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AS CONSTELAÇÕES Jonathan Tejeda Quartuccio Instituto de Pesquisas Científicas A Esfera Celeste Quando olhamos para o céu, temos a sensação de que o mesmo está girando ao nosso redor. É como se a Terra estivesse parada no centro de uma enorme esfera preenchida com estrelas, que gira ao nosso redor, trazendo o Sol e o levando embora. Embora essa ideia seja errada (pelo menos temos fortes evidências para que seja), esse modelo nos ajuda a entender o movimento aparente do céu. Todas as estrelas que observamos fazem parte de uma das 88 regiões na qual a esfera celeste é dividida. Essas regiões chamamos de constelações. Podemos imaginar a esfera celeste como uma expansão da esfera terrestre. É como se a Terra fosse uma lâmpada e a esfera celeste um lustre a sua volta. A projeção do polo norte na esfera celeste chamamos de polo celeste norte, e a projeção do polo sul, chamamos de polo celeste sul. A projeção do equador terrestre é o equador celeste. O ponto na esfera celeste bem acima da cabeça do observador é chamador de zênite, enquanto que o oposto (abaixo dos pés) é chamado de nadir. Uma reta imaginária passando pelo zênite e o nadir é o que chamamos de meridiano. O movimento aparente que o Sol faz na esfera celeste é chamado de eclíptica. A eclíptica possui uma inclinação com relação ao equador celeste de 23,5°, e é essa inclinação que ocasiona as diferentes estações do ano. Quando o Sol está na posição de maior angulação na eclíptica, temos os chamados solstícios, que marcam o início do verão ou do inverno. Quando Sol cruza com o equador celeste, temos o chamado equinócio, que marcam o início do outono e da primavera. O equinócio de primavera também é chamado de ponto vernal, e ocorre entre 22 e 23 de março. Ele marca a passagem do Sol do hemisfério sul para o norte, iniciando a primavera (norte) e o outono (sul). Já o equinócio de outono recebe o nome de ponto de libra, e ocorre entre 22 e 23 de setembro.

AS CONSTELAÇÕES · Para o norte temos graus positivos (0° a +90°) e para o sul, graus negativos (0° a -90°). ... onde deu nome árabes às estrelas. Os astrônomos passaram

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AS CONSTELAÇÕES Jonathan Tejeda Quartuccio

Instituto de Pesquisas Científicas

A Esfera Celeste Quando olhamos para o céu, temos a sensação de que o mesmo está girando ao nosso redor. É como se a Terra estivesse parada no centro de uma enorme esfera preenchida com estrelas, que gira ao nosso redor, trazendo o Sol e o levando embora. Embora essa ideia seja errada (pelo menos temos fortes evidências para que seja), esse modelo nos ajuda a entender o movimento aparente do céu. Todas as estrelas que observamos fazem parte de uma das 88 regiões na qual a esfera celeste é dividida. Essas regiões chamamos de constelações. Podemos imaginar a esfera celeste como uma expansão da esfera terrestre. É como se a Terra fosse uma lâmpada e a esfera celeste um lustre a sua volta. A projeção do polo norte na esfera celeste chamamos de polo celeste norte, e a projeção do polo sul, chamamos de polo celeste sul. A projeção do equador terrestre é o equador celeste. O ponto na esfera celeste bem acima da cabeça do observador é chamador de zênite, enquanto que o oposto (abaixo dos pés) é chamado de nadir. Uma reta imaginária passando pelo zênite e o nadir é o que chamamos de meridiano. O movimento aparente que o Sol faz na esfera celeste é chamado de eclíptica. A eclíptica possui uma inclinação com relação ao equador celeste de 23,5°, e é essa inclinação que ocasiona as diferentes estações do ano.

Quando o Sol está na posição de maior angulação na eclíptica, temos os chamados solstícios, que marcam o início do verão ou do inverno. Quando Sol cruza com o equador celeste, temos o chamado equinócio, que marcam o início do outono e da primavera. O equinócio de primavera também é chamado de ponto vernal, e ocorre entre 22 e 23 de março. Ele marca a passagem do Sol do hemisfério sul para o norte, iniciando a primavera (norte) e o outono (sul). Já o equinócio de outono recebe o nome de ponto de libra, e ocorre entre 22 e 23 de setembro.

No globo terrestre temos um sistema de coordenadas dado por latitude e longitude. Contamos a latitude em graus partindo do equador. Para o norte temos graus positivos (0° a +90°) e para o sul, graus negativos (0° a -90°). A latitude é representada por linhas horizontais, paralelas ao equador.

A longitude consiste de linhas verticais, contadas a partir do meridiano de Greenwich de 0° a 180° para o leste ou para o oeste. Assim, é possível determinar algum ponto na superfície do globo terrestre através de suas coordenadas. Para a esfera celeste também temos um sistema

de coordenadas análogo. O chamamos de declinação (DEC., análogo à latitude) e ascensão reta (A.R., análogo a longitude). Contamos a declinação, a partir do equador celeste, em graus, minutos e segundos. Para o norte temos valores positivos e para o sul, valores negativos. A ascensão reta é contada a partir do ponto vernal (não contamos a partir do meridiano de Greenwich devido à rotação da Terra). Partindo desse ponto, medimos a ascensão reta de 0 a 24 horas. Sendo que um círculo contém 360°, cada hora terá:

360

24= 15°

Assim, cada constelação possui uma posição fixa na esfera celeste.

As constelações O céu é estudado desde os povos antigos. Há cerca de 4.000 anos o homem já buscava compreender o céu, embora suas ideias estavam mais centradas em mitologias. Os sumérios e babilônios, povos da Mesopotâmia, foram os primeiros a dividir o céu em regiões contendo conjuntos particulares de estrelas. Essas regiões foram as primeiras constelações. Atribuíam contos mitológicos a elas, dando nomes aos desenhos que viam as estrelas formarem. O escrito mais antigo que temos sobre constelações está registrado no texto Phenomena, de Aratus (século III a.C.). Em Phenomena estão descritas 43 constelações. Porém, a mais importante obra contendo o nome de constelações e estrelas foi escrita por Ptolomeu (final do século II d.C.). Em sua obra, Almagesto, Ptolomeu registra a posição e brilho de mil estrelas e as distribui em 48 constelações. Foi com Ptolomeu que a astronomia se desvinculou da sua antiga irmã: a astrologia. No século X, o astrônomo árabe al-Sufi atualizou o Almagesto em seu Livro das Estrelas Fixas, onde deu nome árabes às estrelas. Os astrônomos passaram a tentar compreender o mecanismo de funcionamento do universo, enquanto que os astrólogos continuaram a estudar a influência da posição dos astros em nossas vidas. É verdade que a astronomia surgiu da astrologia, mas as duas tomaram caminhos diferentes. Hoje, a astrologia está para a astronomia assim como a alquimia está para a química. Um dos mais belos e mais elaborados dos primeiros atlas celestes foi o Uranometria, do astrônomo alemão Johann Bayer, em 1603.

Ele associou letras gregas às estrelas de cada constelação, em ordem alfabética, de acordo com seus brilhos. Assim, uma estrela alpha (𝛼) seria a mais brilhante da constelação. Por exemplo, a estrela alpha Orionis (𝛼 Orionis) é a mais brilhante da constelação de Órion. No ano de 1801 o astrônomo alemão Johann Bode publicou seu atlas Uranographia, onde catalogou mais de 100 constelações (algumas inventadas por ele mesmo). Mas no ano de 1922, a União Astronômica Internacional elaborou, através de um acordo geral, uma lista com 88 constelações, que são as que permanecem até hoje. As constelações, portanto, são áreas delimitadas no céu com estrelas que, aparentemente, formam alguma figura. Dentro das constelações podem surgir os asterismos, que são estrelas formando pequenas figuras (além daquela que determina a constelação). As cartas celestes Muitas constelações foram sendo adicionadas aos catálogos durante os anos. Navegadores, como os holandeses Pieter Dirszoon Keyser e Frederick de Houtmann, catalogaram cerca de 200 estrelas durante suas viagens até as Índias Orientais. Da Europa, eles não conseguiam ver essa região do céu que fica abaixo do horizonte. Hoje, temos cartas celestes para cada região do globo terrestre. Para regiões ao norte, temos a carta que representa o céu polar boreal. Para as regiões ao sul, temos a carta que representa o céu polar austral. Por fim, temos as cartas do céu equatorial, dividida em quatro cartas (para cada época do ano). Essas cartas mostram que nem todas as constelações são visíveis para determinado observador. Tudo vai depender de sua posição no globo.

As 88 constelações Abaixo, temos os nomes das 88 constelações.

Algumas constelações fáceis de se encontrar Muitas vezes não temos a mesma imaginação que os antigos para encontrar fácil as constelações. Mas algumas são mais fáceis de se encontrar. Para quem está no Brasil, seguimos a carta equatorial. Entre dezembro e fevereiro, no começo da noite o céu é dominado pela constelação de Órion, o caçador. Ele é facilmente identificado devido ao conjunto tríplice de estrelas, conhecidas popularmente como as três Marias. Essas três estrelas formam o cinturão de Órion.

Abaixo das três Marias (Alnitak, Alnilam e Mintaka) temos uma região onde é possível observar uma faixa nebular de nuvens. Nessa região, que compreende a espada do caçador, temos a famosa M42, ou nebulosa de Órion. Trata-se de uma região de formação estelar. A estrela mais brilhante dessa constelação é Betelgeuse (𝛼 Orionis), uma supergigante vermelha. Partindo do cinturão de Órion, podemos facilmente identificar outras duas constelações: Touro e Cão Maior.

Com Órion próximo ao zênite, traçamos uma linha reta cerca de alguns graus para noroeste até encontrarmos uma estrela vermelha. Essa estrela será as pontas de um enorme V, e seu nome é Aldebaran (Aldebarã), ou 𝛼 Tauri.

Aldebaran representa o olho do Touro, e as estrelas que formam sua cabeça é um aglomerado aberto chamado de hyades (hiades). Uma região do Touro que consiste em um asterismo é o aglomerado plêiades, formado por nove estrelas. A mais brilhante desse aglomerado é a estrela Alcyone, com uma magnitude de -2,9 (A magnitude representa o brilho da estrela. Estrelas com magnitude positivas são mais difíceis de serem vistas. Nosso Sol possui uma magnitude de -26). A constelação de Touro tem uma história interessante: No ano de 1054, os astrônomos chineses observaram, na ponta de um dos seus chifres, uma supernova. De acordo com os escritos desses astrônomos “uma estrela visitante se tornou, repentinamente, mais brilhante do que a Lua cheia”. Hoje nós vemos os resquícios da estrela que explodiu, a qual chamamos de nebulosa do caranguejo. Voltando para o cinturão do caçador, traçamos uma linha reta em direção ao leste até chegarmos a uma estrela

brilhante e branca. Essa estrela é Sirius, a mais brilhante do céu. Estamos agora na constelação do Cão Maior (Canis Major).

Essa constelação abriga um aglomerado aberto (M41) visível com um pequeno binóculo.

Se traçarmos uma linha reta entre Sirius e Betelgeuse, teremos a base de um enorme triângulo. Traçando duas outras retas a fim de formar mais um vértice, iremos encontrar uma estrela brilhante, Procyon¸ que faz parte da constelação de Cão Menor (uma constelação formada por apenas duas estrelas). Procyon, Sirius e Betelgeuse formam o grande “Triângulo de Inverno”. Quando Cão Maior estiver próximo do zênite, podemos traçar uma linha reta em direção ao sudeste até encontrarmos, próximo do horizonte, o Cruzeiro do Sul. Essa constelação encontra-se abaixo das patas do Centauro. O Cruzeiro do Sul costuma dominar o céu entre março e maio, junto com Centauro. Com um pequeno binóculo ou telescópio, é possível observar um aglomerado de cintilantes estrelas chamado de caixa de jóias (figura abaixo).

Reza a lenda que Órion, o caçador, foi morto pelo Escorpião. Por essa razão as duas constelações não aparecem ao mesmo tempo no céu. Quando o Escorpião está surgindo de um lado no horizonte, Órion está se escondendo no lado oposto. O caçador sempre irá fugir do Escorpião. Essa constelação está bem visível no céu entre junho e agosto, e fica próxima do Cruzeiro.

A estrela mais brilhante dessa constelação é Antares, uma supergigante vermelha que está situada no coração do grande escorpião. Próximo da cauda temos outra constelação fácil de encontrar: Coroa Austral. Trata-se de um belo arco de estrelas. A partir dessas constelações, que são bem mais fáceis de serem notadas, podemos, com o auxílio de uma carta celeste, encontrar outras constelações. Por exemplo, próximo dos braços de Órion, oposto a Touro, temos a constelação de Gêmeos. Ao lado de Gêmeos,

acima de Cão Menor, temos a constelação de Câncer. Próximo da cauda do Escorpião e acima da Coroa Austral, têm-se a constelação de Sagitário. Seguindo uma reta cortando o coração do Escorpião e indo até Sagitário, encontramos em seguida Capricórnio. Se prosseguirmos com essa reta, chegaremos em Aquário e depois Peixes. Acima de Peixes estará Pegasus. Continuando a reta a partir de Peixes, encontramos Aries. Se irmos no sentido oposto, partindo do coração de

Escorpião e dividindo sua cabeça ao meio, chegaremos em Libra. Continuando pela reta chegamos em Vigem e depois Leão, Câncer, Gêmeos, Touro e por fim voltamos para Aries. Esse é o caminho que o Sol faz em seu trajeto aparente ao redor da Terra. Isso implica que, para cada mês do ano, o Sol nasce em uma dessas constelações. Isso deu origem aos doze signos do zodíaco. Continue olhando Observar e tentar compreender o céu é uma atividade tão antiga quanto a própria civilização. Ela nasceu com o homem. Não podemos, então, deixar de praticar tal atividade. Não podemos nos esquecer de olhar para o céu e nos questionar sobre ele. Ele guarda surpresas para nós. Planetas, nebulosas, satélites, estrelas cadentes, galáxias, supernovas... Olhar para o céu é ser um religioso, não no sentido popular da palavra, mas na sua sintaxe do latim “religare”. É buscar se religar com suas origens. Quando olhamos para o céu, estamos olhando para nosso berço cósmico. E isso nos faz sentir que, mesmo que estejamos “boiando” nesse “vazio”, estamos em casa! Continue olhando para o céu!