordm e 174ordm ressaltando Folha das Barradas como um caso
extremo pela orientaccedilatildeo oposta de 270ordm Contudo neste uacuteltimo siacutetio apenas se
conhece um uacutenico sepulcro registado por C Ribeiro (1880) ainda no seacuteculo XIX na
sequecircncia de trabalhos rurais que provocaram a sua identificaccedilatildeo e posteriormente
destruiccedilatildeo A avaliaccedilatildeo topograacutefica possiacutevel do local um relevo pouco acentuado e
o seu substrato geoloacutegico margas do TerciaacuterioComplexo de Benfica (SGP 1991)
indiciam a possibilidade da existecircncia de outros sepulcros similares
Apesar da cronologia absoluta das grutas artificiais da Estremadura natildeo se
encontrar bem definida a presenccedila de artefactos de cariz arcaico parece situaacute-las
pelo menos na segunda metade do 4ordm mileacutenio ane prolongando-se o seu uso pelo
mileacutenio seguinte De facto as dataccedilotildees pelo radiocarbono conhecidas ainda que
sejam claras na atribuiccedilatildeo das utilizaccedilotildees mais recentes deixam algumas duacutevidas
quanto agravequelas mais recuadas por motivos de fiabilidade das amostras utilizadas (ver
capiacutetulo 8 e Anexo 3 Quadro 2) Mas a confirmar-se a antiguidade destes sepulcros
durante o referido apogeu do cacircnone astronoacutemico e perante a presenccedila de espoacutelios
funeraacuterios semelhantes agravequeles recolhidos em antas algumas possibilidades satildeo
passiacuteveis de reflexatildeo
1 Estes foram severamente condicionados pelo substrato rochoso tout court
2 Agraves grutas artificiais mais antigas dos respectivos clusters corresponderiam as
orientaccedilotildees tradicionais reflectindo aquelas menos canoacutenicas momentos
cronoloacutegicos onde tal preceito se subjugou a outras circunstacircncias nomeadamente
geoloacutegicas
3 A escolha por este tipo de sepulcro subterracircneo estaria associado a grupos
especiacuteficos que adoptaram soluccedilotildees arquitectoacutenicas distintas por motivos soacutecio-
culturais relegando para segundo plano a importacircncia da orientaccedilatildeo ndash neste caso
colocar-se-ia a questatildeo de poderem ser gente forasteira que ali se instalou ou
indiacutegenas que natildeo adoptaram em plenitude os novos cacircnones funeraacuterios ortostaacuteticos
sendo influenciados por outras formas de enterramento subterracircneo possivelmente
mais proacuteximas daquelas praticadas anteriormente em grutas naturais Eis uma
questatildeo que necessitaraacute de maior aprofundamento eventualmente pelos dados
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 205 de 415
antropoloacutegicos ou esclarecida com um projecto de anaacutelises isotoacutepicas versando natildeo
soacute as paleodietas mas tambeacutem a mobilidade dos indiviacuteduos sepultados destes grupos
Criadas por processos naturais as cavidades naturais apresentam os seus
acessos com alinhamentos pouco padronizaacuteveis Assim algumas das grutas de
Lisboa apresentam-se abertas genericamente para norte (Salemas Salamandras
Cova da Raposa e Fojo dos Morcegos) sul (Tufo Cova do Biguino e Poccedilo Velho)
este e oeste (Carnaxide) e oeste (Ponte da Laje e Castanhais) Por outro lado nas
cavidades de acesso vertical esta questatildeo torna-se ainda mais complexa de definir
eventualmente associada agrave pendente onde se localize
Face ao exposto a prescriccedilatildeo ritual de uma passagem virada para nascente
sobretudo no quadrante este-sudeste parece uma realidade verificaacutevel
maioritariamente para os sepulcros do tipo anta (Fig 126) afigurando-se como
provaacutevel praacutetica canoacutenica essencialmente durante a segunda metade do 4ordm mileacutenio
ane registando-se o decliacutenio gradual da sua importacircncia na primeira metade do
mileacutenio seguinte
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 206 de 415
43 As outras soluccedilotildees sepulcrais
Ainda que este trabalho incida sobre a questatildeo das antas da regiatildeo de Lisboa
como jaacute foi salientado noutros pontos inclusive no capiacutetulo anterior seria uma
abordagem empobrecida se natildeo fossem discutidas ainda que sumariamente os
restantes tipos de sepulcros e as suas implantaccedilotildees Um motivo crucial para tal eacute com
certeza a relativa contemporaneidade das praacuteticas funeraacuterias independentemente do
contentor utilizado verificada atraveacutes dos espoacutelios recolhidos (capiacutetulo 5) e das
dataccedilotildees absolutas obtidas (capiacutetulo 8)
Cavidades naturais
Graccedilas agrave fisiografia da Estremadura e no particular da Baixa Estremadura
regiatildeo onde se encontram as antas de Lisboa a presenccedila de cavidades naturais e a
sua utilizaccedilatildeo satildeo frequentes em alguns casos quase exclusiva como parece ocorrer
na extremidade sul da peniacutensula de Setuacutebal Semelhante quase exclusividade
evidencia-se tambeacutem ao longo do Maciccedilo Calcaacuterio Estremenho na Alta
Estremadura
De acordo com a proposta classificativa de G Zbyszweski (1963) a maioria
das grutas da regiatildeo de Lisboa parece integrar-se no tipo em corredor surgindo nas
escarpas das bancadas alteradas ou nas encostas mais ou menos iacutengremes
proporcionando acessos com diferentes graus de dificuldade A este grupo
pertenceriam as grutas de Salemas (Castro e Ferreira 1972) Salamandras (Harpsoumle e
Ramos 1987) Tufo (Oliveira Silva e Deus 1997) Ponte da Laje (Zbyszweski
Viana e Ferreira 1957) Carnaxide (Cardoso 1995a) Poccedilo Velho (Gonccedilalves 2005)
Porto Covo (Gonccedilalves 2008) e Cova da Raposa (Nogueira 1931) Na referida aacuterea
de Setuacutebal o acesso por poccedilo vertical como na Lapa Furada (Cardoso e Cunha
1995 Cardoso 1997) parece coexistir com outros casos mais acessiacuteveis como a Lapa
do Fumo (Serratildeo e Marques 1971) Nos relevos calcaacuterios setentrionais do Maciccedilo
Estremenho o nuacutemero de grutas com utilizaccedilatildeo funeraacuteria eacute bastante elevado
registando-se grutas extensas como Algar do Bom Santo (Duarte 1998) ou pequenas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 207 de 415
diaacuteclases como Rio Seco (Tereso et al 2006)
O destaque na paisagem da maioria destas grutas-necroacutepole seria bastante
reduzido e mais ainda para os casos de cavidades com acesso vertical No entanto
haveria algumas grutas sobretudo aquelas em corredor que poderiam ter sido mais
facilmente avistadas localmente nomeadamente as grutas de Pedra Furada (Parreira
1985) ou do Tufo (Pereira 1986) denunciadas pelas suas cavidades na face do
escarpado O afeiccediloamento da entrada da gruta de Ponte de Laje delineando um
formato circular da sua entrada (Zbyszweski Viana e Ferreira 1957 Vaultier Roche
e Ferreira 1959 Zbyszweski 1963) realccedilaria aquela cavidade Outra situaccedilatildeo que
poderia ter ocorrido com maior frequecircncia mas que o registo arqueoloacutegico natildeo
permite hoje verificar seria a sinalizaccedilatildeo da entrada da cavidade como parece ter
ocorrido na gruta eventualmente afeiccediloada de Verdelha dos Ruivos (Pedreira do
Casal do Penedo 2) com acesso vertical e assinalada segundo os seus escavadores
por um pequeno monoacutelito fincado junto agrave sua entrada (Leitatildeo et al 1984)
Finalmente a associaccedilatildeo circunstancial de certas cavidades a relevos destacados na
paisagem poderia tambeacutem ter funcionado como marcador destas um pouco agrave
semelhanccedila ainda que numa escala diferente do jaacute referido para as antas de Lisboa
As grutas de Salemas e Salamandras poderiam incluir-se nesta situaccedilatildeo
Como se discutiraacute adiante em muitas destas grutas surgem as primeiras
evidecircncias datadas pelo radiocarbono de praacuteticas enquadradas no fenoacutemeno do
Megalitismo da regiatildeo podendo isso justificar talvez o facto de ateacute o momento se
desconhecerem sepulcros ortostaacuteticos do tipo sepultura protomegaliacutetica e antas de
cacircmara simples na Baixa Estremadura Mas como aquelas cavidades continuaram a
ser utilizadas denunciando essas tradiccedilotildees anteriores isso poderia tambeacutem explicar o
nuacutemero limitado de antas
Grutas artificiais
A questatildeo da tradiccedilatildeo funeraacuteria regional em gruta poderaacute tambeacutem em certa
medida ajudar a perceber o sucesso relativo das grutas artificiais na regiatildeo de
Lisboa e de alguma forma noutras aacutereas da Estremadura nomeadamente na regiatildeo
de Torres Vedras com Cabeccedilo da Arruda 1 (Trindade e Ferreira 1956) Ermegeira
(Heleno 1942 Leisner 1965) e Quinta das Lapas 1 e 2 (Gonccedilalves J 1992) em
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 208 de 415
Caldas da Rainha com a Ribeira de Crastos 1 e 2 (Jordatildeo e Mendes 2000) e
possivelmente em Torres Novas com Ribeira Branca (Leisner 1965) Mas eacute em
redor da desembocadura do Tejo que se regista um nuacutemero superior deste tipo de
sepulcros subterracircneos organizados em clusters designadamente Casal do Pardo
(Leisner 1965 Soares 2003) Satildeo Paulo (Barros e Santo 1997 Silva 2002) Tojal
de Vila Chatilde (Heleno 1933 Leisner 1965) Satildeo Pedro do Estoril e Alapraia (Leisner
1965 Gonccedilalves 2003e) com indicaccedilatildeo de duas outras grutas artificiais no Murtal
(Cardoso G 1991) Outras provaacuteveis grutas artificiais ainda que aparentemente
isoladas satildeo a cacircmara ocidental de Praia das Maccedilatildes (Leisner 1965 Leisner
Zbyszweski e Ferreira 1969) Folha das Barradas (Ribeiro 1880 Leisner 1965) e
Monte do Castelo (Oliveira e Brandatildeo 1969) na peniacutensula de Lisboa e Capuchos na
Arraacutebida (Ferreira 1966)
E Rivero Galaacuten (1986 e 1988) ensaiou para a ldquomitad meridional de la
Peniacutensula Ibeacutericardquo uma classificaccedilatildeo das grutas artificiais estabelecendo o tipo I e II
para sepulcros totalmente escavados no substrato rochoso respectivamente com e
sem acessos definidos e o tipo III para estruturas subterracircneas semi-artificiais pois
utilizariam em parte da sua construccedilatildeo blocos peacutetreos
Na regiatildeo de Lisboa as grutas melhor conhecidas parecem enquadrar-se
genericamente no tipo II subgrupo 1BC com corredor entretanto distinguidas por
V S Gonccedilalves com algumas caracteriacutesticas particulares ldquoum corte longitudinal
fornece uma caracteriacutestica imagem de igloo esquimoacute visto do interior Mas os
corredores satildeo sinuosos e compreendem por vezes uma antecacircmara No topo da
cacircmara de algumas grutas artificiais uma abertura coberta por uma laje permitia a
introduccedilatildeo de mais corpos quando o acesso pelo corredor jaacute natildeo era possiacutevel satildeo
as grutas artificiais tipo coelheirardquo (Gonccedilalves 2003 p 119) Portanto a provaacutevel
existecircncia de laje de fechamento da claraboacuteia apontada bem como em alguns destes
corredores natildeo haver evidecircncia de que fossem integralmente escavados na rocha
pelo contraacuterio apresentando por vezes depressotildees que poderiam ter servido para o
assentamento de linteacuteis casos de Casal do Pardo 2 Alapraia 1 ou Tojal de Vila Chatilde
1 2 e 3 talvez obriguem agrave sua inclusatildeo no tipo III Contudo julgo que para aleacutem da
tipologia mais ou menos rigorosa que as evidecircncias sobreviventes permitem realizar
seraacute de reter a implantaccedilatildeo negativa destes sepulcros que originava uma presenccedila na
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 209 de 415
paisagem bastante discreta tendo implicado sobretudo uma escavaccedilatildeo de um espaccedilo
sepulcral uma gruta artificial e natildeo a erecccedilatildeo de um edifiacutecio como ocorria com as
antas ainda que mesmo essas se poderatildeo considerar de alguma forma espaccedilos
cavernosos artificiais (Oosterbeek 1997a)
O cluster de grutas artificiais da Sobreira de Cima recentemente descoberto e
escavado no Alentejo (Valera Soares e Coelho 2008) apresentava sepulcros com
acesso por poccedilo (Tipo II1A) No entanto um deles tinha um acesso rampado
(possiacutevel Tipo II1B) surgindo com vaacuterias estruturas de calccedilo levando a crer que
aquele sepulcro pelo menos teria algum tipo de estela assinalando a sua entrada
(informaccedilatildeo pessoal de A Valera) Esta possibilidade de sinalizaccedilatildeo jaacute mencionada
para a gruta natural provavelmente afeiccediloada de Verdelha dos Ruivos poderia ter
ocorrido tambeacutem nas grutas artificiais de Lisboa evidecircncia hoje perdida
Tholoi
Os tholoi da regiatildeo de Lisboa e mesmo incluiacutendo os restantes da Estremadura
satildeo em nuacutemero o tipo de sepulcro menos abundante No entanto como se veraacute
adiante (Capiacutetulo 63) os totais de deposiccedilotildees funeraacuterias por sepulcro apresentam-se
superiores aos restantes tipos
V S Gonccedilalves anota que a definiccedilatildeo de tholos ldquorefere-se em Portugal a
monumentos efectivamente muito diferentes entre si tanto em termos morfoloacutegicos
como muito possivelmente cronoloacutegicos Basicamente todos tecircm uma cobertura em
falsa cuacutepula de onde por vezes serem referidos como laquomonumentos de falsa
cuacutepularaquo Os corredores destes monumentos geralmente longos ou muito longos
apresentam tambeacutem variantes construtivas podendo consistir em finos ortoacutestatos ou
em estruturas laquotipo muroraquordquo (Gonccedilalves 2003e p 335-336)
A pretexto da escavaccedilatildeo de dois sepulcros com semelhanccedilas a tholoi do
povoado de Perdigotildees (Valera et al 2000) eacute proposto o abandono da designaccedilatildeo
laquotholosraquo ldquosob pena de perpetuaccedilatildeo de determinados equiacutevocos generalizadoresrdquo
(Valera et al 2000 p 92) Isto porque a referida expressatildeo implicaria ldquofalar de uma
teacutecnica particular de construccedilatildeo arquitectoacutenica para coberturas (ou paredes e
coberturas) de compartimentosrdquo (Valera et al 2000 p 92) Assim argumentava-se
que dos cerca de 60 sepulcros designados como tholoi no actual territoacuterio portuguecircs
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 210 de 415
apenas trecircs exibiriam dados indiscutiacuteveis para a sua adscriccedilatildeo como tal Alcalar 7
(Moraacuten e Parreira 2004 e 2007) Monge (Ribeiro 1880) e Vale Rodrigo 1 (Leisner
1940 Leisner e Leisner 1959)
De facto na maioria dos sepulcros designados como tholoi natildeo se conhece
evidecircncia arqueoloacutegica suficiente que comprove sempre a existecircncia de coberturas
peacutetreas em cuacutepula No entanto os indiacutecios presentes nomeadamente a estrutura
delimitadora da cacircmara quase sempre circular seguida de corredor com extensotildees
variadas em muro com fiadas de pedra ou forrada por lajes mais ou menos finas
poderatildeo ser suficientes para pelo menos admitir um propoacutesito comum de construccedilatildeo
distinto das construccedilotildees ortostaacuteticas ou subterracircneas conhecidas anteriormente
Tambeacutem a possibilidade de utilizaccedilatildeo de materiais lenhosos nas estruturas de
paramento e cobertura entretanto desaparecidas deve ser equacionada pois tal
situaccedilatildeo tem vindo a ser verificada noutras regiotildees europeias onde o fenoacutemeno do
Megalitismo (ainda que com especificidades regionais) tambeacutem se registou (Masset
1997 Chambon 2003 Joussaume 1985 e 2004) Por outro lado o diacircmetro
alargado de alguns sepulcros deste grupo implicaria um ou mais postes centrais de
madeira ou pedra como parece ser sido detectado na Praia das Maccedilatildes (Leisner 1965
Leisner Zbyszweski e Ferreira 1969) mas tais situaccedilotildees satildeo admissiacuteveis para outros
como Tituaria ou Barro (Leisner 1965) na Estremadura ou do Escoural (Santos
1967 Santos e Ferreira 1969) e Perdigotildees no Alentejo
Assim na falta de uma designaccedilatildeo ou expressatildeo novas que melhor enquadrem
estas estruturas funeraacuterias julgo que o termo tholos (tholoi plural) mesmo que
sujeito pelos mais distraiacutedos a alguns equiacutevocos eacute ainda uacutetil e passiacutevel de ser
aplicado a um conjunto de construccedilotildees funeraacuterias que mesmo sem uma evidecircncia
completa e irrefutaacutevel de cuacutepulas peacutetreas se aproximam estruturalmente daquelas
caracteriacutesticas ainda que com variaccedilotildees regionais inclusive nos seus mobiliaacuterios
funeraacuterios Outro argumento para a utilizaccedilatildeo do termo eacute a aparente cronologia
similar entre os sepulcros referidos que surge centrada na primeira metade do 3ordm
mileacutenio ane (ver capiacutetulo 8) de certa forma compatiacutevel com o momento em que a
mesma teacutecnica se encontra aplicada na construccedilatildeo de povoados amuralhados Aliaacutes
aqueles que aconselhavam o abandono da designaccedilatildeo admitiam poreacutem que ldquoestas
formulaccedilotildees arquitectoacutenicas parecem estar associadas a populaccedilotildees enquadradas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 211 de 415
em sistemas religiosos similares manifestando atitudes perante a morte aparentadas
entre si e globalmente reflectindo aspectos essenciais dos sistemas do megalitismo
funeraacuteriordquo (Valera et al 2000 p 93)
Os tholoi da Estremadura apresentam caracteriacutesticas arquitectoacutenicas similares
entre si cacircmaras tendencialmente circulares de diacircmetro consideraacutevel com
paramentos em muro de pedra estendendo-se pelo corredor Todavia o tholos de
Agualva (Ferreira 1953 Leisner 1965) parece ter aplicado ldquogrossos blocosrdquo na
vertical dos troccedilos do corredor e cacircmara a partir do qual neste uacuteltimo espaccedilo
arrancaria a cuacutepula tambeacutem na Tituaria o corredor foi construiacutedo por um misto de
blocos verticais e horizontais (Cardoso et al 1996)
Com a excepccedilatildeo do tholos do Monge onde eacute possiacutevel observar ainda a
construccedilatildeo por fiadas gradualmente salientes nos restantes essas evidecircncias satildeo
menos clarificadoras Contudo para aleacutem do ldquoar de famiacuteliardquo os espoacutelios funeraacuterios
relativamente similares bem como as dataccedilotildees pelo radiocarbono permitem
vislumbrar a sua contemporaneidade
Como foi referido em anteriormente (capiacutetulos 4134 e 4141) alguns
sepulcros outrora classificados como tholoi nomeadamente Trigache 4 e
Conchadas enquadram-se pelas suas caracteriacutesticas no grupo das antas Por outro
lado perante os elementos conhecidos do sepulcro de tipo indefinido de Samarra
(Franccedila e Ferreira 1958) julgo que este poderaacute ter correspondido a um tholos pela
sua implantaccedilatildeo provaacutevel e os inuacutemeros blocos provavelmente restos da construccedilatildeo
misturados com um tipo de espoacutelio frequente neste tipo de sepulcro e de forma
secundaacuteria pela ausecircncia de uma dataccedilatildeo absoluta pelo radiocarbono que recue
aquelas deposiccedilotildees (Silva Ferreira e Codinha 2006 Anexo 3 Quadro 2)
Agrave semelhanccedila das antas de Lisboa tambeacutem os tholoi parecem ter sido
escavados parcialmente no substrato local sendo talvez o caso de Praia das Maccedilatildes
aquele mais evidente Tambeacutem na Tituaria e no Monge tal situaccedilatildeo eacute observaacutevel O
caso jaacute mencionado de Bela Vista apesar de peculiar enquadra-se numa estrateacutegia
de construccedilatildeo semelhante
No Alentejo os tholoi apresentam similar caracteriacutestica semi-subterracircnea
encastrados dentro de tumulus de antas anteriores ou no solo virgem ainda que na
sua maioria os paramentos sejam essencialmente com lajes na vertical mais ou
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 212 de 415
menos finas (Leisner e Leisner 1951 Gonccedilalves 2003d) Haacute contudo excepccedilotildees
como o tholos OP2d (Gonccedilalves 1999a) mas sobretudo no Baixo Alentejo onde
alguns paramentos satildeo em murete (Leisner e Leisner 1959 Leisner 1965)
Recordando a maior concentraccedilatildeo conhecida de tholoi em Los Millares muitos
destes sepulcros tambeacutem aparentam ter sido abertos parcialmente no solo (Leisner e
Leisner 1943 Almagro e Arribas 1963) registando-se ali ambos os tipos de
paramentos
A maioria das implantaccedilotildees dos tholoi conhecidos da Estremadura contrasta
com aquela dos restantes tipos de sepulcros De facto apenas Satildeo Martinho 1 e 2
foram instalados no fundo do vale na base de vertente virada para este-sudeste ndash
aliaacutes o par de tholoi tatildeo proacuteximo eacute tambeacutem por si inusitado Este tipo de sepulcro
tem sido encontrado frequentemente isolado podendo isso dever-se a uma realidade
proacutepria ou a lacuna de investigaccedilatildeo pois Paimogo 1 teria proacuteximo outro sepulcro
provavelmente similar e noutros casos aleacutem Tejo foram detectadas concentraccedilotildees
destes sepulcros na anta de Olival da Pega 2 e possivelmente Olival da Pega 1
(Gonccedilalves 1993 e 2006) em Alcalar (Parreira e Serpa 1995 Moraacuten e Parreira
2004) La Pijotilla (Hurtado 1986 1988 e 1991 Hurtado Mondejar e Pecero 2000)
San Blas (Hurtado 2004) Valencina da La Concepcioacuten (Vargas 2004a e 2004b) e
no jaacute referido Los Millares (Leisner e Leisner 1943 Almagro e Arribas 1963)
Aparte Satildeo Martinho 1 e 2 os restantes tholoi encontram-se em pontos
relativamente cimeiros de vertente (Praia da Maccedilatildes Vaacuterzea Agualva Tituaria e
Paimogo 1) ou nos seus cumes (Monge Bela Vista e Pedreira do Campo) Isto
poderia significar entatildeo uma maior preocupaccedilatildeo com a marcaccedilatildeo da paisagem
situando aqueles sepulcros em pontos altos facilmente avistados e de alguma forma
avistando sobretudo porque provavelmente em redor o coberto florestal seria
reduzido Contudo queda-se por perceber a forma como a cuacutepula ou tecto seria
revestida exteriormente ndash se com uma massa tumular terrosa ou com um paramento
orgacircnico ndash o que contribuiria para uma maior ou menor visibilidade da estrutura na
paisagem
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 213 de 415
44 Poucas antas muitos sepulcros
A fraca representatividade adiantada supra das antas da regiatildeo de Lisboa (cerca
de duas dezenas) no acircmbito do Megalitismo parece um facto ainda mais ampliado se
abranger a restante Estremadura ou se for comparada com os efectivos da regiatildeo
vizinha alentejana (Leisner e Leisner 1959 Leisner 1965 Kalb 1981 1988 e 1989
Rocha 2005)
Na Baixa Estremadura a peniacutensula de Setuacutebal natildeo tem ateacute hoje qualquer anta
identificada apesar de alguns apontamentos antigos registarem a existecircncia de
topoacutenimos que o prenunciariam (Serratildeo 1973 Soares 2003)
Na aacuterea central e setentrional estremenha o inventaacuterio das antas natildeo
ultrapassaraacute a dezena infelizmente muito mal conhecidas dispersas e na maioria jaacute
desaparecidas Isso eacute sugerido por provaacuteveis antas em Alenquer ndash Paiol (Leisner
1965) Cabanas da Torre siacutetio dos Malhatildees (Vasconcelos 1917) e Quinta do Vale
das Lajes (Lucas 1994) em Torres Vedras ndash Serra da Vila que poderaacute corresponder
a um tholos hipoacutetese para a qual me inclino (Leisner 1965) em Alcanena ndash Fonte
Moreira (Leisner 1965) Bombarral ndash Columbeira (CNS- 17654) Alcobaccedila ndash Fontes
Belas (CNS- 5725) Oureacutem ndash Zurrague 1 (CNS- 25072) Tambeacutem da espantosa anta
de Alcobertas (Rio Maior) com uma dimensatildeo consideraacutevel e incorporada na igreja
local como capela lateral (Paccedilo et al 1959 Pereira et al 2008) natildeo se conhece
ainda informaccedilatildeo esclarecedora
O incremento da investigaccedilatildeo da regiatildeo do Alto Ribatejo aacuterea do limite
noroeste das faldas do Maciccedilo Estremenho (Oosterbeek 1994 e 1997b Cruz 1997)
tambeacutem designada por sub-regiatildeo natural nabantina (SEA 1974) poderaacute no entanto
exemplificar que soacute com estudos regionais sistemaacuteticos e focados na respectiva
temaacutetica neste caso das antas seratildeo possiacuteveis dados para uma avaliaccedilatildeo mais
rigorosa da sua presenccedilaausecircncia algo que foi subalternizado face ao estudo das
cavidades naturais dos relevos caacutersicos estremenhos As investigaccedilotildees mencionadas
e a sistematizaccedilatildeo das antas daquela regiatildeo assinalaram concentraccedilotildees destas
algumas entretanto escavadas nomeadamente Val da Laje 1 (Oosterbeek Cruz e
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 214 de 415
Feacutelix 1992) e Rego da Murta 1 e 2 (Figueiredo 2006 e 2007) Os resultados obtidos
ateacute o momento indicam uma aparente clivagem espacial ainda que relativamente
contemporacircnea entre a utilizaccedilatildeo de cavidades naturais na mancha caacutersica sem a
presenccedila de antas face agrave construccedilatildeo e utilizaccedilatildeo destes sepulcros ortostaacuteticos nas
aacutereas limiacutetrofes do maciccedilo antigo com um substrato rochoso de xistos onde natildeo
ocorrem grutas (Oosterbeek 1997b Cruz 1997 Figueiredo 2006 e 2007)
Assim os condicionalismos da investigaccedilatildeo e o impacto antroacutepico poderatildeo ser
apontados como uma explicaccedilatildeo para parte das ausecircncias de antas sobretudo na
Baixa Estremadura Mas mesmo relativizando a questatildeo o cocircmputo geral das antas
manteacutem-se reduzido
Como jaacute referi noutros pontos julgo que a disponibilidade de cavidades
naturais e substratos rochosos que permitiam uma escavaccedilatildeo facilitada de jazigos
teratildeo pesado nas escolhas dos tipos de contentores funeraacuterios utilizados
influenciando essas praacuteticas a um niacutevel super-estrutural Essa escolha que me parece
evidente para a Estremadura tambeacutem teraacute ocorrido noutras regiotildees onde tais
estruturas naturais se encontravam disponiacuteveis ndash a gruta alentejana do Escoural
(Arauacutejo Santos e Cauwe 1993 Arauacutejo e Lejeune 1995) aquelas do Algarve (Straus
et al 1988) ou da parte cacerentildea da Extremadura espanhola (Cerrillo e Gonzaacutelez
2007) seratildeo disso indicadores
Observando a cartografia da regiatildeo (Fig 1 25-30) nota-se uma distribuiccedilatildeo
das antas na aacuterea do Complexo vulcacircnico de Lisboa sobretudo na sua franja sul-
sudoeste termoarredores da actual cidade de Lisboa em alguns casos agrupadas
Outras antas surgem isoladas por vezes proacuteximas de outros tipos de sepulcros
A aacuterea da cidade de Lisboa realccedila o desconhecimento que infelizmente temos
desta Os vestiacutegios de ocupaccedilotildees preacute-histoacutericas no Vale de Alcacircntara e Monsanto
(Jalhay Paccedilo e Ribeiro 1944 Paccedilo e Baacutertholo 1954 Leisner 1965 Ribeiro 1966
Cardoso e Carreira 1995) bem como recentes dados para ocupaccedilotildees na transiccedilatildeo do
5ordm para o 4ordm mileacutenio ane no centro lisboeta (Muralha e Costa 2006 Valera Coelho
e Ferreira 2008) permitem supor a existecircncia de uma densidade humana superior agrave
dos seus restos conhecidos inclusive funeraacuterios pelo menos durante aquele uacuteltimo
mileacutenio O iacutedolo-placa encontrado na Quinta da Farinheira Chelas (Zbyszewski
1950) relembra essa probabilidade
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 215 de 415
Os agrupamentos de antas cuja anaacutelise foi jaacute desenvolvida nos respectivos
capiacutetulos resumem-se na regiatildeo de Lisboa a quatro casos ainda que soacute dois deles de
forma incontroversa Os clusters de Belas e de Trigache aparentam ter sido criados
pelo menos na segunda metade do 4ordm mileacutenio ane ainda que perdurando a sua
importacircncia funeraacuteria ao longo do 3ordm mileacutenio ane Essas situaccedilotildees sugerem a
necropolizaccedilatildeo daqueles espaccedilos no sentido proposto por V O Jorge (1986) Os
outros dois conjuntos de Alto da Toupeira e Verdelha do Ruivo poderatildeo tambeacutem
enquadrar-se como espaccedilos necropolizados ainda que nestes casos associados a
grutas naturais com periacuteodos de ocupaccedilatildeo distintos No primeiro caso com uma
utilizaccedilatildeo anterior ao provaacutevel momento de construccedilatildeo das antas de Alto da Toupeira
1 e 2 e no segundo com uma cavidade eventualmente afeiccediloada () utilizada em
periacuteodo posterior agrave da construccedilatildeo das antas de Casal do Penedo e Monte Serves
As restantes antas da regiatildeo de Lisboa surgem relativamente isoladas sem que
o desconhecimento de outros sepulcros similares nas suas proximidades seja prova
de que natildeo tivessem existido Aliaacutes os testemunhos toponiacutemicos referem-se a
ldquoantasrdquo (no plural) para algumas das aacutereas onde aqueles sepulcros se localizam ndash por
exemplo em Carcavelos e Arruda
Se a proximidade entre antas e grutas naturais ocorreu essa relaccedilatildeo espacial
com as grutas artificiais e os tholoi natildeo foi registada ateacute o momento De facto como
foi referido no capiacutetulo anterior as grutas artificiais surgem em clusters monotiacutepicos
apenas com a excepccedilatildeo conhecida de Praia das Maccedilatildes onde um tholos foi
implantado junto a uma provaacutevel gruta artificial Outro caso de proximidade entre
diferentes tipos de sepulcros mas jaacute a norte da Baixa Estremadura parece registar-se
no Cabeccedilo da Arruda (Trindade e Ferreira 1956 Leisner 1965) ainda que a sua
caracterizaccedilatildeo suscite discussatildeo quanto agrave sua real classificaccedilatildeo A construccedilatildeo de
tholoi no acircmago de tumulus das antas do territoacuterio alentejano de Reguengos de
Monsaraz (Leisner e Leisner 1951 Gonccedilalves 1993) manteacutem-se desconhecida na
regiatildeo de Lisboa e restantes aacutereas estremenhas
Retornando agrave cartografia da regiatildeo de Lisboa (Mapa 1) de imediato notamos
uma aparente exclusividade de grutas naturais e artificiais nas margens da foz do
Tejo sobretudo prolongando-se ateacute a aacuterea de Estoril-Cascais No caso das grutas
artificiais registam-se clusters em Alapraia com 4 sepulcros (CNS-638 Leisner
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 216 de 415
1965 p 91-100) S Pedro do Estoril com 2 (CNS-3031 Leisner et al 1964) e
Murtal com 2 (CNS- 11288 Cardoso G 1991 nordm 164)
Apesar do tholos do Monge (CNS- 3385 Leisner 1965 p 82-85) se encontrar
relativamente isolado na face sul da Serra de Sintra na vertente norte desta parece
notar-se outra concentraccedilatildeo principalmente sobranceira agrave ribeira de Colares Esta
apresenta uma outra diversidade com as cavidades naturais de Castanhais (CNS-
6247 Leisner 1965 p 89) e Estefacircnea (CNS- 19444 AML 2002) os tholoi de Satildeo
Martinho 1 e 2 (CNS- 657 Leisner 1965 p 38-41) o pseudo-tholos da Bela Vista
(CNS- 19452 Leisner 1965 p 85-88) e quiccedilaacute o doacutelmen em S Pedro (capiacutetulo
419) Para norte desta aacuterea detectamos vaacuterios tipos de sepulcros aparentemente
mais dispersos como os tholoi da Praia das Maccedilatildes (CNS- 146 Leisner 1965
Leisner Zbyszweski e Ferreira 1969) e da Vaacuterzea (informaccedilatildeo pessoal de M C
Coelho e T Simotildees Gonccedilalves 2005) a anta de Pedras da Granja (CNS- 91
Zbyszweski et al 1977) a gruta artificial de Folha das Barradas (CNS- 977 Ribeiro
1880 Leisner 1965 p 41-43) e as grutas das Covas da Raposa e do Biguino no
Vale da Calada (Nogueira 1931 Leisner 1965 p 89)
O possiacutevel tholos da Samarra (CNS-3773 Leisner 1965 p 68-70) e a gruta do
Fojo dos Morcegos (CNS- 174 Marques 1971 AML 2002) parecem apontar para
outra eventual concentraccedilatildeo de sepulcros de que os topoacutenimos proacuteximos de Pedranta
(Franccedila e Ferreira 1958) e ldquoantasrdquo poderatildeo ser testemunho
Um outro agrupamento parece vislumbrar-se desta vez com as grutas naturais
de Salemas (CNS- 1707 Castro e Ferreira 1972) Tufo (CNS-10303) e
SalamandrasPenedos ndash Ponte de Lousa (CNS-10305 Harpsoumle e Ramos 1987) e as
antas de Carcavelos (CNS- 3502 Estecircvatildeo e Deus 2000) Alto da Toupeira 1 e 2
(CNS- 3007 Leisner 1965 p 27) e Casaiacutenhos (CNS- 650 Leisner Zbyszweski e
Ferreira 1969)
Para nascente do uacuteltimo grupo registamos o conjunto de Verdelha do Ruivo
com as antas de Monte Serves (CNS- 4792 North Boaventura e Cardoso 2005) e
Casal do Penedo (CNS- 656 Vaultier e Zbyszweski 1951) e a gruta de Verdelha
dos Ruivos (CNS- 12825 Leitatildeo et al 1984)
Finalmente notamos as duas concentraccedilotildees proacuteximas de Trigache e Belas
(Ribeiro 1880 Leisner 1965 Leisner e Ferreira 1959) A primeira congrega
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 217 de 415
apenas as antas de Pedras Grandes (CNS- 648 Ribeiro 1880) Batalhas (CNS- 649
Ribeiro 1880) e Trigache 1 a 4 (CNS- 4733 3857 3789 e 20099) A segunda
concentraccedilatildeo aleacutem do cluster de antas de Monte Abraatildeo (CNS- 655 Ribeiro 1880)
Pedra dos Mouros (CNS- 11301 Ribeiro 1880) e Estria (CNS- 3001 Ribeiro 1880)
tem proacuteximo as antas de Carrascal (CNS- 4295 Ribeiro 1880) e Conchadas (CNS-
2095 Leisner e Ferreira 1959) Registam-se ainda as grutas naturais com possiacutevel
utilizaccedilatildeo funeraacuteria de Colaride (CNS- 3528 Coelho 2002) e Carrascal (AML
2002) esta uacuteltima mais distante e as grutas artificiais do Tojal de Vila Chatilde 1 a 3 e de
Bauacutetas (CNS- 3077 e 1979 Leisner 1965 p 80-82) e os tholoi de Agualva (CNS-
654 Ferreira 1953) e Pedreira do Campo (CNS- 6116 Miranda et al 1999 p 10-
11)
Por fim na peniacutensula de Setuacutebal sobretudo nas faldas este e oeste da Serra da
Arraacutebida conhecem-se apenas grutas naturais e artificiais (Leisner 1965 p 119-138
Serratildeo 1973) com apontamentos natildeo confirmados de antas e uma surpreendente
ausecircncia de tholoi E no entanto a teacutecnica construtiva deste uacuteltimo tipo de sepulcro
era conhecida como o povoado amuralhado de Chibanes (Silva e Soares 1997
Soares 2003) parece demonstrar natildeo sendo surpreendente que algum tholos seja
identificado num futuro proacuteximo
A comparaccedilatildeo entre o efectivo de antas da regiatildeo de Lisboa com outros de
regiotildees alentejanas nomeadamente Reguengos de Monsaraz Elvas ou Montemor-o-
Novo (Leisner e Leisner 1951 e 1959 Rocha 2005) realccedila o seu cocircmputo limitado
Contudo pelo menos num primeiro niacutevel plasmado da realidade se todos os tipos de
sepulcros lisboetas forem considerados face a cada uma das regiotildees alentejanas esses
nuacutemeros aproximam-se realccedilando uma aparente persistecircncia de modelos ortostaacuteticos
no Alentejo provavelmente resultado da tradiccedilatildeo funeraacuteria adaptada agrave
disponibilidade dos elementos naturais
Face agrave questatildeo que encabeccedilava este capiacutetulo laquoPoucas antas muitos
sepulcrosraquo julgo que a resposta eacute evidente Satildeo poucas de facto Mas isso reflectiraacute
um impacto reduzido do fenoacutemeno do Megalitismo na Estremadura Pelo contraacuterio
a variedade de soluccedilotildees estruturais para deposiccedilatildeo dos mortos destas comunidades
indicia uma adaptaccedilatildeo aos territoacuterios ocupados e das suas tradiccedilotildees mas adoptando
ao longo do tempo no essencial as praacuteticas funeraacuterias e os preceitos maacutegico-
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 218 de 415
religiosos entatildeo estabelecidos e generalizados consubstanciados num conjunto de
espoacutelio mobiliaacuterio ainda que por vezes de cariz regional No entanto o ritmo de
adopccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de novos cacircnones natildeo teraacute sido constante nem territorialmente
uniforme podendo quiccedilaacute falar-se de assimetrias regionais entre comunidades
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 219 de 415
5 O(s) espoacutelio(s) funeraacuterio(s)
O espoacutelio das antas de Lisboa natildeo se apresenta homogeacuteneo entre estas
Primeiramente os condicionalismos tafonoacutemicos e posteriormente das proacuteprias
escavaccedilotildees satildeo motivos jaacute discutidos atraacutes Por outro lado a utilizaccedilatildeo funeraacuteria
destas estruturas resultou numa sequecircncia variada de depoacutesitos com significados
funeraacuterio e cronoloacutegico distintos Inclusive em muitos destes sepulcros a maioria do
material foi recolhido nos seus corredores visto que as cacircmaras se encontravam
semi-destruiacutedas ou parcialmente espoliadas o que teraacute ocorrido nas antas de
Trigache Conchadas e Casaiacutenhos Essa situaccedilatildeo obsta agrave seguranccedila de certas ilaccedilotildees
micro-espaciais como por exemplo as concentraccedilotildees de recipientes ceracircmicos
defronte da entrada dos sepulcros ou o depoacutesito de utensiacutelios de pedra polida
normalmente no corredor ou na transiccedilatildeo para a cacircmara
Em algumas antas nomeadamente Pedras da Granja Monte Abraatildeo Trigache
3 Trigache 2 e Casaiacutenhos o espoacutelio recolhido foi relativamente abundante
denunciando uma utilizaccedilatildeo intensa e prolongada daqueles sepulcros Noutras o
espoacutelio revelou-se escasso (Quadro 37) Para aleacutem das vicissitudes referidas nos
respectivos capiacutetulos monograacuteficos isso poderaacute relacionar-se em algumas situaccedilotildees
com curtos periacuteodos de utilizaccedilatildeo caso do Carrascal onde parece registar-se
quantidades aproximadas de espoacutelio funeraacuterio e indiviacuteduos depositados Contudo
noutros casos como Carcavelos o elevado nuacutemero de indiviacuteduos depositados faria
esperar um conjunto artefactual mais elevado e variado do que aquele recolhido
podendo isso reflectir um espoacutelio pereciacutevel ou praacuteticas funeraacuterias distintas
Face agraves limitaccedilotildees expressas acima a anaacutelise do espoacutelio incidiu essencialmente
numa verificaccedilatildeo de presenccedilas e ausecircncias procurando dessa forma estabelecer
padrotildees entre os espoacutelios funeraacuterios e as suas eventuais cronologias relativas de
utilizaccedilatildeo combinadas com as dataccedilotildees absolutas pelo radiocarbono
Outros estudos poderiam ter sido realizados para o espoacutelio aqui em discussatildeo
Contudo as limitaccedilotildees de tempo e sobretudo financeiras constringiram a sua
realizaccedilatildeo Assim a classificaccedilatildeo das mateacuterias-primas dos materiais liacuteticos de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 220 de 415
extrema importacircncia e interesse limitou-se agraves informaccedilotildees disponibilizadas pelos
seus escavadores cruzadas com os meus conhecimentos baacutesicos de geologia A
anaacutelise de pastas de recipientes ceracircmicos identificados natildeo foi realizada sobretudo
porque esta correspondia sobretudo a ceracircmica de estilo campaniforme cuja
presenccedila nas antas aparenta ser tardia No caso dos artefactos de osso contei com a
colaboraccedilatildeo da arqueozooacuteloga Marta Moreno (ex-CIPAIPA hoje IGESPAR) para
a identificaccedilatildeo das espeacutecies utilizadas na sua manufactura Tambeacutem no caso
particular de Carcavelos graccedilas agrave colaboraccedilatildeo de Marina Arauacutejo Igreja (ex-
CIPAIPA hoje IGESPAR) procedeu-se agrave anaacutelise traceoloacutegica de algumas lacircminas
ovoacuteides
As mediccedilotildees discutidas foram realizadas em miliacutemetros arredondadas agrave
unidade No caso do peso os valores satildeo apresentados em gramas arredondados agrave
unidade
51 Pedra lascada
A abundacircncia de siacutelex na regiatildeo de Lisboa explicaraacute em parte porque os
objectos lascados desta mateacuteria-prima sobretudo artefactos utilitaacuterios sejam os mais
numerosos dentro da maioria das antas (Quadro 37 e 38) O quartzo essencialmente
hialino na forma de cristais daquela mateacuteria eacute o segundo grupo peacutetreo lascado Aleacutem
destes materiais registou-se a presenccedila ocasional de quartzito como raspador
A classificaccedilatildeo global dos objectos lascados teve em conta as propostas
apresentadas por vaacuterios autores (Leroi-Gourhan 1984a e 1984b Senna-Martinez
1989 Inizan et al 1999 Vierra 1922 Carvalho 1996 e 1998b Foranbaher 1999)
por vezes acrescentadas de contributos especiacuteficos devidamente assinalados
No caso dos materiais das antas de Trigache 2 3 e 4 pelos motivos explicados
noutro capiacutetulo regista-se um conjunto significativo de peccedilas que apenas se pode
adscrever especulativamente a sua proveniecircncia especiacutefica Assim decidi inclui-las
nas listagens de materiais mas natildeo foram tratadas na presente anaacutelise
Nuacutecleos
Os nuacutecleos conhecidos resultaram essencialmente da extracccedilatildeo de lamelas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 221 de 415
totalizando 23 peccedilas sobretudo de formatos prismaacutetico e piramidal e apenas trecircs de
lascas Foram obtidos frequentemente em quartzo hialino nalguns casos notando-se
ainda superfiacutecies do cristal original O caraacutecter especial desta mateacuteria-prima parece
reflectido pelo nuacutemero de 16 entre os 23 nuacutecleos de lamelas conhecidos ndash entre as
diversas presenccedilas aquelas das antas de Pedras da Granja e Casaiacutenhos sobressaem
apresentando uma dezena de peccedilas cada
Quadro 6 Mateacuteria-prima dos nuacutecleos recolhidos nas antas de Lisboa
Nuacutecleo Siacutelex Quartzo hialino
Quartzo Total
Lamelas 4 16 3 23 Lascas 1 2 - 3
A presenccedila de nuacutecleos em contextos funeraacuterios considerados antigos eacute pouco
frequente De facto quando se analisa o tipo de espoacutelio dos sepulcros considerados
arcaicos (Leisner e Leisner 1951 e 1959 Leisner 1965 Rocha 2005 Leitatildeo et al
1987) aquelas peccedilas estatildeo ausentes ou constam excepcionalmente em alguns
conjuntos Pelo contraacuterio os nuacutecleos surgem com frequecircncia em sepulcros com
espoacutelios mais abundantes e diversificados parecendo associar-se a um periacuteodo
genericamente o uacuteltimo terccedilo do 4ordm mileacutenio ane quando se verifica aparentemente
uma alteraccedilatildeo dos componentes mobiliaacuterios funeraacuterios perdurando ainda em alguns
sepulcros utilizados na primeira metade do 3ordm mileacutenio ane
Produtos alongados
Os produtos alongados lamelas e lacircminas sem e com retoque surgem em
nuacutemero relativamente elevado em alguns sepulcros Satildeo esmagadoramente de siacutelex
ainda que o quartzo tenha sido utilizado por vezes na obtenccedilatildeo de lamelas ndash num
total de 267 peccedilas sete satildeo de quartzo hialino e uma de quartzo branco Poreacutem este
nuacutemero reduzido de lamelas fica aqueacutem da extracccedilatildeo destas pressentida pelo nuacutemero
de nuacutecleos conhecidos essencialmente daquela mateacuteria-prima Poreacutem aquela
produccedilatildeo poderaacute ter sido efectuada noutro local ou as condiccedilotildees de preservaccedilatildeo e
escavaccedilatildeo dos sepulcros natildeo permitiram a sua recolha
No caso dos produtos alongados da anta de Pedras da Granja utilizaram-se as
medidas apresentadas no cataacutelogo publicado (Zbyszweski et al 1977) pois
desconhece-se actualmente o seu paradeiro
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 222 de 415
A proposta de classificaccedilatildeo de lamelas e lacircminas do Groupe drsquoEtude de
LrsquoEpipaleacuteolithique-Meacutesolithique (GEEM 1969) foi seguida inicialmente Estas
seriam o produto de debitagem com um comprimento igual ou ultrapassando o dobro
da largura das peccedilas No caso das lacircminas deveriam apresentar pelo menos um
comprimento de 50 mm ou superior e uma largura de 12 mm ou mais e as lamelas
teriam um comprimento igual ou superior a 50 mm mas uma largura inferior a 12
mm Poreacutem a anaacutelise realizada veio demonstrar discrepacircncias dos valores obtidos
com aqueles paracircmetros
Assim a distinccedilatildeo entre lamela e lacircmina utilizada por A Valera (1997)
adequou-se melhor ao universo estudado lacircmina seraacute o produto alongado com um
comprimento superior a 2 vezes a largura devendo esta uacuteltima ser igual ou superior a
14 mm enquanto a lamela teraacute um comprimento igual ou inferior a 2 vezes a largura
que deveraacute ser igual ou inferior a 13 mm
A elevada fragmentaccedilatildeo das peccedilas alongadas natildeo permitiu uma avaliaccedilatildeo
alargada da relaccedilatildeo da largura e comprimento reduzindo-se a 18 das peccedilas (49 em
267) Mesmo assim os limites utilizados parecem evidenciar um conjunto
relativamente claro de lamelas face ao das lacircminas (Fig 3 e 131)
Fig 3 Largura e comprimento dos produtos alongados das antas da regiatildeo de Lisboa
0
5
10
15
20
25
30
35
0 25 50 75 100 125 150 175 200
Comprimento (mm)
Larg
ura
(mm
)
Lamelas (13x)Lacircminas (36x)
Devido agrave referida fragmentaccedilatildeo das peccedilas a largura e a espessura revelaram-se
os criteacuterios mais pertinentes para a anaacutelise efectuada verificando-se concentraccedilotildees
relativamente significantes para lamelas e lacircminas (Fig 4 127-130) Nos casos
menos definidos deu-se a primazia ao criteacuterio largura mesmo quando a espessura se
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 223 de 415
assemelhava agrave das lacircminas Semelhante opccedilatildeo foi tambeacutem seguida para a
classificaccedilatildeo das peccedilas completas
Fig 4 Espessura e largura dos produtos alongados das antas da regiatildeo de Lisboa
02468
10121416
0 4 8 12 16 20 24 28 32 36
Largura (mm)
Espe
ssur
a (m
m)
Lamelas (88x)Lacircminas (179x)
Quando se avaliam os criteacuterios largura e espessura dos produtos alongados por
anta (Fig 127-130) naqueles sepulcros com uma cronologia mais recuada (por
exemplo Carrascal e Pedras Grandes ndash ver capiacutetulo 8) parece notar-se uma
tendecircncia para a existecircncia de peccedilas mais delgadas sobretudo inclusas no grupo de
lamelas mas tambeacutem de lacircminas com largura ateacute cerca de 16 mm e espessura
raramente ultrapassando os 5 mm Entretanto nas antas em que a cronologia de
utilizaccedilatildeo conhecida se prolonga pelo 3ordm mileacutenio ane aleacutem das peccedilas com
espessamentos delgados registam-se tambeacutem lacircminas mais largas e espessas o que
poderaacute indiciar um eventual significado crono-tipoloacutegico Aliaacutes situaccedilatildeo
aproximadamente similar era jaacute apontada pelo casal Leisner (1951) acerca do
espoacutelio lascado alongado das antas de Reguengos de Monsaraz Tambeacutem ainda que
numa escala temporal mais ampla essa tendecircncia para o aumento das dimensotildees dos
produtos alongados foi realccedilada por A F Carvalho (1998b) desde contextos
mesoliacuteticos neoliacuteticos (antigos meacutedios e finais) e calcoliacuteticos do Centro e Sul do
actual territoacuterio portuguecircs associada nos periacuteodos finais ao aparecimento de peccedilas
com retoque bifacial como as pontas de seta lacircminas ovoacuteides e laquoalabardasraquo
Portanto ainda que natildeo seja possiacutevel uma destrinccedila segura dos materiais alongados
depositados nas antas este significado cronoloacutegico poderaacute revelar-se vaacutelido ndash aliaacutes
os recentes estudos realizados para as grutas-necroacutepole com cronologias recuadas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 224 de 415
de Lugar do Canto (Cardoso e Carvalho 2008) e Algar do Bom Santo (Carvalho no
prelo) parecem verificar essencialmente a presenccedila de produtos alongados de cariz
delgado
Por outro lado a anaacutelise realizada bem como os estudos referidos suscitam a
possibilidade de uma classificaccedilatildeo dos produtos alongados mais detalhada
designadamente de lamelas lacircminas estreitas e delgadas e lacircminas largas e espessas
(ou robustas) com base numa aparente diferenciaccedilatildeo da largura e espessura de peccedilas
ndash sobretudo se forem considerados como limites para a largura de produtos
alongados os balizamentos de le 9 mm 10-15 mm e ge16 mm Concomitantemente os
dois primeiros conjuntos apresentam essencialmente espessuras iguais ou abaixo de 3
e 5 mm respectivamente e o terceiro acima daquela uacuteltima baliza Poreacutem o
limitado universo em anaacutelise e os limitados dados de outras colecccedilotildees de sepulcros
da regiatildeo natildeo permitiram uma abordagem aprofundada o que seria interessante
testar no futuro com um nuacutemero mais alargado de materiais inclusive com peccedilas de
aacutereas habitacionais De alguma forma M Uerpmann (1995) ao efectuar o estudo dos
materiais do povoado do Zambujal parece registar com base na largura das peccedilas
alongadas intervalos aproximados dos valores agora propostos mas sem precisar a
sua correlaccedilatildeo cronoloacutegica naquele caso quase todo o 3ordm mileacutenio ane Ainda em
contexto habitacional o pequeno conjunto de dois sectores QQ e R de Leceia
(Cardoso Soares e Silva 1996) apesar dos dados limitados parece coincidir com as
impressotildees referidas para alargamento e robustecimento das peccedilas alongadas
Face agrave classificaccedilatildeo bipartida utilizada o nuacutemero de lamelas eacute sempre inferior
ao das lacircminas Entre os conjuntos mais numerosos de lacircminas aquelas com retoque
apresentam-no abrupto e semi-abrupto essencialmente marginal com raros casos
invasores ndash deste uacuteltimo tipo de extensatildeo do retoque registam-se alguns casos
sobretudo nas antas de Monte Abraatildeo e Trigache 3 ainda que percentualmente pouco
significativos normalmente realizados sobre lacircminas largas
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 225 de 415
Quadro 7 Extensatildeo do retoque em produtos alongados das antas da regiatildeo de Lisboa
Anta
Retoque marginal
Retoque invasor
Mte Abraatildeo 35 (85) 6 (15) Trigache 3 21 (72) 8 (28) P Mouros 3 (67) 1 (33) Conchadas 9 (82) 2 (18) Trigache 2 21 (95) 1 (5) Trigache 4 9 (90) 1 (10) Carcavelos 6 (75) 2 (25)
A localizaccedilatildeo do retoque eacute variaacutevel mas nas peccedilas inteiras costuma abarcar
ambos os bordos de forma contiacutenua inclusive as extremidades As peccedilas apresentam
essencialmente secccedilotildees trapezoidais sendo frequente a presenccedila de restos do coacutertex
original
Fig 5 Produtos alongados das antas da regiatildeo de Lisboa por categoria (N=267)
33
5
8
1
30
9
2
6
23
9
6
13
3
1
17
1
4
1
4
1
1
1
6
2
2
11
3
7
4
5
13
1
4
1
5
1
2
4
6
5
2
1
1
1
1
0 5 10 15 20 25 30 35
P Granja
Carrascal
Estria
P Mouros
Mte Abraatildeo
Conchadas
P Grandes
Trigache 4
Trigache 3
Trigache 2
Carcavelos
Casaiacutenhos
C Penedo
Arruda
anta
s
nordm de peccedilas
LamelaLamela retocadaLacircminaLacircmina retocada
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 226 de 415
Geomeacutetricos
Os geomeacutetricos conhecidos nas antas de Lisboa provecircm de apenas dez destes
sepulcros normalmente em reduzido nuacutemero perfazendo um total de 39 peccedilas todas
em siacutelex As antas de Casaiacutenhos e Trigache 2 apresentam os maiores conjuntos
totalizando quase metade dessas peccedilas Estes reduzidos cocircmputos parecem verificar-
se noutros contextos sepulcrais da regiatildeo contrastando com casos excepcionais
designadamente da gruta artificial de Casal do Pardo 3 com cerca de meia centena
de geomeacutetricos (Leisner 1965 Soares 2003) Supra-regionalmente semelhante
representatividade limitada de geomeacutetricos usualmente de siacutelex parece verificar-se
nos sepulcros alentejanos (Leisner 1959 Rocha 2005) com poucas excepccedilotildees
como a anta do Paccedilo A com cerca de meia centena destes artefactos (Rocha 2005)
Poreacutem em algumas antas da Beira Interior surgem casos mais contrastantes
nomeadamente de Carapito 1 Lameira de Cima 1 e Areita com vaacuterias dezenas de
geomeacutetricos (Leisner e Kalb 1998 Gomes 1996 Gomes et al 1998) ou Arquinha
da Moura com largas centenas (Cunha 1993 Cruz et al 2003) Estas concentraccedilotildees
elevadas de geomeacutetricos em sepulcros de regiotildees importadoras do siacutelex (a mateacuteria-
prima da maioria daqueles artefactos) como a Beira Interior e o Alentejo ocorrem
tambeacutem em periacuteodo posterior com os produtos de retoque bifacial designadamente
as pontas de seta e as ldquoalabardasrdquo Tais aglomeraccedilotildees daquelas peccedilas bifaciais foram
salientadas por S Forenbaher (1999) como provaacutevel reflexo da importacircncia e
eventualmente do prestiacutegio social que a sua posse implicaria
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 227 de 415
Fig 6 Efectivos de geomeacutetricos por anta da regiatildeo de Lisboa (N=39)
Carrascal (2x)
Trigache 2 (7x)
Carcavelos (2x)Trigache 4 (5x)
Pedras Grandes (1x)
Casaiacutenhos (11x)
Casal do Penedo (3x)
Pedras da Granja (3x)
Monte Abraatildeo (1x)
Conchadas (4x)
Ao reduzido nuacutemero de elementos acresce a quase exclusividade do
geomeacutetrico monotiacutepico de formato trapezoacuteide maioritariamente assimeacutetrico ndash entre
as 39 peccedilas apenas se regista uma peccedila simeacutetrica em Pedras Grandes e 4
indeterminaacuteveis de outras antas No caso de dois espeacutecimes um de Pedras da Granja
e outro natildeo confirmado de Casaiacutenhos (natildeo localizado) aquelas peccedilas poderiam
corresponder a crescentes ainda que sob reserva
Assim aparente ausecircncia de geomeacutetricos crescentes e triangulares nas antas da
regiatildeo de Lisboa que parece tambeacutem ocorrer genericamente nas grutas artificiais
contrasta com a sua presenccedila geralmente minoritaacuteria em grutas naturais
nomeadamente de Salemas (Castro e Ferreira 1972) Poccedilo Velho (Gonccedilalves
2005b) e Correio-Moacuter (Cardoso et al 2003) ndash exemplos que poderiam alargar-se
pela Estremadura nas grutas de Lugar do Canto (Leitatildeo et al 1987 Cardoso e
Carvalho 2008) Carrascos (Gonccedilalves e Pereira 1974-77) Lapa da Galinha (Saacute
1959) Senhora da Luz 2 (Cardoso Ferreira e Carreira 1996) e Casa da Moura
(Carreira e Cardoso 2001-02) Isso poderia entatildeo reflectir um momento anterior do
megalitismo em que ainda se produziam e depositavam aqueles tipos de geomeacutetricos
entretanto caiacutedos em desuso na segunda metade do 4ordm mileacutenio ane ndash a cronologia
conhecida para o Algar do Bom Santo situada essencialmente naquele periacuteodo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 228 de 415
(Duarte 1998b Anexo 3 Quadro 2) poderia explicar a aparente exclusividade de
geomeacutetricos trapeacutezios (Carvalho no prelo) Nesse sentido as dataccedilotildees absolutas
conhecidas para contextos do Megalitismo na Estremadura (Capiacutetulo 8) apontando
para um uso inicial mais arcaico de cavidades naturais parecem ressalvar essa
situaccedilatildeo quando se comeccedilaram a construir antas na regiatildeo jaacute aquelas armaduras natildeo
eram utilizadas
Os geomeacutetricos foram obtidos sobre lamelas e lacircminas de acordo com os
paracircmetros utilizados essencialmente com secccedilotildees trapezoidais No entanto as suas
dimensotildees seriam enquadraacuteveis no grupo proposto supra de lacircminas delgadas De
facto entre os vaacuterios conjuntos apenas duas peccedilas de Trigache 2 e Casaiacutenhos
ultrapassam a largura de 16 mm concentrando-se a maioria dos restantes abaixo de
14 mm e com 4 mm de espessura ou menos (Fig 7) Esta situaccedilatildeo parece condizer
com aquela jaacute mencionada dos produtos alongados remetendo os geomeacutetricos para
momentos anteriores ao aumento de dimensatildeo daqueles suportes
Fig 7 Largura e espessura dos geomeacutetricos das antas da regiatildeo de Lisboa (N=39)
0
1
2
3
4
5
8 10 12 14 16 18Largura (mm)
Esp
essu
ra (m
m)
Carcavelos (2x) Carrascal (2x) Casaiacutenhos (11x) Casal do Penedo (3x)Conchadas (4x) Monte Abraatildeo (1x) Pedras da Granja (3x) Pedras Grandes (1x)Trigache 2 (6x) Trigache 4 (5x)
Apenas foi possiacutevel registar o comprimento de 25 geomeacutetricos cujo valor
maacuteximo natildeo ultrapassa os 30 mm Esse valor eacute inferior a vaacuterias peccedilas do tipo
trapeacutezio de antas da Beira Interior que por vezes rondam os 40 mm No entanto
quando se comparam as dimensotildees largura e espessura entre os conjuntos de Lisboa
com os congeacuteneres beirotildees eou alentejanos essas diferenccedilas esbatem-se
ressalvando uma relativa padronizaccedilatildeo
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 229 de 415
Fig 8 Largura e espessura dos geomeacutetricos das antas de Lisboa Beira Interior e Alentejo
(N= 53)
0
1
2
3
4
5
6
6 8 10 12 14 16 18 20Largura (mm)
Esp
essu
ra (m
m)
AntasLx (39x) LCima1 (35x) LCima2 (11x) Areita1 (34x) GEscoural (10x) Rabuje 5 (8x)
As truncaturas menores e maiores dos geomeacutetricos trapeacutezios de Lisboa
apresentam-se maioritariamente cocircncavas e sinuosas essencialmente com retoques
directos marginais e abruptos Um entalhe na base menor de 4 geomeacutetricos foi
registado nas antas do Carrascal Casaiacutenhos Casal do Penedo e Conchadas
A maior dimensatildeo dos geomeacutetricos cronologicamente mais recentes tem sido
apontada (Carvalho 1998a e 1998b Marchand 2005 Cardoso e Carvalho 2008) e
tal parece verificar-se tambeacutem nas antas de Lisboa e de outras regiotildees ndash veja-se a
comparaccedilatildeo entre geomeacutetricos trapeacutezios de Valada do Mato Alentejo (Diniz 2007)
um siacutetio de habitaccedilatildeo na transiccedilatildeo do 6ordm para o 5ordm mileacutenio ane e aqueles de
sepulcros adscritos ao fenoacutemeno do Megalitismo (Quadro 40) No entanto essa
maior dimensatildeo aparenta ser uma consequecircncia do processo de crescimento dos
suportes alongados obtidos mais do que um reflexo de um arcaiacutesmo funeraacuterio isto eacute
peccedilas que seriam produzidas propositadamente como espoacutelio funeraacuterio mas jaacute natildeo
utilizadas nas actividades diaacuterias daqueles grupos Ainda que natildeo seja possiacutevel
descartar absolutamente essa possibilidade julgo que eacute de reavaliaacute-la face agrave anaacutelise
das dataccedilotildees disponiacuteveis (Capiacutetulo 82) nos sepulcros onde se registaram apenas
geomeacutetricos algumas dataccedilotildees prolongam-se genericamente ateacute ao uacuteltimo quartel do
4ordm mileacutenio ane periacuteodo de transiccedilatildeo onde parecem desenvolver e generalizar-se os
primeiros produtos com retoque bifacial nomeadamente as pontas de seta que iriam
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 230 de 415
entatildeo substituir os artefactos anteriores com funccedilotildees similares de acordo com alguns
estudos recentes (Carvalho 1998a e 1998b Gibaja e Palomo 2004 Domingo
2005a) e acumulando-se junto com o mobiliaacuterio anteriormente depositado Por outro
lado esta transiccedilatildeo tecnoloacutegica natildeo teraacute sido simultacircnea e imediatamente abrangente
pelo que eacute plausiacutevel a existecircncia de assimetrias entre comunidades e regiotildees
Apesar da assumpccedilatildeo funcional mencionada o objectivo dos geomeacutetricos natildeo
eacute ainda consensual podendo adscrever-se a diversos usos designadamente como
parte de instrumentos de corte ou de arremesso (Domingo 2005b) No entanto os
estudos de traceologia desenvolvidos inclusive com base experimental parecem
inclinar-se de facto para a sua utilizaccedilatildeo como pontas de projeacutectil (Gibaja e Palomo
2004 Domingo 2005 Gibaja 2007 Dias 2008) Portanto isto poderia explicar
parcialmente a substituiccedilatildeo no espoacutelio funeraacuterio de geomeacutetricos por peccedilas de
retoque bifacial ndash pontas de seta ndash que se teriam generalizado nos finais do 4ordm
mileacutenio ane Os geomeacutetricos da regiatildeo de Lisboa reflectiriam essa funcionalidade
ainda que necessitem de uma cabal comprovaccedilatildeo pela traceologia caso tenham
subsistido vestiacutegios de tal uso
Pontas de seta
As pontas de seta satildeo o segundo grupo mais numeroso no universo de
artefactos lascados (N=209) depois dos produtos alongados Esmagadoramente satildeo
de siacutelex e rochas afins registando-se apenas uma peccedila da anta de Pedras da Granja
efectuada em xisto silicioso com base cocircncava Esta relaccedilatildeo maioritaacuteria da mateacuteria-
prima eacute frequente em contexto funeraacuterio da regiatildeo de Lisboa bem como em siacutetios
habitacionais (Leisner 1965 Sousa 1998 e 2000 Forenbaher 1999 Soares 2003)
A presenccedila de pontas de seta eacute conhecida para dez antas aspecto cujo
significado cronoloacutegico seraacute discutido noutro capiacutetulo Aqui importa realccedilar que os
cocircmputos por anta natildeo satildeo similares entre si (Quadro 38) podendo isso representar
uma proporcionalidade face ao nuacutemero de inumados Tal hipoacutetese poderia ser
relativamente compatiacutevel com o efectivo humano das antas de Monte Abraatildeo Estria
Pedras da Granja e Casaiacutenhos (Capiacutetulo 6) Contudo noutros casos tal aproximaccedilatildeo
eacute difiacutecil de sustentar como nas antas de Casal do Penedo e de Carcavelos onde o
nuacutemero deveras reduzido de pontas de seta contrasta com os nuacutemeros miacutenimos de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 231 de 415
indiviacuteduos proporcionalmente elevados Noutros casos designadamente das antas de
Trigache Conchadas e Arruda as circunstacircncias das suas escavaccedilotildees poderatildeo ter
afectado essa anaacutelise Aleacutem das condicionantes referidas haacute que considerar que nem
todas as antas foram sistematicamente (re)utilizadas reflectindo-se esse ritmo
funeraacuterio no espoacutelio votivo recolhido inclusive porque penso que a deposiccedilatildeo de
pontas de seta teraacute sido uma praacutetica generalizada mas limitada no tempo algures
entre o uacuteltimo quartel do 4ordm mileacutenio ane e a primeira metade essencialmente o
primeiro quartel do 3ordm mileacutenio ane como proporei adiante
Quando se compara os efectivos globais por anta ou mesmo de outros
sepulcros estremenhos com aqueles de outras regiotildees nomeadamente Alentejo e
Beira Interior sucede situaccedilatildeo semelhante agravequela referida para os geomeacutetricos ndash de
facto em contexto funeraacuterio apenas Casa da Moura parece ultrapassar a centena de
exemplares de siacutelex (Forenbaher 1999) No entanto ainda que pontualmente
surgem conjuntos de pontas de seta de siacutelex bem acima da centena de peccedilas no
Alentejo na anta da Comenda da Igreja 1 (Leisner 1965 Forenbaher 1999) e
Zambujeiro 1 (informaccedilatildeo pessoal de L Rocha) e na Beira Interior nas antas de
Moinhos de Vento 1 Sobreda e Orca do Tanque (Senna-Martinez 1989 Leisner e
Kalb 1998 Forenbaher 1999) Estas situaccedilotildees para aleacutem de comprovarem claros
intercacircmbios entre comunidades da Estremadura e de outras regiotildees reforccedilam a ideia
de uma apreciaccedilatildeo particular pelo artefacto de siacutelex em zonas distantes da sua origem
(Senna-Martinez 1989 Gonccedilalves 1992 1999a e 2003e Forenbaher 1999)
A anaacutelise das pontas de seta seguiu as propostas de classificaccedilatildeo de S
Forenbaher (1999) com algumas adaptaccedilotildees Aliaacutes as pontas das antas de
Casaiacutenhos Estria e Monte Abraatildeo tinham jaacute sido estudadas no acircmbito daquele
trabalho Contudo porque o inventaacuterio realizado natildeo registou a codificaccedilatildeo de cada
peccedila dificultando a sua revisatildeo optei por efectuar novamente essa classificaccedilatildeo
agora com a devida identificaccedilatildeo unitaacuteria passiacutevel entatildeo de futuras revisotildees
Genericamente as classificaccedilotildees das peccedilas corresponderam agravequelas da anterior
inventariaccedilatildeo com a excepccedilatildeo de alguns casos pouco significativos que se deveram
julgo sobretudo ao grau de subjectividade implicado nestas anaacutelises ndash encontram-se
devidamente assinalados na respectiva listagem de material (Quadro 47)
As pontas de seta do tipo 1 com bases convexas (incluindo as romboacuteides e
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 232 de 415
pedunculadas) surgem com maior frequecircncia no espoacutelio das antas de Lisboa No
universo de 203 pontas recolhidas e tipologicamente classificaacuteveis 156 (77)
pertencem ao tipo 1 seguidas das pontas do tipo 2 com bases cocircncavas e rectas com
apenas 41 peccedilas (20) Aleacutem destes tipos registam-se ainda o tipo 6 foliaacuteceas (4
exemplares 2) e o tipo 3 mitriformes (2 exemplares 1) que podem contabilizar-
se junto respectivamente com os primeiros grupos mencionados As pontas de seta
do tipo 4 e 5 normalmente designadas por tipos Torre-Eifel e alcalarense natildeo se
registaram nos espoacutelios funeraacuterios analisados
Alargando a anaacutelise a outros tipos de sepulcro e agrave restante Estremadura
verifica-se que o tipo 1 surge maioritariamente nos sepulcros (Forenbaher 1999
Figueiredo 2006) sobretudo naqueles com uma cronologia de construccedilatildeo ainda do
4ordm mileacutenio ane No entanto ao comparar-se essa amostragem com contextos
habitacionais as pontas de tipo 1 surgem em reduzido nuacutemero motivo que seraacute
discutido infra
As pontas de tipo 3 mitriformes surgem em alguns sepulcros estremenhos
mas sobretudo em cavidades naturais normalmente na parte setentrional como a
Lapa da Bugalheira Senhora da Luz 2 Buraca da Moura Casa da Moura Cova da
Moura (Leisner 1965 Gonccedilalves J 1990-92a Forenbaher 1999) e pelo menos na
gruta artificial da Ermegeira (Leisner 1965) em todos os casos com efectivos
reduzidos face ao tipo 1 Em menor nuacutemero registam-se ainda as pontas de tipo 6
foliaacuteceas que para aleacutem dos peccedilas mencionadas surgem nas grutas de Cova da
Moura (Forenbaher 1999) e da Casa da Moura (Carreira e Cardoso 2001-02) No
entanto em contextos habitacionais nomeadamente no Outeiro de Satildeo Mamede
Zambujal Penedo Pico Agudo Praganccedila e Leceia (Uerpmann M 1995
Forenbaher 1999 Cardoso 1994 Cardoso e Carreira 2003) as peccedilas mitriformes
assumem presenccedilas mais consideraacuteveis situaccedilatildeo que natildeo se detecta para o tipo das
foliaacuteceas limitadas a alguns casos da Columbeira e Zambujal (Forenbaher 1999)
No caso do Outeiro de Satildeo Mamede a elevada presenccedila de pontas do tipo mitriforme
foi interpretada como resultado de uma concentraccedilatildeoesconderijo em contexto
semelhante agravequele apontado para um conjunto de pontas de seta no fortiacuten 7 de Los
Millares (cit in Forenbaher 1999 e Cardoso e Carreira 2003)
Quanto ao tipo 4 aleacutem de natildeo se verificar nas antas da regiatildeo de Lisboa surge
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 233 de 415
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 234 de 415
raramente noutros tipos de sepulcro nomeadamente nas grutas do Casal do Pardo
(Leisner 1965 taf 101 e 119 Soares 2003) ndash isto porque apenas uma peccedila estaacute
apontada para o sepulcro 3 desconhecendo-se a proveniecircncia especiacutefica das restantes
ndash nas grutas naturais da Casa da Moura (Forenbaher 1999 Carreira e Cardoso 2001-
02) e Furadouro da Rocha Forte (Gonccedilalves J 1990-92a) e no tholos do Barro
(Leisner 1965) O tipo 5 parece ausente dos contextos funeraacuterios estremenhos No
entanto em contextos habitacionais aleacutem do tipo 4 ocorrer mas de forma
minoritaacuteria designadamente no Zambujal Penedo Pico Agudo Praganccedila Outeiro
de Satildeo Mamede e Leceia (Uerpmann M 1995 Forenbaher 1999 Cardoso e
Carreira 2003) alguns exemplares do tipo 5 estatildeo anotados no Zambujal e em
Leceia (Forenbaher 1999)
Quadro 8 Tipologia das pontas de seta das antas da regiatildeo de Lisboa
Apesar da dificuldade em discernir o tipo de suporte utilizado na manufactura
das pontas de seta (Carvalho 1998b) procurei identificaacute-lo (Quadro 39) Os
produtos alongados provavelmente laminares parecem ser usuais (56) ainda que
por vezes tenham sido aproveitadas lascas (7) Haacute no entanto uma percentagem
consideraacutevel (37) de peccedilas indecifraacuteveis De facto o retoque bifacial que estas
peccedilas sofreram normalmente com uma extensatildeo invasora eou cobridora originou o
(Bases convexas romboacuteides e pedunculadas) (Bases rectas e cocircncavas)
Tipologia das pontas
de seta
Tipo 1 T6 Tipo 2 T
3
Anta
10
C 1
10
D 0
10
D 1
10
E 0
10
E 1
10
F 0
20
C 0
20
C 1
20
D 0
20
D 1
20
E 0
20
E 1
20
F 0
30
E 0
10
C 0
Subt
otal
10
B 0
20
A 0
20
B 0
21
B 1
11
B 0
Subt
otal
Sem
cla
ssifi
caccedilatilde
o
Tot
al
Casaiacutenhos 3 2 3 1 4 2 5 3 2 25 2 1 3 28 C do Penedo 1 1 1 1 2 Mte Abraatildeo 4 1 2 3 1 7 5 10 2 13 5 10 1 64 5 7 12 1 77
Trigache 2 2 5 3 3 1 1 1 4 1 3 2 2 28 1 1 1 3 2 33 Trigache 4 1 1 1 Conchadas 2 2 1 1 1 1 1 9 1 1 2 11
P da Granja 3 4 3 3 2 3 1 1 1 1 22 2 1 3 6 28 Carcavelos 2 1 3 2 5 Trigache 3 2 2 1 2 1 8 2 3 5 13
Estria 5 3 2 10 1 11 Total 13 13 16 10 7 3 11 9 19 8 25 5 17 1 4 160 18 2 20 1 2 43 6 209
Segundo a tipologia de S Foranbaher (1999)
desaparecimento de marcas pertinentes para a anaacutelise do suporte utilizado inclusive
reduzindo o seu tamanho (Carvalho 1998b) Contudo as dimensotildees meacutedias
registadas para estas pontas sobretudo a largura e a espessura levam a crer que pelo
menos no que toca agravequelas produzidas sobre suportes alongados estas
corresponderiam essencialmente a lacircminas Enquadradas pela proposta de
classificaccedilatildeo tripartida dos produtos alongados aquelas peccedilas seriam classificadas
maioritariamente como lacircminas delgadas e apenas algumas robustas (Quadro 9)
Quadro 9 Dimensotildees meacutedias das pontas de seta das antas da regiatildeo de Lisboa
Dimensotildees Anta
C L E
Casaiacutenhos 29 20 13 28 4 28 C do Penedo 22 1 16 1 4 2 Mte Abraatildeo 25 39 13 72 4 77
Trigache 2 22 17 13 30 3 33 Trigache 4 - - 16 1 3 1 Conchadas 31 5 14 9 3 11
P da Granja 26 19 13 25 3 28 Carcavelos 33 3 9 3 3 4 Trigache 3 34 7 14 9 4 13
Estria 34 2 12 10 4 10 Total 113 188 207
Em mm C- comprimento L- largura E- espessura - nuacutemero de peccedilas utilizadas nos caacutelculos
O enquadramento crono-tipoloacutegico das pontas de seta conhecidas na
Estremadura recebeu importantes contributos nos uacuteltimos anos sendo hoje algum
consenso possiacutevel pelo menos em torno de certos tipos outros dada a sua longa
diacronia de uso tornam difiacutecil um posicionamento cronoloacutegico especiacutefico Natildeo
obstante eacute hoje exequiacutevel com um pouco mais de rigor situar pelo menos o
aparecimento dos materiais com retoque bifacial concretamente das pontas de seta
O casal Leisner (1943 1951 e 1959) e posteriormente V Leisner (1965 e
1983) apontava como os primeiros tipos de pontas de seta aquelas de base convexa
romboacuteide e pedunculada servindo-se do exemplo da Praia das Maccedilatildes (Leisner
1965) mas tambeacutem dos dados coligidos nos seus trabalhos pela Peniacutensula Ibeacuterica O
retoque daquelas pontas natildeo cobriria totalmente as peccedilas notando-se ainda o seu
suporte laminar original algo que se modificaria nas pontas com bases cocircncavas e
retoque mais abrangente Portanto destacava-se uma certa anterioridade relativa das
pontas de base convexas generalizadas peninsularmente com um posterior
surgimento e expansatildeo de bases cocircncavas a partir da parte meridional peninsular De
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 235 de 415
facto observando a dispersatildeo dos tipos de pontas de seta no Centro e Sul do actual
territoacuterio portuguecircs de forma plasmada nota-se uma preponderacircncia dos tipos 2 e 5
na regiatildeo meridional quase em exclusividade dando lugar nas regiotildees da
Estremadura Alto Alentejo e Beiras a pontas do tipo 1 3 4 e 6 mas onde o tipo 2
ainda marca um presenccedila relativamente abundante (Forenbaher 1999 Gonccedilalves
2003e) Mais para norte a imagem modifica-se agora com tipos quase
exclusivamente de bases convexas (Jorge 1978 Forenbaher 1999) Resta entatildeo
procurar o significado cronoloacutegico para aquela imagem da Estremadura
Ainda que de uma regiatildeo distinta na bacia meacutedia do rio Ebro alguns dos
indiviacuteduos depositados nos sepulcros de S J A Portam Latinam (Vegas 2007) e
Longar (Armendaacuteriz e Irigaray 1993-94 e 1995) apresentavam pontas de seta
enquadraacuteveis no tipo 6 foliaacuteceo cravadas nos seus ossos tendo algumas delas sido a
provaacutevel causa das suas mortes As dataccedilotildees pelo radiocarbono sobre ossos humanos
situaram genericamente algumas daquelas inumaccedilotildees entre os uacuteltimos quatro seacuteculos
do 4ordm mileacutenio ane e o primeiro seacuteculo do seguinte Esse intervalo de tempo eacute
aproximado agraves dataccedilotildees obtidas sobre ossos de fauna ndash hastes de alfinetes de cabelo
ndash e ainda que com menor concordacircncia de carvotildees da cacircmara ocidental do sepulcro
da Praia das Maccedilatildes (Quadro 22) Ora neste espaccedilo apenas foram recolhidas pontas
de seta convexas com bases romboacuteides e pedunculadas (Leisner 1965)
Se a cronologia referida para aquelas presenccedilas de pontas de seta for
considerada juntamente com a utilizaccedilatildeo de geomeacutetricos ainda na segunda metade do
4ordm mileacutenio ane julgo ser plausiacutevel admitir que algures nos uacuteltimos seacuteculos desse
mileacutenio e na transiccedilatildeo para o seguinte se registou a generalizaccedilatildeo do novos modelos
de projeacutectil (Ver capiacutetulo 8) No entanto tal como jaacute salientei atraacutes esta transiccedilatildeo
poderaacute ter decorrido regionalmente de forma assimeacutetrica
A relaccedilatildeo simultaneamente cronoloacutegica e regional das leituras para as pontas
de seta da Estremadura permitiu entatildeo um faseamento relativo Assim S Forenbaher
(1999) sistematizando esse conhecimento admitia como provaacutevel uma anterioridade
cronoloacutegica para as pontas de tipo 1 atribuiacutedas ao ldquoNeoliacutetico finalrdquo mais numerosas
e frequentes em sepulcros (natildeo categorizados) do que em povoados nos quais as
pontas de tipo 2 surgiam em nuacutemeros mais elevados Contudo esta contradiccedilatildeo seria
explicada pelo facto de muitos dos povoados onde tais cocircmputos ocorriam
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 236 de 415
apresentarem fundaccedilotildees ldquocalcoliacuteticasrdquo portanto em momentos posteriores agraves
deposiccedilotildees funeraacuterias com pontas de tipo 1 Poreacutem mesmo nos poucos povoados
escavados extensivamente com ocupaccedilotildees do ldquoNeoliacutetico finalrdquo como Leceia
(Cardoso 1989) a presenccedila de pontas de tipo 1 pareceu ser reduzida (Forenbaher
1999) Aliaacutes nessa mesma fase do povoado registaram-se tambeacutem as primeiras
pontas com bases cocircncavas o que o torna sui generis no panorama estremenho Isto
porque noutros casos conhecidos aquele tipo de projeacutectil foi recolhido em contextos
essencialmente do ldquoCalcoliacutetico inicial eou plenordquo portanto na primeira metade e
meados do 3ordm mileacutenio ane As pontas do tipo 3 (mitriformes) e 4 (Torre-Effeil)
pelos dados conhecidos tambeacutem parecem restringir-se cronologicamente ao mesmo
periacuteodo do 3ordm mileacutenio ane
Por outro lado regionalmente no Alto Alentejo e na Beira Interior apesar de
se verificar uma aparente primazia temporal das pontas de tipo 1 com bases
convexas os percursos tipoloacutegicos posteriores tomaram rumos distintos (Forenbaher
1999) No Alto e Meacutedio Alentejo as pontas de tipo 1 aparentemente mais frequentes
em contextos funeraacuterios e sempre em nuacutemeros reduzidos deram rapidamente lugar
agraves de tipo 2 com bases rectas e cocircncavas frequentes tipo 5 alcalarenses e
excepcionalmente pontas de tipo 3 em alguns grandes sepulcros como a anta da
Comenda da Igreja 1 (Leisner 1959) e a anta do Zambujeiro 1 (informaccedilatildeo pessoal
de L Rocha) Portanto as influecircncias meridionais estariam registadas de forma clara
no 3ordm mileacutenio ane nesta regiatildeo (Gonccedilalves 1989 e 2003e) bem como em contacto
com a Estremadura Na Beira Interior o percurso assemelhou-se ao estremenho
registando-se no 3ordm mileacutenio ane a presenccedila de pontas de tipo 1 e 2 este segundo
minoritariamente em contexto funeraacuterio mas abundante em contexto habitacional
(Leisner e Kalb 1998 Senna-Martinez 1989 Valera 1997) Ainda que
pontualmente o tipo 3 e 5 surge evidenciado na anta de Orca do Tanque (Leisner e
Kalb 1998 Senna-Martinez 1889 Forenbaher 1999) bem como possivelmente o
tipo 4
Assim com os elementos expostos acima ao avaliar os tipos de pontas
presentes e os seus efectivos nas antas da regiatildeo de Lisboa eacute possiacutevel propor que
com algumas excepccedilotildees a maioria das deposiccedilotildees destes projeacutecteis poderaacute ter
ocorrido essencialmente durante os uacuteltimos seacuteculos do 4ordm mileacutenio ane e nos
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 237 de 415
primeiros do 3ordm justificando-se desta forma o caraacutecter minoritaacuterio das pontas de tipo
2 introduzidas em momento posterior Aliaacutes a presenccedila de pontas de tipo 2 e 3 em
exclusivo na anta de Estria e relativamente abundantes em Trigache 3 dois
sepulcros que indiciam ter sido erigidos tardiamente parece reforccedilar essa impressatildeo
Isso tambeacutem ressalta nos espoacutelios dos sepulcros de construccedilatildeo atribuiacutevel
essencialmente ao 3ordm mileacutenio ane como os tholoi onde apesar de um decreacutescimo
de pontas de seta no espoacutelio funeraacuterio as de tipo 2 surgem com frequecircncia junto
com artefactos votivos de calcaacuterio caixas ciliacutendricas de osso e peccedilas de retoque
bifacial como as lacircminas ovoacuteides e algumas grandes pontas foliaacuteceas
Lacircminas ovoacuteides
As peccedilas aqui denominadas lacircminas ovoacuteides surgem na literatura arqueoloacutegica
tambeacutem com outras designaccedilotildees referenciadas sucintamente por S Forenbaher
(1999) como ldquofoicinhasrdquo ldquofacas ovoacuteidesrdquo e ldquolacircminas de foicerdquo tendo este autor
proposto um novo termo que considerou menos comprometedor ndash ldquoovoid bifacesrdquo ndash
bifaces ovoacuteides Para o justificar argumenta que as funcionalidades destas peccedilas
natildeo foiforam ainda claramente estabelecidas nem como instrumento ou parte dele
para corte ou raspagem pelo que se deveria optar por um termo mais isento
Contudo dada a conotaccedilatildeo com a preacute-histoacuteria antiga do termo biface optei por
manter a utilizaccedilatildeo da designaccedilatildeo lacircmina ovoacuteide
Nas antas da regiatildeo de Lisboa as lacircminas ovoacuteides satildeo raras Aliaacutes o estudo
desenvolvido por S Forenbaher acerca destas peccedilas realccedila de forma bastante
marcante alguns aspectos relacionados com estas peccedilas satildeo esmagadoramente de
siacutelex (refere apenas duas de mateacuteria-prima distinta num universo de 377 peccedilas)
surgem sobretudo em contextos habitacionais sendo pouco frequentes em sepulcros
e circunscrevem-se essencialmente agrave plataforma calcaacuteria da Estremadura
De facto fora da Estremadura apenas se conhecem alguns casos alentejanos
provaacuteveis na anta da Comenda da Igreja 1 (Leisner e Leisner 1959) uma possiacutevel
lacircmina ovoacuteide (Forenbaher 1999) onde ocorre tambeacutem a presenccedila de pontas de seta
de tipo 3 mitriforme L Rocha (informaccedilatildeo pessoal) teraacute identificado mais algumas
dessas peccedilas de siacutelex na anta de Zambujeiro 1 Eacutevora e recentemente R Mataloto
(informaccedilatildeo pessoal) exumou dos estratos ldquocalcoliacuteticosrdquo do povoado amuralhado de
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 238 de 415
S Pedro Redondo um conjunto de peccedilas em xisto silicioso que na minha opiniatildeo
se assemelham bastante com as lacircminas ovoacuteides estremenhas excepto na mateacuteria-
prima que condicionou o retoque rasante e invasor
Retornando entatildeo agraves antas de Lisboa as lacircminas ovoacuteides conhecidas
restringem-se a trecircs sepulcros Uma peccedila quebrada de Casal do Penedo outra inteira
de Trigache 3 e cinco de Carcavelos quatro delas completas De acordo com a
tipologia proposta por S Forenbaher (1999) estas peccedilas apresentam formatos
ovoacuteides excepto no caso de Carcavelos onde duas delas seratildeo subrectangulares e
uma terceira apesar de ovoacuteide apresenta uma extensatildeo que poderia servir para
encabamento que tambeacutem poderia registar-se na peccedila de Casal do Penedo
infelizmente quebrada impossibilitando uma leitura mais precisa
Procurando elucidar a eventual funccedilatildeo destes artefactos propus a Marina
Arauacutejo Igreja um pequeno estudo de traceologia do conjunto de cinco peccedilas ovoacuteides
e uma lacircmina retocada (HC800) todas de Carcavelos A observaccedilatildeo das suas
superfiacutecies permitiu registar as seguintes informaccedilotildees a lacircmina apresentava
superfiacutecies alteradas natildeo se tendo verificado qualquer traccedilo de uso das cinco peccedilas
ovoacuteides duas apresentavam as superfiacutecies alteradas (HC129 e HC313) natildeo se tendo
registado qualquer traccedilo de uso o mesmo ocorrendo noutra peccedila com bom estado das
superfiacutecies (HC802) Apenas nas restantes duas com superfiacutecies bem preservadas se
verificaram alguns traccedilos longitudinais de uso passiacuteveis de ser atribuiacutedos ao trabalho
de mateacuteria vegetal (HC801) e vegetal macia (HC320) Para aleacutem da utilizaccedilatildeo
associada a elementos vegetais a ausecircncia de vestiacutegios nestas peccedilas poderaacute dever-se
tambeacutem ao seu caraacutecter funeraacuterio elaboradas propositadamente com esse objectivo
Aliaacutes outra perspectiva suscitada por este pequeno estudo eacute com certeza a
necessidade de mais anaacutelises acerca deste tipo de artefacto ainda que o mesmo se
poderaacute dizer para todo um leque de outros utensiacutelios podendo clarificar com maior
rigor a evidecircncia ou ausecircncia de traccedilos de uso nas peccedilas depositadas
Entretanto jaacute anteriormente em 1966 E Serratildeo e E Vicente (1980) tinham
efectuado uma avaliaccedilatildeo de um conjunto de 10 lacircminas ovoacuteides de contextos
habitacionais (9 de Olelas e uma de Negrais) Dessa anaacutelise concluiacuteram os autores
que aquelas peccedilas teriam sido utilizadas provavelmente como ldquolacircminas cortantesrdquo de
uso domeacutestico ldquopara cortar carnes umas para aguccedilar outras e em casos mais
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 239 de 415
raros para rasparrdquo (Serratildeo e Vicente 1980 p 43) Como se pode concluir natildeo
existe entatildeo consenso quanto ao uso especiacutefico destes artefactos que talvez nunca o
tenham tido mas o seu cariz domeacutestico parece ser o aspecto menos controverso e
talvez o mais relevante Portanto esse cariz explicaria a importacircncia reduzida como
objecto funeraacuterio mas simultaneamente a importacircncia do indiviacuteduo que foi inumado
junto com aquele utensiacutelio
Noutro local (Boaventura no prelo a) realcei a possibilidade de correlaccedilatildeo
deste tipo de instrumento a elementos do sexo eou geacutenero feminino potencialmente
os principais responsaacuteveis pelas lides domeacutesticas mas tambeacutem por outros factores
como a tecnologia ceracircmica e tecircxtil Aliaacutes a sua dispersatildeo limitada essencialmente
na regiatildeo estremenha com uma tipologia muito aproximada poderia relacionar-se
com uma praacutetica patrilocal de troca de mulheres a um niacutevel local e regional Os casos
referidos no Alentejo por ora excepcionais reflectiriam outro niacutevel de trocas e
eventualmente possiacuteveis alianccedilas entre comunidades mas os dados satildeo deveras
limitados para que se possa afirmaacute-lo com seguranccedila
Apesar da jaacute referida presenccedila limitada das lacircminas ovoacuteides noutros sepulcros
estremenhos estas peccedilas surgem ocasionalmente em grutas naturais como Correio-
Moacuter (Cardoso et al 2003) e Poccedilo Velho (Gonccedilalves 2005b) ou na aacuterea norte em
Casa da Moura (Carreira e Cardoso 2001-02) Tambeacutem se registam em grutas
artificiais nomeadamente Alapraia 2 (1 peccedila) e Casal do Pardo (1 peccedila) ainda que
sem sepulcro especificado (Leisner 1965) Contudo eacute nos tholoi que estas peccedilas
surgem com maior frequecircncia normalmente de forma singular designadamente em
Praia das Maccedilatildes Satildeo Martinho 12 (1 peccedila) Monge (1 peccedila) e Agualva (esta uacuteltima
com quatro exemplares10 Samarra que poderaacute ter sido um tholos tambeacutem apresenta
uma peccedila similar Para norte o possiacutevel tholos de Serra da Vila (2 peccedilas) e os tholoi
de Barro (1 peccedila) Cabeccedilo da Arruda 2 (1 peccedila) e Paimogo 1 registam tambeacutem a
presenccedila de lacircminas ovoacuteides ainda que no uacuteltimo sepulcro se conheccedilam 6
espeacutecimes De facto G Gallay e colaboradores (1973) ao discutir esta presenccedila
realccedilavam frequecircncia deste artefacto em sepulcros do tipo tholoi
Cronologicamente a partir dos dados de povoados escavados designadamente
Leceia (Cardoso 1994) e Zambujal (Uerpmann M 1995) as lacircminas ovoacuteides tecircm 10 Incluo aqui o artefacto que S Forenbaher (1999) considerou uma mini-ponta bifacial Apoacutes observaccedilatildeo daquela julgo enquadrar-se melhor como lacircmina ovoacuteide
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 240 de 415
sido atribuiacutedas ao ldquoCalcoliacutetico inicial e plenordquo (Cardoso 1994 Forenbaher 1999)
que se poderaacute situar lato senso entre 2900-2400 ane Este enquadramento parece
coincidir com o tipo de sepulcro com presenccedilas mais frequentes os tholoi No
entanto se estes artefactos perduraram em contexto habitacional a sua valorizaccedilatildeo
funeraacuteria natildeo teraacute ultrapassado provavelmente os meados daquele mileacutenio periacuteodo
em que aparentemente um novo pacote funeraacuterio (campaniforme) comeccedilou a ser
introduzido na regiatildeo de Lisboa de forma mais ou menos sistemaacutetica
Grandes pontas com retoque bifacial
As grandes pontas com retoque bifacial satildeo com certeza outro dos artefactos
presentes nas antas de Lisboa que natildeo atingem efectivos elevados agrave semelhanccedila das
lacircminas ovoacuteides No entanto contrariamente agravequelas estas surgem sobretudo em
contexto funeraacuterio sendo muito raras em locais habitacionais (Forenbaher 1999)
Com a excepccedilatildeo de um fragmento de possiacutevel grande ponta bifacial de Casaiacutenhos e
outro de Trigache 2 (Leisner 1965 taf 16 18) as restantes peccedilas conhecidas das
antas de Lisboa foram tratadas no trabalho de S Forenbaher ainda que sem a
respectiva codificaccedilatildeo o que foi efectuado agora
O formato destas grandes peccedilas bifaciais assemelha-se ao das pontas de seta
mas com as referidas dimensotildees superiores As suas bases satildeo sobretudo rectas ou
ligeiramente convexas por vezes insinuando um peduacutenculo apresentando
maioritariamente um retoque tendencialmente cobridor surgindo 2 peccedilas em cada 3
com polimento parcial (Forenbaher 1999) ndash segundo E Jalhay o casal Leisner
apontava uma predominacircncia dos espeacutecimes estremenhos com as faces polidas face
agravequeles de outras regiotildees normalmente apenas com o retoque bifacial (Leisner e
Leisner 1943 cit in Jalhay 1947) No entanto uma breve consulta do cataacutelogo agora
disponiacutevel (Forenbaher 1999) que multiplicou a informaccedilatildeo disponiacutevel em meados
do seacuteculo 20 tal verificaccedilatildeo natildeo parece ocorrer registando-se peccedilas polidas ou
apenas lascadas em todas as regiotildees
Se em vez da denominaccedilatildeo geral referida estas peccedilas forem categorizadas
como lacircminas de alabardas punhais eou lanccedilas a sua presenccedila eacute ainda mais
reduzida por sepulcro De facto S Forenbaher (1999) na sequecircncia da sua anaacutelise de
205 grandes pontas bifaciais de que apenas 63 foram medidas pessoalmente
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 241 de 415
servindo-se o autor dos dados disponibilizados em publicaccedilatildeo para as restantes
salientava que natildeo tinha sido possiacutevel obter conjuntos mais ou menos destacados
que permitissem uma classificaccedilatildeo determinada de grupos de peccedilas como alabarda e
punhal ou lanccedila As dimensotildees das peccedilas variam geralmente entre 80 e 180 mm de
comprimento por 30 e 90 mm de largura e tecircm uma meacutedia de espessura de 16 mm
com valores miacutenimos rondando os 5 mm O peso destas peccedilas varia entre 10 e 100
gramas Natildeo obstante haacute casos extraordinaacuterios em que tais peccedilas atingem dimensotildees
superiores como o artefacto de Cabecinha Figueira da Foz com cerca de 340 mm de
comprimento e 520 gramas ou de Casal de Barba Pouca com 232 mm de
comprimento e 400 gramas entre outros Aliaacutes alguns desses casos surgem tal
como se realccedilou para os geomeacutetricos e pontas de seta em sepulcros dolmeacutenicos fora
da regiatildeo estremenha na Beira Interior em Moinhos de Vento 1 no Alto Alentejo
em Satildeo Gens 1 ndash Nisa e Boudanha ndash Monforte evidenciando uma vez mais a
especial importacircncia do siacutelex e em particular daqueles artefactos
Apesar das dificuldades referidas acima S Forenbaher (1999 p 91) distinguiu
entre as peccedilas dois grupos com base no tipo de suporte e tipo de retoque Assim
separou as ldquolacircminas apontadasrdquo (Gonccedilalves 2003 p 267) apesar do seu aspecto
aproximado das grandes pontas bifaciais destacam-se pelo seu formato bastante
alongado e por vezes encurvado devido ao suporte laminar O tipo de retoque eacute
bifacial e tendencialmente invasor notando-se normalmente em partes da peccedila
sobretudo na base o negativo original da lacircmina A sua largura raramente ultrapassa
os 25 mm apresentando frequentemente uma secccedilatildeo plano-convexa O outro grupo
engloba as verdadeiras pontas bifaciais obtidas essencialmente sobre blocos de siacutelex
com desbaste e posterior retoque bifacial cobridor Para este uacuteltimo estabeleceu ainda
uma tipologia fundada essencialmente no formato das bases destas peccedilas wide
(largas) intermediate (intermeacutedias) e elongated (alongadas)
A anta de Casaiacutenhos destaca-se entre as suas congeacuteneres pelo nuacutemero (seis)
proporcionalmente elevado de pontas bifaciais Regista-se ali a uacutenica peccedila de tipo
largo com o formato 10 sendo as restantes enquadradas no tipo intermeacutedio com o
formato 1 Nesse grupo podem juntar-se ainda as peccedilas de Monte Abraatildeo e Estria
Aleacutem destas haacute ainda trecircs peccedilas alongadas uma com o formato 4 de Monte Abraatildeo
e duas com o formato 11 da Arruda e da ldquoanta de Belasrdquo (quiccedilaacute Pedra dos Mouros)
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 242 de 415
Na anta da Arruda regista-se outra peccedila alongada de formato 1 que pelas suas
caracteriacutesticas tambeacutem poderia ser incluiacuteda no conjunto das ldquolacircminas apontadasrdquo
Haacute ainda outra peccedila da anta da Estria (MG17101) de caraacutecter aparentemente
votivo e natildeo-funcional feita sobre rocha xisto-anfiboacutelica que parece representar uma
ponta bifacial Esta enquadra-se no tipo intermeacutedio com o formato 1
A cronologia destas grandes pontas bifaciais ainda natildeo estaacute totalmente
definida e esse desiderato passaraacute com certeza pela escavaccedilatildeo de contextos melhor
conservados o que eacute um objectivo bastante ambicioso quando se lida com sepulcros
colectivos sujeitos a constantes perturbaccedilotildees mais ou menos contemporacircneas na
sequecircncia de novas deposiccedilotildees No entanto a atribuiccedilatildeo geneacuterica ao ldquoNeoliacutetico finalrdquo
e ldquoCalcoliacuteticordquo tecircm sido a mais frequente (Forenbaher 1999) Perante as
consideraccedilotildees jaacute desenvolvidas para outros tipos de artefactos lascados julgo que eacute
de ponderar acerca de alguns aspectos pertinentes
O retoque bifacial parece generalizar-se nos uacuteltimos seacuteculos do 4ordm mileacutenio
ane na transiccedilatildeo para o 3ordm momento em que tambeacutem parece possiacutevel verificar a
substituiccedilatildeo dos geomeacutetricos pelas pontas de seta bem como um eventual
robustecimento dos produtos alongados Por outro lado no segundo quartel do 3ordm
mileacutenio ane a presenccedila em contexto funeraacuterio de elementos lascados regista um
decreacutescimo entre os espoacutelios funeraacuterios conhecidos sobretudo naqueles que com
alguma seguranccedila satildeo passiacuteveis de se circunscrever pelo menos genericamente agrave
primeira metade daquele mileacutenio como os tholoi Inclusive a presenccedila de grandes
pontas bifaciais nos tholoi eacute limitada quando comparada com outros sepulcros
nomeadamente grutas naturais e antas Eacute de reter a imagem que o exerciacutecio de S
Forenbaher (1999 p 94) transmite de uma presenccedila elevada daqueles artefactos
nestes uacuteltimos tipos de jazigos face a grutas artificiais e tholoi - mesmo que
relativizada pelo facto de naquele exerciacutecio constarem sepulcros de regiotildees onde
estes uacuteltimos dois uacuteltimos tipos sepulcrais natildeo constarem ou serem raros no estudo
como a Beira Interior e o Alto e Meacutedio Alentejo Finalmente parece existir uma
coincidecircncia ainda que possa ser apenas circunstancial entre a presenccedila de pontas
de seta com bases convexas e as grandes pontas que seria interessante analisar com
maior pormenor Aliaacutes os formatos daquelas grandes peccedilas assemelham-se aos
pequenos elementos de projeacutectil
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 243 de 415
Portanto pelo exposto penso que as grandes pontas bifaciais teriam a sua
introduccedilatildeo e generalizaccedilatildeo nos uacuteltimos seacuteculos do 4ordm mileacutenio ane quiccedilaacute e
sobretudo na transiccedilatildeo para o 3ordm mileacutenio ane mantendo-se a praacutetica da sua
deposiccedilatildeo por mais alguns seacuteculos ainda que gradualmente perdendo importacircncia
durante o segundo quartel desse mileacutenio Estas peccedilas ter-se-iam divulgado entatildeo pela
mesma rede de vias e contactos que jaacute anteriormente permitira a obtenccedilatildeo de
suportes laminares a partir dos quais se produziram geomeacutetricos primeiro e pontas
de seta depois reflectindo a importacircncia funcional mas tambeacutem simboacutelica e social
que o siacutelex e mateacuterias-primas afins em bruto ou jaacute trabalhadas tiveram para as
comunidades das regiotildees sequiosas destes produtos
Raspadores furadores e outras peccedilas lascadas
Registam-se em vaacuterias antas um conjunto de peccedilas lascadas que podem ser de
forma geral categorizadas como raspadores furadores e outras peccedilas lascadas natildeo
especificadas com retoque mais ou menos abrangente No entanto se em alguns
casos o trabalho da peccedila a torna crediacutevel como artefacto funeraacuterio em vaacuterias
situaccedilotildees essa adscriccedilatildeo eacute mais problemaacutetica como se poderaacute confirmar nos
respectivos capiacutetulos monograacuteficos Em aacutereas ricas em siacutelex com evidecircncias do talhe
desta rocha junto dos sepulcros levantam-se reservas Aliaacutes em vaacuterios casos a
presenccedila de restos de talhe e lascas sem retoque por vezes corticais colocam
algumas questotildees que natildeo se anulam mutuamente ter-se-aacute registado o talhe do siacutelex
junto e dentro de algumas antas entre as praacuteticas funeraacuterias houve casos em que os
cadaacuteveres foram cobertos por terras trazidas de contextos habitacionais a construccedilatildeo
da colina tumular a ter existido importou terras do local de habitaccedilatildeo ou de lugares
proacuteximos onde se praticava o talhe do siacutelex ou o sepulcro foi implantado em local
com ocupaccedilatildeo habitacional preacute-existente mas neste caso outros indiacutecios seriam
detectados o que natildeo parece ocorrer Por outro lado a forma como as respectivas
escavaccedilotildees foram realizadas poderaacute ter influenciado a presenccedilaausecircncia de
elementos casos das antas de Arruda e Alto da Toupeira 1 e 2
Face a estas questotildees limitei a abordagem destes elementos agrave sua
representatividade por anta que se revelou mais elevada especialmente naquelas
antas onde existem maiores indiacutecios de possiacuteveis aacutereas de talhe junto delas (Quadro
Rui Boaventura ndash As antas e o Megalitismo da regiatildeo de Lisboa 244 de 415