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AS CULTURAS SILENCIADAS E MARGINALIZADAS NA ESCOLA Jurandir de Almeida Araújo Mestrando em Educação – UNEB Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação FORD. E-mail: [email protected] Josinélia dos Santos Moreira Mestranda em Educação – UNEB Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação FORD. E-mail: [email protected] Rossival Sampaio Morais Professor da Rede Municipal de Ensino de Salvador/BA. E-mail: [email protected] Resumo: A cultura de um povo é transmitida de geração para geração como forma de manter vivos os seus costumes, os seus valores, as suas crenças, as suas tradições e concepções de mundo. No entanto, é comum nas sociedades modernas, particularmente, nas sociedades multiculturais e pluriétnicas a valorização de uma cultura em detrimento de outras. No Brasil, por exemplo, é notória a supervalorização da cultura europeia e a inferiorização das demais, notadamente, as de matrizes africanas. A escola que deveria ser o lugar privilegiado para reverter essa situação ainda não oferece uma educação que atenda aos interesses dos grupos menos favorecidos e historicamente discriminados. O presente artigo tem como objetivo refletir sobre o papel da escola, enquanto transmissora de conhecimento e formadora de identidade, enfocando a diversidade étnica-cultural da sociedade brasileira e a forma como esta é trabalhada no espaço escolar. Por ser um espaço onde a diversidade se faz presente, um local onde os diferentes sujeitos se encontram, assim como, uma zona de conflito permanente, já que diferentes culturas se correlacionam, a escola tem por obrigação referenciar e tornar visíveis em seu currículo essa diversidade de sujeitos e culturas. Palavras-chave: Educação Multicultural – Diversidade – Preconceito – Currículo Introdução Cotidianamente, em todos os espaços sociais, em particular, no ambiente educacional, os grupos menos favorecidos e historicamente discriminados são vítimas de algum tipo de preconceito ou discriminação, quase sempre, relacionado à sua cultura e/ou ao seu pertencimento étnico-racial. Diante do exposto, nos perguntamos: que tipo de direcionamento

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  • AS CULTURAS SILENCIADAS E MARGINALIZADAS NA ESCOLA

    Jurandir de Almeida Arajo Mestrando em Educao UNEB

    Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Ps-Graduao da Fundao FORD. E-mail: [email protected]

    Josinlia dos Santos Moreira

    Mestranda em Educao UNEB Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Ps-Graduao da Fundao FORD.

    E-mail: [email protected]

    Rossival Sampaio Morais Professor da Rede Municipal de Ensino de Salvador/BA.

    E-mail: [email protected]

    Resumo: A cultura de um povo transmitida de gerao para gerao como forma de manter vivos os seus costumes, os seus valores, as suas crenas, as suas tradies e concepes de mundo. No entanto, comum nas sociedades modernas, particularmente, nas sociedades multiculturais e pluritnicas a valorizao de uma cultura em detrimento de outras. No Brasil, por exemplo, notria a supervalorizao da cultura europeia e a inferiorizao das demais, notadamente, as de matrizes africanas. A escola que deveria ser o lugar privilegiado para reverter essa situao ainda no oferece uma educao que atenda aos interesses dos grupos menos favorecidos e historicamente discriminados. O presente artigo tem como objetivo refletir sobre o papel da escola, enquanto transmissora de conhecimento e formadora de identidade, enfocando a diversidade tnica-cultural da sociedade brasileira e a forma como esta trabalhada no espao escolar. Por ser um espao onde a diversidade se faz presente, um local onde os diferentes sujeitos se encontram, assim como, uma zona de conflito permanente, j que diferentes culturas se correlacionam, a escola tem por obrigao referenciar e tornar visveis em seu currculo essa diversidade de sujeitos e culturas. Palavras-chave: Educao Multicultural Diversidade Preconceito Currculo

    Introduo

    Cotidianamente, em todos os espaos sociais, em particular, no ambiente educacional,

    os grupos menos favorecidos e historicamente discriminados so vtimas de algum tipo de

    preconceito ou discriminao, quase sempre, relacionado sua cultura e/ou ao seu

    pertencimento tnico-racial. Diante do exposto, nos perguntamos: que tipo de direcionamento

  • pedaggico tem se desenvolvido nas escolas em relao s diversas culturas? pblico que as

    minorias desfavorecidas continuam tendo suas culturas minimizadas, quando no, silenciadas

    e marginalizadas pelo sistema de ensino.

    A marginalizao das culturas ditas inferiores, a exemplo das culturas negras e

    indgenas, est vinculada a um processo histrico de negao e excluso que vm desde o

    incio da formao do Brasil. Ressaltamos que neste texto o termo culturas marginalizadas

    est sendo usado para referirmos as culturas que no esto inseridas no currculo escolar

    oficial ou esto includas de forma estereotipadas para responder de forma simplista a

    determinados preceitos legais, sem que haja assim uma efetivao de fortalecimentos de

    vnculos mais profundos no que concerne questo curricular.

    Para Macedo (2008, p. 98), a educao brasileira ainda no proporciona aos usurios

    dos equipamentos de ensino o acesso de cada cidado Diversidade Cultural, cultura

    universal que singular de sua comunidade, de sua regio e de seu pas. Complementado o

    pensamento de Macedo, Atade e Morais (2003, p. 85) afirmam que: o projeto pedaggico

    brasileiro exgeno e xenfobo. As concepes de educao so aliengenas e no se

    priorizam as especificidades tnico-culturais dos diversos grupos sociais que interagem no

    espao escolar.

    Sendo a escola um espao onde a diversidade se faz presente, um local onde os

    diferentes sujeitos se encontram, assim como, uma zona de conflito permanente, j que

    diferentes culturas se correlacionam, esta tem por obrigao referenciar e tornar visveis em

    seu currculo essa diversidade de sujeitos e culturas. Como observa Candau (2007, p. 13),

    no h educao que no esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa.

    Neste sentido, no possvel conceber uma experincia pedaggica desculturizada, isto ,

    desvinculada totalmente das questes culturais da sociedade. Portanto, como afirma

    Santom (1995, p. 176), as salas de aula no podem continuar sendo um lugar de

    informaes descontextualizadas. preciso que o alunado possa compreender bem quais so

    as diferentes concepes de mundo que se ocultam sob cada uma delas e os principais

    problemas da sociedade a que pertencem.

    As reflexes que ora apresentamos neste artigo tem por objetivo questionar sobre o

    papel da escola, enquanto transmissora de conhecimento e formadora de identidade,

    enfocando a diversidade tnica-cultural da sociedade brasileira e a forma como esta

  • trabalhada no espao escolar. Estas reflexes foram realizadas luz dos tericos que estudam

    a temtica, tais como: Bourdieu (1998), Candau (2010), Candau e Moreira (2003, 2008),

    Gadotti (1992), Gomes (1999), Macedo (2008), Santom (1995) entre outros. Ressaltamos

    que no temos a pretenso de fazer uma reviso exaustiva da literatura que aborda a temtica,

    mesmo porque no temos espaos e nossa proposta trazer para a discusso alguns pontos

    importantes para se pensa uma educao das relaes tnico-raciais, como nos orientam as

    leis 10.639/03 e 11.645/08 e as diretrizes curriculares nacionais.

    Silenciamento e marginalizao: o xis da questo

    O silenciamento e a marginalizao das culturas consideradas inferiores pela cultura

    hegemnica, ou seja, a cultura europeia, no ambiente escolar ocorre de vrias formas e

    maneiras, principalmente, no currculo e nos materiais didticos. Mesmo em cidades cuja

    populao majoritariamente afrodescendente, por exemplo, a cidade de Salvador, na Bahia,

    percebe-se que as escolas, em sua maioria, negam saberes e conhecimentos dos grupos

    historicamente discriminados, ratificando a forma tradicionalista e reprodutivista como a

    educao vem se perpetuando. Como assinala Arroyo (2007, p. 119):

    O sistema escolar tem sido uma das instituies mais reguladoras da sociedade. Regula os tempos de pesquisa e os conhecimentos que considera como legtimos, regula os valores, culturas, memrias, identidades a partir de padres universalistas ou generalistas construdos sem um dilogo com a alteridade e a diversidade.

    A diversidade tnica e cultural que se faz presente na escola no percebida por esta,

    que ainda continua pondo em prtica uma abordagem educacional que pouco contribui para a

    valorizao e a autoestima dos diferentes sujeitos que l interagem. Os saberes e

    conhecimento dos grupos dominantes so legitimados em detrimento de uma prtica

    educativa pluralista que comunga com os interesses das minorias desfavorecidas.

    De acordo com Bourdieu (1998, p. 53):

  • Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, necessrio e suficiente que a escola ignore, no mbito dos contedos do ensino que transmite e dos critrios de avaliao, as desigualdades culturais entre as crianas das diferentes classes sociais.

    Corroborando com o pensamento de Bourdieu, Santom (1995, p. 161) afirma que:

    Quando se analisa de maneira atenta os contedos que so desenvolvidos de forma explcita na maioria das instituies escolares e aquilo que enfatizado nas propostas curriculares, chama a ateno a arrasadora presena das culturas que podemos chamar de hegemnicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritrios e/ou marginalizados que no dispem de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando no estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reao.

    Mesmo com Leis e Diretrizes Curriculares que orientam na construo e promoo de

    uma educao numa perspectiva multicultural, ainda existe uma grande dificuldade por parte

    da escola e, em particular, dos professores em conceber os saberes e conhecimentos dos

    grupos menos favorecidos e historicamente discriminados como importantes e necessrios

    para a formao dos sujeitos. Como assinala Candau (2010, p. 16), no momento atual, as

    questes culturais no podem ser ignoradas pelos educadores e educadoras, sob o risco de que

    a escola cada vez se distancie mais dos universos simblicos, das mentalidades e das

    inquietudes das crianas e jovens de hoje.

    A educao precisa ser revista e pensada por todos que atuam direta ou indiretamente

    no espao escolar. Envolver a comunidade interna e externa em eventos e aes coletivas que

    priorize e insira na agenda escolar as questes pertinentes a promoo de uma educao

    multicultural deve fazer parte do calendrio letivo das escolas. Desta forma alm de abrir

    espaos para que os sujeitos se pronunciem, contribui significativamente para o

    direcionamento pedaggico do professor, que diante de todos possui a rdua tarefa de

    fomentar de maneira direta e prtica tais inquietaes e realizar intervenes que despertem a

    criticidade de seus alunos perante as diversas possibilidades educativas em sala de aula.

    A educao precisa cumprir com o seu papel de formadora de sujeitos

    crticos/reflexivo e ciente do seu papel de cidado. Como afirma Santom (1995, p. 176), a

    educao obrigatria tem que recuperar uma de suas razoes de ser: a de ser um espao onde as

    novas geraes se capacitem para adquirir e analisar criticamente o legado cultural da

  • sociedade. Os sistemas de ensino e, sobretudo, as escolas precisam perceber que a

    contextualizao de prticas educativas se faz necessrio e a que o direcionamento deve

    ocorrer.

    Diante do que foi apresentado, torna-se urgente a construo e efetivao de

    abordagens pedaggicas numa perspectiva multicultural, isto , que atenda as necessidades e

    interesses dos diferentes sujeitos que frequentam o ambiente escolar.

    Compreendendo a Educao Multicultural a partir da Cultura

    Para chegarmos neste osis da perspectiva de uma educao multicultural,

    primeiro precisamos enquanto educadores/as fazer uma retomada de alguns termos que

    precedem o termo multiculturalismo, como por exemplo, o termo cultura. Cultura um termo

    que usado livremente por todos, em vrios contextos, e por esta razo temos a tendncia de

    ter a ideia que fazemos da cultura como correta. Mas, o que se compreende por cultura?

    A definio de cultura algo complexo de significao. Para defini-la, os tericos

    precisaram abarcar conhecimentos e termos antropolgicos ou humansticos, como tambm

    levar em considerao as diferentes abstraes e realidades dos povos, ao longo do seu tempo

    histrico, pois como observa Macedo (2008, p. 91) cultura no s arte, cultura so valores,

    posturas, hbitos, lugares, conhecimentos, tcnicas, identidades comuns e diversas, conceitos,

    saberes e fazeres mltiplos.

    No dicionrio de filosofia de Abbagnano (2000, p. 38), a palavra cultura

    apresentada como termo que utilizado por socilogos e antroplogos para indicar o

    conjunto de modos de vida criados, adquiridos e transmitidos de uma gerao para outra,

    entre os membros de determinada sociedade. Segundo o autor, o sentido de cultura abarca

    tanto as civilizaes mais avanadas como as formas de vida social mais rstica e primitiva.

    Trata-se de um composto integral de elementos autnomos compartilhados por todos os

    membros de um determinado grupo social. Como afirma Sodr (2005, p. 9):

    Cultura uma dessas palavras metafricas (como, por exemplo, liberdade) que deslizam de um contexto para outro, com significaes diversas. justamente esse passe livre conceitual que universaliza discursivamente o

  • termo, fazendo de sua significao social a classe de todos os significados. A partir dessa operao, cultura passa a demarcar fronteiras, a estabelecer categorias de pensamento, a justificar as mais diversas aes e atitudes, a instaurar doutrinariamente o racismo e a se substancializar, ocultando a arbitrariedade histrica de sua inveno.

    Um dos grandes desafios em definir o que cultura vem do fato de que esta uma

    ideia e no algo palpvel. No matria, mas sim o pensamento por trs das aes, ou seja, a

    cultura o produto do pensamento do Homem, estando diretamente ligada s prticas de

    organizaes simblicas.

    A escola como um espao onde diferentes sujeitos e culturas interagem ainda

    continua sendo regulada nos moldes da cultura hegemnica, isto , a cultura europeia, desta

    forma, silenciando e marginalizando as demais.

    Se a educao est inserida nos processos socioculturais do contexto a qual faz parte,

    no faz sentido desenvolver-se uma proposta pedaggica desvinculada da necessidade e

    interesses dos sujeitos alvo desta proposta, e, obviamente, as questes culturais so pontos

    chave. Como afirma Candau e Moreira (2008, p. 133), existe uma relao intrnseca entre

    educao e cultura(s). Estes universos esto profundamente entrelaados e no podem ser

    analisados a no ser a partir de sua articulao ntima. Mesmo com todo o entrelaamento da

    educao e da cultura, sabemos que h tambm os estranhamentos e os confrontos nesta

    relao, principalmente no ambiente escolar.

    Nos dias atuais vivemos sob a predominncia do fenmeno da globalizao e da

    mundializao da cultura. A partir deste contexto, as relaes entre educao e cultura(s)

    tornam-se complexas, sendo necessria a discusso acerca desta temtica. Sendo assim, as

    instituies formais de ensino tendem a padronizar os ritmos e estratgias direcionados aos

    seus educandos, no levando em considerao as diversidades (de idade, experincias

    culturais etc.) existentes nas salas de aula. Este tipo de comportamento homogeneizador

    dificulta o debate sobre questes relacionadas com a diversidade como: preconceito,

    discriminao, raa, gnero, excluso e outros. E denuncia o carter monocultural da

    educao, presente no que se denomina como cultura escolar e cultura da escola (CANDAU e

    MOREIRA, 2008, p. 14, apud FORQUIN, 1993).

    A partir desta constatao do carter homogeneizador e monocultural da escola

    torna-se cada vez mais necessria a conscientizao e a necessidade de romper com estas

  • prticas e construir outras prticas educativas que levem em considerao a questo da

    diferena, do plural e do multiculturalismo. Como ratifica Moreira e Candau (2003, p. 161),

    a escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferena. Tende a silenci-

    las e neutraliz-las. [...] No entanto, abrir espaos para a diversidade, a diferena e para o

    cruzamento das culturas constitui o grande desafio que esta chamada a enfrentar.

    Para enfrentar estes desafios que emergem no seio da escola e para implementar uma

    educao multicultural com xito, esta precisa se ressignificar em vrios aspectos e pensar a

    escola como um sistema social, no qual todas as suas principais variveis esto estreitamente

    relacionadas (BANKS, 1993). Segundo Banks no basta apenas reformular o currculo ou

    proporcionar material e contedo especfico, mas ajudar aos professores e os outros membros

    da escola ganhar o conhecimento pessoal sobre os grupos culturais e sobre atitudes e valores

    democrticos para a efetivao de programas multiculturais. Assim ele pontua e ratifica:

    Para implementar a educao multicultural em uma escola precisamos reformar as suas relaes de poder, a interao entre professores e alunos, a cultura da escola, o currculo, as atividades extracurriculares, as atitudes de lnguas minoritrias, o programa de testes e prticas de agrupamento, as normas institucionais, estruturas sociais, crenas, declaraes, valores e objetivos da escola. Tudo deve ser transformado e/ou reconstrudo. (BANKS, 1993, p. 22) (traduo nossa).

    Banks tambm chama a ateno no currculo oculto da escola, suas normas e valores

    implcitos. Segundo ele, este a parte poderosa da cultura escolar que comunica aos

    educandos as atitudes da escola em direo a uma srie de questes e problemas, incluindo a

    forma como a escola v os seres humanos e suas atitudes em relao a homens, mulheres,

    alunos excepcionais, estudantes de religies diversas, grupos culturais, tnico-raciais. Ou seja,

    no currculo oculto est presente a viso de mundo, de sociedade e de homem que a escola

    quer formar.

    Assim, na formulao de planos para a educao multicultural, os professores devem

    conceituar escola como uma microcultura que tem normas, valores, status e uma variedade de

    outras microestruturas inseridas, representadas estas pelos sujeitos que a compe (professores,

    alunos, direo, funcionrios etc). Partindo deste pressuposto a escola deve ser um ambiente

    cultural onde os professores e alunos assimilam algumas vises, perspectivas e ethos de cada

    ator inserido neste ambiente, interagindo entre si. Deste modo, todos os envolvidos sero

  • enriquecidos por esse processo e o desempenho escolar dos diversos grupos ser reforado

    porque suas perspectivas sero legitimadas pela escola, enriquecendo o processo de partilha

    cultural e de interao. Enfim, a escola precisa ser um espao de incluso, onde os diferentes

    sujeitos que nela interagem se sintam parte integrante do processo de construo do

    conhecimento.

    Por uma Educao Multicultural

    A escola que sempre foi excludente, hoje exclui de maneira contnua, em todos os

    nveis de ensino, mantendo em seu interior aqueles que ela exclui, contentando-se em releg-

    los para os ramos mais desvalorizados, o que torna a escola num espao de marginalizao

    dos grupos menos favorecidos (BOURDIEU, 1998). notrio que os grupos minoritrios

    esto sendo includos no sistema educacional formal, no entanto, ao adentrar no espao

    escolar tornam-se invisveis, isto , suas culturas so silencias e marginalizadas, e quando

    mencionadas, quase sempre, so colocadas de forma estereotipada e/ou folclorizada.

    A luta incessante dos movimentos sociais, notadamente, do movimento negro, por

    uma educao das relaes tico-raciais tem surtido efeitos significativos frente ao Estado

    brasileiro e as escolas. Nos ltimos anos foram criadas polticas educacionais numa

    perspectivas multicultura que tem orientado os profissionais que atuam na escola na

    elaborao de um currculo que atenda as necessidades e interesses dos diferentes sujeitos que

    frequentam o espao escolar. Segundo Luz (2003, p. 62):

    Estamos tendo o prazer de ver expandir-se contemporaneamente, iniciativas coletivas de educadores em todo o mundo, em torno da afirmao de uma nova e urgente abordagem sobre educao, cujo princpio inaugural a dimenso ontolgica da diversidade humana, marcada pela angustiante procura da compreenso sobre o estar no mundo, no universo, ou seja, no processo dinmico da existncia humana.

    No entanto, as instituies escolares, em sua maioria, mesmo com leis e diretrizes

    curriculares que orientam na construo de uma abordagem educacional numa perspectiva

    multicultural, ainda se utilizam de um modelo educacional eurocentrista, monocultural e

  • excludente. Poucas so as unidades escolares que desenvolvem uma prtica educativa que

    atenda as necessidades e interesses dos grupos menos favorecidos e historicamente

    discriminados. Para Gadotti (1992, p. 3):

    A educao multicultural ainda, entre ns, um tema novo e falar dela significa assumir riscos e enfrentar problemas. Somos um pas etnocntrico. Embora multirracial, o Brasil, nas suas escolas, se comporta como se fosse monotnico, desconhecendo a existncia de outras culturas e etnias que no a ocidental crist.

    evidente que a promoo e efetivao de uma educao multicultural no acontecer

    de imediato em todas as escolas, assim como, desenvolvida de forma satisfatria por todos os

    profissionais que atuam na rea educacional, pois, como observa Gadotti (1992, p. 3), o

    desenvolvimento de uma educao multicultural no Brasil depende fortemente de mudanas

    no sistema educacional e, sobretudo, da formao do educador (grifo no original). Bem

    como do apoio e empenho de todos os envolvidos direta e indiretamente com a escola pais,

    professores, alunos, diretores, coordenadores, secretrios da educao, governo etc.

    Um aspecto relevante para a construo de uma educao multicultural se d na

    medida da compreenso da necessidade de mudanas curriculares, em que esta organizao

    por parte dos seus profissionais (professores, coordenadores, diretores etc.) seja repensada de

    forma que haja uma sistematizao dos saberes e conhecimentos culturais de forma natural e

    no apenas em situaes que folclorizam, limitando a compreenso ou deturpando

    determinados conhecimentos. necessria a materializao de propostas e objetivos. a

    partir dessa materializao no Projeto Pedaggico, nos planos de curso, nos objetivos

    institucionais e nos demais marcos da escola que a educao multicultural vai ser concebida.

    Pois, como afirma Santom (1995, p. 176):

    Uma pedagogia antimarginalizao precisa levar em considerao as dimenses ticas dos conhecimentos e das relaes sociais. preciso que as instituies escolares sejam lugares onde se aprendam, mediante a prtica cotidiana, analisar como e porque as discriminaes surgem, que significado devem ter as diferenas coletivas e, claro, individuais.

    Neste sentido, como assinala Gomes (1999, p. 04), educar para a diversidade fazer

    das diferenas um trunfo, explor-las na sua riqueza, possibilitar a troca, proceder como grupo,

  • entender que o acontecer humano feito de avanos e limites. Da que surge a necessidade

    de se por em prtica uma abordagem educativa dentro dos princpios da educao

    multicultural, visto que, como afirma Gadotti (1992, p. 3):

    A educao multicultural mais rica do que a educao monocultural, na medida em que constri o conhecimento atravs das vrias perspectivas de diferentes grupos tnicos, incentiva a parceria (s a parceria entre diferentes cria o novo) e rompe com o etnocentrismo, buscando, assim, a sntese entre cultura elaborada e cultura popular, entre cultura local e universal, permitindo o intercmbio entre educao regular e educao assistemtica, possibilitando o desenvolvimento dos valores democrticos e da cidadania (grifo no original).

    Assim sendo, investir numa proposta educativa multiculturalista o melhor caminho

    para acabar com o silenciamento e marginalizao de grupos e culturas tidas como inferiores

    pela sociedade e, consequentemente, pela escola.

    Consideraes finais

    Acreditamos na promoo e efetivao de uma educao questionadora, que vai contra

    a reproduo da estrutura vigente e que emerge como uma alternativa para se repensar a

    forma como o processo histrico consolidou a excluso dos grupos marginalizados e que hoje

    necessitam conhecer tais aspectos (sociais, histricos etc.) que foram construdos no decorrer

    dos tempos. Educao essa que deve ser pensada e posta em prtica de forma democrtica e

    igualitria, onde os contedos curriculares dialoguem com as diferentes expresses culturais

    que se fazem presente na sociedade brasileira e, por conseguinte, no ambiente educacional.

    A escola que se diz democrtica, precisa urgentemente incluir nos contedos

    curriculares os saberes e conhecimento dos diferentes sujeitos que frequenta o seu ambiente,

    assim como, abrir espao para que todas as manifestaes culturais se apresentem de forma

    equitativa. Todas as manifestaes que nos tornam diferentes uns dos outros precisam ser

    vistas, trabalhadas e respeitadas no ambiente educacional, assim como em qualquer outro

    ambiente social.

  • Enfim, a escola enquanto lugar privilegiado para a construo de conhecimento

    precisa desfazer-se de sua postura tradicional e reprodutora da sociedade e adotar uma nova

    atitude frente a diversidade tnica e cultural que interagem no seu espao, desvinculando-se

    dos esteretipos que estigmatiza, marginaliza e oprime qualquer tipo de manifestao que fuja

    aos padres culturais dominantes, ou seja, precisa desprender-se das prticas conservadoras e

    racistas e passe a desenvolver uma abordagem pedaggica que insira todos os sujeitos,

    independente de cor, credo, gnero, orientao sexual etc. numa prtica contextualizada e

    referendada por valores, conhecimentos e perspectiva de mudana paradigmtica.

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