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Departamento de Geografia e Meio Ambiente AS FIGUEIRAS (Ficus spp.) QUE FORAM DEIXADAS PARA TRÁS: A HISTÓRIA DA PAISAGEM REVELADA A PARTIR DE INDIVÍDUOS REMANESCENTES NA SERRA DA CARIOCA, MACIÇO DA TIJUCA, RJ Aluno: Vicente Leal Ewerton Fernandez Orientador: Alexandro Solórzano Coorientador: Gabriel Paes da Silva Sales Introdução A paisagem deve ser compreendida como produto da relação histórica entre a sociedade e o meio, refletindo seus aspectos culturais, sociais e econômicos (OLIVEIRA et al, 2011). Assim, a paisagem que observamos hoje é resultado de uma sobreposição de diferentes usos, deixando um legado socioecológico na forma de vestígios e que constituem o que foi denominado como paleoterritório “a espacialização das resultantes ecológicas de usos passados dos ecossistemas por populações, os quais deixam marcas visíveis na paisagem até a atualidade” (OLIVEIRA, 2008). A Mata Atlântica é o melhor exemplo desse grande mosaico de florestas com diferentes graus de conservação, tendo sido apropriada de diferentes formas ao longo do tempo. Citada entre as 25 áreas de tensão do mundo e, tendo perdido grande parte de sua extensão territorial, a Mata Atlântica se destaca entre as 11 áreas consideradas hotspot, ou seja, prioritárias para investimento de conservação (SVORC, 2007 citando BROOKS et al. 2002). A Mata Atlântica se expressa em diferentes tipos fisionômicos de florestas, onde se destaca a Floresta Ombrófila Densa. As alterações no relevo, altitude e diferentes processos sucessionais contribuem para a heterogeneidade dessas fisionomias florestais, assim como a ação antrópica, tanto no modo, como na intensidade destas ações de perturbação. Sendo assim, o que temos hoje como remanescentes da Mata Atlântica, são mosaicos de florestas com distintos estágios sucessionais, alguns mais jovens, outros em fase mais avançada de sucessão ecológica. A paisagem do Rio de Janeiro é produto de uma larga história da sociedade interagindo com a meio natural, sendo transformada de distintas formas e intensidades, antes mesmo da chegada dos portugueses. Os legados desta interação histórica estão impressos e escondidos dentro destas paisagens complexas em constante mudança. Ao longo da história, diferentes agentes sociais como Sambaquis, Tupinambás, senhores de engenhos de cana, produtores de café, produtores de carvão e mais recentemente com a expansão da população urbana, acabaram modificando a paisagem através de diferentes atividades, e com isso, deixando um legado na paisagem. Como referência das alterações sofridas pela paisagem do Rio de Janeiro, deve-se ter em conta que no início do século XVIII, os engenhos em funcionamento na cidade possuíam uma demanda individual por lenha que levava à derrubada de até 15 ha por safra (ENGEMANN et al., 2005), transformando drasticamente a paisagem da época. A Floresta da Tijuca foi apropriada de diferentes formas e finalidades ao longo do tempo, deixando um legado na paisagem presente até os dias de hoje. Entre os séculos XVI e XVIII, as alterações começam a ser mais severas, com o surgimento de engenhos para a produção de cana, açúcar e cachaça, deixando como vestígios na paisagem antigas chácaras e moinhos. Entre 1790 e 1830, as plantações de café dentro do Rio de Janeiro ou nas suas imediações começaram a se tornar um negócio muito lucrativo. As fazendas de café logo começaram a conquistar as encostas em torno da cidade. Plantações de cana-de- açúcar, mandioca e outras culturas alimentares que eram produzidas anteriormente foram desalojadas, e dezenas de hectares de florestas foram devastadas. Assim, cada vez mais a Floresta da Tijuca foi exposta a pressões demográficas e econômicas ainda maiores. O

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Departamento de Geografia e Meio Ambiente

AS FIGUEIRAS (Ficus spp.) QUE FORAM DEIXADAS PARA TRÁS: A

HISTÓRIA DA PAISAGEM REVELADA A PARTIR DE INDIVÍDUOS

REMANESCENTES NA SERRA DA CARIOCA, MACIÇO DA TIJUCA, RJ

Aluno: Vicente Leal Ewerton Fernandez

Orientador: Alexandro Solórzano

Coorientador: Gabriel Paes da Silva Sales

Introdução A paisagem deve ser compreendida como produto da relação histórica entre a

sociedade e o meio, refletindo seus aspectos culturais, sociais e econômicos (OLIVEIRA et

al, 2011). Assim, a paisagem que observamos hoje é resultado de uma sobreposição de

diferentes usos, deixando um legado socioecológico na forma de vestígios e que

constituem o que foi denominado como paleoterritório – “a espacialização das resultantes

ecológicas de usos passados dos ecossistemas por populações, os quais deixam marcas

visíveis na paisagem até a atualidade” (OLIVEIRA, 2008).

A Mata Atlântica é o melhor exemplo desse grande mosaico de florestas com

diferentes graus de conservação, tendo sido apropriada de diferentes formas ao longo do

tempo. Citada entre as 25 áreas de tensão do mundo e, tendo perdido grande parte de sua

extensão territorial, a Mata Atlântica se destaca entre as 11 áreas consideradas hotspot, ou

seja, prioritárias para investimento de conservação (SVORC, 2007 citando BROOKS et al.

2002). A Mata Atlântica se expressa em diferentes tipos fisionômicos de florestas, onde se

destaca a Floresta Ombrófila Densa. As alterações no relevo, altitude e diferentes

processos sucessionais contribuem para a heterogeneidade dessas fisionomias florestais,

assim como a ação antrópica, tanto no modo, como na intensidade destas ações de

perturbação. Sendo assim, o que temos hoje como remanescentes da Mata Atlântica, são

mosaicos de florestas com distintos estágios sucessionais, alguns mais jovens, outros em

fase mais avançada de sucessão ecológica.

A paisagem do Rio de Janeiro é produto de uma larga história da sociedade

interagindo com a meio natural, sendo transformada de distintas formas e intensidades,

antes mesmo da chegada dos portugueses. Os legados desta interação histórica estão

impressos e escondidos dentro destas paisagens complexas em constante mudança. Ao

longo da história, diferentes agentes sociais como Sambaquis, Tupinambás, senhores de

engenhos de cana, produtores de café, produtores de carvão e mais recentemente com a

expansão da população urbana, acabaram modificando a paisagem através de diferentes

atividades, e com isso, deixando um legado na paisagem. Como referência das alterações

sofridas pela paisagem do Rio de Janeiro, deve-se ter em conta que no início do século

XVIII, os engenhos em funcionamento na cidade possuíam uma demanda individual por

lenha que levava à derrubada de até 15 ha por safra (ENGEMANN et al., 2005),

transformando drasticamente a paisagem da época.

A Floresta da Tijuca foi apropriada de diferentes formas e finalidades ao longo do

tempo, deixando um legado na paisagem presente até os dias de hoje. Entre os séculos XVI

e XVIII, as alterações começam a ser mais severas, com o surgimento de engenhos para a

produção de cana, açúcar e cachaça, deixando como vestígios na paisagem antigas

chácaras e moinhos. Entre 1790 e 1830, as plantações de café dentro do Rio de Janeiro ou

nas suas imediações começaram a se tornar um negócio muito lucrativo. As fazendas de

café logo começaram a conquistar as encostas em torno da cidade. Plantações de cana-de-

açúcar, mandioca e outras culturas alimentares que eram produzidas anteriormente foram

desalojadas, e dezenas de hectares de florestas foram devastadas. Assim, cada vez mais a

Floresta da Tijuca foi exposta a pressões demográficas e econômicas ainda maiores. O

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meio ambiente do Rio de Janeiro não demorou a demonstrar os efeitos da devastação

promovida pela cafeicultura, resultando na diminuição da oferta de água para a cidade, que

crescia cada vez mais. Quando isso se combinou com anos de pouca chuva, o resultado

foram crises hídricas sérias. Tentando solucionar o problema, o governo imperial partiu

então para reflorestar parte das encostas, e em 18 de dezembro de 1861, Manuel Gomes

Archer (1821- 1905) foi nomeado administrador da floresta, com o objetivo de recuperar a

Floresta da Tijuca (DRUMMOND, 1988).

Ao entendermos a relação de uso dos recursos naturais pelo homem e suas marcas

deixadas na paisagem, podemos entender melhor a dinâmica e funcionamento destes

ecossistemas, a fim de elucidar o quanto as intervenções humanas interferem nestes

ecossistemas e até que ponto isto pode ser significativo para a dinâmica dos mesmos. O ser

humano pode interferir na estrutura dos ecossistemas de diferentes formas, inclusive por

meio de sua cultura e de suas crenças (SVORC, 2007). Em qualquer tipo de culturas, a

vida vegetal ocupa um dos segmentos mais significativos. Dessa forma, as plantas

desempenham um importante papel na sua existência material e social e estão sempre

presentes no seu cotidiano (SILVA, 2005).

Na Mata Atlântica, as figueiras somam junto com outras espécies de grande porte

(Jequitibá, Cedro etc.) um legado de árvores que “foram deixadas para trás”, isto é, árvores

remanescentes na paisagem. Este legado está diretamente associado a pratica de poupar do

corte espécimes de grande porte por motivos culturais e logísticos (gasto energético na

derrubada de árvores de grande porte) (SALES et al., 2014). No caso das figueiras (gênero

Ficus spp.) na Mata Atlântica, alguns estudos mostram a relação simbólico-religioso que

diversas populações (caiçaras, quilombolas, sitiantes antigos) estabeleceram com esta

espécie (SVORC, 2007). Vale ressaltar que esta espécie apresenta um importante papel

ecológico ao ser fonte de recurso para diversas espécies de avifauna e mastofauna, que por

sua vez, dispersam sementes de espécies zoocóricas, além de servir de poleiro para aves.

Além disso, a cobertura de copa da figueira permite o estabelecimento de espécies

tolerantes à sombra e de estágio secundário. Com isso postula-se que as figueiras

remanescentes em paisagens fragmentadas servem de pontos de nucleação da regeneração

natural.

O simbolismo religioso do gênero Ficus sp.

O culto às árvores é antigo e está presente em diferentes culturas e religiões no

mundo. No antigo Egito, entre os gregos, nas civilizações asiáticas, africanas, nórdicas, na

Índia, na Mesopotâmia, os povos bíblicos, indígenas brasileiros, dentre outros está sempre

presente a figura da árvore, com diferentes sentidos e significados (AZEVEDO, 2015). As

figueiras ocupam um lugar importante na história de diversos povos e civilizações, uma

vez que estão presentes na esfera cultural e religiosa dos mesmos.

Na cultura judaico-cristã as figueiras têm um papel de destaque, aparecendo no

Antigo Testamento da Bíblia em mais de 40 referências, além do Novo Testamento onde

são encontradas dezesseis citações sobre as figueiras. Em uma dessas citações, ao contrário

do senso comum, Jesus seca e não amaldiçoa a figueira que não dá fruto (SVORC, 2007):

“Cedo de manhã, ao voltar para a cidade, teve fome; e vendo uma figueira à beira do caminho; aproximou-se dela; e, não

tendo achado senão folhas, disse-lhe: nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou imediatamente...”

Mateus (21: 18-19)

Na África, a espécie Clorophora excelsa faz parte da vida cultural e religiosa de

certos grupos étnicos, sendo representada na costa ocidental africana por uma divindade

chamada Iroko, que é considerada uma árvore sagrada pelas comunidades locais (SVORC

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& OLIVEIRA, 2012). Suas folhas são usadas em rituais de iniciação na religião e junto à

árvore são feitas oferendas alimentares (AZEVEDO 2015).

Com a vinda de escravos africanos para o Brasil, o Iroko teve de ser (re)significado

para a manutenção do culto, tendo em vista que a figueira que o representa em seu

território de origem não ocorre no Brasil. Assim, figueiras nativas de diferentes espécies

passaram a representar essa mesma divindade, adaptando a cultura afrodescendente no

território brasileiro.

Deste modo, é possível afirmar que esta simbologia religiosa, presente em várias culturas, trouxe como consequência a conservação das figueiras no Brasil. Podemos

constatar este fato ao observarmos exemplares que se destacam dos demais indivíduos pelo

seu elevado diâmetro do caule e, pela sua altura total (Figura X). Em síntese, a biomassa

desses exemplares quase sempre supera, em muito, a dos demais componentes arbóreos

dessas formações secundárias (SVORC, 2007). Este cenário é comum principalmente na

Mata Atlântica, onde ocorreram diversos usos da biomassa florestal por populações

pretéritas, resultando em grandes mosaicos de florestas em diferentes graus de

conservação.

Nesses ambientes fica evidente o corte seletivo da floresta, mantendo-se apenas as

figueiras e indivíduos de grande porte, estes poupados do corte por questões logísticas

(SALES et al., 2014). Sendo assim, o legado cultural passa a ter importância não só

religiosa, mas também ambiental, tendo em visto que o manejo e propagação de determinadas espécies de plantas permitem sua conservação em detrimento de outras,

como o caso das figueiras. (OLIVEIRA, 2007).

Figura 1. Figueira remanescente próxima as ruínas do Mocke, no Alto da Boa Vista.

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Objetivo

A presente pesquisa tem como objetivo geral a caracterização fitossociológica sob a

copa de indivíduos remanescentes do gênero Ficus. Apresenta ainda como objetivos

secundários o mapeamento destas espécies de valor cultural, além de vestígios materiais, e

outros vestígios biológicos que indicam a presença pretérita de populações humanas no

interior da floresta que recobre o Maciço da Tijuca; determinar a estrutura e composição

florística sob a copa de indivíduos remanescentes de Ficus spp. para compreender o papel

desta espécie como nucleadora da regeneração natural desta floresta; identificar quais

espécies compõem o estrato regenerante sob a copa das figueiras remanescentes.

Procedimentos metodológicos

Áreas de estudos:

O estudo foi realizado em duas áreas do Maciço da Tijuca, na Serra da Carioca e

nas Ruínas do Mocke no Alto da Boa Vista, ambas na Zona sul do Rio de Janeiro. O

maciço é formado predominantemente por gnaisse e possuí alta declividade e grande

quantidade de afloramentos rochosos com solo muito raso. Ele é composto

predominantemente por Floresta Ombrófila Densa Submontana em estágio secundário

intermediário à tardio (CONAMA,1994).

Especificamente falando das ruínas do Mocke, deve ser levado em conta o seu

passado de uso e ocupação rico em história e importância para a cidade do Rio de Janeiro.

Segundo o ICMBio: Foi propriedade do holandês Alexander van Moke, onde além de café, a Fazenda

Nassau produzia diversos alimentos como aspargos, couve-flor, repolho,

mandioca, banana e feijão para consumo dos escravos. Era considerado o maior

empreendimento cafeeiro do país, com extensas plantações de até 100 mil pés de

café e 16 edificações, constituindo o mais completo estabelecimento agrícola na

cidade do Rio de Janeiro. Após a morte de Moke, em 1828, a fazenda continuou

sob a supervisão de sua esposa e, durante muitos anos, permaneceu sendo uma

referência para a cidade. Sua importância era tanta que ganhou uma citação em

um dos romances de José de Alencar, “Sonhos D´Ouro” (ICMBio, 2014).

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Figura 2. Mapa de distribuição de figueiras, carvoarias e ruínas no Parque Nacional da

Tijuca.

Procedimentos metodológicos Mapeamento de espécies de valor cultural, vestígios materiais e outros vestígios

biológicos que indicam a presença pretérita de populações humanas

Um levantamento inicial da área de estudo foi realizado através de excursões de

campo ao longo de diversos trechos do Maciço da Tijuca ao longo do sistema de trilhas,

antigas estradas e eixos de drenagem que cortam a floresta. O mapeamento de indivíduos

remanescentes de Ficus sp., vestígios humanos (biológicos, físicos e culturais), tal como

ruínas e carvoarias, também foram amostrados, de modo que estes comprovam o uso e a

ocupação deste território em determinado momento da história da floresta.

O mapeamento consistiu na marcação de pontos utilizando equipamento de GPS

próprio para uso em ambientes sob densa cobertura vegetal (Garmin Etrex HCX), sendo os

pontos encontrados transferidos para o programa ArcGis (que inclui os ambientes ArcMap

e ArcCatalog) a partir do qual foram confeccionados mapas com a disposição desses

vestígios. A partir desta primeira etapa foram desenvolvidos mapeamentos, tendo-se por

base as informações do Instituto Pereira Passos disponibilizadas pelo LABGIS da PUC-

Rio, que apresentassem informações associadas às características geomorfológicas da área.

Este mapeamento subsidiará esforços para mapear as florestas secundárias de acordo com a

sua idade (estimada) e associações florísticas (elevada densidade/dominância de uma

espécie, ou conjunto de espécies) e uso pretérito.

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Análise da estrutura e composição florística sob a copa de indivíduos remanescentes de

Ficus spp

Uma segunda etapa deste projeto consistiu em avaliar o grau a capacidade de

regeneração da floresta em torno de indivíduos remanescentes de Ficus sp. à partir do

estudo da estrutura, composição florística e diversidade do estrato arbóreo da vegetação.

Assim, após uma seleção prévia de 2 figueiras remanescentes foi amostrada a área sob a

copa destes indivíduos utilizando uma parcela circular de 10 m de raio, com uma área

amostral de 314 m2, onde foi medido o diâmetro e altura dos indivíduos arbóreos e

arbustivos com DAP (diâmetro à altura do peito) maior ou igual à que 5 cm (MUELLER-

DOMBOIS & ELLEMBERG 1974). Para a análise da estrutura e composição dos trechos

de floresta estudados serão adotadas as fórmulas apresentadas por Curtis & MacIntosh

(1950; 1951) para os seguintes parâmetros: densidade (DR), área basal (AB) (KENT &

COKER 1992). Os dados foram processados utilizando o programa Excel (do pacote

Office 2010 da Microsoft). Quando não foi possível a identificação segura em campo, as

espécies foram coletadas e prensadas segundo as normas usuais e identificadas utilizando-

se bibliografia especializada, por comparação com material depositado em herbários ou

consultas a especialistas. O sistema de classificação taxonômica adotado segue APG III

(2009).

A densidade do estrato regenerante foi amostrada em quatro sub-parcelas, dispostas

nas duas parcelas amostradas, para verificar quais espécies estão sendo recrutadas sob a

copa da figueira. Para isso, foram inventariados todos os indivíduos abaixo de 5 cm de

DAP (diâmetro à altura do peito) dentro da área amostral de 80 m² das sub-parcelas,

seguindo os mesmos procedimentos de identificação citados acima.

Figura 3. Método utilizado para avaliar a capacidade de regeneração da floresta em torno

de indivíduos remanescentes de Ficus sp

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Resultados e discussão

O mapeamento de todas as figueiras, assim como todos os outros vestígios físicos e

biológicos foi obtido durante as atividades de campo realizadas entre fevereiro de 2014 e

julho de 2017. Este mapeamento foi feito a partir do sistema de trilhas, antigas estradas e

eixos preferenciais de drenagem do Parque Nacional da Tijuca. Muitas destas trilhas fazem

parte do atual projeto “Trilha Transcarioca” que através de um sistema de trilhas pré-

existentes interliga demais pontos turísticos do Parque Nacional da Tijuca com o Parque

Estadual Pedra Branca (INEA, 2013). Até o momento, no Maciço da Tijuca foram

encontradas 46 figueiras, 141 carvoarias, 47 ruínas evidenciando a relação do homem com

a floresta.

As 46 figueiras foram encontradas em diferentes pontos do Parque Nacional da

Tijuca, tendo o maior número de indivíduos ao longo de toda a Serra da Carioca.

Indivíduos remanescentes de figueiras também foram encontrados na Pedra Bonita, Pedra

da Gávea e Alto da Boa Vista, estando muitas vezes perto de antigas carvoarias. Esta

proximidade entre figueiras e carvoarias comprova que alguns desses indivíduos podem ter

sido poupados do corte, enquanto que os outros ao seu redor eram utilizados para a

produção de carvão.

Figura 4. Mapa de distribuição de figueiras no Parque Nacional da Tijuca.

O elevado número de carvoarias em diferentes pontos da floresta revela que grande

parte da vegetação florestal arbórea foi, em algum momento, suprimida em detrimento da

produção de carvão. Fábricas existentes nas baixadas e nas áreas de baixa encosta

provavelmente se utilizaram do carvão vegetal produzido na Floresta da Tijuca, a exemplo

da Real Fábrica de Pólvora (1810-1827), além das propriedades particulares, como a

Chácara do Macaco (Gaspar, 2011). A existência de estradas com calçamento de pedras,

além de antigas pontes no meio da floresta é explicada a partir da produção de carvão,

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assim como a produção de cana e açúcar. Esta produção precisava ser escoada para outras

partes da cidade, criando assim, uma rede de estradas que hoje estão sendo redescobertas e

integradas ao projeto da “Trilha Transcarioca”.

O carvão vegetal era produzido por ex-escravos ou escravos fugidos (OLIVEIRA &

FRAGA et al, 2011), que muitas vezes construíam casas no meio da floresta, encontradas

hoje em ruínas. É provável que eles se alimentassem dos recursos encontrados na floresta,

podendo se destacar a jaqueira como uma fonte de recursos, devido a sua palatabilidade e

valor nutricional. Além das casas de antigos carvoeiros, também foram encontradas ruínas

maiores, pertencentes a antigas fazendas, como por exemplo as ruínas do Mocke, onde

antes haviam 16 edificações (Figura 4). Em alguns casos, foram encontradas garrafas e

louças antigas, como aconteceu nas ruínas do Mocke, onde tivemos a oportunidade de

encontrar muitos artefatos antigos (Figura 6). Muitas dessas fazendas possuíam espécies

frutíferas exóticas, seja para comercialização ou consumo próprio. Este cenário é bem claro

na segunda área estudada (ruínas do Mocke), onde foram encontrados 3 indivíduos de

Jambo (Sygygium jambos) )(Figura 5), além de uma Mangueira (Mangifera indica).

Figura 5. Parte das ruínas do Mocke, no Alto da Boa Vista.

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Figura 6. Vestígios antigos encontrados nas ruínas do Mocke.

Figura 7. Indivíduo de Jambo (Sygygium jambos) com fruto nas ruínas do Mocke, no

Alto da Boa Vista.

A área da Figueira 2 teve uma densidade total superior a outra área amostrada com

1.783 indivíduos por hectare, enquanto que a área da Figueira 1 apresentou 1.115

indivíduos, no entanto, ambas possuem uma densidade esperada para florestas secundárias

(SOLÓRZONO, 2006). A diferença entre as áreas com relação ao número de espécies não

foi representativa, com 28 espécies encontradas na Figueira 1 e 24 na Figueira 2, ambas

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com valores esperados para florestas com os mesmos padrões sucessionais. Nas duas áreas

foram encontradas espécies que condizem com uma floresta secundária, como Guarea

guidonia e Artocarpus heterophyllus, no entanto, a dominância relativa nas duas áreas é

distinta. Enquanto na área da Figueira 1 nenhuma espécie se destacou com relação a sua

dominância relativa, na área da Figueira 2 os indivíduos de Artocarpus heterophyllus

ocupam 27,27 % do total. Cabe destacar a elevada área basal destas duas áreas, com

valores que ultrapassam a média das florestas secundárias do Rio de Janeiro. Os 81,29

m²/ha e 57,47 m²/ha de área basal das áreas 1 e 2 respectivamente, são justificados pela

presença de indivíduos de grande porte de Artocarpus heterophyllus, Lacistema pubencens,

Mangifera indica, e Guarea guidonia (Tabela 1). Em nenhuma das duas áreas foram

encontrados outros indivíduos de figueira.

Tabela 1. Síntese dos resultados estruturais das parcelas levantados em torno dos dois

indivíduos remanescentes de Ficus sp.

Figueira Densidade total

(ind./ha)

Área basal

(m²/ha)

Número de

morfoespécies

1 1.115 81,29 26

2 1.783 57,47 23

A exemplo do estrato arbóreo, em nenhuma das duas áreas foram encontrados

indivíduos de figueira em condição de regeneração. Isso indica que em nenhuma das áreas

as figueiras estão recrutando novos indivíduos. No estrato regenerante as duas áreas

possuem espécies que se destacam com relação à dominância relativa. Na área da Figueira

1, a Eugenea prasina representa 33,05 % do total de indivíduos, enquanto que na outra

área amostrada 31,39 % dos indivíduos são Artocarpus heterophyllus. Como dito

anteriormente, a Jaqueira (Artocarpus heterophyllu) foi muito aproveitada por sua

palatabilidade e valor nutricional, o que justifica a grande representatividade desta espécie

no local. Assim como a Jaqueira, a presença de outra espécie exótica é de se chamar a

atenção. Os 15 indivíduos (8,72 % do total de indivíduos) de Jambo (Sygygium jambos)

encontrados no estrato regenerante da área da Figueira 2 se justifica pela pequena

população encontrada no local, originária provavelmente do plantio com fins de

ornamentação e de subsistência. A presença dessas espécies exóticas reforça a presença de

populações pretéritas nas áreas estudadas, demonstrando como que a ação do homem pode

alterar a trajetória sucessional de um ecossistema.

A área da Figueira 2 apresenta uma densidade e dominância de uma espécie exótica

(jaqueira), nunca antes visto para a Mata Atlântica. Assim, podemos dizer que é uma área

que se enquadram como ecossistema emergente. Entende-se como ecossistema emergente

uma área com densidade elevada de espécie exótica, independentemente de ser passível de

ser manejado ou não (Martinuzzi et al. 2013). O que fica claro é o grau de participação da

jaqueira na estrutura da vegetação, ao mesmo tempo elevando a área basal dos trechos

estudados, assim como participando do sub-bosque. Neste caso o grau de emergência do

ecossistema, pode estar relacionado ao grau de modificação humana, estando associado às

atividades realizadas à priori. A exemplo do estrato arbóreo, em nenhuma das duas áreas

foram encontrados indivíduos de figueira em condição de regeneração. Isso indica que em

nenhuma das áreas as figueiras estão recrutando novos indivíduos.

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Conclusões preliminares

1) O mapeamento de vestígios físicos e biológicos evidenciou que a Florestas da Tijuca já

foi intensamente utilizada e grande parte de sua cobertura florestal já passou por algum

tipo uso no passado, alterando assim, sua estrutura e composição florística atual.

2) Como foi apresentado no estudo fitossociológico, os exemplares do gênero Ficus

encontrados nas áreas de estudos são distintos dos demais componentes arbóreos das áreas

inventariadas no que se refere à sua biomassa. Particularmente os diâmetros e,

em menor escala as alturas das figueiras, são significativamente mais elevados. Isto

evidencia que se tratam de exemplares mais antigos do que as demais árvores que se

encontram na mesma comunidade. A presença das figueiras centenárias contribui para um

aumento significativo da biomassa florestal na escala examinada.

3) Não foi verificado o recrutamento das espécies de Ficus estudadas, pelo menos no que

se refere ao critério de inclusão utilizado (DAP> 5 cm), que engloba indivíduos não

maduros em termos reprodutivos. Também não foram amostrados indivíduos jovens. A

princípio não se trata de uma estratégia de ocupação do espaço por parte destas espécies,

pois foram encontrados outros indivíduos remanescentes perto das áreas estudadas. No

entanto, não é possível afirmar que esteja havendo problemas na produção de frutos, uma

vez que não foi possível realizar a coleta dos indivíduos de figueira por conta de sua altura.

Segundo SVORC (2007), descarta-se a hipótese de que esteja ocorrendo problemas

relativos à polinização, pois se tratam de espécies nativas desenvolvendo-se em ambientes

relativamente equilibrados ecologicamente. No entanto, não se dispõe de informações

acerca dos seus mecanismos de germinação – se estes se dão em ambiente de luz ou de

reduzida luminosidade. Seja qual for à hipótese, a maioria destas espécies não está sendo

recrutada.

Referências

1. BROOKS, T. M. et al. 2002. Habitat Loss and Extinction in the Hotspots of

Biodiversity. Conservation Biology 16 (4): 909–923

2. DRUMMOND, José Augusto. O Jardim Dentro da Máquina: Estudos Históricos,

Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, 1988, p. 276-298.

3. ENGEMANN, C. et al. 2005. Consumo de recursos florestais e produção de açúcar

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